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Língua Portuguesa, 9º Ano

OS SÍMBOLOS CÉNICOS DAS PERSONAGENS


DO AUTO DA BARCA DO INFERNO, DE GIL VICENTE

O teatro vicentino é, essencialmente, um teatro de tipos. O tipo não é uma personagem


individualizada e bem caracterizada mas uma figura colectiva que sintetiza as qualidades e os
defeitos da classe, profissão ou até do estrato social que pertence.
Para que o espectador o pudesse identificar facilmente, apresentava-se em palco com
elementos distintivos, que tanto podiam ser um objecto, um aninal ou até uma ou mais pessoas.
Assim:
- o Fidalgo vem seguido de um criado, que lhe segura a caudo do manto e lhe transporta a
cadeira;
- o Onzeneiro traz pendente da cinta uma enorme bolsa, que ocupa quase todo o navio;
- o Sapateiro aparece-nos carregado de formas;
- o Frade surge-nos com uma moça pela mão, cantarolando e bailando, envergando, sob o
hábito, a armadura de esgrimista;
- a Alcoviteira vem seguida de um grupo de moças que ela explorou, entregando-as à
prustituição;
- o Judeu sobrevém com um bode às costas, animal ligado aos sacrifícios da religião judaica;
- o Corregedor, apoiado numa vara, transporta uma resma de processos;
- o Procurador não abandona os seus livros jurídicos;
- o Enforcado traz um baraço ao pescoço;
- os Cavaleiros da Ordem de Cristo trazem o hábito que distintamente os identifica.

No Auta da Barca do Inferno, temos alguns figurantes que funcionam como elementos
distintivos e caracterizadores:
- o Pagem que acaudata o Fidalgo;
- a moça Florença que o Frade traz pela mão;
- o grupo de moças que escolta a Alcoviteira.
Todas estas figuras são mudas, mas só uma delas, a moça Florença, entra para a barca do
inferno, participando assim do argumento. As outras ausentam-se do palco, no fim das respectivas
cenas. Podemos, pois, considerar a amante do Frade uma figurante de primeiro plano e as restantes
figuras como figurantes de segundo plano, não esquecendo que todas elas desempenham uma
função caracterizadora e distintiva.

A linguagem também funciona como elemento distintivo e caracterizador de certos tipos.


Notemos como:
- a linguagem do Parvo é desbragada, desarticulada e ilógica, com uma certa propensão para o
emprego de símbolos fálicos (vv.271, 286, 294) e de expressões ou vocábulos escatológicos (vv.
257, 258, 274, 279,...)
- o Corregedor e o Procurador expressam-se num latim jurídico tão adulterado que, por vezes,
se confunde com o latim macarrónico. O Diabo imita-os, exprimindo-se, quando com eles fala, num
latim semelhante.

Maria Fiúza, Auto da Barca do Inferno – edição didáctica, Porto Editora

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