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Conceitualização - parte 2

A capacidade de conduzir o paciente a enxergar o que fazer com os itens é a função


do terapeuta. E quanto mais experiente, mais habilidoso na construção desse
processo. Por exemplo: entregue todos os itens a uma criança e a uma senhora de
60 anos e veja quem apresenta maior probabilidade de pensar em fazer um bolo
com os ingredientes. Nessa perspectiva, fica claro que existem níveis de
capacitação para conceitualização cognitiva. Logo, terapeutas iniciantes estariam
menos capacitados do que os intermediários e os avançados.

A fim de te capacitar na arte de elaborar e trabalhar com a conceitualização


cognitiva, extraindo tudo o que ela pode oferecer, o conteúdo dessa aula foi retirado
do livro "Conceitualização de casos colaborativos: o trabalho em equipe com
clientes em terapia cognitivo-comportamental", escrito por Kuiken, Padesky e
Dudley (2010). Todos os conceitos foram extraídos dessa obra, que pode ser
estudada por completo, caso deseje se aprofundar no assunto.

A METÁFORA DO CALDEIRÃO

Um caldeirão é um recipiente usado para combinar substâncias diferentes de modo


que elas sejam transformadas em algo novo. Tipicamente, aquecer o caldeirão
facilita o processo de mudança. O processo de conceitualização de caso é assim,
na medida em que ele combina as dificuldades (motivos da consulta) e as
experiências que o cliente (história de vida) apresenta com a teoria e a pesquisa da
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) para formarem um novo entendimento
(nova visão de si, de mundo e de futuro), que é original e único daquele cliente
(individual/subjetivo).

A teoria e a pesquisa em TCC são ingredientes essenciais no caldeirão (itens


para um bolo); é a integração do conhecimento empírico (mistura os itens e leva ao
forno) que diferencia a conceitualização de caso dos processos naturais de

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obtenção de significado das experiências (ao invés de itens isolado, a mistura


aquece e vira um bolo) em que as pessoas se envolvem a todo o momento.

Figura 1 - O caldeirão da conceitualização de caso

Fonte: Kuyken; Padesky; Dudley (2010, p. 22)

Em primeiro lugar, o empirismo colaborativo aciona o processo de


conceitualização (aquecimento). As mãos representam o empirismo colaborativo
entre terapeuta e cliente: elas geram o calor que estimula a transformação dentro do
caldeirão. A colaboração ajuda a assegurar que os ingredientes certos sejam
misturados de forma adequada. As perspectivas do terapeuta e do cliente se
combinam para desenvolver uma compreensão compartilhada que seja adequada e
útil para o cliente.

Portanto, o empirismo é um princípio fundamental em TCC (BECK, 1995). Ele se


refere à pesquisa empírica e à teoria pertinente que fundamentam a terapia e
também o uso de métodos empíricos dentro da prática diária. Uma abordagem
empírica é aquela em que as hipóteses são desenvolvidas continuamente com
base na experiência do cliente, na teoria e na pesquisa. Essas hipóteses são
testadas e depois revisadas com base em observações e no feedback do cliente.

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Em segundo lugar, uma conceitualização se desenvolve ao longo do tempo.


Ou seja, para que uma reação química ocorra o fator tempo é essencial.
Tipicamente, ela começa em níveis mais descritivos e depois inclui modelos
explanatórios. Se necessário, desenvolve-se mais para incluir uma explicação
histórica de como os fatores predisponentes e protetores participaram do
desenvolvimento das dificuldades de paciente.

Em terceiro lugar, as experiências do cliente, juntamente à teoria e à pesquisa


em TCC são os ingredientes principais em uma conceitualização (materiais
colocados dentro do caldeirão). Tradicionalmente, a ênfase tem sido nos problemas
do cliente. Contudo, em vez de simplesmente examiná-las, esse modelo incorpora
os pontos fortes do cliente em cada estágio do processo de conceitualização. Isso
porque, independente da sua apresentação e da sua história, todos os clientes
têm seus pontos fortes, que usaram para lidar com os problemas de forma eficaz
nas suas vidas.

Além disso, a incorporação dos pontos fortes do cliente às conceitualizações


aumenta as possibilidades de que o resultado seja o alívio do sofrimento e o
desenvolvimento da resiliência do cliente. Por isso os pontos fortes do paciente
fazem parte da mistura do caldeirão.

ERROS COMUNS NA CONCEITUALIZAÇÃO

Alguns terapeutas questionam por que precisamos de conceitualização se já


existem manuais de TCC baseados em evidências. "Um diagnóstico não é
suficiente?”. Mesmo quando os terapeutas desenvolvem uma conceitualização de
caso, frequentemente ela é aplicada de formas que limitam a sua utilidade. Sendo
assim, os erros frequentemente cometidos são:

● os terapeutas conceitualizam unilateralmente, não colaborativamente;

● o conteúdo das sessões de TCC parece não ter relação com a


conceitualização do caso;

● o terapeuta pressupõe que entende tudo, mas não faz uma pausa para
verificar se o seu ponto de vista é compartilhado pelo cliente;

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● o cliente parece estar trabalhando a partir de uma compreensão diferente da


do terapeuta;

● o terapeuta, ou não detecta isso, ou não procura uma concordância


esclarecedora da conceitualização.

Todos esses erros comuns na conceitualização de caso são fáceis de serem


cometidos pelos terapeutas de TCC na prática diária.

PRINCÍPIOS ORIENTADORES PARA A CONCEITUALIZAÇÃO DE CASO EM


TCC

1. Níveis de conceitualização

A conceitualização se desenvolve a partir da descrição das dificuldades atuais de


um cliente em termos de TCC, de forma a prover estruturas explanatórias que
vinculam os desencadeantes, ciclos de manutenção e/ou fatores predisponentes e
protetores.

2. Empirismo colaborativo

Terapeuta e paciente trabalham juntos, integrando a experiência do cliente com a


teoria e pesquisa apropriadas em um processo esclarecedor de formulação e
testagem de hipóteses. A abordagem empírica acontece quando hipóteses são
levantadas continuamente com base na experiência do paciente, na teoria e na
pesquisa. Essas hipóteses são testadas e depois revisadas com base em
observações e no feedback do paciente.

Duas cabeças pensam melhor do que uma: uma relação terapêutica colaborativa
é aquela em que terapeuta e cliente respeitam as ideias um do outro e
trabalham como equipe para atingir os objetivos do cliente. Diferente de alguns
modelos de terapia em que o terapeuta é o especialista que trabalha como um
“paciente” que espera receber conselhos especializados, os terapeutas cognitivos
estimulam relações em que todos os participantes contribuem igualmente para o
processo terapêutico.

3. Foco nos pontos fortes

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A conceitualização identifica e incorpora ativamente os pontos fortes do paciente


com o objetivo de aplicar os recursos existentes no cliente às suas dificuldades
atuais a fim de fortalecer a sua consciência e utilizar seus pontos fortes ao longo do
tempo (ou seja, desenvolvendo a resiliência).

ESTRUTURA COLABORATIVA

● Verificação frequente sobre a compreensão do cliente: “Isso faz sentido para


você?”.

● Negociação de alterações na agenda da sessão.

● Planejamento colaborativo dos exercícios para fazer em casa.

● Perguntar a opinião do cliente em relação aos pontos de escolha da terapia.

OS TRÊS NÍVEIS DE CONCEITUALIZAÇÃO

Nível 1 - Conceitualizações descritivas

Durante as sessões iniciais, as dificuldades atuais do paciente são descritas em


termos cognitivos e comportamentais fazendo uso da teoria e da pesquisa
pertinentes à TCC. Essas primeiras conceitualizações conectam as
experiências individuais do cliente à linguagem descritiva da teoria da TCC.
Para esse estágio de conceitualização, estão disponíveis todos os esquemas
descritivos da TCC (protocolos e resumos de evidências primários de TCC).

Qualquer modelo baseado em evidências será adequado, contanto que ele realize a
tarefa do primeiro nível de conceitualização. Essa tarefa é unir a teoria com a
experiência do cliente para descrever os problemas apresentados pelo cliente em
termos cognitivos e comportamentais.

➢ Diretrizes do nível 1

● Assegurar-se de que os objetivos se relacionam intimamente com as


dificuldades presentes;

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● Especificar os objetivos de curto, médio e longo prazo (não necessariamente


todos no início da terapia);

● Utilizar conceitualizações descritivas para ajudar a especificar o que constitui


uma mudança;

● Os objetivos estão dentro das possibilidades de controle da pessoa? Eles


parecem ser realistas?

● As pessoas precisam de sucesso para ter esperança: enfatizar objetivos que


sejam fáceis de serem alcançados no início da terapia;

● Algum objetivo é contingente ou dependente de outro? Em caso positivo, qual


deles tem que ser buscado primeiro?

● Os objetivos são mensuráveis (p. ex., diminuição da pontuação na medida de


um sintoma, redução do tempo gasto em uma atividade que não tem
utilidade, aumento na pontuação ou no tempo despendido em atividades
positivas)?

● Os objetivos refletem mais do que a redução do sofrimento? Eles


representam um crescimento positivo e significativo da pessoa?

Nível 2 - Conceitualização transversal

Vincula a teoria da TCC e a experiência clínica em um nível mais elevado ao


identificarem os mecanismos-chave cognitivos e comportamentais que sustentam as
dificuldades apresentadas pelos clientes. A TCC é “orientada para o objetivo” e
"inicialmente enfatiza o presente” (BECK, 1995, p. 6). Nesse nível de
conceitualização, o foco dos terapeutas está no corte transversal da vida de um
cliente que captura as dificuldades atuais.

Em que situações as dificuldades atuais do cliente são desencadeadas e mantidas?


A tarefa nesta fase de conceitualização é usar os modelos da TCC para explicar
o que desencadeia e mantém as dificuldades apresentadas pelo cliente.
Pode-se usar como modelo a análise funcional ou uso de sequências

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situação-pensamento-emoção-comportamento, modelos da TCC específicos para


um transtorno ou o modelo genérico da TCC dos transtornos emocionais.

➢ Diretrizes do nível 2

Passo 1: reunir exemplos relacionados.

Passo 2: adequar os exemplos a um modelo apropriado dos fatores


desencadeantes e de manutenção.

Passo 3: escolher intervenções com base na conceitualização explanatória.

Passo 4: analisar e revisar a conceitualização.

Nível 3: Conceitualização longitudinal

Usa a história desenvolvimental do paciente para melhor entender as suas


dificuldades presentes. Geralmente, existem motivos para que pessoas em
particular sejam vulneráveis a problemas específicos.

Os fatores predisponentes descrevem um elemento que faz com que uma pessoa
tenha maior probabilidade de responder de uma forma particular a uma
circunstância da vida. As pesquisas mostram que uma gama de fatores, como
temperamento e experiências significativas de adversidade, predispõem as pessoas
a problemas de saúde mental (RUTTER, 1999).

Por outro lado, os pontos fortes do cliente e as experiências positivas, como


paternidade suficientemente boa e boa relação adolescente com os iguais, servem
como fatores protetores. Mais do que isso, Rutter (1999) destaca o ponto importante
de que os fatores protetores interagem com os fatores predisponentes de forma
complexa para afetar a vulnerabilidade e a resiliência.

Embora os fatores predisponentes e protetores sejam identificados e incorporados


aos modelos em desenvolvimento durante o processo de conceitualização, eles são
especialmente enfatizados em estágios posteriores da terapia quando os clientes se
preparam para manejá-los de forma independente. Logo, a conceitualização

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habilidosa dos fatores protetores e predisponentes pode estimular a


percepção e o uso dos pontos fortes e do modo de lidar com as dificuldades.

➢ Diretrizes do nível 3

Passo 1: usar a teoria da TCC para vincular as dificuldades atuais à história do


desenvolvimento do cliente.

Passo 2: escolher intervenções baseadas na conceitualização.

ENTREVISTA DIAGNÓSTICA E CONCEITUALIZAÇÃO COGNITIVA

Os dados coletados na entrevista de anamnese já servem de informações para


compor a conceitualização cognitiva do paciente. A maioria dos terapeutas já segue
uma estrutura, que pode variar a depender da demanda, do paciente e das
circunstâncias. Contudo, a fim de ajudar os terapeutas menos experientes, a seguir
será apresentado um modelo de sequência de entrevista diagnóstica.

Diagnóstico

● Observar especialmente uma comorbidade, bem como a gravidade e a


cronicidade dos problemas.

Situação atual de vida

● Relação com o parceiro (satisfação/insatisfação);

● Casa (satisfação/insatisfação);

● Trabalho (aspirações, satisfação/insatisfação);

● Prazer/relaxamento;

● Relações com amigos e família/apoio social;

● Estressores/preocupações atuais;

● Recursos/dificuldades financeiras;

● Problemas de saúde/informações de profissionais da saúde;

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● Questões espirituais/religiosas (satisfação/insatisfação);

● Objetivos e aspirações.

História de vida

● História familiar (mãe, pai, irmãos, família estendida, outras figuras


significativas);

● Background cultural: racial, étnico gênero, orientação sexual, espiritual,


geracional;

● Frequentemente omitido: avaliação do impacto da adaptação ou


desadaptação à comunidade em que vive;

● Abuso sexual e/ou físico na infância/negligência/apoio emocional e prático;

● Escola e educação;

● História laboral;

● Relacionamentos (parceiros sexuais, amigos e família);

● Frequentemente omitido: violência doméstica e abuso sexual;

● Dificuldades psicológicas passadas;

● Frequentemente omitido: abuso de substância;

● Habilidade para lidar com dificuldades passadas: inclui avaliação dos pontos
fortes pessoais e sociais;

● Acontecimentos importantes ou traumas na vida (p. ex., experiências sexuais


indesejadas na adolescência e idade adulta).

História psiquiátrica

● Tratamento de dificuldades psicológicas prévias;

● Frequentemente omitido: fracassos em terapias anteriores;

● Tentativas prévias de suicídio/comportamento autodestrutivo/hospitalizações;

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História médica

● Condições médicas comórbidas significativas, como a dor crônica;

● História de medicações;

● Frequentemente omitido: uso e abuso de medicações de prescrição.

História forense (frequentemente omitida)

● Verificar se o paciente tem algum problema com a justiça.

Segurança e risco

● Risco de danos a si mesmo ou de suicídio;

● Violência no lar;

● Frequentemente omitido: risco para os outros.

Pontos a serem observados durante a avaliação

● Apresentação da pessoa (física, emocional, facilidade de expressar o[s]


problema[s]);

● Traços de personalidade significativos (p. ex., desejo de agradar, hostilidade,


externalização, dependência);

● Funcionamento cognitivo: distorção cognitiva na memória ou na percepção;

● Nível intelectual;

● Facilidade de conseguir rapport;

● Como o terapeuta reagiu ao cliente de um modo geral e em pontos-chave do


encontro;

● Resposta da pessoa a perguntas, comentários e intervenções terapêuticas


iniciais;

● Frequentemente omitido: habilidades e motivação do cliente para a mudança;

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E por fim, depois de aprender sobre todos esses aspectos, como os terapeutas
aprendem habilidades para a conceitualização de caso? A resposta está na figura
abaixo.

Figura 2- Modelo de Bennett-Levy (2006) da aprendizagem do terapeuta de TCC

Fonte: Bennett-Levy (2006)

REFERÊNCIAS

BECK, J. S. Cognitive therapy: basics and beyond. New York: Guilford Press,
1995.

BENNETT-LEVY, J. Therapist skills: a cognitive model of their acquisition and


refinement. Behavioural and Cognitive Psychotherapy, v. 34, p. 57-78, 2006.

KUYKEN, W.; PADESKY, C. A.; DUDLEY, R. Conceitualização de casos


colaborativos: o trabalho em equipe com clientes em terapia
cognitivo-comportamental (SMM da Rosa, Trad.). Porto Alegre: Artmed, 2010.

RUTTER, M. Resilience concepts and findings: Implications for family therapy.


Journal of Family Therapy, v. 21, p. 119-144, 1999.

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