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Universidade Estadual de Campinas

Mestrado em Multimeios
Seminários Avançados I - Desenvolvimento de Videojogos:
Teoria e Prática

Kaynan Vinícius Vilela

Personagens –
A pedido dos professores da matéria

Campinas,
2023
Os textos de Schell não têm finalidade. Este texto já é a resenha à partir do 17º capítulo do livro
de Schell, e até agora, o livro não mostrou a que veio. Bate-bola-jogo-rápido: - o autor cita algo novo?
Não. – O autor descreve algum pensamento mais elaborado? Não. – Sobre o que são os textos? Sobre o
que tem num game nos personagens.

Rogers dá um tema direcionado, mas também tangencia somente o lugar comum da criação de
personagens. Cita a psicologia das formas, doutrina do design que foi usada por muito tempo e hoje já é
algo do fundo do baú (tem a sua utilidade e as suas verdades, mas é inegável que já foi superada
academicamente). Cita também os 3 C’s, que são de fato algo utilizado pela indústria para a projetos de
games, mas que tem somente utilidade para a grande indústria e gestão destes mesmos projetos. A
verdade é que a indústria de games não lucra com a venda de copias dos jogos já há uns 10 anos da
escrita deste texto. Boa parte da lucratividade da indústria do entretenimento vem do licenciamento de
produtos e não da venda do produto audiovisual em si – em 2023, já é parte da margem de lucro das
gigantes do ramo a venda concreta das copias. Em outras palavras, compreender os 3 C’s não tem mais
muita utilidade para criar games – se, claro, a intenção é descrever a atividade artística e não vender
sonhos para crianças.

Vejo que mesmo com um tema extremamente profundo, por mais que o intuito dos autores seja
escrever livros sobre games, por mais que inúmeras leituras profundas sejam citadas, por mais que
sejam elaborados os textos onde estes autores se baseiam, parece haver uma recusa em aprofundar nos
temas que os autores se propõem. Citam o monomito (Joseph Campbell), citam alguns recursos de
roteiro, citam os arquétipos, citam até psicologia das formas, silhuetagem, mas não conseguem
aprofundar o assunto. Criação de personagens depende de inúmeros fatores, inclusive, quando não há
um ponto de partida.

Eiichiro Oda, ao escrever sua obra, destaca a importância de seu personagem principal cativar
nas inúmeras entrevistas que concedeu ao longo da vida. Na mais famosa delas, disse que não gostaria
que Luffy fosse aquele tipo de personagem típico dos mangás que conquista pelo seu poder imensurável
ou sua pose de machão, mas que despertasse o sorriso em quem o conhece e fosse bem humorado, não
à toa, é um personagem que sorri mesmo nas situações mais humilhantes – este texto está sendo escrito
em 2023, onde One Piece ainda não acabou e só nas últimas edições que fora revelado o porquê disso.
No decorrer da narrativa, é revelado que seu personagem porta naturalmente a capacidade mais
invejável e perigosa de todas: de “trazer qualquer um para o seu lado” – para o autor, a passagem do
tempo cronológico conta tanto quanto o tempo da narrativa. Luffy é o tipo de personagem em que suas
ações movem a estória e termina “melhor moralmente” do que começou, conhecido como arco positivo.

Aplicado aos estudos trazidos pelos autores, é possível compreender que cabe a quem escreve
determinar quais são as condições e desafios a serem enfrentados pelas personagens. Contudo, quando
se aplica esta lógica aos videogames, é parte fundamental que não somente quem escreve determinar o
curso da narrativa, mas também como visualmente estas transformações acontecem.

Martin, ao compor suas personagens as fixa num horizonte provável de atuação na narrativa, e
destaca uma linha quase que reta e tautológica, estas personagens interagem com outras e é isto o que
dá a continuidade para a estória. Sua forma de composição imagina a posição geográfica das
personagens, portanto o como interagem, quando interagem e o porquê estão diretamente vinculados à
sua própria atuação. Suas inúmeras personagens estão numa espécie de balão de ensaio, no qual o
narrador tem total controle e suas personagens somente podem reagir aos desafios criados. Conforme
se movem, as personagens podem melhorar moralmente, piorar moralmente, tomar decisões que
mudam o curso da estória ou apenas assistir. A exemplo Joffrey, talvez a personagem mais odiada por
quem consome a obra de Martin de alguma forma. O rapaz inicia a narrativa humilhando os seus e
termina sua jornada morto, mas ainda humilhando os seus momentos antes da morte. Não houve
aumento ou diminuição do impacto moral da personagem naquela narrativa. Joffrey passa por um tipo
de arco conhecido como neutro.

Várias personagens dos games têm arcos neutros, desde os mais clássicos – como Mario, Sonic
ou Crash – até os mais modernos. Acontece que é interessante perceber que há mais exemplos de
personagens pensados como o centro do design, mas que hoje, em 2023, os games correspondentes não
são mais pensados a partir do design destas personagens, de forma progressiva.

Os dois autores citados são bem diferentes de Vince Gilligan. Ele é o produtor de Breaking Bad,
que apesar de não ser o roteirista, nem produtor da série, decidiu os rumos da série por sua cadeira de
diretor. Ao criar e aperfeiçoar Walter White ao longo dos anos, demonstrou sobre o que se trata a série,
inclusive seu título.

Apesar de todos os personagens destes autores se manifestarem em mídias diferentes, todos


eles compartilham um mesmo núcleo: movem a trama e são afetados por ela – o que Schell até cita em
seu livro, mas não se aprofunda.

Talvez este seja o grande problema da área do game-design. Seja por ser muito recente, ou seja
porque não há muitos estudos pretensiosamente acadêmicos a respeito da área, os autores que se
prezam a escrever a respeito devem – por obrigação do ofício – compreenderem de muitas área distintas
e tentarem não ser rasos nos assuntos. Há todo um universo da narratologia que não foi abordado pelos
autores – talvez até porque nem fosse essa a intenção deles. O que de fato preocupa.

Referências:
SCHELL, Jesse. A Arte de Game Design: o livro original. Tradução do livro The Art of Game Design: the
book of lense. Tradução Edson Furmankiewickz. Morgan Kaufmann – Elsevier. 2011.

ROGERS, Scott. Level Up – The guide to great video game design. Willey, 2010

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