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Vidas de professores de matemática: o doce e o dócil do adoecimento∗

Antonio Miguel*

Sobre a encenação
O corpo humano é a melhor imagem da alma humana1
Wittgenstein (1979, IF - Segunda Parte, p. 177)

Quando recebi o convite para produzir um artigo que tomasse como referência
três dentre um conjunto de treze entrevistas pré-textualizadas que haviam sido
realizadas com professores e professoras de Matemática do Ensino Fundamental e
Médio das Redes Estadual, Municipal e Particular de Ensino de Belo Horizonte, na
perspectiva da História Oral e de Pesquisas com Narrativas, aceitei-o quase sem hesitar.
A razão da não hesitação esteve, sem dúvida, ligada ao tom generosamente flexível que
acompanhava o convite, qual seja, o de que "trabalhasse sobre e com as narrativas,
explorando-as e analisando-as conforme o tema, a perspectiva e questões que os
próprios autores convidados desejassem em torno das grandes temáticas da docência,
da docência em Matemática, da Educação Matemática e da Escola".
Diante da flexibilidade da proposta, após a leitura das entrevistas, passei a
precisar, para mim mesmo, a natureza de meu desafio. Ficou-me claro, por um lado, que
eu não gostaria de, a partir dessas narrativas, produzir uma meta-narrativa ou um
discurso cientificista e generalizante, tomando os conteúdos das falas como "dados
objetivos" acerca do exercício da docência, a serem trabalhados e devolvidos, quer sob a
forma de recomendações de melhoria da educação (matemática) escolar ou das
condições de exercício profissional da docência, quer sob a forma de avaliação político-
epistemológica de pesquisas acadêmicas que vêm sendo conduzidas na perspectiva da
história oral e/ou das narrativas. Por outro lado, ficou-me também claro que não seria
minha intenção produzir uma análise ou julgamento das vidas profissionais dos
professores entrevistados, mesmo que tal análise, menos pretensiosamente, se deixasse


Texto a ser publicado, em dezembro de 2011, pela Editora Livraria da Física, como um dos capítulos do
livro Viver e contar: histórias de professores de Matemática, organizado por TEIXEIRA, I. A. C.;
PAULA, M. J.; GOMES, M.L.M.; AUAREK, W. A.
*
Professor do Departamento de Ensino e Práticas Culturais da Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas (SP) - FE-UNICAMP. Membro do PHALA (Grupo de Pesquisa em Educação,
Linguagem e Práticas Culturais) e do HIFEM (História, Filosofia e Educação Matemática). E-mail:
miguel@unicamp.br
1
"The human body is the best picture of the human soul" (Wittgenstein, PI, 1967, Part II, p. 178).
orientar pelo propósito de estetizar vidas, mantendo-as encapsuladas e incomunicáveis
em suas singularidades ou particularidades.
Então, o desafio que eu me parecia colocar era o de pensar o exercício
profissional da docência escolar a partir de flashes memorialísticos de cenas episódicas
de vidas de professores de matemática, traduzidos e "traídos" por atos orientados de
falas - de suas falas -, re-traduzidos e "re-traídos" por um conjunto escrito de
fragmentos discursivos justapostos que deixava voluntariamente à mostra a sua
desconexão. Havia sido desse modo que as vidas dos professores Roberto, Marina e
Hélio - digitalizadas, nesta ordem, em um único arquivo PDF - entraram em minha vida
de professor. E foi também desse modo que decidi lê-las, isto é, como jogos narrativos
de linguagem pré-traduzidos, pré-interpretados e pré-organizados com base em
propósitos previamente definidos pelos respectivos entrevistadores desses professores.
Sem deixar-me prender rigidamente por um tipo definido - e, menos ainda,
metodicamente positivo e impositivo - de análise discursiva -, ocorreu-me, então, a idéia
de inspirar-me parcialmente na perspectiva filosófica não dogmática do segundo
Wittgenstein a fim de produzir o que denomino uma terapia desconstrutiva desses jogos
narrativos. Na seção seguinte deste texto, essa prática terapêutica se autoesclarece na
própria forma como ela opera sobre esses jogos, tornando-se, ela própria, um jogo
narrativo prospectivo de linguagem. Por mais paradoxal que isso possa parecer ao
leitor, proponho-me a narrar, nas seções seguintes, a conversa que tive com Roberto,
Marina e Hélio em um encontro imaginário que nos proporcionamos, após termos lido
as narrativas uns dos outros. Assim, se as narrativas que me foram enviadas voltam-se
aos passados profissionais efetivamente vividos por esses professores, a narrativa
prospectiva que me propus realizar volta-se a um passado imaginário posterior àquele
em que as entrevistas foram individualmente concedidas.
É importante ressaltar que, da maneira como a estamos aqui concebendo,
realizar uma terapia desconstrutiva de diferentes jogos narrativos de linguagem consiste
em destacar nesses jogos um enunciado comum neles manifesto2, bem como outros com

2
Operar sobre enunciações efetivamente manifestas é uma característica central de uma terapia
desconstrutiva. De fato, segundo Vilela (2010, p. 437 e p. 439, itálico da autora), "a noção de filosofia
que pretende "compreender algo que está manifesto" e de ampliação de significados se insere na ideia
wittgensteiniana de terapia filosófica que, através de descrições gramaticais, pretende dissolver
problemas filosóficos. A finalidade da terapia é contrária àquela que busca estabelecer fundamentos,
contrária à metafísica. [...] Não importa a busca por fundamentos últimos, mas o modo como a
linguagem, entendida como um sistema de símbolos que depende de regras de uso, expõe o mundo. O
fundamento é substituído pela forma como nos inscrevemos na linguagem pública, no hábito de uma
comunidade, que não podem ser justificados, mas apenas descritos. Se houver fundamento, ele se refere a
os quais ele possa estar significativamente enredado, e fazê-los percorrer diferentes
jogos de linguagem, dando-se, assim, por ampliação e variação, visibilidade a suas
diferentes mobilizações e, portanto, a suas diferentes significações, até que se tornem
manifestas e discutidas as relações performáticas desses enunciados sobre os corpos e
sobre as práticas efetivas dos narradores3.
Em minha leitura dos jogos narrativos de Roberto, Marina e Hélio, o enunciado
comum que me chamou imediatamente a atenção foi o do adoecimento dos corpos de
professores de matemática. Mais do que uma presença comum, trata-se de uma presença
performática, isto é, de uma presença densa e tensa cuja materialidade sensorial não só
parece ter exercido o seu poder sobre as falas e os corpos dos narradores, como também,
parece ter conduzido as suas trajetórias profissionais a um termo, qual seja, o
impedimento irreversível da presença de seus corpos no lugar onde efetivamente
praticavam a docência: a sala de aula. Trata-se, então, da presença de um enunciado
performático que se constitui a partir do impedimento da presença efetiva do corpo que
desejaria estar presente, e que fala da prática docente a partir de algo que parece ter
gerado o seu impedimento. Então, na terapia desconstrutiva que vamos praticar na
segunda parte deste texto, é minha intenção colocar-me nos rastros de significados desse
enunciado, bem como nos de outros a ele conectados que, manifestos - de algum modo
e em alguma medida - nas falas dos narradores, parecem ter adquirido não apenas o
poder de dar sustentação e legitimidade a práticas de governo das condutas dos corpos
de (seus) (ex)alunos da escola básica, como também a práticas de autogoverno que esses
professores parecem ter estabelecido sobre as condutas de seus próprios corpos.
Ainda que tenhamos dado ao "terapeuta imaginário" que orienta a sessão o poder
inicial de destacar esse enunciado comum para dar início à terapia, dado o caráter não
dogmático que informa o próprio procedimento, tal poder, ao longo da sessão, se dilui
não só entre os demais participantes "efetivos", como também entre os participantes
"remotos" que a todo momento entram em cena por intermédio das falas de quaisquer
participantes "efetivos". Além disso, o critério que sustenta a escolha e o destaque do
enunciado comum é o de se poder vê-lo como uma espécie de elemento estruturante

algo que não pode estar separado da prática linguística: "Pois o que está oculto não nos interessa"
(Wittgenstein, IF-126, 1979)".
3
Segundo Moreno (2005, p. 263), "o que melhor caracteriza o procedimento de exemplificação, a serviço
da descrição terapêutica, é a variedade e a variação de instrumentos e procedimentos empregados assim
como, por conseqüência, a ausência de um conjunto fixo de regras para produzi-los. A terapia procura um
caminho a partir de cada dificuldade conceitual, em sua peculiaridade, jamais propondo um
procedimento-padrão - o que a aproxima da relação clínica entre médico e paciente, em que cada
dificuldade requer um tratamento específico".
que, à primeira vista, parece dar sentido e legitimidade aos jogos narrativos quando
inseridos, por um lado, no contexto referencial de atividade humana (a atividade
educativa escolar) em que se situam os narradores e, por outro, no contexto referencial
de atividade humana (a atividade de pesquisa científico-acadêmica) que orientou a
constituição das narrativas.
Praticar a desconstrução desse enunciado comum4 e de outros que a ele se
conectam constitui o propósito que deverá orientar a minha leitura dos jogos narrativos
desses professores. Isso significa produzir um novo jogo narrativo de linguagem no qual
buscarei praticar não só uma interdiscursividade entre essas narrativas, como também,
entre elas e outros jogos de linguagem (não necessariamente narrativos), produzidos em
diferentes campos de atividade humana, a fim de se ampliar o horizonte de visibilidade
de efeitos performáticos5 sobre práticas de governo e autogoverno de corpos de sujeitos
que atuaram, ensinando matemática, no contexto de atividade educativa escolar. Nesse
sentido, a palavra performance, dentre outros usos que faço dela neste texto, adquire um
sentido metodológico que, tal como assinala Taylor (2008, p. 30, itálico da autora),
"permite aos acadêmicos analisar determinados eventos como performances",
destacando-se, dentre eles, "certos fenômenos que são ensaiados e reproduzidos
diariamente na esfera pública", tais como, "condutas de sujeição civil, resistência,
cidadania, gênero, etnicidade e identidade sexual", e que dão visibilidade ao conceito de
performance como "prática in-corporada a outros discursos culturais".
Por essas e outras razões, decidi produzir um jogo narrativo dialógico que
intencionalmente se aproxima de um jogo de cena6, de uma performance teatral. Isso
porque, por um lado, penso ser essa forma de praticar a terapia mais próxima àquela

4
Praticar a desconstrução de enunciados efetivos - isto é, que se fazem efetivamente presentes nos atos de
fala dos sujeitos - não significa destruí-los, superá-los, hierarquizá-los, submetê-los a explicações causais,
investigar suas origens, etc. Significa considerá-los e investigá-los no movimento de tensão insuperável e
mutante que eles estabelecem com outros enunciados, de outros jogos discursivos, que poderiam
potencializar uma problematização de seus efeitos performáticos sobre os corpos de sujeitos que atuam
em um campo de atividade humana especificado, em um tempo igualmente especificado.
5
Aqui, o significado de performático vai além daquele manifesto no uso dessa palavra por Austin (1977).
Uso-a no sentido de destacar a concepção do papel operatório efetivo da linguagem em um evento
comunicativo, em que uma enunciação equivale - e não apenas implica a - à realização de uma ação. Mas,
uso-a também em outro sentido próximo àquele proposto por Judith Butler: "ao passo que em Austin o
performativo realça a linguagem que faz, em Butler, ele vai em direção contrária, ao subordinar
subjetividade e ação cultural à prática discursiva normativa" (Taylor, 2008, p. 31-32).
6
A expressão jogo de cena foi cunhada pelo linguista francês Dominique Maingueneau. Segundo ele,
"apoiando-se em modelos emprestados do direito, do teatro ou do jogo, a pragmática tentou inscrever a
atividade da linguagem em espaços institucionais. Na perspectiva pragmática, a linguagem é considerada
como uma forma de ação; cada ato de fala [...] é inseparável de uma instituição, aquela que este ato
pressupõe pelo simples fato de ser realizado” (Maingueneau, 1993, p. 29, itálicos nossos).
praticada pelo próprio Wittgenstein7; por outro lado, ela intencionalmente permite
deixar tênue e difusa a linha de demarcação entre jogos efetivos e jogos fictícios de
linguagem8.
Os "personagens efetivos" que participam da terapia são Roberto (R), Marina
(M), Hélio (H) e o Terapeuta (T). Mas dela também participam, à distância,
"personagens remotos", vivos ou mortos, com os quais os personagens efetivos praticam
a interdiscursividade. Na sessão de terapia, tais personagens - efetivos ou remotos - são
e não são eles próprios. São, porque, de fato, são as suas falas efetivas textualizadas que
fornecem a substância e o substrato para a produção de meu próprio jogo de cena. Não
são, porque, de certo modo, quando falam, falam através de minha fala, dos modos
como eu recrio e trans-crio as suas falas, mesmo quando - mobilizando-as
fragmentariamente no texto produzido - eu as cite literalmente. Sempre que as falas -
literais ou meramente sugeridas - dos personagens tiverem uma autoria da qual eu tenha
ciência, procurarei referi-las em notas de rodapé, a fim de não quebrar a fluência do
jogo de cena.
Devido ainda ao fato de, em minha leitura, as narrativas de Roberto, Marina e
Hélio manifestarem uma ponta de esperança que congela, no presente, a expectativa da
consumação, em um futuro incerto, de um algo que lhes parece difuso e indefinido, o
jogo de cena produzido faz perceptíveis remissões à peça teatral Esperando Godot de
Beckett, que pode ser lida sob um tom wittgensteiniano9.
Talvez, o Godot de nosso jogo de cena pudesse ser identificado com o desejo
nunca correspondido de aprendizagem efetiva da matemática por parte dos (ex)alunos

7
Segundo Grayling (2002, p. 126), "uma coisa que imediatamente salta aos olhos de um leitor crítico dos
trabalhos do segundo Wittgenstein é que seus conceitos nucleares são ou vagos ou metafóricos, ou ambos.
A idéia de "jogos" é uma metáfora; as noções de "uso" e "formas de vida" são pouco específicas. É claro,
isso é intencional; o método de Wittgenstein foi evitar a teorização sistemática e insistir, em vez disso, na
variedade da linguagem (...)".
8
Segundo Moreno (2005, p. 262-263), na terapia filosófica wittgensteiniana, "a descrição dos usos
pretende captar a linguagem em suas aplicações tanto efetivas como as consideradas possíveis e
imagináveis, mas nunca cristalizadas em uma considerada essencial e definitiva. Para tanto, Wittgenstein
recorre à criação de exemplos. Não se trata de descrever propriedades empíricas de objetos e fatos, mas
de descrever relações internas de sentido, para o que a exemplificação fornecerá o ambiente adequado em
que transições de sentido se deixam mostrar ao olhar".
9
Perloff (2008, p. 27) destaca do seguinte modo o tom wittgensteiniano de Esperando Godot: "O
exemplo que Wittgenstein deixa [...] para os escritores - desde Samuel Beckett (que insistia em dizer que
não havia lido nada de Wittgenstein até os anos de 1950, muito antes de ter concluído obras tão
"wittgensteinianas" como Watt e Esperando Godot) até Ingeborg Bachmann e outros mais - é o de que
nunca desistiu de lutar, tanto consigo mesmo como com a linguagem [...]. A linguagem, escreve ele em
seu caderno, arma para todos as mesmas armadilhas... O que tenho de fazer então é erguer postes de
sinalização em todos os entroncamentos onde existem desvios errados, de modo a ajudar as pessoas a
ficarem longe dos pontos perigosos".
de Roberto, Marina e Hélio, isto é, com o desejo de fazê-los compreender um discurso
por eles considerado racional, estruturado e belo. Essa aprendizagem nunca se realiza,
nunca se manifesta, ainda que eles tenham lutado e se esforçado ao máximo para fazê-la
acontecer. Godot poderia também ser identificado com o desejo positivo manifesto por
esses professores de poder compartilhar com seus alunos o deleite e o prazer de se poder
apreciar a beleza inerente à arquitetura racional, lógica e infalível da matemática.
Entretanto, esse desejo sincero, por não ser jamais correspondido, gera a frustração, a
depressão, a não realização profissional e o adoecimento, ainda que tais sintomas nem
sempre sejam por eles vistos como os seus sintomas. Esse desejo de se impor (isto é, de
se investir de mais poder) perante os alunos, impondo-lhes (isto é, ensinando-lhes ou
transmitindo-lhes) um tipo de discurso que lhes foi imposto (isto é, que lhes foi
ensinado ou transmitido), ao qual os alunos resistem (isto é, aprendem algo diferente do
que lhes está sendo ensinado ou transmitido) de diferentes maneiras, jamais é visto
pelos professores como uma prática de aculturação, como uma prática de
disciplinamento, como um desejo de reforçar ou restaurar os poderes constituintes de
discursos epistemológica e politicamente colonizadores que certas comunidades de
prática exercem sobre outras. Nas narrativas dos professores rastros desses discursos
colonizadores, embora manifestos, jamais são percebidos como manifestos, talvez
porque já tenham sido assumidos como naturais e, portanto, verdadeiros e acima de
quaisquer suspeitas. Em nosso jogo de cena, o papel do terapeuta será fazer aflorar
rastros desses (discursos) colonizadores, fazê-los entrar em cena. Por sua vez, os
(discursos) colonizadores, embora colonizem, parece não se mostrarem cientes acerca
dos próprios papéis colonizadores que desempenham no jogo de cena, ou seja, acerca
dos papéis que lhes são reservados a desempenhar no contexto institucional da atividade
educativa escolar. Agem de forma "bem intencionada", segundo uma mistura de crenças
naturalizadas provenientes de discursos pedagógicos humanistas10 que visam a um bem,

10
Com base nas críticas que tanto Wittgenstein quanto Foucault remetem a concepções essencialistas e
metafísicas de "eu" ou de "sujeito", Peters e Marshall (1999, p. 198) se perguntam acerca do que poderia
significar uma "pedagogia do eu", não mais nos marcos de uma perspectiva humanista: "Por uma
pedagogia do eu entendemos um ensino e aprendizagem críticos que envolvam processos não
manipuladores e não dominadores, que nos permitam tornar positivos e nos encorajem a ver
positivamente os processos críticos de perpétua auto-superação. Seria também uma pedagogia crítica e
reflexiva, mas que não operaria com base em pressupostos humanistas que se centrassem, por exemplo,
quer na pessoa como um todo, quer na criança, uma vez que, contrariamente a noções de crítica herdadas
diretamente de Kant ou de Marx, ela oporia a avaliação negativa de Wittgenstein de que o eu não é um
objeto, bem como retiraria a conclusão positiva de que o que requer crítica, antes de tudo, nos discursos
das ciências humanas (e especialmente nos da pedagogia) é o tratamento do "eu" como um objeto a ser
investigado filosoficamente ou cientificamente". Entretanto, pensamos que, se com Wittgenstein, a
a um bom e a um belo comuns, tão difusos quanto inatingíveis; agem, sem ciência de si,
promovendo e reforçando o "poder civilizador da pólis". O terapeuta procura, então,
agir no sentido de se fazer aflorar uma concepção simbólico-discursiva de "identidade"
e de adoecimento profissionais, dado que, sob uma perspectiva wittgensteiniana, do
mesmo modo como não existe uma linguagem privada, não existem também
identidades e adoecimentos privados, subjetivos ou autônomos que tivessem o poder de
se constituir antes ou fora dos domínios de diferentes jogos de linguagem aprendidos
ou, em termos foucaultianos, antes ou fora das ordens de diferentes práticas discursivas.
Nesse sentido, em nosso jogo de cena, o "eu" mutante (a consciência) é sempre, a cada
momento, o resultado de confrontos discursivos explícitos ou anônimos,
contemporâneos ou remotos, que aparecem como flashes memorialísticos fragmentários
que entram, interrompem-se, saem de cena, podendo ou não voltarem à cena. Os
discursos colonizadores sabem explorar em seu benefício o estado de confusão
identitária no qual o professor de matemática se vê enredado por não saber (ainda que
sabendo) com base em quais propósitos ético-políticos a sua ação educativa poderia se
orientar. No final da sessão de terapia, os atores imaginários acabam percebendo isso. O
script da cena final de nosso jogo de cena, transcriado a partir do roteiro da cena final
do filme Polícia, Adjetivo (2009), é o momento em que os atores tentam se desfazer -
isto é, tentam se liberar de suas obrigações de ensinarem matemática euclidiana11, - de
suas crenças pedagógicas humanistas e, consequentemente, de suas doenças -, mas essa
rebeldia é, de pronto, autoritariamente contida pelo (discurso) colonizador em nome do
"poder civilizador da pólis", o qual também deseja aparecer como o poder estético-
racional do discurso euclidiano.

desconstrução da noção de "eu" não pode ser dissociada da desconstrução simultânea por ele feita à noção
de linguagem privada, de onde viria, para uma pedagogia não humanista, a necessidade de ainda se
constituir como uma "pedagogia do eu"? Se subjetividades são e só poderiam ser constituídas pelos usos
públicos da linguagem, isto é, se a linguagem da subjetividade é sempre produto de aprendizagens, então,
pedagogias não humanistas seriam melhor caracterizadas não por "pedagogias do eu", mas por
pedagogias dos jogos de linguagem e sobre os jogos de linguagem. Assim, quando Wittgenstein diz que o
mundo só pode ser dito pela linguagem, é porque praticar a linguagem não é uma prática dentre outras,
mas uma prática junto com outras, dado que nenhuma prática ou experiência humana efetiva poderia
constituir-se ou ser significada sem linguagem. E daí, em particular, as práticas dos cuidados de si só
podem ser vistas como práticas de cuidados dos discursos de si e sobre si. Assim, em uma pedagogia não
humanista tal como a concebemos, o "eu" não está nem no início, nem no centro e nem no final da ação
pedagógica; já os processos de subjetivação (e não propriamente o "eu" enquanto objeto) se constituem e
se transformam nos e juntamente com as práticas escolares de problematização de jogos de linguagem
pautadas em éticas que visem à democratização política, social e econômica de todas as formas públicas
de organização social.
11
Esforços na direção de se pensar a educação escolar, em uma perspectiva não humanista, em que
práticas mobilizadoras de cultura matemática estariam envolvidas de um modo indisciplinar, são feitos
por seus autores na referência (Miguel; Vilela; Moura, 2010).
Em nosso jogo de cena, apropriamo-nos do "nada acontece" do Esperando
Godot como uma analogia intencional ao aforismo wittgensteiniano de que a filosofia
deixa tudo como está (Wittgenstein, 1979, IF-124). Toda a trama e tensão do texto de
Beckett – que, ao se constituir com base na ausência de um personagem sempre
esperado, acaba demonstrando não só a superfluidade de todo o filosofar que se
constitui em função dessa expectativa frustrada, como também a superfluidade do
próprio personagem ausente - perpassa também o nosso jogo de cena, sugerindo um
paralelismo intencional com o aforismo wittgensteiniano (IF-126) de que "a filosofia
simplesmente coloca as coisas, mas não elucida nada e não conclui nada. E como tudo
fica em aberto, não há nada a elucidar"12.

Primeiro ato
(Sala de aula. Sentados em carteiras de alunos, Roberto (R), Marina (M) e Hélio (H) conversam.
No canto de uma das paredes, um armário. Na lousa, o desenho de uma árvore sem folhas,
flores ou frutos. Entardecer. Entra o terapeuta).

T - Aqui estamos nós: nós e os nossos discursos, quero dizer, os nossos discursos e os
nossos discursos...
M - É... achei interessante você ter resolvido nos chamar para esta conversa pós-
entrevistas. Mas você poderia nos narrar sem precisar se incomodar...
T - É que fiquei com muita vontade de conhecê-los pessoalmente. E não sabia também
se vocês já se conheciam...
R - Se não me FALHA A MEMÓRIA ... E olhem que ela costuma mesmo falhar.... eu
acho que
não nos conhecíamos. (Risos generalizados)

12
Nesses aforismos wittgensteinianos acerca da impotência da filosofia em relação à modificação das
práticas efetivas, essa impotência pode, a nosso ver, ser lida, ainda que de uma maneira não usual, como
referindo-se exclusivamente a usos filosóficos da linguagem, mas não a seus outros ilimitados usos. Além
disso, em um outro sentido, essa impotência também poderia dizer respeito à ausência de efetividade da
linguagem quando opera diretamente sobre o mundo material enquanto tal, mas não quando opera
indiretamente sobre esse mesmo mundo. Isso porque, há diferença quando digo diretamente a uma laranja
- "descasque-se" -, e ela não se descasca, ou quando digo a uma pessoa - "descasque esta laranja para
mim" - e a laranja é descascada ou não, como decorrência dessa pessoa obedecer ou não a esse comando
verbal. Assim, uma enunciação, quando opera sobre um sujeito, pode ou não levar a uma modificação
efetiva, direta ou indireta, do mundo, dependendo das circunstâncias e das reações do sujeito à
enunciação. Mas, esses usos filosóficos e não efetivos da linguagem, mesmo que impotentes, são ainda
usos da linguagem, e além de não impedirem que a usemos dessa maneira, mostram-nos que as suas
próprias impotências só podem se tornar manifestas por outros usos considerados potentes da linguagem.
Assim, pensamos que, em uma perspectiva wittgensteiniana, pode-se fazer uma terapia linguística de
jogos filosóficos de linguagem, mas não, a rigor, uma terapia filosófica de jogos de linguagem.
H - Se é que eu ouvi bem... E olhem que meus ouvidos costumam falhar... acho que,
outra vez, Roberto, a sua memória falhou. (Mais risos...). A Marina chegou a falar, em
sua entrevista, que ela e eu já nos conhecíamos.
M - (Com voz rouca e se esforçando para se fazer ouvir). Se minha memória e audição
forem tão confiáveis quanto a minha voz, acho que já conheço todos vocês... (risos e
mais risos).
T - Bem... ouvindo vocês falarem assim... digamos, descontraidamente sobre os
seus próprios problemas de saúde, acho que não me enganei...
H - Não se enganou? Eu nem sabia que você veio para esta nossa conversa com uma
hipótese prévia a ser testada.... Se é assim, diga-nos logo qual é ela. Estou curioso.
T - Não se trata bem de uma hipótese...mas apenas de um ponto de partida para a nossa
conversa. É que vocês foram logo no ponto... naquilo que mais me chamou a atenção na
leitura que fiz das narrativas de vocês. Todos vocês se acham afastados da sala de
aula....e pela mesma razão: problemas de saúde, não é isso? E ouvindo essa troca
entre vocês em relação a esses problemas, concluo que não apenas eu, mas também
vocês desejam que a nossa conversa comece por aí...
R - Acho que você não se enganou... E só para refrescar a nossa memória, repito que
fiquei quase três anos de licença... falhas de memória. O diagnóstico médico foi
amnésia dissociativa.
M - Eu nunca tinha ouvido falar disso, Roberto. Deve ser horrível perder a consciência!
R - Bem, as ausências ou falhas de memória às vezes são apenas momentâneas, coisa de
minutos, e às vezes podem perdurar por horas ou até por dias. Dá um branco
generalizado. É como se eu perdesse o rumo e também a minha identidade. Você não se
lembra mais quem é, o que fez há um segundo, com quem falou, onde está, para onde
vai... é de fato uma sensação perturbadora.
H - Ultimamente, tenho me interessado em estudar os problemas de saúde dos
professores. Tal foi minha curiosidade que fui investigar melhor essa SUA doença,

Roberto. Fiquei sabendo que a amnésia dissociativa é uma incapacidade de

recuperar verbalmente informações importantes, geralmente de natureza

estressante ou traumática. Essas informações incluem também aquelas

relativas à memória autobiográfica, e mesmo quando são temporariamente


recuperadas, não podem ser completamente retidas na consciência. A

pessoa sente-se incapacitada para responder a perguntas do tipo: quem sou

eu, o que fiz, onde foi, com quem estou falando ou acabei de falar, o que

disse, o que pensei, o que senti? Fiquei sabendo também que, após esses

surtos amnésicos, as pessoas parecem ter consciência de que perderam

algum tempo13.

M - Curiosa essa informação de que os portadores de amnésia dissociativa têm


consciência de que perderam algum tempo. Para mim, estados amnésicos não poderiam
jamais ser recuperados pela consciência.
R - Não gostei, Marina, de você ter usado a palavra portador para se referir aos
amnésicos. É como se a gente portasse a doença do mesmo modo como portasse
óculos
escuros, um vírus ou uma carteira sem documentos de identidade.
T - Desculpe-me, Roberto. Quis dizer ... que quando a sua mente é atacada, tomada por
esses surtos invasivos... Nossa! Acho que a emenda saiu pior do que o soneto...
R - Não sei....não estou seguro se é algo que me ataca de fora para dentro ou de dentro
para fora (risos).
H - Já eu estou completamente seguro de que é de fora para dentro. Penso que, pelo
menos nos casos de doenças profissionais, a única explicação possível reside na
precariedade das condições de trabalho a que nós, professores, estamos submetidos. Em
minha escola, tem uma porção de professores afastados devido a problemas de saúde.
Mas parece que esses problemas têm aumentado consideravelmente entre os
professores. Já existem, hoje em dia, estatísticas confiáveis sobre isso.
M - Tenho curiosidade a esse respeito....
H - Tive acesso, recentemente, a um relatório de pesquisa14 no qual as professoras
coordenadoras descrevem e analisam 65 trabalhos científicos sobre o problema do
adoecimento profissional de professores da Escola Básica em nosso país: 50 deles são

13
Este segmento da fala de H, destacado em fonte agency FB, é uma composição de extratos do Manual
Merck, Biblioteca Médica on line, Secção 7, Capítulo 90: Perturbações Dissociativas
(http://www.manualmerck.net/?id=116&cn=990) e de matéria do site Psicoforum
(http://psicoforum.br.tripod.com/index/artigos/ad2.htm), visitados em 03/04/2011.
14
H está aqui fazendo alusão à referência Leite e Souza (2007).
dissertações de mestrado, 10 são teses de doutoramento e 4 são livros publicados. E o
mais interessante é que, dentre essas pesquisas, há uma cujo propósito foi, justamente,
avaliar o problema da ocorrência de transtornos mentais em professores da rede
municipal de ensino de Belo Horizonte15.
M - E a que conclusões a pesquisa chega?

H - As autoras dizem inicialmente que estudos realizados em todo o mundo

evidenciam que os educadores correm o risco de sofrer esgotamento físico

ou mental, em face das dificuldades materiais e psicológicas associadas ao

exercício da atividade docente. Chegam à conclusão de que a prevalência de

indivíduos em risco de apresentar transtornos mentais foi bastante elevada

nos professores da Regional Nordeste da rede municipal de ensino de Belo

Horizonte e de que esse resultado foi muito superior àquele encontrado em

estudos realizados na população geral em outras localidades do país. Uma

outra conclusão foi que os transtornos mentais são mais freqüentes nos

professores que relataram experiência de violência nas escolas, pior

percepção sobre o trabalho, piores condições de trabalho e ambiente físico

da escola, e menor recurso computacional para o trabalho escolar16.

T - Bem, não estou querendo, é claro, fechar os olhos para o problema da precariedade
das condições de trabalho dos professores e, muito menos, de negar a relação que isso
tem certamente a ver com o surgimento de doenças profissionais, tais como problemas
vocais, auditivos e, sobretudo, de transtornos mentais. Mas, por outro lado, penso que
não se poderia estabelecer uma relação direta de causa e efeito entre uma coisa e outra.
Se assim fosse, precisaríamos explicar por que, apesar das péssimas condições de
trabalho, grande parte dos professores não adoecem.

15
H faz aqui alusão à referência Gasparini (2005).
16
Este segmento da fala de H, destacado em fonte Agency FB, é uma composição feita a partir de
extratos da referência Gasparini, Barreto e Assunção (2006, p. 2687 e p. 2690).
M - Parece que você está querendo sugerir que a doença não viria nem de dentro para
fora e nem de fora para dentro, mas que seria produzida na relação que certos
professores estabelecem com a atividade de docência. É isso? E que Roberto, Hélio e eu
seríamos representantes típicos desses professores...
T - Sim, é isso mesmo que estou querendo sugerir.
H - É, pensando bem, acho que faz sentido. Mas mesmo que possamos estar de acordo
em que as doenças profissionais de professores sejam produzidas na relação, seria
preciso esclarecer que tipos de relações poderiam ser consideradas doentias e que
outras poderiam ser ditas sãs...
R - Hélio, acho que você mesmo parece ter uma resposta para sua pergunta. Quando li a
sua narrativa, uma coisa me chamou a atenção... Quando você diz que, em sua escola,
todos os professores de matemática estão de laudo médico, por alguma razão,
você próprio parece levantar uma conjectura original em relação às causas do
adoecimento.
H - Não consegui perceber, Roberto, que conjectura seria essa.

R - Vou nomeá-la aqui conjectura disciplinar, uma vez que, segundo ela, o professor

de matemática seria mais suscetível ao adoecimento profissional do que os professores


de outras disciplinas escolares. E pelo que você disse lá na sua entrevista, Hélio, parece
ter havido um antes desse tempo, um antes de uma nova postura da escola, em que o
professor de matemática se sentia mais descontraído, mais à vontade, menos
pressionado a planejar as suas aulas. E o ensino de matemática que era praticado nesse
tempo do antes é caracterizado por você como muito acadêmico e conservador, ao
passo que aquele que passou a ser requerido no tempo de uma nova postura da escola
deveria ser multidisciplinar, mais contextualizado, mais lúdico. Então, o modo como
você parece justificar a sua conjectura disciplinar é que o professor de matemática
adoece mais do que os das demais disciplinas pelo fato dele ser mais inflexível e menos
adaptativo do que os demais às mudanças curriculares.
H - É! Falei isso mesmo! E você interpretou com sagacidade a minha fala. Mas,
voltando à pesquisa que eu estava comentando, é interessante observar que, dentre as
variáveis que estariam expressivamente concorrendo para a prevalência de transtornos
mentais em professores da rede municipal de ensino de Belo Horizonte, nenhuma delas
parece nem mesmo sugerir essa minha conjectura disciplinar.
M - Entretanto, Hélio, acho que a pesquisa não acusa essa conjectura simplesmente
porque ela nem chega a tratá-la como uma variável de controle.
H - Quando o Roberto sugeriu a conjectura disciplinar, eu imediatamente me lembrei
que o Relatório de Pesquisa que eu aqui mencionei fazia referência a pesquisas
específicas sobre adoecimento de professores de Educação Física, mas nenhuma delas
focalizava professores de matemática. Quando li o relatório, lembro-me que essa
particularidade me levou a realizar uma busca na internet para localizar alguma matéria
específica sobre adoecimento de professores de matemática. Não achei o que queria,
mas encontrei um artigo que se referia especificamente aos professores de Português17.

Era um artigo que fazia um relato de uma pesquisa que investigou as causas

do mal estar, bem como da síndrome do Burnout entre docentes de Língua

Portuguesa das escolas públicas de Nova Andradina. A pesquisa conclui que

cerca de 80% dos professores pesquisados já tiraram licença por motivo de

saúde e o médico mais procurado é o psiquiatra, e que os medicamentos

ingeridos geralmente são os de tarja preta ou vermelha. Mas o que achei

mais interessante é que, segundo a pesquisa, professores cada vez mais

jovens queixam-se dos sintomas relacionados à síndrome de Burnout, mas

recusam-se a admitir que os possuem. Tais sintomas são: cansaço físico e

emocional, apatia, depressão, fadiga, tensão, nervosismo, dificuldade em

descansar, transtornos gástricos, dores nas costas, desmotivação, insatisfação

ocupacional, deterioração do rendimento, perda de responsabilidade e falta

de efetivação do eu.

T - (Olhando para ninguém, e repetindo pensativo). Falta de efetivação do eu...


M - Mas, afinal, onde estamos querendo chegar? Precisamos parar e pensar!

17
H faz aqui alusão à referência Alves e Aredes (2007, p. 1; p. 2; p. 3 e p. 17), a partir da qual foi
composto livremente o segmento de sua fala destacado em fonte Agency FB.
R - (Olhando para o infinito finito das paredes da sala). Será que sabemos pensar?
T - Sim, pensamos!
H - (Dirigindo-se a todos). Existo, logo penso!

(Nesse breve espaço de tempo de dúvidas acerca da capacidade humana de

bem pensar, Roberto levanta-se abruptamente da cadeira. Para e observa

longamente a árvore sem folhas, flores ou frutos desenhada na lousa. Em

seguida, põe-se a cruzar a sala, frenético, em todas as direções, indo e

vindo)18. Para subitamente e, de olho fixo no desenho da árvore, põe-se a recitar a

plenos pulmões:

R - Dada a existência tal como se depreende dos recentes trabalhos públicos

de Poiçon e Wattmann de um Deus pessoal quaquaquaqua de barba branca

quaqua fora do tempo e do espaço que do alto de sua apatia sua divina

athambia sua divina afasia nos ama a todos com algumas poucas

exceções não se sabe por quê mas o tempo dirá e sofre a exemplo da divina

Miranda com aqueles que estão não se sabe por quê mas o tempo dirá

atormentados atirados ao fogo às flamas às labaredas que por menos que

isto perdure ainda e quem duvida acabarão incendiando o firmamento não

nos precipitemos a investigação interrompida mas consagrada pela

Acacademia de Antropopopometria de Berna-sobre-Bresse de Testu e

Conard ficou estabelecido sem a menor margem de erro tirante a intrínseca

a todo e qualquer cálculo humano que considerando os resultados da

investigação interrompida interrompida de Testu e Cunard ficou evidENTE

18
Destacamos em fonte Agency FB esta paráfrase baseada na referência Beckett (2005, p. 109).
dente dente o seGUINTE guinte guinte a saber...19. (Enquanto Roberto

reCITA cita cita cita e a cortina descERRA erra erra erra e encERRA erra
erra erra todos estaticaMENTE mente mente mente o olham atonitaMENTE
mente mente).

Segundo Ato

T - Mente! Mente! É o problema da relação entre a mente e o corpo que está aqui em
jogo. Penso ser problemático o modo como vocês usaram ontem a linguagem para se
falar das doenças que levaram vocês a se afastarem da sala de aula.
M - De acordo. O Roberto já chegou a me censurar por isso quando falei que ele
"portava" uma doença. Mas não consigo entender o que isso tem a ver com o problema
da relação entre mente e corpo. Eu nem sei porque que essa relação seria portadora
de um problema. (Risos por Marina ter enfatizado ironicamente a palavra "portadora").
T - É que esse modo de falar da doença parece reforçar a visão cartesiana de que, além
de uma linguagem publicamente compartilhada que utilizamos para nos comunicar,
existiria também uma mente ou um eu pensantes que utilizariam essa linguagem não
apenas para se referir a coisas e eventos comunitários diretamente observáveis - neles
incluídos os comportamentos, as ações e movimentos de nossos próprios corpos -, mas
também, para se referir a entidades ou estados de coisas que não poderiam ser
diretamente observáveis como, por exemplo, uma intenção, um desejo, uma recordação,
uma sensação, uma doença.
H - Estou com Descartes! Confesso que não consigo ver problema algum com esse
modo de pensar. Além disso, ainda que uma doença não possa ser diretamente
observável, ela pode ser inferida com base em sintomas corporais diretamente
observáveis.
R - Tudo bem, mas acho que a percepção desses sintomas por outros é problemática.
Vou falar dos meus... do modo como eu os sinto em meu corpo. Quando meus
surtos ocorrem, é como se houvesse uma perda de memória, uma perda da consciência
do instantâneo, de minhas ações e de meus atos de fala. Embora os médicos costumem
caracterizar esses surtos como PERDA DA MEMÓRIA, PERDA DE CONSCIÊNCIA,
não é bem isso o que sinto. O que sinto é uma espécie de desligamento, de desconexão,
de dissonância ou dissociação entre o que falo, o que faço e o que se passa em minha
mente.

19
Esta fala de R é um extrato literal, recomposto livremente, da referência (Beckett, 2005, p. 85).
M - Já no meu caso, devido ao meu nódulo vocal, foram incontáveis os surtos de

dores de garganta, antecedidos ou sucedidos por esforço para falar, por

sensação de cansaço e opressão respiratória, rouquidão constante e de voz

ecoante concentrada na garganta. Era como se ouvisse, dentro de minha

própria garganta, uma outra voz que não a minha própria voz, sobrepondo-

se ao tumulto das vozes dos alunos. Até agora, eu interpretava esses meus

sintomas, como surtos de afonia, isto é, como perda, perda de voz20. Hoje, eu

os vejo de forma diferente. Não só não perdi a minha voz original, como ganhei
muitas outras que desconhecia: nomeio-as diferentemente, conforme as sensações
diferenciadas que faço delas: voz ecoante , voz de emergência, voz interior, voz

depressiva, voz repressiva e tantas outras. A rigor, não perdi nada; ao contrário,

ganhei a capacidade de experimentar corporalmente a dissociação, a sensação da


dissociação de minha voz em muitas outras vozes. Tenho hoje muitas vozes e muitos
estatutos profissionais: quando falo através da voz do discurso que permitiu constituir-
me como uma profissional da educação, sou professora de matemática; quando falo
através da voz do discurso da perícia médica, sou coordenadora pedagógica ou gerente
da coordenação de políticas pedagógicas. Por terem-me tornado plural, investiram-me
do poder de falar através da voz do discurso da Escola Plural ... Você também, Roberto,
começou falando em PERDA DE MEMÓRIA e em PERDA DE CONSCIÊNCIA, e
depois, você próprio se corrigiu reapresentando os sintomas de sua doença como uma
experiência corporal de dissociação, de dissonância entre o que você faz e fala e o que
você pensa. Não se trata, então, de perdas, mas, ao contrário, de ganhos. Você não
perde a memória, não perde a capacidade de falar, não perde a capacidade de pensar,
isto é, de falar consigo mesmo. A rigor, não perde nada. Ao contrário, ganha a
capacidade de experimentar corporalmente a dissociação, a sensação da dissociação.
R - Obrigado por sua análise otimista, Marina! Mas a sensação corporal da dissociação
que ganho é um ganho involuntário... Na realidade, não sou eu que a quero

20
O segmento da fala de M destacado em fonte Agency FB foi livremente composto e adaptado com
base em (Souza, D. C. Thaís, 24/03/2010 - http://www.fonoaudiologia.med.br/voz/39).
experimentar. Essa sensação pode ser lida como um ganho, mas eu também a sinto
como uma sensação negativa. Como uma doença. E se resolvi falar dos meus sintomas,
foi porque, só falando deles é que vocês poderiam entender o que sinto, já que vocês
jamais poderiam sentir o que sinto.

T - Você fala, Roberto, como se existisse um eu interno que sente e cujo sentimento
inobservável, que é só dele, poderia apenas ser expresso pela linguagem. E daí, esse

sentimento seria um ente mental ao qual a linguagem só poderia fazer referência.

R - Você está querendo dizer com isso que não existe um mundo interior do pensamento
e dos sentimentos, um mundo da subjetividade no qual ocultamos os nossos segredos e
a nossa intimidade?

T - O que quero dizer é que, por um lado, tudo o que é decisivo para a nossa

compreensão deve estar na superfície do uso da linguagem. Mais do que

isso: tudo o que está oculto não tem função na determinação dos sentidos

que atribuímos às nossas palavras, e assim, não serve para nossas

investigações21. Por outro lado, e dizendo MAIS, com bem menos, digo que O

mundo é MEU mundo por causa da linguagem22.

H - Se é assim, então, poderíamos dizer também que adoecemos por causa da


linguagem.
R - Discordo! Adoecemos por causa da biologia! Se adoecêssemos por causa da
linguagem, poderíamos também dizer que envelhecemos ou rejuvenescemos por causa
da linguagem, que somos felizes ou infelizes por causa da linguagem, o que, em última
instância, não diz ou explica absolutamente nada.
M - Acho que estamos todos cansados! Não estamos mais conseguindo pensar bem...
Acho que o que T está querendo dizer é que O mundo é MEU mundo também por causa
da linguagem, e não apenas por causa da linguagem. Entre um "apenas" e um
"também", há uma "pedra". Não é indiferente se uso uma pedra para atacar alguém ou
se a uso para me defender, ou se simplesmente a pego e a coloco sobre uma mesa.

21
Esta fala de T, destacada em fonte Agency FB, é uma citação direta de Silva (s. d., p. 12).
22
Wittgenstein (1961, p. 82e).
R - Interessante esse seu esclarecimento do aforismo de T, Marina. Mas acho que ele
próprio poderia torná-lo mais transparente a nós.
T - Estou querendo dizer que eu sou meu corpo ... que meu corpo fala e só pode falar
uma linguagem pública. Estou querendo dizer que não existe um outro eu oculto ao qual
o meu corpo biológico se refere quando simplesmente pensa privadamente ou quando

se movimenta e fala publicamente.


H - Nossa! Agora nublou de vez! (Risos generalizados).
T - Estou querendo dizer que uma afirmação do tipo "Eu tenho dor", feita na primeira
pessoa, não descreve um suposto estado mental do sujeito que a enuncia; a própria
enunciação "Eu tenho dor" é UMA forma de expressão da dor, dentre outras.
Com isso, quero dizer que "eu" é um termo não-referente, isto é, não se refere a nada!23
H - Você está querendo dizer, como o faria um behaviorista, que o conjunto de sinais
corporais que acompanham o estado de encolhimento corporal e gemido poderia
também ser considerado "dor"?24
T - Não é isso! Ao contrário, o que quero dizer é que esse conjunto de sinais corporais
deve ser visto como um conjunto de "critérios" não suficientes para um uso adequado da
palavra "dor". Na verdade, é a maneira como um comportamento corporal indiciário de
dor se manifesta em um contexto definido de atividade humana que me leva a
caracterizar um comportamento de dor como sendo, de fato, de dor e a distingui-lo de
outro tal como, por exemplo, um comportamento de fingimento25. Quando Marina diz
Estou com dor de garganta, esta sua enunciação é a manifestação de sua
dor; não é um sinal externo de algo mais ocorrendo em sua mente. A própria enunciação
é um substituto aprendido para expressões mais primitivas de dor de garganta, tais como
gemer e apalpar com a mão a parte dolorida do corpo que aprendemos a nomear
garganta. "Nosso jogo de linguagem é uma extensão de comportamentos primitivos"26.
R - Em outras palavras, o que você está querendo dizer é que não existe mente!
T - Sim, estou dizendo que a entidade "mente" é uma espécie de ilusão cultural!

Imagine uma comunidade primitiva cujos membros se comunicassem através

de uma linguagem oral em que todas as enunciações proferidas só se

23
(Cf. Peters & Marshall, 1999, p. 192).
24
Grayling (2002, p. 114).
25
Este segmento de fala de T está baseado em Grayling (2002, p. 114-115).
26
Este segmento de fala de T está baseado em Grayling (2002, p. 118 e p. 120).
referissem a coisas e eventos públicos observáveis por todos. Certo dia, um

indivíduo chamado José teve a ideia de enriquecer aquela linguagem de

modo que se tornasse possível, por ela, distinguir os membros da

comunidade como seres dotados de pensamentos, intenções, desejos e

sensações. Para isso, teve de convencer os demais indivíduos não apenas

de que as enunciações que eles proferiam deviam ter um significado, como

também, a de que elas poderiam ser verdadeiras ou falsas. Desse modo, José

não apenas teria inventado a noção de "significado", como também

introduzido as crenças de que pensamento e linguagem eram coisas

distintas e de que o ato físico de proferir uma enunciação, em vez de

ser visto como um comportamento corporal, deveria passar a ser entendido

como um ato de expressar o que a pessoa que a proferiu estaria pensando,

isto é, aquilo que supostamente estaria passando por sua cabeça e que não

poderia ser diretamente observável. Após convencer as pessoas da

existência de ENTIDADES NÃO-OBSERVÁVEIS, um passo além, mais sutil,

dado por José, foi persuadi-las de que o comportamento linguístico

observável era causado por essas entidades não-observáveis que seriam os

pensamentos, bem como de que esses pensamentos poderiam ocorrer

mesmo quando nenhum tipo de enunciação estivesse sendo proferida.

Assim, pensar seria produzir um discurso interno silencioso. E o silêncio entre

uma palavra e outra passaram a ser vistos como o estágio preliminar onde
estariam ocorrendo processos internos não observáveis em algum lugar na

cabeça das pessoas. Esse lugar foi chamado mente 27.

M - Nossa! Estou chocada com o exemplo! Então, é como se apenas existissem corpo e
linguagem pública? E que apenas poderíamos compreender como os outros praticam a
linguagem "privadamente", isto é, o que pensam e como pensam, com base nos modos
como agem e praticam publicamente a linguagem?
T - Desde que essa relação entre praticar o corpo e praticar a linguagem não seja
entendida como uma relação de causa e efeito e nem como uma relação de inferência
lógica que aspirasse a compatibilidade ou coerência. Penso que ela seria melhor
caracterizada como sendo uma relação mútua de performatividade indiciária. O
enunciado performático do adoecimento insinua-se, inicialmente, sob a forma de
sintomas físicos que se manifestam em seus corpos: amnésia, afonia, distúrbios
auditivos. Mas ele se manifesta também nos discursos das perícias médicas, das
inspeções corporais, dos diagnósticos, dos exames de laboratório, dos laudos técnicos,
dos licenciamentos autorizados, dos atestados de invalidez, dos afastamentos
compulsórios e dos textos especializados.
H - Quer dizer, então, que, em certo sentido, o adoecimento do corpo é também o
adoecimento da linguagem?
T - Sim! Em certo sentido, o discurso da doença é também a doença do discurso. Como
poderia o médico inferir os sintomas de vocês por observação direta? Como poderia ele
inferir que Marina tem dor de garganta, que Hélio está perdendo a audição ou que a
memória de Roberto costuma falhar, se vocês não descrevessem a ele os seus
sintomas? Só após dizerem de seus sintomas por meio de uma linguagem pública é
que um certo tipo de discurso público, isto é o discurso da medicina, produz uma
doença para vocês.
H - O quê? Você está querendo dizer que não temos uma doença? Que nos atribuíram
uma doença?
T - Digo que os discursos indiciários de vocês permitiram que os discursos médicos lhes
atribuíssem uma doença, após o que, vocês acabaram atribuindo-a a vocês próprios! Do

27
Este exemplo fictício que T fornece em sua fala, a fim de sugerir que a noção de mente é uma espécie
de ilusão cultural, foi proposto, na década de 1960, pelo filósofo norte-americano Wilfrid Sellars. A fala
de T, destacada em fonte Agency FB, é uma síntese modificada da explicação que Teixeira (2008, pp.
107-110) fornece do exemplo de Sellars. O "reverendo Jones" de Sellars foi transformado por T em José.
mesmo modo que, na realidade, os seus alunos não têm uma incapacidade de aprender
matemática antes que vocês atribuam a eles essa incapacidade, fazendo, em seguida,
que eles sintam que a possuem, e não que ela os possui.
M - Isso quer dizer que os nossos sintomas que nos exilaram da sala de aula eram
também sintomas de que algo errado se passava com nossos discursos para
respondermos aos desafios de ensinar matemática nas condições dadas?
T - Nas minhas palavras, aqueles sintomas eram sinais de que algo errado se passava
com as práticas de governo de seus próprios corpos e, portanto, de seus próprios
discursos, em decorrência da necessidade a vocês imposta pela docência de praticarem o
governo de outros corpos, isto é, de praticarem o cuidado do outro.
H - Por um lado, se fizéssemos uma leitura de nossas práticas pedagógicas que se
movimentasse das condições contextuais de exercício de nossa atividade profissional
para os nossos corpos, poderíamos dizer que os sintomas de que os nossos corpos
passaram a padecer poderiam ter sido produzidos pela inadequação e precariedade das
condições materiais e institucionais sob as quais os nossos corpos foram submetidos.
Por outro lado, se fizéssemos uma leitura que, contrariamente, se movimentasse dos
modos como praticamos nossos corpos e nossos discursos visando à condução dos
corpos de nossos alunos, poderíamos dizer que os nossos sintomas poderiam ter sido
produzidos pela nossa inaptidão, incapacidade ou mesmo incompetência pessoal e
profissional para o exercício da atividade educativa escolar.
T - Acho que essa dissonância acusada pelo Hélio é procedente. Por exemplo, você,
Marina, em sua narrativa, diz que, devido a um nódulo nas cordas vocais, teve que se
afastar de sala de aula, por mais que solicitasse à junta médica a emissão de um laudo
contrário ao seu afastamento. Diz ainda que chegou até mesmo a entrar com um
processo junto à perícia médica para solicitar a permissão de continuar em sala de aula,

pois, segundo suas próprias palavras a gente que sai da sala de aula fica

procurando um jeito de voltar, porque a gente gosta de sala de aula, a

gente quer fazer o trabalho com alunos porque é o que a gente se propôs a

princípio. Você também, Roberto, em sua narrativa, diz que a perícia médica da

Prefeitura tomou a decisão - com a qual você concordou plenamente - de fazê-lo


retornar à escola; mas, a contragosto, não lhe permitindo o retorno para a sala de aula,
para o trabalho educativo direto com os alunos. E você também, Hélio, parece não
constituir uma exceção. O seu problema de audição o afastou durante dois anos da
regência e, depois disso, você entrou em readaptação funcional definitiva, isto é, em
afastamento definitivo da sala de aula, por ser esse "um critério da Rede Municipal", e

não tanto o seu desejo. Devo, então, concluir que vocês estão "fora do circuito", ou

melhor, fora do curto-circuito da sala de aula contrariamente às suas vontades?


H - Sim e não, T! Essa mesma contradição também se manifesta nos discursos dos
professores de uma das pesquisas que eu aqui já mencionei28. Esses professores se
recusam em admitir que sentem os sintomas que de fato sentem e que poderiam se
configurar em antigas ou novas doenças nomeadas na literatura médica. Acho que essa
contradição tem base no fato de que os discursos exercem poder sobre os sintomas e as
doenças tanto quanto os sintomas e as doenças sobre os discursos, e de que não existe
doença fora de um domínio propriamente discursivo que a constitui. Nesse sentido, os
sintomas corporais e o adoecimento do corpo de um número cada vez mais expressivo

de professores não são, a meu ver, nem uma invenção interna da mente que se

projetaria inexplicavelmente sobre seus corpos e nem um mal externo que os escolhe e
os captura, devido exclusivamente às más condições de trabalho. Os corpos dos
próprios professores, de certo modo, também escolhem e se deixam capturar pelos
sintomas que de fato sentem, em função da natureza das relações que estabelecem com
os propósitos compartilhados que orientam a atividade educativa que, a gosto ou a
contragosto, realizam.
M - Mas é preciso também admitir, Hélio, que não é em si o gosto ou o contragosto pela
profissão que estabeleceria uma fronteira rígida entre o corpo assintomático do
professor exitoso e o corpo sintomático do professor que fracassa. Penso que os corpos
sintomáticos precisariam atuar sobre si próprios no sentido de desconstruírem os
enunciados que os constituem como corpos doentes. Um deles, por exemplo, é a própria

conjectura disciplinar de que o professor de matemática sofre mais do que os outros.

Todos nós, em nossas narrativas, afirmamos categoricamente isso. E essa crença


aparecia ancorada em uma outra: a de que ensinar matemática é mais difícil do que
ensinar outras disciplinas.
T - Concordo com você, Marina. É como se existisse algo na matemática que a
impelisse a um isolamento natural em relação às demais disciplinas e que tornasse o seu

28
H faz alusão à referência Alves e Aredes (2007, p. 1 e p. 4).
ensino, bem como a sua aprendizagem, mais complicados. Algo misterioso que se

arremessa para além das práticas humanas, pote de ouro que se oculta para além do

arco-íris, fonte eterna de beleza e prazer a ser buscada e desejada, mas cujo
acesso compulsório estaria condicionado ao exercício ético paciente de um
sofrimento estético consciente. Uma prática da estética inacessível à estética
das práticas!

H - Parece que não só Roberto, mas nós, todos nós - guerreiros de uma guerra boa

- travamos uma luta contra todos em prol da difusão do estético e do noético; uma luta

em prol de uma estética racional que julgamos ser inerente ao discurso matemático, mas
que não resiste nem mesmo à razão da estética. Tornamo-nos docilmente reféns desse

doce enunciado doentio e, com todas as nossas forças e armas, travamos uma

guerra santa para difundi-lo entre nossos alunos, mesmo que, aos poucos, um a
um vá tombando pelo caminho da elevação espiritual e da contemplação estética. Em
algum momento dessa luta inglória, exatamente naqueles momentos em que a memória
da luta se transforma em luta da memória contra o esquecimento, a memória
incompetente que compete nos trai, falha, nos transforma em guerreiros impotentes,
doentes. O medo de perdermos a cabeça nos faz perder a cabeça. O obsessivo cuidado
com o outro transforma-se em descuidado de si.

M - Parece que só agora estamos tomando consciência do efeito negativo de nosso

doce discurso dócil sobre nossos próprios corpos. Talvez, tenhamos optado por

adoecer...
R - Consciência? Como poderíamos tomar consciência de algo que não se manifesta em
nossas narrativas? Seria a consciência o sono da memória?

H - O esquecimento é sono da consciência! Consciência são simplesmente os

estados subjetivos de sensibilidade ou ciência que começam quando uma

pessoa acorda de manhã, depois de um sono sem sonhos, e se estendem

por todo o dia até que ela vá dormir à noite, entre em coma, morra ou de
algum outro modo se torne, digamos, INCONSCIENTE 29
. Despertado de seu

profundo sono na ALMA do quarto mais oculto de nosso inconsciente, o nosso doce

discurso dócil incorporou-se a nossos corpos. Quando se VÊ o comportamento de

um ser vivo, VÊ-SE sua alma30. E essa "visão" só é possível porque temos uma

linguagem pública compartilhada que possibilita praticarmos uma linguagem privada.


R - Por outro lado, parece não haver uma conexão lógica e nem necessária entre nossos
estados subjetivos internos e os modos como nossos corpos se comportam
externamente. Meu próprio corpo é a prova mais palpável da sensação de dissociação...

Devo concluir, então, que também não há uma conexão lógica e necessária entre nossa
linguagem privada e nossa linguagem publicamente compartilhada. E se não há, de que
natureza seria, então, essa conexão?

T - Mais do que apenas de natureza sintática, penso ser tal conexão,

sobretudo, de natureza semântica. É por isso que podemos responder a

perguntas em chinês, sem ter qualquer compreensão do chinês31.

H - Não vejo como isso seria possível.

T - Hélio falou aqui em alma do QUARTO mais oculto de nosso inconsciente.

Alguém aqui já ouviu falar do "experimento do quarto chinês"?


H - Não. Mas estou curioso acerca dele.
T - Imagine um falante apenas do português trancado em um quarto e que tem em seu
poder um texto curto escrito em chinês e um conjunto de regras de transformação, em
português, que permite executar operações sobre o texto em chinês. Trata-se de
operações de decomposição e composição de palavras com base em um script que
permite a um computador reconhecer palavras-chave em uma determinada pergunta em
chinês, feita ao homem trancado no quarto, bem como comparar a presença dessas
palavras no texto em chinês e o decompor a partir dessas informações. O script é
elaborado de tal modo que capacita o sistema computacional a responder à pergunta

29
Nesta sua fala, destacada em fonte Agency FB, H recita literalmente um extrato da referência Searle
(2010, pp. 1-2).
30
O aforismo destacado em fonte Agency BF é de Wittgenstein (IF-357, 1979, p. 117).
31
Esta fala de T, destacada em Agency FB, está baseada em Searle (2010, p. 17).
feita em chinês. O homem trancado no quarto recebe periodicamente novos textos em
chinês e aplica essas regras de transformação associando as sequências anteriores com
as mais recentes, o que o capacita a escrever mais sequências de símbolos em chinês. O
falante do português preso no quarto não sabe precisamente o conteúdo das informações
que ele próprio está gerando com base nos dois textos e nas regras de transformação.
Após certo tempo, o falante aprendeu a manipular perfeitamente essas regras. Com base
na resposta em chinês à pergunta que lhe é feita em chinês, um observador externo
poderia dizer que o falante do português preso no quarto compreendeu o chinês?32
H - Bem, penso que todos nós aqui, professores de matemática, não hesitaríamos em
dizer que NÃO! Sabemos muito bem como os alunos podem manipular adequadamente
cadeias de símbolos às quais eles não atribuem qualquer significado.
T - Foi a essa mesma conclusão que chegou o autor desse experimento simulado do

quarto chinês, que foi imaginado com a intenção de mostrar que os programas de

simulação computacional da mente humana não estabelecem as condições

necessárias para a simulação da atividade cognitiva da compreensão: o

falante aplica as regras de transformação e compreende essas regras, mas as

sequências de símbolos em chinês não têm nenhum significado para ele. A

manipulação de símbolos realizada no programa é inteiramente cega - uma

manipulação de símbolos formais sem intencionalidade; não é sequer

manipulação de símbolos, uma vez que esses símbolos não simbolizam

nada, ou seja, eles têm apenas sintaxe, mas não semântica33.

M - Concordo. A produção de enunciações significativas não é garantia de


comunicação, compreensão e entendimento mútuos entre os seres humanos. Podemos
aparentar consciência mesmo estando inconscientes. E aí, quando abrimos a porta da
alma do quarto mais oculto de nosso inconsciente, o que vemos não é a nossa
consciência, mas outro quarto chinês. (Risos fartos, mas visivelmente cansados).

32
Este segmento da fala de T é quase uma transcrição literal resumida de Teixeira (2008, pp. 136-137).
33
Este segmento da fala de T, destacado em fonte Agency FB, é quase uma transcrição literal resumida
de Teixeira (2008 p. 137).
H - Mas afinal, onde estamos querendo chegar? O que nos diz o nosso terapeuta
linguístico nada freudiano? (Risos mais esperançosos...).
T - Digo-lhes que um terapeuta wittgensteiniano não costuma lidar com uma questão do
mesmo modo como lida com uma doença34. E daí, o modo como costuma lidar com a
questão da doença não tem como propósito produzir consensos e, muito menos, uma
nova teoria. (Risos generalizados). Talvez, uma alternativa seja tentar ver o
problema de outra maneira.
H - A minha teoria (risos generalizados) é que uma explicação satisfatória dos
processos internos conscientes precisaria ser buscada na atividade social do trabalho

humano. A consciência não é engendrada pela língua. A língua não é o

demiurgo, mas tão somente a forma de existência da consciência. Por trás

das acepções das palavras se esconde a prática social transformada e

cristalizada em sua atividade, em cujo processo se abre ao homem a

realidade objetiva. O reflexo consciente do mundo não surge em cada

indivíduo como resultado da projeção direta sobre seu cérebro de

representações e conceitos elaborados pelas gerações que lhe antecederam.

A consciência dos indivíduos é também o produto da atividade que realizam

no mundo dos objetos35.

T - O problema que vejo com a SUA teoria da consciência, Hélio, é que ela ainda parece
pressupor um palco interior ao sujeito, no qual se desenrolariam os seus processos
mentais conscientes e um palco exterior ao sujeito - o mundo dos objetos - no qual se
desenrolariam as suas atividades. É por isso que você precisa falar em reflexo e em
interiorização de um exterior em um interior. É como se as luzes de nosso palco interior
só pudessem iluminá-lo DEPOIS que as luzes do palco exterior no qual se desenrolam a
nossa experiência efetiva já estivessem acesas. Mas, a rigor, que experiência humana,

34
Aqui T, com base no aforismo wittgensteiniano “O filósofo trata uma questão como uma doença”
(Wittgenstein, 1979, IF-255, p. 97), procura, tal como o faz Wittgenstein, diferenciar-se do modo como os
filósofos costumam lidar com os problemas que criam.

35
Este segmento da fala de H, destacado em fonte Agency FB, é quase uma transcrição literal resumida
de Leontiev (1983, p. 22-23).
que formas de atividade humana poderiam ter sido constituídas ou vivenciadas e
posteriormente apropriadas, fora do domínio de constituição de qualquer tipo
rudimentar de linguagem, de comunicação simbólica? Então, Hélio, se você quiser levar
a sério a sua própria crença de que a língua é a forma de existência da consciência,
você precisaria também levar a sério a crença de que uma atividade humana é também
uma forma de existência da língua. Nenhuma poderia ter pré-existido à outra. Ambas só
poderiam ter se constituído mutuamente, como o verso e o reverso da medalha, como
uma faixa de Möbius na qual se pode passar do exterior para o interior sem cruzarmos
qualquer fronteira.
R - Concordo com você, T. De novo o problema do interno e do externo.
T – É! Precisamos assumir que, mesmo com toda a nossa ousadia, a nossa encenação

continua atrelada à memória de cenários cartesianos. Supomos que nossas

experiências conscientes ocorrem em algum lugar na nossa mente, em algum

tipo de palco interno onde se sucederiam os episódios conscientes que

compõem nossa vida mental. Ora, o teatro cartesiano é uma ficção cognitiva,

uma metáfora inapropriada resultante de uma falsa concepção de nosso

próprio funcionamento mental, baseada numa perspectiva de primeira

pessoa. No teatro cartesiano entram e saem conteúdos mentais que

precisariam, por sua vez, ser transformados em experiências conscientes,

numa espécie de segunda transcrição que seria operada por algum tipo de

"eu" ou de "self" que funcionaria como um intérprete - um intérprete

que por assistir as cenas do teatro daria origem à consciência reflexiva ou

autoconsciência. Dennett move uma crítica severa ao teatro cartesiano,

mostrando que dele surgem outros dois mitos correlatos. O primeiro

consiste em supor que a esse lugar do teatro cartesiano na nossa mente

corresponde algum tipo de correlato neural - um locus da consciência que


algum dia seria descoberto pela neurociência. O segundo mito é supor que

exista um único fluxo de consciência, um significador central que funcionaria

também como intérprete central, que ordenaria as cenas que se passam

nesse teatro, tornando-as consistentes e coerentes36.

R - Achei bastante sugestivo o modo como esse tal de Dennett fala de consciência...
T - Sim! Dennett sugeriu um modelo explicativo da consciência que a vê como

constituída de múltiplas camadas. De acordo com esse modelo, nosso cérebro

poderia ser comparado a um conjunto de máquinas paralelas acopladas a

uma máquina serial virtual produzida pela própria ação desse paralelismo

massivo. Vários circuitos especializados no cérebro trabalhariam em paralelo,

realizando diferentes tarefas, criando pequenas narrativas fragmentadas

errantes. Em alguns casos, essas narrativas são perdidas ou esquecidas, e em

outros, mantidas. A máquina virtual serial desse mecanismo é denominada

por Dennett máquina joyceana, em explícita alusão ao Ulisses de James

Joyce, que retrata o dia de um personagem envolto em interminável

ruminação de episódios fragmentários e erráticos de pensamento que bem

caracteriza o funcionamento dessa máquina virtual. Essa máquina joyceana,

ao criar a impressão de serialização, cria também a ilusão do teatro

cartesiano e do significador central. Tudo se passa como se a cada segundo

houvesse um fragmento vencedor dessa competição e esse fragmento se

36
Esta fala de T, destacada em fonte Agency FB, é uma composição quase literal de extratos da
referência Teixeira (2008, p. 160).
tornasse então consciente por entrar na narrativa serial, sendo logo em

seguida substituído por outro, resultante de uma nova vitória instantânea37.

M - Nossa! Essa incrível máquina joyceana de Dennett me deixou transtornada! De


repente, ela me levou a pensar que amnésia dissociativa pode ser a regra, e não a
exceção. Pensar é uma doença. E o único modo de se lidar com nossas doenças é
praticar outra doença: a de estar consciente. Estar consciente é tentar recordar... E
recordar é tentar narrar, impor ordem, seriar, associar rastros dissociados de memórias
de experiências vividas que, por sua vez, são também jogos de linguagem.
H - Nossos estados privados de pensamento, introspecção, reflexão, sensação, intenção,
desejo, recordação, imaginação só existem em sua relação com uma linguagem pública.
Não são mais do que narrativas de si, autonarrativas, nossas narrativas.
R - Tudo muito surpreendente e engenhoso. Mas esses modos de se falar da consciência
me parecem ainda insuficientes, apenas cientificamente embasados. Para mim, parar
aqui é não ter aberto nem mesmo a primeira porta em direção à sala de estar da
consciência.
H - Quantas portas mais teríamos que abrir? O que estamos querendo entender a partir
de nossas narrativas? A educação pública? O ensino de matemática? As nossas vidas?
As doenças profissionais? A consciência humana? A possibilidade de entendimento
humano? De fato, são muitas as portas! É complexo demais!
M - Ainda bem que a natureza nos permite adoecer!
H - Ainda bem que podemos perder a audição!
M - Ainda bem que podemos perder a voz!
R - Ainda bem que podemos esquecer!
(Um silêncio profundo e grave esvazia a sala).
R - De nada resolveria perguntarmo-nos, a nós mesmos e uns aos outros, se, em nossas
narrativas e a partir delas, estaríamos ou não dizendo a verdade sobre nós mesmos, pois
estaríamos e não estaríamos.
H - A perícia médica desejaria e não desejaria que retornássemos à sala de aula. E,
provavelmente, desejaríamos e não desejaríamos, sem termos consciência de nossas
próprias razões ou desejos.

37
Esta fala de T, destacada em fonte Agency FB, é uma transcrição quase literal de extratos de Teixeira
(2008, p. 161).
M - Ter consciência do desejo é o desejo da consciência! Por que, então, continuar
insistindo em praticar uma pedagogia humanista?
(Neste momento, um vento inexplicável invade a sala fechando, com violência e ruído,
a única porta aberta que permitia aos que estavam em seu interior olhar para o resto
errante de noite em seu exterior. Uma voz misteriosa entra em cena)38.

Voz - Vocês enlouqueceram, não entendem o significado das palavras que

usam? Educar não significa nada para vocês? Façam o flagrante de seus

alunos, vocês verão que tenho razão!

R - Não! Não queremos alunos pesando em nossa consciência.

Voz - Se continuarem ignorando-os, suas consciências ficam tranquilas?

M - Ainda não sabemos.

Voz - Estamos falando línguas diferentes. O que significa consciência para

vocês?

H - É para não nos arrependermos...

Voz - Não. Definam consciência!

R - É o que estamos tentando dizer. É uma coisa que nos daria uma sensação ruim.

Voz - Só isso?

M - Na verdade, ela nos impede de fazer coisas ruins.

Voz - Então, vocês não sabem o que é.

H - Sabemos, mas você está nos pressionando.

Voz - Tudo bem, não vou pressionar. Mas pensem bem e me digam o que é

consciência para vocês. Escrevam a definição ali naquela lousa.

R - (Pega um giz e escreve na lousa) - Consciência é uma coisa dentro de nós que nos
impede de fazer coisas ruins.

38
O diálogo que se segue entre "a voz" e os demais personagens é uma montagem propositalmente
transcriada da cena final do filme Polícia, Adjetivo (2009), do diretor romeno Corneliu Porumboiu. No
filme, "a voz" (em fonte Agency FB) é a voz do chefe de polícia (Vlad Ivanov) e as vozes de R, M e H
(em fonte calibri) são a voz do policial Cristi (Dragos Bucur).
Voz - Como assim, "ruins"? Peguem o dicionário no armário e procurem

"consciência".
H - (Procurando e depois lendo em voz alta) - Consciência: Sentimento, intuição que o
homem tem de sua existência. Conhecimento intuitivo ou automático do indivíduo
sobre a sua existência e as coisas ao seu redor. Faculdade de perceber e entender.
Consciência social: conjunto de ideias, concepções, conhecimentos e mentalidade de
um grupo refletindo suas condições de existência assim como a psicologia social das
pessoas. Consciência de classe: parte da consciência social que reflete a existência de
uma determinada classe em oposição à existência material, seu pensamento e espírito.
Noção de responsabilidade em relação à própria conduta. Questão de consciência:
solução de problema moral difícil. Dor na consciência: remorso, arrependimento. Estar
de consciência limpa ou não pesar na consciência: saber que não violou leis morais ou
do Estado. Não ter consciência: não ter escrúpulos. Em sã consciência: com
sinceridade. Liberdade de consciência: o direito dos cidadãos a ter suas visões
religiosas ou filosóficas, etc. Francês, 'conscience'; Latim, 'conscientia'.

Voz - E então, vocês ainda têm a sensação ou a intuição de que vão se

arrepender se flagrarem seus alunos?

R - Isso!

Voz - Se vocês não os flagrarem, vão ter dor de consciência por não estarem

cumprindo os seus papéis de professores?

M - Não.

Voz - Por quê?

R - Porque esse papel vai mudar. Em poucos anos, não vamos mais flagrar alunos que
não desejam aprender nesse tipo de escola.

Voz - Vocês mudam a legislação à revelia? Vocês não acreditam na lei que,

como professores, devem seguir? Querem seguir suas próprias leis?

H - Não é verdade, acreditamos na lei.


Voz - Porque entre essa lei moral e a lei, a Constituição, vocês escolhem suas

próprias leis morais. Então, neste momento, vocês terão que escolher... se vão

impor a lei e serem professores, ou se vão seguir suas próprias leis e saírem

do magistério. Entenderam? Vocês não sabem mais quem são! O problema é

esse! Vou ajudar mais uma vez: peguem o dicionário e procurem

"professor".

M - "Policial: membro da polícia, funcionário da polícia. Policial, adjetivo: romance ou


filme policial envolvendo questões criminais com tom de mistério e solucionadas no
final pela genialidade de um policial ou detetive. Estados ou regimes policiais apoiados
pela polícia e que exercem o controle por meio de métodos repressivos.

Voz - Que ridículo! Todo Estado depende da polícia.

H - Policial: do alemão, 'polizist' ...


Voz - É do grego "polis", cidade. Os que comandam a cidade!
R - É verdade! Quase havíamos nos esquecido. Nossos corpos começam a adoecer
quando operam, inconscientemente, uma dissociação entre as práticas de si e os
discursos de si, entre os modos como praticam os discursos de si. Aí começam a
aparecer os primeiros sintomas... A ciência os tipifica e os trata como doenças.
Algumas vezes os sintomas desaparecem, outras vezes persistem, outras vezes
retornam, outras vezes se transformam... A ciência nos recomenda práticas de cuidado
de si. Cuidamo-nos. Descuidamo-nos. Praticamos o cuidado de si e dos outros. Mas

ninguém pode manter-se vivo eternamente... "Duzentos amigos assistirão ao meu

enterro e tú terás que pronunciar um discurso perante minha tumba"39.

Referências bibliográficas

39
As palavras destacadas em fonte Agency FB são de Paul Wittgenstein, sobrinho de Ludwig
Wittgenstein no romance autobiográfico de Thomas Bernhard. Entretanto, diz Bernhard, "no enterro de
Paul só estiveram presentes oito ou nove pessoas, como me consta, e eu mesmo estava naquele momento
em Creta, escrevendo uma obra de teatro que, assim que a terminei, aniquilei-a imediatamente. (...) Até
hoje não visitei sua tumba" (Bernhard, 2010, p. 143-144).
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