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MODELO – INICIAL INDENIZAÇÃO POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA CÍVEL DA __________

ACASSIA... , por sua procuradora1[1] respeitosamente vem à elevada


consideração deste Juízo para com fundamento nos artigos 186, 927 e 944 do CC, Lei
11.977/2009 e 12.424/2001 propor a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO contra CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL, instituição financeira sob a forma de empresa pública - CNPJ
00.360.305/0001-04 – com sede administrativa e foro em Brasília-DF, no Setor Bancário Sul,
Quadra 04, lotes 03 e 04, em razão dos fatos que passa a expor:

DA JUSTIÇA GRATUITA.

Inicialmente afirma não possuir condições de arcar com as despesas


relativas ao processo sem comprometer o sustento próprio e de sua familia, situação que
credencia a obter a benesse legal da gratuidade da justiça, consoante disposições da Lei
1060/50 e art. 98 do CPC.

Destarte, a afirmação de hipossuficiência econômica desfruta de presunção


legal do necessitado para isenção dos custos processuais, conforme sedimentado na
jurisprudência do STJ:

1
Tratando-se de pessoa física, a justiça gratuita deve ser concedida à vista da
simples afirmação da parte, uma vez que essa goza de presunção juris tantum de
veracidade (art.99, §3º do CPC); STJ; 5ª turma. REsp. 243.386.2[2]

Transpondo a presunção legal, converge para o deferimento, o fato de que o


objeto da ação (imóvel popular destinado à população de baixa renda - inferior a R$1.800,00 -)
faz intuir tratar-se de pessoa de família pobre, com severa carência econômica. No ponto, invoca
a máxima da experiência comum de que deve se valer o juiz, conforme vasado art. 375 do CPC
ao proferir seus éditos, ou seja, percebendo se tratar de localidade periférica cujas moradias se
destinam a classe menos favorecida economicamente, pode seguramente intuir pela
necessidade econômica da parte autora e do direito a benesse da gratuidade, sem prejuízo da
parte contrária tentar fazer prova em outro sentido.

SUPORTE FÁTICO.

A parte Autora adquiriu seu imóvel através de Contrato de Compra e Venda e


Mútuo com Obrigações e Alienação Fiduciária em Garantia (contrato anexo) celebrado com a ré
no âmbito do Programa “Minha Casa Minha Vida”, FAIXA 13[3], instituído pelo Governo Federal
por meio das Leis nº 11.977/2009 e nº 12.424/2011.

Referido programa habitacional sempre ganhou e ainda possui notável


espaço midiático sendo de domínio público a natureza, destinatário e tipo de moradias que se
edificam, bem como o público alvo do referido programa.

3
Desde a data em que se imitiu na posse da unidade a parte autora vem
observando o surgimento de inúmeros problemas internos e externos de sua moradia, tais como
deficiência e subdimensionamento nas instalações hidráulicas e elétricas, rachaduras e trincas
nos pisos e revestimentos, umidade ascendente e descendente, falhas de impermeabilização,
deterioração do reboco e pintura, infiltrações pelo teto e janelas entre inúmeros outros,
minuciados no laudo preliminar que se junta.

Além dos vícios de construção antes referidos, verificando os imóveis


vizinhos deparou-se com problemas idênticos, que se repetem em todos os imóveis do conjunto
habitacional, constatando que em todas as edificações, empregou-se material inferior daquele
constante nos anúncios do programa de moradia, bem como com deficiência técnica na
execução dos serviços de edificação, situação que se coaduna com a conclusão a que chegou o
Tribunal de Contas da União ao auditar os números do programa habitacional, como veremos
no tópico abaixo.

Os problemas existentes foram previamente identificados e quantificados por


engenheiro capacitado, através de inspeção local, e encontram-se devidamente relacionados na
vistoria Preliminar (com planilha orçamentária), em anexo, registrando tratar-se de início de
prova apresentada com intenção de mostrar ao juízo a real situação dos moradores, documento
este subscrito por profissional da engenharia, apto a corroborar o direito pleiteado.

Em havendo discordância da requerida com a conclusão técnica acima


referenciada, necessariamente deverá se realizar prova pericial nos moldes do art. 464 e
seguintes do CPC.

Constatadas as falhas construtivas, defeitos e danos, como ínsito ao princípio


da inafastabilidade da jurisdição e da ampla reparação, acode ao Poder Judiciário, pretendendo
receber, com a propositura desta ação, justa e integral indenização (arts. 186 e 944 do CC) pelos
danos existentes, com a condenação da Ré ao pagamento da quantia necessária a reparação
de seu imóvel, além de dano moral porquanto os transtornos perpassam aqueles próprios do dia-
a-dia afetando sua psique.

DA LEGITIMIDADE DAS PARTES.

A CEF, por atuar como agente executor do “Programa Minha Casa Minha
Vida – PMCMV”, conforme artigo 9º da Lei nº 11.977/2009 que dispõe sobre o PMCMV, é
incontestavelmente responsável pelos danos e prejuízos causados à parte autora.

As Leis n. 11.977/09 e 12.424/2011, regulamentadoras do Programa Minha


Casa Minha Vida (PMCMV), e a jurisprudência já consolidada deixam clara a responsabilidade
da empresa pública pela execução, garantia, entrega e qualificação dos empreendimentos
imobiliários.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE FAZER


CUMULADA COM DANOS MORAIS E MATERIAIS. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DE
IMÓVEL. MORADIA POPULAR. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. AGENTE DE
POLÍTICA FEDERAL DE PROMOÇÃO À MORADIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA
AGRAVANTE. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. "A questão da legitimidade passiva da CEF, na condição de agente financeiro, em ação


de indenização por vício de construção, merece distinção, a depender do tipo de
financiamento e das obrigações a seu cargo, podendo ser distinguidos, a grosso modo,
dois gêneros de atuação no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, isso a par de sua
ação como agente financeiro em mútuos concedidos fora do SFH (1) meramente como
agente financeiro em sentido estrito, assim como as demais instituições financeiras públicas
e privadas (2) ou como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia
para pessoas de baixa ou baixíssima renda" (REsp 1.163.228/AM, Rel. Ministra MARIA
ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, DJe de 31/10/2012). 2. No caso, deve ser rejeitada a
defendida ilegitimidade passiva, na medida em que o eg. Tribunal a quo expressamente
assentou que a ora agravante atuou como "(...) integrante de políticas federais voltadas à
promoção de moradia para pessoas de baixa renda, eis que, nesse caso, atua não apenas
como mero agente financeiro, mas como executor/gestor de programas governamentais".
3. Agravo interno desprovido.(AgInt no REsp 1536218/AL, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 14/10/2019).

Como agente operadora do referido programa governamental, incumbe a


CEF a fiscalização da obra, com adoção de frequentes condutas, medições e fiscalização da
obra com posterior repasse dos valores à construtora. Evidente que esse dever fiscalizatório
abrange a verificação da eventual existência de vícios de construção, emprego de material e
técnicas adequadas, e que atenda para além da expectativa dos adquirentes, o prometido pelo
programa e pelo contrato.

Como antes referido, atento a essa problemática que se pode dizer já é


endêmica, o Tribunal de Contas da União, no Relatório de Auditoria nº TC 033.568/2012-04[4],
após análise dos normativos que regulamentam o programa, e verificações in loco, foi conclusivo
em relação à responsabilidade da Caixa Econômica Federal em zelar pela correta aplicação dos
recursos sob sua gestão e, via de consequência, por sua responsabilização civil.

Extrai-se do referido relatório:

“50. Quanto ao acompanhamento das obras, de acordo com os subitens 3.4.5.1 e 3.4.5.2
do Manual Caixa AE098 (versão 8), os técnicos da Caixa devem efetuar duas vistorias
mensais em empreendimentos com até quinhentas unidades habitacionais, podendo ser
realizadas vistorias adicionais naqueles com mais unidades. [...]. Conforme os subitens
3.4.3.5 e 3.4.3.5.1 do citado manual, os serviços executados com qualidade ou materiais
inadequados ou em desacordo com os projetos não podem ser considerados no percentual
aferido do período.” (p. 20 - grifamos)

4
Da conclusão, vale transcrever o seguinte excerto:

“285. As informações coletadas pela auditoria ilustram exemplos de empreendimentos


concluídos ou recentemente entregues apresentando patologias e vícios construtivos que
depreciam as unidades habitacionais repassadas às famílias beneficiárias e comprometem
a segurança e o bem estar dessas pessoas. O quadro encontrado pela auditoria evidencia
problemas recorrentes de qualidade nos empreendimentos do PMCMV/FAR, resultado da
aprovação e execução de projetos deficientes ou em desconformidade com as
especificações mínimas do programa, da utilização de materiais de baixa qualidade e da
inobservância de normas técnicas da ABNT.” (p. 67 – grifamos)

No caso a CEF omitiu-se no seu poder/dever fiscalizatório, liberando os


valores à construtora, quando previamente deveria ter primado pela qualidade e segurança da
obra, refutando o emprego de materiais de baixa qualidade e serviços mal executados e fora das
normas técnicas, evitando-se os denominados vícios construtivos, que hoje se avultam,
apequenando o próprio programa habitacional e que com o tempo serão agravados.

Resta claro que a CEF não pode se eximir da responsabilidade decorrente de


vícios ou falhas construtivas constatadas, pois deveria antes de alienar e entregar os imóveis,
(cujo programa foi gestora) através de seus engenheiros ter fiscalizado detalhadamente cada
etapa do empreendimento, visto que é a responsável pelos subsídios do Programa do Governo
Federal. Sua omissão foi causa eficiente dos danos.

No ponto, sobeja culpa in eligendo, e in vigilando, pois, além de eleger mal a


construtora que executou as obras do empreendimento, falhou no seu dever de fiscalizar o
cumprimento das obrigações pactuadas e ao entregar o que estava fora das diretrizes
programáticas e dos projetos construtivos.
Neste sentido, como vetor decisório, consoante orienta o art. 926 e 489, §1º
Inc. VI do CPC, seguindo orientação do STJ colhe-se da jurisprudência do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, o julgado abaixo:

“VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO NO IMÓVEL. MINHA CASA, MINHA VIDA. CEF.


LEGITIMIDADE. 1. No caso dos autos, a Caixa atua como agente executor de políticas
federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda, razão
pela qual é parte legítima para responder à ação que visa a apurar vícios de construção
decorrente de aquisição de imóvel por meio do programa "Minha Casa, Minha Vida". 2.
Agravo de instrumento improvido.” (TRF4, AG 5019004-95.2014.404.0000, Terceira Turma,
Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 10/10/2014)

Do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, colaciona-se o seguinte


precedente:

“CIVIL. PROCESSO CIVIL. SFH. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. VÍCIOS DE
CONSTRUÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.
APELAÇÃO PROVIDA. 1. Trata-se de apelação contra sentença que declarou a
ilegitimidade da Caixa Econômica Federal para compor o polo passivo em ação onde se
busca indenização por vício de construção.

2. Caso em que a CEF atuou como gestora/executora do Programa Nacional de Habitação


Popular, integrante do Programa Minha Casa Minha Vida, o que legitima para responder
por vícios em construção de imóvel, consoante Lei nº 11.977/09 e estatuto do Fundo
Garantidor de Habitação Popular FGHab. Precedentes desta Corte e do STJ.

3. Demais disso, a CEF foi responsável pelo financiamento da obra e pela seleção prévia
da construtora que edificou o empreendimento, o que se pode configurar, ao menos, culpa
in eligendo, a depender do apurado na instrução probatória.

4. Da mesma forma seria possível vislumbrar a culpa in vigilando, pois, nesses casos, a
fiscalização realizada pela CEF não ocorre apenas em função de seu interesse em que o
empréstimo seja utilizado para os fins descritos no contrato de mútuo, mas também para
zelar pela correta execução do programa destinado a produção de imóveis para a
população de baixa renda;

5. Apelação provida. (TRF5, AC 08006342320124058000, Segunda Turma, Relator Paulo


Roberto de Oliveira Lima. DJ em 20/05/2014)

Por oportuno, vale colacionar outra recente decisão proferida pelo Superior
Tribunal de Justiça referente à legitimidade da CEF envolvendo danos físicos nos imóveis do
“Programa Minha Casa Minha Vida”:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESERÇÃO.


NÃO OCORRÊNCIA. JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS.
DESNECESSIDADE DE REITERAÇÃO DO PEDIDO PERANTE ESTA CORTE
SUPERIOR. SFH. PROGRAMA "MINHA CASA MINHA VIDA". VÍCIOS CONSTRUTIVOS.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CEF. PRECEDENTES. PROVIDO. DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por RAPHAEL DA SILVA com fundamento no art.
105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão prolatado pelo Tribunal Regional
Federal da 4ª Região assim ementado: ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. OBRA.
ATRASO NA ENTREGA. IMÓVEL FINANCIADO DENTRO DO PROGRAMA MINHA CASA
MINHA VIDA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. LEI 11.977/2009. LEI
12.424/2011. É incontestável a ilegitimidade passiva da Caixa Econômica Federal para
responder pelos danos decorrentes do atraso na entrega do imóvel, pois, no caso presente,
apenas financiou a aquisição do bem (e-STJ, fl. 555). Opostos embargos de declaração,
restaram rejeitados (e-STJ, fls. 574/578). Nas razões do recurso especial, o recorrente
alega, além de dissídio jurisprudencial, ofensa aos arts. 2º, I, e 9º, ambos da Lei
nº12.424/2011, sustentando, em síntese, que a Caixa Econômica Federal possui
legitimidade para responder à presente demanda, de vez que atua como agente financeiro
gestor do programa governamental "Minha Casa Minha Vida". Sem contrarrazões (e-STJ, fl.
726). O recurso foi admitido na origem (e-STJ, fl. 729). É o relatório. Decido. Emergem dos
autos que RAPHAEL DA SILVA ajuizou ação ordinária de indenização por danos morais e
materiais pretendendo reparação pelo fato do atraso na entrega do imóvel adquirido da
empresa Terra Nova Rodobens Incorporadora Imobiliária Palhoça III SPE Ltda., financiado
e gerido pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, qual seja: uma casa no Condomínio
Moradas da Palhoça III. O magistrado de primeiro grau acolheu o pedido de indenização
por dano moral, condenando as rés no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), bem como
a ressarcirem o montante despendido pelo promitente comprador com o pagamento de
aluguéis entre 3 de janeiro e 3 de dezembro de 2012. O Tribunal de origem deu provimento
ao apelo manifestado pela CAIXA e declarou sua ilegitimidade passiva, razão pela qual
anulou a sentença em razão da incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o
feito, determinando, por conseguinte, a remessa dos autos à Justiça Estadual. A
irresignação merece prosperar. É cediço que, em se tratando de empreendimento de
natureza popular, destinado a mutuários de baixa renda, o agente financeiro é parte
legítima para responder, solidariamente, por ato ilícito na construção de imóvel cuja obra foi
por ele financiada com recursos do Sistema Financeiro da Habitação A propósito, confiram-
se os seguintes precedentes: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA
DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. CONTRATO VINCULADO AO
SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. ILEGITIMIDADE DO AGENTE FINANCEIRO
PARA RESPONDER POR INADIMPLEMENTO CONTRATUAL DA CONSTRUTORA. 1.
Inocorrente a apontada negativa de prestação jurisdicional, porquanto as questões
submetidas ao Tribunal 'a quo' foram suficiente e adequadamente apreciadas, com
abordagem integral do tema e fundamentação compatível. 2. A legitimidade do agente
financeiro para responder por ato ilícito relativo ao contrato de financiamento ocorre apenas
quando atua como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para
pessoas de baixa ou renda, promotor da obra, quando tenha escolhido a construtora ou
tenha qualquer responsabilidade relativa à elaboração ao projeto. 3. Decisão agravada
mantida pelos seus próprios fundamentos. 4. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp nº 1.203.882/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
Terceira Turma, DJe 26/2/2013) RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA
HABITAÇÃO. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL CUJA OBRA FOI FINANCIADA.
LEGITIMIDADE DO AGENTE FINANCEIRO. 1. Em se tratando de empreendimento de
natureza popular, destinado a mutuários de baixa renda, como na hipótese em julgamento,
o agente financeiro é parte legítima para responder, solidariamente, por vícios na
construção de imóvel cuja obra foi por ele financiada com recursos do Sistema Financeiro
da Habitação. Precedentes. 2. Ressalva quanto à fundamentação do voto-vista, no sentido
de que a legitimidade passiva da instituição financeira não decorreria da mera circunstância
de haver financiado a obra e nem de se tratar de mútuo contraído no âmbito do SFH, mas
do fato de ter a CEF provido o empreendimento, elaborado o projeto com todas as
especificações, escolhido a construtora e o negociado diretamente, dentro de programa de
habitação popular. 3. Recurso especial improvido. (REsp nº 738.071/SC, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, DJe 9/12/2011) È o caso dos autos, porquanto se trata
de obra do programa do Governo Federal "Minha Casa Minha Vida", circunstância que atrai
a legitimidade passiva da CEF. Nessas condições, DOU PROVIMENTO ao recurso
especial para reconhecer a legitimidade da Caixa Econômica Federal para figurar no pólo
passivo da demanda, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que
prossiga no julgamento do recurso de apelação, como entender de direito. Publique-se.
Intimem-se. Brasília, 30 de abril de 2015.” (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº
1.493.100/SC. RELATOR MINISTRO MOURA RIBEIRO. DJe, 11/05/2015 - grifo nosso).

Mais recentemente, demonstrando a unidade dos julgamentos temos:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA


SECURITÁRIA. DANOS FÍSICOS NO IMÓVEL FINANCIADO PELO PROGRAMA MINHA
CASA MINHA VIDA. COBERTURA PELO FUNDO GARANTIDOR DE HABITAÇÃO
POPULAR - FGHAB ADMINISTRADO PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. SÚMULAS 5
E 7 DO STJ. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA COM A SEGURADORA.
LEGITIMIDADE DO AGENTE FINANCEIRO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO
INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O Tribunal estadual amparado no conjunto fático-probatório
dos autos e no contrato firmado entre as partes afastou a Seguradora pra figurar no polo
passivo da demanda. Incidência das Súmulas n. 5 e 7 do STJ. 2. Em se tratando de
empreendimento de natureza popular, destinado a mutuários de baixa renda, como na
hipótese em julgamento, o agente financeiro é parte legítima para responder,
solidariamente, por vícios na construção de imóvel cuja obra foi por ele financiada com
recursos do Sistema Financeiro da Habitação. Precedentes. 2. Agravo interno não provido.
(REsp nº 1.155.866/SC - Relator Min. LUIS FELIPE SALOMÃO - DJe 20/04/2018).
Grifamos.

Como farta é a jurisprudência e clara é a matéria, cuja prova já está desnuda,


evitando o enfado, entende suficientes os argumentos até aqui colacionados.
DA INCIDÊNCIA DAS NORMAS CONSUMERISTAS.

Resta claro que se deve observar que em sendo a Caixa Econômica Federal
uma instituição financeira pública (art. 17 c/c 22 a 24 da Lei 4.595/1964), se lhe aplica
entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça acerca
da incidência das normas cogentes do Código de Defesa do Consumidor.

O contrato firmado entre a CEF e a Requerente caracteriza-se como contrato


de adesão, pois, contém cláusulas uniformes, não deixando espaço ao princípio da autonomia
da vontade, seja no que tange à fixação do conteúdo, seja na escolha da outra parte contratante.

Trata-se de típico contrato de adesão, que consiste, na definição legal do art.


54 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) “aquele cujas cláusulas tenham sido
aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de
produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo.”.

Pela evidente disposição normativa e contratual, a jurisprudência, de modo


reiterado, tem se manifestado favoravelmente à aplicação do CDC aos contratos de
arrendamento residencial celebrados pela CEF, com destaque ao entendimento do TRIBUNAL
REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO:

APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. CAIXA


ECONÔMICA FEDERAL - CEF. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. DECADÊNCIA.
NÃO OCORRÊNCIA. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR -
CDC. DENUNCIAÇÃO À LIDE. RESPONSABILIDADE. DANOS MATERAIS. DANOS
MORAIS. 1. Não ocorreu a decadência do direito, pois o prazo não constitui prazo
prescricional ou decadencial, mas sim de garantia, relativa à segurança e à solidez da obra,
não refletindo, dessa forma, o prazo máximo para responsabilização do construtor. 2. É
pacificada a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor - CDC aos contratos
pactuados após o advento da Lei nº 8.078/90, situação à qual se subsume o ajuste em
debate. Isso se deve a edição das Súmulas nº 285 e 297 pelo STJ. [...] 5. A CEF pode ser
demandada por conta de pedido de indenização de danos decorrentes de vícios na
construção em imóveis adquiridos mediante contratos de financiamento habitacional
firmados no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, instituído pela Lei 11.977/2009.
6. Sendo a CEF a administradora do programa, de acordo com o disposto no art. 24 da Lei
n.º 11.977/09 c/c art. 25 do Estatuto do Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHab),
resta clara sua responsabilidade pelos vícios. [...]independe de qualquer relação com o
prejuízo patrimonial. A dor moral, ainda que não tenha reflexo econômico, é indenizável. É
o pagamento do preço da dor pela própria dor, ainda que esta seja inestimável
economicamente. 9. O dano moral decorrente do abalo gerado pela impossibilidade de
usufruir plenamente do imóvel adquirido para moradia é conhecido pela experiência comum
e considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido
e decorre do próprio fato. 10. Com efeito, a respeito da quantificação do dano moral, a
fixação do quantum indenizatório é ato complexo para o julgador, que deve sopesar, dentre
outras variantes, a extensão do dano, a condição socioeconômica dos envolvidos, a
razoabilidade, a proporcionalidade, a repercussão entre terceiros, o caráter
pedagógico/punitivo da indenização e a impossibilidade de se constituir em fonte de
enriquecimento indevido. (TRF4, AC 5013415-42.2012.4.04.7001, QUARTA TURMA,
Relator EDUARDO VANDRÉ O L GARCIA, juntado aos autos em 26/07/2016). (grifo nosso)

Logo, resta clarividente que a relação jurídica atrai a aplicação das regras
previstas na Lei nº 8.078/90, tanto em razão da defesa do consumidor ser princípio de ordem
econômica, previsto no inciso V, do artigo 170, da Constituição Federal, como por ser garantia
individual e coletiva dos cidadãos previsto no artigo 5º, inciso XXXII, da Carta Constitucional,
pelo que deve ser aplicado tal ordenamento jurídico naquilo que se fizer necessário, em especial
em relação à nulidade das cláusulas abusivas e da inversão do ônus da prova.

A jurisprudência mais uma vez converge para este entendimento, senão


vejamos:
“SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO”. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA -
LEI Nº 11.977/2009. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. COBERTURA SECURITÁRIA PELO
FUNDO GARANTIDOR DA HABITAÇÃO POPULAR - FHAB. LEGITIMIDADE PASSIVA DA
CEF.

1. De acordo com o disposto no art. 24 da Lei n.º 11.977/09 c/c art. 25 do Estatuto da
FGHab, a Caixa Econômica Federal-CEF é a administradora do Fundo Garantidor da
Habitação Popular -FGHab, que, por sua vez, é o responsável pela garantia securitária do
imóvel em questão. O próprio contrato prevê o comprometimento do FGHab em
determinadas situações nele elencadas, o que justifica a presença da CEF e revela a sua
legitimidade para figurar no polo passivo da presente demanda. 2. Tendo a Caixa
Econômica Federal-CEF que integrar a lide, resta confirmada, por conseguinte, a
competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito.” (TRF4, AC
5003637-26.2014.404.7115, Quarta Turma, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO
AURVALLE, D.E 03/12/2014)” (grifo nosso)

Coroando o êxito da pretensão, em recente decisão o STJ no Agravo em


REsp. n. 1.155.866 julgado em 10 de abril de 2018 entendeu:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO


INDENIZATÓRIA SECURITÁRIA. DANOS FÍSICOS NO IMÓVEL FINANCIADO
PELO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. COBERTURA PELO FUNDO
GARANTIDOR DE HABITAÇÃO POPULAR - FGHAB ADMINISTRADO PELA
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. AUSÊNCIA DE
RELAÇÃO JURÍDICA COM A SEGURADORA. LEGITIMIDADE DO AGENTE
FINANCEIRO.PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O
Tribunal estadual amparado no conjunto fático-probatório dos autos e no contrato
firmado entre as partes afastou a Seguradora pra figurar no polo passivo da
demanda. Incidência das Súmulas n. 5 e 7 do STJ.
2. Em se tratando de empreendimento de natureza popular, destinado a mutuários
de baixa renda, como na hipótese em julgamento, o agente financeiro é parte
legítima ara responder, solidariamente, por vícios na construção de imóvel cuja obra
foi por ele financiada com recursos do Sistema Financeiro da Habitação.
Precedentes. Agravo interno não provido.

DO DEVER DE INDENIZAR.

A pretensão é receber indenização em pecúnia correspondente aos valores


necessários para recuperação do imóvel, avariado por vícios e falhas construtivas, má execução
ou mesmo inexecução completa dos projetos e memoriais, que também decorrem do emprego
de material subestimado e de péssima qualidade, em quantia suficiente (art. 944 do CC) para a
reparação dos danos, execução ou instalação dos itens inacabados e mesmo mal acabados,
que já estão previamente demonstrados no laudo preliminar que instrui o pedido.

Quando se fala em defeitos, falhas e erros construtivos refere-se a vícios. A


norma brasileira NBR 13752/965[5] define “vício” como sendo qualquer problema que impede
que algo possa ser utilizado para os fins a que se destina sem diminuição de seu valor, ou o
torne inutilizável. Os vícios de construção, portanto, são as irregularidades ou anormalidades,
enfim patologias decorrentes de falha de projeto ou execução, que prejudicam a funcionalidade
dos imóveis, tornando-os impróprios para a habitação com o consequente comprometimento da
segurança de quem os habitam.

Como dito, a Ré é responsável pela garantia de solidez, segurança e


utilização dos imóveis ofertados no âmbito do “Programa MCMV”, sendo as razões jurídicas que
as legitimam no polo passivo da presente demanda, as mesmas que lhes impõem o dever de
indenizar.

5
O Código Civil em seu art. 186 dispõe que:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.

O mesmo diploma legal obriga o causador do ato ilícito a repará-lo, conforme


se depreende do art. 927:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.

Por força dos referidos dispositivos, é iniludível a responsabilidade da Ré de


reparar os danos em questão, vez que negligenciou no seu dever de vistoriar a execução da
obra e, principalmente, a qualidade dos materiais nos contratos em que atua como agente gestor
das políticas federais voltadas à promoção de moradias a pessoas de baixa renda, conforme já
elucidado no Ag. Int no REsp. 1.536.218.

Mesmo nos casos em que a CEF tenha agido apenas como mero agente
financeiro, nos termos dos julgados já colacionados, não há como afastar sua responsabilidade
de indenizar, eis que é gestora do FGHAB - Fundo Garantidor da Habitação Popular, utilizado
como garantia securitária em Contratos de Financiamento Habitacional para Pessoa Física.

Ressalta-se que o referido fundo, pago mensalmente pelo mutuário, tem por
finalidade garantir o pagamento da prestação mensal em caso de desemprego, redução
temporária da capacidade de pagamento, como também de assumir o saldo devedor do
financiamento imobiliário em caso de morte e invalidez permanente, e das despesas de
recuperação relativas a danos físicos ao imóvel para mutuários6[6].

No “Programa Minha Casa Minha Vida”, a CEF atua de duas formas distintas.
A primeira, em que contrata a execução do empreendimento com determinada construtora,
responsabilizando-se pela entrega legalizada dos imóveis concluídos. Uma vez contratados, os
imóveis ficam sob responsabilidade exclusiva do FAR7[7] e integram seu patrimônio até que
sejam alienados pelos destinatários finais.

Nessa modalidade, os projetos de empreendimentos oferecidos no âmbito do


PMCMV são analisados e submetidos à aprovação pela CEF, e a entrega do empreendimento
aos adquirentes é precedida de vistoria realizada pela CEF, que verifica (e ratifica) se o imóvel
está pronto para morar, expedindo-se o “habite-se”.

A segunda, por sua vez, a CEF limita-se a concessão de carta de crédito, em


favor dos cidadãos que preenchem certas condições previamente estipuladas pelo programa
para a aquisição de imóvel residencial já pronto.

Contudo, em ambos os casos subsiste o dever de indenizar da CEF, seja em


decorrência da função de executora do PMCMV, nos termos do art. 9º da Lei 11.977/2009, seja
por ser unicamente responsável pelo Fundo Garantidor da Habitação Popular – FGHAB.

Como se viu, não há outra solução que não a de responsabilizar e imputar à


CEF o dever de reparação, cujos valores devem ser apontados em laudo pericial.

7
DA FORMA DE INDENIZAR.

Quanto à forma de indenização, pretende o recebimento em pecúnia do valor


necessário para, por sua conta e risco, reformar integralmente seu imóvel.

Deixar a recuperação ao talante da CEF seria insistir no mesmo erro, com


agravamento da já lastimável situação em que se encontra, correndo-se o risco de perpetuação
da demanda pela incidência de reparos mal executados, ou realizados mediante a economia de
recursos e com emprego de materiais de péssima qualidade, como já fizeram na primeira vez.

Certamente o erro se repetiria com (re)utilização de mão de obra


desqualificada e material de baixa qualidade, sendo o pagamento em moeda a melhor forma, a
mais simples e descomplicada do cumprimento da obrigação e principalmente estancar a
responsabilidade da CEF, mormente em se tratando de vícios e danos progressivos.

DO DANO MORAL.

A respeito ao direito à moradia, o magistério de INGO WOLFGANG SARLET,


em obra conjunta com LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDIERO diz: “Hoje, contudo,
não há mais dúvidas de que o direito à moradia é um direito fundamental autônomo, de forte
conteúdo existencial, considerado, por alguns, até mesmo um direito de personalidade (pelo
menos naquilo em que vinculado à dignidade da pessoa humana e às condições para o pleno
desenvolvimento da personalidade), não se confundindo com o direito à (e de) propriedade, já
que se trata de direitos distintos. (...)”.(Curso de Direito Constitucional, 1ª edição, 2ª tiragem, Ed.
Revista dos Tribunais, São Paulo, 2012, p. 587) (grifos postos).
Esta é a perspectiva que empresta ao feito, ou seja, direito a moradia digna,
expectativa frustrada pela desídia da ré, que como gestora e porta-voz do PMCMV permitiu que
se edificasse e entregasse obra distinta da divulgada.

O direito à moradia ostenta locus de direito fundamental social encartado no


art. 6º da Constituição Federal, sendo certo que a moradia digna é meio de dar concretude ao
postulado constitucional, sobremodo como asseguração de dignidade da pessoa.

Neste sentido a moradia própria é o sonho que move o homem 8[8] e todas as
famílias, reveladores de segurança e melhor condição de vida. São sonhos e expectativas
frustradas a mais não poder.

Sem sentimentalidades, o sonho da casa própria tornou-se um pesadelo para


o morador do Residencial, na medida em que convive com os vícios já apontados que tornam o
local desagradável, insalubre e inseguro.

Os vícios e problemas enfrentados e vivenciados não se caracterizam como


mero aborrecimento. O imóvel é relativamente novo e não deveria apresentar tais problemas,
uma vez que a promessa e garantia do programa do Governo Federal impunha à CEF o dever
fiscalizatório em todas as etapas da edificação.

É intuitivo que a parte autora não tem outra moradia, obrigando-se a conviver
com a situação retratada, absolutamente contrária à promessa e expectativa do que adquiriu e
agora usufrui.

Colhe-se da Jurisprudência:

8
APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. DANO MORAL.
ARRENDAMENTO RESIDENCIAL COM OPÇÃO DE COMPRA. PROGRAMA "MINHA
CASA, MINHA VIDA". POLÍTICA PÚBLICA DE HABITAÇÃO PARA POPULAÇÃO DE
BAIXA RENDA. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. PAR (LEI Nº
10.188/2001). LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA ARRENDANTE CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO (ART. 14
DO CDC). EMPREGO DE MATERIAIS NO IMÓVEL EM CONTRARIEDADE ÀS
NORMAS TÉCNICAS BRASILEIRAS. VÍCIO OCULTO DA COISA. APELO
IMPROVIDO.
1. Trata-se de pretensões deduzidas em face de Caixa Econômica Federal, buscando
os autores da demanda a condenação dessa empresa pública: no ressarcimento de
despesa que fizeram em imóvel objeto do "Programa de Arrendamento Residencial" de
que trata a Lei nº 10.188/2001; em indenização a título de dano moral; a efetuar obras
de reparo no imóvel arrendado; e, subsidiariamente, a desconstituir o negócio jurídico
celebrado por vício oculto da coisa. 2. Assemelha-se o contrato de arrendamento
residencial negócio jurídico em que se implementa políticas públicas de habitação para
população de baixa renda, anunciado pelo governo federal como programa Minha Casa,
Minha Vida- ao arrendamento mercantil, denominação dada pela legislação pátria ao
contrato de leasing, que se distingue do contrato de locação exatamente por possibilitar
ao arrendatário a opção de compra do bem ao término de vigência do pacto. Assim, no
leasing habitacional em apreço, verifica-se a pertinência subjetiva da arrendante CEF
para compor o polo passivo da ação em razão de exercer a posse indireta do bem
arrendado como consequência de seu domínio. 3. O contrato de arrendamento
residencial firmado entre as partes, exatamente por configurar um amálgama de
financiamento/locação/compra e venda, evidencia ser de consumo a relação
estabelecida entre os contratantes, mormente porque a intenção política é de aquisição
de casa própria, razão por que aplicável na espécie a lei consumerista, que prevê
responsabilidade civil objetiva por defeito do serviço. 4. A constatação de vícios ocultos
no imóvel arrendado foi constatada por laudo pericial, cuja conclusão é no sentido de
que "muitos materiais não estavam condizentes com o padrão mínimo previsto e
contrários às Normas Técnicas Brasileiras". Sólido conjunto probatório, portanto, a
acarretar inequívoca responsabilidade da CEF pelo fato do serviço (art. 14 do CDC). 5.
A configuração do dano moral, em várias situações e, particularmente, como a
observada neste caso concreto, decorre apenas da prática do ato com repercussão na
vítima, tratando-se de hipótese que independe de comprovação de abalo a bem jurídico
extrapatrimonial. Com efeito, conforme atesta a doutrina de direito civil, os danos
morais, ao contrário dos materiais, decorrem da lesão a algum dos aspectos atinentes à
dignidade humana. A repercussão de tais lesões na personalidade da vítima nem
sempre é de fácil liquidação. Contudo, tal é a gravidade da lesão à dignidade, segundo
à ordem constitucional, que se admite presumível o dano moral pelo simples fato da
lesão, independentemente da sua efetiva comprovação. 6. Afigura-se razoável o
arbitramento do dano moral em R$ 10.000,00 (dez mil reais) em vista da constatação do
defeito de construção recair em imóvel objeto de política social, cuja finalidade, em
última análise, vem a ser a consagração do constitucional direito à moradia (art. 6º da
CF/88). 7. Precedentes da 7ª Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional da 2ª
Região. 8. Recurso improvido. (AC 200451010134946, Desembargador Federal
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, TRF2 – SEXTA TURMA
ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data:: 29/06/2011 – Página:: 117/118.) (grifamos)

“Tratando-se de dano moral decorrente de vícios de construção, presume-se o


abalo, pois gerado pela impossibilidade de usufruir plenamente do imóvel
adquirido para moradia é conhecido pela experiência comum e considerado in re
ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do
próprio fato.” (TRF4, AC 5001121-71.2016.4.04.7015, QUARTA TURMA, Relatora
VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 21/09/2018).

E ainda:

ADMINISTRATIVO E CIVIL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR.


VÍCIOS CONSTRUTIVOS. RESPONSABILIDADE DA CEF. DANOS MORAIS.
VIABILIDADE E MANUTENÇÃO DO QUANTUM. SUSPENSÃO DE PAGAMENTOS.
MULTA DIÁRIA. 1. A CEF, como operadora do Programa de Arrendamento Residencial
- PAR, tem o dever de assegurar que os resultados das aplicações sejam revertidos
para o fundo. Quanto à execução da obra, compete à empresa pública federal o dever
de realizar acompanhamento técnico, por meio de vistorias. 2. Constatados os vícios
construtivos, por meio de perícia do Juízo, configura-se a responsabilidade da Caixa
Econômica Federal para efetuar os reparos necessários à habitabilidade. 3. O dano
moral, no caso, abalo gerado pela impossibilidade de usufruir de imóvel em perfeitas
condições é conhecido pela experiência comum e considerado in re ipsa, isto é, não se
faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato.
Considerando o disposto no artigo 944 do Código Civil, adequado o valor fixado pelo
juízo a quo a título de indenização por danos morais. 4. A suspensão dos pagamentos
na hipótese em que os autores requerem a realização de reparos e não a rescisão
contratual redunda em desequílibrio contratual, em prejuízo dos arrendatários. 5. Sendo
determinada na sentença medida mais vantajosa aos autores, descabe a fixação de
multa diária. (TRF4, AC 5053994-26.2012.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora
VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 20/07/2018). (grifei)

Como se depreende da doutrina e jurisprudência em evidência é legítima


a pretensão de ver ressarcidos os danos morais sofridos, bem como, que não se faz
necessário comprovar a dor/dissabor/frustração que o acomete, pois, segundo as regras de
experiência ordinária, não se configura como situação normal o fato de se comprar um
imóvel, bem de máxima durabilidade, para o ver se deteriorar, sofrendo inúmeros prejuízos
em tão pouco tempo, ainda mais quando se leva em conta o caráter de vulnerabilidade social
inserido no contexto do referido programa habitacional.

Considerando as disposições da regra processual, estima e pede que o


dano moral seja fixado em R$10.000,00 (dez mil reais).

INVERSÃO DO ONUS DA PROVA.

A inversão do ônus da prova, na forma do art. 6º, VIII, do CDC, é instrumento


de facilitação da defesa dos direitos do consumidor, estando subordinada ao critério do juiz,
quando verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da
experiência. Quanto à verossimilhança das alegações, a argumentação e provas acostadas
demonstram de forma inequívoca a relação jurídica que une as partes, bem como, os vícios e
defeitos construtivos decorrentes da má prestação de serviços na execução do empreendimento,
que atenta contra a politica nacional de habitação destinada a população de baixa renda, o que
por si faz clara a conclusão de que a inversão do ônus é impositiva. Já em relação à
hipossuficiência, destaque ao que já decidiu o e. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª
REGIÃO em caso idêntico:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ARRENDAMENTO RESIDENCIAL


COM RECURSOS DO PAR. APLICAÇÃO DO CDC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. 1.
Tratando-se de programa instituído para atendimento da necessidade de moradia da
população de baixa renda, resta caracterizada a condição de hipossuficiência, apta a
justificar a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, da Lei nº
8.078/1990. 2. Na forma da Súmula n.º 297 do Superior Tribunal de Justiça, o Código de
Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras." (TRF/4ª Região, AG
5018447-79.2012.404.0000, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão JUIZ FEDERAL LORACI
FLORES DE LIMA, D.E. 19 DEZ 2012).

A posição adotada pela Corte Regional amolda-se perfeitamente a presente


lide, observando-se que conforme a regra do art. 6º, VIII, do CDC, nas palavras de DIDIER JR.
basta um dos pressupostos estar presente, tendo em vista que o próprio legislador colocou entre
eles a conjunção alternativa “ou”, isto é, não são pressupostos concorrentes ou cumulativos, mas
sim alternativos.

No mais, aplicável o disposto nos arts. 12, §3.º, II e 14, §3.º, I do Código de
Defesa do Consumidor, significando, contrário sensu, que o consumidor não precisa provar a
ocorrência do defeito, pois, ela está presumida (iuris tantum).

Alexandre Câmara (in A Inversão do ônus da prova. Revista EMERJ, vol. V,


n. XVIII, 2002, pág. 92/93), reforça: “O primeiro tipo de inversão do ônus probandi que se
manifesta no CDC é a inversão ope legis”. Em outras palavras, é a própria lei que inverte o ônus
da prova. (...)
Assim, se o defeito é presumido, basta o consumidor demonstrar o dano e o
nexo causal com o produto ou serviço adquirido. Desnecessário se configura a demonstração da
ocorrência de defeito por parte do consumidor. Aqui a inversão é ope legis e a prova que pré-
constituiu é abundante.

DOS CONTRATOS. EXIBIÇÃO. ART. 396 DO CPC.

A parte junta documento em anexo hábil para comprovar seu vínculo com a
CEF e o imóvel em questão, eis que presente o número de seu contrato juntamente com seu
nome.

Não foi possível a juntada do contrato em seu inteiro teor por conta de que a
CEF não lhe entregou sua via, limitando-se a dar posse e emitir boletos, razão pela qual roga
que ao despachar a inicial, se determine sua exibição, mormente pela aplicação do CDC e a
notória hipossuficiência do requente.

O Código de Defesa do Consumidor é bem claro:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade,
tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às
informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de
consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
Caso em sua contestação, a CEF não apresente o contrato da parte autora,
junta-se nesta peça, o modelo padrão 9[9] utilizado em todo o país, disponibilizado no site da CEF
para os imóveis do FAR.

Nada obstante, o documento anexo contém tudo que é preciso para ajuizar a
ação, ou seja, cria o vínculo entre as partes, possuindo o número do contrato firmado entre eles
que lhe dá legitimidade.

Concluindo, requer seja aplicada a regra do art. 396, informando que o


documento é o contrato de compra e venda com finalidade de fazer prova do negócio jurídico e
suas condições. A circunstância é a de que nada foi entregue para parte autora, a não ser o que
já se juntou. Pede mais, aplique a regra do art. 396 inadmitindo-se a recusa e, acaso nada se
exiba, aplique o art. 400 do mesmo código.

DO PEDIDO DE REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO.

Considerando a regra do artigo 319, inciso VII do CPC, a parte autora pode
optar pela realização da audiência conciliatória.

Nesse sentido, como em outros casos a requerida já efetuou composição,


afirma haver interesse na realização do ato processual.

DA NOTIFICAÇÃO PREMONITÓRIA. - Aviso de sinistro-

9
Fica claro no corpo da peça que a parte autora expressamente postulou junto
ao requerido pela realização dos reparos dos defeitos e danos aqui anunciados.

Como resposta, reiterando o seu comportamento de descaso, apenas disse


não ser o canal adequado para tais providências, remetendo a parte autora, em sua total
ignorância (no sentido léxico) para a improdutividade e sofrido 0800, como se isto fosse resolver
alguma coisa.

Aliás, nosso País padece de consideração e muito menos de eficiência


nesses tais 0800, colocando o consumidor por horas a mercê de informações, códigos e
digitação de número em cima de número, isto sem considerar que na maioria das vezes a
ligação cai.

Com efeito, a parte autora sequer possui telefone fixo, dinheiro para ligação
via celular (0800 deixa por horas na linha) e tampouco tempo para isto, razão por que a
notificação ao agente responsável é suficiente para caracterização de sua mora.

DO PEDIDO.

- A concessão do benefício da Justiça Gratuita, por não possuir a parte


autora condições de arcar com as despesas processuais sem o prejuízo do indispensável para o
seu sustento.
- A Citação da requerida para contestar a presente ação, com a advertência
pela revelia.

- A decretação da inversão do ônus da prova em favor da parte autora, por


força do art. 6º, VIII, do CDC, incumbindo à ré o ônus de provar a inexistência de danos.

- Exibição dos contratos de financiamento/alienação fiduciária cujo número,


dados do imóvel e qualificação estão em anexo a esta peça.

- Ao final JULGUE PROCEDENTES os pedidos para condenar a requerida a


indenizar os danos materiais no valor arbitrado no laudo pericial, previamente estimados em R$
47.223,96 e danos morais no importe de R$10.000,00 (dez mil reais).

- A condenação da ré ao pagamento das custas e despesas processuais.

- Requer provar o alegado pelos meios legais e moralmente legítimos, com


ênfase para a prova pericial, afirmando haver interesse na designação de prévia audiência de
conciliação, requerendo o depoimento pessoal com a advertência pela confissão.

Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 57.223,96.

Nestes Termos,

Pede Deferimento.

Documentos anexos:
1-Procuração.

2-Declaração de hipossuficiência.

3-Documentos pessoais.

4-Comprovante de Residência.

5-Comprovante da relação contratual.

6-Notificação para providências e constituição em mora.

7-Levantamento/vistoria prévia.

PROBLEMA – PRESCRIÇÃO + DECADÊNCIA:

Sentença do referido processo judicial:


“a entrega das chaves deve ser o marco inicial do prazo prescricional, pois a narrativa
autoral é clara no sentido de que esta já percebeu a existência de vícios no imóvel desde a
data em que se imitiu na posse desse.
Por outro lado, como se aplicam ao caso as normas do CDC, o prazo prescricional
aplicável ao caso é o quinquenal, previsto no art. 27 do código consumerista, que começa
a contar a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Observe-se:
Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos
causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste
Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do
dano e de sua autoria
Ora, como o prazo prescricional quinquenal para exercício da pretensão reparatória em
face da Ré se iniciou quando da imissão na posse do imóvel, sendo que esta ocorreu em
2012, resta claro que já transcorreu o lustro prescricional desde 2017.
E nesse passo, não há que se cogitar da tese autoral de que se deve aplicar ao caso o
prazo prescricional decenal previsto no art. 205 do Código Civil, por dois motivos.
Primeiro porque este prazo somente se aplica quando a Lei não fixa prazo prescricional
menor, o que não é o caso dos autos, em que o CDC claramente fixou prazo de 5 anos
para o exercício da pretensão reparatória por parte do Consumidor ou do terceiro
prejudicado pelo fato do serviço.
Segundo, porque ainda que não houvesse previsão no CDC para o caso em questão,seria
o caso de aplicar o prazo trienal regulado pelo CC/02, em seu art. 206, § 3º, V, que
vaticina que a pretensão de reparação civil prescreve em três anos, e não em dez, como
pretende a parte autora.
Portanto, é de se acolher a prejudicial de mérito para se declarar a prescrição da
pretensão à indenização por danos morais narrada na inicial.”

Acórdão do referido processo judicial:

Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra


sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Federal Cível e Criminal da
Subseção Judiciária de Vitória da Conquista-BA que, em ação
indenizatória proposta contra a Caixa Econômica Federal em razão de
vícios de construção em seu imóvel adquirido no âmbito do Programa
Minha Casa, Minha Vida – Faixa 1, acolheu as prejudiciais de mérito
suscitadas pela parte requerida e extinguiu o processo (art. 487, II, do
CPC), declarando a declarar a decadência do direito da parte autora de
reclamar pelos vícios do imóvel descrito na inicial e a prescrição da
pretensão à reparação por danos morais.

O juízo de 1º grau empreendeu essa resolução ao fundamento


de que a demanda por reparação do imóvel objeto do contrato firmado
com a Caixa seria caso de reparação por vício do produto de que trata os
art. 18 e 26 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), cujo prazo
decadencial para reclamar pelos reparos no imóvel objeto da inicial seria
de 90 (noventa) dias, a contar da entrega das chaves (2012). Entendeu o
juízo recorrido também estar prescrita a pretensão de indenização por
danos morais em razão dos vícios reportados, cujo prazo aplicável seria o
previsto no art. 27 também do CDC – qüinqüenal, iniciado quando da
imissão na posse, e não aquele do art. 205 do Código Civil (decenal).

Em suas razões recursais, a parte apelante aduz, em síntese,


que, diversamente do exarado na sentença: i) não seria o fato de o
contrato estar sujeito ao CDC que a matéria ou o objetivo da demanda
seria de reparação por vício do produto e as regras de decadência e
prescrição nele previstas; ii) o vício narrado não era aparente ou de
fácil constatação, considerada a hipossuficiência técnica e
econômica do autor, tanto que aferido por perícia técnica; iii) a
ação veicula pretensão indenizatório e não de redibição do
contrato, abatimento do preço, reexecução dos serviços ou rescisão, razão
pela qual incide na espécie o prazo de prescrição decenal; iv)
ação e o pedido de indenização se fundam nos art. 187, 926 e
944 do Código Civil, circunstância que sujeita a ação e o direito
invocado ao instituto da prescrição do art. 205 do CC, e não à
decadência; v) pela natureza do vício, que é progressivo, a
pretensão renasce a cada dia razão pela qual não fulminado o direito
de ação pelo decurso do prazo de prescrição.

Pugnando pelo conhecimento e provimento do recurso,


requer a reforma da sentença, com o afastamento da prejudicial de
mérito, ordenando-se o retorno dos autos à origem para regular
processamento da ação.

Contrarrazões apresentadas.

O MPF não opinou sobre o mérito da demanda.

É o relatório.

VOTO - VENCEDOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA
PRIMEIRA REGIÃO Gab.15 - Desembargadora Federal
Daniele Maranhão

APELAÇÃO CÍVEL (198) 1009787-43.2020.4.01.3307


Processo na Origem: 1009787-43.2020.4.01.3307

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso,


conheço da apelação da parte autora.

A questão controvertida versa sobre a ocorrência da


decadência do direito de reclamar, em ação indenizatória pelos alegados
vícios de construção em imóvel financiado pela parte autora junto à Caixa
Econômica Federal no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida;
bem como da prescrição da pretensão de reparação por danos morais
experimentados pelo mesmo fato.

Assiste razão à parte autora ao se insurgir contra a prejudicial


de mérito pronunciada na se sentença, porquanto dissonante da
jurisprudência que se firmou sobre a matéria no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça, perfilhada por este colegiado.

Com efeito, segundo entendimento assentado no STJ, na


falta de um prazo específico no Código de Defesa do Consumidor para a
veiculação de pedido de indenização por falhas aparentes de construção
de imóvel novo, aplica-se o prazo prescricional geral de dez anos fixado
pelo artigo 205 do Código Civil de 2002, não se incidindo o prazo
decadencial de 90 (noventa) dias previsto no artigo 26 do CDC.

Vale registrar que esse último prazo, consoante pontuou a


relatora do voto condutor do acórdão, está relacionado ao período em que
o consumidor pode exigir judicialmente alguma das alternativas que são
conferidas pelo próprio código, não se confundindo com o prazo
prescricional a que se sujeita o consumidor para pleitear indenização
decorrente da má execução do contrato. Consignou, ainda, o acórdão
paradigma que o prazo qüinqüenal disposto no art. 27 do CDC é exclusivo
para as hipóteses de fato do produto ou do serviço, e não para o caso de
inadimplemento contratual.

Nesse sentido, confira-se a ementa do mencionado acórdão:

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL.


AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM
REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E COMPENSAÇÃO DE
DANOS MORAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE
IMÓVEL. DEFEITOS APARENTES DA OBRA. PRETENSÃO DE
REEXECUÇÃO DO CONTRATO E DE REDIBIÇÃO. PRAZO
DECADENCIAL. APLICABILIDADE. PRETENSÃO
INDENIZATÓRIA. SUJEIÇÃO À PRESCRIÇÃO. PRAZO
DECENAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL.

1. Ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos


materiais e compensação de danos morais.

2. Ação ajuizada em 19/07/2011. Recurso especial concluso ao


gabinete em 08/01/2018. Julgamento: CPC/2015.

3. O propósito recursal é o afastamento da prejudicial de


decadência e prescrição em relação ao pedido de obrigação de
fazer e de indenização decorrentes dos vícios de qualidade e
quantidade no imóvel adquirido pelo consumidor.

4. É de 90 (noventa) dias o prazo para o consumidor reclamar


por vícios aparentes ou de fácil constatação no imóvel por si
adquirido, contado a partir da efetiva entrega do bem (art. 26, II
e § 1º, do CDC).

5. No referido prazo decadencial, pode o consumidor exigir


qualquer das alternativas previstas no art. 20 do CDC, a saber: a
reexecução dos serviços, a restituição imediata da quantia paga
ou o abatimento proporcional do preço. Cuida-se de verdadeiro
direito potestativo do consumidor, cuja tutela se dá mediante as
denominadas ações constitutivas, positivas ou negativas.
6. Quando, porém, a pretensão do consumidor é de natureza
indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente
dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A
ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição.

7. À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de


indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo
geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde
ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada
ainda na vigência do Código Civil de 1916 ("Prescreve em vinte
anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos
na obra").

8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

(REsp 1721694/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA


TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 05/09/2019)

No mesmo sentido:

CIVIL. CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO RECURSO


ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO NO
IMÓVEL. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO PARA OS REPAROS
NECESSÁRIOS E DE DANO MORAL. PRAZO DECADENCIAL DO
ART. 26 DO CDC (90 DIAS). INAPLICABILIDADE. PRETENSÃO
INDENIZATÓRIA. SUJEIÇÃO AO PRAZO PRESCRICIONAL. DO
ART. 205 DO CC/02. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM O
ENTENDIMENTO FIRMADO NESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA Nº 568 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

(...)

2. A pretensão cominatória de obrigar a construtora às


providências necessárias ao saneamento do vício construtivo não
se confunde com a mera substituição de produto ou reexecução de
serviço, de modo que não se sujeita ao prazo decadencial previsto
no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor.

3. Quando a pretensão do consumidor é de natureza


indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente
dos vícios do imóvel) a ação é tipicamente condenatória e se
sujeita a prazo de prescrição.

4. À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de


indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo
geral decenal previsto no art. 205 do CC/02. Precedentes.
5. Agravo interno ão provido.

(AgInt no REsp 1863245/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO,


TERCEIRA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 27/08/2020)

Perfilhando tal orientação, o recente julgado proferido por esta


Turma:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR


DANOS MATERIAIS E MORAIS. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO.
PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. CDC.
APLICABILIDADE. PRAZO DE PRESCRIÇÃO
DECENAL.INAPLICABILIDADE DO PRAZO DE DECADÊNCIA
DE NOVENTA DIAS. ENTENDIMENTO DO STJ. RETORNO DOS
AUTOS À ORIGEM.

1. Cuida-se de ação de indenização por danos materiais e morais


proposta em face da Caixa Econômica Federal, em razão de
supostos vícios de construção no imóvel da parte autora,
adquirido por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida –
Faixa 1.

2. Sobre prescrição, o Superior Tribunal de Justiça já se


manifestou no sentido de que, na ausência de prazo específico no
CDC para as hipóteses de indenização por inadimplemento
contratual por falhas em imóvel, aplica-se o prazo geral de dez
anos previsto no art. 205 do Código Civil. Precedentes.

3. Não transcorridos dez anos entre a entrega do imóvel e o


ajuizamento da presente ação, não há falar-se em prescrição.

4. Também não se aplica ao caso presente o prazo decadencial


previsto no art. 26, II, do CDC, uma vez que a parte autora não
busca a reexecução do contrato, mas a indenização por danos
materiais e morais. Precedentes.

5. Assim, merece reforma a sentença, para retorno dos autos à


origem e regular prosseguimento do feito.

6. Apelação provida.

(Ap. 1007184-94.2020.4.01.3307, Relator Desembargador


Federal Carlos Augusto Pires Brandão, Quinta Turma, PJe
5/5/2021)

No caso concreto, tendo sido proposta a ação


indenizatória por danos materiais e morais contra a Caixa
Econômica Federal, responsável solidária com a construtora
pela solidez e segurança da obra, em razão de vícios de
construção em imóvel adquirido no âmbito do Programa
Minha Casa, Minha Vida – Recursos do Fundo de
Arrendamento Residencial, e não transcorridos dez anos entre
a entrega das chaves do imóvel e o ajuizamento da ação, não
operou a prescrição da pretensão da parte autora de reclamar
de reclamar pela reparação material dos vícios construtivos
reportados ou de ser indenizada pelos danos morais oriundos
dos mesmos fatos.

Como se vê, a sentença prolatada pelo Juízo da origem deve


ser anulada, uma vez que não há óbice à apreciação da pretensão da parte
autora.

Inaplicável, por outro lado, o art. 1.013, §4º, do CPC, pois o


processo não está em condições de imediato julgamento, ante a extinção
prematura da ação e a necessidade de instrução probatória.

Ante o exposto, dou provimento para anular a sentença e


determinar o retorno dos autos à origem para a regular instrução do
processo.

É como voto.

Juiz Federal Roberto Carlos de Oliveira


Relator (convocado)

DEMAIS VOTOS

APELAÇÃO CÍVEL (198) 1009787-43.2020.4.01.3307


Processo na Origem: 1009787-43.2020.4.01.3307

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA
PRIMEIRA REGIÃO Gab. 15 - Desembargadora Federal
Daniele Maranhão
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1009787-43.2020.4.01.3307
Processo na Origem: 1009787-43.2020.4.01.3307
RELATOR (CONVOCADO) : JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE
OLIVEIRA
APELANTE: ACASSIA ALVES OLIVEIRA
Advogados do(a) APELANTE: ARACELI ORSI DOS SANTOS - SC21758-A,
JULIANO WALTRICK RODRIGUES - SC18006-A
APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA


VIDA. RECURSOS DO FUNDO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL
(FAR). AÇÃO INDENIZATÓRIA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO.
PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
DECADÊNCIA. ART. 26 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
(CDC). INAPLICALIDADE. AÇÃO TIPICAMENTE CONDENATÓRIA.
SUJEIÇÃO AO PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL DO ART. 205 DO
CÓDIGO CIVIL. ENTENDIMENTO DO STJ. PREJUDICIAIS DE
MÉRITO AFASTADAS. SENTENÇA ANULADA. 1.013, §4º, do CPC.
INAPLICABILIDADE. EXTINÇÃO PREMATURA DO PROCESSO.
RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.

1. Nos termos da jurisprudência do STJ, “a pretensão cominatória de


obrigar a construtora às providências necessárias ao saneamento do vício
construtivo não se confunde com a mera substituição de produto ou
reexecução de serviço, de modo que não se sujeita ao prazo decadencial
previsto no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor”. Isso porque,
“quando a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é,
de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) a ação é
tipicamente condenatória e se sujeita a prazo de prescrição.” Assim, “à
falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização
por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal
previsto no art. 205 do CC/02. (AgInt no REsp 1863245/SP, Rel. Ministro
Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 24/08/2020, DJe
27/08/2020). No mesmo sentido: REsp 1721694/SP, Rel. Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, julgado em 03/09/2019, DJe 05/09/2019.

2. Hipótese em que, proposta ação indenizatória por danos materiais e


morais contra a Caixa Econômica Federal, responsável solidária com a
construtora, em razão de vícios de construção em imóvel adquirido no
âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida – Recursos do Fundo de
Arrendamento Residencial, e não transcorridos dez anos entre a entrega
das chaves do imóvel e o ajuizamento da ação, não operou a prescrição da
pretensão da parte autora de vindicar a reparação material dos vícios
construtivos reportados e de ser indenizada pelos danos morais oriundos
dos mesmos fatos.
3. Inaplicável na espécie o art. 1.013, §4º, do CPC, pois o processo não
está em condições de imediato julgamento, ante a extinção prematura da
ação e a necessidade de instrução probatória.

4. Apelação a que se dá provimento para anular a sentença e determinar o


retorno dos autos à origem para a regular instrução do processo.

ACÓRDÃO

Decide a Quinta Turma, por unanimidade, dar provimento à


apelação da parte autora, nos termos do voto do Relator.

Brasília-DF, 09 de junho de 2021.

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