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Departamento Curricular de Línguas Românicas

Ano letivo 2023/2024


Teste de avaliação de Português
11º Ano
____________________________________________________________________________________
Módulo 4 – “Sermão de S.to António aos Peixes”, do P.e António Vieira Versão A

GRUPO I – Educação Literária


Lê o texto, um excerto do capítulo IV do «Sermão de Santo António [aos Peixes]», e as notas.

A primeira coisa, que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros.
Grande escândalo é este; mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns
aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. (…)
Olhai como estranha isto Santo Agostinho: Homines pravis, preaversisque cupiditatibus facti sunt
5 veluti pisces invicem se devorantes. «Os homens com suas más, e perversas cobiças vêm
a ser como os peixes, que se comem uns aos outros». Tão alheia coisa é, não só da razão, mas da
mesma natureza, que sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria, e
todos finalmente irmãos, vivais de vos comer. Santo Agostinho, que pregava aos homens, para
encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes; e eu que prego aos peixes, para que
10 vejais quão feio, e abominável é, quero que o vejais nos homens. Olhai,
peixes, lá do mar para a terra. Não, não; não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos, e
para o Sertão? Para cá, para cá; para a Cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias 1 se
comem uns aos outros; muito maior açougue 2 é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes vós
todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às
15 praças, e cruzar as ruas; vedes aquele subir, e descer as calçadas, vedes aquele entrar, e sair sem
quietação, nem sossego? […]
[…] Vede um homem desses, que andam perseguidos de pleitos, ou acusados de crimes, e olhai
quantos o estão comendo. Come-o o Meirinho 3, come-o o Carcereiro, come-o o Escrivão, come-o o
Solicitador, come-o o Advogado, come-o o Inquiridor, come-o a Testemunha, come-o o Julgador, e
20 ainda não está sentenciado, e já está comido. São piores os homens que os corvos.
O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado, e morto; e o que anda em
juízo ainda não está executado, nem sentenciado, e já está comido.
Padre António Vieira, «Sermão de Santo António», cap. IV, in Obra completa (Direção de José Eduardo Franco e Pedro Calafate),
Tomo II, Volume X, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 149-151.
1
Tapuias: tribo de índios brasileiros que, nos rituais fúnebres, devoravam os seus mortos.
2
açougue: talho, matadouro, matança.
3
Meirinho: empregado judicial.

1. Integra o excerto na estrutura interna da obra, referindo a temática abordada (que “nome” damos a este
capítulo do sermão? Do que fala?). (10 pontos)

2. Explica o que representa o facto de os peixes se comerem uns aos outros, tendo em conta que também “os
grandes comem os pequenos” (l. 3). (15 pontos)
2.1. Clarifica o jogo de palavras/sinónimos que o verbo “comer” tem neste contexto. (15 pontos)

3. Refere a expressividade da repetição da forma verbal «vedes» nas ll. 14-15 (por que é tantas vezes
repetida?). (15 pontos)

4. Seleciona a opção de resposta adequada para completar a afirmação abaixo apresentada. Na folha de teste,
escreve apenas o número da questão e a letra correspondente à resposta. (10 pontos)

Neste excerto do capítulo IV são utilizados alguns recursos expressivos frequentes no «Sermão de Santo
António [aos Peixes]»: na expressão «Olhai, peixes, lá do mar para a terra.» (linhas 10 e 11), está presente uma
____________; a comparação ocorre, por exemplo, em ____________. (VÊ A PÁGINA SEGUINTE!)

1
A. anáfora … «vivais de vos comer» (linha 8)
B. aliteração … «quão feio, e abominável é» (linha 10)
C. apóstrofe … «São piores os homens que os corvos.» (linha 20)

5. Identifica o recurso expressivo presente no segmento sublinhado do último parágrafo do excerto, e explica a
sua funcionalidade. (15 pontos)
6. Escolhe um dos peixes referidos no capítulo III ou no capítulo V e escreve um parágrafo (entre 50 e 70
palavras) em que menciones as suas características, a sua simbologia e o que o aproxima ou diferencia da
figura de Santo António. (20 pontos)

Grupo II – Leitura/Gramática
Lê o texto e as notas.
O poder das palavras
As palavras possuem um forte impacto sobre as nossas emoções. Nessa sequência, podem
desencadear determinadas reações, fazer tomar determinadas decisões e, por vezes, até levar a
mudar o curso da nossa vida.
Pensemos nas palavras de encorajamento como motivam e dão força para andar para a frente,
5 nas palavras de conforto que consolam e suscitam um sentimento de segurança, nas palavras de
amor que enchem a alma ou, por outro lado, as palavras de escárnio que magoam, as de ameaça que
provocam medo e recuos, os insultos que suscitam zanga e destroem vínculos.
Quantas pessoas relatam que ouviram determinada coisa de alguém e aquilo o fez avançar ou
recuar completamente em dado momento da sua vida. Uma palavra ou uma frase que ecoa, ressoa
10 e provoca no outro pensamentos em série.
Também se dá o caso de serem guardadas palavras que se repescam em algumas ocasiões.
Estão ali no canto da memória e, de tempos a tempos, são evocadas. Enquanto adultos,
lembramo-nos de palavras da infância, que a mãe, o pai, a avó, os avôs diziam. E como ficam
1
gravados tais dogmas e colados à pele psíquica! Ecoam como baluartes e funcionam como
15 mandamentos, conduzindo os nossos valores e as nossas escolhas ao longo de vida. De forma
consciente e/ou inconsciente.
A interpretação que damos às palavras que ouvimos é crucial. Por vezes, pode levar a mal-
-entendidos. Pensemos, por exemplo, nas confusões decorrentes de algumas trocas de mensagens.
A confusão que se gera pelo modo como ouvimos, à nossa maneira, e depreendemos um sentido
20 diferente daquele que as proferiu. Também a carga que damos a certas palavras pode deturpar o
entendimento das mesmas quando usadas entre interlocutores que atribuem diferentes
ressonâncias ao sentido latente2 dos adjetivos. Adensam os alvoroços comunicacionais quando
assentes em jogos metafóricos. Se, para alguns bons entendedores, meias palavras bastam, para
outros, poucas ou muitas palavras causam imenso ruído e rumor.
25 Como é bom quando encontramos alguém que fale a nossa língua. Que entenda o idioma do
nosso sentir semântico. A base desse entendimento trará profícuos diálogos. Acrescentará a
compreensão mútua e a ligação empática.
Nem sempre temos atenção com as palavras que usamos para nos expressar. Não temos de
adotar uma postura hipervigilante e pouco espontânea, mas devemos considerar, em alguns
30 contextos, o impacto que podem ter nos nossos ouvintes. Pensar antes de falar é prudente
sobretudo por isto. Ter esta noção é relevante para cuidar dos outros com devido respeito. Não é
necessário pactuarmos com palavras concordantes, mas considerar que aquilo que dizemos tem
poder e afeta certamente o recetor.
Não há propriamente boas nem más palavras. Há bons e maus entendimentos. Claras e
35 imprecisas perceções. Abertos e fechados diálogos. Boas e más conversas. Proveitosas e
desgastantes relações.
Ana Eduardo Ribeiro, «O poder das palavras» in https://observador.pt (texto com supressões, consultado em 10/12/2021).
1 2
baluartes: alicerces. latente: oculto.

2
Na folha de teste, escreve apenas o número da questão e a letra correspondente à resposta. Escreve UMA
resposta por linha; não deixes linhas de intervalo entre respostas. (10x5 pontos)

1. Tendo em conta os dois primeiros parágrafos do texto (linhas 1 a 7), «as palavras»
A. potenciam uma tomada de decisão irrefletida.
B. provocam reações adversas em todos os ouvintes.
C. permitem a reflexão sobre o nosso percurso.

2. A cronista defende que se pode dar o «caso de serem guardadas palavras» (linha 11) que
A. serão eternos ensinamentos a que recorremos em momentos cruciais.
B. poderão vir a ser úteis quando usadas apenas de modo inconsciente.
C. só terão o efeito desejado quando nós atingirmos a vida adulta.

3. Quando Ana Eduardo Ribeiro menciona que «é bom quando encontramos alguém que fale a nossa língua»
(linha 24),
A. refere-se unicamente ao sentido denotativo [literal] da palavra «língua».
B. destaca a importância de sabermos escutar os outros de forma eficaz.
C. evidencia a forma como é determinante compreendermo-nos mutuamente.

4. No contexto em que ocorre, o adjetivo «profícuos» (linha 25) pode ser substituído por
A. vantajosos.
B. proveitosos.
C. inúteis.

5. Em “Ecoam como baluartes e funcionam como mandamentos, conduzindo os nossos valores e as nossas
escolhas ao longo de vida” (linhas 14-15) encontramos duas
A. metáforas.
B. comparações.
C. hipérboles.

6. No excerto «As palavras possuem um forte impacto» (linha 1), o segmento sublinhado tem a função sintática
de
A. sujeito composto.
B. complemento indireto.
C. complemento direto.

7. Em “Pensemos nas palavras de encorajamento como motivam e dão força para andar para a frente” (linha 4),
está sublinhada uma oração coordenada
A. explicativa.
B. copulativa.
C. disjuntiva.
8. Já no segmento “Uma palavra ou uma frase que ecoa” (linha 9), encontramos uma oração coordenada

A. conclusiva.
B. adversativa.
C. disjuntiva.

3
9. Em “Estão ali no canto da memória e, de tempos a tempos, são evocadas. Enquanto adultos, lembramo-nos
de palavras da infância” (linhas 12-13), as palavras sublinhadas correspondem, respetivamente, a um deítico:

A. deítico pessoal/temporal e deítico pessoal.


B. deítico espacial e deítico pessoal.
C. deítico pessoal e deítico temporal.

10. No segmento sublinhado em “entre interlocutores que atribuem diferentes ressonâncias ao sentido latente
dos adjetivos” (linhas 21-22), temos um

A. complemento oblíquo.
B. complemento indireto.
C. complemento direto.

GRUPO III – Expressão Escrita

A exploração do Homem pelo Homem continua hoje, como séculos atrás.


Elabora um texto expositivo-argumentativo (entre 150 e 200 palavras) exprimindo a tua opinião sobre a
afirmação (concordas/ não concordas? Porquê?); relaciona-a com o cartoon do grego Michel Kountouris* e com
a obra do padre António Vieira. Dá exemplos que sustentem o teu ponto de vista. Respeita as marcas específicas
deste género textual.
Presta atenção aos tópicos de análise:
 Descrição do cartoon (diferentes planos da imagem; expressão facial das figuras representadas…);
 Sentimentos que possam caracterizar as figuras;
 Representação metafórica/simbólica da realidade e atualidade da mensagem;
 Relação temática com o “Sermão de S.to António aos Peixes”, referindo a atualidade do mesmo.
Utiliza um registo de língua correto, vocabulário adequado ao tema, correção na acentuação, na ortografia,
na sintaxe e na pontuação. (50 pontos)

*Cartoonista que venceu, em 2015, o primeiro prémio na categoria de Humor do World Press Cartoon.

Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta integre elementos
ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.:
/2020/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre cento e vinte e duzentas–, há que atender ao seguinte:
–um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
–um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.

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