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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.255.315 - SP (2011/0113496-4)

RECORRENTE : BAYER S/A


ADVOGADO : ANTÔNIO AUGUSTO GARCIA LEAL E OUTRO(S)
RECORRIDO : SOCIPAR S/A
ADVOGADOS : MARCUS VINICIUS DA COSTA FERNANDES E OUTRO(S)
MARIA ADELAIDE DE CAMPOS FRANÇA

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por BAYER S.A., com fulcro nas
alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/SP.
Ação: de indenização por danos materiais e compensação por danos
morais, ajuizada por SOCIPAR S.A. em desfavor da recorrente, em decorrência da
rescisão unilateral de contrato verbal de distribuição.
Sentença: julgou improcedente o pedido (fls. 1.708/1.715, e-STJ).
Acórdão: o TJ/SP deu parcial provimento à apelação da SOCIPAR, nos
termos do acórdão (fls. 1.895/1.922, e-STJ) assim ementado:

RESPONSABILIDADE CIVIL - CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO -


Pacto não escrito - Circunstância não impeditiva de indenização por perdas e
danos - Hipótese em que as partes mantiveram por mais de quatorze anos fortes e
constantes transações comerciais, tornando-se a autora, inclusive, parceira da ré,
como única distribuidora da Bayer Argentina e a maior da Bayer no Brasil -
Rompimento abrupto do negócio, com o fechamento da sua unidade no Brasil,
com explicações que não retiram o direito da autora de reparação dos danos que
efetivamente sofreu - Violação dos direitos da autora caracterizada - Procedência
do pleito indenizatório fundada nos princípios da boa-fé objetiva, atual paradigma
da conduta na sociedade contemporânea, da função social do contrato e da
responsabilidade pré e pós-contratual - Quantum do dano material (lucro
cessante) e do dano moral em razão da divergência da maioria dos julgadores,
decididos nos termos do acórdão com base no artigo 456, § 1°, do Regimento
Interno deste C. Tribunal - Ação parcialmente procedente - Apelo provido em
parte para esse fim.

Embargos infringentes: interpostos pela BAYER, foram rejeitados pelo

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TJ/SP, nos termos do acórdão (fls. 2.111/2.125, e-STJ) assim ementado:

RECURSO - Embargos Infringentes - Abrangência - Voto vencido que


negou 'in totum' provimento ao recurso - Divergência total - Matéria apreciada no
acórdão de apelação que deve ser reapreciada integralmente - Preliminar da
embargada rejeitada.
CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO - Caracterização - Embargada que
adquiria o produto da embargante e revendia-o a terceiro, tirando seu proveito
econômico do lucro auferido - Relação estável e habitual que permaneceu por
mais de dez anos - Elementos dos autos que comprovam o relacionamento de
distribuição entre embargante e embargada - Contrato atípico e, portanto, regido
pelas normas gerais dos contratos - Possibilidade de celebração verbal - Institutos
da boa-fé objetiva e da função social dos contratos que regem as relações
contratuais desde o CC/16, ainda que não expressamente positivados - Embargos
rejeitados.
CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO - Resilição - Ruptura abrupta pela
embargante - Inadimplemento habitual da embargada que não é hábil a
fundamentar a resilição - Confissão de divida assumida pela embargada que foi
devidamente quitada - Ausência de demonstração de débitos ulteriores não pagos
- Relacionamento estável e duradouro entre as partes, havendo provas da
confiança recíproca existente entre as partes - Possibilidade de denúncia unilateral
do contrato, desde que reparados os danos dela advindos - Embargada que foi
colhida de surpresa, sem qualquer aviso prévio, sendo impedida de realizar suas
atividades habituais - Assunção, pela embargante, do fornecimento direito do
produto para os clientes da embargada - Lucros cessantes e danos morais
constatados - Fixação do valor com base na natureza do negócio estabelecido
entre as partes e nos lucros que a embargada deixou de auferir - Embargos
rejeitados.
RECURSO - Apelação - Julgamento por maioria - Dissidência da maioria
quanto aos valores relativos à indenização por lucros cessantes e danos morais -
Aplicação do art. 456, § 1o, do RI/TJ - Média dos valores fixados pelos dois
votos que entenderam pela necessidade de indenização - Impossibilidade de se
computar o voto minoritário para o cálculo do valor devido, já que este não
reconheceu o direito à indenização - Embargos rejeitados.

Embargos de declaração: interpostos pela BAYER, foram rejeitados pelo


TJ/SP (fls. 2.146/2.150, e-STJ).
Recurso especial: alega violação dos arts. 20, § 3º, 21, 165, 333, I, 460 e
535, II, do CPC; 159, 160, I, 1.092, 1.093 do CC/16; 2.035 do CC/02; e 4º e 5º da LICC,
bem como dissídio jurisprudencial (fls. 2.181/2.236, e-STJ).
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SP negou seguimento ao recurso
especial (fls. 2.325/2.326, e-STJ), dando azo à interposição de agravo de instrumento, ao
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qual dei provimento para determinar a subida dos autos principais (fl. 2.359, e-STJ).
É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.255.315 - SP (2011/0113496-4)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : BAYER S/A
ADVOGADO : ANTÔNIO AUGUSTO GARCIA LEAL E OUTRO(S)
RECORRIDO : SOCIPAR S/A
ADVOGADOS : MARCUS VINICIUS DA COSTA FERNANDES E OUTRO(S)
MARIA ADELAIDE DE CAMPOS FRANÇA

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a lide a definir a existência de dever de indenizar da recorrente


frente à recorrida, decorrente da resilição de contrato de distribuição. Incidentalmente,
cumpre determinar a possibilidade do referido contrato ser firmado verbalmente.

I. Da negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535, II, do


CPC.

Da análise dos acórdãos recorridos, nota-se que a prestação jurisdicional


dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado. O
TJ/SP se pronunciou de maneira a abordar a discussão de todos os aspectos fundamentais
do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto
do próprio recurso especial e serão enfrentados adiante.
O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica omissão,
obscuridade ou contradição, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele
entender relevante à lide. O Tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu
exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento,
consoante dispõe o art. 131 do CPC.
No que tange especificamente à existência de débitos da SOCIPAR frente à
BAYER, bem como aos motivos que ensejaram a concordata preventiva daquela, o TJ/SP
abordou expressamente essas questões.
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O suposto inadimplemento habitual, como justificativa para a resilição do
contrato, foi rechaçado pelo Tribunal Estadual sob o argumento de que “a confissão de
dívida assumida pela embargada-autora [SOCIPAR], segundo a própria embargante-ré
[BAYER], foi quitada e os débitos posteriormente existentes não foram devidamente
demonstrados para o embasamento de tal alegação” (fl. 2.119, e-STJ).
Já em relação à concordata preventiva, o TJ/SP afirma que “não há como
dissociar o pedido (...) da resilição contratual” (fl. 2.121, e-STJ), tendo esclarecido, já em
sede de embargos de declaração, não ter havido o reconhecimento de que o “pedido (...)
se deu exclusivamente por fatos alheios à relação estabelecida pelas partes”, ressalvando
que a recorrida “contextualizou sua precária situação financeira justamente para
fundamentar suas pretensões” (fl. 2.149, e-STJ).
Fica claro, portanto, que o TJ/SP não ignorou o fato de a SOCIPAR possuir
débitos em aberto frente à BAYER, os quais foram inclusive relacionados à concordata
preventiva. Todavia, os acórdãos recorridos concluem que essas dívidas não poderiam
servir de motivo para a resilição do contrato pela BAYER.
Nesse sentido, o Tribunal Estadual menciona os débitos surgidos após a
quitação da confissão de dívida, mas salienta que eles “não foram devidamente
demonstrados para o embasamento de tal alegação [de inadimplemento habitual]” (fl.
2.119, e-STJ).
Aliás, a própria assertiva da BAYER, de que os valores devidos pela
SOCIPAR seriam “representados pelas faturas de números 58/97, 59/97, 16/98, 17/98 e
47/98” (fl. 2.136, e-STJ), permite inferir que se tratam de débitos surgidos no final da
relação comercial mantida entre as partes (1997/1998), possivelmente após a resiliação
do contrato de distribuição.
Seja como for, não há como reputar omissas as decisões do TJ/SP, pois,
como visto, os temas foram expressamente apreciados pelo Tribunal Estadual, ainda que
a solução encontrada tenha sido contrária aos interesses da BAYER.
Constata-se, em verdade, a irresignação da BAYER com o resultado do
julgamento e a tentativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o
que não se mostra viável no contexto do art. 535 do CPC.
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Não vislumbro, pois, violação do mencionando dispositivo legal.

II. Da relação comercial mantida entre as partes.

Antes de apreciar as questões de mérito veiculadas no recurso especial,


imperioso fixar as circunstâncias fáticas que circundam a presente controvérsia. Nesse
aspecto, ante o óbice do enunciado nº 07 da Súmula/STJ, deve-se ater ao panorama
traçado pelo TJ/SP.
De acordo com o Tribunal Estadual, está comprovado nos autos a “vigência
por mais de quatorze anos de um contrato não escrito de distribuição entre as partes”.
Esse acordo verbal tinha por objeto a comercialização de sulfato de sódio contaminado
por cromo, produzido pela recorrente, sendo certo que, diante das características nocivas
do produto, a recorrida foi obrigada a “desenvolver um know how próprio, com logística
específica de armazenamento e transporte do material contaminado, tanto no Brasil
quanto na Argentina” (fl. 1.898, e-STJ).
Afirma, ainda, que a SOCIPAR “investiu vultosa quantia no negócio”,
sendo que “o forte entrosamento entre ambas fez com que a autora se tornasse a única
distribuidora da Bayer Argentina e a maior distribuidora da Bayer no Brasil” (fl. 1.899,
e-STJ).
Prossegue consignando que, “após quatorze anos ininterruptos de negócios
sólidos, constantes e crescentes, a ré simplesmente, sem explicações, rompeu a relação
com a autora”. Nesse ponto, transcreve trecho da contestação, em que a BAYER alega ter
a resilição derivado de uma “decisão mercadológica de sua casa matriz situada na
Alemanha” de, “em nível mundial (...), concentrar suas atividades na área de cromo em
somente duas unidades. A primeira localizada na vizinha Argentina, e a segunda
localizada na África do Sul” (fl. 1.899, e-STJ).
Nota contudo que, “meses após a transferência da linha de produção do
Brasil para a Argentina, ao contrário do que fora acordado com a autora, a ré não se
limitou a encerrar suas atividades produtivas, mas sim passou a realizar a importação e
distribuição dos subprodutos da Bayer Argentina, revendendo-os diretamente à rede de
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clientes construída ao longo dos anos pela autora. Em paralelo, e por decisão da matriz,
conforme expressamente confessado, a Bayer Argentina deixou de fornecer os produtos à
autora” (fl. 1.901, e-STJ).
Frisa, ademais, ter a BAYER proibido a venda do sulfato de sódio à
empresa Klabin, salientando que “esse estratagema sufocou negocialmente a autora e a
colocou numa camisa-de-força, já que de nada adiantaria a aquisição dos produtos se a ré
ou suas aliadas impedissem a respectiva venda ao maior cliente existente no Brasil” (fl.
1.901, e-STJ).
O Tribunal Estadual encerra sua minuciosa análise concluindo ter a
BAYER “se apoderado de grande parte do fundo de comércio da recorrida. Ou seja,
surrupiou-lhe a clientela. Muito embora seja evidente o interesse [unilateral] da ré de
tomar tal decisão (...), para a análise do pedido da autora basta o dado objetivo: a ré
rompeu os antigos laços mantidos com a autora e numa 'jogada' empresarial tomou-lhe o
mercado desenvolvido com muito esforço e investimento” (fl. 1.901, e-STJ).
Esse, portanto, é o panorama fático delineado pelo TJ/SP, a servir de base
para o presente julgamento.

(i) Da legislação aplicável à espécie. Violação do art. 2.035 do CC/02.

A recorrente aduz que, “apesar da relação entre as partes ser disciplinada


apenas e tão somente pelas regras do CC/16, todo o entendimento construído pelo v.
acórdão recorrido para justificar a condenação da BAYER está, equivocadamente,
embasado nas regras do atual CC/02” (fl. 2.194, e-STJ).
Não obstante faça alusão a princípios e dispositivos do CC/02, o Tribunal
Estadual bem ressalva tratarem-se de regras anteriormente incorporadas ao ordenamento
jurídico pátrio.
Nesse aspecto, ao mencionar a função social dos contratos, o TJ/SP observa
que “desde 1930 Orlando Gomes pregava a sua adoção como um dos limites da
autonomia privada”, acrescentando serem “inúmeros os diplomas legais a atentar para tal
princípio, com destaque para o CDC” (vigente desde 1.990), concluindo que “o CC [de
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2.002] nada mais fez do que exprimir em norma escrita um princípio já adotado em nosso
Direito de há muito” (fls. 2.117/2.118, e-STJ).
De forma semelhante, ao se referir à boa-fé objetiva, o TJ/SP consigna ter
sido “erigido a princípio na Lei 8.078/90”.
Com efeito, mesmo antes da edição do CC/02, a doutrina já tratava a boa-fé
objetiva como regra de interpretação dos contratos. Judith Martins-Costa, por exemplo,
ainda em 1999, já observava que o contrato encerra uma relação dinâmica, alertando para
a necessidade de o Juiz, ao analisá-lo, em especial no que diz respeito às suas lacunas,
não poder permitir que este “como regulação objetiva, dotada de um específico sentido,
atinja finalidade oposta ou contrária àquela que, razoavelmente, à vista de seu escopo
econômico-social, seria lícito esperar” (A boa-fé no direito privado: sistema e tópica
no processo obrigacional. São Paulo: RT, 1999, p. 432).
Inexiste, portanto, qualquer ofensa ao art. 2.035 do CC/02.

(ii) Da validade do contrato verbal. Violação do art. 333, I, do CPC.

De acordo com a BAYER, “não se admite a existência de contrato verbal de


distribuição, de modo que a recorrida não provou os fatos constitutivos do seu suposto
direito” (fl. 2.197, e-STJ), o que implicaria ofensa ao art. 333, I, do CPC.
Entretanto, nos termos dos arts. 124 do CCom e 129 do CC/16 (cuja
essência foi mantida pelo art. 107 do CC/02), não havendo exigência legal quanto à
forma, o contrato pode ser verbal ou escrito.
No que tange especificamente ao contrato de distribuição, pelo menos até o
advento do CC/02, cuidava-se de contrato atípico, ou seja, sem regulamentação
específica em lei, de sorte que sua formalização seguia a regra geral, caracterizando-se,
em princípio, como um negócio não solene.
A partir daí, conclui-se que a existência do contrato de distribuição pode ser
provada por qualquer meio previsto em lei, sendo certo que o art. 122 do CCom – vigente
à época dos fatos – admitia expressamente a utilização de correspondências, livros
comerciais e testemunhas, entre outras.
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Aliás, ao analisar especificamente os contratos de distribuição, mesmo após
a sua regulamentação pelo CC/02, Araken de Assis afirma que a prova de sua existência
“se realiza por todos os meios admissíveis (art. 332 do CPC)” (Contratos nominados, 2ª
ed. São Paulo: RT, 2009, p. 259).
Outro não é o entendimento desta Corte que, apesar de não possuir
precedentes específicos envolvendo contratos de distribuição, tem admitido a validade de
contratos comerciais celebrados verbalmente. Confiram-se, à guisa de exemplo, os
seguintes julgados: REsp 846.543/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
DJe de 11.04.2011; REsp 864.844/BA, 4ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJ de
26.11.2007; e REsp 217.244/MG, 4ª Turma, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ de
10.04.2006.
Finalmente, para afastar qualquer dúvida sobre as conclusões alcançadas,
impende tecer algumas considerações acerca da doutrina e da jurisprudência que
amparam as razões recursais. De uma forma geral, sustentam que a complexidade da
relação de distribuição tornaria impraticável o emprego da forma verbal, na medida em
que condições indeclináveis hão de integrar o conteúdo do contrato, tais como a
especificação dos produtos, a demarcação da área, o quanto mensal da compra.
Essas ponderações, contudo, permitem inferir apenas ser extremamente
difícil – não impossível – a celebração verbal de um contrato de distribuição, dada a
complexidade da relação. Todavia, sendo possível extrair todas as condições essenciais
do negócio, não haveria empecilho à admissão de um contrato não escrito.
No particular, o TJ/SP conseguiu, a partir das provas carreadas aos autos,
extrair todos os elementos necessários à análise da relação comercial estabelecida entre
as partes, ao menos no que se refere às informações indispensáveis ao deslinde da
controvérsia. Sendo assim, nada impede que se reconheça a existência do contrato verbal
de distribuição.
No mais, as alegações apresentadas neste item do recurso especial
exigiriam o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos, procedimento vedado
pelo enunciado nº 07 da Súmula/STJ.
Ausente, portanto, qualquer violação do art. 333, I, do CPC.
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(iii) Da inadimplência da SOCIPAR. Violação dos arts. 160, I, e 1.092


do CC/16.

A recorrente afirma que o Tribunal Estadual teria ignorado “o fato de a


SOCIPAR ter se comportado como devedora contumaz”, de modo que “eventual
negativa de venda pela BAYER (...) jamais poderia ser interpretada como abuso de
direito e violação à boa-fé objetiva” (fls. 2.204/2.205, e-STJ).
A questão já foi apreciada por ocasião da análise da alegação de negativa
de prestação jurisdicional.
O suposto inadimplemento habitual, como justificativa para a resilição do
contrato, foi rechaçado pelo TJ/SP sob o argumento de que “a confissão de dívida
assumida pela embargada-autora [SOCIPAR], segundo a própria embargante-ré
[BAYER], foi quitada e os débitos posteriormente existentes não foram devidamente
demonstrados para o embasamento de tal alegação” (fl. 2.119, e-STJ).
Dessa forma, o TJ/SP não ignorou o fato de a SOCIPAR possuir débitos em
aberto frente à BAYER, os quais foram inclusive relacionados à concordata preventiva.
Entretanto, conclui que essas dívidas não poderiam servir de motivo para a resilição do
contrato pela BAYER.
Há, inclusive, expressa menção aos débitos surgidos após a quitação da
confissão de dívida, com a ressalva de que eles “não foram devidamente demonstrados
para o embasamento de tal alegação [de inadimplemento habitual]” (fl. 2.119, e-STJ).
Aliás, a própria assertiva da BAYER, de que os valores devidos pela
recorrida seriam “representados pelas faturas de números 58/97, 59/97, 16/98, 17/98 e
47/98” (fl. 2.136, e-STJ), sugere que se tratam de débitos surgidos no final da relação
comercial mantida entre as partes (1997/1998), possivelmente após a resiliação do
contrato de distribuição.
Assim delimitado o panorama fático, não há como acolher a tese da
BAYER, visto que, sem o reexame de provas, vedado nessa sede recursal, torna-se
impossível afirmar que a resilição do contrato foi motivada pela inadimplência da
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SOCIPAR.
Não há que se falar, pois, em ofensa aos arts. 160, I, e 1.092 do CC/16.

(iv) Do dever de indenizar. Violação dos arts. 159 e 1.093 do CC/16 e


165 e 460 do CPC.

De acordo com a BAYER, “o artigo 1.093 do CC/16 não assegura


indenização ao suposto distribuidor e a recisão não caracteriza ato ilícito passível de
indenização” (fl. 2.207, e-STJ).
Inicialmente, destaco que a doutrina de Fábio Ulhoa Coelho trazida à baila
não se aplica à espécie. No trecho transcrito pela BAYER, o autor observa que o
distribuidor assumirá o risco de “talvez não realizar as vendas do produto distribuído em
volume ou preço tais que lhe proporcionem tanto o retorno dos investimentos como a
esperada margem de lucro” (fl. 2.207, e-STJ).
Esta não é, em absoluto, a situação dos autos, visto que os prejuízos
reclamados pela SOCIPAR decorrem da rescisão imotivada do contrato de distribuição,
procedimento que, consoante concluiu o TJ/SP, se revelou um artifício utilizado pela
BAYER para se apoderar da carteira de clientes construída pela SOCIPAR ao longo de
quase 15 anos de parceria.
Outrossim, as decisões alçadas a paradigma pela BAYER, provenientes do
TJ/SP, não servem de dissídio, na medida em que emanam do próprio Tribunal prolator
do acórdão recorrido. Incide, nesse ponto, o enunciado nº 13 da Súmula/STJ.
Da mesma forma, também não serve de dissídio o acórdão do STJ, REsp
766.012/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 07.11.2005, visto
que deriva de base fática absolutamente diversa daquela discutida nestes autos. Aquele
julgado teve por objeto contrato de distribuição com prazo determinado, tendo o
distribuidor sido previamente notificado de que não haveria a recondução do contrato. No
particular, estamos diante de contrato por prazo indeterminado, em que a resilição se deu
sem prévia comunicação da distribuída.
No que concerne aos fundamentos utilizados pelo TJ/SP para condenar a
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BAYER ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, noto que, na
tentativa de demonstrar suposta contradição nos argumentos daquele Tribunal, a BAYER
suscita seguidamente alegações contidas no voto divergente.
Evidentemente, nos pontos em que destoar do panorama fático traçado
pelos votos vencedores, o voto vencido não poderá ser levado em consideração por esta
Corte, pois não representará aquilo que a maioria considerou ser a verdade passível de ser
extraída das provas existentes nos autos.
Nesse aspecto, a leitura do acórdão recorrido deixa claro que o Tribunal
Estadual fundamentou o dever de indenizar da BAYER no estratagema por ela
arquitetado para assumir graciosamente a carteira de clientes da SOCIPAR, conduta
desleal e abusiva violadora dos princípios da boa-fé objetiva, da função social do
contrato e da responsabilidade pós-contratual.

(iv.i) Da indenização por danos materiais. Violação dos arts. 159 do


CC/16 e 165 do CPC.

Definido o dever de indenizar da BAYER, o TJ/SP passou a arbitrar o valor


devido, aplicando, por analogia, dispositivos da Lei de Propriedade Intelectual, para
chegar à conclusão de que não se poderia obrigar a ré a perpetuar a relação, mas a quebra
abrupta e a tomada do mercado da SOCIPAR impõem que se fixe a indenização por, pelo
menos, 02 anos de lucros cessantes, tempo que permitiria que a empresa se reorganizasse.
A base de cálculo por sua vez foi, segundo a BAYER, obtida pelo indicador
financeiro denominado EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and
Amortization ), que corresponde ao lucro de uma empresa antes dos descontos relativos a
juros, tributos, depreciações e amortizações.
Inicio a análise deste item do recurso pela base de cálculo.
A BAYER afirma que, para cálculo da indenização por danos materiais, o
TJ/SP utilizou o EBITDA, calculado a partir do lucro bruto, descontadas as despesas
operacionais, exceto depreciações e amortizações, de maneira a refletir o lucro do
negócio em si, sem levar em consideração ganhos ou perdas financeiras, ou seja, o
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potencial de geração de caixa decorrente do exercício da atividade-fim da empresa.
Muito embora seja largamente utilizado pelos analistas de mercado, por
eliminar variáveis que diferem muito de um país para o outro (como taxas de juros e
legislação tributária) – possibilitando a comparação global da lucratividade entre
empresas –, não se trata de um indicador aplicável para cálculo de lucros cessantes, na
medida em que não reflete o lucro líquido da empresa.
Para fins de indenização por danos materiais, imperioso que se considere a
lucratividade final da empresa, descontando-se inclusive o que seria gasto a título de
juros, tributos, depreciações e amortizações, sob pena de enriquecimento sem causa do
indenizado.
Assim, me parece razoável que a indenização por danos materiais seja
calculada com base no lucro líquido da recorrida, descontados inclusive os impostos.
Ocorre que, de acordo com o acórdão relativo aos embargos infringentes, a
indenização por danos materiais foi calculada a partir dos “efetivos lucros que
decorreriam da continuidade das atividades [da SOCIPAR]”, observando que “o perito
judicial e o assistente técnico da embargante-ré [BAYER] concordaram que o valor
correspondente ao lucro líquido anual seria R$1.186.898,71”, bem como ressalvando
que, ao contrário do alegado pela BAYER, “tal valor não corresponde ao faturamento,
mas sim ao lucro líquido de cada exercício após a dedução de todas as despesas, inclusive
financeiras, depreciações e impostos” (fl. 2.124, e-STJ).
Sendo assim, o valor utilizado pelo TJ/SP deve ser mantido como base de
cálculo da indenização por danos materiais.
Quanto ao prazo, o período de 02 anos fixado pelo TJ/SP também se mostra
razoável.
Na sua fixação, o Tribunal Estadual levou em consideração os diversos
aspectos que envolveram a relação comercial estabelecida entre as partes, em especial o
fato de que a SOCIPAR “investiu vultosa quantia no negócio” (fl. 1.899, e-STJ),
confiando na continuidade de uma parceria que, após 14 anos de vantagens recíprocas,
foi inadvertidamente encerrada pela BAYER, em detrimento da sua distribuidora.
Dessa forma, a modificação desse valor exigira o reexame das provas
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carreadas aos autos, vedado pelo enunciado nº 07 da Súmula/STJ.
Em suma, a condenação imposta pelo TJ/SP a título de danos materiais
deve ser integralmente mantida.

(iv.ii) Da indenização por danos morais. Violação do art. 159 do CC/16.

A BAYER alega que o TJ/SP “apenas citou, de forma extremamente


genérica e sem qualquer fundamentação, que a recorrida teria sofrido dano à imagem e à
sua reputação” (fl. 2.219, e-STJ), de modo que essa condenação não poderia subsistir.
Em primeiro lugar noto que, não obstante alegue ter havido omissão do
Tribunal Estadual na explicitação dos motivos que levaram à condenação por danos
morais, esse ponto específico não foi objeto dos embargos de declaração interpostos pela
BAYER.
Outrossim, ao contrário do que procura fazer crer a BAYER, o TJ/SP
justificou expressamente a condenação em danos morais, consignando que, “na hipótese
dos autos há de se enfatizar não só a perda da boa imagem da autora, como de sua
clientela e o poder econômico da ré, mas especialmente o aspecto punitivo, já que pela
aberta confissão da ré, tudo leva a crer que é política e estratégia do grupo econômico à
qual pertence, esmagar quem quer que seja para conseguir seus objetivos, inclusive
destruir, se for preciso, seus parceiros de longa data. Ela age sem ética e de má-fé no
único intuito de obter lucro a qualquer preço” (fl. 1.911, e-STJ).
Não subsiste, pois, a alegação de ausência de fundamentação para a
condenação por danos morais.
Por outro lado, o recurso especial não se insurge contra a possibilidade
desses argumentos servirem de base para a condenação em danos morais, de sorte que
não cabe, aqui, tecer qualquer consideração nesse sentido.

(iv.iii) Do valor fixado a título de danos morais. Violação dos arts. 4º e


5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga LICC).

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Superior Tribunal de Justiça

A BAYER pleiteia a revisão do valor arbitrado a título de danos morais,


que alega ser “completamente desarrazoada e sem qualquer amparo legal” (fl. 2.222,
e-STJ).
Todavia, constitui entendimento assente do STJ que a condenação por
danos morais somente comporta revisão nessa sede nas hipóteses em que se mostrar
exagerada ou irrisória, não sendo esse o caso dos autos, visto que a indenização foi
fixada em 30% da indenização por danos materiais, montante que se mostra razoável.
Os acórdãos alçados a paradigma pela BAYER de forma alguma servem de
parâmetro, visto que versam sobre indenização por danos morais decorrente da morte de
familiar.
Incabível, portanto, a revisão do valor arbitrado a título de danos morais.

III. Da sucumbência recíproca. Violação do art. 21 do CPC.

De acordo com a BAYER, “a solução dada ao litígio pelo v. acórdão


recorrido torna manifesta a ocorrência de sucumbência recíproca, pois a SOCIPAR
pleiteou indenizações de consideráveis valores (...), mas obteve pouco mais de 15% do
pedido inicial” (fl. 2.225, e-STJ).
Contudo, a jurisprudência consolidada desta Corte é de que a distribuição
dos ônus sucumbenciais “deve ser pautada pelo exame do número de pedidos formulados
e da proporcionalidade do decaimento das partes em relação a esses pleitos” (REsp
803.950/RJ, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de 18.06.2010. No mesmo sentido: AgRg nos
EDcl no Ag 726.381/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJ de 17.12.2007).
No particular, verifica-se que o pedido inicial foi no sentido de que a
BAYER fosse condenada ao pagamento de indenizações por danos materiais e morais,
tendo ambos sido acolhidos, de sorte que não há de se falar em sucumbência recíproca.
Inexiste, pois, ofensa ao art. 21 do CPC.

IV. Do valor fixado a título de honorários advocatícios. Violação do art.


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Superior Tribunal de Justiça
20, § 3º, do CPC.

A BAYER entende que “os honorários, equivalentes a 12,5% do valor da


condenação (...) devem ser revistos, uma vez que em desacordo com os critérios
estabelecidos nas letras 'a', 'b' e 'c', do § 3º do art. 20 do CPC” (fl. 2.226, e-STJ).
Também aqui a jurisprudência assente do STJ limita a possibilidade de
revisão da verba honorária às hipóteses em que fixada em patamar exorbitante ou
irrisório.
Não é essa, contudo, a situação dos autos, em que o TJ/SP, atento aos
parâmetros do art. 20, § 3º, do CPC, arbitrou os honorários advocatícios em 12,5% da
condenação, em absoluta consonância com o que determina o caput do mencionado
dispositivo legal.
Há de se considerar tratar-se de processo com mais de 2.500 páginas,
tramitando há mais de 12 anos, em que houve extensa dilação probatória, com a produção
de complexa prova pericial, tendo o processo alcançado, em grau recursal, as mais altas
Cortes do país.
Dessarte, incabível a revisão da verba honorária.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

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