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HORA DE VOAR: A REPRESENTAÇÃO DO AMADURECIMENTO FEMININO

NAS OBRAS DE GRETA GERWIG


Emanoella Marques fernandes
Universidade Anhembi Morumbi, 2023

RESUMO
O presente artigo propõe uma análise das escolhas de representação das personagens
femininas nas obras de Greta Gerwig, tomando principalmente como base seus dois maiores
trabalhos como diretora, “Lady Bird” de 2017 e “ Adoráveis Mulheres” de 2019. Essa análise
investigará a origem dessas escolhas e porque são pertinentes e de certa forma inovadoras,
virando uma marca de diretora.

Palavras-chave: Gerwig, amadurecimento, feminino, expectativa,,estilo, direção.

1.INTRODUÇÃO
1.1 Biografia
Greta Celeste Gerwig é uma estadunidense nascida em Sacramento, na Califórnia, no
dia 04 de agosto de 1983. Desde sempre, Greta demonstrou interesse pelas artes, e queria se
formar em teatro musical. Após se formar no colégio, uma escola católica para meninas em
Sacramento, mudou-se para Nova York e acabou estudando Inglês e Filosofia. Ela iniciou sua
carreira no mundo artístico como atriz, atuando em pequenos filmes independentes. Seu
primeiro filme foi LOL (2006) de Joe Swanberg, em papel pequeno. Gerwig e Swanberg
continuaram a parceria, resultando em novos projetos, como “Hannah takes the stairs”(Joe
Swanberg,2007), onde co-escreveu e protagonizou e “Nights and Weekends”(Joe Swanberg,
2008), projeto o qual não somente foi protagonista e co- escritora mas assumiu a co-direção e
a co-produção.
A partir de sua colaboração com Joe, por conta de suas performances marcantes e
únicas, logo Greta conquistou um espaço no mundo artístico, nas palavras de Luísa Pécora1

1
Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do site Mulher no Cinema
2

(2018) “Por causa destes filmes – e também de outros, como Baghead (2008), dos irmãos Jay
e Mark Duplass -, Gerwig ficou conhecida como a it girl2 do chamado “mumblecore’3.
Em 2010, Gerwig faz sua primeira colaboração com Noah Baumbach, que no ano
seguinte viria a ser seu namorado e mais para frente seu marido, no filme “Greenberg”. Essa
parceria foi a mais promissora até então em sua carreira, trazendo em 2012 o papel que
consagraria Greta como atriz no filme co-escrito por Greta e Noah, “ Frances Ha”( Noah
Baumbach, 2012). Nas palavras de A.O. Scott4 para o New York Times :
“Provavelmente sem ter essa intenção,
Gerwig talvez seja a atriz definitiva de sua geração, um julgamento que
ofereço com toda a sinceridade e certa ambivalência. Ela parece ter
embarcado em um projeto, mesmo que muito modesto, de redefinir sobre o
que falamos quando falamos sobre atuação. Parte da façanha dela é que, na
maior parte do tempo, ela não parece estar atuando. A transparência de
suas atuações tem menos a ver com uma técnica extremamente refinada do
que com a aparente ausência de método. […] Ela é a embaixadora de um
estilo cinematográfico que muitas vezes parece se opor à própria ideia de
estilo.” (MULHER NO CINEMA, 2018)

Após o sucesso de “Frances Ha”, a dupla também escreveu o filme “Mistress


America” (Noah Baumbach,2015), em que Gerwig atuou como protagonista. Gerwig
paralelamente trabalhava em um novo roteiro inicialmente chamado de “Mães e filhas”, que se
tornou o aclamado roteiro de “ Lady Bird”. Esse trabalho fez com que Greta tentasse se
aventurar na direção, “Pensei: ‘Sim, ainda há mais coisas para aprender. Mas você não vai
continuar aprendendo sem fazer. Você só vai aprender a próxima parte se for em frente.'”,
disse Gerwig ao New York Times Magazine. Em 2017, “Lady Bird” estreia e é consagrado
pela crítica, e recebe sua indicação ao Oscar. Greta é a 5º mulher a concorrer na categoria de
melhor direção e a 13º longa dirigido por uma mulher a concorrer à categoria de melhor filme,
além de mais 3 outras indicações por esse filme.
Greta é conhecida também por trazer sempre uma temática feminista em suas obras,
sejam elas dirigias ou escritas, tendo cada vez mais dado voz a essa temática na industria

2
Gíria/expressão em inglês utilizada para indicar que alguém é a primeira opção, ou a favorita para fazer algo,
aquela que é conhecida no meio e/ou tem importância.
3
[...] Este gênero nasceu de um movimento de filmes feitos com baixo orçamento, produções pequenas, e que
quase sempre mostram jovens americanos contemporâneos na sua jornada ao amadurecimento. […] Esses filmes
tem uma atmosfera independente e autônoma, e uma atuação realista/verdadeira. (FILMED, 2022, tradução
própria.)
4
Jornalista e crítico literário e de cinema, que escreveu para o New York Times desde 2000 até o início de 2023.
3

cinematográfica, porém, apesar de toda a aclamação, Gerwig confesseou a New York Times
Magazine que por muitas vezes por trabalhar ao lado de homes, foi subestimada e não recebia
o mesmo reconhecimento que seus parceiros. “ “Costumava me magoar muito quando as
pessoas diziam: ‘Você ajudou a escrever o roteiro?’ E eu respondia: ‘Eu co-escrevi, não ajudei
a escrever.” diz Greta.
Em 2019, o segundo filme dirigido por Greta em carreira solo é lançado. A adaptação
do romance “Little Woman” de Louisa May Alcott. Em seu segundo filme, que novamente foi
um sucesso, Greta já começa a exibir padrões na sua direção, tornando claro o seu estilo,
rendendo assim mais 6 indicações ao Oscar.

1.2 O estilo direção de Greta Gerwig

Para analisar o estilo de Greta, serão levados em conta os dois filmes que Gerwig
dirigiu sozinha: “Lady Bird” (2017) e “ Little Woman” (2019).
Mesmo como uma filmografia pequena como diretora solo, Greta é consistente em
suas escolhas. Nos seus filmes a presença feminina é muito grande, trazendo sempre
personagens que não se adequam aos padrões normativos da sociedade. Em Lady Bird,
Christine (Saoirse Ronan) é uma jovem de 17 anos, que está se descobrindo e descobrindo seu
lugar no mundo. Nascida em Sacramento, Califórnia ,Lady Bird, como quer ser chamada,
estuda em um colégio católico. Ela não é uma estudante brilhante, e também não leva jeito nas
artes, mas tem essa vontade de estar perto de artista e em suas palavras no filme, quer estar
onde tenha cultura. Daí parte seu objetivo no filme, que é sair de sacramento. Ao caminhar do
filme, acompanhamos as dificuldades do amadurecimento de Christine.
Em Little Women, Jo (também interpretada por Saoirse Ronan), vemos o mesmo
padrão, da menina que quer sua independência e também tem essa bagagem artística. Por se
passar em 1800, nessa época o esperado de uma mulher bem sucedida era se casar bem, Jo,
por sua vez, quer sua liberdade, e viver do seu próprio sustento. Nesse filme, porém, a relação
das 4 irmãs nos dá perspectivas diferentes de mulheres, sonhos e vontades. Meg ( Emma
Watson) tem um femino mais tradicional, ou seja, sonha em construir uma família e ter um
amor. Ver essa discussão em tela, sem julgamentos, so adiciona mais força ainda a temática
feminista trazida nos filmes de greta.
4

A temática recorrente do coming of age5 nos filmes e personagens de Greta podem ser
atrelados a sua origem no cinema mumblecore, ou por uma identificação da autora com esse
tema como aponta Janet Harbord6 :
“É adequado que em sua transição de atriz para diretora, Gerwig não tenha
“crescido” por meio de problemáticas claramente adultas; ela continua
dentro da “bolha” da juventude feminina, precisamente para expor o
movimento de maturação da adolescência a vida adulta como um
confinamento, uma drástica limitação de possibilidades. Os personagens que
ela escreve, interpreta e dirige, parecem preferir, como ela, oscilar entre
termos, parecem recusar o destino do tão chamado crescer, dentro das
definições contemporâneas do que é a mulher adulta.”7( HARBORD,2019,
tradução minha)

Outro fator intrínseco dos trabalhos de Gerwig é a relação dela com os atores e a
tensão que dá a esse departamento. É compreensível que como atriz, ela seja mais sensível a
essa parte da direção, do que diretores que não tem esse background. “ Grande parte dos
diretores gastam muito tempo preparando a parte técnica e imaginando as coisas visualmente,
mas eles nunca realmente aprenderam a dirigir uma cena.” disse greta em uma entrevista ao
Screen Daily8.
Greta encoraja os atores a colocarem um pouco de si em seus personagens para assim
criar esse tom de naturalidade que é um marco em seus filmes. Para gerar essa sensação, há
um trabalho que Gerwig desenvolve desde o roteiro, emulando os diálogos do filme, como
ditas na vida real.
Quando o assunto é diálogo de personagem, Gerwig está determinada a
apresentar a fala deles como de pessoas reais. Para entender como isso
funciona, Gerwig normalmente transcreve conversas de estranhos. Pessoas
não falam em sentenças completas, então essa técnica, permitiu que Gerwig
tivesse um melhor entendimento de como humanos se expressam com as
palavras - assim criando roteiros extraordinariamente únicos e vigorosos.9
(FILMED,2022, tradução minha)

5
expressão em inglês que se refere ao período de transição entre a fase adolescente e a adulta
6
Acadêmica que leciona pesquisa em cinema na faculdade Queen Mary em Londres
7
Texto original: “ It is fitting that in her transition from actor to director, Gerwig does not “grow up” through
engagement with distinctly adult concerns; she remains within the confines of young female life precisely to
expose the movement from youth to adulthood as a confinement, a radical paring down of possibility. The
characters that she writes, plays and directs prefer, it would seem, like her, to oscillate between terms, to refuse
the fate of so-called growing up into contemporary definitions of female adulthood.”
8
Screen daily é o site da revista de cinema britânica, que aborda o cinema internacional, Screen International
9
texto original: “When it comes to character dialogue, Gerwig is determined to present characters that speak like
real people. In order to understand how people speak in the real world, Gerwig often transcribes strangers’
conversations. People don’t speak in full sentences, so this technique has allowed Gerwig to get a better grasp of
how humans express thoughts through words — hence hyper incredibly unique, hard-hitting scripts..
5

Esse efeito de naturalidade, também, deve ser expressado na atuação, assim intensos e
imersivos ensaios, são primordiais para a técnica de direção de atores de Greta. Na vida
interrompemos uns aos outros quando falamos, principalmente como aqueles que temos mais
intimidade, e como nos filmes de Greta a trama envolta a família e amigos é sempre central,
deve ocorrer.
Mas vale lembrar que um filme é um produto audiovisual e existem técnicas de
captação que precisam ser respeitadas para que se consiga o melhor resultado possível, sendo
assim a captação do som deve ser muito precisa e mesmo com todas as interrupções o público
deve ser capaz de entender o que as personagens estão falando. Por isso o ensaio é crucial, os
atores devem fazer quase uma coreografia vocal para que tudo saia corretamente, e tudo isso
sem transparecer que é programado.
Apenas como longos ensaios e uma dedicação total tanto do elenco quanto da direção
isso é possível. Tanto para Lady Bird quanto para Little Women, Greta ensaiou os atores
semanas para que eles ficassem confortáveis com essa dinâmica e que assim conseguissem
desempenhar a cena no ritmo necessário para concretizar a visão da diretora
.
Essa técnica é utilizada com grande efeito em Little Women. Na verdade, o
elenco ensaio por semanas para que conseguissem interromper uns aos
outros com confiança durante as filmagens. Isso cria, sem dúvidas, uma
autêntica versão da realidade, onde familiares falam ao mesmo tempo e os
personagens formam opiniões e reagem naturalmente cortando a fala do
outro.10 (FILMED,2022,tradução minha)

Outro aspecto válido de ressaltar é a postura de Greta no set. Apesar de sempre fazer
questão de ter um ambiente extremamente profissional, ela tenta sempre deixar um clima de
leveza e relaxamento, isso cria um ambiente de trabalho organizado, e sem muitas tensões,
assim o tornando mais proativo, além de fazer com que os atores fiquem mais à vontade e
tenham um melhor empenho na frente das câmeras. Como meio de criar uma atmosfera antes
da gravação, para que também esse conforto seja transpassado na tela, Greta utiliza outras
ferramentas como usar roupas que dialogam com a cena que está gravando ou deixar a câmera
rodando enquanto guia algumas improvisações com os atores.

10
Texto original: This technique is utilized with great effect in Little Women. In fact, the cast apparently spent
weeks rehearsing scenes in order to confidentially interrupt each other during filming. This creates a decidedly
authentic version of reality, where family members all speak at once, and characters form thoughts and sentences
that naturally cut into other lines.
6

FONTE: POST MAGAZINE 2019

Parte do trabalho do diretor também é técnico, e faz parte das decisões tomadas ao
longo do processo com a equipe, porém no set, Greta é totalmente focada nos atores, assim a
preparação que ela faz antes de chegar ao set é importantíssima. Greta passa o processo de
pré-produção afinando todos os detalhes com sua equipe técnica para que em set eles já
estejam preparados. Apesar de não ter uma estética técnica definida, seu estilo é muito bem
marcado. Gerwig não se importa tanto com a estética , mas sim em simbolismos como em
podemos ver em Little Women , por exemplo, onde os movimentos de câmera são mais
presentes na infância/adolescência das personagens, como explica o diretor de fotografia do
filme Yorick Le Saux:
Bem novamente, existem dois períodos de tempo. Então, para as gravações
que apresentaram o passado, são as quatro irmãs em casa juntas. São
longas tomadas com todas elas e a mãe com a câmera em movimento não
muito precisamente. Quando elas estão no tempo presente, elas estão
separadas e mais sozinhas, cada irmã no seu próprio mundo, então a
câmera é mais parada, mais precisa e temos planos individuais em vez de
vermos todas em
em conjunto.11(POST MAGAZINE, 2019)

11
Texto original:“Well, again, there were the two different time periods. So, for the shots we did in the past, it’s
the four sisters together in the house. There were long shots, wide shots with all the girls and the mother, with a
moving camera, not super precise. When they are in the present, they're separate and more alone, each sister in
her own world, so the camera is more still, more precise, and a frame, one by one, instead of having the long
shots with everyone inside the frame.”
7

Gerwig apresenta um estilo diferente e único, muito focado na direção dos atores. É
seguro dizer que entre as características de sua direção os temas de família, principalmente o
relacionamento de mãe e filha, o tema do amadurecimento e o feminino mostrado de um
ponto de vista diferente, onde a mulher ainda está se descobrindo e amadurecendo e lidando
com esse luto de perder parte de quem era na adolescência os postos de intersecção de duas
obras dirigidas e escritas.

2. O RETRATO DE UM AMADURECIMENTO EM ANDAMENTO


Lady Bird é um roteiro que mistura um pouco de autobiografia e ficção. Uma jovem
em sacramento, que é uma cidade monótona e conservadora é muito pequena para o espírito
da sonhadora Christine ( que curiosamente é o nome da mãe de Gerwig). Lady Bird quer
conquistar o mundo, mas é pelos detalhes mais simples e cotidianos do roteiro que Gerwig
nos cativa.
Acompanhar a jornada de Lady Bird e todos seus altos e baixos é comovente. A jovem
começa o filme voltando para Sacramento, o que desde de o início do filme fica claro que é
um problema para a personagem de Saoirse. Acompanhamos ela durante o ano letivo numa
escola católica, onde Christine se vê totalmente contrariada. Lidar com os descontentamentos
que não podemos mudar é um dos grandes temas de aborrecimento juvenil.
É interessante notar como a Lady Bird vai mudando durante o filme. No início, ela é
essa jovem que não liga em ser diferente, que gosta de atenção, tanto que ela e sua amiga Julie
(Beanie Feldstein), são as “ excluídas”, sempre estão juntas participando das atividades, como
por exemplo entrar no grupo de teatro.

FONTE: Lady Bird (GERWIG,2017)


8

No grupo de teatro Christine (Saoirse Ronan) conhece Danny (Lucas Hedges) e então
vemos o lado romântico e sonhador de Lady Bird, que depois de se encantar com a
performance do colega nas audições do grupo de teatro , fica decidida a namorá-lo. Esse
romance acontece, mas logo mais tarde no filme é acabado, pois Christine descobre que está
sendo traída por Danny e termina o namoro. Vemos então a cena tocante quando Danny vai
pedir desculpas a Lady Bird, que tem um temperamento explosivo e é muito impulsiva, e
conta que na verdade é gay , mas não pode contar para a família, A personagem de Ronan
então acolhe o amigo e então vemos mais uma camada da personagem, crescendo e
amadurecendo, aprendendo a lidar com as situações de rejeição.
Mas como na vida, Gerwig trata o amadurecimento de Christine não segue uma linha
cronológica, sendo permeada por momentos onde a personagem tem comportamentos juvenis
e outros momentos mais maduros. Esse gráfico é mais visível nas cenas com a mãe, onde
temos uma relação conturbada entre as duas. Na maioria do tempo elas estão brigando, ou
sendo passiva-agressiva uma com a outra. Christine tem uma relação bem melhor com o pai,
porém parte disso pode se dar ao fato de ele ser muito mais permissivo que sua mãe e mais
acolhedor, adotando um estilo de educação oposto ao de Marion (Laurie Metcalf). O estilo
permissivo, descrito por Arnett (2007,p.643) como “Pais permissivos demonstram afeto e
aceitação para a para a criança, mas baixos níveis de envolvimento e disciplina.”. Marion
então tenta balancear essa falta de imposição de regras, mas acaba sendo incisiva demais e
critica demais, criando uma relação hostil, e criando uma barreira emocional entre elas, apesar
de como espectadores acompanharmos os sacrifícios e o amor que marion tem a filha mas não
demonstra, assim do comportamento de Lady Bird vemos que vem a sua relação com sua mãe
e o desejo de ser aceita por ela.
Vemos isso com clareza na cena em que Lady Bird está provando seu vestido de
formatura e pergunta a mãe “ Eu queria que você gostasse de mim”, ao que a mãe responde “
Claro que eu te amo”, então Christine volta a perguntar: “ mas você gosta de mim” e a mãe
não consegue responder.
9

FONTE: Lady Bird (GERWIG,2017)

Christine também tem que aprender a lidar com a vergonha que tem de ser quem é, e
por sua situação financeira. Quando conhece Kyle (Timothée Chalamet), um garoto que
frequenta sua escola e faz parte do grupo de pessoas ricas da cidade. Christine então molda
sua personalidade para que se encaixe nesse grupo e então começa a namorar Kyle e troca sua
melhor amiga Julie por Jenna (Odeya Rush), uma garota popular da escola. Quando sua farsa
é revelada, Jenna corta relações com Christine e logo depois, o namoro com Kyle termina,
quando Lady Bird perde sua virgindade e descobre que na verdade ele mentiu e não teve sua
primeira vez com ela.
Outro ponto de conflito na bolha de Lady Bird é a vontade de estudar fora de
sacramento, e ter que lidar com as pressões de oposição da mãe, que quer que a filha se
contenta em estudar em uma universidade mais barata em sacramento (community college
como eles chamam nos EUA). Mesmo em plena crise financeira, Christine convence seu pai
10

Larry (Tracy Letts) a ajudá-la a mandar aplicações para colégios prestigiados, fora do alcance
financeiro deles, em caso de ela conseguir bolsa em um deles, e isso tudo é feito sem
conhecimento da mãe Marion.
No fim do filme Christine é aceita em um colégio em Nova York, e parte, sem o
consentimento da mãe que nem se despede da filha. Em Nova York, Christine começa a
entender o que é ser tornar adulta, e o filme termina com uma ligação de Christine admitindo
que sente falta da mãe e que a ama. Essa cena, porém, significa muito mais que isso. Ela
simboliza o fim da adolescência de Christine e o começo de uma nova fase, onde ela
finalmente entende tudo o que a mãe fez por ela. Nessa cena é a primeira vez que vemos
Christine usar seu nome assumindo essa nova persona. Greta cria inclusive um paralelo na
montagem, que intensifica essa diferença, mas ao mesmo tempo unidade entre mãe e filha.

FONTE: Lady Bird (GERWIG,2017)


11

É extremamente interessante ver o crescimento e as dificuldades emocionais que Lady


Bird enfrenta e como ela deixa de ser uma menina, rude e egoísta e passa a ser mais empática.
Outro ponto de genialidade de Gerwig é que o filme não tem um grande final e dá a entender
que ainda não acabou a história de Christine, mas apenas encerrou-se um ciclo.

3. O LUTO DE DEIXAR PARA TRÁS QUEM UM DIA FUI


“ Mulheres, têm mentes, têm almas, além de coração. Elas têm
ambições e talento, além de beleza. E eu estou cansada de ouvir as pessoas
dizendo que o amor é a única coisa pra que servem as mulheres. Eu estou
cansada disso! Mas eu estou tão sozinha”12 (GERWIG, 2019, p. 100,
tradução minha).

Com a fala de Jo March (Saoirse Ronan), extraída do filme “Little Women” (


Gerwig,2019) , começamos a análise de um amadurecimento num arco completo da
personagem. Diferente de Lady Bird, esse filme nos mostra o presente adulto, tanto quanto o
passado adolescente das personagens.
Nesta análise não apenas acompanhamos o crescimento e a mudança de
comportamento, da personagem principal, mas também discutiremos as expectativas sob a
mulher adulta, na sociedade moderna.
Apesar de Little Women se passar em 1800, Gerwig conseguiu trabalhar mas justamente as
problemáticas sob a expectativa feminina atual.
Em Adoráveis Mulheres (GERWIG, 2009), as personagens femininas
não são importantes pelo efeito que possam causar no protagonista
masculino, elas controlam a narrativa, sobretudo, Jo. (DI FLORA,2020)

Na primeira cena do filme, Jo March tenta vender sua história, e após mudanças feitas
pelo publicador, ele oferece comprar a história. Um pouco contrariada, Jo aceita , pega o
dinheiro e sai. Desde a primeira cena então se estabelece uma subestimação do trabalho de Jô
, pela visão masculina. Isso também já aconteceu com a diretora do filme, relatando que

12
Extrato do roteiro de Little Woman , 2019 - Texto original: “Women, they have minds and they have souls as
well as just hearts, they have got ambition and they have got talent as well as beauty and I’m so sick of people
saying that love is all a woman is fit for, I’m so sick of it. But I am so lonely.” (Gerwig, 2019, p. 100).
12

pessoas assumiram que ela realizava um papel menor no em seus roteiros co-escritos do que
seus parceiros.
O drama de Jó March no filme, se dá pela sua aversão a ideia que a mulher só serve
para construir uma família, e cuidar da casa. Apesar de isso já não ser mais uma verdade nos
dias de hoje, ainda podemos traçar um paralelo com a expectativa da sociedade atual em torno
do casamento e filhos, quando se trata de mulheres. Como Emma Watson, que interpreta a
irmã mais velha, Meg March nessa versão do filme disse em uma entrevista:
“E eu percebi que subitamente existe esse fluxo intenso de mensagens
subliminares ao seu redor . Se você não tem uma casa, se você não tem
marido, se você não tem um filho e está fazendo 30 anos e não está em um
lugar seguro e estável na sua carreira, ou ainda está descobrindo o que
fazer… tem essa incrível quantidade de pressão e
13
ansiedade.” (WATSON,2019)

FONTE: Little Woman ( Gerwig , 2019)

13
Trecho transcrito da entrevista: And I realize it’s because there is suddenly this bloody influx of subliminal
messaging around. If you have not built a home, if you do not have a husband, if you do not have a baby, and you
are turning 30, and you’re not in some incredibly secure, stable place in your career, or you’re still figuring things
out… There’s just this incredible amount of anxiety.”
13

Durante o filme, Jo luta consigo mesma para não dar o braço a torcer mesmo quando
está apaixonada por Friedrich (Louis Garrel). Desde sua adolescência Jô afirma que não quer
casar, e acaba se fechando para qualquer possibilidade de relacionamento amoroso. Abrir mão
de quem era e a relação que tinha com as irmãs e Laurie (Timothée Chalamet), seu melhor
amigo, é a parte mais deloro e que ao decorrer do filme afeta mais a personagem de Saoirse,
que cada vez mais se sente sozinha, como diz sua fala no extrato do roteiro em que abrimos
esse texto.
Logo após a cena do funeral de sua irmã mais nova Beth (Eliza Scanlen), Jo decide
queimar todas as histórias que escreveu para as irmãs durante a infância e guarda apenas o
início da história delas que começou a escrever a pedido da irmã que estava doente.
Essa cena simboliza, não só o luto pela irmã, mas também pela infância que se foi. Ao
queimar os papéis, Jo aceita aquilo como lembranças e é a partir desse momento que ela
consegue se abrir para novas possibilidades. Aceitar que uma fase de nossa vida acabou é a
parte mais difícil, mas também é o único jeito de enfrentar novas possibilidades.

FONTE: Little Women ( GERWIG,2019)


14

4. A REPRESENTAÇÃO DO AMADURECIMENTO FEMININO NAS OBRAS DE


GRETA GERWIG
Comparando o desenvolvimento das duas protagonistas dos filmes de Greta, fica fácil
entender qual é a visão que ela tem sobre o assunto. É inspirador ver personagens que têm
falhas, que erram, que tentam. Esse é um ótimo espelho da jovem mulher contemporânea.
Greta vem desenvolvendo essas personagens a um bom tempo, desde suas
colaborações escritas, quanto em suas performances como atriz, a personagem que de certo
modo recusa crescer, ou que ainda está descobrindo quem é, cativa o público e cria uma
identificação imediata e um senso de pertencimento ao espectador. Nas palavras de Janet
Harbord:
“Ao ler a performance de Gerwig como a angústia de existir nesse limiar, o
que se torna visível é o custo político na exigência de que as jovens mulheres
cresçam, deixem para trás o genus14 e abracem a idade adulta. Tudo o que é
co-emergente, relacional e pré-individual (no sentido filosófico) precisa ser
abandonado para entrar na lógica excludente da identidade binária. Os
personagens de Gerwig falham em atravessar, e por essa razão, eu
argumentaria, sua fama alcança uma luminosidade
15
atual.” (HARBORD,2019)

Trazendo experiências retiradas da vida para o papel cria ainda mais esse senso de
realidade, contribuindo para que as personagens não sejam bidimensionais. O trabalho de
Greta é diferenciado pois aborda a temática da busca da identidade de forma rotineira, sem
necessariamente terminar como a personagem queria, mas com uma mensagem de aceitação
da realidade. Brincar com a quebra da expectativa da personagem em seu final é o que
enriquece e cria veracidade em sua obra.
Em Lady Bird, Christine consegue ir para a faculdade que queria e sair de Sacramento,
e no fim se vê emotiva, percebendo que o que ela tanto queria se livrar é uma grande parte de
quem é.
14
Genus: palvra em ingles, metaforicamente usada com o sentido de deixar para trás as restrições ou
expectativas associadas ao gênero ou papéis sociais normalmente atribuídos às pessoas com base em seu sexo.
15
Texto original: In reading Gerwig’s performance as the anguish of existing at this threshold, what becomes
visible is the political cost in the demand for young women to grow-up, to leave behind genus and embrace
adulthood. All that is cmo-emergent, relational, and pre-individual (in its philosophical sense) has to be
abandoned to enter the exclusionary logic of binary identity. Gerwig’s characters fail to cross, and for this reason,
I would argue, her stardom achieves a current luminosity.
15

Em Little Women, Jo luta para ter sua independência e acaba se fechando para criar
relações com outras pessoas, e apesar de não se arrepender de suas escolhas, se vê feliz, com
uma possibilidade que tinha negado a anos.
O Amadurecimento retratado das obras de Greta não se trata apenas de uma transição
de fases, mas de uma questão emocional e psíquica em entender que devemos nos adaptar a
realidade, sem desistir dos objetivos, por mais impossíveis que pareçam, e que se descobrir é
um processo, que não tem tempo certo nem idade.

5. O QUE ESPERAR DE BARBIE ?


O novo Grande projeto do momento, dirigido por Gerwig, está gerando grandes
expectativas, mas o que esperar desse filme que parece tão distante de seus trabalhos até aqui?

FONTE: Trailer Barbie (GERWIG,2023)

Até o presente momento, Gerwig sempre foi muito concisa com suas escolhas e
temáticas, assim, espera-se que nesse novo roteiro que também leva seu nome e de seu
parceiro Noah Baumbach, as temáticas continuem igual, mas tragam um pouco mais de
ludicidade.
16

Apesar de parecer estranho essa sentença em um primeiro momento, nos trailers


divulgados do novo filme, as atuações estão” naturais”, no sentido que, os personagens se
comportam como imaginaríamos se uma boneca criasse vida, porém sem cair em estereótipos.
A genialidade e a atenção aos detalhes, já estão se tornando visíveis, e deixando a
assinatura da diretora bem clara. Na cena de abertura do trailer, o pé de Barbie (Margot
Robbie) na meia ponta16, cria-se um senso de verdade em relação a personagem.

FONTE: Trailer Barbie (GERWIG,2023)

Por fim, pelo terceiro trailer e também pelo último vídeo divulgado nas redes sociais
oficiais do filme, nos deu margem a entender que Barbie irá se encontrar em uma jornada de
autoconhecimento e descoberta, o que dialoga com temas previamente abordados pela
cineasta, além das pautas feministas que também são um marco da diretora.

16
Linguagem advinda do ballet clássico, que indica que a pessoa está na ponta dos pés.
17

6. REFERÊNCIAS

PÉCORA,Luísa.Saiba mais sobre Greta Gerwig, 5ª mulher a disputar Oscar de


direção.Mulher no Cinema. disponível em
:https://mulhernocinema.com/especiais/mulheres-no-oscar-saiba-mais-sobre-greta-gerwig-qui
nta-mulher-a-disputar-o-premio-de-direcao/ . Acesso em 21 de junho,2023

SEM AUTOR: The Directing And Writing Style Of Director Greta Gerwig. Filmed, 2022.
Disponível em:
https://www.filmd.co.uk/articles/the-directing-and-writing-style-of-director-greta-gerwig/#:~:t
ext=Acting%20Style,-Gerwig%20comes%20from&text=Apparently%2C%20Gerwig%20enc
ourages%20her%20actors,tends%20to%20feel%20incredibly%20truthful. Acesso em 21 de
junho, 2023.

Entrevista com Yorick Le Saux. Cinematografia Little Woman. Post Magazine,2019.


Disponível em :
https://www.postmagazine.com/Publications/Post-Magazine/2019/November-December-2019
/Cinematography-I-Little-Women-I-.aspx. Acesso em 21 de junho de 2023.

DI FLORA, Ana Paula.O OLHAR FEMINO NO CINEMA CONTEMPORÂNEO: uma


análise de Adoráveis Mulheres, de Greta Gerwig. Universidade de Brasília departamento de
audiovisual e publicidade comunicação social - audiovisual. 2020.

HARBORD, Janet. Greta Gerwig’s Gestures: Agamben in the Land of Stardom Queen Mary
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