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António Damião1
Introdução
O papel da mídia na formação da opinião pública e na interação com a esfera
política é de extrema relevância. Uma ferramenta fundamental para entender como a
mídia influencia e é influenciada pela política é o conceito de "frame" ou
enquadramento. Este instrumento técnico permite analisar as abordagens parciais e
imparciais dos conteúdos jornalísticos, revelando como o enquadramento molda o
debate público. No contexto das reflexões de Walter Lippmann sobre a formação da
opinião pública, ele delineia uma perspectiva intrigante. Ele argumenta que a opinião
pública não se origina apenas das expressões individuais dos cidadãos, mas é tecida a
partir das reações humanas a um mundo que é percebido ou concebido mentalmente.
Esse retrato do mundo, uma construção influenciada por diversos processos cognitivos e
atalhos mentais, é o que ele denomina de "pseudoambiente".
Lippmann enfatiza que o pseudoambiente é moldado por mecanismos como
estereotipias e sinais provenientes dos meios de comunicação. Esses elementos atuam
como blocos de construção, erguendo o cenário aparente no qual a opinião pública
1
Mestrando em Jornalismo pelo Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta
Grossa (UEPG). E-mail: antoniodamiao03@gmail.com.
evolui. Contudo, ele rejeita a noção de que essa opinião pública é simplesmente uma
manifestação direta das opiniões expressas pelos indivíduos de maneira livre.
Lippman advoga ainda que os meios de comunicação Social são culpados pela
opinião pública defeituosa que as sociedades modernas vivem.
Enquadramento jornalístico
O termo "enquadramento" refere-se à maneira pela qual os eventos e questões
são apresentados pela mídia, influenciando a percepção do público. Essa abordagem
molda a narrativa ao selecionar certos aspetos e omitir outros, resultando em uma visão
específica do assunto abordado. Gaye Tuchman (1980) destacou que a análise dos
enquadramentos pode ser entendida no contexto dos mecanismos que domesticam o
imprevisto nas rotinas jornalísticas. Tuchman utilizou a metáfora da "janela" para
ilustrar esse conceito, comparando as notícias a uma "janela para o mundo". Nessa
perspectiva, as notícias atuam como um quadro que delimita e estrutura o que é
apresentado, ao mesmo tempo em que exclui da visão aquilo que está fora desse
"quadro".
Tuchman (1980) sugere que as notícias têm a função de enquadrar a realidade,
escolhendo o que é destacado e o que permanece oculto, criando, assim, uma
representação seletiva do mundo por meio dessa "janela". Isso reforça a ideia de que a
seleção e edição de conteúdo jornalístico desempenham um papel crucial na construção
da percepção pública sobre os eventos e questões abordados.
Desde sua emergência nos anos 80, o conceito de enquadramento tem estado
intrinsecamente ligado à análise de conteúdo midiático. Inicialmente, essa abordagem
visava compreender como os conteúdos midiáticos eram construídos. Com o tempo, o
conceito de enquadramento evoluiu, adquirindo novas perspectivas. De acordo com
Reese et al. (2001), o enquadramento pode operar em três níveis distintos: no processo
de produção e reprodução de quadros interpretativos; na avaliação empírica, que
envolve estudos quantitativos e qualitativos de casos específicos; e no estudo dos
efeitos, explorando a interação entre textos midiáticos e audiências na construção de
significados e narrativas compartilhadas.
Como método de análise, os estudos de enquadramento podem se basear tanto na
análise paradigmática de conteúdo, realizada de forma aprofundada sobre objetos
claramente definidos, quanto na análise comparativa e sintagmática, conforme proposto
por Entman (1991). Na análise comparativa e sintagmática como propõe o autor aborda
a questão da comparação de diferentes enquadramentos de objetos ou eventos
midiáticos semelhantes, destacando como os diversos níveis de significado atribuídos a
eles contribuem para a percepção do acontecimento.
A mídia desempenha um papel fundamental na formação da opinião pública, e o
enquadramento emerge como uma ferramenta poderosa para influenciar o público e
moldar a percepção das políticas governamentais e dos eventos políticos. Através da
lente do enquadramento, a mídia tem a capacidade de construir realidades parciais,
ressaltando aspetos específicos que podem conduzir a interpretações distintas da mesma
realidade. Em última análise, o estudo do enquadramento midiático destaca a relevância
da análise crítica das mensagens mediáticas e sua influência na sociedade.
De certo modo, o enquadramento como teoria pode ser associado ao
agendamento na medida em que seus indicadores evidenciam certos eventos e ignoram
outros como explica Anabela Gradin (2017) o frame pode definir-se como o conjunto de
pistas, visuais ou linguísticas e conceituais, que enformam o contexto de um objeto ou
acontecimento. A autora ainda diz que essas pistas de como o evento deve ser
interpretado constituem o seu enquadramento propriamente dito, salientando certos
aspetos deste e obscurecendo outros; e são suscetíveis a apresentar muitas formas, com
alcances diversificados:
Podem referir-se a um objeto concreto, como tratar-se de meta construções
simbólicas e culturais que servem de contexto a um conjunto de narrativas de alcance
muito vasto, ou seja, eles podem abranger desde um objeto tangível até construções
simbólicas e culturais mais abstratas, que fornecem o contexto para uma série de
narrativas de grande abrangência (GRADIN, 2016, p. 7-25).
A ideia conceitual de enquadramento, como mencionado anteriormente, está
evoluindo em direção a uma técnica de análise de conteúdo, com uma aplicação inicial
no campo jornalístico. Entman propõe cinco etapas fundamentais que os quadros
(frames) utilizam para analisar um determinado conteúdo jornalístico, que pode ser uma
notícia, reportagem ou qualquer outro gênero do campo jornalístico.
Essas etapas destacam-se como elementos essenciais que auxiliam na análise de
conteúdo por meio de enquadramentos. Primeiramente, é crucial identificar o problema
abordado, compreendendo se ele possui natureza política, econômica, ou de outra
ordem. Em seguida, é importante traçar as causas subjacentes que motivam a
problemática apresentada. Outro aspeto relevante envolve a identificação dos atores
principais envolvidos no caso.
Além disso, é necessário examinar as possíveis soluções propostas para o
problema e determinar a quem é atribuído o poder de resolução. Por fim, a avaliação
moral da construção social resultante do enquadramento é essencial para compreender
as implicações éticas e valores subjacentes à narrativa apresentada (ENTMAN, 1993).
Conforme defendido pelo autor, é vital observar a presença de elementos de
personificação em palavras-chave, metáforas, conceitos, símbolos e imagens visuais
destacadas no gênero narrativo em questão. A construção do enquadramento também se
baseia na recorrência desses elementos ao longo do texto, visto que eles desempenham
um papel crucial na forma como a história é moldada e percebida pelo público.
Já os autores Neto e Verón (2003) entendem que o processo de enquadramento
na perpectiva televisiva da campanha eleitoral envolve o regime do discursivo político e
o regime corporal de contato. E no processo dos Frames, estes elementos compõe um
quadro analítico.
Olhando para as etapas analíticas de Entman (1993) e do Neto e Verón (2003) é
evidente que o uso de frames como um instrumento técnico pode ajudar a compreender
como a Televisão Miramar em Moçambique.
A perspectiva técnica-metodologica do enquadramento
Podemos assumir que a interpretação é uma das principais ferramenta de análise
do enquadramento. Sem dúvida, a interpretação emerge como a pedra angular quando
se trata da análise do enquadramento. Essa poderosa ferramenta desempenha um papel
fundamental na descodificação e compreensão de qualquer situação, contexto ou
informação apresentada no quadro dos frames. Ao explorar o enquadramento de um
evento, imagem, texto ou qualquer outra forma de comunicação, a interpretação permite
desvelar camadas de significado subjacentes. Ela nos capacita a discernir não apenas o
que está visível à superfície, mas também as nuances, motivações e implicações mais
profundas que podem não ser imediatamente aparentes.
Alem da interpretação, tembem destacam como perspectiva metodologica do
enquadramento as metodolofgia de caracter analitica e sintetica.
De acordo com Mendes (2019) esse método se constitui basicamente de dois
momentos, o primeiro, em que predomina a “objetividade” e outro, mais subjetivo, no
qual o analista faz uso das sugestões e redundâncias percebidas no primeiro momento,
comparando-as com os dados de contexto (interno e externo à imagem) também
levantados no primeiro momento.
Para este estudo vamos nos baser na metodologia de caracter analitica objectiva.
Neste modelo técnico-metodológico destacam três momentos: 1)
seleção/discriminação/qualificação/sugestão; 2) análise formal dos signos/elementos
que fazem parte da composição; 3) contextualização da imagem no tempo e no espaço,
e na História da Arte e da Cultura.
1. Seleção/discriminação/qualificação/sugestão
De acordo com Mendes (2019) este momento consiste na identificação dos
elementos que formam a imagem analisada e na qualificação dos mesmos. Nesta etapa o
pesquisador não deve se limitar em identificar os elementos constituintes da imagem,
deve sim observar na sua plenitude a representatividade do objeto analisado (imagem) e
o que ele representa para o telespectador.
1. Quadro Descritivo/Qualitativo e Sugestivo
Este procedimento como explica Mendes (2019) consiste, primeiramente, em
identificar e numerar os elementos/signos relevantes que compõem as imagens
analisadas. Cada um desses elementos é então trabalhado em sua particularidade através
da construção de um quadro no qual são apresentadas as suas qualidades e o que
indicam, sugerem e/ou representam. Este procedimento coloca atenção total da imagem
ao pesquisador. Se desca6aca nesta senda a composição geral do objetivo analisado, se
for uma pessoa, a posição corporal em que está, a vestimenta e outros. Ainda nesta
abordagem analítica podemos configurar para o nosso estudo a ideia da minutagem dos
conteúdos a analisar.
2. Análise formal dos signos/elementos que fazem parte da composição
Destaca-se nesta etapa a repetitividade dos enquadramento da imagem. Para a
nossa pesquisa seria o caso de olhar para a redundância discursiva do candidato em
regiões ou províncias diferentes.
3. Contextualização da imagem no tempo e no espaço, e na história da arte e da
cultura.
Nesta etapa, o pesquisador tem a possibilidade de observar que representação
que cada imagem tem para o publico olhando para a questão do espaço, questão
histórica e cultural.
Refira-se que todas ferramentas supracitados são desenvolvidas tendo em conta
a interpretação. No entanto, é importante frisar que a interpretação também pode ser
influenciada por preconceitos pessoais. Nossas próprias inclinações e suposições podem
colorir nossa análise, levando a conclusões enviesadas ou incorretas. Portanto, a
consciência dessas influências é crucial para uma interpretação mais precisa e
equilibrada.
Miguel (2008) ressalta que apesar das mudanças pontuais na legislação, essas
não foram suficientes para eliminar práticas como a auto censura no campo jornalístico.
O autor ressalta ainda que a censura já estava enraizada na cultura profissional,
representava um desafio significativo para a liberdade de imprensa. Para combater esse
cenário, foi promulgada a Lei de Imprensa de Moçambique em 1991. Essa lei não
apenas redefiniu a atividade jornalística, mas também estabeleceu os direitos e
responsabilidades dos profissionais da área.
Um elemento fundamental introduzido pela Lei de Imprensa 18/91 foi a criação
do Conselho Superior de Comunicação Social. Esse órgão desempenha um papel crucial
ao garantir a independência dos meios de comunicação, proteger a liberdade de
imprensa e assegurar o direito à informação3. Além disso, o Conselho também
supervisiona o exercício dos direitos de antena (espaço para transmissões) e de resposta,
proporcionando uma estrutura para a expressão equilibrada e justa de diferentes
perspetivas.
Portanto, ao analisar a evolução do cenário político e midiático moçambicano, é
essencial compreender a transição do sistema socialista no período pós-independência e
3
ASSEMBLÉIA DA REPÚBLICA. Lei nº 18/91 de 10 de agosto: artigo 35. Maputo: Imprensa Nacional, 1991. p. 3
a era democrática que parte dos anos 90. Esse processo moldou não apenas a forma
como a política e a mídia interagem, mas também a própria natureza da sociedade
moçambicana, à medida que a nação buscava sua identidade em um contexto global em
constante transformação.
REFERÊNCIAS
BUSTAMANTE, Enrique. Políticas de comunicacíon y cultura: nuevas necessidades
estratégicas. In: BOLAÑO, César; MASTRINI, Guillermo; SIERRA, Francisco.
Ecnomía política, comunicación y conocimiento: uma perspectiva crítica
latinoamericana. Buenos Aires: La Crujía, 2005. p. 251-268.