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1 Introdução
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UFRGS danigrm@gmail.com
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
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Em A Vida do Espírito: o pensar o querer e o julgar (1991), a autora faz uma longa explanação teórica,
calcada em aspectos da própria biologia, em que se propõe a explicar como nós, seres humanos, vivemos em
um mundo de aparências.
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A transformação do perfil das sociedades é identificada por Ferdinand Tönnies (1957) como a passagem das
Gemeinschaften para as Gesellschaften.
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Conforme a autora, a política se utiliza do espetáculo, do teatro e do discurso como formas de
convencimento. Esta busca incessante tem como objetivo a obtenção da credibilidade, das opiniões e do voto
(WEBER, 2000, p.11).
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de mediações? De quais armas se utiliza para exibir-se ao público? De que maneira ela se
publiciza?
No rol de estratégias da política para garantir a presença na esfera de visibilidade
pública, este estudo se baseia na conceituação de Gomes (2004) sobre política de imagem.
Segundo ele, este fenômeno, que ocuparia um grande espaço na disputa política
contemporânea, indica a prática política naquilo que nela está voltado para a competição
pela produção e controle de imagens públicas de personagens e instituições políticas
(GOMES, 2004, p.242). O processo de construção de uma política de imagem se dividiria,
segundo o autor, em três fases distintas. A primeira refere-se aos mecanismos produzidos
no interior do campo político, assegurando a presença de atores ou instituições políticas na
esfera de visibilidade pública dominante. Nesta etapa primeira, o campo político se valeria
de fatos, discursos e configurações que funcionariam como estímulos agenciados de tal
forma que possam se inserir na esfera de visibilidade pública, controlada pela
comunicação de massa. (2004, p. 278). A segunda fase se daria dentro do próprio campo
jornalístico, com a recodificação do acontecimento publicizado na primeira fase segundo os
critérios e interesses do veículo de comunicação. A terceira e última fase se concluiria com
a manifestação ou impressão pública sobre o fato. Em resumo, para o autor, a política de
imagem funcionaria como um grande mecanismo destinado a formar imagens públicas ou
concepções caracterizadoras (2004, p. 254) condizentes com o interesse daquele que as
promove. Em outras palavras, o termo se refere ao conjunto de características ou
propriedades estáveis que se reconhece publicamente compondo uma personalidade (2004,
p.256)..
É dentro desse contexto de intenção de construção de uma determinada identidade
na esfera de visibilidade pública hoje dominada pelos meios de comunicação de massa,
resumido a partir da conceituação de política de imagem por Wilson Gomes, que este artigo
se propõe a analisar um dos fenômenos mais singulares ocorridos no Estado do Rio Grande
do Sul no ano de 2006: o projeto Pacto Pelo Rio Grande – Responsabilidade de Todos.
Partindo do entendimento de Gomes, o presente artigo vê a criação e a veiculação do Pacto,
no campo dos media, como uma estratégia de visibilidade construída pelo campo político
com a intenção de formar uma imagem positiva da instituição política perante a opinião
pública. É importante ressaltar que apenas esse fator, de forma isolada, não representaria
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No Livro O Jogo da Verdade – Crise estrutural e governabilidade do Rio Grande (BARRIONUEVO, José:
BUSATTO, Cezar; 2006), o jornalista José Barrionuevo, um dos mentores intelectuais do projeto que
culminou com a criação do projeto Pacto Pelo Rio Grande, fala explicitamente sobre as vantagens da
construção do projeto para a imagem pública do Parlamento gaúcho, e como este argumento foi utilizado
como uma forma de angariar apoio entre os deputados para a consecução da proposta.
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Luiz Fernando Záchia, atual chefe da Casa Civil do governo Yeda Crusius, ex-vereador e ex-presidente do
Sport Club Internacional, assumiu a presidência da Assembléia Legislativa em 31 de janeiro de 2006, em
substituição ao deputado Iradir Pietroski (PTB). Ficou no cargo até 31 de janeiro de 2007, dando lugar ao
atual presidente do parlamento, deputado Frederico Antunes (PP).
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Além de ter sido criado, implementado e encerrado em um ano eleitoral, o que afirma
a luta por espaço com outros acontecimentos de peso no terreno do jornalismo, é
importante salientar que o projeto Pacto Pelo Rio Grande surgiu durante um período
particularmente nebuloso para a política gaúcha e brasileira. A crise política nacional
iniciada em 2005, a partir do escândalo do mensalão 7 revelado pelo ex-deputado Roberto
Jefferson, abalou profundamente a imagem da Câmara dos Deputados, refletindo
diretamente no perfil da cobertura da imprensa regional sobre o parlamento gaúcho. A
título de ilustração, somente em abril de 2006, ou seja, pouco mais de um mês antes do
lançamento oficial do projeto Pacto Pelo Rio Grande, ZH estampou pelo menos dez
diferentes matérias relacionadas à conduta dos deputados estaduais gaúchos ou ao
funcionamento de órgãos da Casa8.
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Em entrevista concedida à repórter Renata LoPrete, do jornal Folha de São Paulo, em 2005, o deputado
federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou a existência de um pagamento periódico feito a deputados
federais para que votassem a favor de matérias de interesse do governo no Congresso Nacional. Isso deu
início a uma série de denúncias que atentaram contra a imagem da política nacional.
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As matérias referem-se principalmente a temas como ausências dos deputados em plenários e comissões,
gastos excessivos com combustíveis e envolvimento de parlamentares em episódios como o fura-fila do SUS.
Outra matéria publicada durante o período retrata que as portas do Legislativo gaúcho estavam fechadas um
dia antes do feriado de Páscoa de 2006.
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construída pelo Pacto foi o jornalista José Barrionuevo - à época já afastado de suas
atividades no jornal Zero Hora e dedicando-se integralmente à sua empresa de marketing
político. Os dois, juntamente com Záchia, formaram o tripé pensante, ou nas palavras de
Schwartzenberg, as “superstars” (SCHWARTZENBERG, 1978, p.7) que tornaram
realidade a criação de um megaevento de enormes proporções no cenário político regional e
até mesmo nacional.
O lançamento do Pacto foi realizado em um evento no Teatro Dante Barone do
Poder Legislativo com a presença de representantes de lideranças das mais diversas áreas,
entre políticos, empresários, líderes sindicais, representantes de universidades, estudantes,
terceiro setor, entre outros, somando um total de 14 diferentes segmentos. O lançamento
do evento se deu sem os tradicionais discursos políticos característicos, na intenção de
manter a idéia de “ausência de paternidade” da proposta. Representações cênicas e musicais
deram o tom espetacular ao evento, unindo em um mesmo plano dramaturgia e política
(SCHWARTZENBERG, 1978). Nos dias subseqüentes, cumpriu-se um extenso
cronograma de atividades, incluindo quatro seminários com partidos políticos, nove
seminários temáticos com a participação de instituições da sociedade civil e seis seminários
regionais pelo interior gaúcho. Ao fim, uma carta de intenções com 25 propostas selou o
Pacto com um novo espetáculo político amplamente coberto pela mídia gaúcha. A seguir a
lista de proposições que constaram na chamada Agenda Mínima:
Nos depoimentos publicados em entrevista ao jornalista Gustavo Machado no livro
O Jogo da Verdade, Busatto e Barrionuevo (2006) explicitaram os bastidores da criação do
movimento e as principais motivações que os levaram a conceber a proposta. Entre elas,
apresenta-se claramente a intenção de melhorar a imagem do Poder Legislativo e de seus
deputados, já que o prestígio da política brasileira vinha enfrentando uma crise aguda
especialmente após o surgimento do escândalo do mensalão, em 20059. Como afirma o
próprio Barrionuevo:
Em outra parte do livro, Barrionuevo revela os lucros obtidos pelos deputados com
a participação no movimento político. Como um hábil mestre do marketing político, ele
afirma que o Pacto foi um grande instrumento propulsor da imagem dos deputados junto à
opinião pública, fato que rendeu, segundo ele, excelentes dividendos eleitorais. Todos os
candidatos com representatividade, com exceção de um deles10, que foi rechaçado nas
urnas, respaldaram o Pacto. Dessa forma, o Pacto foi assimilado. Na expressão do voto,
está embutido o Pacto (BARRIONUEVO, C; BUSATTO, J; 2006, p.49). As afirmações
apresentadas por alguns dos principais mentores intelectuais do Pacto deixam clara a
intenção do projeto de produzir uma imagem positiva do Poder Legislativo, acentuada em
um período de crise da imagem política nacional e a apenas cinco meses das eleições que
representariam o julgamento do povo sobre os quatro anos de atuação dos deputados
estaduais gaúchos. A seguir, o artigo fará uma análise sobre a presença do Pacto na mídia
gaúcha. Para isso, foram selecionados 13 editoriais publicados pelo jornal Zero Hora
durante os dois meses e meio de duração do projeto. A escolha do periódico se deve
basicamente à sua expressiva representatividade regional, já que figura como um dos
veículos integrantes da maior rede de comunicação do Sul do Brasil, o Grupo Rede Brasil
Sul (RBS).
Para a análise dos editoriais de Zero Hora, a opção metodológica escolhida foi a
Análise de Discurso francesa, no intuito de fazer emergir os sentidos nele contidos. A
sustentação teórica está baseada no pensamento de Gomes sobre a política de imagem.
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Barrionuevo refere-se aqui a Jair Soares, ex-governador do Estado pelo extinto PDS que, apesar de ter
participado como um dos protagonistas do pacto Pelo Rio Grande, não conseguiu reeleger-se deputado
estadual pelo Partido Progressista nas eleições de 2006.
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Importa, afinal, saber: a política de imagem imposta a Zero Hora pelo Poder Legislativo
surtiu efeito? Afinal, como o discurso sobre o Pacto é construído por ZH? Para a realização
desta análise, entender-se-á o jornalismo como uma construção (TRAQUINA, 2004)
submetida a constrangimentos organizacionais presentes nas rotinas de produção, que
incluem o tempo exíguo de fechamento do jornal, o perfil dos editores e dos jornalistas, o
acesso às fontes de informação, entre outros. Assim, entende-se que o poder acumulado
pela política se impõe como uma força vibrante na sedimentação do que deve ser noticiado.
Os fatos da política, especialmente os que, por sua característica, carregam consigo um
grande poder de visibilidade, são atrativos quase inevitáveis ao jornalismo. O que acaba se
refletindo no chamado jornalismo opinativo, gênero escolhido para a pesquisa. De acordo
com Melo (2003), por mais que a instituição jornalística tenha uma orientação definida,
(posição ideológica ou linha política), subsiste sempre uma diferenciação opinativa (2003,
p.101) baseada nas condições atuais de produção do jornalismo, cujos constrangimentos
impedem que haja um controle pleno sobre o que será divulgado. A opinião manifesta no
editorial, portanto, é o substrato do pensamento da empresa, no entanto, submetida às
questões ou temas que não são de seu controle absoluto, como em alguns acontecimentos
gerados pelo campo político, por exemplo. Segundo ele, o editorial afigura-se como um
espaço de contradições, pois seu discurso constitui uma teia de articulações políticas
(2003, p.102) em que o papel e a influência do poder estatal não pode ser negado.
Na perspectiva discursiva do jornalismo, onde inclui-se o gênero opinativo, ele se
apresenta como um lugar onde se produzem sentidos. Como apresenta Benetti (2007), o
jornalismo pode ser entendido como um discurso dialógico, polifônico, opaco, ao mesmo
tempo efeito e produtor de sentidos e elaborado segundo condições de produção e rotinas
particulares. (BENETTI, 2007, p. 107). O dialogismo se explica, segundo a ótica de
Bakhtin (1979), porque ele é atravessado por diversos discursos simultaneamente, e só
existe em um espaço entre sujeitos (BENETTI, 2007, p.108). Para Eni Orlandi (2007), o
discurso é precedido por posições ideológicas dadas, colocadas em um processo sócio-
histórico que se materializa nas palavras do texto. É preciso portanto, mais do que
identificar o significado do texto, entender os seus sentidos a partir da posição que o sujeito
ocupa ao falar, que se forma a partir de uma ideologia pré-estabelecida. Se o sujeito fala de
um certo modo, usando certas expressões, ele deixa de dizer de outra forma, o que
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evidencia uma posição ideológica. Segundo Orlandi, (...) a ideologia faz parte, ou melhor,
é a condição para a constituição dos sujeitos e dos sentidos (ORLANDI, 2007, p.46). A
tentativa desta etapa é conseguir identificar que sentidos são produzidos pelo jornal sobre o
Poder Legislativo a partir da divulgação do projeto pacto Pelo Rio Grande.
Durante a análise dos 13 editoriais, a pesquisa identificou a existência de duas
grandes formações discursivas. A primeira, FD1, foi denominada de FD Imagem do
Progresso e a FD2, chamada de FD Imagem do Retrocesso. Ao todo, foram identificadas
25 seqüências discursivas que revelam a existência dos sentidos resumidos nas nominações
das FDs. A FD Imagem do Progresso apresenta o Pacto como o caminho ideal para o
desenvolvimento do Estado. Essa formação relaciona a noção de prosperidade às
proposições do Pacto, e liga o evento promovido pela Assembléia diretamente à resolução
da crise. Dos textos, também destaca-se a participação dos empresários na construção desta
imagem do progresso, através da defesa do projeto Agenda Estratégica 2020, cuja idéia e
finalidade são semelhantes às do Pacto. É nítida, portanto, a percepção de que há uma
vinculação bem estruturada entre a Assembléia Legislativa, o empresariado gaúcho e a
idéia de encontrar soluções para o desenvolvimento do Estado, como pode ser percebido
nos exemplos a seguir.
Nada mais natural, neste sentido, que seja o parlamento gaúcho o promotor da
iniciativa, pois é esta Casa o desaguadouro natural das tendências políticas e da presença
partidária (...) (SD3, T1)
Pois a iniciativa do Pacto, da mesma maneira que a proposta de uma Agenda Estratégica
elaborada pelas entidades empresariais, (...) abandona as questiúnculas partidárias e
coloca o interesse do Estado como prioridade suprema. (SD8, T5).
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(...) idéia do Pacto, uma iniciativa generosa (...) e que, acertadamente, a Assembléia
Legislativa, representando os cidadãos, transformou em lei. (SD16, T12).
Trata-se de uma façanha política cujo alcance e cuja importância não podem deixar de ser
destacados, especialmente por ter sido conseguida com a adesão de todos os partidos com
assento na Assembléia Legislativa. (SD18, T13).
Como pôde-se depreender dos exemplos citados acima, o Pacto foi entendido por
Zero Hora como um movimento que deu crédito ao Poder Legislativo. Os empresários
também foram destacados como participantes ativos na tentativa de recolocar o Estado no
rumo do desenvolvimento, através da ênfase dada ao projeto Agenda Estratégica, liderado
pela classe. Em suma, políticos e empresários foram catapultados à imagem de
protagonistas do processo capaz de devolver a tranqüilidade à economia estadual, tendo
suas imagens vinculadas à idéia de progresso e prosperidade.
Na análise da FD imagem do retrocesso, nota-se uma tendência, no discurso de ZH,
à criminalização dos poderes e instituições que não aderiram ou que manifestaram
contrariedade à proposta. Para o periódico, a idéia de retrocesso está vinculada à não adesão
ao Pacto. Trata-se, portanto, de um discurso que a todo momento incita o leitor à filiação às
idéias promovidas pelo Pacto e rejeita tudo o que a não estabeleça vinculação com a
proposta. Os exemplos a seguir mostram como este cenário foi apresentado nos editoriais
de ZH:
Para deslanchar, a mobilização liderada pela Assembléia Legislativa terá que enfrentar
alguns obstáculos, entre os quais a resistência velada do PT, a desconfiança do
Judiciário e a disputa de paternidade com entidades empresariais que lançaram
projeto semelhante. (SD4, T1)
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Não há poderes ou setores que possam se dar ao luxo de lavar as mãos e assistir de
camarote à degringolagem dos serviços e das instituições. (SD5, T2)
A oposição às medidas (...) não deixa de ser uma falta de visão estratégica de candidatos
ou de autoridades investidas de poder. A permanência do status quo tem sido (...) o
caminho para a degradação crescente e para a insustentabilidade das contas públicas.
(SD14, T9)
Yeda Crusius venceu as eleições ao governo do Rio Grande do Sul de 2006 com a
aprovação de 3.377.973 gaúchos11, ou 53,94% dos votos válidos, e tornou-se a primeira
mulher a assumir a chefia do Palácio Piratini. Sua campanha eleitoral baseou-se no slogan
11
Dados obtidos no site do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. Para maiores informações,
consultar o endereço http://www.tre-rs.gov.br/eleicoes/2006/divulgacao/2turno/index.php?opcao=estado.
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5 Considerações Finais
Referências
SODRÉ, Muniz. As estratégias sensíveis: afeto, mídia e política. Petrópolis, RJ: Vozes,
2006.
TÖNNIES, Ferdinand. Comunity and Society. East Lansing, Michigan State University
Press. 1957.