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O Ciclo de Políticas públicas: uma análise sobre o Programa de Proteção a

Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas.

Antonio Francisco de Lima Neto1

Resumo: O presente trabalho visa apresentar uma análise do Programa de Proteção a


Defensores de Direitos Humanos, comunicadores e Ambientalistas que existe no brasil desde
o ano de 2004 sob luz dos estudos do campo de conhecimento das políticas públicas, mais
especificamente atender o programa a partir da teoria dos ciclos de políticas públicas.

Palavras – chave: Políticas públicas. Ciclo de Políticas Públicas. Programa de Proteção.


Defensores de Direitos Humanos, comunicadores e Ambientalistas.

1. Introdução

As defensoras e defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas


(DDHs) desempenham um papel vital na promoção e proteção dos direitos humanos, na
denúncia de violações e na conscientização pública sobre questões ambientais. Eles são
fundamentais para garantir que os direitos e liberdades básicas de todos sejam respeitados e
para proteger o meio ambiente.

No entanto, esses grupos muitas vezes enfrentam riscos significativos, incluindo


ameaças à sua segurança pessoal, prisão, criminalização e ataques constantes a sua
integridade física incluindo assassinatos. Por essa razão, é fundamental que as políticas
públicas incluam medidas para proteger os defensores de direitos humanos, comunicadores e
ambientalistas.

As políticas públicas podem desempenhar um papel importante na criação de um


ambiente seguro e propício para o trabalho desses grupos, por meio da promoção de leis e
regulamentos que garantam sua proteção, da garantia de um sistema judiciário justo e eficaz
para lidar com casos de violações de direitos humanos, e da criação de mecanismos para
monitorar e relatar violações.

1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Politicas Públicas em Direitos Humanos (PPDH), do Núcleo de
Estudos de Politicas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DDH) e Pesquisador da Justiça Global na equipe de
Proteção à Defensoras e Defensores de Direitos Humanos e da democracia.
Além disso, as políticas públicas também podem ajudar a aumentar a conscientização
pública sobre os direitos humanos e questões ambientais, por meio de programas educacionais
e campanhas de mídia que visem sensibilizar a opinião pública.

Em resumo, os defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas são


essenciais para a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente. As políticas públicas
devem incluir medidas que garantam a sua segurança e proteção, bem como a conscientização
pública sobre essas questões. A proteção e promoção desses grupos é essencial para a
construção de uma sociedade mais justa, igualitária e sustentável.

Este trabalho é uma tentativa inicial de se aproximar do estudo das políticas públicas
como um campo do conhecimento da Ciência Política - mas também entendida e estudada de
maneira multidisciplinar - ao nosso trabalho realizado no cotidiano de acompanhamento e
monitoramento de uma política pública de proteção a defensoras e defensores de direitos
humanos, comunicadores e ambientalistas, podendo se utilizar do amplo processo de
produção do conhecimento nesse tema para analisar a atual situação da politica pública no
Brasil hoje.

Iniciamos tentado fazer a aproximação do estudo das políticas públicas como um


campo do conhecimento baseado em um texto estudado na disciplina de Estado, Partido e
Representação Política e outro texto já estudado em outro momento, podemos fazer uma
revisão de literatura que nos proporcionou conhecer, mesmo que inicialmente diversos
modelos e conceitos que tornam o estudo da política pública essencial para poder analisarmos
as politicas publicas de proteção a DDHs com mais qualidade.

No segundo capítulo baseado no estudo das políticas públicas, mergulhamos na análise


da política pública de proteção a defensores de direitos humanos, comunicadores e
ambientalistas que existe a mais de 20 anos. Nos baseamos em duas pesquisas realizadas pelas
organizações da sociedade civil Justiça Global e Terra de Direitos nos anos de 2021 e 2022
que acompanham o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos,
Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) desde o seu desenho e implementação. Essas
pesquisas possibilitaram termos acesso a dados que mostram o estado de calamidade em que a
política está no atual momento.
Fizemos um breve histórico do PPDDH, em seguida trabalhamos como a politica esta
funcionando, quais são seus objetivos, diretrizes e estrutura atual, para no final identificarmos
quais são as principais críticas feita ao programa pelas organizações da sociedade civil.

É importante frisar que manteremos os nomes dos ministérios e estruturas


governamentais como eram até o final do mandato de Jair Bolsonaro, já que as pesquisas
tratam de dados somente até o mês de julho de 2022.

2. A Construção de Políticas Públicas como Campo de Conhecimento

As políticas públicas são decisões tomadas pelos governos e outras autoridades


públicas que afetam diretamente a vida das pessoas. Essas decisões podem incluir a alocação
de recursos, a implementação de programas sociais, a criação de leis e regulamentações, entre
outras questões. Compreender as políticas públicas como um campo do conhecimento é
crucial para entendermos como as escolhas políticas são feitas, como elas afetam a sociedade
e como podemos trabalhar para melhorar essas escolhas.

Ao estudar as políticas públicas, em geral, os pesquisadores examinam as causas e


consequências das decisões políticas, avaliam os resultados das políticas implementadas e
propõem soluções para melhorar os resultados. Eles também analisam as diferentes
perspectivas e interesses envolvidos nas decisões políticas e como eles influenciam as
escolhas feitas pelos tomadores de decisão.

Entender as políticas públicas como um campo do conhecimento também é importante


para os profissionais que trabalham no setor público ou em organizações não governamentais,
uma vez que eles precisam ter conhecimento sobre as políticas públicas relevantes para o
trabalho que desenvolvem. Compreender as políticas públicas pode ajudar esses profissionais
a fazer escolhas informadas e a trabalhar para melhorar as políticas existentes.

Em resumo, o estudo das políticas públicas é fundamental para entendermos como as


escolhas políticas são feitas, como elas afetam a sociedade e como podemos trabalhar para
melhorar essas escolhas. É um campo de conhecimento que ajuda a promover uma maior
compreensão das políticas públicas e a desenvolver soluções mais eficazes para os desafios
enfrentados pela sociedade.
Para nos orientar neste trabalho utilizamos os artigos de Ana Claudia N. Capella 2 e de
Celina Souza3 como referencia para nos ajudar na entender e fazer uma revisão dos modelos
teóricos que possam nos auxiliar na compreensão do processo de formulação de políticas
publicas.

No seu artigo, Capella (2006) apresenta dois modelos de formulação de políticas


públicas, o modelo de Múltiplos Fluxos (Multiple Streams Model) de Kingdom e o modelo de
Equilíbrio Pontuado (Punctuated Equilibrium Model) de Baumgartner e Jones. A discussão se
concentra na fase de formação de agenda de políticas governamentais e ambos os modelos
possuem grande capacidade explicativa sobre como as agendas governamentais são
formuladas e alteradas, enfatizando o papel individual e das estruturas, sendo complementares
em alguma medida.

Em relação aos quatro principais elementos que compõem a formação da agenda


(agenda setting), os modelos de Kingdom e Baumgartner e Jones apresentam semelhanças e
diferenças. Ambos os modelos caracterizam problema como construções baseadas na
interpretação social, pontuam a centralidade da definição do problema para mobilização e
indicam que não há relação causal com as soluções. Entretanto, Kingdom representa os
problemas por meio de indicadores, eventos, crises e símbolos, enquanto Baumgartner e Jones
utilizam componentes empíricos e valorativos.

No modelo de Kingdom, soluções são geradas em comunidades (policy communities)


e difundidas por meio dos formuladores de politicas, enquanto no modelo de Baumgartner e
Jones, soluções são geradas em subsistemas e também são difundidas pelos formuladores de
politicas. Em ambos os modelos, as soluções não são desenvolvidas para a resolução de um
problema específico.

A dinâmica político-institucional é uma das principais diferenças entre os modelos.


Para Kingdom, o contexto político é o responsável por emergir os problemas e soluções,
sendo as ideias elementos fundamentais na dinâmica política. Já para Baumgartner e Jones, a
definição de problemas e soluções está sob influência do contexto político e institucional,
onde as imagens dão sustentação institucional, influenciando a mudança na agenda.

2
CAPELLA, Ana C. N. Perspectivas Teóricas sobre o Processo de Formulação de Políticas Públicas. BIB. São
Paulo, n° 61, 1° semestre de 2006, pp. 25-52
3
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias. Porto Alegre, ano 8, n°16, jul/dez
2006, pp. 20-45
Com relação aos atores, ambos os modelos concordam sobre a influência decisiva do
presidente na agenda. Entretanto, Kingdom considera também a influência da alta burguesia e
do legislativo, enquanto Baumgartner e Jones pontuam que os grupos de poder atuam
fortemente na definição das questões e a mídia direciona a atenção dos indivíduos.

Por último, Kingdom destaca que são os momentos de convergência entre os


problemas, dinâmicas políticas e soluções que produzem as oportunidades de mudança e
como consequência a mudança na agenda. Já para Baumgartner e Jones, o processo de
mudança na agenda ocorre quando uma questão ascende ao macrossistema em um período
crítico, propiciando rápidas mudanças em determinado subsistema, no qual participam os
empreendedores (policy entrepreneurs), as imagens compartilhadas (policy images) e onde as
questões institucionais são fundamentais nesse processo.

A autora conclui que as principais diferenças entre o modelo Múltiplos Fluxo e o


modelo do Equilíbrio Pontuado estão relacionadas à metodologia utilizada no
desenvolvimento dos modelos, resultando na ênfase dada a determinada etapa do processo em
detrimento aos demais. Enquanto Kingdon coletou dados, sobretudo, por meio de entrevistas
com a altos funcionários governamentais, e também por meio de estudos de caso em períodos
de quatro anos, Baumgartner e Jones utilizaram centenas de artigos publicados pela mídia e
por audiências no Congresso relacionadas às políticas em estudo num período de quarenta a
cem anos.

No outro artigo que nos serviu de base Celina Souza (SOUZA 2006) se propõe a
apresentar os principais conceitos e modelos de análise de políticas públicas, com o objetivo
de preencher a lacuna na bibliografia em língua portuguesa sobre o assunto. Ela revisa as
principais formulações teóricas e conceituais da literatura, com destaque para a origem da
área nos Estados Unidos, durante a Guerra Fria, quando se valorizava a tecnocracia e os think
tanks.

Destaca ainda que existem diversas definições de políticas públicas, que enfocam os
embates em torno das preferências e ideias do governo. A política pública é um campo
multidisciplinar que busca explicar a natureza da política e seus processos, colocando o
governo em ação e/ou analisando essa ação, propondo mudanças quando necessário. A autora
enfatiza que a política pública é um campo holístico, que utiliza várias disciplinas, teorias e
modelos, com metodologia e teoria próprias.
Ela também reflete sobre as pressões dos grupos de interesse sobre a formulação das
políticas públicas, dado o modelo de sociedade atual, em que a sociedade e o Estado estão
próximos. Em seguida, apresenta diversos modelos de análise de políticas públicas, como o
tipo da política pública, o incrementalismo, o ciclo da política pública, o garbage can, o
modelo de coalizão e defesa, arenas sociais, modelo do equilíbrio interrompido e modelos
influenciados pelo novo gerencialismo público.

Por fim, analisa o papel das instituições e regras na decisão e formulação de políticas
públicas, apontando que o debate sobre políticas públicas tem sido influenciado por premissas
advindas de outros campos teóricos, principalmente do neo-institucionalismo e suas vertentes.
Para a autora, as instituições são regras que moldam o comportamento dos atores e definem as
alternativas políticas, mudando a posição relativa dos atores.

Em suma, conclui que sua resenha da literatura sobre o campo da política pública
busca integrar elementos da política, da sociedade e das instituições onde as políticas são
decididas. Com isso, a autora busca contribuir para o desenvolvimento do conhecimento sobre
as políticas públicas em língua portuguesa.

Para nosso texto, nos vale trabalhar, ainda que de forma inicial e incipiente, o conceito
de ciclo de construção de políticas públicas, pois entendemos que para analisar o Programa de
proteção a Defensores, Comunicadores e Ambientalistas este é o melhor conceito que se
aplica e que no capítulo seguinte nos dedicaremos a sua análise e avaliação.

Como já sinalizado, as políticas públicas são instrumentos utilizados pelo Estado para
atender as demandas e necessidades da sociedade. O ciclo de políticas públicas é um modelo
conceitual que descreve as diferentes fases do processo de tomada de decisão governamental
para a criação, implementação e avaliação de políticas públicas (SOUZA, 2006, p. 29). Este
ciclo é geralmente composto por quatro fases principais: identificação do problema / a
definição da agenda (agenda-setting), formulação de políticas, implementação e avaliação.

Na primeira fase, a identificação do problema ou definição da agenda, refere-se à


identificação e seleção dos temas que devem ser abordados pelo governo que vai executar as
políticas publicas. Nesta fase, os problemas públicos são identificados e priorizados com base
na urgência, relevância e capacidade de resposta do governo.
Na segunda fase, de formulação de políticas, é onde as políticas são desenvolvidas e
estruturadas para responder aos problemas identificados na fase anterior. Nesta fase, são
criados programas e projetos que visam solucionar os problemas públicos e atender as
necessidades da população.

Na terceira fase, de implementação, é onde as políticas formuladas são executadas.


Esta fase envolve a alocação de recursos, a mobilização de atores-chave, a criação de
mecanismos de monitoramento e a coordenação de esforços para garantir que as políticas
sejam implementadas com eficácia.

Na quarta fase, de avaliação, é onde as políticas implementadas são avaliadas para


determinar se alcançaram os resultados desejados. Nesta fase, são coletados e analisados
dados para avaliar a efetividade, eficiência e impacto das políticas implementadas, e
identificar possíveis ajustes e melhorias.

É importante ressaltar que o ciclo de políticas públicas não é necessariamente linear,


pode ser cíclico, podendo haver retroalimentação entre as fases. Além disso, o ciclo de
políticas públicas é influenciado por fatores políticos, econômicos, sociais e culturais, e as
políticas públicas podem ser impactadas por mudanças nesses fatores.

Um desafio importante na ideia de ciclo de politicas públicas tem a ver com a


participação social. É imperativo que as demandas das populações atingidas pelo problema
identificado sejam ouvidas e consideradas em todas as fases do ciclo de construção das
politicas públicas, por meio da participação ativa da sociedade civil, da academia, de
especialistas no processo de identificação do problema, da formulação de propostas que levem
em consideração suas demandas e experiências, da implementação das ações e do
monitoramento e avaliação dos resultados alcançados. Somente assim será possível garantir
que a politica pública tenha uma maior probabilidade de ter sucesso.

Em suma, o ciclo de políticas públicas é uma abordagem útil para entender como as
políticas públicas são desenvolvidas, implementadas e avaliadas, permitindo uma análise mais
crítica e informada das decisões governamentais.

3. O Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos Comunicadores e


Ambientalistas (PPDDH)
3.1 Breve histórico do PPDDH

Em quase duas décadas de existência, o Programa de Proteção a Defensores de


Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) passou por muitas
modificações que inclui desde a sua localização dentro da estrutura governamental, até
mudanças mais estruturais, como por exemplo a retirada da sociedade civil da gestão do
programa, desmontando a participação social.

Organizações da sociedade civil participaram ativamente desde o início da discussão e


implementação sobre o programa entendendo que seria importante o seu fortalecimento e
institucionalização, ao mesmo tempo que se desafiou a executar a política pública nos estados,
assumindo o papel desse na responsabilidade de executar tais políticas, ao mesmo tempo que
seguiu denunciando os desmontes e ameaças que afetaram o programa e emitir propostas para
o efetivo funcionamento do programa exigindo a garantia de efetividade de proteção às
defensoras de direitos humanos no Brasil.

O PPDDH foi pensado em seu início como uma resposta estatal as ameaças, ataques e
violações contra DDHs que historicamente afetam quem lutam pelos seus direitos um pouco
depois da declaração da ONU de 1998. Em 2003 a então Secretaria Especial de Direitos
Humanos (SEDH) da Presidência da República, atual Ministério de Direitos Humanos e
Cidadania (MDHC), criou um Grupo de Trabalho com participação do Estado e de
organizações da sociedade civil, com o objetivo propor medidas e programas nos âmbitos
nacional, regional e local que garantissem o cumprimento dos direitos reconhecidos na
Declaração da ONU e também pensando na análise de projetos de lei que estavam em
tramitação no Congresso Nacional que visavam melhorar a legislação existente em matéria de
proteção a defensoras e defensores de direitos humanos (DDHs)4.

Em 2004, por meio da portaria nº14/2004, do Conselho de Defesa dos Direitos da


Pessoa Humana (vinculado à SEDH), foi criado o Programa Nacional de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), incluindo sua Coordenação Nacional, formada
por órgãos governamentais, representantes da sociedade civil e pela coordenação dos
programas estaduais. Apesar da sua criação em 2004, o programa só passou a funcionar em
2005 depois do assassinato da Missionária Dorothy Stang, que era uma defensora destacada
na luta por terra e território no país. A partir da grande repercussão que o caso proporcionou,
4
SEDH. Manual de procedimentos dos Programas de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Brasília,
DF, 2007, 74 p; p. 11.
o Estado se sentiu pressionado e lançou o projeto piloto nos estados do Pará, Espírito Santo e
Pernambuco através de convênios assinados entre o governo federal e os governos estaduais.

Em 2007, o PPDDH foi instituído legalmente pelo decreto presidencial nº 6.004, que
lançou as bases da Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos
(PNPDDH) e determinou um prazo para elaboração do Plano Nacional de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos. É importante destacar que até os dias atuais a política
nacional de proteção a DDHs é regida por normas infralegais, por diversos decretos
presidenciais. Até hoje está parado no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) nº
4575/20095 que foi apresentado pelo Poder Executivo, passou por diversas comissões, mas
não foi aprovado. A última movimentação legislativa do projeto foi em junho de 2018 através
de um requerimento de urgência no contexto do assassinato de Marielle Franco.

Em 2016, um novo decreto presidencial, nº 8.7246, que como principal ação acabou
com a coordenação nacional e retirou a sociedade civil da gestão do programa. Esse decreto
foi um grande golpe na participação social que até então era um dos pilares do programa. A
gestão desde então se dá através de um conselho deliberativo formado somente por órgãos do
Estado. No mesmo ano a portaria nº3007, ampliou o escopo do programa incluindo
comunicadores e ambientalistas como público-alvo da política, se chamando agora “Programa
de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores sociais e Ambientalistas”.

Hoje o PPDDH é regido pelo Decreto nº. 9.937, de 24 de julho de 2019 – revoga o
decreto nº8.724, de 27 de abril de 2016 - Institui o Programa de Proteção aos Defensores de
Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas e o Conselho Deliberativo do Programa
de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas no
âmbito do então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos8. E que

5
PL 4575/2009. Câmara dos Deputados, Brasília, 06 de jun. de 2018. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=422693>.
6
BRASIL. Decreto nº 8.724, de 27 de abril de 2016. Institui o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos
Humanos e cria o seu Conselho Deliberativo, no âmbito do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da
Juventude e dos Direitos Humanos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 abr. 2016. Seção 1, p. 17.
7
BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Gabinete do Ministro. Portaria nº 300, de três de setembro de 2018.
Dispõe sobre a regulamentação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores
sociais e Ambientalistas no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
04 set. 2018. Seção 1, p. 50 - 51.
8
BRASIL. Decreto nº 9.937, de 24 de julho de 2019. Institui o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos
Humanos, Comunicadores e Ambientalistas e o Conselho Deliberativo do Programa de Proteção aos Defensores
dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 2019. Seção 1, p. 04.
posteriormente foi alterado pelo Decreto nº 10.815 de 27 de setembro de 2021, que muda a
composição e competências do Conselho Deliberativo9.

3.2 Funcionamento do PPDDH: objetivos, diretrizes e estrutura.

O objetivo principal do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos


(PPDDH), como descrito no Manual de procedimentos dos Programas de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos de 2007, é fornecer proteção e assistência a indivíduos,
organizações, grupos ou movimentos sociais que promovem e protegem os direitos humanos e
que se encontram em situação de risco e/ou vulnerabilidade devido à sua atuação. O programa
considera violação toda conduta que ameace a atividade pessoal ou institucional do defensor
ou grupo, mesmo que de maneira indireta, afetando seus familiares ou pessoas próximas. Em
2016, após a publicação do Decreto nº 8.724, o objetivo foi alterado para buscar medidas que
visem proteger os defensores de direitos humanos que tenham sua integridade pessoal
ameaçada e garantir a manutenção de suas atividades.10 Segundo o Comitê Brasileiros de
defensoras e defensores de Direitos Humanos (CBDDH), essa mudança traz problemas, pois
restringe o alcance do PPDDH a pessoa em situação de ameaça que contraria o manual de
procedimentos do PPDDH e também a resolução 53/144 da OEA, que fala que a proteção de
DDHs em situação de risco e vulnerabilidades. Esse entendimento pode restringir as ações do
programa.11

O programa foi fundado com base em princípios como o respeito à dignidade humana,
não discriminação, promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos, a
universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, e a transversalidade
das políticas públicas, que devem abarcar diversas dimensões sociais12. Suas diretrizes
incluem incentivar a capacitação de profissionais para proteger os defensores, incentivar a
pesquisa e o compartilhamento de informações, alinhar as legislações e processos
administrativos das esferas nacional, estadual e municipal, implementar medidas preventivas
nas políticas públicas, realizar campanhas socioeducativas para conscientizar a população e

9
BRASIL. Decreto nº 10.815 de 27 de setembro de 2021. Altera o Decreto nº 9.937, de 24 de julho de 2019, que
institui o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas e o
Conselho Deliberativo do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e
Ambientalistas.. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 set. 2021. Seção 1, p. 26.
10
BRASIL. Op. Cit.; Brasília; 2016; p. 17.
11
O Programa Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH). Comitê Brasileiro de
Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, 2017. Disponível em: < http://comiteddh.org.br/politicas-de-
protecao/>. Acesso em: 24 fev. de 2023.
12
SEDH. Op. Cit.; p. 12 – 13.
valorizar o papel do defensor, fornecer assistência médica, social, psicológica e material aos
defensores em risco e/ou vulnerabilidade e desenvolver iniciativas para superar as causas que
geram o estado de risco e vulnerabilidade desse grupo13.

O programa adota estratégias como emitir notas públicas que reconheçam a


importância das atividades dos defensores, assinadas por autoridades públicas e pessoas de
visibilidade, divulgar as violações cometidas contra eles, promover a capacitação e
sensibilização de profissionais sobre o tema, articular o PPDDH a outros programas do
Ministério das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e realizar ações in
loco e tomar medidas emergenciais diante de casos concretos de violações aos defensores14.

A estrutura atual do programa regida pelo Decreto nº 10.815 de 27 de setembro de


2021, muda a composição e competências do Conselho Deliberativo (Condel) e inclui a
Coordenação Geral e as Coordenações das Unidades da Federação, além de prever a
participação de 3 organizações da sociedade civil, mas que ainda não estão participando do
Condel – trataremos essa questão em um seção específica. O Ministério das Mulheres, da
Família e dos Direitos Humanos é responsável pela Coordenação Geral, enquanto o Conselho
Deliberativo, composto por representantes do MMFDH e da Secretaria Nacional de
Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é responsável por monitorar
e avaliar as ações tomadas pelo programa, definir estratégias de articulação entre as esferas
federal, estadual e municipal para a efetivação da proteção, e discutir os casos de inclusão e
desligamento de defensores ameaçados no programa, entre outras responsabilidades15.

A princípio, a Coordenação Nacional contava com a participação de entidades da


sociedade civil, tais como Justiça Global, Terra de Direitos, Conselho Indigenista
Missionário, Comissão Pastoral da Terra e Movimento Nacional dos Direitos Humanos.
Contudo, com a publicação do decreto nº 8.724, houve a extinção da Coordenação e a criação
do Conselho Deliberativo, o que ocasionou a suspensão da participação dessas entidades no
programa16.

13
Ibidem, p. 13 – 16.
14
Ibidem, p. 16 – 18.
15
BRASIL. Decreto nº 9.937, de 24 de julho de 2019. Institui o Programa de Proteção aos Defensores de
Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas e o Conselho Deliberativo do Programa de Proteção aos
Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas no âmbito do Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 2019. Seção 1, p. 04
16
LIMA NETO, Antonio Francisco de et al (Org.); Op. Cit.; p. 61.
Nos estados que possuem um programa de proteção aos defensores de direitos
humanos, é recomendado, de acordo com o Manual de Procedimentos dos Programas de
Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de 2007, que seja estabelecido um Conselho ou
Coordenação com atribuições similares às do programa nacional, para assegurar o seu
adequado funcionamento17. Os programas nacional e estaduais trabalham em conjunto,
definindo ações e políticas locais de proteção que levem em consideração as particularidades
regionais. Além disso, os programas estaduais colaboram com o monitoramento e
implementação das recomendações e soluções propostas por organizações internacionais. A
criação de um programa estadual é realizada por meio de um acordo entre o governo federal e
o governo estadual, embora a criação do programa não seja obrigatória. Quando um defensor
em situação de risco está em um estado que não possui programa local de proteção, ele ainda
pode ser assistido pelo programa federal.

Para que um DDH seja incluído no PPDDH, o primeiro passo é que ele ou o grupo ao
qual pertence ou alguma organização da sociedade civil que acompanha a sua situação de
ameaça e vulnerabilidade, faça um informe pedindo a sua entrada à coordenação nacional ou
estadual do programa informando a situação a qual o levou a fazer o pedido de entrada e sobre
a necessidade de receber proteção especial. Em seguida, a Comissão de Abordagem e
Sensibilização ou a Equipe Técnica do Programa se reunirá com o defensor para realizar uma
entrevista e apresentar o funcionamento do programa. É importante destacar que as
informações coletadas nesta primeira abordagem são mantidas em sigilo, a menos que haja
autorização do entrevistado para sua divulgação18.

Depois do contato inicial, será elaborado um relatório técnico que incluirá uma
avaliação de risco e um diagnóstico, posicionando-se em relação à inclusão ou não do
defensor no programa e, caso a inclusão seja recomendada, quais medidas de proteção podem
ser adotadas. O caso é, então, encaminhado, juntamente com o relatório, para a Coordenação
Estadual ou o Conselho Deliberativo do Programa, que se reúne para analisar o caso e
determinar se o defensor será ou não incluído no PPDDH. A inclusão pode ser negada se a
Coordenação entender que o ameaçado não se enquadra na definição de defensor ou caso não
se comprove o nexo de causalidade entre a ameaça sofria e a sua atuação como DDH19.

17
SEDH. Op. Cit.; p. 25.
18
LIMA NETO, Antonio Francisco de et al (Org.); Op. Cit.; p. 141.
19
Ibidem, p. 28, 29.
A decisão final é tomada pelo Condel ou Coordenação Estadual, juntamente com as
medidas de proteção consideradas apropriadas, serão submetidas ao defensor. Se aceitas, o
defensor formalizará sua participação no programa, mas ele também pode recusar as medidas
propostas. Nestes casos, o Programa buscará outras instâncias possíveis para garantir a
proteção do defensor20.

Com a implementação das medidas de proteção, começa a fase de monitoramento, na


qual serão realizadas visitas regulares ao protegido, acompanhamento dos processos judiciais
em andamento e avaliação do desempenho das medidas adotadas. Se novas recomendações
forem necessárias para a proteção do defensor devido a novos eventos ou mudanças no nível
de risco, elas serão fornecidas21.

O desligamento do defensor do PPDDH pode ocorrer de duas maneiras: por decisão


pessoal do defensor ou da maioria dos membros do grupo protegido, formalizada, ou
compulsoriamente, devido ao descumprimento das normas do programa de proteção que
coloquem em risco a segurança dos outros protegidos ou dos agentes públicos responsáveis
pela proteção.

3.3 As críticas da sociedade civil ao PPDDH

O PPDDH passa por dificuldades desde o início de sua implementação, sendo


acompanhado de perto pela sociedade civil e movimentos sociais que vem alertando para
essas dificuldades e incidindo para a melhoria de suas ações e para que este seja de fato
efetivo. Com o passar dos anos as críticas se mantêm, o que mostra que o pouco esforço
estatal de transformar a política efetiva e com capacidade de respostas.

Neste sentido, em pesquisas recentes “O começo do fim?” 22 e “Olhares críticos sobre


mecanismos de proteção de defensores de direitos humanos na América Latina” 23 realizadas
pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos (2021 e 2022), destacam que hoje
estamos vivendo o pior momento da política publica de proteção a defensora e defensores.
Apoiado nos dados gerados por essas pesquisas que nós iremos basear os pontos mais

20
Ibidem, p. 29.
21
Ibidem, p. 32.
22
http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2021/12/comeco-do-fim-3.pdf
23
http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2022/12/Olhares-Criticos-sobre-mecanismos-de-protecao-na-
AL.pdf
importantes que trazem dificuldades para a implementação da politica pública de proteção à
defensores de direitos humanos.

De acordo com a Justiça Global e Terra de Direitos (2022), a falta de transparência e a


falta de dados é um dos principais problemas existente no PPDDH hoje. O site que é principal
meio de comunicação e de informação sobre a política pública não traz informações
suficientes e atualizadas “São de difícil acesso porque o programa não consta na página inicial
do MMFDH ou do Governo Federal, e o caminho a ser percorrido no site, até a localização
das informações sobre o programa, não é intuitivo[...]” (JUSTIÇA GLOBAL e TERRA DE
DIREITOS, 2022, p.24).

Ademais, a informação é restrita, pois está limitada à definição geral do programa e à


indicação dos usuários elegíveis, bem como dos passos para solicitar e receber o serviço. O
site não inclui informações sobre a organização das equipes federais e estaduais ou a
existência de programas e entidades específicos nos territórios.

Essa falta de transparência muitas vezes é justificada pela necessidade de sigilo das
informações referentes as pessoas protegidas no programa, que nos mostra que quem gere o
programa precisa qualificar melhor a classificação das de informações confidenciais. Para
manter a transparência como regra na administração pública e praticar o sigilo como exceção,
é preciso qualificar o processo de produção e gestão de dados relativos à implementação da
política de proteção aos defensores de direitos humanos. A produção de informações sobre
programas e serviços estaduais, bem como dados quantitativos sobre orçamento e execução,
não pode ser classificada de forma genérica como confidencial.

Nesse sentido concordamos com o que diz a Justiça Global e Terra de Direitos (2022)
que o sigilo sobre casos e a proteção conferida aos participantes do programa não devem ser
confundidos com a falta de transparência na execução da política, pois isso impede que a
população conheça os serviços disponíveis e dificulta o acompanhamento da implementação
da política no país. A falta de transparência ativa também aumenta a necessidade constante de
solicitações de informações por meio da Lei de Acesso à Informação.

Segundo a pesquisa da Justiça Global e Terra de Direitos (2021) “O começo do fim?”,


com dados até junho de 2021, o PPDDH atende atualmente 636 defensoras e defensores de
direitos humanos no país todo. Desses, 141 DDHs são atendidos pela equipe técnica federal e
495 distribuídos nos 7 estados (BA, CE, MA, MG, PA, PE e RJ) que até então eram atendidos
por suas respectivas equipes técnicas estaduais. A dificuldade de obtenção de dados é tão
grande que na atualização da pesquisa da Justiça Global e Terra de Direitos (2022) “Olhares
Críticos[...]” o número de estados com equipes técnicas em funcionamento passa para 11
estados (AM, BA, CE, MA, MT, MG, PA, PB, PE. RJ e RS), mas é impossível confirmar os
dados de pessoas em atendimento pelo PPDDH, sejam elas incluídas ou em análise, pois os
dados não foram fornecidos nem pelo MMFDH, nem pelos estados e nem pelas entidades
gestoras. A pesquisa fez-se uso da Lei de Acesso a informação (LAI), mas mesmo assim teve
dificuldades de ter acesso a esses dados.

A implementação do programas nos estados é um outro problema identificado pelo


conjunto de organizações que acompanham a politica pública de defensores. Problemas como
a descontinuidade de funcionamento do programa que traz consigo a dificuldade de se ter
recursos de maneira perene, a dificuldade estruturação que envolve a questão da
regulamentação através das leis que rejam o programa, a dificuldade de contratação e
qualificação das equipes de maneira especializada para o acompanhamento, acolhimento e
encaminhamento dos casos, e também a dificuldade de articulação institucional com os
demais órgãos do Estado nos diferentes níveis. Todos esses problemas são enfrentados
também nível nacional e a resolução deles são necessárias para desenvolvimento e
fortalecimento de suas bases.

Trouxemos na sessão onde fizemos um breve histórico do PPDDH as dificuldades


criadas do programa funcionar somente por normas infralegais sem uma lei que traga
segurança jurídica para seu funcionamento a nível nacional e estaduais. A essa dificuldade a
pesquisa da Justiça Global e Terra de Direitos (2021 e 2022) caracteriza como baixa
institucionalização, pois conta somente com o Decreto nº 9.937, de 24 de julho de 2019, com
alterações que lhes foram introduzidas pelo Decreto nº 10.815, de 27 de setembro de 2021 e
onde o Projeto de Lei nº 4.575/2009 foi proposto na câmara dos deputados e ainda carece de
apreciação, mesmo tendo passado por todas comissões e estando apto a ser aprovado. Essa é
um problema estrutural que traz insegurança jurídica e deixa o PPDDH a mercê dos governos
de turno de priorizar ou não os recursos necessários para o devido funcionamento da política
pública.

Entre as questões que fazem parte das críticas que a sociedade civil tem ao PPDDH,
está a baixa execução orçamentária, que não usa todo o recurso do orçamento na execução do
programa no próprio ano do orçamento, dado que a sua carência, inflexibilidade, excesso de
burocracia e atrasos no repasse enfraquecem e comprometem a implementação nos estados e a
integração da política em nível nacional.

Com as medidas de contenção fiscal adotadas a partir de 2016, que estabeleceram um


limite para os gastos públicos (Emenda Constitucional nº 95), e a ascensão de um projeto
político ao governo federal em 2019 que não só não prioriza a alocação de recursos para a
promoção dos direitos humanos, mas também não protege aqueles que dedicam suas vidas a
defendê-los - e inclusive os ameaça -, o PPDDH tem sofrido consideravelmente.

A implementação de políticas públicas depende, necessariamente, da alocação de


recursos, e no contexto do Estado brasileiro, isso é avaliado não só pela previsão
orçamentária, mas principalmente pela sua execução, com o comprometimento do recurso
previsto para cada ano por meio de empenho e pagamento.

Segundo a pesquisa de Justiça Global e Terra de direitos (2021) quando se analisa a


série histórica do orçamento previsto e executado pelo governo federal no PPDDH, observa-
se uma grande discrepância entre o valor anualmente previsto pela União e o valor
efetivamente pago naquele ano. A pesquisa denuncia:

Em 2020, por exemplo, o orçamento destinado ao PPDDH foi de R$ 9.140.968,00,


mas apenas 10,27% desse valor (R$ 938.726,00) foi pago no ano. Ainda que
consideremos, para o cálculo do pagamento efetivo, a inclusão dos valores pagos
como “restos a pagar” em 2020 – ou seja, valores de orçamentos de anos anteriores
pagos no exercício seguinte – temos uma baixíssima execução em relação ao
orçamento previsto.

“[...] na série histórica disponível no SIOP, 2019 e 2020 figuram como os de


menor execução orçamentária desde 2013: em 2019, menos de 17% do
orçamento destinado para o PPDDH foi pago no ano e, em 2020, 10,27%.
Mesmo se considerarmos os valores pagos como “restos a pagar” em 2019 e 2020,
esses anos, de governo Bolsonaro, seguem sendo os de menor execução
orçamentária no período” (JUSTIÇA GLOBAL e TERRA DE DIREITOS, 2021,
p.09, grifo nosso).

Já na pesquisa feita pelas organizações em 2022, mostra que o ano de 2021 teve um
ano extraordinário na execução orçamentaria, depois de ter sido denunciado na pesquisa de
2021 a dificuldade do programa de executar o orçamento, como colocamos acima, no final do
ano de uma movimentação financeira atípica foi feita pelo governo:

“Após a divulgação do relatório “O começo do fim?”, em novembro de 2021, em


que a sociedade civil analisava o pior momento do PPDDH, inclusive em termos de
execução orçamentária proporcional, o programa passou por uma situação de
extraordinário pagamento efetivo53 nos meses de novembro (R$250.000,00) e
dezembro (R$6.268.360,42). Portanto, nesses dois últimos meses de 2021, foi
realizado o proporcional à metade do pagamento efetivo de todo o ano [...]”
(JUSTIÇA GLOBAL e TERRA DE DIREITOS, 2022, p.38, grifo nosso).

Essa situação revela a necessidade e o papel primordial que as organizações da


sociedade civil tem no acompanhamento e monitoramento do programa. Num momento onde
as informações sobre as ações da politica publica são cada vez mais escassas e difíceis de
serem encontradas, essa trabalho das organizações se torna imprescindível para o melhor
funcionamento do PPDDH.

As organizações da sociedade civil fazem o acompanhamento e monitoramento do


PPDDH a fazem de forma “informal”, por fora da gestão da política pública. Esse é um dos
grandes problemas enfrentados pelo programa nos últimos anos, desde 2016, quando da
edição do Decreto Presidencial nº 8.72424, que acabou com a coordenação nacional e retirou a
sociedade civil da gestão do programa. Esse decreto foi um grande golpe na participação
social que até então era um dos pilares do programa. Já no ano de 2019 através do Decreto nº
10.815 de 27 de setembro de 2021, que muda a composição e competências do Conselho
Deliberativo25, agora prevendo a participação de 3 organizações da sociedade civil juntamente
com órgãos do Estado, porém não de forma paritária, ou seja, as organizações da sociedade
civil são minoria no Condel, que na prática impossibilita a participação efetiva e suas
propostas sempre enfrentarão resistência dos outros órgãos devido a representação de
interesses contrários.

A previsão de órgãos colegiados híbridos é uma ferramenta crucial de participação


social, assim como as conferências nacionais e as audiências públicas, já que permitem que
grupos historicamente excluídos dos espaços de decisão - como movimentos sociais e
organizações que atuam na defesa dos direitos humanos - tenham a oportunidade de
expressar, defender e ver suas agendas políticas atendidas. Essa é uma ferramenta que
democratiza o Estado e suas instituições, ao permitir a inclusão de grupos coletivos na arena
político-institucional, que historicamente foi moldada para atender aos interesses e atores
hegemônicos.

24
BRASIL. Decreto nº 8.724, de 27 de abril de 2016. Institui o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos
Humanos e cria o seu Conselho Deliberativo, no âmbito do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da
Juventude e dos Direitos Humanos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 abr. 2016. Seção 1, p. 17.
25
BRASIL. Decreto nº 10.815 de 27 de setembro de 2021. Altera o Decreto nº 9.937, de 24 de julho de 2019,
que institui o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas e o
Conselho Deliberativo do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e
Ambientalistas.. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 set. 2021. Seção 1, p. 26.
Outro problema podemos identificar é a diminuição de casos incluídos no programa. É
que nos mostra também a pesquisa da Justiça Global e Terra de Direitos (2021 e 2022).
“Dados disponibilizados pelo MMDDH, em março de 2021, relativos à quantidade de casos
incluídos no PPDDH no intervalo de 2009 a 2021, revelam um total de 209 casos[...]
(JUSTIÇA GLOBAL e TERRA DE DIREITOS, 2021, p.26)”.

Quantidade de casos incluídos no PPDDH, em âmbito federal, por ano


Ano da inclusão Quantidade
2009 3
2010 9
2011 27
2012 2
2013 38
2014 5
2015 3
2016 8
2017 12
2018 8
2019 3
2020 15
2021 2
Não identificado 74
Total 209

Fonte: JUSTIÇA GLOBAL e TERRA DE DIREITOS, 2021, p.26

Analisando esses números podemos notar uma tendencia decrescente de solicitação de


inclusão no programa. Apesar de alguns anos identificarmos picos de pedidos de ingresso no
programa, a tendencia mais geral é a de diminuição desses pedidos. Nos causa estranheza
esses dados, pois mesmo com o Brasil despontando nos últimos anos como um dos países
mais perigosos para a atuação de pessoas defensoras, a procura pela politica publica que
deveria proteger os DDHs vem caindo. Podemos concluir que com o passar dos anos, a falta
de ações efetivas e a desconfiança na execução da política são os principais fatores para que
esses números venham caindo.

Insegurança política na gestão é também um dos problemas apontados na atual


situação do PPDDH. A pesquisa da demonstra que existe uma ineficácia e inadequação das
medidas protetivas, que não são pensadas de acordo com a realidade das e dos DDHs e muitas
vezes as e os colocam em situações de vulnerabilidade
Dados de junho de 2021, do MMFDH, revelam que as principais medidas
mobilizadas são a articulação de ações para adoção de providências com quaisquer
dos poderes da União, estados, Distrito Federal e municípios (inciso IV), o
acompanhamento de inquéritos, denúncias e processos judiciais e administrativos
em que o defensor figure como parte e que tenha relação com sua atuação (inciso
VI), e o monitoramento periódico da atuação do defensor para verificar a
permanência do risco e da situação de ameaça (inciso VII). (JUSTIÇA GLOBAL e
TERRA DE DIREITOS, 2021, p.30)

Entendemos que o paradigma proteção integral (JUSTIÇA GLOBAL, 2021, p. 25) -


que articulam ações de proteção no âmbito físico ou duro, no âmbito da comunicação segura e
no nas ações de cuidado e autocuidado – devem orientar a construção das ações de proteção
do PPDDH a nível nacional e nos estados e demanda uma interpretação ampla sobre quais
medidas de proteção devem ser adotadas, pensando a garantia do direito a vida e a necessária
continuidade da atuação do DDH no seu território a fim de continuar a fazer sua luta em
defesa dos direitos. Isso implica dizer que o PPDDH deve ser fortalecido no sentido de
viabilizar que as medidas necessárias para a proteção de pessoas defensoras levem em
consideração as especificidades que caracterizam suas vida e suas lutas.

Outro problema identificado no PPDDH é inadequação quanto à perspectiva de


gênero, raça e classe, onde não existem nenhuma ação protetiva que leve em consideração a
perspectiva interseccional e as diferente formas em que as violências são exercidas, sobretudo
contra mulheres defensoras. Ainda hoje os dados de mulheres defensoras incluídas no
programa é muito menor que o de homens – “São 211 mulheres atendidas pelo PPDDH,
segundo dados de março de 2021 apresentados pela Secretaria Nacional de Proteção Global
do MMFDH” (JUSTIÇA GLOBAL e TERRA DE DIREITOS, 2021, p.32) - mesmo levando
em consideração que muitas das violências cometidas contra DDHs, são cometidas contra
mulheres defensoras e muitas das vezes é caracterizada por um incremento de violência,
inclusive a sexual, só pelo fato dela ser uma mulher defensora. Falta de fato uma análise que
leve em consideração as questões de gênero que contribui para a Invisibilização,
marginalização e o não reconhecimento de suas lutas. A ausência de ações que respeitem a
perspectiva interseccional de forma estrutural vem de encontro com os números apresentados
pelo programa que revelam que as pessoas negras e indígenas somam 424 enquanto as
brancas e não declaradas 187 dos casos ativos do PPDDH em março de 2021 (JUSTIÇA
GLOBAL e TERRA DE DIREITOS, 2021, p.33).

Demora, a insuficiência e a inadequação dos planos de proteção são problemas que


afetam diretamente as defensoras e defensores atendidos pelo PPDDH. O tempo para análise,
definição de um plano de proteção e sua execução não atendem à natureza urgente dos casos.
Em geral demora-se muito e na maioria das vezes as ações são definidas sem a participação
da pessoa defensora que será beneficiada pela ação de proteção e com isso não condizendo a
realidade e portanto, as ações não serão suficientes para garantir a integridade física da
pessoas e não possibilitando a continuidade da sua atuação como DDH.

Para prestar assistência efetiva aos defensores e defensoras de direitos humanos que
enfrentam ameaças, é necessário ter uma compreensão profunda do ambiente político e social
em que atuam. Por conseguinte, é crucial estabelecer uma relação de confiança e empatia com
os defensores e defensoras em questão, a fim de desenvolver um plano de proteção abrangente
que inclua ações imediatas e estruturais. As ações imediatas devem ser tomadas com urgência
para evitar violações e impedir que a situação se agrave, enquanto as ações estruturais devem
ser direcionadas para fortalecer a proteção a longo prazo.

4. Considerações Finais

Em conclusão, o novo governo brasileiro enfrentará um grande desafio no


fortalecimento do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores
e Ambientalistas (PPDDH). Este programa é de extrema importância para garantir a
segurança daqueles que lutam por causas importantes em nosso país, mas ainda enfrenta
muitos obstáculos em sua implementação. Ainda mais numa conjuntura onde o Brasil é um
dos países mais perigosos para atuação de pessoas defensoras no mundo, fortalecer essa
política é imperioso para que o atual governo avance nas ações que protejam quem luta por
direitos humanos.

Como visto ao longo do nosso trabalho, as políticas públicas são um campo de


conhecimento complexo e multifacetado que requerem uma análise cuidadosa e constante por
parte das ciências políticas. Acompanhar a implementação e eficácia dessas políticas é
essencial para garantir a sua efetividade e eficácia no cumprimento dos objetivos
estabelecidos.

No caso específico do PPDDH, as organizações da sociedade civil têm um papel


fundamental no acompanhamento de sua implementação e identificação de quaisquer falhas
ou lacunas que possam surgir. Isso inclui monitorar a aplicação do programa, garantindo que
os defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas estejam recebendo a
proteção necessária e aprimorando os mecanismos de denúncia e acompanhamento das
ameaças e violações aos direitos humanos. Nesse sentido é necessário que o atual governo
reestabeleça a participação da sociedade civil na estrutura formal de execução do programa.

Para isso, devemos encarar a construção do Plano Nacional de Proteção a Defensores


de Direitos Humanos como um desafio que deve ser enfrentado em conjunto pelo Estado e
pelas organizações da sociedade civil. A proteção dos defensores de direitos humanos é uma
necessidade urgente em todo o mundo, e o Brasil não é exceção. Defensores de direitos
humanos, ambientalistas e comunicadores enfrentam ameaças e violências constantes no
exercício de seu trabalho, e é dever do Estado garantir que eles possam realizar suas
atividades sem medo de represálias.

Para a construção do Plano Nacional, é necessário um amplo diálogo entre o Estado e


as organizações da sociedade civil, a fim de garantir a participação de todos os envolvidos no
processo. As organizações da sociedade civil têm um papel fundamental a desempenhar nesse
processo, trazendo suas experiências, demandas e perspectivas para a mesa de discussão.

O Plano Nacional deve incluir medidas para prevenir ameaças, combater a


impunidade, criar mecanismos de proteção e reparação, bem como promover a
conscientização sobre a importância do trabalho dos defensores de direitos humanos. Para que
isso seja efetivo, é importante que as organizações da sociedade civil tenham um papel ativo
na implementação e monitoramento do plano, garantindo que ele seja cumprido e que as
demandas das comunidades sejam atendidas.

No entanto, a construção do Plano Nacional não é uma tarefa fácil. O Estado e as


organizações da sociedade civil precisam trabalhar juntos em um ambiente de confiança e
respeito mútuo para alcançar os objetivos estabelecidos. Além disso, é necessário um
compromisso político e financeiro por parte do Estado para que o plano possa ser
implementado adequadamente.

No entanto, o fortalecimento do PPDDH não pode ser alcançado apenas por meio de
esforços da sociedade civil. O governo brasileiro deve se comprometer a fornecer recursos e
apoio adequados para garantir que o programa possa cumprir seus objetivos e proteger
efetivamente aqueles que lutam pela justiça social e ambiental em nosso país.
Portanto, é crucial que o governo brasileiro leve a sério o fortalecimento do PPDDH,
garantindo que as políticas públicas em nosso país estejam devidamente protegendo aqueles
que se dedicam a promover um mundo mais justo e igualitário. Somente assim podemos
garantir um futuro mais seguro e justo para todos os brasileiros.
5. Referencias Bibliográficas

BRASIL. Decreto nº 8.724, de 27 de abril de 2016. Institui o Programa de Proteção aos


Defensores de Direitos Humanos e cria o seu Conselho Deliberativo, no âmbito do Ministério
das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 28 abr. 2016. Seção 1, p. 17.

BRASIL. Decreto nº 9.937, de 24 de julho de 2019. Institui o Programa de Proteção aos


Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas e o Conselho Deliberativo
do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e
Ambientalistas no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 2019. Seção 1, p. 04.

BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Gabinete do Ministro. Portaria nº 300, de três de
setembro de 2018. Dispõe sobre a regulamentação do Programa de Proteção aos Defensores
de Direitos Humanos, Comunicadores sociais e Ambientalistas no âmbito do Ministério dos
Direitos Humanos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 04 set. 2018. Seção 1, p. 50 - 51.

BRASIL. Decreto nº 10.815 de 27 de setembro de 2021. Altera o Decreto nº 9.937, de 24 de


julho de 2019, que institui o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos,
Comunicadores e Ambientalistas e o Conselho Deliberativo do Programa de Proteção aos
Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas.. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 28 set. 2021. Seção 1, p. 26.

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