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TeraPe u t A
Terapeuta Sabe-Tudo
Marina Arantes
&
Pedro Martins
Terapeuta Sabe-Tudo
Disponível em:
www.intervencoesterapeuticas.com.br/sabetudo
Ilustrações de
Tayná Portilho
Uberlândia-MG
Brasil
2020
Sumário
Introdução........................................................................................................................ 5
Sr. Sabe-Tudo
Bem, você pensa que sabe tudo
Mas, você não sabe de nada
Não é uma coisa, gente
Quando alguém te diz algo sobre você
Acha que te conhece mais do que você mesmo
Então, você engole outro sapo.
Kelly Clarkson
Composição: Brett James, Brian Seals, Dante Jones & Esther Dean
MARINA ARANTES & PEDRO MARTINS 7 IDEIAS PARA NÃO SER UM TERAPEUTA SABE-TUDO
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em um contexto de supervisão, quando uma terapeuta1, que está no início de sua carreira
clínica, nos contou que, por mais que entendesse teoricamente e valorizasse ao extremo esse
modo de estar em interação, achava muito desafiador se manter nele no cotidiano da clínica.
Foi buscando responder a esse dilema tão comum que elaboramos este livro. Ele está
organizado a partir de uma lógica da prática: as ideias oferecidas chamam atenção para
aspectos da postura do terapeuta e de suas ações que, em nosso contexto, têm se mostrado
úteis para a construção de relações dialógicas em terapia. Se você quiser entender mais da
teoria que sustenta essas intervenções, sugerimos que busque as referências citadas ao longo
deste texto. Adicionalmente, convidamos você a também estar em contato conosco por meio
do Projeto Intervenções Terapêuticas (www.intervencoesterapeuticas.com.br/home), no qual
oferecemos conhecimento honesto e descomplicado sobre a prática do terapeuta.
Nos capítulos a seguir, apresentamos primeiro alguns sinais que podem te alertar para
a possibilidade de estar sendo um Terapeuta Sabe-Tudo. Na sequência, oferecemos sete
ideias práticas de como não ser um Terapeuta Sabe-Tudo. Depois, refletimos sobre as
implicações clínicas dessas ideias e seguimos para a conclusão.
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Somos gratos à nossa aluna e amiga Érica S. Lins Ferraz por toda sua disponibilidade em “não saber” conosco
em tantos contextos e, com isso, saber tanto e tão bem. Foi no contexto de nossas conversas sobre a clínica
que a primeira ideia deste livro surgiu.
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Como você pode saber se está sendo um Terapeuta Sabe-Tudo? Neste capítulo, vamos
apresentar alguns sinais de alerta aos quais você pode estar atento em sua prática. Observá-
los sugere a necessidade da construção de uma postura reflexiva na conversa, ou seja, uma
atenção próxima ao processo conversacional, na qual o terapeuta se preocupa com sua
tomada de decisões na sessão e seus efeitos para o desdobramento da conversa. Em comum,
todos os alertas a seguir destacam a importância de nos mantermos em colaboração com os
clientes: orientados em nosso modo de estar com o outro por uma noção de que ambos temos
espaço e responsabilidade pelos rumos e efeitos da conversa (Anderson, 2019).
Alerta 1: Quando você percebe que está só esperando o cliente fazer uma pausa para poder
compartilhar o que está pensando.
Este é um sinal de que você parou de prestar atenção no que o cliente está dizendo.
Neste ponto, você corre o risco de oferecer uma fala ou pergunta que seja mais responsiva às
suas próprias expectativas do que ao momento imediato da conversa. Consequentemente
isso pode ser menos útil para mantê-la andamento em uma direção coerente com o que está
sendo dito naquele momento. Isso para não mencionar o quanto seu cliente pode se sentir
incompreendido, e pouco ouvido quando isso acontece.
Alerta 2: Quando você tem um senso (ou mesmo uma certeza) de que deveriam dedicar a
sessão de terapia a outro assunto, diferente daquele trazido pelo cliente.
Este é um sinal de que você está fazendo escolhas quanto ao conteúdo que deve ser
cuidado em terapia, colocando seus próprios valores e preferências como sendo mais
importantes do que os de seu cliente. Consequentemente, ao se dedicarem a uma conversa
que, muito provavelmente, está desconectada das demandas dele, vocês correm o risco de
terminarem a sessão com aquela sensação de que remaram, remaram, mas morreram na
praia. Sem dizer que, ao tentar cuidar do conteúdo da sessão, você está se colocando como o
único especialista naquele diálogo, negando ao cliente a sua posição de ser responsável pelos
temas a serem tratados em terapia.
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Alerta 4: Quando você insiste nas mesmas perguntas e hipóteses mesmo o cliente te
mostrando que elas não fazem sentido para ele.
Este é um sinal de que você está mais encantado pelas suas próprias hipóteses do que
pela conversa imediata e, muitas vezes, mais preocupado em se mostrar um profissional
competente e inteligente do que participar da terapia imediata. Nunca se esqueça que a
competência e a inteligência do terapeuta devem ser medidas por sua habilidade de sustentar
o movimento do diálogo, de forma que a novidade possa surgir. Por isso, não podemos julgar
o brilhantismo de uma pergunta ou reflexão enquanto elas estão só em nossa cabeça. Pelo
contrário, elas antes precisam acontecer para o outro, fazer sentido para ele, e alcançar
efeitos desejáveis ao manter a conversa em andamento. Uma intervenção maravilhosa, mas
fora de contexto, não é uma intervenção maravilhosa: ela é apenas uma intervenção fora de
contexto.
Alerta 5: Quando você busca uma explicação, teórica ou não, que justifique o fato do cliente
não ver sentido em alguma fala ou pergunta que fez.
Este é um sinal de que você não está disposto a repensar sua própria postura e suas
contribuições para o processo terapêutico de seu cliente. O sentido das suas falas e perguntas
não está dado a priori, nem é garantido por sua intenção. Longe disso. A negociação conjunta
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Se o alerta soou para você em uma ou mais das situações acima: estamos juntos!
Mesmo com anos de experiência clínica – ou especialmente por isso – estamos suscetíveis, ao
menor descuido, a assumir posturas dominadoras com nossos clientes. Isso porque não é nada
simples sustentar sua prática em uma perspectiva diferente daquela que comumente
aprendemos enquanto nos formamos, e que também fazem parte do imaginário social sobre
o terapeuta: de que ele deve sempre saber o que dizer, quando dizer, e que recebe seus
honorários justamente para isso. Por mais que tenhamos consciência de que essa postura
autoritária do especialista nem sempre é terapêutica e útil nas conversas com nossos clientes,
fomos culturalmente condicionados a atrelar nossas noções de competência profissional a
ela. Por isso, a busca por sustentar outra forma de estar na relação terapêutica demanda
esforço, uma atenção e revisão constante das nossas escolhas em sessão e, ainda assim, por
vezes nos percebemos na posição autoritária de sabe-tudo. Para isso, o próximo capítulo
oferece sete ideias sobre o que fazer quando qualquer um desses alertas soarem em sua
conversa interna.
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está ao ouvir a resposta. Não tenha medo de ser corrigido, isso não te faz um terapeuta menos
competente. Aliás, muitas vezes é na tensão com o diferente, com aquilo que não faz sentido,
que o cliente consegue encontrar as palavras mais adequadas para descrever sua própria
experiência.
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Ideia 3: Avalie frequentemente se a sua própria conversa interna está sendo responsiva à
conversa imediata.
O tempo da conversa – também chamado de “timing” – deve ser sempre um dos
principais critérios organizadores da atividade do terapeuta. Já ouviram a expressão “a coisa
certa na hora errada”? É disso que estamos falando. A escolha quanto ao que responder da
narrativa e expressões do cliente, deve ser sempre informada pelos aspectos mais emergentes
do encontro. Assim, o terapeuta deve sempre se perguntar se aquela pergunta ou fala que
construiu em sua própria conversa interna está conectada com o que está sendo conversado,
no momento em que a oferta se torna possível.
Esta avaliação se torna especialmente útil no exercício da presença radical junto ao
cliente (McNamee, 2015). Ou seja, uma vez que você compreende que precisa estar
totalmente atento e disponível a seguir os caminhos indicados pelo seu cliente, deixar-se
ocupar pela própria elaboração da sua conversa interna torna-se perigoso. Voltando ao
ditado, “uma pergunta/fala/hipótese certa na hora errada”, não só faz com que esta oferta
seja inútil no processo conversacional de vocês, como também dificulta o exercício da
presença radical, tão importante na postura de um terapeuta não-autoritário. Um bom jeito
de começar este exercício de avaliação quanto ao timing do encontro, é tomar nota do que
estiver pensando (de forma breve, para não correr o risco de se desengajar ainda mais da
conversa imediata), e assim, seguir atento e disponível para responder às emergências do
encontro.
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não uma verdade; e com uma fala sobre ela em tom de exploração conjunta; podemos fazer
afirmações sem correr o risco de sermos Terapeutas Sabe-Tudo.
Quanto aos cuidados que devem ser tomados neste processo de construção da
hipótese, leia novamente as Ideias 1 e 2. Elas são preciosas neste processo de aprender a
reconhecer o quanto suas falas e perguntas estão abertas e disponíveis à negociação de
sentidos com o cliente. Em relação à forma como você expressa suas ideias para o cliente,
aspectos muitas vezes negligenciados quando falamos sobre postura clínica, como o tom de
voz e as expressões não verbais do terapeuta, assumem aqui o status de máxima importância.
Uma forma interessante de se atentar para estes aspectos, em como eles participam
da relação com o outro e que efeitos eles geram, é prestar atenção nas suas conversas
cotidianas. Avalie suas sensações e respostas, com relação ao modo como o seu interlocutor
age ao te fazer sentir convidado ao diálogo, dando a entender que está aberto à negociação.
Em contraste, preste atenção a que elementos da interação te convidam a uma postura
reativa, de defesa ou refutação de seu argumento. Como terapeuta, tome notas sobre quais
posturas parecem fazer o primeiro tipo de convite e, então, utilize esse conhecimento para se
engajar com seus próprios clientes.
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suas hipóteses como produtos inacabados e foque em como elas funcionam para o
desdobramento da conversa (Lannamann & McNamee, 2011). Para cada entendimento que
você chegar sozinho, questione-se: se eu tomar essa hipótese como possibilidade, e não como
verdade, que perguntas ela me inspira a fazer? Sobre quais aspectos dessa história a hipótese
me deixa curioso? Essa é uma habilidade a ser desenvolvida. Como supervisores, percebemos
que jovens terapeutas costumam ter dificuldades com essa transformação, mas aprendê-la é
talvez uma das capacidades mais libertadoras para sua prática. Como exercício, oferecemos o
exemplo a seguir.
Imaginemos que, durante a conversa com um cliente, você chegou ao entendimento
de que ele está em depressão. Não foi o cliente quem usou essa palavra: ela chega até seu
diálogo interno a partir de seu conhecimento especializado. Contemple-a por um momento.
Que aspectos da fala do cliente te inspiraram essa hipótese? O que mais você pode perguntar
sobre esses aspectos específicos? Se você fosse utilizar outros nomes, ao invés de depressão,
que outras possibilidades te surgem? Tente agora transformar essa palavra em uma imagem
conectada ao que o cliente está te contando neste momento. Que metáforas ela te inspira?
Isso não significa dizer que sua hipótese esteja errada. Nem que esteja certa. Significa, sim,
afirmar que ela pode ser mais produtiva abrindo e explorando novos caminhos de conversa
do que simplesmente fechando-o em apenas um.
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Não ser um Terapeuta Sabe-Tudo é uma tarefa tão potente quanto desafiadora. Afinal,
abrir mão da postura do especialista, que de alguma forma garante contornos mais rígidos
para a conversa terapêutica, exige do profissional uma atenção contínua a duas posições
distintas que ele ocupa naquela interação: a de anfitrião e a de convidado. Essa metáfora de
Anderson (2012) nos convida a pensar que, enquanto especialista do processo conversacional,
o terapeuta deve se posicionar como um bom anfitrião, fazendo o cliente se sentir confortável
e acolhido, ao saber que lhe serão oferecidas as condições necessárias para que tenham um
bom encontro. Neste papel, cabe ao terapeuta oferecer um contexto de conversa fluído o
suficiente para que o seu convidado se sinta à vontade, e firme o suficiente para que ele
reconheça que, quando necessário, será conduzido por aquele que o recebe.
No entanto, ao mesmo tempo em que é convidado do terapeuta no contexto clínico,
o cliente é também aquele que recebe o profissional para ouvir e acompanhar a sua história,
posicionando-o também como convidado naquela conversa. Nesta posição, o terapeuta deve
cuidar para ser um convidado agradável, do tipo que receberia um novo convite ao final do
encontro: ao mesmo tempo interessado e respeitoso, curioso e paciente, falando com
generosidade e ouvindo com atenção. Entendemos que as sete ideias apresentadas neste
capítulo te ajudarão a seguir como bom anfitrião e bom convidado de seus clientes,
acompanhando-os com a disponibilidade e a sensibilidade intrínsecas a uma boa parceria de
conversa. A fim de ilustrar como estas sensibilidades informam a conversa interna e as
escolhas feitas por uma terapeuta em sessão, no próximo capítulo compartilhamos com você
a análise do processo de reflexão e tomada de decisão da profissional, por meio de um
exercício imaginativo.
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Disponível no serviço de streaming Netflix. Criada por Amy Sherman-Palladino.
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Personagem fictício do universo Star Wars.
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Como vemos, são muitas as possibilidades de conversar com Rory a partir dos pedidos
implícitos em sua fala, certo? Anote quais são suas hipóteses e reflita um momento sobre elas.
O que mais te chamou atenção? Sobre o quê você fica tentado a conversar com sua cliente?
Para participarmos mais ativamente dessa conversa, levantamos três hipóteses que nos
ocorreram enquanto escrevemos. Lembramos que, coerente com o que temos argumentado
ao longo deste livro, não há uma resposta correta ou forma específica de convidar nossa
cliente imaginária para esta conversa. Vamos imaginar alguns caminhos possíveis, a fim de
ilustrar nossas ideias sobre como não ser um terapeuta sabe-tudo, e esperamos que isso te
inspire a pensar sobre os seus próprios caminhos. Especialmente, é digno de nota que,
qualquer caminho só poderia fazer sentido de fato dependendo das respostas oferecidas por
Rory no momento da sessão.
Como ela percorre por muitas possibilidades em sua fala, são muitas as ideias que nos
ocorrem enquanto a ouvimos falar. Aqui estão alguns exemplos:
• Rory se cobra demais. Ela é muito dura consigo mesma.
• Rory está vivendo muitas coisas pela primeira vez e, pelo que diz de sua história de
vida, não está acostumada a não saber o que fazer.
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• Rory vive sua história a partir de muitas pressões relacionadas à sua geração: ser
mulher e viver sua sexualidade; ser jornalista em um mundo que desvaloriza essa
profissão; ter 32 anos e muitas expectativas sobre o que isso significa.
Perceba quantas possibilidades de conversa se abrem enquanto a escutamos. Nossa
experiência nos mostra que ter essa quantidade de hipóteses e ideias enquanto um cliente
fala pode ser intenso e nos desconectar da conversa. Então, uma primeira ideia
potencialmente útil seria a de seguir conectado com a conversa externa, mais do que a interna.
Enquanto ouvimos Rory, tomamos nota sempre que algo nos ocorre, de modo que, ao invés
de ficarmos pensando sobre aquela intervenção supostamente ótima, podemos seguir o fluxo
das ideias da cliente. Fazer anotações breves sobre o que pensamos, nos ajudaria nesta tarefa.
Sua fala agitada, contudo, nos toca e nos emociona, produzindo uma vontade de
intervir, falar alguma coisa que possa acalmá-la. Mas, então, lembramos que talvez desabafar
sem ser julgada talvez seja o mais importante para ela, neste momento em que o julgamento
(ou o medo dele) faz parte da construção do problema. Assim, seguramos nosso momento e
simplesmente a ouvimos com toda a nossa atenção. Seguimos tomando notas quando
necessário até que alguma pausa natural se instale na conversa e tenhamos a oportunidade
de falar algo.
E agora, o que fazer com tantas hipóteses e ideias sobre o que conversar? Ao invés de
decidir por conta própria, podemos compartilhar a escolha do caminho com a cliente. Falamos
algo nesse sentido: “Rory, enquanto eu te ouço, penso em várias possibilidades de como
continuar essa conversa. Pensei em compartilhar algumas delas para você me ajudar a decidir
por onde seguimos. O que acha?”
Se ela concordar em nos ouvir, poderíamos seguir apresentando nossas reflexões,
falando sobre elas como ofertas, ao invés de análises conclusivas. Algo como: “Nós pensamos
em três caminhos que poderíamos seguir. O primeiro, tem a ver com a forma como você
parece se cobrar. Ficamos pensando em como isso participa do que está vivendo neste
momento. O segundo tem a ver com a quantidade de coisas que você está vivendo pela
primeira vez: sexo casual, dificuldades no trabalho. Nos perguntamos: como esse ineditismo
participa da dificuldade que está vivendo? Por fim, entendemos que há muitos aspectos do
seu dilema que têm a ver com um certo momento de vida da sua geração: sobre ser mulher
de uma determinada idade, sobre ser jornalista no ano de 2016, enfim... Talvez seja uma
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possibilidade falarmos sobre essas diferentes questões e como elas funcionam para você
individualmente. Algum desses caminhos te parece útil?”.
Fazemos essas ofertas entendendo que Rory pode, inclusive, não achar utilidade em
nenhuma delas. Aqui, não nos apegarmos a nenhuma das nossas ofertas e perguntas é um
lembrete importantíssimo para seguirmos caminhando no processo de eleger o conteúdo da
história que parece ser mais relevante para Rory, naquele momento. Suponhamos que ela
escolha o caminho que diz sobre sua cobrança consigo mesma. Ao invés de compartilhar o
que já pensamos, há uma maneira de tornar essa conversa ainda mais dialógica: podemos
começar nos interessando pela própria escolha de Rory por esse caminho. Por que ele lhe
pareceu promissor? Enquanto ouvimos Rory se explicar, nos dispomos a refletir com ela e a
transformar nossos próprios entendimentos originais.
Partindo, então, dessa hipótese de que Rory é muito dura consigo mesma, que
perguntas podemos fazer? Muitas. Mas, como precisamos tomar decisões – apostando em
alguns caminhos, ao invés de outros, citamos algumas como exemplo: Desde quando você se
lembra desta cobrança participando da sua vida? Se esta cobrança tivesse voz própria e
pudesse falar, o que ela diria? A voz dela se parece com a de alguém que você conhece? De
quem? O que esta cobrança já trouxe de bom para a sua vida? O que/quanto ela já te custou?
Você se lembra de alguma história importante em que a cobrança não esteve presente? Se
você magicamente pudesse olhar para sua situação sem a cobrança, o que veria diferente? O
que esta cobrança está tentando te mostrar sobre o que você valoriza e deseja para a sua
vida?
É importante lembrar que escolhemos fazer cada uma dessas perguntas na medida em
que o fluxo da conversa nos permite chegar até elas, e com disposição para sermos corrigidos.
Obviamente, não podemos nos esquecer da importância do timing da conversa terapêutico.
Queremos garantir que vamos construir cada possibilidade em conjunto com nossa cliente,
passo a passo, para que ela possa ter sua integridade respeitada e, assim, construirmos juntos
uma interação dialógica. Dessa forma, oferecemos tempo para que cada pergunta ou oferta
sejam feitas. Esperamos por sua resposta. Avaliamos os seus efeitos. Só então seguimos
adiante. Lembre-se: os seus movimentos e escolhas na conversa devem ser sempre
informados pela resposta imediatamente anterior da sua cliente. O foco está no
desdobramento, na construção conjunta, e não na intervenção em si.
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Em seu workshop ministrado em São Paulo em 20164, Harlene Anderson fez o seguinte
convite aos terapeutas presentes: imaginem-se vendados enquanto conversam com seus
clientes, deixando-se ser guiados por eles enquanto caminham juntos. “Confie no seu guia”,
ela dizia, ao explicar que é o cliente que nos diz se estamos caminhando na direção certa, se
estamos indo rápido ou devagar demais, e até onde podemos ir. Por isso, o exercício da
postura colaborativa em terapia é um exercício de confiança mútua, que exige cuidado,
atenção, engajamento e sensibilidade, enquanto nos movimentamos juntos no diálogo.
Assim como a pessoa vendada se permite ser conduzida pelo guia, ele também se
permite acompanhar proximamente por aquele que está guiando. Por isso, enquanto
caminham juntos, torna-se difícil distinguir quem está acompanhando quem. Esse é o tipo de
interação que queremos alcançar nas conversas com nossos clientes, como Terapeutas-que-
Não-Querem-Saber-Tudo. A construção dos caminhos em uma conversa dialógica é feita de
forma mútua. Compartilhamos a responsabilidade pela boa conversa e por quem nos
tornamos enquanto dela participamos (Anderson, 2012).
Segundo Anderson (2019), não há como produzir mudanças significativas na vida do
cliente sem que o terapeuta também se transforme ao longo do processo. Ao abrir mão de
saber a priori qual a forma mais adequada de ajudar o seu cliente, e em qual ponto esperam
chegar, o terapeuta se permite surpreender com as novidades que surgem ao longo do
encontro. Descobre, assim, narrativas, intervenções e efeitos até então inimagináveis em sua
própria conversa interna. Por esta condição de acompanharmos um ao outro, entendemos
que não pensamos e conversamos sobre os clientes, mas sim, com eles. Essa condição de saber
com é o que torna uma conversa dialógica possível (Shotter, 2012). Ao invés de um Terapeuta
Sabe-Tudo, queremos ser um Terapeuta Sabe-Junto.
É claro que, assim como a pessoa que está vendada, que conta com as suas próprias
percepções enquanto caminha, mesmo sendo guiada por outra pessoa, o terapeuta também
tem seus movimentos informados por tudo aquilo que o constitui enquanto profissional. Por
exemplo, a teoria que sustenta sua prática, suas experiências prévias e seus próprios valores.
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Relacionamentos e Conversações Transformadoras em Terapia, Consultoria, Educação e Pesquisa. 05 e 06 de
Agosto de 2016. Organização: Interfaci.
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Sabemos que não é possível e nem desejável abandonar todos estes organizadores a fim de
não ser um Terapeuta Sabe-Tudo. Muitas vezes, estar em colaboração com o cliente exige que
nos posicionemos quanto a algum assunto. É por isso que não precisamos (e nem devemos)
eliminar por completo nossas especialidades e o que sabemos. Afinal, todos os nossos
recursos podem se constituir como forma de sermos responsivos à conversa imediata e
provocar efeitos interessantes na sustentação do movimento dialógico (Doricci, Crovador &
Martins, 2017).
A diferença básica está entre o terapeuta utilizar sua especialidade e conhecimento
sobre o outro, em um dado momento, porque essa é a coisa a se fazer (Terapeuta Sabe-Tudo)
ou porque, como resposta a um pedido do cliente, naquele momento, tal conhecimento pode
ampliar possibilidades para caminharem juntos (Terapeuta Sabe-Junto).
A esta altura, você deve ter notado que a palavra “postura” participou de uma forma
importante neste livro. Longe de ser uma escolha casual, o uso da palavra nos ajuda a reiterar
que o propósito de todas as ideias que apresentamos aqui devem estar para o terapeuta como
formas de se orientar na relação com seus clientes, e não como técnicas a serem replicadas
indiscriminadamente. Não saber deve ser entendido como uma postura filosófica, um jeito de
se orientar na conversa a partir de um repertório de indicadores sensíveis que direcionam a
prática do terapeuta em direção à uma forma mais ética e justa de colaborar com os seus
clientes. A ideia de colaboração que nos inspira – seja na construção deste material, seja nos
nossos consultórios – está mais relacionada com a forma como cuidamos do processo
conversacional, do que a um jeito específico de estar na conversa (Anderson, 2019).
Ao mesmo tempo, nossa aposta, com este livro, está em compartilhar algumas formas
que têm nos ajudado nos mantermos atentos a sensíveis a essa postura enquanto
conversamos com nossos clientes. Ocupar a posição de um Terapeuta-que-Não-Sabe-Tudo,
não quer dizer ser um Terapeuta-Não-Sabe-Nada, mas sim, ser um Terapeuta Sabe-Junto. Dito
de outro modo, argumentamos que tudo aquilo que o terapeuta sabe deverá ser entendido
enquanto uma possibilidade dentre outras e, como tal, deve ser insistentemente medida e
avaliada a partir dos efeitos que provoca na conversa terapêutica. A postura do não saber não
é sobre não saber nada, mas sobre não saber mais ou saber melhor do que o seu cliente.
Nós sempre conseguimos fazer isso? Certamente não. Mantermo-nos na postura do
não saber se torna possível como prática cotidiana, enquanto observamos seus efeitos e,
principalmente, construímos entendimentos sobre nossa própria forma particular de estar
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nela. Assim, terminamos este livro com duas esperanças: que o leitor possa experimentar-se
terapeuta de novas formas a partir de sua leitura e que, na melhor de nossa possibilidade,
jamais façamos jus a uma “homenagem” em músicas de Kelly Clarkson.
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Referências
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MARINA ARANTES & PEDRO MARTINS 7 IDEIAS PARA NÃO SER UM TERAPEUTA SABE-TUDO
Sobre os Autores
Pedro Martins é doutor e mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo e psicólogo
pela Universidade Federal de Uberlândia. É membro associado do Taos Institute. Hoje, atua
como psicólogo clínico na cidade de Uberlândia - MG, onde atende indivíduos, famílias e casais
a partir de uma perspectiva construcionista social. Coordena o curso “Construcionismo Social
na Prática”, no qual anualmente oferece uma introdução aos principais conceitos teóricos e
práticos relacionados à construção social. Além disso, é docente convidado na formação em
Terapia Familiar do Instituto ConversAções, em Ribeirão Preto. Sua pesquisa e prática estão
voltadas para o trabalho com famílias em contextos clínicos e de saúde mental. Atuou como
pesquisador no Laboratório de Pesquisa e Estudo em Práticas Grupais da FFCLRP-USP e como
colaborador no Programa de Atendimento às Famílias do Hospital-Dia de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto. Em 2012 e 2015, foi pesquisador visitante na
University of New Hampshire, Estados Unidos da América. CRP 04/48637.
E-mail: pedropablomartins@gmail.com
Como citar:
Arantes, M., & Martins, P. (2020). 7 Ideias para não ser um Terapeuta Sabe-Tudo. Uberlândia:
sem editora. Disponível em: www.intervencoesterapeuticas.com.br/sabetudo
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No campo da terapia, colaboração poderia ser uma daquelas palavras
que, eventualmente, caem na graça e na boca das pessoas, e se
tornam praticamente vazias de significado - uma palavra que,
repetida tantas vezes, perde sua força e importância. Igualmente,
não saber poderia ser um conceito que parece tão bonito na teoria,
mas tão distante de ser reconhecido e praticado. Na contramão
disso, com este livro - de forma compreensível e acessível - Marina
Arantes e Pedro Martins nos presenteiam com a oportunidade de
reconhecer a potência dessas ideias, ao mesmo tempo em que
oferecem possibilidades concretas para as encarnarmos como
postura em nossa prática. Para terapeutas iniciantes, ele é um bom
orientador - um mapa, que apesar de jamais substituir o território
original e as possibilidades de caminhos a serem percorridos na "vida
real", oferece caminhos certeiros. Para terapeutas mais experientes,
um lembrete de como "não ser um terapeuta sabe-tudo" é um
horizonte a nunca ser perdido de vista em nossa prática. Uma leitura
indispensável para todos que desejam construir bons diálogos com
seus clientes!