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Os militares ampliaram o controle do


Estado sobre a economia e fizeram o
país crescer em marcha acelerada para
ganhar legitimidade, mas criaram
desequilíbrios que só puderam ser
corrigidos muito tempo depois, com a
volta da democracia

NOVOS RICOS
Evolução da renda per capita no Brasil e nos
EUA, em US$ mil*

Estados Unidos
Brasil
1960 2,5
15,4

1970 3,8
20,4

1980 7
24,9

1990 6,1
31,4
6,8
2000 39,7
8,3
2010 41,4

* Com paridade de poder de compra, descontando a


diferença do custo de vida entre os dois países
0 10 20 30 40 50
Fonte: Penn World Table

Nos 21 anos em que os militares


permaneceram no poder, a economia
brasileira cresceu num ritmo quase três
vezes maior do que o alcançado nos
primeiros 21 anos após a volta da
democracia. No período em que essa
expansão foi mais acelerada, entre 1967
e 1973, o Produto Interno Bruto (PIB)
aumentou 10,2% ao ano, em média,
dobrando de tamanho em apenas sete
anos. O resultado destoava tanto dos
padrões da época que os analistas
passaram a chamá-lo de “milagre
brasileiro”.

A distribuição dos resultados do


crescimento foi bastante desigual, mas
na média a renda dos brasileiros
aumentou de maneira significativa
nesse período. Em 1964, um brasileiro
ganhava o equivalente a 17% da renda
recebida por um típico cidadão
americano. Em 1978, a renda média do
brasileiro correspondia a 28% da
americana.

O AVANÇO NAS CIDADES


Ao final da ditadura, mais de dois terços dos
brasileiros viviam em áreas urbanas

O crescimento econômico ajudou a


ditadura a ganhar legitimidade política
durante a fase mais violenta do
combate à esquerda armada e também
mais tarde, quando chegou a hora de
afrouxar o regime e era preciso
convencer os oficiais radicais que
pensavam o contrário. Mas a maneira
como os militares conduziram a
economia enfraqueceu as finanças do
país e minou sua capacidade de
sustentar por mais tempo o ritmo de
expansão dos anos do milagre.

Quando a ditadura acabou, o Brasil era


outro. A maior parte da população
havia abandonado a zona rural para
viver em cidades e milhões de pessoas
tinham migrado para os Estados mais
populosos, como São Paulo e Rio. Uma
indústria moderna e vigorosa se
tornara responsável por quase metade
da riqueza produzida pelo país. Mas
boa parte do progresso alcançado
durante o milagre acabou revertida. Em
1990, a renda média do brasileiro havia
recuado para 20% da média americana.

Do milagre à
bancarrota
Os governos militares modernizaram a economia
brasileira, mas não conseguiram sustentar o ritmo
acelerado de crescimento da década de 70 sem criar
dificuldades para a administração da economia na
democracia

PIB INFLAÇÃO DÍVIDA EXTERN

Para os militares, o crescimento econômico era essencial


para legitimar o regime. Reformas promovidas no governo
Castello Branco e políticas de estímulo levaram ao “Milagre
Brasileiro” entre 1967 e 1973, quando a economia brasileira
cresceu, em média, 10,2% ao ano
Variação anual do PIB, em %
20
Regime militar

1960
10 9,4%

-10
19601964196819721976198019841988199219962000200420082012
1962196619701974197819821986199019941998200220062010

Divisão por setor da economia, em %

Agropecuária Indústria Serviços


150
Regime militar

100

50

0
19601964196819721976198019841988199219962000200420082012
1962196619701974197819821986199019941998200220062010

Para rearrumar a
casa
A economia brasileira estava estagnada
quando os militares começaram a
governar. As finanças públicas estavam
em frangalhos e a inflação anual se
aproximava de 100%. A resposta do
presidente Castello Branco foi a adoção
de um ambicioso programa de
reformas, com três objetivos principais:
equilibrar as contas do governo,
controlar a inflação e desenvolver o
mercado de crédito.

O QUE FOI O PAEG


Reformas no início do governo Castello
Branco reorganizaram a economia e abriram
caminho para o crescimento dos anos do
milagre

CORREÇÃO A instituição da correção


MONETÁRIA monetária, que passou a
garantir reajustes
REFORMA automáticos de preços,
TRIBUTÁRIA permitiu que o governo
REFORMA começasse a se financiar
BANCÁRIA emitindo títulos públicos e
contribuiu para aumentar a
POLÍTICA
arrecadação do governo e a
SALARIAL
poupança privada
POLÍTICA
HABITACIONAL

Batizado como Plano de Ação


Econômica do Governo (PAEG), ele foi
elaborado pelos economistas Roberto
Campos, que assumiu o Ministério do
Planejamento, e Otávio Gouveia de
Bulhões, que ficou responsável pela
Fazenda. Sua principal inovação foi a
introdução da correção monetária,
mecanismo que passou a reajustar
contratos, títulos públicos e dívidas
tributárias com base na inflação
passada.

A novidade permitiu que o governo


começasse a cobrir seus gastos
vendendo papéis financeiros no
mercado, coisa que era impossível
anteriormente porque os investidores
temiam que a inflação corroesse seus
ganhos se emprestassem dinheiro ao
Tesouro. A correção monetária também
ajudou a aumentar a arrecadação de
impostos, reajustando as obrigações
tributárias das empresas.

Outra inovação foi a criação do Banco


Central, instituição que recebeu a
missão de controlar a oferta de moeda
na economia, antes papel do Banco do
Brasil. Campos e Bulhões deram aos
diretores do BC mandatos fixos, para
que tivessem a independência
necessária para tomar medidas
impopulares sem temer eventuais
consequências políticas.

Para conter os salários, o PAEG


introduziu uma fórmula que previa a
reposição da inflação passada e a
incorporação de parte da inflação
projetada para o futuro. Invenção do
economista Mário Henrique Simonsen,
a fórmula impôs perdas aos
trabalhadores, porque os cálculos do
governo sempre subestimavam as
projeções de inflação. Mas o arrocho
aliviou os custos das empresas e ajudou
a segurar os preços, contribuindo para
a retomada do crescimento nos anos
seguintes.

A adoção de uma medida tão impopular


só foi possível por causa do controle
rígido exercido pelos militares sobre os
sindicatos. O CGT foi posto na
ilegalidade e vários líderes trabalhistas
do tempo de Jango foram presos logo
após o golpe. Nos dois primeiros anos
do governo Castello Branco, os
militares intervieram em 810
sindicatos, substituindo seus dirigentes
por lideranças que oferecessem menor
risco de contestação.

Tecnocratas no poder
Os condutores da política econômica durante o regime
militar

DELFIM NETTO
(1928-)
Ministro da Fazenda, da Agricultura e do
Planejamento
Como ministro de Costa e Silva e Médici,
comandou a economia nos oito anos de forte
crescimento conhecidos como o “milagre
brasileiro”. Depois, voltou ao governo com
Figueiredo para administrar as crises que
marcaram o fim do regime, causadas por
desequilíbrios acumulados nos anos anteriores

Pressa para crescer


As medidas adotadas por Castello
Branco ajudaram a reorganizar a
economia, diminuíram o deficit nas
contas do governo e garantiram uma
redução expressiva da inflação, que caiu
para 34% em 1965. As reformas
também ajudaram a restaurar a
confiança dos estrangeiros no país,
atraindo empréstimos e investimentos.
Mas faltava crescer, e os militares
estavam com pressa.

O controle do governo sobre a


condução da política econômica foi
ampliado após a posse de Costa e Silva.
A independência do Banco Central
acabou assim que ele assumiu, para
nunca mais voltar. “O guardião da
moeda sou eu”, avisou o general a
Roberto Campos antes da posse,
conforme as memórias do economista.
Extintos os mandatos dos diretores do
BC, seu presidente, Dênio Nogueira,
deixou o governo.

Para chefiar o Ministério da Fazenda,


Costa e Silva recrutou um jovem
economista de São Paulo, Antonio
Delfim Netto. Ninguém mandou tanto
na economia como ele. Além de manter
os salários amarrados pela fórmula
criada por Simonsen, o governo passou
a controlar os preços dos principais
produtos, que só podiam subir com
autorização de um conselho formado
por quatro ministérios. A taxa de
câmbio usada nas transações com o
exterior era determinada por Brasília,
que também controlava as principais
fontes de crédito, de curto e longo
prazo.

O governo também interveio no setor


financeiro. As autoridades fixavam
limites para as taxas de juros cobradas
nos empréstimos bancários e
distribuíam incentivos para os bancos
que reduzissem suas taxas. Agências
como o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE)
passaram a oferecer crédito barato para
financiar os investimentos do setor
privado.

Com a economia internacional em


expansão, os resultados apareceram
logo. O aumento da renda fez explodir
o consumo, e com ele a popularidade
do governo. Entre 1968 e 1973, o
número de domicílios com televisão e
um automóvel na garagem mais do que
duplicou. Em 1970, uma de cada quatro
famílias brasileiras tinha um aparelho
para assistir em casa à vitória do Brasil
na Copa do Mundo.

Deu tão certo que Delfim continuou à


frente do Ministério da Fazenda
quando o general Médici assumiu a
Presidência, após o afastamento de
Costa e Silva. Era um ministro
poderoso, que vivia bajulado pelos
empresários e dava aos militares
argumentos para rebater os críticos do
seu modelo econômico. Como a
propaganda do governo não se cansava
de dizer, nada parecia capaz de deter o
avanço do país.

O que mais incomodava os críticos do


modelo adotado pelos militares era a
maneira desigual como a riqueza que
ele produzia era distribuída na
sociedade. Em 1972, o economista
americano Albert Fishlow foi o
primeiro a chamar a atenção para o
problema, com um artigo que apontava
o arrocho salarial promovido pelo
governo como principal responsável
pelo aumento da distância entre ricos e
pobres.

O trabalho deu munição para quem se


opunha à ditadura e provocou debates
animados na academia. Mas a questão
era outra para o governo. Segundo um
estudo pioneiro do economista Carlos
Langoni, o problema era que os níveis
de escolaridade da força de trabalho
eram muito baixos. Assim, era natural
que trabalhadores com diploma
ganhassem mais com as oportunidades
criadas pelo milagre, e era questão de
tempo que outros fossem beneficiados
na mesma medida.

LONGE DAS ESCOLAS


A ditadura combateu o analfabetismo, mas a
democracia investiu mais em educação

A tese de Langoni logo foi abraçada


pelo governo, mas pela metade. Embora
os estudos dele recomendassem
investimentos maciços em educação
básica, os militares se preocuparam
mais em combater o analfabetismo e
dar atenção às universidades, onde
estudantes e professores eram fontes
permanentes de contestação ao regime.
Foi preciso esperar a volta da
democracia para que o problema fosse
atacado e os níveis de escolaridade da
população melhorassem de forma
significativa.

Dobrando a aposta
Ninguém se importava muito com os
críticos enquanto o país continuava
crescendo, mas a paisagem começou a
mudar em 1973, quando os países
produtores de petróleo aumentaram
seus preços abruptamente. O choque
abalou a economia mundial, ao elevar o
custo da energia, e pegou
desprevenidos países como o Brasil,
que importava cerca de 70% do
petróleo que consumia. Havia duas
alternativas para lidar com a situação, e
o governo escolheu a que parecia
politicamente mais conveniente.

A opção mais prudente teria sido pisar


no freio e esperar as coisas
melhorarem, restringindo a demanda
interna e jogando água na fervura. A
maioria dos países importadores de

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