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POR UM OUTRO AMANHÃ

1
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

BUENO, André; ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton [orgs.]


Por um outro amanhã: apontamentos sobre
aprendizagem histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória:
Edição Ebook LAPHIS/Sobre Ontens, 2016.
Disponível em:
www.simpohis2016.blogspot.com.br
www.revistasobreontens.blogspot.com.br
ISBN 978-85-65996-42-6
POR UM OUTRO AMANHÃ

ÍNDICE
INTRODUÇÃO
p.13
"BOLANDO UM SOM": ENSINANDO HISTÓRIA COM MÚSICA
Adauto Santos da Rocha
Miriam de Lima Cabral
p.15
MINHA CIDADE SE FAZ DE ENCANTOS: O ENSINO DE HISTÓRIA NO I
CICLO - 3ºANO A
Adriane Cristine Silva
p.22
DESENVOLVENDO A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E SOCIAL NA VIDA DOS
ALUNOS E ALUNAS
Ana Carolina Prohmann
p.27
HISTÓRIA ANTIGA E LIVRO DIDÁTICO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Ana Flávia Crispim Lima
p.31
A DOCÊNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR
Ana Luiza de Vasconcelos Marques 3
p.37
IDENTIDADE QUILOMBOLA: OLHARES SOBRE AS PRÁTICAS NA
COMUNIDADE QUILOMBOLA BOM SUCESSO
Ana Lourdes Queiroz da Silva
Josué Viana da Silva
p.42
UMA ALEGORIA DO PROCESSO COLONIAL NA AMÉRICA PORTUGUESA
ATRAVÉS DO FILME AVATAR: UMA EXPERIÊNCIA COM AULA OFICINA
NO ENSINO FUNDAMENTAL II
André Moreira da Silva
p.46
ENSINAR HISTÓRIA ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:
DESAFIOS NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO
Andréa Giordanna Araujo da Silva
p.52
ENSINO E DOSSIÊS: A CAVALARIA MEDIEVAL PARA SE VER E APRENDER
Alan Rogério Raiol Ferreira
p.59
NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DOS ESTADOS
UNIDOS E DAS RELAÇÕES INTERAMERICANAS
Alexandre Guilherme da Cruz Alves Junior
p.66
ENSINO DE HISTÓRIA E ESTÁGIO: PERCURSOS DE UMA EXPERIÊNCIA
Antonio Alves Bezerra
p.70
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

MÃE ÁFRICA DESFIGURADA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DOCÊNCIA E


AS QUESTÕES ÉTNICOS-RACIAIS
Antonio José de Souza
Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios
p.78
A COMISSÃO NACIONAL DE MORAL E CIVISMO E A EDUCAÇÃO
BRASILEIRA
Amanda Marques de Carvalho Gondim
p.84
UMA ANÁLISE DO PAPEL DOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA NO
ESTADO DO PARANÁ EM RELAÇÃO AO ENSINO E APRENDIZAGEM
Aparecida Molitor DellÈst Pereira
Evelline Soares Correia
p.89
A HISTÓRIA E O ENSINO DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA
Alexandre Claro Mendes
p.98
A VIDA ENCONTRANDO A MORTE: A HISTÓRIA DA CIDADE CONTADA
ENTRE AS SEPULTURAS DO CEMITÉRIO MUNICIPAL DE UNIÃO DA
VITÓRIA
Aristides Leo Pardo
p.104
AULAS SHOW DE BOLA:
4 A UTILIZAÇÃO DO FUTEBOL NO ENSINO DA HISTÓRIA
Aristides Leo Pardo
p.111
ONDE ESTÃO AS MULHERES NA HISTÓRIA? REFLEXÕES E
POSSIBILIDADES EM SALA DE AULA
Ary Albuquerque Cavalcanti Junior
p.115
O QUE TEM A VER A HISTÓRIA ENSINADA NA UNIVERSIDADE COMO
CIÊNCIA COM A HISTÓRIA ENSINADA NA ESCOLA COMO MATÉRIA? A
CRIAÇÃO DO CURSO DE MESTRADO EM HISTÓRIA DA UFPR EM 1971 E A
ANÁLISE DA RELAÇÃO HISTÓRIA ACADÊMICA E NÃO-ACADÊMICA
Bruno Flávio Lontra Fagundes
p.120
O ORIENTALISMO DE GILBERTO FREYRE E O ENSINO DE HISTÓRIA NO
BRASIL: RELACIONANDO RELATOS DE DOCÊNCIA E PESQUISA SOBRE A
CHINA
Carlos Alberto Bento Corrêa
p.126
ESTUDO INTERDISCIPLINAR: A CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA NA
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO
Carlos Jordan Lapa Alves
p.132
O DESENVOLVIMENTO DO PENSAR NA INFLUÊNCIA DA SOCIOLOGIA NA
SÉRIE DIDÁTICA HISTÓRIA GERAL E DO BRASIL DE CLAUDIO
VICENTINO E GIANPAOLO DORIGO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO
SÉCULO XXI
Carlos Mizael dos Santos Silva
POR UM OUTRO AMANHÃ

p.139
O “CAMPO INTELECTUAL” E AS EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS DE
HISTORIADORAS BRASILEIRAS
Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik
p.143
O GUIA DO VIAJANTE NO TEMPO E NO ESPAÇO: UMA PROPOSTA DE
ESCRITA DE NARRATIVA HISTÓRICA EM SALA DE AULA
Carolina Corbellini Rovaris
p.149
POR UMA HISTÓRIA CONTADA E SENTIDA
PROJETO CULTURA 5: SENTINDO A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS
SENTIDOS
Carolyne do Monte de Paula
p.155
DESAFIOS À APLICAÇÃO DA LEI 11645/08 NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Cássio Júnio Ferreira da Silva
Luan Moraes dos Santos
p.161
A VIOLÊNCIA COMO LINGUAGEM: UM HORIZONTE TEÓRICO PARA A
HISTORICIZAÇÃO DA CULTURA DA VIOLÊNCIA
César Henrique Guazzelli e Sousa
p.166
ESTÁGIO SUPERVISIONADO: UM NOVO OLHAR SOBRE O BRASIL
COLÔNIA ATRAVÉS DO ENSINO DE HISTÓRIA
Claucia Cristine Vladyka Maia
p.170
5
AS IMAGENS E O ENSINO DA HISTÓRIA
Cyanna Missaglia de Fochesatto
p.176
ESTILOS DE APRENDIZAGEM NO PROCESSO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO DA
DISCIPLINA HISTÓRIA
Daniel Rodrigues de Lima
p.182
RECURSOS DIDÁTICOS UTILIZADOS NO ENSINO DE HISTÓRIA: ESCOLA
ESTADUAL PROFESSORA HILDA DE AZEVEDO TRIBUZY (ENSINO MÉDIO-
EJA)
Daniel Rodrigues de Lima
p.189
O DISTANCIAMENTO ENTRE A EDUCAÇÃO INTEGRAL E ENSINO
TÉCNICO NO MODELO ADOTADO PELOS INSTITUTOS FEDERAIS DE
EDUCAÇÃO
Danyllo Di Giorgio Martins da Mota
p.197
OS CAMINHOS DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Daniele Cristina Frediani
p.201
CICLO X PERÍODO: A DISCIPLINA 'ESTUDOS AMAZÔNICOS' ENTRE DUAS
PROPOSTAS CURRICULARES
Davison Hugo Rocha Alves
p.206
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A DISCIPLINA DE HISTÓRIA E OS ANOS INICIAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL: UM ESTUDO SOBRE AS REPRESENTAÇÕES
IDENTITÁRIAS
Danielle Krislaine Pereira
p.212
O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Diêgo Santana Soares
p.218
O ORNITORRINCO ESCOLAR E O OFUSCAMENTO INDÍGENA
Edilson Ribeiro Silva
p.224
MEIOS DE COMUNICAÇÃO NAS AULAS DE HISTÓRIA DO ENSINO
FUNDAMENTAL EM AQUIDAUANA/MS: NOTAS DE PESQUISA
Edvaldo Correa Sotana
p.230
CONCEPÇÕES DE FORMA DE GOVERNO DE ATENAS EM LIVROS
DIDÁTICOS CONTEMPORÂNEOS
Elvis Rogerio Paes
Luís Ernesto Barnabé
p.237
LUZ, CÂMERA, AÇÃO... EXPERIÊNCIAS NA PRODUÇÃO DE
DOCUMENTÁRIOS DENTRO DO PROJETO "CATADORES DA MARGEM
ESQUERDA EM UNIÃO DA VITÓRIA (2009-2011)"
Elois Alexandre de Paula
6 p.244
HISTÓRIA E LITERATURA: DEBATES E NOVAS LINGUAGENS
Erivaldo Cavalcanti dos Santos Jr
p.251
LITERATURA E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO HISTÓRICO: O CASO
D'AS JÓIAS DA COROA (1882), DE RAUL POMPÉIA
Evander Ruthieri da Silva
p.256
RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS UM FACILITADOR DA
APRENDIZAGEM NA RELAÇÃO ENTRE: PROFESSOR E ALUNO
Evelline Soares Correia
p.262
"RELATO DE UM CERTO ORIENTE":
A TEMÁTICA INDÍGENA COMO PROBLEMATIZADORA DA DIVERSIDADE
CULTURAL EM SALA DE AULA
Everton Demetrio
p.271
HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NA ERA VARGAS
Evelyn Rodrigues de Souza
p.277
SOCIEDADES ESCOLARES POLONO-BRASILEIRAS NA PRIMEIRA METADE
DO SÉCULO 20: ESPAÇOS DE ENSINO DE HISTÓRIA,
INTERCULTURALIDADE E IDENTIDADE ÉTNICO-CULTURAL
Fabiana Regina da Silva
p.281
POR UM OUTRO AMANHÃ

PROFESSORES PRIMÁRIOS DE SALVADOR: ENTRE AS BRECHAS DA


CRISE E DA INSTABILIDADE POLÍTICA (1912-1918)
Fabiano Moreira da Silva
p.289
POR UMA HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE
NOTAS HISTORIOGRÁFICAS FILIGRANADAS ENTRE HISTÓRIA DO
TEMPO PRESENTE E ENSINO
Fagno da Silva Soares
p.295
PARA QUE SERVE A HISTÓRIA ORAL?
NOTAS SOBRE A HISTÓRIA ORAL E O ENSINO DE HISTÓRIA
Fagno da Silva Soares
Vera Lucia Silva Oliveira
p.303
SOBRE A QUESTÃO DE GÊNERO NO ENSINO DE HISTÓRIA: OLHARES
ACERCA DO IDEAL DE MULHER EM ATENAS
Filipe Matheus Marinho de Melo
p.309
O FILME COMO AUXILIAR DIDÁTICO NO ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA:
ANALISANDO O PRIMEIRO EPISÓDIO DA SÉRIE ROMA
Flaviano Oliveira dos Santos
p.314
REGISTROS HISTÓRICOS DOS ESPAÇOS RURAIS AMAZÔNICOS: FORMAS
DE INSTRUMENTAÇÃO DA PRÁTICA DE PROFESSOR DE HISTÓRIA
Francivaldo Alves Nunes
p.321
7
REPENSANDO A AULA DE HISTÓRIA: PROFESSORES E ALUNOS COMO
AGENTES ATIVOS DA "HISTÓRIA"
Gabriel José Brandão de Souza
p.327
A LITERATURA DE CORDEL NO ENSINO DA GRÉCIA ANTIGA: RELATO DE
EXPERIÊNCIA EM ESCOLAS PÚBLICAS DO PARÁ
Geraldo Magella de Menezes Neto
p.333
QUADRINHOS COMO FONTE: POSSIBILIDADES DE ENTRE A FOICE E O
MARTELO PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
Gildson Nascimento Pereira Vieira
p.341
O ATO DE APREENDER AO ENSINAR. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O
DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA
Giane Kublitski
p.349
EXERCÍCIO DOCENTE EM FOCO: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE
HISTÓRIA
Giovana Maria Carvalho Martins
p.355
CIÊNCIAS HUMANAS E ENSINO DE HISTÓRIA: ENTRE CONCEITOS,
PRÁTICAS ESCOLARES E PARADIGMAS SOCIAIS
Graziella Fernanda Santos Queiroz
Manoel Caetano do Nascimento Júnior
p.362
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ESCOLA DO ROCK OU ROCK NA ESCOLA: QUATRO ACORDES SOBRE


ROCK E ENSINO DE HISTÓRIA
Gustavo Silva de Moura
p.368
PÉS AMARRADOS - VIDAS EM LAÇOS
UMA REFLEXÃO SOBRE O RITUAL DOS PÉS DE LÓTUS E A FORÇA DA
AMIZADE ENTRE AS MULHERES DO SÉCULO XIX, NA CHINA E A
EDUCAÇÃO DAS MENINAS NO BRASIL
Helayne Cândido
p.374
OS FENÍCIOS: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA A
PARTIR DA PERSPECTIVA HISTÓRICO CULTURAL
Isaias Holowate
p.380
HISTÓRIA E IMAGEM: UMA REFLEXÃO ACERCA DA IMAGEM COMO
FONTE E SEU USO NO ENSINO DE HISTÓRIA
Israel de Lima Miranda
p.384
A HISTÓRIA ESCOLAR NO BRASIL: TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA OU
CONHECIMENTO AUTÔNOMO
Ivone Maria Dos Santos Gomes
p.388
HISTÓRIA PRA QUÊ? O USO DO "VELHO E BOM" JORNAL NO ENSINO DE
HISTÓRIA
8 Janaína Jaskiu
p.394
ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA E EXPERIÊNCIA DE INICIAÇÃO À
DOCÊNCIA: ALGUMAS INFLUÊNCIAS AFRICANAS AO VOCABULÁRIO
BRASILEIRO
Jessica Caroline de Oliveira
p.399
LITERATURA DE CORDEL NA SALA DE AULA: NOVOS CAMINHOS PARA A
HISTÓRIA
Jessica Kaline Vieira Santos
p.406
HISTÓRIA SUBIDA DO MORRO DA URCA:
APONTAMENTOS SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA E HISTÓRIA AMBIENTAL
José Lúcio Nascimento Júnior
p.410
CONDIÇÃO JUVENIL: ELEMENTOS PARA UMA APROXIMAÇÃO DAS
JUVENTUDES CONTEMPORÂNEAS
Joilson de Souza Toledo
p.414
POEMA QUE TECE O PASSADO: CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA PARA
O ENSINO DE HISTÓRIA
João Pedro Pereira Rocha
p.421
AS MULHERES NO CINEMA E O ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA
José Luciano de A. Dias Filho
p.427
POR UM OUTRO AMANHÃ

O ENSINO DE VALORES NO ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES


Júlia Helane Assis da Silva
p.432
REFLEXÕES EM TORNO DO ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA NA
GRADUAÇÃO: RELATO DE EXPERIÊNCIA A PARTIR DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍ
José Petrúcio de Farias Júnior
p.436
GÊNERO E ENSINO: A UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
PARA A PROBLEMATIZAÇÃO DE GÊNERO EM SALA
Jorge Luiz Zaluski
Maycon André Zanin
p.444
A MORTE PARA OS ANTIGOS EGÍPCIOS NO ENSINO DE HISTÓRIA
Leonardo Candido Batista
p.451
PRÁTICA CURRICULAR E HISTÓRIA ANTIGA: DESAFIOS NO ENSINO DE
HISTÓRIA
Luana Neres de Sousa
p.456
CAPOEIRA: PATRIMÔNIO IMATERIAL DE PERNAMBUCO EM SALA DE
AULA
Lucas Rodrigues Pereira da Silva
Jessika Lima Costa
p.460
ECOS DA RECLUSÃO: O ENSINO DE HISTÓRIA PARA ADOLESCENTES EM
9
ESPAÇOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE
Luciana Mendes dos Santos
p.463
O ROCK BRASILEIRO DAS DÉCADAS DE 1970-80 E O ENSINO DE
HISTÓRIA: DISCURSOS E POSSIBILIDADES
Luis Alberto Gottwald Junior
p.468
A INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM HISTÓRIA NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO:
REFLEXÕES SOBRE O SEU PAPEL NO ENSINO
Luis Fernando Tosta Barbato
p.472
CONSTRUIR O OLHAR CARTOGRÁFICO EM SALA DE AULA: NOVAS
CONCEPÇÕES AO MAPA NO ENSINO DE HISTÓRIA
Maria Cristina Pastore
p.478
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: O PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO E O ENSINO
DE HISTÓRIA
Marlon Barcelos Ferreira
p.485
O QUE VOCÊ SABE SOBRE A HISTÓRIA DAS MULHERES?
CONHECIMENTOS PRÉVIOS DOS ALUNOS SOBRE QUESTÕES DE
HISTÓRIA E IDENTIDADE DA MULHER BRASILEIRA
Matheus Henrique Marques Sussai
p.490
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O CENÁRIO EDUCACIONAL E SUAS TRANSFORMAÇÕES DURANTE O


SÉCULO XX
Munir Abboud Pompeo Camargo
Vinicius Carlos da Silva
p.496
A PRÁTICA COMO PESQUISA NO ESTÁGIO: UMA AULA SOBRE O
HOLOCAUSTO
Natália da Silva Madóglio Martines
Marisa Noda
p.502
POR UM ENSINO DE HISTÓRIA SONORO: MÚSICA E HISTÓRIA NOS
PCN‟S, NA SALA DE AULA, NA VIDA
Nayara Crístian Moraes
p.510
FILMES NO ENSINO DE HISTÓRIA: O CONFRONTO ENTRE A NARRATIVA
E OS DOCUMENTOS
Paulo Roberto de Azevedo Maia
p.517
PRÁTICAS DOCENTES E A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA
Rafael Moura Hoffmann
p.522
O LÚDICO DIGITAL NAS AULAS DE HISTÓRIA: APLICAÇÃO DO GAME
CAESAR III COMO MATERIAL LÚDICO NAS TURMAS DE SEXTO ANO DO
10 CENTRO EDUCACIONAL SÃO JOSÉ (MIRACEMA – RJ)
Ramon Mulin Lopes
p.528
APONTAMENTOS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE CINEMA E ENSINO DE
HISTÓRIA
Rebecca Carolline Moraes da Silva
p.536
DISCUTINDO A NOÇÃO DE VERDADE HISTÓRICA POR MEIO DA
LITERATURA: ALGUMAS REFLEXÕES A PARTIR DO ROMANCE HISTÓRIA
DO CERCO DE LISBOA DE JOSÉ SARAMAGO
Rodrigo Conçole Lage
p.542
ABORDAGENS DA IMIGRAÇÃO NO ENSINO: DESCONSTRUINDO A
IMIGRAÇÃO PARA A SUBSTITUIÇÃO DA MÃO DE OBRA ESCRAVA E
APRESENTANDO A IMIGRAÇÃO DO SÉCULO XX E XXI
Rodrigo dos Santos
p.547
PENSANDO AS QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS PARA ALUNOS DO CEJA
Rogério Silva de Mesquita
p.552
A COMUNIDADE EPISTÊMICA COMO ESPAÇO DE PRODUÇÃO DE
DISCURSOS E O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA
Roper Pires de Carvalho Filho
p.558
POR UM OUTRO AMANHÃ

A HISTÓRIA ORAL COMO PONTO DE PARTIDA PARA ABORDAGEM DAS


MIGRAÇÕES EM RORAIMA
Rutemara Florêncio
p.566
FEMINISMO E APRENDIZAGEM DE GÊNERO NOS MANUAIS DIDÁTICOS
DE HISTÓRIA
Samanta Botini dos Santos
p.572
IMAGINÁRIO SOCIAL E LITERACIA NA EDUCAÇÃO HISTÓRICA
Samara Elisana Nicareta
Valter André Jonathan Osvaldo Abbeg
p.577
REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL
Simoniely Kovalczuk
p.583
PROFESSORES DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAS: DIFERENTES ESPAÇOS
E TEMPOS DE FORMAÇÃO
Sueli de Fátima Dias
Mario de Souza Martins
p.590
RPG, OS PROCESSOS COGNITIVOS E A COMPLEXIDADE: METODOLOGIA
PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
Sara Schneider de Bittencourt
Alexandre Silva da Silva
p.598
A ALIMENTAÇÃO NA IDADE MÉDIA E SUA ABORDAGEM EM PAINÉIS
11
INTERATIVOS
Suellen Cristina Rodrigues de Lima
p.604
REFLEXOS DA DITADURA MILITAR NO ENSINO DE HISTÓRIA
Thaísa Caroline Falcão
p.611
DESMISTIFICANDO O ISLÃ EM SALA DE AULA: O ISLAMISMO PELA ÓTICA
DO HUMANISMO
Thays Bieberbarch
p.617
CONCEPÇÕES DE REPÚBLICA E CIDADANIA NA ROMA ANTIGA E NA
SOCIEDADE ATUAL: ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS
CONTEMPORÂNEOS
Vinícius Augusto do Prado Furtado
Luís Ernesto Barnabé
p.622
O OFÍCIO DO HISTORIADOR, O ENSINO DE HISTÓRIA E AS SUAS
FERRAMENTAS
Vitor Angelo Cardozo Frasca
p.627
A UTILIZAÇÃO DE QUADRINHOS NO ENSINO MÉDIO: O APRENDIZADO
DE CONCEITOS
Weber Abrahão Júnior
p.633
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O ENSINO DE HISTÓRIA DA AMAZÔNIA NAS ESCOLAS BÁSICAS DE


SANTARÉM-PARÁ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PRODUÇÃO E DO USO
DOS LIVROS DIDÁTICOS EM SALA DE AULA
Wilverson Rodrigo Silva de Melo
p.640

12
POR UM OUTRO AMANHÃ

INTRODUÇÃO

O ano de 2016 será decisivo para o Ensino de História no Brasil. Em


meio à discussão do BNCC - Base Nacional Comum Curricular –
revelam-se as tendências e forças relativas ao futuro da docência
histórica. O panorama é confuso: de um lado, amputa-se o Ensino de
História; de outro, diminuem-se conteúdos, sem levar em conta que,
ao invés disso, talvez devêssemos aumentá-los. Preconceitos,
reservas de mercado, visões ideológicas restritivas, tudo transparece
na luta pelo destino de uma nova educação histórica que se delineia.

Todavia, o público acadêmico de história não se aquietou. O Ensino


de História é pauta do dia. A aprendizagem histórica é
compreendida, finalmente, como o alicerce sobre o qual se assenta a
continuidade da conscientização social e histórica brasileira. Não
apenas „o que‟, mas „como‟ ensinaremos, construiremos e
trabalharemos a história no porvir? Ninguém mais pode ficar
indiferente a isso. A alienação acadêmica, responsável por tantos
anos de distanciamento do público, tem perdido a empáfia de sua
exclusividade, diante das forças sociais que tentam promover
mudanças. E mais uma vez, nisso tudo, está o Ensino de História, no 13
centro das polêmicas. Por essa razão, o LAPHIS – Laboratório de
Aprendizagem Histórica da UNESPAR, promoveu a construção
dessa ampla coletânea sobre experiências educacionais.

Nosso livro trata do profícuo encontro de experiências e propostas


para o Ensino de História hoje no Brasil. As temáticas são variadas.
O campo da História Antiga, tão atacada pelo BNCC, mostra sua
preocupação com a aprendizagem histórica, e a formação da
consciência crítica, tão caras a existência da História nos Currículos
escolares. Mas outras áreas estão presentes com força: no vento das
mudanças a que se encaminha nossa civilização, questões sociais
relevantes se manifestam com presença marcante, tais como a
História da África, a História das Mulheres, entre outras. O
resultado é um livro multifacetado, rico, e aberto ao amplo público
da história, que luta por um outro amanhã.

Desejamos uma leitura enriquecedora!

André Bueno Dulceli Estacheski Everton Crema


Prof. Dr. UERJ Prof. Dt. UNESPAR Prof. Dt. UNESPAR
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14 COLETÂNEA
POR UM OUTRO AMANHÃ

"BOLANDO UM SOM": ENSINANDO HISTÓRIA COM


MÚSICA

Adauto Santos da Rocha


Míriam de Lima Cabral

A música é um proveitoso instrumento para o ensino de História,


visto que funciona como meio de difusão de conteúdos através de
uma justa harmonia entre sons, o que em síntese é tratado como
eficiente no que diz respeito ao campo de ensino da História. Com o
intuito de subsidiar a proposta desse simpósio e de apresentar
possibilidades de ensino através da música, esse trabalho norteia-se
na busca e na análise de composições dos mais variados estilos
musicais, fundamentadas no repasse de conteúdos históricos,
implícita ou explicitamente. No decorrer do texto serão apresentadas
ao leitor algumas composições, a fim de fomentar uma discussão
subjetiva sobre possíveis diálogos entre música e história, visando
como as composições podem ser aplicadas no espaço educacional.
Por séculos a escola foi vista como um local de ensino estático, no
qual o poder sempre esteve centrado nas mãos do professor, este por 15
vez, convencionalmente, sempre estava posicionado "acima dos
alunos", como um ser autoritário, munido de artifícios que o
transformava em um profissional, na maioria das vezes, provocador
de exclusão do aluno em relação às aulas. Embora esse método
autoritário de ensino permaneça em vigor dentro de várias escolas
nos dias de hoje, o profissional do ensino de história deve por si só
procurar novos métodos de repasse dos conteúdos que deveram ser
tratados no decorrer das aulas como descrito a seguir por Maria
Auxiliadora Schmidt:

"As transformações da sociedade contemporânea, bem


como as novas perspectivas historiográficas, como as
relações entre história e memória, têm estimulado o
debate sobre a necessidade de novos conteúdos e novos
métodos de ensino de história". (SCHIMDT, 2004, p.
24).

Nessa perspectiva a escola atua como espaço social, e o professor de


história como instrumento de ensino, no sentido de utilizar de
outros meios de instrução fora dos artifícios convencionais para
colaborar com a produção do conhecimento, nesse processo, o
trabalho do professor está centrado em cobrar do aluno a leitura das
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

fontes musicais, a fim de estimular o gosto pela leitura, tão quanto a


formação de um senso crítico e analítico que será posto em prática
pelo aluno através da análise das letras de determinadas músicas,
enquadrando-as no contexto social vivenciado por cada aluno,
buscando fazer um relação entre a música ali tratada e sua realidade.

A grande jogada na utilização de composições para o ensino de


história do Brasil, por exemplo, é evidenciar o período da ditadura
militar no país, como uma forma de mostrar que nem mesmo a
censura e os métodos de repressão dos militares fez com que as
músicas deixassem de ser produzidas, basta pensar apenas nas
fortes composições abrolhadas na época por artistas que acabaram
virando ícones da produção musical do Brasil até os dias de hoje,
como Chico Buarque e Milton Nascimento por exemplo. A grande
maioria da produção musical do Brasil em torno do Golpe de 64
esteve ligada ao feitio de denúncias metafóricas proliferadas contra o
estado e suas práticas em relação à repressão, tortura e
silenciamento da população.

A musicalidade serve como uma fonte inesgotável quando se trata de


ditadura militar no país, é importante ressaltar ainda, que o ensino
16 de História através da música engloba questões que vão além do
quadro político, tais como: aspectos culturais, religiosos, além de
tratar de expressões artísticas singulares de cada povo, como
descrito por David no trecho a seguir:

"Como função cultural, o exercício da música possibilita


vivenciar sentimentos pretéritos e presentes de uma
época, pela percepção de como o compositor diz o que
diz. Como código musical envolve a ideologia e a
"maneira de ser" de determinada época, sua vivência
estimula formas de pensamento distintas do rotineiro, o
que significa dizer que a música possibilita ao educando
atentar para seus sentimentos, alimentando-os com
experiências vivenciadas e ressignificadas em novas
relações. E se a obra musical aponta determinada direção
aos sentimentos do educando (ouvir música é ouvir
direções), ela também descortina novas possibilidades de
que ele se sinta e se conheça, pois a maneira de vivenciá-
la é exclusivamente pessoal, é exclusivamente função do
receptor. Expressando sentidos irredutíveis a palavras, a
música cria um espaço em que os sentimentos dos
educandos acabam por encontrar novas e múltiplas
possibilidades de ser." (DAVID, p. 133, 1990).
POR UM OUTRO AMANHÃ

O ensino de história que explora o campo das mentalidades e das


musicalidades faz da música um novo paradigma para o ensino da
história, para tanto é necessário que o professor conheça
características do período historiográfico ao qual a música está
inserida e/ou será relacionada, a fim de evitar equívocos em relação
à transparência dos conteúdos propostos, para que se possa fazer a
analogia com o assunto indicado, sempre lembrando muito bem de
fazer um recorte temporal ao que será apresentado aos alunos no
decorrer das aulas.

É importante ressaltar que a ludicidade está invadindo os ambientes


escolares, e é nesse sentido que a música entra no local de ensino,
engendrada nos smartphones, tablets, e quaisquer outros objetos
portáteis que permitam o armazenamento dos conteúdos musicais.
Para Élia Santos:

"O lúdico é uma estratégia insubstituível para ser usada


como estímulo na construção do conhecimento humano
e na progressão das diferentes habilidades operatórias,
além disso, é uma importante ferramenta de progresso
social e alcance de objetivos institucionais" (SANTOS 17
p.2, 2001).

Partindo do pressuposto de Santos, a música enquadra-se no vasto


campo da ludicidade, ao tempo em que há uma harmonia entre
aprender e brincar, nota-se que através da música o aluno absorve
conteúdos se divertindo, estimulando além da capacidade de
aprendizagem o prazer.

O uso dessa ferramenta no ensino de história visa desenvolver a


percepção auditiva e a memória musical dos alunos, uma vez que a
utilização das composições musicais nas aulas implicará em uma
leitura acurada e árdua, para que seja possível uma proveitosa
extração de informações dos textos propostos. A metodologia de
ensino mostrará aos alunos como conhecer, apreciar e adquirir
posturas de respeito frente às várias manifestações culturais do país
e além dele, se for utilizada uma composição estrangeira, uma vez
que a diversidade cultural está presente dentro e fora do ambiente
de ensino, sendo necessário que o aluno desperte o senso de
curiosidade frente ao contato com as mais variadas e distintas
culturas.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Além de tudo, o aluno deve tomar partida de usos e funções da


música em épocas e sociedades em distinção, visando a projeção de
analogias, uma vez que a sociedade em que vivemos encontra-se
mergulhada em uma espécie de eterna transformação e
modernização, a música consequentemente acompanha essa
modernização. Conforme descrito na parte inicial deste texto,
apresentaremos a seguir algumas composições musicais brasileiras,
em seguida serão feitos comentários que abriram horizontes para
que os leitores e professores interessados pelo assunto pensem e
repensem a música como instrumento no ensino de história.

Música:"Camelô"
Compositor: Edson Gomes

Sou camelô, sou do mercado informal


Com minha guia sou profissional
Sou bom rapaz, só não tenho tradição
Em contra partida sou de boa família
Olha doutor, podemos rever a situação
Pare a polícia, ela não é a solução não
Não sou ninguém nem tenho pra quem apelar
18 Só tenho meu bem que também não é ninguém
Quando a polícia cai em cima de mim, até parece que sou fera (2x)
Até parece (6x)
Sou camelô, sou do mercado informal
Com minha guia sou profissional
Sou bom rapaz, só não tenho tradição
Em contra partida sou de boa família
Olha doutor, podemos rever a situação
Pare a polícia, ela não é a solução não
Não sou ninguém nem tenho pra quem apelar
Só tenho meu bem que também não é ninguém
Quando a polícia cai em cima de mim, até parece que sou fera (2x)
Até parece (6x)

Nesta música o compositor baiano Edson Gomes tenta mostrar as


dificuldades enfrentadas pelos profissionais que dependem do
comércio informal para sobreviverem, sobretudo nas periferias dos
grandes centros urbanos. É importante notar, que no desenrolar da
música pode ser notado o enfoque em torno das dificuldades que
circundam os vendedores de rua, dentre as dificuldades enfrentadas
pelos camelôs, a repressão fiscal e a pressão policial estão entre as
mais latentes, pois, fazem com que estes trabalhadores sejam
excluídos do mercado de trabalho e fiquem a mercê da sorte,
POR UM OUTRO AMANHÃ

levando em consideração a venda informal como único meio de


subsistência dos trabalhadores informais.

Música "Roda viva"


Composição: Chico Buarque

Tem dias que a gente se sente


Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A gente vai contra a corrente


Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente 19
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo (etc.)

A roda da saia, a mulata


Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá
Roda mundo (etc.)

O samba, a viola, a roseira


Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Faz força pro tempo parar


Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá
Roda mundo (etc.)

A música Roda Vida de Chico Buarque é passível de fazer o ouvinte


adentrar ao contexto social que o Brasil estava inserido durante o
período da ditadura militar, no que diz respeito ao âmbito cultural
da época, essa música acabou metaforicamente representando o fim
da liberdade de expressão. "Roda-viva" faz alusão aos representantes
da ditadura, na segunda estrofe quando Chico Buarque fala de
destino, no sentido de lutar pela liberdade pessoal e artística, ele cita
que "a roda viva carrega o destino pra lá e pra cá", refere-se à
censura imposta às pessoas que dilacerava os planos de liberdade
social. No sentido formal do termo, a expressão Roda-Viva é,
conforme os dicionários, movimentos incessantes; corrupio;
cortado; é ainda confusão e barulho, termos que implicitamente são
percebidos na genial composição acima descrita.

A letra fala em dois momentos, um que manifesta o trabalho


sistemático enfrentado pela população, e outro relacionado ao desejo
20 das pessoas serem sujeitos de sua própria história, a isto está ligado
a vontade de ter voz ativa, de ir contra a ditadura. Para ajudar na
compreensão da letra e no contexto social em que foi escrita pode-se
ler o nome da composição de "trás para frente", e o termo se tornará:
Viva a dor, manifestando todo o sentimento envolvido durante a
ditadura, período em que a música foi escrita e amplamente
difundida.

Conforme planejado no corpo deste trabalho, nós dispomos de


composições distintas relacionadas a temas históricos que podem
ser trabalhadas em sala de aula, com uma análise da letra da música
abordada em aula, tecendo desta maneira, parte dos conteúdos que
devem ser apresentados pelo professor no decorrer das aulas.

Referências

ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3. Ed.- Rio de


Janeiro, RJ: Editora FGV, 2005.
ALVES, Hilana Oliveira de; SANTOS Maele dos. O lúdico e o ensino
de história. XVII Simpósio nacional de história.
Conhecimento histórico e diálogo social, 2013.
POR UM OUTRO AMANHÃ

DAVID, Célia Maria; FAGUNDES, Gustavo Henrique Godoy;


JANUARIO, André Alves. Música: uma ferramenta para o
estudo da História. Franca - SP: CAMINE, 2010.
DAVID, Célia Maria. Criação e interpretações musicais em
França: palco e plateia (1872-1964). São Paulo: Unesp, 2002
(Dissertações e teses, v.6).
DAVID, Célia Maria. Música e ensino de história: uma
proposta. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,
2009
GUIMARÃES, Márcia Noêmia. Os diferentes tempos e espaços
do homem: atividades de geografia e história para o ensino
fundamental 2ed.- São Paulo: Cortez, 2006.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução Bernardo
Leitão - 5ªed. - Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003.
PINSKY, Jaime. O ensino de história e a criação do fato. 14 ed
-São Paulo : Contexto, 2012.
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar História São Paulo:
Scipione, 2004.
SILVA, Marcos A. da. Repensando a História. 1° Ed- Rio de
Janeiro, RJ: Editora Marco Zero, 1984.
VICENTIN, Carolina; REBELLO, Bernardo. Balada dos Deuses.
Darcy. UnB, Brasília, (2), p. 50-53, 2009. 21
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

MINHA CIDADE SE FAZ DE ENCANTOS: O ENSINO DE


HISTÓRIA NO I CICLO - 3ºANO A

Adriane Cristine Silva

Neste texto tenho por objetivo apresentar um relato de experiência


realizado na turma do 3º ano do 1º Ciclo, na Escola Estadual "13 de
Maio", através do projeto Minha Cidade se faz de Encantos. Em
município de Porto Esperidião Mato Grosso, na perspectiva de
desenvolver atividades relacionadas ao ensino de História dentro da
temática cidades, e suas especificidades.

Assim o projeto se articulou inicialmente direcionado para as áreas


de História e Artes, depois pelo fato da necessidade de atividades e
ações interdisciplinares, realiza se então atividades que envolveram
geografia, ao analisarmos mapas e localizações mediante
instrumentos das tecnologias e cálculos de distancia, e a área de
Linguagem através da escrita e correção de poesias.
De acordo com a Instrução Normativa nº002/2015, do Conselho
22 Estadual de Educação no Capítulo II, Seção I das disposições gerais
a Composição da Educação Básica tem por finalidade o
desenvolvimento da pessoa na sua totalidade por meio de uma
articulação entre as áreas do conhecimento.

§3º Cada prática pedagógica deve ser compreendida


como parte integrante da totalidade representada pela
Educação Básica, superando as formas fragmentadas do
currículo.
§5º A metodologia articulará os saberes dos estudantes
com o conhecimento historicamente construído e
organizado pela sociedade, para que o próprio estudante
(re) construa sua realidade, expressando-a em novas
formas de pensar, agir e sentir, rompendo com as velhas
formas de planejar e ensinar, como por exemplo, a
reprodução do conhecimento livresco de acumulação e
memorização.(MATO GROSSO, 2015, p23)

Compreendemos com a legislação que se remete a organização do


ensino em Mato Grosso a Necessidade de nossas atividades
pedagógicas, além de ter a ação interdisciplinar é preciso configurar
a história local e significativa a nossos alunos.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Para compreendermos as cidades

As cidades são, portanto, uma reflexão, porque, como já


se disse, sua aparência torna os homens livres e iguais,
mesmo que a realidade, com freqüência, permaneça
longe do ideal. (LE GOFF, 1997, p. 91).

Aprendemos com o historiador Jacques Le Goff, a perceber a cidade


em sua realidade congruente, e que se apresenta ainda com
sinônimos de cultura, permeada por uma dinamicidade própria, em
vias de desenvolvimento constante de forma desordenada. Temos
aqui um tema relevante ao trabalho na escola, no interior das
disciplinas, visto que de forma ampla pode ser desenvolvido para
atender as muitas áreas do conhecimento. Através das cidades
criadas em praticamente todas as sociedades humanas para superar
ou eliminar as distâncias e permitir as interações sociais. Ao pensar
em áreas do conhecimento, para desenvolvermos a temática cidades
demonstramos ainda a relevância, pois trata-se de uma atividade
interdisciplinar e paralela as atividades desenvolvidas em sala de
aula.

A partir do tema que envolve cidades, ainda em Santo Agostinho 23


entendemos as cidades não apenas constituídas de pedras, ou o que
temos hoje a dureza nas construções e o verde de nossas matas nos
arredores, mas uma constituição de cidadãos que perceberam a sua
constituição e contribuem com seu desenvolvimento no decorrer de
suas vidas.

Então temos a utilização da historia oral, que se desdobra diante de


nós, em histórias contadas e recontadas pelos habitantes da cidade.
A relevância do tema vincula-se também ao ritmo e estrutura da
urbanização em nosso município de Porto Esperidião e ao aumento
da população urbana observada em gráficos do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE).

Foi escolhia a temática Cidades para podermos desenvolver a


expressão do universo cultural de nossos alunos, valendo-se de
observações do local em que moram. Para ampliar o conhecimento
histórico e social da cidade de Porto Esperidião. Ainda, assim,
estimular o olhar da criança para a valorização do patrimônio
cultural local, observado na atividade desenvolvida.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A atividade desenvolvida

A partir dos estudos relevantes a temática Cidades , em sala de aula,


partimos para uma visita exploratória na sede do município e depois
foi solicitado para cada aluno registrar por meio de desenhos, as
suas impressões a partir de observações de alguns locais da sede do
município de Porto Esperidião. E em seguida , escrever poesias com
o tema: Cidade. Foram atividades realizadas a partir do objetivo de
constituir um Livro com as ilustrações e poesias dos alunos
envolvidos neste projeto.

Temos aqui um tema relevante ao trabalho na escola, no interior das


disciplinas, visto que de forma ampla pode ser desenvolvido para
atender a muitas áreas do conhecimento. Através das cidades
criada em praticamente todas as sociedades humanas para superar
ou eliminar as distâncias e permitir as interações sociais.

A partir do tema envolvendo Cidades, para Santo Agostinho as


cidades não são apenas constituídas de pedras, ou o que temos hoje
a dureza nas construções e o verde de nossas matas nos
arredores, mas uma constituição de cidadãos que perceberam a sua
24 constituição no decorrer de suas vidas.

Através de atividades interdisciplinares, com mapas, gráficos,


história local, bairros, total de população e ainda despertar
habilidades artísticas, capazes de construir um novo olhar, a partir
de textos para provocar reflexões, que dialoga com o mundo, a
partir de dados estatísticos sobre esta cidade de Porto Esperidião,
em um percurso que se descortina pela curiosidade, e pela leitura,
mediante textos que abordem a história de nossa cidade.

Enquanto educadores ao desenvolvermos o projeto trabalhamos


com a conscientização e motivação das crianças e dos adolescentes
para a sensibilização de um olhar mais aguçado sobre a cultura local
e sobre história que define a cidade de Porto Esperidião, através da
valorização do município e de seu patrimônio natural, arquitetônico,
cultural e histórico.

Aspectos Metodológicos

Nesta atividade desenvolvida buscamos despertar habilidades


artísticas, capazes de construir um novo olhar, a partir de histórias,
que provocam reflexões, que dialoga com o mundo, e ainda a partir
de dados estatísticos sobre esta cidade de Porto Esperidião, em uma
POR UM OUTRO AMANHÃ

interação entre curiosidade, e pela leitura, mediante textos que


abordem a história de nossa cidade.

Para desenvolver a conscientização e motivação das crianças e dos


adolescentes e a sensibilização de um olhar mais aguçado sobre a
cultura local e sobre nossa história que define as características
culturais desta cidade de Porto Esperidião. Agregando a
oportunidade de desenvolver um material próprio criado pelos
alunos e para os alunos. Com isso, trabalharemos o fortalecimento
da cidadania, a valorização de seu município e de seu patrimônio
natural, arquitetônico, cultural e histórico.

Utilizamos da história oral, através de relatos de moradores desta


cidade e que se disponham a contar histórias do cotidiano que
compõem o universo de memórias desta cidade, nas narrativas orais
realizadas por meio de entrevistas aos membros da família.
Atividade realizada como o momento de tarefa de casa que permitiu
aos alunos a conversa, a escuta e principalmente a troca de
informações.

A docência envolve uma proposta pedagógica e um modo


de conceber a produção do conhecimento histórico que 25
estão intimamente ligados. A relação professor-aluno
expressa sempre uma concepção de historia mesmo
quando professores e alunos não se dão conta disso (...).
Embora o passado enquanto tal não se modifique, a
construção do conhecimento se modifica de acordo com
o modo pelo qual o historiador se vê no presente, pensa o
social e se insere nele, enquanto sujeito social e enquanto
pesquisador (Vieira, et al. 2007, p. 65)

Desenvolver as atividades de história por meio de pesquisa permite


o contato com aspectos teóricos de forma prazerosa para despertar
no aluno o sujeito pesquisador que compõem o seu conhecimento
além dos livros. E o contato com as várias fontes de pesquisa nas
séries iniciais, atividade fundamental.

Algumas Considerações

No processo de elaboração do projeto que originou nesta pesquisa


ação apuramos que a dinamicidade da aula influencia a
compreensão de aspectos teóricos da história de forma a
compreensão histórica se referir a épocas em sua dinamicidade e
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

diferenciação e com exatidão e interesse dos sujeitos envolvidos na


educação.

Dentre os trabalhos desenvolvidos, foram reproduzidos e impressos


no formato de livro de poesia, dando condições de um contato dos
seus escritos como forma de dar valor ao que é produzido
extraclasse ou no interior da disciplina. E esse formato de livro
permite a difusão dos trabalhos, a valorização do patrimônio local e
o intercâmbio cultural dentro da escola.

Referências Bibliográficas

GOFF, Jacques Le et al. [org]. A nova história. Coimbra:


Almedina, 1990.
________ Por amor às cidades. São Paulo: Editora da UNESP,
1997.
________História e memória. Trad. de Benardo Leitão: 5ed.
Campinas. São Paulo: Editora UNICAMP, 2004.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia Das
Letras, 1998.
JULIA, Dominique. A Cultura escolar como objeto histórico.
26 Revista Brasileira de História da Educação. Campinas, n.1, p.
9-44,2001.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no
Brasil (1930-1973). Petrópolis: Vozes, 1998.
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A Pesquisa em História.
São Paulo: Ática, 2007.
POR UM OUTRO AMANHÃ

DESENVOLVENDO A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E


SOCIAL NA VIDA DOS ALUNOS E ALUNAS

Ana Carolina Prohmann

Apesar de muitos acreditarem que a História só serve para


compreender o passado, isso não é verdade. A História nos mostra o
presente, estudar o passado para poder compreender o que está
acontecendo agora, todas as relações presentes na sociedade, que
existiram até então, e são importantes hoje. Qual seria a função da
História? Estudar a ação dos seres humanos no tempo, e não o
passado por si só. É isso que deve ser percebido pelos alunos e
alunas em sala de aula.

Dessa forma quando o professor e professora estão em sala de aula,


eles têm que fazer relações com o ser humano na história, é ele o
sujeito da história. O aluno e aluna por sua vez tem que se ver
presente nessa história, tem que se sentir representado/a, caso
contrário a História não fará sentido algum. Por isso, não podemos
valorizar apenas o conhecimento do professor e professora. É o 27
conhecimento dos/as alunos/as e professores/as, uma troca de
conhecimentos. Nunca podemos partir do pressuposto de que a
classe não tem consciência histórica, ela tem sim, e é nisso que o/a
professor/a tem que trabalhar. Utilizar essa consciência em sala de
aula, valorizando, e até mesmo desconstruindo e formando outras
formas de consciência histórica.

Para o aluno e aluna adquirir mesmo o conhecimento, não basta


uma transmissão, é necessária uma produção, o conhecimento deve
ser produzindo em sala de aula, e não entregue ao aluno/a pronto,
não pode ser apenas uma assimilação de informações. A História
tem que ser interpretada, analisada, relacionando com a vida prática
dos alunos e alunas. Temos que pensar sempre nos usos da História
para a vida humana. Não seria apenas ensinar, é apreender para que
serve a História, se nem os/as professores/as souberem para que
serve o que estão ensinando, como os alunos e alunas vão entender o
sentido de estudar certo tema. Por isso da importância dos/as
professores/as estarem cientes do que estão ensinando. É necessário
entender o mundo que nos cerca, perceber a realidade do/a aluno/a,
os temas ensinados não vão ser aplicados da mesma forma para cada
turma, os professores sempre terão que modificar seus métodos.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Segundo Rüsen (2001) a consciência histórica está presente em três


dimensões do tempo: o passado, presente e futuro. Esses três
tempos fazem sentido a uma narrativa histórica. A consciência
histórica nos leva as narrativas críticas e a problematização, dessa
forma os temas trabalhados devem estar relacionados com a vida
prática, se não for dessa forma a História não tem sentido.
Temos que pensar para que serve a história para os alunos e alunas,
como foi dito tem que ser útil para a sua vida prática, durante o
Regime Militar em 1964, por exemplo, os sujeitos históricos
interessavam ao estado, foi nesse período que foram criados os
heróis, nós no papel de professores/as temos que sempre estar
revendo os temas aplicados e repensando a função prática na vida
do/a aluno/a. São eles que tem que se ver representados/as na
história. No Regime Militar a história servia para ensinar a
cidadania, seria para respeitar a pátria, não era nem para o aluno ou
aluna, nem para o professor ou professora pensar, os/as alunos/as e
professores/as tem que pensar se isso mudou.

Essa mudança pode ser percebida a partir de como os temas são


trabalhados em sala de aula. Se existe pesquisa histórica, utilização
de fontes, se os temas são tratados de diferentes maneiras, com
28 vários recursos. Não apenas passar o conteúdo para o/a aluno/a,
mas fazê-los produzir esse conteúdo. Construírem o conhecimento.
Os alunos e alunas são capazes de desenvolver o próprio saber e
romper com seus próprios pré-conceitos sobre os temas trabalhados.
Quando realizei meu estagio supervisionado, trabalhei com a
Ditadura Militar, e para que os alunos e alunas desenvolvessem o
seu próprio saber, utilizei o método da aula- oficina, trabalho
organizado pela Isabel Barca em 2004, a ideia da aula oficina, é que
primeiramente o/a professor/a escolha o conteúdo a ser trabalhado
com a turma. Então perguntar aos alunos e alunas o que sabem a
respeito do tema, no meu caso utilizei em forma de texto, pedi para
que escrevessem um texto, ou o que sabiam sobre o assunto. Em
seguida o/a professor/a seleciona fontes históricas que sejam
pertinentes. Em sala os alunos e alunas analisam as fontes,
construindo o saber, a professora e professor podem auxiliar, todos
então, estão participando do processo de construção do pensamento
histórico.

As opiniões e as conclusões dos/as alunos/as devem sempre ser


valorizadas. Dessa forma avaliadas, e quando não estiverem
apropriadas, podem ser reconceitualizadas com a ajuda da
professora ou professor. Dessa forma, os alunos e alunas estão
cientes do que estão apreendendo e motivados/as, por que será
POR UM OUTRO AMANHÃ

gerada uma curiosidade por eles/as, e o prazer da descoberta, e não


da narrativa pronta.

Qualquer vestígio do passado pode ser considerado uma fonte, cabe


ao educador/a saber selecionar as que se adequem mais para cada
turma. E para ela ser estudada o historiador, ou quem for analisá-la,
no nosso caso os/as alunos/as, saberem questionar as fontes e
extrair delas respostas.

É interessante levar fontes que já foram vistas pelos alunos e alunas,


como em redes sociais por exemplo. Documentos que são utilizados
de uma forma manipulada, por isso da importância de levar para os
alunos para que possam analisar e perceber na sociedade como essas
articulações podem interferir na História. Com o auxílio e cuidado
da professora ou professor, juntamente com textos explicando os
acontecimentos históricos, essas análises serão possíveis e válidas
para a vida dos/as alunos/as.

A aula oficina, além de ser mais produtiva, torna a aula mais


interessante. Afinal, uma aula que seja somente explicativa, não
permite o contato dos/as alunos/as com a História, eles/as devem
construir o conhecimento, rompendo com os métodos tradicionais 29
de ensino. Até por que nossos alunos e alunas não se adaptam mais
aos métodos tradicionais utilizados, os/as professores/as devem
acompanhar essas mudanças e tornar sempre o ensino próximo ao
aluno/a. O método da historiadora Isabel Barca (2004), permite a
participação da turma e o debate, maneira que permite uma
criticidade para os alunos e alunas. É a partir dos conhecimentos
do/a aluno/a, que o professor e professora podem dar ênfase nos
temas. Para finalizar o/a professor/a deve fazer novamente a
atividade de investigação para perceber a compreensão do passado.
Dessa forma docentes e discentes podem perceber o ganho histórico
que o conteúdo ofereceu.

Temos que pensar que vivemos em um mundo no qual as


informações são recebidas de forma muito rápida, e as pessoas tem
acesso a tudo. A internet, por exemplo, deve ser um instrumento
dentro da sala de aula, é ela o lugar que o/a aluno/a mais tem
acesso, a professora e o professor devem aproveitar essas
informações para utilizar na sala de aula. O cuidado deve ser grande,
pois sabemos que muitas das informações e notícias vistas pelos/as
alunos/as podem não ser verdadeiras, por isso a necessidade da
pesquisa. Já que vivemos na era da tecnologia, porque não,
aproveitá-la? A professora e professor devem utilizar os recursos que
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

a própria classe tem para utilizar na sala de aula. Dessa forma as


aulas tendem a ser mais interessantes.

Para o/a aluno/a não é nada chamativo receber um texto pronto,


retratando uma história passada, na qual ele não vê interesse algum.
Até porque não faz nenhum sentido aprender alguma coisa que não
vai servir para nada. Por isso a importância de ensinar temas úteis
para a vida prática do/a aluno/a, coisas que ele/a vai perceber no
seu cotidiano. A ditadura acabou, mas o/a aluno/a tem que perceber
que não houve uma ruptura completa, isso não existe na história,
ainda temos uma herança da ditadura muito grande, seja pelos
nossos governantes, pela polícia e pela própria sociedade, afinal,
existe pessoas que estão pedindo a volta desse período.

Quando um aluno ou aluna consegue analisar uma música escrita


contra a ditadura, que até então eles escutavam e não viam outro
sentido, esse/a aluno/a será capaz de analisar a sociedade em que
vive e poderá mudar sua realidade e seu futuro, e não apenas o seu,
mas o do outro, perceber o outro e respeitá-lo.

Os/as alunos/as quando estudarem a História devem olhar para si


30 mesmos e ter a capacidade de olhar para o outro, e respeitá-lo,
mesmo que seja diferente. Por isso acredito que o ensino de História
seja capaz de gerar mudanças sociais e culturais na vida dos/as
aluno/as.

Referências

BARCA, I. Aula Oficina: do projecto à avaliação. In. Para uma


educação histórica de qualidade. Actas das IV Jornadas
Internacionais de Educação Histórica. Braga (PT): Ed.
Universidade do Minho, 2004.
RÜSEN, J. Razão histórica: Teoria da história: Os
fundamentos da ciência histórica. 1.ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2001.
POR UM OUTRO AMANHÃ

HISTÓRIA ANTIGA E LIVRO DIDÁTICO:


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Ana Flávia Crispim Lima

Um dos maiores desafios enfrentados pelos professores ao deixarem


o meio acadêmico e entrarem em contato com o Ensino Básico é a
chamada "Transposição Didática" (Bittencourt, 2011, p. 35-37), que
segundo Bittencourt, é a forma pelo qual os professores irão passar
para seus alunos os conteúdos acadêmicos em conteúdos que
possam ser aplicados no Ensino Básico, (Ensino Fundamental e
Médio) já que a forma de "escrever" e "pensar" a História é diferente
em ambos os casos.

Atualmente a História, quer seja como disciplina acadêmica ou como


disciplina básica, está passando por um processo de adaptação às
inovações tecnológicas. Logo, a História, como disciplina, precisa
encontrar formas de "sobreviver" nesse mundo. Segundo os PNC´s
(Parâmetros Curriculares Nacionais) é preciso que se leve em conta
a opinião dos alunos, os seus questionamentos e o modo de viver dos 31
mesmos, tentando aproximar os fatos ocorridos à realidade vivida e
para que haja uma melhor compreensão dos alunos sobre o que é ser
sujeito histórico e se entenda como tal.

Em pleno século XXI, se tratando do ensino de História, um dos


temas mais difíceis de ensinar é a História Antiga, já que entre
diversos motivos, esta não é muito "querida" pelos alunos, os quais
questionam o porquê de estudar uma "coisa" que aconteceu há
muito tempo (considerada tão distante da nossa atual realidade) e
que para muitos não tem nenhuma influência nos dias atuais e
também por ser vista como algo exótico, diferente (Silva, 2010,
p.145). Esses conceitos apresentados pelos alunos decorrem da falta
de exposição de uma aula de História Antiga bem feita. No entanto,
os professores têm muita dificuldade em obter essa aula necessária.
Um dos principais motivos que contribui grandemente com essas
dificuldades são da estrutura do livro didático. O livro didático, tal
como se apresenta hoje estruturado, é um instrumento pedagógico
eficaz quando se trata de ensinar os conteúdos de História Antiga?
Ou, dito de outro modo, o professor do Ensino Fundamental/Médio
ao ensinar os conteúdos de História Antiga, pode apoiar-se com
segurança no material mais recorrente à sua disposição, que é o livro
didático?
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Analisando essas questões podemos notar a presença de inúmeras


informações errôneas e bastante desatualizadas, bem como uma
quantidade alta de simplificações que comprometem o estudo da
disciplina por parte dos alunos, que muitas vezes, torna-se
enfadonho de se ler. Baseados nos escritos do Dr. Gilvan Ventura da
Silva(2010), podemos ver que a falta de compromisso com a
definição prévia e clara dos conceitos empregados na explicação de
determinados processos históricos, torna-se particularmente grave
se tratando de História Antiga. Segundo Silva (2010) muitos dos
termos utilizados pelos especialistas ou não fazem parte do
vocabulário habitual dos alunos, ou não possuem o mesmo
significado que a linguagem corrente lhes atribui no presente. É
fundamental atentar, se o significado é baseado no período antigo,
extinguindo conceitos contemporâneos, que muitas vezes se difere e
só serve para confundir a compreensão do estudante. Os professores
do Ensino Fundamental e Médio não buscam, muitas vezes,
acompanhar as discussões recentes acerca da produção científica na
sua área por meio de leituras mais recentes, o que os leva a
submeterem-se passivamente ao saber condensado nos livros
didáticos (LIMA, 1998, p. 196). Como afirma Bárbara Freitag (1989,
32 p. 124), o livro didático não é visto como um instrumento de
trabalho auxiliar na sala de aula, mas sim como a autoridade, a
última instância, o critério absoluto da verdade, o padrão de
excelência a ser adotado na sala de aula.

É de suma importância que o professor use outros instrumentos de


trabalho que vão ajuda-lo a tornar sua aula mais dinâmica. Pois, "a
aula é do professor e não do livro. E o bom docente é livre,
autônomo e procura sempre a melhor maneira de produzir
conhecimento" (KARNAL, 2007, p. 158).

Em outras situações podemos observar também a utilização de


conceitos que há muito tempo já foram superados ou redefinidos
pela historiografia.Como exemplo, temos o uso já ultrapassado do
conceito de classes sociais para tratar da Antiguidade, a famosa linha
do tempo desenhada nos quadros por professores que ensinam para
os alunos que a História é uma linha de causas e consequências. Ou
ainda, o uso problemático do conceito de decadência para marcar o
fim do Império Romano, já criticado por historiadores de renome,
como Jacques Le Goff, que propõe o uso do termo desagregação
(GONÇALVES, 2001, p. 05) dando a ideia de transformação que é
mais próxima do que a ruptura total.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Mais um conceito usado em livros didáticos e bem discutido nas


pesquisas historiográficas é o de Alto e Baixo Império Romano, onde
denotam, para os alunos, o sentido de momento de auge e queda,
sem refletir sobre a História enquanto transformação. Há
historiadores como Peter Brown (O Fim Do Mundo Clássico, 1972)
que propõe o uso do termo Principado em substituição ao Alto
Império, para marcar os três primeiros séculos do Império Romano
e Antiguidade Tardia, para marcar já o momento em que as
estruturas politico-administrativas de Roma estavam sendo
transformadas, como elementos típicos do período seguinte, o
Medievo.

Ventura, sobre o conteúdo de História Antiga, classifica a sua


estrutura geral, de duas maneiras: o levantamento de forma
panorâmica de todas as civilizações antigas orientais e ocidentais, ou
buscando aproximar o mundo contemporâneo do passado. E, em
seguida, expõe as consequências dessas estruturas ensinadas
alegando que ao tentar sintetizar, as informações acabam perdendo
o seu contexto geral. E por fim, nos mostra uma possível opção, que,
classificada por ele como razoável, seria o de analisar um conteúdo
menos extenso, aprofundando mais no assunto (VENTURA, 2001,
p.127-128) 33
Portanto, como já vimos, a quantidade de anacronismos, erros,
simplificações, juízos de valores e, principalmente, falta de
atualização dos assuntos tratados dos livros com as pesquisas na
área de História Antiga, é enorme. Mas, embora haja muitos livros
de História com conteúdos desfalcados, há também ótimas
publicações atuais de livros didáticos. Um exemplo disso seria o
fantástico livro Grécia e Roma - Vida Pública e Privada, do Professor
Dr. Pedro Paulo Funari (2008) onde alia as novas descobertas
arqueológicas e suas interpretações históricas, com reflexões de
pesquisas que trazem novidades em termos teórico-metodológicos.

Este livro é fácil de achar e de linguagem acessível até mesmo para


um trabalho de analise e leitura por parte dos alunos de Ensino
Médio. Uma outra obra de suma importância para o ensino de
Historia Antiga desse mesmo autor é a obra Antiguidade Clássica. A
História e a Cultura a partir dos documentos, Onde sua importância
para o ensino didático é mostrar aos alunos como é o trabalho do
historiador, de onde tiramos e como interpretamos as informações
sobre o passado.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Mas para saber utilizar corretamente estes livros, e mesmo outros


recursos, o professor de História precisa de criatividade, boa
vontade e uma boa formação acadêmica, refletidas em praticas de
ensino, estágios, atividades acadêmicas, cientificas e culturais e
também pesquisas de Iniciação Cientifica feitas ainda durante a
primeira formação na graduação.

Diversas vezes, anteriormente, mencionamos a necessidade do


professor lecionar a História Antiga para os estudantes de ensino
básico fazendo uma comparação com a contemporaneidade. No
entanto, é preciso, antes de tudo, muita cautela com as comparações
propostas, inclusive com o intuito de evitar anacronismos, um dos
equívocos mais graves em se tratando do conhecimento histórico.
Comparar realidades muito distantes no tempo e no espaço requer
ainda um cuidado redobrado, pois no esforço de tentar tornar mais
inteligível para os estudantes contemporâneos, processos muito
recuados do tempo mediante a comparação com elementos do
cotidiano, podem ser cometidas serias distorções.

Ao se relatar as experiências do passado, são pouquíssimos os livros


didáticos que se atentam em deixar explicito ao mostrar de que
34 muitos dos fatos narrados nas diversas civilizações apresentadas
ocorreram de forma simultânea. Segundo Andréa Lúcia D.O.C. Rossi
(1998) o que tem mais ocorrido é o de abrir capítulos para cada uma
das civilizações. Como por exemplo, o surgimento, desenvolvimento
e crise da sociedade egípcia, o surgimento, desenvolvimento e crise
da sociedade mesopotâmica, o surgimento, desenvolvimento e crise
da sociedade grega, o surgimento, desenvolvimento e crise da
sociedade romana. Como se essas sociedades não tivessem
interagido entre si.

Um recurso metodológico extremamente necessário no ensino de


História Antiga são os mapas. O uso de filmes em sala de aula, desde
que trabalhados com uma metodologia própria, se faz extremamente
válido. Além dos filmes, imagens de monumentos da Antiguidade,
de construções e objetos do uso cotidiano e mesmo de
documentação escrita, são interessantes para o aluno visualizar mais
de perto o que o professor fala.

Existe a necessidade de mostrar para os estudantes, a importância


de aprender a História Antiga. Pois, "de olhos voltados às origens do
espetáculo das ações humanas, e porque não, a seus antecedentes, a
História Antiga é capaz de orientar os mais diversos grupos sociais a
POR UM OUTRO AMANHÃ

visualizar o mundo presente de maneira crítica e cidadã" (ROSSI,


RODRIGUES, s/d, p. 256).

Uma metodologia da aprendizagem eficaz para a disciplina que


lecionam é aquela que permite ao aluno desenvolver três habilidades
básicas: 1) compreender a realidade na qual se encontra inserido, a
partir da problematização entre o presente e o passado, não
esquecendo de evitar os erros mencionados anteriormente; 2)
alcançar níveis mais amplos de abstração e de generalização; 3)
posicionar-se de modo critico acerca dos processos históricos
estudados.

Como vimos no decorrer desse trabalho, construir a História em sala


de aula junto com os alunos não é uma tarefa fácil, entretanto, com
muito esforço e dedicação e uma boa formação do docente, a tarefa
se torna agradável e bem realizada. Para utilizar o Livro Didático
com maior perícia e autonomia, seria necessário, no entanto, que o
professor (nos referimos aqui ao professor de História, em
particular) tivesse recebido uma formação minimamente
satisfatória.

Especialistas em História Antiga, seria a solução para tais problemas 35


enfrentados. Em face dessas modestas reflexões, gostaríamos de
lançar aqui o convite para que se multipliquem os especialistas em
História Antiga no Brasil, de modo que, no menor espaço de tempo
possível, tenhamos condições de reverter tal situação, dando
oportunidade para que os docentes habilitados pelas Universidades
possam transitar com desenvoltura por todos os ramos do
conhecimento histórico e fazer um livro didático que seja de fato
formador, e não deformador.

Referências

BITENCURT, C. (Org) O saber histórico na sala de aula. São


Paulo: Contexto, 1997.
CABRINI, Conceição et al. O Ensino de História: Revisão
Urgente. 4. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BITTENCOURT. Circe Maria Fernandes. Uma "Transposição
Didática?" In: Ensino de História: Fundamentos e métodos -
4 ed. ___São Paulo: Cortez, 2011- (Coleção docência em formação.
Série ensino fundamental/ Coordenação Antônio Joaquim Severo,
Selma Garrido Pimenta), p. 35-37;
FREITAG, B. et al. O livro didático em questão. São Paulo:
Cortez, 1989.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

FUNARI, P. P. A. Antiguidade Clássica. A História e a Cultura


a partir dos documentos. Campinas: Editora da UNICAMP,
1995.
________. Grécia e Roma. Vida Pública e Vida Privada. São
Paulo: Contexto, 2000.
________. " A Renovação da História Antiga" In: História Na
Sala De Aula. 5 ed. São Paulo, SP: Contexto, 2008
________. A Importância de uma abordagem crítica da História
Antiga nos livros didáticos escolares. Hélade, 2001, p. 25-29.
LIMA, S. C. F. de. O livro didático de História: instrumento de
trabalho ou autoridade "científica"?. História e Perspectivas,
Uberlândia, n. 18/19, p. 195-206, 1998.
MENDONÇA, N. O uso dos conceitos. Petrópolis: Vozes, 1985.
RADUCH, M.C. Temas de História em livros escolares. Porto:
Afrontamento, 1970.
SILVA, Semíramis Corsi. Aspectos do Ensino de História Antiga no
Brasil: Algumas observações. In: Alétheia; Revista de estudos
sobre Antiguidade e Medievo, Volume 1, Janeiro a Julho de
2010, ISSN: 1983-2087, p. 145-155;

36
POR UM OUTRO AMANHÃ

A DOCÊNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES: UM RELATO DE


EXPERIÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR

Ana Luiza de Vasconcelos Marques

Esta comunicação tem por objetivo refletir sobre a ação de ensinar,


considerando a docência enquanto prática social, sobretudo no que
tange aos objetos de ensino e sujeitos envolvidos. Para tanto, trará
como ponto de partida um relato de experiência que vise esmiuçar as
Diretrizes Psicopedagógicas de uma determinada instituição, a fim
de evidenciar por meio das metodologias, práticas e fundamentos
por ela adotados, os limites e críticas que envolvem os docentes e,
consequentemente, os discentes no exercício do ensinar.

Tem-se constatado que, independentemente da instituição em que o


aluno esteja vinculado, ainda é pouca a preparação dada ao
estudante na fase que compreende a sua transição para a profissão
de professor. Afinal de contas, não há uma fórmula prática para a
socialização no exercício de ensinar. Ao atravessar os portões de
uma instituição de ensino, este já se depara com suas normas, 37
valores, regras, assumindo todas as tarefas que os experientes já
executam. Assim, conforme evidencia Lortie (1975), o professor
inicia o seu ofício na perspectiva do "aprendizado por observação".
Para o autor, o aprendizado por observação é a experiência de todos
aqueles que entram na carreira de professores, iniciando-se no
processo de socialização na profissão de uma forma particular. Neste
sentido, as histórias diversas de professores vão ter um papel
importante na sua atividade diária, de forma que a aprendizagem
por observação se torna uma aliada da continuidade e não da
mudança (LORTIE, 1975, p. 67).

Por outro lado, Ferenc (2005) atenta que a "aprendizagem por


observação" também tem seus limites no que diz respeito à
compreensão dos "bastidores" da profissão, a exemplo de apreender
os procedimentos, bem como as estratégias utilizadas pelos
professores quando da seleção de um conteúdo ou mesmo para lidar
com a diversidade na sala de aula. Além disso, "a convivência com
professores, por longos anos, pode acabar por subestimar as
dificuldades da profissão, contribuindo para a elaboração de um
quadro de referência sobre essa que não possui conexões reais com a
mesma" (FERENC, 2005, p. 50).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Eu, particularmente, passei por algumas dificuldades na perspectiva


da prática docente quando conclui o curso de licenciatura em
história. Na graduação foquei nos grupos de pesquisa, fui bolsista
em projeto de iniciação científica e dei pouca importância ao
exercício de ensinar. Só procurei uma monitoria quando estava no
último semestre do curso, dado que minha maior preocupação se
pautava na perspectiva da publicação de artigos científicos,
sobretudo, porque já fazia planos em galgar um mestrado no futuro.
Só tive a experiência em "aprender enquanto se faz", literalmente,
durante o estágio supervisionado, na graduação, e, posteriormente,
no estágio docência, já no decorrer da pós-graduação.

Quanto tive oportunidade de realizar o meu primeiro concurso


público me dei conta que tinha uma boa base teórica, mas que
necessitava me debruçar com mais afinco na questão prática,
mergulhando de fato no exercício da docência. Paralelamente,
comecei a direcionar o meu saber para o ensino, buscando na
mediação à distância, enquanto tutora do curso de pedagogia, meus
primeiros passos para a atuação em sala de aula, tanto no ambiente
virtual quanto ambiente presencial. Aparentemente deu certo em
termos de aprimoramento em experiência, porém quando busquei
38 trilhar meu segundo concurso público tive êxito na prova didática,
mas fui infeliz na prova de títulos devido à razoável experiência em
termos de prática de ensino, além da ausência de um diploma de
doutorado em história, o que diminuía vastamente minhas
vantagens em relação aos outros concorrentes "doutores".

A partir de então busquei conciliar nas "coxias da profissão" a linha


tênue entre a teoria e a prática enquanto principais aliadas no
processo de ensino-aprendizagem. Desde então tenho ministrado
aulas continuadamente e buscado a sincronia entre teoria e prática,
sem perder de vista o foco no âmbito da pesquisa e na produção de
saberes técnico-científico-metodológicos. Por vezes, tem sido uma
tarefa árdua conciliar o ensino e a pesquisa, mas faz parte da
profissão.

Foi durante essa jornada de experiências enquanto docente que me


deparei com uma instituição que, consequentemente, incentivou-me
a escrever este relato. Localizada em um bairro de classe média, a
faculdade oferecia cursos de graduação a baixos custos, atraindo
principalmente pessoas com menor poder aquisitivo, especialmente
indivíduos residentes em comunidades carentes. No caso, o curso de
pedagogia contava com cerca de 50 alunos por turma, sendo
majoritariamente composta por mulheres, na faixa etária entre 18 a
POR UM OUTRO AMANHÃ

45 anos. As aulas ocorriam somente aos sábados, no horário das 8h


às 18h, com intervalo para almoço das 13h às 14h. O espaço físico
das salas de aula pode ser considerado mediano, contando com ar-
condicionado e alguns recursos didáticos como quadro e pincel e,
quando necessário, disponibilizava-se o data show e/ou televisão.
Após ficar a par das Diretrizes Institucionais Psicopedagógicas
oferecidas pela instituição, tive acesso à ementa do Plano de Curso
da Componente Curricular a qual fui destinada. A disciplina de
Ensino da História I constava de 60 horas de carga horária total e 24
horas de carga presencial, devendo ela ser ofertada em 3 sábados.
Quanto à sua ementa, delimitava-se em seguimento aos primeiros
ciclos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), reiterando em
ipsis litteris os objetivos gerais de História para o ensino básico, bem
como o conteúdo e os critérios de avaliação de História para o
primeiro ciclo. Neste sentido, organizei o Plano de Curso
apresentando como objetivo geral a necessidade de se compreender
os conteúdos e métodos curriculares no ensino de história,
instituídos no contexto da modernidade, problematizando as
rupturas e permanências.

No entanto, apesar das várias possibilidades de planejar e ministrar


as aulas, era preciso seguir todas as diretrizes sugeridas pelas 39
faculdades. Dentre elas, destaco primeiramente a exigência para que
os professores preparassem um Material Didático, contendo até dez
páginas por semana, e encaminhassem à Coordenação Acadêmica
com antecedência para confecção. Acostumada a trabalhar com
materiais bem mais extensos em outras instituições, questionei
sobre o nível de leitura e complexidade do conteúdo que ali seria
empregado, dado o limite de páginas imposto pela Coordenação.
Não obstante, apesar da dificuldade em "condensar" um conteúdo
programático de suma importância ao alunado - trazia dentre eles
uma exposição sobre "os Conteúdos e Conceitos Básicos do Ensino
de História" - em poucas laudas, fui orientada a seguir à risca o que
estava nas Diretrizes Psicopedagógicas da instituição e assim o fiz.
Dado os limites estipulados ao material, foi um desafio conduzir a
aula com o material didático solicitado, uma vez que a maioria dos
alunos não estava acostumada a um determinado ritmo de leitura e
interpretação textual, conforme evidenciarei no ponto a seguir. A
saída válida para suprir a limitação do material foi a adoção de
outras linguagens na ação educativa que puderam dinamizar o
ensino-aprendizagem da história e tornar as aulas mais atrativas ao
alunado, a exemplo do uso de documentários, imagens e dinâmicas
criativas.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Em segundo lugar, enfatizo também a exigência da faculdade em se


realizar um estudo dirigido, ao final do módulo, composto de 25
questões objetivas com indicação de página para obtenção das
respostas, abrangendo todo o conteúdo do módulo. Para além da
problemática de se trabalhar com as questões objetivas no ensino de
história - que quando não bem elaboradas e/ou discutidas podem
trazer o risco de servirem apenas para
memorizar/decorar/reproduzir datas ou fatos - estimulava-se os
alunos a continuarem na cômoda posição de expectador/repetidor
do conhecimento na lei do "menor esforço", uma vez que teriam a
indicação da página para a obtenção das respostas. À contrarregra,
entreguei para a Coordenação do Curso as questões sem o indicativo
de respostas, reafirmando a necessidade de construção do
conhecimento e da importância do papel da criticidade e autonomia
dos alunos. Na sala de aula, conforme esperado, as questões não
foram muito bem recepcionadas pela maioria dos alunos. Contudo,
eu entendia aquele momento como fundamental para a "quebra de
paradigmas" em uma suposta transição que não seria fácil, mas que
se fazia necessária.

Em terceiro e último lugar, destaco as avaliações e atividades


40 pedagógicas decorrentes da instituição. Nas Diretrizes Institucionais
Psicopedagógicas salientava-se ser imperativo que todos os docentes
aplicassem uma avaliação por semana, acompanhada de algumas
atividades pedagógicas, a exemplo de debates, dinâmicas, resenhas,
etc. Recomendava-se também que não fosse aplicada mais de uma
avaliação por dia, assim como era obrigatório que uma das
avaliações fosse individual (prova). Não obstante, quando aplicada à
prova individual e subjetiva, muitos alunos reclamaram, ressaltando
que as avaliações - quando transcorriam - costumeiramente eram
aplicadas em dupla e/ou com consulta.

No final do módulo, ao corrigir as provas, algumas constatações:


insegurança nas respostas, dificuldade ao lidar com a subjetividade
do conteúdo e, notoriamente, falta de estímulo ao pensamento
crítico. Ademais, quando se abria o debate sobre o entendimento
acerca do ensino de história, logo eles faziam alusão à história dita
tradicional, a qual foi disseminada durante a vida escolar de boa
parte dos alunos, isto é, uma história factual, memorialista e voltada
para os "grandes homens". Portanto, "desprender-se" de tão
apregoado método - quiçá "positivista" - demandava esforço e,
especialmente, tempo. E um tempo que, ao olhar daqueles que, em
maioria, admitiam ter pressa pelo papel timbrado do diploma,
deveria ser breve. Por isso a opção de um curso "sucinto" e focado na
POR UM OUTRO AMANHÃ

perspectiva de entrecruzar a teoria e a prática, sendo essa última já


empregada ao magistério, ao passo que parte considerável da turma
estava ministrando aulas no ensino fundamental. Portanto, isso
explica a pressa de alguns em concluir o ensino superior.
As mudanças na educação superior brasileira, implantadas a partir
da Lei n° 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), estão
inseridas em um contexto econômico maior, no qual as
universidades são pressionadas a se tornarem mais autônomas e
cada vez mais voltadas às exigências do mercado. Portanto, não se
pode negar que as Instituições de Educação Superior (IES) privadas
no Brasil estão buscando estratégias de marketing e procurando se
posicionar no mercado de forma diferenciada, além de interferirem
na construção de projetos pedagógicos e em sua consecução. De
modo geral, como é o caso da instituição acima relatada, buscam o
ensino de massa, tendo seu diferencial nos preços acessíveis das
mensalidades.

No que diz respeito ao considerado ensino de massa no Brasil, de


acordo com Rogerio Tineu (2010), pode-se afirmar que é um novo
paradigma segundo as concepções mais ortodoxas da educação. Para
o autor, é preciso levar em consideração que, no caso do Brasil, não
houve tempo hábil para a formação de novos professores bem 41
qualificados para atuarem em salas de aula lotadas. Portanto, pensar
na formação do professor no Ensino Superior é atentar para a
necessidade da criação de políticas públicas e institucionais que
possibilitem uma abordagem que, antes de se respaldar no plano
mercadológico, valorize o caráter institucional, individual e coletivo
da formação. Logo, para além do elemento da formação, espera-se
também que as IES, em sintonia com a gestão pedagógica e
professores do curso, juntos, comprometam-se em prol da
construção do conhecimento, seja no âmbito de planejarem as
disciplinas, seja na perspectiva de escolher as metodologias ou
mesmo na definição dos critérios avaliativos.

Referências

FERENC, A. V. F. Como o professor universitário aprende a


ensinar? Um estudo na perspectiva da socialização
profissional. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade
Federal de São Carlos, SP, 2005.
LORTIE, D. C. Schoolteacher: a sociological study. Chicago:
University of Chicago, 1975.
TINEU, R. A universidade e o professor em um ensino superior em
transformação no Brasil. Revista Belas Artes, v. 3, p. 1-11, 2010.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

IDENTIDADE QUILOMBOLA:
OLHARES SOBRE AS PRÁTICAS NA COMUNIDADE
QUILOMBOLA „BOM SUCESSO‟

Ana Lourdes Queiroz da Silva


Josué Viana da Silva

Introdução

Buscamos, como ponto de partida, refletir sobre a importância do


currículo oficial na construção da memória e identidades étnico-
raciais, numa escola de ensino fundamental da comunidade
quilombola de Bom Sucesso (MA). Do ponto de vista histórico, a
memória dá ênfase à continuidade, duração e estabilidade, não como
uma forma de violência simbólica ou imposição institucional, mas
como forma de ratificar a coesão afetiva de um grupo, através da
adesão afetiva (POLLAK, 1992, p.3). Neste ensejo, o conhecimento
incorporado ao currículo jamais poderá ser dissociado daquilo que
os sujeitos se tornarão como seres sociais. (SILVA, 2009, p. 102).
42 Neste contexto, vale ressaltar a Lei Federal nº. 10.639/2003 que em
sua essência traz à tona a obrigatoriedade de um debate, silenciado
por propostas reprodutivistas, que remetem a discursos orientados
para datas festivas e comemorativas, que celebram os mitos de
origem nacional, enaltecendo identidades dominantes e tratando as
"identidades dominadas como exóticas e folclóricas" (SILVA, 2009,
p. 101). Consoante a este aspecto, vale mencionar os quilombos,
historicamente referendados como redutos de negros fugitivos,
revoltos e à margem de uma sociedade que lhes tira o direito de
identidade.

A reflexão sobre estes fatos permite-nos reconhecer a importância


do currículo como um importante instrumento de controle social,
que envolve disputas ideológicas e estratégias de manutenção ou
silenciamento do discurso de elites simbólicas, responsáveis diretas
pela forma como esta visão, lateral ao discurso, a identidade, será
construída, articulando memória e história.
Diante do exposto, emerge a questão: qual a importância do
currículo oficial para a construção das identidades raciais? A partir
deste desafio, este estudo se propõe a investigar importância do
currículo oficial na construção da memória e identidades étnico-
raciais, tendo por base uma escola de ensino fundamental da
comunidade quilombola de Bom Sucesso (MA).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Para tanto, é fundamental a compreensão da construção do currículo


oficial tanto como instrumento de controle, seleção, organização,
redistribuição e silenciamento da memória e identidade de africanos
e afrodescendentes quanto possibilidade de rupturas
epistemológicas que permitem a valorização da história e cultura
desses sujeitos, conforme preconiza a Lei 10.639/2003.
A lei supracitada e suas diretrizes curriculares preconiza a
obrigatoriedade do ensino da História e Cultura afro-brasileira, com
vistas no combate das propostas de visão culturalmente hegemônica,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica
e política pertinentes à História do Brasil. A partir de então, pensar
em identidade racial, é deixar a transversalidade do assunto e tomá-
lo como questão central da produção de um discurso de
conhecimento, poder e identidade dentro de um currículo proposto,
sobretudo no resgate e manutenção da memória e identidade de
comunidades consideradas minoritárias: os quilombos. Contudo,
observam-se ainda, nos currículos propostos, ideias folcloricamente
engessadas, distanciadas e terapêuticas, de um documento que está
longe de movimentar e relacionar memória e história para a
consolidação da identidade do negro dentro das comunidades
quilombolas. Urge, desta forma, a necessidade de reflexões e debates
sobre a influência do currículo escolar para a construção da memória 43
e identidade do negro dentro das comunidades quilombolas,
historicamente registradas como antros de negros rebeldes,
silenciados pela marginalidade imposta por uma sociedade elitista.
Desta forma, percebemos a importância da reflexão acerca da
influência do currículo para a construção da memória e identidade
do negro dentro da comunidade quilombola do Bom Sucesso. Na
maneira como os materiais didáticos participam para a construção
de mecanismos de controle e silenciamento das memórias e
identidades neste território e como se articulam memória e história
dentro da tradição oral evocada nas práticas pedagógicas.

Materiais e metodologia

O cenário de investigação escolhido é a Comunidade Quilombola de


Bom Sucesso, localizada na zona rural do município de Mata Roma,
situado a leste do Maranhão. A área ocupada hoje encontra-se muito
próxima de onde se encontrava, no século XIX, fazenda Lagoa
Amarela, sede das operações comandadas por Negro Cosme na
Balaiada. O território conta hoje com 38 comunidades. Todos os
habitantes são de descendência comum: os escravos do Brigadeiro,
termo genérico utilizado no passado para referendar os senhores de
escravo. O lócus específico a ser pesquisado, encontra-se, portanto,
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

na Escola de Ensino Fundamental localizada na sede da


comunidade. A ideia parte do convívio direto com a comunidade em
constantes observações e cotejamento de teorias que
transversalizam a produção e controle de sentidos do discurso
(Foucault) e o currículo (Silva) como formas de controle e violência
simbólica.

Nesta pesquisa, buscamos compreender os efeitos de sentido


construídos em torno da identidade do quilombo a partir do
currículo aplicado no Ensino Fundamental, propondo intervenções
que nortearão para o resgate e manutenção da memória na
comunidade.

Propomos a realização de um estudo de campo, sob a orientação da


abordagem qualitativa em pesquisa educacional (FLICK, 2004),
processo que consistirá em uma observação direta de um grupo em
estudo, contemplando entrevistas aos sujeitos, com vistas na
captação de informações e explicações das percepções do entorno
social, com procedimentos que ensejarão a análise de documentos,
fotografias, filmagens etc. No processo de sistematização e coleta de
dados utilizaremos técnicas e instrumentos de coleta de dados com
44 objetivos exploratórios: observações diretas e entrevistas
semiestruturadas, buscando valorizar todo o processo investigativo,
analisando a realidade dos sujeitos envolvidos, no processo das
entrevistas. Dessa forma, as observações e as entrevistas
semiestruturadas serão feitas com um roteiro de perguntas abertas e
com registro de gravador, a fim de compreender os sujeitos
pesquisados a respeito de suas práticas educativas por meio da
descrição dos acontecimentos em torno da questão central da
pesquisa. As informações coletadas serão transcritas e apresentadas
ao colaborador para aprovação e utilização para os registros da
pesquisa (MEIHY; HOLANDA, 2007)

Resultados e discussões

Até o momento, com o início das pesquisas foi possível constatar,


através da observação direta e visita às residências, um apagamento
da memória cultural do quilombo de Bom sucesso, no que tange às
festividades e do ensino da história oral pelas gerações mais antigas.
Segundo impressões iniciais dos sujeitos consultados, falta aos
educadores e gestores educacionais, estes últimos encaminhados por
indicação da política local, as informações necessárias para manter
viva a memória da comunidade através dos contos, cantigas e festas.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Conclusão

Diante dos resultados até agora observados, podemos inferir acerca


da importância que o currículo oficial possui para a construção da
memória e identidades étnico-raciais, dentro da comunidade
quilombola do Bom Sucesso. A escolha de materiais didáticos para
cumprimento do disposto no currículo oficial devem assegurar o
cumprimento da Lei 10.639/2003, ressaltando a preservação,
reflexão e debates acerca memória e identidade da comunidade,
contribuindo para a emancipação social, ao articular memória e
história oral, nas práticas educativas realizadas no espaço educativo.

Referências

ARRUTI. José Mauricio. "Quilombos". In: Raça: Perspectivas


Antropológicas. [org. Osmundo Pinho]. ABA / Ed. Unicamp /
EDUFBA, 2008;
FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2 ed.
Porto Alegre: Bookman, 2004;
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 22ª. Ed. São Paulo:
Loyola, 2012;
LOPES, Alice Casemiro e MACEDO, Elizabeth. Teorias de 45
currículo. São Paulo: Cortez, 2011;
NASCIMENTO, A. do. O quilombismo. 2. ed. Brasília: Fundação
Palmares, 2002;
MEIHY, José Carlos Sebe Bom e HOLANDA, Fabíola. História
Oral. Como fazer, como pensar. 1. ed. São Paulo: Editora
Contexto, 2007;
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos
históricos, v. 2. Rio de Janeiro, 1989.
RATTS, Alecsandro J. P. (Re)conhecer quilombos no território
brasileiro; In:FONSECA, Maria de Nazareth Soares (Org.) Brasil
afrobrasileiro. Belo Horizonte, Autêntica, 2001;
SCHMIDT, Mª Luíza Sandoval e MAHFOUD, Miguel. Halbwachs:
memória coletiva e experiência. São Paulo: USP, 1993;
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma
introdução às teorias do currículo. 3ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2009;
SOUZA FILHO, Benedito de. Bom Sucesso: terra de preto,
terra de santo, terra comum. Dissertação de mestrado em
Antropologia Social. Belém: UFPA, 1998;
VAN DIJK, Teun A. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, 2015.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

UMA ALEGORIA DO PROCESSO COLONIAL NA AMÉRICA


PORTUGUESA ATRAVÉS DO FILME AVATAR: UMA
EXPERIÊNCIA COM AULA OFICINA NO ENSINO
FUNDAMENTAL II

André Moreira da Silva

A experiência relatada e discutida aqui foi elaborada e executada na


cidade de Vitória da Conquista - BA em turmas do 7º ano do Ensino
Fundamental de um colégio público, a saber, o Centro Integrado
Navajo de Brito. A atividade foi realizada num total de cinco aulas,
cada uma com 50 minutos e consistiu no desenvolvimento de
painéis considerando o conhecimento dos alunos a partir de
discussões prévias acerca da temática indígena e do processo de
colonização na América portuguesa e diante da exibição e
contextualização do filme Avatar (2011), de James Cameron.

A aprendizagem de história desenvolvida ao longo da experiência de


aula oficina apresentada pretendeu permitir aos alunos modificar
46 opiniões, paradigmas e preconceitos comumente evidenciados a
partir da problematização da questão indígena na sala de aula, na
formação cultural na América e também propôs-se a lançar um olhar
sobre os processos coloniais no continente.

Partimos, para tal, da concepção da sala de aula como espaço de


interatividade e troca mútua de conhecimentos pensando-a como
um ambiente propício para o desenvolvimento do diálogo
professor/aluno em função de uma melhor estruturação e
construção de visões e significações que permeiem a realidade de
cada indivíduo social não apenas ao estabelecer tais conexões, mas, e
especialmente, em seu convívio no cotidiano, nos mais variados
contextos sociais nos quais transita.

De acordo com Terezinha Azerêdo Rios (2008), a aula é uma


construção realizada tanto pelos professores quanto pelos alunos,
estabelecendo um diálogo entre as diferentes partes, sob a premissa
básica de que, apesar das diferenças, todos, indistintamente, são
capazes de ensinar/aprender algo novo com o outro, a propósito, é
esta mesma diferença que nos possibilita conhecer e ampliar os
horizontes. Conforme nos lembra Freire:
POR UM OUTRO AMANHÃ

Não há docência sem discência [sic], as duas se explicam


e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não
se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem
ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender. (FREIRE, 1996, p. 23), grifo meu.

A elaboração da aula-oficina pretendeu, dessa forma, estabelecer


entre professor e alunos, amarrações que dessem condições de
organizar os conhecimentos adquiridos não apenas em sala de aula,
mas ao longo da trajetória de vida de cada um dos indivíduos. Desta
maneira suas experiências pessoais, seu modo de pensar o mundo,
seus hábitos e práticas estiveram intimamente conectados àquilo
que se pretendia observar e desenvolver em sala de aula. Este
mecanismo de ensino permite, conforme Isabel Barca (2004),
romper a tradição reducionista e simplificada da observação de
fontes históricas e do próprio conhecimento histórico pelos alunos
ao abordar de diversificadas maneiras questões que os provoque e
que os estimule a partir da elaboração de conexões entre a vivência
dos indivíduos envolvidos e o saber histórico.

O conhecimento histórico objetiva perceber os processos e a ação


dos sujeitos históricos analisando os relacionamentos estabelecidos 47
entre diversos grupos humanos em diferentes períodos e em
diferentes locais. Essa premissa se fez presente ao longo da prática
aqui analisada, pois a partir dela, foi possível observar diferentes
maneiras de, por exemplo, manifestações culturais de uma nação,
povo ou grupo social, num dado período (ou mais), nesse caso, em
específico, permitiu inclusive associar às discussões a questão do
silêncio atual acerca dos grupos indígenas que habitavam a região do
Planalto da Conquista na região sudoeste da Bahia. Foram utilizados
previamente diversos mecanismos para este fim como imagens,
músicas, relatos de viajantes, pinturas, material arqueológico, etc.

Quando devidamente esclarecidos e ponderados os objetivos, as


atividades propostas - pesquisa de fontes históricas, relatos
familiares, uso de relatos da memória local acerca do tema,
conhecimentos próprios adquiridos em vivência - deveriam mostrar-
se eficientes na discussão, na concepção e organização dos textos. Na
verdade, a conclusão destas atividades pretendeu, acima de tudo,
levar à desconstrução de paradigmas e preconceitos que com certa
naturalidade se fundamentam ao longo da vida de cada indivíduo,
não pela vontade ou ação exclusiva do docente, mas a partir do
estabelecimento de diálogos que valorizem o caráter pessoal de cada
indivíduo na medida do possível.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Dessa forma, foi elaborada uma análise que aprofundasse o


entendimento da amplitude de possibilidades de análise histórica
das relações humanas enxergadas a partir de uma série incontável
de objetos, quer dizer, no bojo dos estudos acerca dos relatos das
atividades e dos frutos elaborados pelos seres humanos está a sua
passividade de observação historiográfica. Estabelecer relações com
outros saberes permite maior profundidade aos exames históricos
sobre as mais variadas temáticas sejam elas políticas, econômicas,
culturais, em âmbitos públicos ou privados, tratando casos
específicos ou amplos é claro, dentro de suas possibilidades
(BURKE, 1992).

Dadas as devidas coordenadas e, discutindo com os alunos acerca


dos primeiros contatos entre indígenas e europeus na América e no
Planalto da Conquista, foi proposta a observação do filme Avatar
(2011), de James Cameron. A forma como se pretendeu observar o
filme, construindo paralelos entre ficção e realidade e pontuando
estas relações, permitiu ilustrar relatos históricos e desenvolver suas
habilidades de identificação e concentração diante das propostas de
análise da mídia. Ao relacionar aspectos como as questões
48 econômicas e organicidade política dos povos nativos, os novos
costumes e veículos de padronização cultural utilizados pelos
estrangeiros e os mecanismos de resistência daqueles primeiros,
almejou-se estimular a percepção da classe para estes quesitos
quando aplicados aos nativos da região sudoeste da Bahia, em
especial, ao apresentar narrativas históricas, recortes de periódicos
locais, imagens e narrativas que denunciem estas pontuações.

A obra de ficção científica de Cameron traz a história de um soldado


americano, Jake Sully, num planeta chamado pelos colonizadores
humanos de Pandora. Os humanos transmitem sua cultura para os
nativos ao passo que ambicionam simultaneamente obter lucros
utilizando matéria-prima de uma região considerada sagrada pelo
grupo nativo Na'vi.

Como atividade proposta os alunos tiveram a oportunidade de


montar painéis contendo ilustrações, colagens e texto escrito
objetivando representar desta forma as observações feitas a partir da
leitura do filme e dos relatos históricos examinados. Cada cartaz
continha uma confecção relacionada a uma temática definida
previamente e contextualizada ao tema geral. Os alunos foram
divididos em dois grandes grupos nos quais orientados por eixos,
tentaram identificar aspectos apresentados no filme que podem ser
POR UM OUTRO AMANHÃ

relacionados ao processo histórico analisado na aula. Seguindo o


proposto, as ilustrações e colagens foram realizadas obedecendo
seus respectivos agrupamentos e micro temas. Em seguida foram
apresentados à turma. Dessa forma, obtivemos:

Europeus Nativos
Apontar os
interesses e as
Apontar a relação dos
Grupo 01 questões Grupo 04
nativos com a terra
econômicas
envolvidas
Apontar as
Apontar a diversidade
tentativas de
Grupo 02 Grupo 05 política/organizacional
padronização
dos nativos
cultural
As formas de As formas de
Grupo 03 Grupo 06
violência resistência

Conforme o historiador francês Marc Ferro (2010), o cinema pode


proporcionar duas importantes perspectivas históricas, a primeira
diz respeito à análise do filme enquanto resultado das relações
estabelecidas no período de sua produção. Uma vez que o mesmo é 49
construído por um grupo social e destinado a um público
característico dentro de um contexto histórico específico, as
representações feitas por estes grupos de seus personagens, seu
roteiro, suas imagens, etc. são capazes de delinear muito claramente
ideais que se tenham por objetivo enaltecer ou mesmo depreciar.
Além disso, trata-se de uma obra realizada por profissionais das
mais diversas áreas, o que pode criar um leque ainda maior de
referências e proposições na sua constituição. Sem dúvida, afirma
Ferro,

esses cineastas, conscientemente ou não, estão cada um a


serviço de uma causa, de uma ideologia, explicitamente
ou sem colocar abertamente as questões. Entretanto, isso
não exclui o fato de que haja entre eles resistência e
duros combates em defesa de suas próprias ideias.
(FERRO, 2010, p. 16).

A segunda análise está relacionada com a forma como um dado


contexto é apresentado ao público de um momento histórico
diferente. Neste caso, Ferro chama a atenção para os discursos
construídos por um grupo social a respeito de outro grupo - nos
chamados filmes históricos. As representações são apontadas aqui
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

como uma tentativa de "resgate", não do contexto da produção


fílmica, mas daquele que se tenta retratar. Passa, assim, a
estabelecer parâmetros que recuperem ou evoquem representações e
práticas de outro contexto. Apesar disto, o total distanciamento de
seu próprio tempo é impossível. As leituras feitas dependem,
imprescindivelmente, do período histórico aos quais aqueles que o
fazem estão inseridos (FERRO, 2010, p. 21).

Compreendemos, dessa forma, que Avatar, ainda que não


pretendesse representar os processos de colonização nas Américas,
ou algum outro período histórico - conforme a segunda proposição
de Ferro, o filme é capaz de proporcionar considerações bastante
pertinentes como alegorias ao período colonial na América se forem
observadas, é claro, as devidas orientações.

Os painéis foram expostos à turma e, associando pontuações feitas


no decorrer das aulas anteriores e conhecimentos prévios dos
alunos, foram levantadas questões para discussão. Neste momento,
os alunos expuseram dúvidas, posicionamentos e discursos
evidenciados cotidianamente acerca do tema.
50 Pensar os espaços, ambientes, as tradições (ou o que delas resistiu
ao tempo), os mecanismos de configuração cultural europeia, as
formas de resistência e o pouco que vemos a respeito da cultura
indígena nesta região abriu uma série de perspectivas relacionadas à
temática. A utilização da metodologia de aula oficina permitiu
esboçar de forma clara e eficiente estas propostas.

Este mecanismo de ensino é capaz de proporcionar um aprofundar-


se maior e mais intenso nos objetivos escolhidos. Por prever a
inclusão de saberes, costumes e práticas das pessoas envolvidas nas
atividades, se não estiverem bem direcionadas e bem
fundamentados os objetivos, corre-se o risco de desnortear o ensino
proposto ou simplificar tudo à possibilidade de transformar as
situações históricas a seu bel-prazer ignorando, assim, as
determinações históricas e condições sociais, políticas e econômicas
as quais todos estamos submetidos (SEFFNER, 2013, p.55).

Para a prática desta metodologia, conforme notado acima, é


imperativo que estejam bem delineados os interesses e a constante
ênfase nas competências que se pretendem desenvolver. É possível,
a partir da utilização destes métodos, fugir do tradicionalismo ao
dispor diversas fontes históricas e considerar como elemento
importante o conhecimento e as leituras que os alunos fazem em sua
POR UM OUTRO AMANHÃ

vida pessoal. Estes atributos permitem a discussão de preconceitos,


paradigmas e permite também que os discentes da disciplina de
História compreendam em seu tempo conceituações e fragmentos
dos tempos passados.

Referências

BARCA, Isabel. Aula oficina: do projeto à avaliação. In: Para uma


educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de
Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em
Educação (CIED). Instituto de educação e Psicologia,
Universidade do Minho, 2004, p. 131-144.
BURKE, Peter. A Revolução Francesa da historiografia: a
Escola de Annales (1929-1989). São Paulo: UNESP, 1992.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.
FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
RIOS, Terezinha Azerêdo. A dimensão ética da aula ou o que nós
fazemos com eles. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Aula:
Gênese, dimensões, princípios e práticas. Campinas, SP:
Papirus, 2008.
SEFFNER, Fernando. Aprendizagens significativas em história: 51
critérios de construção para atividades em sala de aula. In:
GIACOMONI, Marcelo Paniz; PEREIRA, Niltom Mullet. (orgs.).
Jogos e ensino de história. Porto Alegre: Editora Evangraf, 2013,
p. 47-62.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ENSINAR HISTÓRIA ANOS INICIAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL: DESAFIOS NA FORMAÇÃO DO
PEDAGOGO

Andréa Giordanna Araujo da Silva

Introdução

O construto apresenta os resultados da pesquisa sobre a formação


do professor-pedagogo que leciona história nos anos iniciais do
ensino fundamental e do trabalho de elaboração de arquétipos de
programas curriculares para o ensino de história. Considerando as
diretrizes oficiais para o ensino da disciplina no Brasil e as
demandas sociais e culturais das escolas públicas e privadas da
região metropolitana de Maceió, o estudo foi desenvolvido no
período de 2012 a 2013 e teve como coautores os estudantes do
curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Logo, como referência oficial, para o desenvolvimento das atividades


52 de pesquisa e para a elaboração dos arquétipos curriculares,
utilizou-se os seguintes documentos: Lei nº 11.645/03, Lei nº11.
645/08 e Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de
História (nos anos iniciais do Ensino Fundamental).

Na elaboração dos programas curriculares "experimentais"


consideraram-se, ainda, como subsídios teóricos, metodológicos e
práticos, os saberes e práticas apreendidos pelos graduandos nas
disciplinas de "Educação e Diversidade Étnico-Racial", "Tópicos de
História da Educação em Alagoas" e "Estágio Supervisionado", que
se caracterizam como vivências concomitantes ou estudos anteriores
às práticas das disciplinas Saberes e Metodologias do Ensino de
História I e II, em que estavam matriculados os estudantes de
Pedagogia participantes da pesquisa, que também já atuavam como
professores (ou estagiários) em escolas públicas e privadas.

Como o estudo teórico e a criação apresentaram-se como atos


associados, a pesquisa seguiu três movimentos: primeiro realizou-se
o estudo de textos acadêmicos que tratavam da constituição da
História como disciplinar escolar no Brasil, das correntes
historiográficas e pedagógicas que têm influenciado o ensino de
história na Educação Básica e das especificidades do conhecimento
histórico escolar. Por conseguinte, realizou-se a análise das
POR UM OUTRO AMANHÃ

propostas de ensino de história expressas nos projetos políticos


pedagógicos das instituições de ensino em que os estudantes
atuavam como professores ou em que estavam realizando o estágio
supervisionado, e, também, a análise de coleções de livros didáticos
e de "Sistemas de Ensino", que funcionavam como se fossem o
currículo escolar. E no último momento, a partir da criação de
grupos de estudo, discussão e produção, os estudantes elaboram
protótipos de programas curriculares para o ensino de história, nos
cinco primeiros anos do Ensino Fundamental, considerando a
realidade sociocultural das comunidades escolares em que atuavam
como professores ou estagiários.

Ao contrário de ser um modelo-padrão ou uma prescrição para as


escolas, a elaboração do arquétipo curricular teve por objetivo
propiciar ao graduando participar (mesmo que de forma simulada)
do processo de discussão, aprofundamento e confronto teórico e
político necessário a elaboração das práticas pedagógicas no interior
das escolas.

É importante salientar que no campo da Pedagogia, o trabalho do


professor configura-se como uma atuação de caráter polivalente, na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Logo, 53
para esse profissional em formação, as disciplinas que tratam de
questões metodológicas e didáticas são fundamentos indispensáveis
à realização das práticas didático-pedagógicas nos diferentes campos
disciplinares (língua portuguesa, matemática, ciências, história,
geografia, arte e, em alguns casos, educação física), especialmente
durante a realização das atividades de estágio. Por conseguinte, o
estudo partilhado e as experiências de pesquisa de campo, voltadas à
identificação e compreensão das práticas e problemáticas que
corporificam o ensino da História, possibilitam ao futuro pedagogo
analisar, refletir e intervir na constituição dos conhecimentos
escolares.

Porém, a forma como a produção do conhecimento histórico escolar


é tratada tem forte influência sobre a atuação do Pedagogo no
interior das escolas. Assim, existem duas formas de apreciação do
conhecimento histórico escolar. A primeira seria observá-lo como a
simplificação e vulgarização do conhecimento histórico acadêmico e
a segunda seria caracterizá-lo como uma produção cultural (campo
de conhecimento) autônoma e específica (FONSECA, 2004;
BITTENCOURT, 2009).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Segundo a primeira vertente explicativa, o corpo de saberes


constitutivos da disciplina de História, integrante do currículo
escolar, seria resultante de uma transposição didática. Ou seja, o
conhecimento histórico escolar seria um tipo de reestruturação dos
saberes científicos, mediada por instrumentos didáticos. Essa
percepção do conhecimento disciplinar posiciona a escola como
receptora e reprodutora passiva de conhecimentos externos
(científicos). Tal prepositiva serve de respaldo teórico e
metodológico para configuração de programas curriculares
elaborados por especialistas e legitima a hierarquização de funções e
poderes no campo educacional. Sendo assim, os professores
universitários são apresentados como pesquisadores, produtores de
conhecimento, e como grupo sócio-político e intelectual qualificado
para definir os rumos da escola. Já o corpo docente da Educação
Básica estaria condicionado à categoria de reprodutores de saberes e
executores de tarefas didático-pedagógicas (aplicadores de métodos
e técnicas de ensino).

A percepção do professor como receptor, reprodutor e executor de


tarefas se agrava na constituição das propostas curriculares para os
anos iniciais do Ensino Fundamental (e na educação Infantil). Como
54 os professores polivalentes não participarem de um processo de
formação específica, por campo disciplinar, suas capacidades de
vivenciar, de forma qualitativa, os saberes do campo da História é
apresentada como limitada (BITTENCOURT, 2009). Tal constatação
acaba por legitimar as intervenções realizadas por especialistas (e
editoras) na constituição dos currículos escolares, sem a participação
efetiva do conjunto de profissionais que trabalham diretamente com
as crianças. Por conseguinte, as intervenções e orientações técnicas,
efetivadas por especialistas, acabam servindo como instrumentos
silenciadores de um problema maior: a falta de qualidade da
formação inicial dos professores polivalentes para o trabalho com
saberes e práticas de diversos campos disciplinares. A interferência
de especialista na composição do currículo atenua, ou silencia, as
discussões conflituosas em torno da formação sociocultural,
intelectiva, ético e política dos professores polivalentes a ser ofertada
nas universidades.

A segunda tendência explicativa apresenta o conhecimento histórico


escolar como uma produção cultural autônoma e específica. Ou seja,
as disciplinas escolares "não são nem uma vulgarização nem uma
adaptação das ciências de referência, mas um produto específico da
escola, que põe em evidência o caráter eminentemente criativo do
sistema escolar." (JULIA, 2001, p. 33). A ação docente é um ato
POR UM OUTRO AMANHÃ

coletivo delineado por contribuições culturais, históricas,


econômicas, políticas e pedagógicas. Como um microssistema,
funcionando dentro de um macrossistema (a sociedade), a escola se
estrutura por uma rede tensionada de relações que originam a
negociação de objetivos, sentidos e significados entre os sujeitos da
escolar e os dispositivos oficiais (diretrizes curriculares oficiais).

Por conseguinte, mais que uma simplificação ou reprodução, os


conteúdos e práticas constitutivos do conhecimento histórico escolar
são recriações de sentidos e de significados, mediadas pelo mundo
físico (natural) e social (cultural) em que se inserem alunos e
professores. Assim, os conhecimentos disciplinares escolares se
distanciam do currículo prescrito (oficial) e dos conhecimentos
acadêmicos (ciências de referência) porque sofrem a interferência
dos objetivos, necessidades, interesses e posicionamentos políticos
da comunidade escolar.

Destarte, as propostas curriculares prescritas constituem-se pela


idealização de um tipo específico de professor e de escola
(BITTENCOURT, 2009), logo não abarca a pluralidade de contextos
socioprodutivos, culturais e étnicos da sociedade. Ainda, temáticas e
práticas normatizadas, usualmente, tomam como referência a 55
existência e atuação de um corpo docente com habilidades
intelectivas e investigativas que não correspondem ao tipo de
instrumentalização recebida nos espaços de formação de professores
de História, tão pouco dos pedagogos.

Assim, a História se torna conhecimento histórico escolar após


passar por dois filtros político-culturais: um acadêmico, onde se
constitui como parte do acervo cultural a ser transmitir de forma
oficial e sistemática, e o outro circunscrito pelo contexto e demandas
formativas das instituições de ensino.

Nessa via de argumentação, observa-se que o conhecimento


disciplinar escolar resulta de duas formas de intervenção político-
pedagógica imprimida ao conhecimento acadêmico: uma oficial e
outra local. A primeira corresponde à mediação didática efetivada
aos conhecimentos acadêmicos, por dispositivos oficiais e
pedagógicos, para que eles se tornem ensináveis e consensuais às
diretrizes oficiais. A interferência local corresponde as reelaborações
efetivadas coletivamente na organização do programa curricular
escolar e nas práticas de sala de aula. Seleções e recriações que
negam, silenciam, omitem e/ou substituem os conhecimentos e
práticas estruturantes dos currículos prescritos. São esses
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

movimentos que fazem do currículo de História um espaço flexível e


de possibilidades, e que se transforma de acordo com os contextos
socioculturais.

É importante esclarecer que, embora, o conhecimento histórico


acadêmico e o conhecimento histórico escolar apresentem
características específicas e funções sociais distintas, ambos têm o
seu valor social e político definido por seu caráter científico. Tal
condição independe da corrente historiográfica a que vincula o saber
produzido e disseminado. Pois a escola (que oferta o ensino básica
ou superior) caracteriza-se como um canal objetivado de acesso ao
conhecimento científico.

Neste sentido, o papel da escola é garantir o acesso ao conhecimento


sistematicamente produzido utilizando-se de processos
metodológicos e instrumentos didáticos que provoquem discussão,
análise, crítica, reflexão e criação. Logo, é fundamental que os
professores tenham conhecimentos teóricos sobre as diferentes
correntes historiográficas e abordagens pedagógicas (AZEVEDO;
STAMATTO, 2010), a fim de realizar o trabalho de seleção de
conteúdos e das metodológicas de forma articulada e coerente com o
56 objetivo formativo geral da escola: tipo de sujeito que se deseja
formar. Pois a definição do tipo de formação a ser ofertada pela
escola está diretamente ligada ao tipo de projeto societário que a
escola acolhe como ideal político, econômico e cultural.

É esse ideal que funciona como elemento indicativo dos critérios a


serem definidos na seleção dos conteúdos e dos procedimentos de
ensino. Por isso, na produção (simulada) do programa curricular,
desenvolvido com graduandos do Curso de Pedagogia, algumas
ações foram imperativas:

*Conhecer, interagir e dialogar com os sujeitos da


unidade de ensino (professores, alunos, diretor,
coordenadores, cozinheiras e secretários) e com
comunidade em que se inserir a escola, para
"inventariar" e classificar a ordem de prioridades das
demandas, necessidade e interesses formativos da
comunidade escolar;

*Definir que tipo de sociedade se desejava construir e


como a escola poderia colaborar com esse ideal futuro,
atuando no presente imediato dos estudantes;
POR UM OUTRO AMANHÃ

*Estudar em profundidade as correntes historiográficas,


as teorias pedagógicas e os saberes históricos definidos
nos documentos oficiais como necessário a formação das
crianças, a fim de realizar relações objetivas entre os
ideais formativos da instituição de ensino e os conteúdos
a serem selecionados como objeto de ensino e as práticas
didáticas a serem desenvolvidas.

Considerações Finais

Ao selecionar conteúdos conectados com as relações socioculturais


vividas pelos educandos e criar práticas pedagógicas que buscam o
desenvolvimento da "compreensão da realidade mais racional e
argumentativa, permanentemente submetida à reflexão a ao debate"
(SANTOMÉ, 2013, p.11), os graduandos ampliam suas habilidades
técnicas e passam a refletir de forma mais sistemática sobre os
interesses políticos e valores sociais fundamentais ao trabalho
docente.

Referências 57
ABUD, Kátia; SILVA, André; ALVES, Robaldo. Ensino de
história. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
AZEVEDO, Crislane; STAMATTO, Maria Inês. Teoria historiográfica
e prática pedagógica: as correntes de pensamento que influenciaram
o ensino de história no Brasil. Antíteses, vol. 3, n. 6, jul.-dez. de
2010, p. 703-728.
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e
métodos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
BRASIL. Lei nº10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede
de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-
Brasileira", e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639,
de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino
a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena".
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília:
MEC/SEF, 1997.
FONSECA, Thais Nívia. História e ensino de história. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.
JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico.
Revista Brasileira de História da Educação, n.1 jan./jun.
2001.
SAMTOMÉ, Jurjo. Currículo e justiça social: o cavalo de
Tróia da educação. Porto Alegre: Penso, 2013.

58
POR UM OUTRO AMANHÃ

ENSINO E DOSSIÊS: A CAVALARIA MEDIEVAL PARA SE


VER E APRENDER

Alan Rogério Raiol Ferreira

As dificuldades de ensinar e aprender história

Ensinar e aprender História nunca foram tarefas fáceis no Brasil.


Uma simples pesquisa sobre a trajetória da disciplina e de sua
prática de ensino pode, tranquilamente, comprovar essa realidade.
As raízes destas dificuldades estão fincadas no terreno preparado à
época regencial sob forte influência do liberalismo francês, mais
especificamente em 1838 com a inserção dos estudos históricos no
então Ginásio Nacional. Mesmo com o surgimento da dita "Nova
Historia" inaugurada pelos Annales na primeira metade do século
XX, o ensino da disciplina sempre foi um campo de discussões
teóricas, metodológicas e políticas acaloradas que dificultaram um
consenso acerca do lugar social da história. "Um currículo de
História é, sempre, um produto de escolhas, visões, interpretações,
concepções de alguém ou de algum grupo que, em determinados 59
espaços e tempos, detém o poder de dizer e fazer" (SILVA,
FONSECA, 2010, p. 16). Mudanças realmente concretas, resultado
das lutas de educadores durante a década de 1980, só puderam ser
observadas a partir dos noventa com medidas que impactaram
consideravelmente as percepções da história enquanto disciplina.
Dentre elas, a aprovação das Leis de Diretrizes e Bases (LDB) em
1996 e a implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
em 1997 impulsionaram o reconhecimento da História como
ferramenta importante à formação da identidade do indivíduo, da
pluralidade nacional e do fortalecimento da democracia. Contudo,
ainda é possível constatar um grande desinteresse dos aprendentes
bem como um desafio aos professores que,

de um lado, reclamam de alunos passivos para o


conhecimento, sem curiosidade, sem interesse,
desatentos, que desafiam sua autoridade, sendo
zombeteiros e irreverentes. Denunciam, também, o
excesso e a complexidade dos conteúdos a ministrar nas
aulas de História, os quais são abstratos e distantes do
universo de significação das crianças e dos adolescentes,
(CAIMI, 2007, p. 18)
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

de outro, os alunos

reivindicam um ensino mais significativo, articulado com


sua experiência cotidiana, um professor “legal”, “amigo”,
menos autoritário, que lhes exija menos esforço de
memorização e que faça da aula um momento agradável.
(CAIMI, 2007, p. 18).

É exatamente essa conjuntura que desperta os interesses de


pesquisadores que buscam, cada vez mais, estratégias e
metodologias que promovam uma experiência de aprendizagem da
História de forma mais atraente e prazerosa. Por isso, procuramos
expor a realidade da disciplina no ensino fundamental ajustando o
foco especificamente para a Idade Média procurando desfazer
estereótipos e apresentando-a como um período de importância
intensa para todo o ocidente.

A importância da imagem no estudo da Idade Média

Desde a grande revolução documental promovida pelo Annales,


ampliando as possibilidades de estudo do historiador, as imagens
60 ganharam imensurável importância por sua contribuição na
construção da história das mentalidades e da vida cotidiana entre
outros domínios. “Não seria possível desenvolver pesquisas nesses
campos reativamente novos se eles tivessem se limitado a fontes
tradicionais, tais como documentos oficiais produzidos pelas
administrações e preservado em seus arquivos” (BURKE, 2004,
p.11). Os estudos sobre as sociedades da pré-história, bem como da
Antiguidade, foram extremamente favorecidos com a aceitação das
imagens enquanto evidência tais quais os documentos escritos.
“Seria realmente difícil de escrever sobre a pré-história europeia, por
exemplo, sem a evidência das pinturas das cavernas de Altamira e
Lascaux, ao passo que a história do Egito antigo seria
imensuravelmente mais pobre, sem o testemunho das pinturas nos
túmulos” (BURKE, 2004, p. 12). As imagens, dessa forma, guardam
informações úteis e são vestígios indiscutíveis do momento em que
foram construídas, no nosso caso a Idade Média.

Neste período, a grande quantidade de iluminuras (pequenas


imagens capitulares com frisos em ouro ou prata que decoravam as
escrituras produzidas em conventos e mosteiros) e outras pinturas
nos possibilitam construir iconograficamente e de forma mais
compreensiva os pensamentos e costumes da época. Vejamos, por
exemplo, como, em parte, o medievo relacionava o corpo humano ao
POR UM OUTRO AMANHÃ

macrocosmo universal representado nas ilustrações do homem


zodiacal que constavam nos livros de medicina da Baixa Idade
Média. Ou, a percepção construída durante a grande peste, quando
não importava a classe social pois a morte igualava todos,
comumente retratada nas pinturas do século XIV que ficaram
conhecidas como “dança macabra”.

Outras expressões iconográficas foram relevantes para a obtenção de


informações onde a grande parte da sociedade era analfabeta. A
Batalha de Hastings, retratada na Tapeçaria Bayeux, foi reproduzida
com detalhes importantes que contam de forma clara como
aconteceu a conquista normanda da Inglaterra por Guilherme II da
Normandia. Enfim, as imagens contribuíram significativamente
para a compreensão mais cognoscível dos acontecimentos,
conferindo-as valor irrefutável de vestígio histórico da humanidade,
pois “nos permitem imaginar o passado de forma mais vívida”
(BURKE, 2004, p. 17).

A metodologia da utilização dos dossiês

A busca pela tentativa de um ensino da História mais atraente e


prazeroso demanda criatividade e compromisso docente. O 61
professor do século XXI está cercado de novas possibilidades e
tecnologias que podem ser extremamente úteis para o exercício da
sua função no objetivo de obter um aluno que, não apenas aprenda o
conteúdo, mas que o reflita. A proposta de atividade trata-se, assim,
da análise de imagens, ou melhor, da composição de dossiês
iconográficos.

O intuito dessas atividades deve ser "desenvolver uma autonomia


intelectual capaz de propiciar análises críticas da sociedade em uma
perspectiva temporal” (BITTENCOURT, 2004, p. 327), objetivo da
disciplina escolar História, e não esperar que o aluno "se transforme
em um pequeno historiador" (BITTENCOURT, 2004, p. 328).

Responsável pela supervisão desse tipo de atividade o professor deve


sempre ressaltar o caráter ilusório de que as imagens são
representações fieis do passado. "É preciso sublinhar que tais fontes
são construídas em contextos específicos, e que os receptores
poderão tanto introjetar acriticamente as mensagens veiculadas pela
escrita e pela imagem, como também (re)significá-las" (SILVA, 2011,
p. 2). Dependendo da abordagem da atividade, deve-se chamar a
atenção dos alunos para anacronismos, exageros estéticos, contexto
de produção e outras características que influenciem negativamente
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

a formação de conceitos a partir da tarefa.

Num contexto que privilegia as fontes escritas de conhecimento as


imagens ganham destaque e despertam a curiosidade. Deste modo,
tarefas dirigidas à análise dessas figuras propõem uma "experiência
rica de aprendizado, servindo para o questionamento das verdades
imagéticas estanques e, portanto, para a sua análise crítica" (FEIJÓ,
1997, apud SILVA, 2011, p.3).

A Cavalaria Medieval em imagens

A discussão sobre as dificuldades do ensino, passando pela tentativa


de desmistificar preconceitos e de oferecer novas metodologias para
o trabalho da disciplina História que constam neste artigo, é
resultado do trabalho desenvolvido no Projeto de Iniciação Científica
do Departamento de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão da
Faculdade Integrada Brasil Amazônia – FIBRA, onde a demanda
principal deste plano de atividades era a construção de uma
metodologia criativa para abordar a Cavalaria Medieval nas aulas do
ensino fundamental. Assim, a partir das reflexões sobre Idade Média
e, especificamente da Cavalaria Medieval, adequamos o tema à
62 proposta já citada da construção de dossiês iconográficos. Para
tanto, foi importante estabelecer alguns objetivos que regeriam a
composição do recurso.

Primeiramente, buscou-se analisar o livro didático utilizado nas


aulas. Apesar dos problemas da maioria dos manuais, algumas de
suas qualidades podem ser utilizadas para introduzir o aluno nos
processos de análises que são fundamentais para a progressão do
conhecimento histórico, e não podemos negar, os livros estão
repletos de imagens que, quase sempre, nem são exploradas como
poderiam. No entanto, atividade de análise de ilustrações não
precisa ficar retida às oferecidas nos livros, podendo compor dossiês
iconográficos preparados pelo educador com o objetivo de "fornecer
aos alunos uma série de dados que possam ser confrontados ou
comparados" (BITTENCOURT, 2004, p. 343).

Em geral a cavalaria é citada de forma extremamente superficial na


composição das classes sociais do medievo e sua relação com as
Cruzadas. Quase sempre o conceito de cavalaria e seu papel social
são pobres e generalizantes resultando numa imagem vaga desta
porção da história do ocidente. Assim, o dossiê começa
apresentando imagens que auxiliam na construção imagética da
cavalaria enquanto estratificação social e onde é possível observar e
POR UM OUTRO AMANHÃ

descrever um cavaleiro: quem é, como se veste, quais suas


ferramentas e qual sua função. É importante ressaltar que,
inicialmente, a cavalaria tratava-se se uma parcela da sociedade
voltada à atividade marcial da guerra e só depois tornou-se uma
instituição com peculiaridades clericais “colocando-a a serviço de
Deus e dos pauperes (...) sacralizando-a por meio de uma cerimônia
de iniciação específica, o adubamento” (CARDINI, 2006, P.473),
características da instituição Cavalaria. Este processo de sacralização
da cavalaria também pode ser apesentado através de imagens que
mostram o cavaleiro e sua relação com a Igreja. Em seguida, é feita a
descrição do cavaleiro instituído, bem como, do cavaleiro que
compunha as Cruzadas. O professor tem aqui, a oportunidade de
ressaltar todos os aspectos que diferenciam o cruzado da forma
original do cavaleiro, desde sua indumentária ao prestígio religioso
característico deste personagem.

A atividade permite ainda relacionar passado e presente quando


apresentamos aos alunos temas mais contemporâneos. É possível,
hipoteticamente, propor uma discussão sobre o papel da mulher na
Idade Média, com a possibilidade de sua participação na cavalaria, e
seu lugar na atualidade a partir de imagens como as ilustrações de
Joana d‟Arc por exemplo, poder ser excelentes pontos de partida 63
para discussões que despertem a criticidade do aluno. Não poderia
faltar no referido recurso as representações atuais do cavaleiro.
Assim imagens como a dos Cavaleiros do Zodíaco e reproduções de
filmes ajudam, a partir de comparativos, a identificar o que é
historicamente reconhecido como características do cavaleiro e o
que faz parte do mundo mítico, irreal e distorcido do cavaleiro “de
armadura brilhante que salva princesas e luta com dragões”.
Reforça-se mais uma vez o papel do professor como mediador e
condutor do aprendizado dos discentes adequando o foco das
análises empreendidas por eles.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A sacralização do cavaleiro (Foto: Arquivo


Dossiê Iconográfico
pessoal / Fonte da Imagem:
(Foto: Arquivo pessoal)
http://medievalimago.org/author/pauloedmar
quesgmail-com/page/5/)

64

Joana d‟Arc. Uma Cavaleira? Referências do dossiê


(Foto: Arquivo pessoal. Fonte da imagem: (Foto: Arquivo pessoal)
http://oblogdosespiritas.blogspot.com.br/20
09/09/biografia-joana-darc.html)

Considerações finais

Existem inúmeras possibilidades de diversificar as atividades em


sala de aula que beneficiam um aprendizado eficiente e mais
agradável. Muitas opções estão em trabalhos acadêmicos, como este,
realizados com o intuito de atribuir ao ensino de História uma
conotação diferente das que as gerações passadas têm levado para as
escolas. As perspectivas são, desta forma, a diminuição da distância
POR UM OUTRO AMANHÃ

que separa estas duas instâncias educacionais: ensino e


aprendizagem. Em outra frente, as formações continuadas são
excelentes formas de inserir-se nas pesquisas e assim, forçar uma
mudança mais significativa no ensino da disciplina. Muitos
trabalhos sobre a Idade Média por exemplo estão ao alcance de
qualquer professor e oferecem diversas opções de uso das novos
recursos didáticos ou a resignificação dos veículos tradicionais de
conhecimento. A tendência é de uma renovação constante com a
evolução das técnicas de pesquisa que já podem ser observadas em
alguns livros didáticos e nas próprias legislações que forçam uma
projeção na crescente qualidade dos conteúdos e nas formas como se
ensina e aprende História.

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História:


fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez. 2004
CAIMI, Flávia Eloisa. Por que os alunos (não) aprendem
História? Reflexões sobre ensino, aprendizagem e
formação de professores de História. Revista Tempo. v. 11, n.
21, p. 17-32, 2007.
CARDINI, Franco. “Guerra e cruzada”. In: LE GOFF, Jacques; 65
SCHMITT, Jean-Claude. (orgs.). Dicionário Temático do
Ocidente Medieval. Vol. I. Bauru – SP: Edusc, 2006, pp. 473-487
FONSECA, Selva Guimarães. A formação do professor de
história do Brasil: novas diretrizes, velhos problemas.
Disponível em: http://www.cefetes.br/gwadocpub/Pos-
Graduacao/Especializa%C3%A7%C3%A3o%20em%20educa%C3%A
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/t0853028647036.PDF> Acesso em: 24 jul. 2015.
SILVA, Edilene. Cinema e ensino de história: a Idade Média
em O Nome da Rosa de Jean-Jacques Annaud. O Olho da
História. Salvador (BA), n. 17, dez. 2011.
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino
de História hoje: errâncias, conquistas e perdas. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 31, n. 60, p. 13-33, 2010.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA


DOS ESTADOS UNIDOS E DAS RELAÇÕES
INTERAMERICANAS

Alexandre Guilherme da Cruz Alves Junior

Em livro didático utilizado em muitas escolas brasileiras públicas e


privadas, no capítulo referente à independência dos Estados Unidos,
encontramos um quadro explicativo da razão pela qual os norte-
americanos se autodenominam "americans". Para Mario Schmidt
(2002, p.70), "o que ocorre é que aquele país é tão poderoso que dá a
impressão de ser o dono de todo o continente".

Na verdade, essa vertente interpretativa baseia em parte de uma


corrente teórica bastante difundida nos anos 1960 e 1970, que
percebia a história latino-americana submetida aos interesses e
vontades do colosso do Norte.

Com afirma Moura (1980, p.43), "as interpretações de natureza


66 mecanicista e economicista estão bem exemplificadas na literatura
política que atribui, por exemplo, todo e qualquer acontecimento
importante na América Latina à ação do 'imperialismo americano'".

Essa "vitimização" da América Latina influenciou gerações de


estudiosos engajados em demonstrar que os interesses econômicos e
políticos norte-americanos haviam soterrado o desenvolvimento
social e econômico no subcontinente.

Para Gilbert Joseph (1998, p.5), a Teoria da Dependência orientou


diversas análises sobre as relações entre América Latina e Estados
Unidos, onde "'a subordinação estrutural da América Latina como
uma periferia dentro do sistema capitalista mundial foi responsável
pelo o desenvolvimento do subdesenvolvimento', entendido
principalmente em termos econômicos"

Neste sentido, os diferentes atores responsáveis pelas relações


interamericanas - governos, elites políticas, etc - eram interpretados
muitas vezes de forma monolítica, e, aparentemente, sem
contradições significativas, uma vez que a lógica econômica e
estrutural subordinava todos os demais aspectos dessas relações.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Para Perez Jr. (1992), o paradigma da dependência elaborou a visão


de uma América Latina passiva, subordinada aos interesses
econômicos e militares norte-americanos. Vítimas dos interesses dos
Estados Unidos, e também da traição de parte de suas elites, os
países da América Latina pareciam ter pouco controle sobre suas
histórias.

Por outro lado, recentemente podemos perceber algumas


modificações importantes em tais abordagens, repercutindo em
novas análises nas relações interamericanas. Para Sonia Torres
(2001, p.11)

"O fenômeno da globalização do mundo levanta uma


série de questões cruciais para os Estudos Americanos,
na medida em que exige que consideremos novas
construções e revisões criticas da modernidade. [...] Esta
crescente pluralidade, marcada pela co-existência de
culturas, língua (gens) e etnicidades cruzadas, na
cartografia cultural contemporânea, vem redefinindo os
rumos dos Estudos Americanos nos últimos anos".

Estudos Americanos no sentido proposto por Sônia Torres não se 67


refere apenas aos estudos de relações diplomáticas no sentido
tradicional, mas sim a uma gama variada de temas e abordagens que
abarcam objetos como literatura, política, fotografia etc., ampliando,
portanto, as questões capazes de contribuir para o entendimento das
relações entre Estados Unidos e América Latina.

Sendo assim, os novos olhares lançados sobre a história dos Estados


Unidos em geral, e das relações interamericanas em particular, têm
trabalhado de forma a buscar interpretações alternativas à
tradicional perspectiva do antagonismo norte x sul, ricos x pobres;
fortes x fracos de cunho estruturalista; ou o antagonismo das
leituras culturalistas que enfatizam os pares antitéticos civilizados x
bárbaros; anglos x latinos.

Como salienta Gilbert Joseph (1998, p.4),

"Passando longe de modelos político-econômicos


dicotômicos que vêem apenas dominação e resistência,
exploradores e vítimas, latino-americanistas [...] estão
sugerindo formas alternativas de conceituar o papel que
os Estados Unidos, outros atores estrangeiros e agências,
têm desempenhado na região durante os séculos
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

dezenove e vinte. Ao mesmo tempo, estão integrando


gênero, etnicidade, análises lingüísticas em suas
investigações; combatendo a separação convencional
entre as esferas <<públicas>> e <<privadas>> (e, assim,
expandir noções do político); incomodados com
categorias aparentemente fixas, como 'estado', 'nação',
'desenvolvimento', 'modernidade' e 'natureza'"

É importante salientar que este processo de revisão historiográfica


não está restrito a uma determinada corrente teórica ou disciplina
acadêmica, sendo possível perceber avanços em diferentes correntes,
como na Histórica Cultural, História Política, e mesmo uma
renovação nos estudos baseados no paradigma da Dependência.

Ainda em 1980, Gerson Moura, embora se utilize de conceitos como


imperialismo, dominação e dependência, já apontava para o
desgaste destes conceitos quando percebidos como determinantes
estruturais únicos nas relações internacionais.

Para Moura (1980, p.44), seria necessário analisar, o que ele


chamou, de "determinantes conjunturais", conjugados aos
68 "determinantes estruturais", ou seja, fatores intervenientes
observados na "curta duração".

"Quando falamos em conjugação de determinações


estruturais e determinações conjunturais, queremos
dizer que os processos imediatos de decisão política
guardam uma grande autonomia, isto é, não são simples
reflexos do sistema de poder".

Mais recentemente, Perez Jr, apontou para uma revisão teórica dos
chamados "dependentistas". Embora mantenha a premissa central
de que as relações interamericanas estão pautadas em Estados
Nacionais com poderes econômicos, políticos, sociais e militares
desiguais, Pérez Jr. (1992) sugere que um entendimento das relações
interamericanas não pode estar limitado às fontes produzidas
somente pela Casa Branca, ou pela simples leitura dos ofícios
produzidos pelo Departamento de Estado.

Para Pérez Jr. (1992, p. 108), "o escopo da investigação deve se


expandir para incluir o uso de fontes de arquivos e registros
públicos, bem como jornais, periódicos latino-americanos e outras
publicações e materiais inéditos".
POR UM OUTRO AMANHÃ

Além de considerar as fontes diplomáticas por um viés distinto do


tradicional, como já foi enfatizado anteriormente, é necessário
analisar e refletir também sobre a recepção brasileira e latino-
americana, analisando a repercussão na opinião pública e nos
discursos dos representantes dos diversos países, não trabalhando
apenas com o ponto de vista dos Estados Unidos.

Se por um lado não se pode compreender a história latino-


americana excluindo os Estados Unidos, por outro lado, os Estados
Unidos não podem ser interpretados como imunes às diferentes
formas de contato com seus vizinhos abaixo do Rio Grande. Para
Bender (2002), as histórias de outros países influenciam a história
norte-americana, e vice-versa, não apenas atualmente, na era global,
mas desde o século XV.

Neste sentido, é necessário ter uma visão aberta da história,


entendendo a história dos Estados Unidos e das Relações
Interamericanas como algo construído e delineado tanto
subjetivamente quanto por poderes objetivos, não necessariamente
vinculados aos grupos políticos e econômicos dominantes.

Referências 69
SCHMIDT, Mario Furley. Nova História Crítica. 7ª. Série. São
Paulo: Nova Geração, 2002.
JOSEPH, Gilbert M. Close Encounters Toward a New Cultural
History of U.S-Latin America Relations. In: LEGRAND, Catherine.
SALVATORE, Ricardo. JOSEPH, Gilbert M. Writing the Cultural
History of U.S.-Latin America Relations. Durham and
London: Duke University Press, 1998.
PEREZ JR, Louis A. Dependency. In: HOGAN, Michael J.
PATERSON, Thomas G. (orgs) Explaining The History of
American Foreign Relations. New York: Cambridge, 1992.
TORRES, Sonia. Estudos Americanos: Raízes Nacionais, Rumos
globais. In: TORRES, Sonia (org) Raízes e Rumos: perspectivas
interdisciplinares em estudos americanos. Rio de Janeiro:
7Letras, 2001.
BENDER, Thomas. Historians, The Nation, and the Plenitude of
Narratives. BENDER, Thomas. Rethinking American History
in a Global Age. Berkeley: University of Califórnia, 2002.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ENSINO DE HISTÓRIA E ESTÁGIO: PERCURSOS DE UMA


EXPERIÊNCIA

Antonio Alves Bezerra

Início de uma conversa...

O presente texto se configura a partir de interpretações das


experiências construídas nos meandros da mediação de duas
disciplinas do curso de graduação em História da UFAL: Prática de
Ensino de História e Estágio Supervisionado II e III, ao potencializar
o desafio de motivar jovens estudantes universitários aspirantes ao
"ofício de historiador", Marc Bloch (2001). Ao iniciarmos os
trabalhos das disciplinas observamos que parte dos protagonistas do
texto foram estudantes dos sextos e sétimos períodos do curso de
graduação em História da Universidade Federal de Alagoas no ano
de 2014.

Ao assumir a mediação das disciplinas - uma no primeiro semestre


70 (2014) e a outra no segundo semestre, sabíamos dos desafios que
enfrentaríamos ao buscar um diálogo entre a universidade e a escola
pública, notando-se que os aspirantes à docência na educação básica
para essa disciplina, de um jeito ou de outro já haviam passado ou
estavam experimentando os primeiros momentos da docência.
Outros, porém, estavam apenas matriculados em disciplinas
regulares da formação inicial.

Notadamente, deve-se observar que estes estudantes, além de


estarem vivenciando os primeiros momentos da docência, também
já haviam estado na condição de estagiários nas escolas quando
cursaram a disciplina de Prática de Ensino de História e Estágio
Supervisionado I.

Na oportunidade buscamos realizar uma avaliação diagnóstica


acerca das inquietações dos futuros "professores pesquisadores"
(TARDIF, 2012) tentando apreender qual seria o desejo destes
jovens frente às disciplinas que lhes eram apresentadas. Dessa
maneira, pareceu-nos que parte dos futuros docentes não
manifestava sentido algum com a experiência até então vivenciada
nas escolas quando ocorreu a primeira etapa de sua formação
(Estágio I).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Ao apresentarmos as disciplinas, explicitou-se na fisionomia dos


aspirantes à docência algumas inquietações: "mais cem horas de
estágio, mais planilhas a serem preenchidas, mais tempo perdido,
mais relatórios..."! Questões como estas são fáceis de serem ouvidas
e identificadas em qualquer ambiente universitário quando se trata
de estágios supervisionados para a docência na educação básica.
Antes de expor os planos de ensino das respectivas disciplinas e os
referenciais teóricos que seriam adotados como eixos norteadores
das mesmas, perguntei-lhes a respeito do que foi observado nas
escolas no primeiro momento do estágio: Que recordações tinham
daqueles momentos? O que lhes deixou inquietos face às múltiplas
práticas desenvolvidas nas escolas pelos docentes e técnicos
alocados naqueles espaços? As informações ali colhidas poderiam
ser utilizadas como referências para melhorar técnicas e
procedimentos metodológicos de ensino e pesquisa no ensino de
história? E os conflitos no âmbito da unidade escolar, como poderia
ser materializado em objeto de pesquisa para o ensino de história?
Alguns silêncios se fizeram notar, mas também múltiplas respostas
foram tecidas e justificadas naquele instante.

Na ocasião indagamos aos estudantes matriculados nestas


disciplinas o que gostariam de fazer nas escolas e/ou na sala de aula 71
(reportando-nos ao espaço da universidade) nesta segunda e terceira
fase de sua formação "teórico e prática", para usar a expressão de
Pimenta (2012). A maioria dos estudantes assinalou que "gostaria de
aprender a preparar e ministrar aulas de história na educação
básica"! Segundo eles, até aquele momento de sua formação não
haviam aprendido como preparar aulas. Perguntamos quem já
exercia à docência de história ou de outros componentes curriculares
do currículo básico? Alguns deles se manifestaram salientando que
já atuava como docente, não necessariamente ministrando a
disciplina de história, mas não se sentiram encorajados para expor a
sua prática cotidiana em sala de aula. Mesmo sem a formação inicial
concluída o docente traz consigo múltiplas experiências, inclusive de
professores que estiveram presentes em suas vidas desde as séries
iniciais. Nesse aspecto cabe observar que

Um professor raramente tem uma teoria ou uma


concepção unitária de sua prática; ao contrário, os
professores utilizam muitas teorias, concepções e
técnicas, conforme a necessidade, mesmo que pareçam
contraditórias para os pesquisadores universitários. Sua
relação com os saberes não é a busca de coerência, mas
de utilização integrada no trabalho, em função de vários
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

objetivos que procuram atingir simultaneamente


(TARDIF, 2012: p.263).

O autor descortina a hipótese de que no cotidiano da sala de aula


muitos saberes são mobilizados por parte dos professores que
mediam as atividades didáticas. Cada aula é única. Sabe-se que o
professor, além de ser um mediador entre o conhecimento e o aluno
na disciplina, é, sobretudo, um mediador de conflitos. Por essa
razão, muitas dificuldades se somam no momento de compreender e
escrever acerca de suas práticas, pois estes se tornam sujeitos de
múltiplas ações ao assumirem uma sala de aula.

Tardif (2012: p.263) entende que o professor da educação básica


"atinge simultaneamente diferentes tipos de objetivos na sala de
aula", observando que este monitora os grupos de estudantes,
motiva-os, leva-os à concentração no desenvolvimento das mais
variadas atividades propostas, ao mesmo tempo em que atribui
atenção individualizada a estudantes com dificuldades de
aprendizagem; implementa atividades e, simultaneamente, debruça-
se acerca da progressão das mesmas junto aos estudantes das mais
variadas séries/anos, buscando explicar aos sujeitos envolvidos no
72 processo de ensino e aprendizagem, de forma individualizada e/ou
coletiva, promovendo a compreensão e aprendizagem dos
estudantes nos múltiplos estágios de formação nos quais se
encontram.

O autor explicita que a postura profissional do docente da educação


básica nos faz compreender que essa trama que se tece em cada aula
no espaço escolar é muito complexa de ser explicada sob a
perspectiva dos próprios professores da educação básica e às vezes
pelos próprios especialistas em âmbito universitário.

Recuperando o espaço da trama em que se teceram as atividades


desenvolvidas pelas disciplinas citadas anteriormente, consideramos
muito sério assumir uma sala de aula antes da conclusão da
formação inicial, mesmo compreendendo as dificuldades financeiras
de cada um dos professores que estão na condição de estagiários.
Sinalizamos, também, que muitas surpresas poderiam se configurar
nessa trajetória prematura da profissão, que dificuldades poderiam
ser somadas a essa atuação acelerada da docência, podendo até
ocasionar a desistência da profissão, pois muitas vezes os estudantes
ainda não apresentam discernimento dos ingredientes que
circundam a cultura escolar e, sobretudo, na sala de aula: conflitos,
tensões e embates com a comunidade interna e externa que, na
POR UM OUTRO AMANHÃ

maioria das vezes, não são de sua responsabilidade, mas de um


conjunto de questões que se imbricam nos sistemas de ensino - que
se apresentam pouco efetivos do ponto de vista político, econômico e
social. Apontamentos trazidos por Pimenta (2012: p. 43) são
categóricos ao fazer notar que

"No estágio dos cursos de formação de professores,


compete às instituições formadoras possibilitar aos
futuros professores a compreensão da complexidade das
práticas institucionais e das ações aí praticadas por seus
profissionais como alternativa no preparo para a sua
inserção profissional".

Ancorado a essa reflexão, ponderamos que a docência é uma das


poucas profissões que permite ao profissional assumir
responsabilidades do cargo antes mesmo do término de sua
formação inicial, especialmente em estados com déficit de
profissionais da educação, como é o caso de alguns estados das
regiões Norte e Nordeste do país.

Com isso, experiências metodológicas de ensino de história são


postas em prática por estes jovens com pouca eficiência na sala de 73
aula do ponto de vista pedagógico. Destaque-se o uso dos manuais
didáticos de forma generalizada, a solicitação de resumos dos
resumos trazidos pelos manuais didáticos, a análise descritiva de
algumas imagens e outras práticas que pouco colaboram para uma
aprendizagem significativa do ensino de história.

Partindo das inquietações dos futuros e (alguns já professores da


educação básica), buscamos trazer a lume a proposta de trabalho
elaborada pela CENP/SP com assessoria dos professores Marco Silva
e Déa Fenelon Ribeiro nos anos oitenta, no estado de São Paulo, ao
encorajarem os docentes daquela rede de ensino a trabalharem eixos
temáticos no ensino de história nas salas de aulas.

O objetivo foi discutir alguns autores que dentre outras questões


tratassem das interfaces do ensino de história na educação básica
numa perspectiva construtivista, fazendo-nos distanciar das práticas
positivistas que tendiam focar no currículo de história um modelo de
ensino direcionado à "memorização, repetição, monólogo do
professor como espaço propício para a ideia de saber pronto e
acabado, restando a esse professor apenas a oportunidade de
transmitir o conhecimento", segundo Stephanou (1998: pp.19-20).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Eixos temáticos: algumas possibilidades

Ao serem provocados pelos autores debatidos na universidade


tornou-se visível que ser professor de história não era tão fácil
quanto parecia ser! Mas, mesmo sabendo dos desafios, os estudantes
demonstraram confiança no trabalho proposto pelas disciplinas e
buscaram, junto com o mediador, a superação das dificuldades.
Ao procurar o professor orientador de estágio in loco para formalizar
a segunda etapa das atividades "teórica e prática", os estudantes não
foram mais com "a cara e a coragem" para formalizar a referida
solicitação. Foram com uma proposta de intervenção nos planos de
ensino dos professores regentes que lhes orientariam na condução
das aulas. Com isso evidencia-se uma troca: ensina-se e aprende-se,
segundo Freire (1996). Tal prática faz notar que

O estágio, ao contrário do que se propugnava, não é


atividade prática, mas teórica, instrumentalizadora da
práxis docente, entendida esta como atividade de
transformação da realidade. Nesse sentido, o estágio
curricular é atividade teórica de conhecimento,
fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, esta,
74 sim, objeto da práxis. Ou seja, é no contexto da sala de
aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade que
a práxis se dá (PIMENTA, 2012: p.45).

Percebe-se que a disciplina Prática de Ensino de História e Estágio


Supervisionado pôde proporcionar aos estudantes da Licenciatura
em História da UFAL a oportunidade de aprender a construir um
plano de trabalho e, a partir de então, atentar-se aos procedimentos
a serem adotados na elaboração e regência de uma aula de história
no âmbito da educação básica, entendendo que "o saber da história é
possibilidade e não determinação" Freire (1996, p.85).

Na sequência, recorremos ao texto de Maria Elizabeth B. de


Almeida, intitulado "Desafios à educação: o trabalho com projetos"
(2001). A autora evidenciou algumas motivações que nos levou ao
desafio de trabalhar com projetos na educação básica e nos fez
pensar de forma efetiva na utilização de eixos temáticos na
elaboração das aulas de história. A ideia de projeto-aula teve como
premissa favorecer o estudante no sentido de buscar

"examinar criticamente a sociedade, além dos conteúdos


que abordam questões do presente, considerando suas
experiências cotidianas e motivando-o à construção de
POR UM OUTRO AMANHÃ

um relacionamento ativo e crítico com o saber, negando


o conhecimento como verdade absoluta e acabada"
(BASSO, 2001, p.43).

Face as questões trazidas pelo excerto acima e motivado por todo um


aparado teórico e metodológico, os estudantes matriculados nessas
disciplinas puderam experimentar e socializar em plenária seus
avanços na elaboração e implementação de aulas utilizando-se de
projetos. Por outro viés, notou-se que parte dos estudantes ainda
tinham dificuldades em conceituar fontes históricas e linguagens
para o ensino de história na educação básica. Apresentavam de certa
maneira um discurso bastante arraigado ao afirmar que eram eles
(estagiários, futuros docentes) que levariam o conhecimento até os
estudantes.

Foi comum ouvir nas aulas falas como: "ser professor é muito difícil
hoje em dia, porque na hora que vamos transmitir o conhecimento
de história os alunos não dão a mínima para nós, professores"!
Noutra perspectiva, configurou-se nas representações dos
estagiários a falácia acerca dos "alunos-problemas, aqueles
indisciplinados que não queriam nada com a vida e que só iam para
a escola infernizar quem queria aprender e os professores que 75
queriam ensinar", fala esta reproduzida na maioria das vezes pelos
professores da educação básica, marca da indignação dos docentes
atualmente face as precárias condições de trabalho.

Portanto, em alguns excertos de relatos dos estagiários emanaram os


desafios enfrentados por estes ao longo das atividades, mas se
fizeram presentes também alguns avanços e algumas possibilidades
no que concerne à proposta apresentada pelas disciplinas. Destaca-
se que não é pretensão do texto exaltar a proposta das atividades
realizadas pelas disciplinas de estágios, mas se faz necessário
assinalar a importância de se retomar a proposta em eleger eixos
temáticos como possibilidades de efetivar o ensino de história
buscando descortinar caminhos que promovam uma melhor
compreensão do porquê estudar história?

Em virtude dos fatos mencionados no relatório, entendemos que o


estágio quando bem orientado proporciona um grande valor de
campo, uma vez que precisamos ter essa experiência de campo antes
mesmo de alçarmos o nosso espaço como professores titulares. A
relação que tivemos com os alunos serviu de grande experiência para
as futuras oportunidades que teremos na docência (Estagiários A e
B, VII período do curso de História, 2014).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Em um segundo trecho de relato, explicita-se que

O estágio nos proporcionou experiências muito


valorosas, pois pudemos perceber na prática a
importância de ensinar história de forma mais dinâmica,
atraindo a atenção dos alunos com novas metodologias
de ensino, fazendo com que eles, acima de tudo,
interagissem com a gente, professores. Pudemos
perceber que apesar das precariedades do ensino público
é possível diversificar a forma de se ensinar história,
possibilitando a valorização da disciplina por parte dos
alunos. O projeto foi concluído com êxito. Foi uma
grande satisfação ter realizado esse projeto e ter saído
com a convicção de estar no caminho certo, de ser um
professor de história (Estagiários C e D, estudantes do
VII período de 2014).

Para um terceiro grupo de trabalho, evidenciou-se que

A experiência com o projeto-aula foi muito proveitosa


76 para todos os lados, a escola ganhou com a aplicação do
projeto um novo gás nas atividades planejadas por nós. A
professora regente teve a oportunidade de conhecer
novas técnicas para implementar novas metodologias de
ensino no sentido de facilitar o seu trabalho. Os alunos,
além de aprenderem de uma forma dinâmica, ficaram
mais estimulados a estudar e buscar a aprender. Por fim,
nós, estagiários, ficamos muito contentes em participar
da rotina de classe; aprender e ensinar de forma
coordenada foram aspectos que nos deixaram cientes de
que a sala de aula é um desafio constante, mas que pode
ser driblado com planejamento, técnica e motivação
(Estagiários E, F, G do VII período de 2014).

Enfim, as proposições trabalhadas nesse texto se configuraram como


norte de uma prática em sala de aula no curso de formação de
professores de história em nível superior, não sendo discutido nesse
momento o teor dos respectivos projetos nem o conteúdo dos
relatórios apresentados pelos estudantes à disciplina, cabendo a
estes e/ou a outros pesquisadores analisar e discutir os percursos e
resultados alcançados pelos mesmos em formato de textos
acadêmicos ou por meio de pesquisas mais acuradas sobre a
temática.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Referências

ABUD, Kátia M. Ensino de História. São Paulo, CENGAGE


Learning, 2010.
ABREU, Martha & SOIHET, Rachel (Org.). Ensino de História:
conceitos, temáticas e metodologia. 2ª. Ed., Rio de Janeiro,
Casa da Palavra, 2009.
ALMEIDA, Maria Elizabeth B. de. Desafios à educação: o trabalho
com projetos. In: Educação, projetos, tecnologias e
conhecimentos. São Paulo, PROEM, 2001, pp.47-63.
BASSO, Itacy S. As concepções de história como mediadoras da
prática pedagógica do professor de história. In: DAVIES, N. (Org.).
Para além dos conteúdos no ensino de história. RJ, Access,
2001, pp. 33-45.
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Historiador. (Tradução André Telles). Rio de Janeiro, Jorge Zahar
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Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

MÃE ÁFRICA DESFIGURADA: CONSIDERAÇÕES ACERCA


DA DOCÊNCIA E AS QUESTÕES ÉTNICOS-RACIAIS

Antonio José de Souza


Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios

O Brasil, segundo censo do IBGE de 2002, tem a maior população


negra fora do continente africano, procedente de uma ruptura
populacional imposta, ou seja, somos um agrupamento humano,
organizado em sociedade mantido e sustentado pela África. Ainda
assim, as culturas africanas permanecem desconhecidas para grande
parte dos brasileiros e, talvez por isso, estejam colocados, negros e
negras, numa posição desigual diante aos demais grupos étnico-
raciais partícipes da identidade e cultura brasileira. É também
obscurecido o estudo de que antes mesmo da chegada dos negros
escravizados ao Brasil, o continente africano manteve com a Europa
um longo acordo. Foram séculos “de amizades e hostilidades várias,
o bom e o mau, lucros e perdas [...], numa tessitura cada vez mais
apertada” (DAVIDSON, 1981, p. 3). O continente africano foi
78 integrado ao sistema internacional de comércio e colonização desde
o século XV, através de contatos comerciais que faziam crescer
vertiginosamente os interesses capitalistas europeus.

Para tanto, era necessário que sucedessem manobras desonestas e


atrozes com o objetivo de desviar os sentidos dos registros históricos
que narravam uma África fidedigna, por esse motivo, mitos e
preconceitos, retiraram das sociedades africanas o direito de terem
uma historiografia notável. Assim, descrições agradáveis e
apaziguadoras sobre a África passaram a ficar nebulosas, afinal de
contas só com a divulgação de cenários horrendos, pestes violentas e
uma população capaz de barbáries, poder-se-ia defender a expedição
civilizadora protagonizada pelos colonizadores ocidentais. Isto
implicou no desenvolvimento espantoso da alva e astuciosa Europa
que, com propósitos imperialistas, expandiu os seus tentáculos para
outras terras, despontando para a História Oficial como sendo o
„Berço da Humanidade‟, em detrimento de uma África preta,
empobrecida e degradada. Portanto, a “Europa acreditava ser um
povo superior desde o nascimento: pessoas da raça branca”
(COTRIM, 1999, p. 46), irrompendo para o mundo numa
perspectiva eurocêntrica, isto é, uma concepção que entroniza os
interesses e a cultura europeia como sendo as mais respeitáveis e
avançadas, colocando-se num patamar proeminente às demais e, por
POR UM OUTRO AMANHÃ

isso, com direito de conquistar o resto do mundo. Assim, chegava ao


fim o intercâmbio euro-africano, pois, definitivamente, na ótica
eurocêntrica o negro (homem e mulher) tinha o status de „gado
humano‟, despido das vestes dignas da humanidade.

À vista disso, vários segmentos institucionalizados da sociedade


brasileira (tais como igrejas, Universidades, escolas, cenário político
e midiático) influenciaram a representação e posicionamento
vexatório do negro na estrutura social, afinal a partir desse lugar de
poder e controle, foi possível, numa articulação de vozes e
silenciamentos, construir a imagem do negro como um ser humano
inferior e „coisificado‟ por meio de uma engrenagem sistêmica,
elaborada para negligenciar os conhecimentos que são transmitidos
desde o nosso nascedouro, no tocante aos acervos culturais,
educacionais, religiosos, dentre outras questões que envolvem os
povos negros. Lamentavelmente, ainda predomina a insistência em
manter o negro despojado de sua humanidade, assim como foi feito
quando o Atlântico serviu de travessia para as importações
contrabandeadas de africanos que forçosamente foram obrigados a
participarem da corrente migratória, intitulada pela história por
„diáspora‟, que vem a ser o deslocamento descontínuo, responsável
pela instabilidade populacional e o rompimento com a 79
população-mãe-África. Assim, aportaram no Brasil, na condição de
escravos, a fim de trabalharem no desenvolvimento da colônia,
imersos num processo de intensa e verdadeira dominação.

Este cenário hostil é reforçado pelas influências advindas das


correntes de pensamento racistas do século XIX, como o
Darwinismo Social, o Racismo Científico, a Antropometria e as
Teorias Evolucionistas que influenciaram no Brasil as reproduções
simbólicas pejorativas atribuídas à figura do negro, como o mito da
“vadiagem”, da “preguiça” e o mito da “mulata sensual” que
estiveram arraigadas à estrutura social brasileira daquela época, a tal
ponto de penetrar as estruturas contemporâneas que permanecem
categorizando o negro como uma raça inferior; portanto, legado
deixado pela experiência da diáspora, causadora da desarticulação
dos modelos identitários e culturais dos povos negros africanos no
Brasil colonial.

Sendo assim, o negro é transfigurado num espectro, visto que nas


representações sociais existem elementos determinantes para a
classificação no regime de castas que, para tal, considera o
desembarque pretérito dos africanos, desenvolvendo um imaginário
de degenerações culturais, sociais e também biológicas, por isso a
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

participação na formação do povo brasileiro com a cor da pele,


crenças, costumes e a mestiçagem com as populações brancas e
indígenas, significava, para as já mencionadas doutrinas raciais da
segunda metade século XIX, uma descendência corrompida. Com
efeito, o afastamento da eminente ameaça viria pelo branqueamento
da sociedade brasileira, por meio da eliminação gradativa do sangue
“subalterno”, resolvendo sumariamente a questão da formação
identitária nacional, considerada incômoda por conta da pluralidade
racial.

Por outro lado, no percurso histórico brasileiro, homens e mulheres


negras estiveram resistindo política e culturalmente a toda forma de
opressão e discriminação, de tal modo que ações no intuito de
promover a igualdade de oportunidades entre os grupos étnicos
constituem conquistas reais na atualidade. No entanto, o
reconhecimento dessas genuínas retratações e eventos antirracistas
não elimina a memorável atrocidade diante das bizarras ideologias
raciais e discriminatórias que na hierarquia conjuntural atual, ainda
desloca o sentido ancestral africano para a centralização do processo
estigmatizante do negro, personificado como o „outro‟ estranho,
escravo, dominado e vítima permanente de miríades formas de
80 exclusão.

Do âmago dessas reflexões, brota a convicção de que as mudanças


oriundas da contemporaneidade têm, inevitavelmente, respingado
nas velhas e retorcidas estruturas escolares, advertindo-a sobre o
surgimento da diversidade cultural como fundamento estruturante
da educação nacional, rompendo, conforme Macedo (2007, p. 26),
com a despropositada “história de alijamentos e de silenciamentos
de vozes advindas de segmentos socioculturais não hegemônicos
[...]”. Neste ponto, evidencia-se a desigualdade racial, perpassando o
arcabouço educacional brasileiro, gerando disparidades que, no
contexto das escolas, são ainda mais patentes, tendo em vista a
lastimável herança de precariedades no tocante a formação inicial e
continuada dos docentes.

Recordo do quanto me sentia atraído pela majestosa África, ao passo


que folheava o livro-didático de história. Nessa época, eu era apenas
uma criança estudando no antigo ginasial, sentando na carteira da
frente, vestindo uma farda branca de escudo no peito com o nome do
patrono, emprestado aquele colégio estadual, escrito em azul. Os
olhos curiosos daquele menino pousavam por sobre o mapa-múndi
não por que conheciam os encantos do imponente continente
africano e as fascinantes histórias dos povos negros, nossos
POR UM OUTRO AMANHÃ

ancestrais vindos de lá. Ele apenas sabia o que via e lia sobre a
África, banhada ao norte pelo Mar Mediterrâneo, ao Oeste pelo
Oceano Atlântico e ao Leste pelo Oceano Índico. Eram imagens
estrategicamente ilustrativas que serviam ao objetivo de “verbalizar”
informações acerca das dimensões cartográficas, relevos, flora e
fauna do continente negro, mas que tinha também a tática de
manter desconhecidas importantes visualizações, truncando as
leituras sobre as identidades, as culturas, as existências e a origem
da humanidade.

Vivemos num país com grande diversidade racial e


podemos observar que existem muitas lacunas nos
conteúdos escolares, no que se refere às referências
históricas, culturais, geográficas, linguísticas [sic] e
científicas que deem [sic] embasamento e explicações
que possam favorecer não só a construção do
conhecimento, mas também a elaboração de conceitos
mais complexos e amplos, contribuindo para a formação,
fortalecimento e positivação da auto-estima [sic] de
nossas crianças e jovens (ROCHA; TRINDADE, 2006, p.
55-56).
81
Em vista disso, o meu repertório sobre a África não recebeu
contribuições expressivas da escola, na verdade foi por meio da sua
antiga ideia de currículo que, erroneamente, “aprendi” a respeito de
uma África aprisionada a um passado forjado por outros e ancorada
a um presente marginalizado. Foi através da prática docente serva e
obediente ao sistema reprodutor da simplificada diversidade
africana que eu „mordi a isca‟ e subliminarmente foi atribuindo a
Europa o que de fato é da África: o título de berço da humanidade.

Como se pôde ver, o percurso desse trabalho revelou a dívida que a


educação básica brasileira vem acumulando em relação à população
negra, visto que, durante muito tempo, determinou-se a aplicação de
um currículo único, sob o pretexto de oferecer uma educação “igual”
para todos, ignorando os estudantes afrodescendentes, ou indígenas,
e se esses viviam em comunidades rurais ou em grandes centros
urbanos. Com isso, as características singulares de cada grupo
ficaram excluídas e ocultas durante décadas, resultando, entre
outras coisas, na aversão do negro a sua etnia e ancestralidade.
Revelando que, de modo geral, quando os negros (homem e mulher)
chegam e permanecem nos bancos escolares, aprendem uma história
brasileira forjada, onde os heróis, ou melhor, os principais
personagens são marcadamente branco-europeus.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Como já se sabe, após a homologação da lei federal nº 10.639/2003,


o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana passou a ser
obrigatoriamente inclusa no currículo escolar, oportunizando a
construção de uma imagem positiva do povo negro a partir da
história brasileira, superando a visão de passividade tão difundida,
evidenciando as muitas formas de resistência negra ao longo dos
séculos. No entanto, o repertório de muitos alunos/as acerca do
continente africano continua sem receber contribuições expressivas
da escola, pois ainda vigora o currículo que, erroneamente,
apresenta uma África aprisionada a um passado adulterado por
outros e ancorada a um presente marginalizado.

Assim sendo, como, por exemplo, uma criança negra se enxergará


nesse quadro? Ela se reproduzirá no negro escravizado, marcado e
espancado da senzala ou no branco nobre? É difícil ser descendente
de seres humanos escravizados e forçados à condição de utensílio,
assim como é difícil perceber-se descendente daqueles que, por
muitos séculos, têm sido marginalizados e massacrados. Torna-se
importante tal adendo, pois, certamente, não é fácil estudar em uma
escola que por incultura ou segregação consciente, ignora a
descendência negra e se desinteressa pelo estudo da África,
82 demonstrando descaso por sua história e persistindo na legitimação
da relação tensa, devido às diferenças na cor da pele e traços
fisionômicos que estão atrelados à raiz cultural plantada na
ancestralidade africana.

À vista disso, a escola é impelida a assumir outra proposta, visto que


já não é possível caminhar na contramão da história, restringindo-se
ao aspecto de uma educação mancomunada com os mecanismos de
padronização e homogeneização. Evidentemente, as concepções
acima apresentadas, com relação ao estudo da identidade e cultura
afro-brasileira são suscetíveis a críticas. Nesse sentido, o objetivo
maior é de estimular o debate para que se configure uma rede de
discussões e reflexões de forma a enfraquecer ideologias
homogeneizantes que pretendem solidificar o „outro‟, ameaçando as
diferentes identidades. Neste sentido, percebemos que o estudo
iniciado já sinaliza a necessidade de uma política de formação para a
diversidade, contemplando sobretudo a perspectiva da identidade e
da cultura afro-brasileira que historicamente é marcada pelo
silenciamento e pela negação nas escolas brasileiras. Considerando
que o estudo se encontra em andamento, pretendemos ampliar as
análises sobre a temática no cenário da educação, buscando
subsídios para o estudo mais aprofundado acerca da referida
temática.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Referências

BRASIL. Censo Demográfico 2010. IBGE - Instituto Brasileiro


de Geografia e Estatística. <http://censo2010.ibge.gov.br/>,
acessado em 02/05/2015.
COTRIM, G. História e consciência do Brasil. São Paulo:
Editora Saraiva, 1999.
DAVIDSON, B. Mãe Negra: África: os anos de provação.
Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1981.
MACEDO, R. S. Currículo, diversidade e eqüidade: luzes
para uma educação intercrítica. Salvador: EDUFBA, 2007.
ROCHA, R. M. de C.; TRINDADE, A. L. da. Ensino fundamental.
In: BRASIL, Ministério da Educação/Secretaria da
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
Orientação e ações para a educação das relações étnico-
raciais. Brasília: SECAD, 2006.

83
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A COMISSÃO NACIONAL DE MORAL E CIVISMO E A


EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Amanda Marques de Carvalho Gondim

A Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC) surgiu no


contexto do regime militar brasileiro e perdurou mesmo depois de
findo o governo militar e a volta da democracia. Instituída pelo
Decreto nº 68.065, de 14 de janeiro de 1971, possuía entre suas
atribuições promover o conhecimento do Decreto-lei nº 869, de 12
de setembro de 1969. Na alínea a, que dispunha das finalidades da
Educação Moral e Cívica (EMC), está a proposta de uma relação
intrínseca entre o princípio democrático e o espírito religioso, pois
afirma-se que o segundo é a base do primeiro.

A disciplina de Moral e Civismo e suas correlatas, Organização Social


e Política do Brasil (OSPB) e Estudos dos Problemas Brasileiros
(EPB) foram idealizadas com esse objetivo. Embora a EMC tenha
existido em outros momentos da história da educação brasileira, foi
84 no final dos anos 1960 e no decorrer dos anos 1970 e 1980 que
passou a ter uma estrutura fomentadora das ideias do governo
militar. A CNMC pregava a dualidade da democracia espiritualista e
do comunismo ateu (FILGUEIRAS, 2006, p. 87). Essa ideia
encontrava espaço na Doutrina de Segurança Nacional (DSN)
pregada pelos militares e uma instituição educacional foi criada
especialmente para atender a essa demanda.

O período compreendido entre os anos de 1969 e 1993 foi marcado


por grandes mudanças na ordem social e política do Brasil. A
educação naquele momento foi palco para a institucionalização de
um projeto de identidade nacional voltado aos interesses de um
grupo que afirmava defender a democracia. Foi criada uma
disciplina com base nesse princípio, a Educação Moral e Cívica,
instituída pelo decreto presidencial nº 869, de 12 de setembro de
1969. A Comissão Nacional de Moral e Civismo, inicialmente ligada
diretamente ao Ministro de Estado e posteriormente subordinada ao
crivo do Ministro da Educação e Cultura, tinha suas atribuições
voltadas para a implantação e manutenção da "doutrina" da
Educação Moral e Cívica, de acordo com a lei.

Um órgão foi criado exclusivamente para fazer com que o Decreto


realmente existisse nos estados e instituições de ensino de todos os
POR UM OUTRO AMANHÃ

níveis. Dessa forma, cabia à Comissão, entre outras finalidades,


cultuar a Pátria, seus símbolos, tradições, instituições e grandes
vultos de sua história. De acordo com essa finalidade, seria sua
atribuição estimular a realização de solenidades cívicas ou promovê-
las.

A disciplina, instituída não apenas para ser lecionada na escola, teve


papel importante na divulgação de discursos instituídos no sentido
de estabelecer uma verdade. Um dos elementos ressaltados foi a
ausência de preconceitos no país por meio da afirmação de que
vivíamos uma democracia não apenas no campo político, mas
também social e cultural. Assim, faz-se inferência ao surgimento de
uma educação voltada para a cidadania nos moldes do contexto
brasileiro da ditadura militar. Entende-se, por meio de um esforço
realizado pelo governo brasileiro, a institucionalização de
mecanismos para a inserção de ideias, conceitos e discursos
formadores de uma identidade nacional.

Silva (2006) em seu Dicionário de Conceitos Históricos afirma que


"toda identidade é uma construção histórica" (p. 204) e, portanto,
encontra-se sujeita ao tempo histórico em que é criada. Desse modo,
cada tempo histórico pode ser capaz de produzir uma identidade que 85
procura estabelecer-se na condição precípua e imutável. A
reformulação de conteúdos, com a posterior inserção da Educação
Moral e Cívica, representou mais um exercício do poder, no caso,
político, sobre uma área importante da sociedade, a educação.
Popkewitz (2008) afirma que "aprender gramática, ciências ou
geografia é também aprender disposições, consciência e
sensibilidades em relação ao mundo que está sendo descrito" (p.
185). Assim, a inclusão ou exclusão de uma matéria escolar
representa também um objetivo a ser alcançado na elaboração de
um discurso. Dessa maneira, a Educação Moral e Cívica, a partir do
decreto-lei que a institucionaliza em todas as esferas educacionais, é
apontada pelo estudo com o status de disciplina constituinte de uma
identidade nacional brasileira nesse período.

Entender uma identidade permite que seja compreendido o modelo


de identidade que se procurava estabelecer. A educação configura-se
como um dos campos de maior destaque não só na produção, mas
na imposição de afirmações e pensamentos identitários. Subirats
(2000) afirma ser a finalidade da educação "a produção de
personalidades capazes de viver em sociedade" (p. 195). Mas, como
se produzir uma personalidade capaz de viver em sociedade? Para o
governo militar brasileiro o caminho seria a criação de uma
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

educação moral e cívica como disciplina obrigatória. O Decreto-lei


nº 869, de 12 de setembro de 1969, foi sancionado pelos Ministros
da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar,
valendo-se dos Atos Institucionais, que lhe conferiam plenos
poderes.

Assim como no início da chamada idade moderna na Europa, a


massificação da educação escolar aconteceu para atender uma
suposta necessidade social de estabelecer ordem social por meio de
padrões de valores religiosos, sociais e morais. A escola brasileira, na
segunda metade do século XX, conheceu o início de sua expansão e
massificação. A educação escolar passa a ser obrigatória a todas as
crianças, a partir dos 7 anos de idade. A reforma educacional
proposta pela lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, estabeleceu a
obrigatoriedade. De acordo com dados apresentados por Romanelli
(2006), houve um aumento acentuado no ensino em geral a partir de
1964.

O crescimento da oferta de ensino no Brasil entre as décadas de


1960 e 1980, com sua posterior massificação, atende a interesses
bem específicos. Do ponto de vista econômico, é impossível não
86 relacionar o crescimento industrial e urbano com a demanda por
mais vagas nas escolas. A taxa de escolarização, na década de 1970,
representava 53,72% da população em idade escolar enquanto que
na década de 1950 era de 26,15%, representando, pois, a duplicação
desse percentual em vinte anos.

De acordo com a reflexão do sociólogo Florestan Fernandes (APUD


Romanelli, 2006, p. 69), a educação promovida pelo governo, em
1960, era um Estado "fundador de escolas", cumprindo apenas a
função de construir, administrar e supervisionar o sistema nacional
de educação. A concentração das pessoas nas áreas urbanas passou a
ser maior do que nas rurais a partir do final da década de 1960 e
início da década de 1970, gerando com isso uma demanda cada vez
maior pelo ensino escolar. Para resolver esse problema premente, o
governo brasileiro adotou uma série de medidas com o objetivo de
minimizar o déficit oferecido na educação escolar pública.
A legitimação do poder político dos militares encontrou na educação
escolar um caminho viável para inserir na sociedade vários
discursos. Promover conceitos tais como homogeneidade entre os
grupos sociais e regiões do país, contribuindo para a afirmação de
uma identidade nacional refletia, de maneira apropriada, o interesse
em salvaguardar a segurança nacional e o desenvolvimento
econômico.
POR UM OUTRO AMANHÃ

De acordo com Fonseca (2005), "o projeto delineado nos planos e


programas de desenvolvimento, na legislação e nas diretrizes
governamentais representa o ideário educacional dos setores
políticos dominantes" (p.16). Assim, os discursos elaborados e
transmitidos por meio da Educação Moral e Cívica atendiam a
interesses específicos de parcela da população, a quem interessava
manter a sociedade na mais completa ordem social 'como sempre
havia sido em toda história do país'. A construção de uma identidade
nacional harmoniosa e sem conflitos pode ter sido um dos motes na
elaboração de projetos e atividades em todas as esferas as quais a
Educação Moral e Cívica atuava, com os seus órgãos de
normatização e gerência do ensino.

Referências

BRASIL. Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969. Dispõe


sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina
obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos
sistemas de ensino no País, e dá outras providências. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 set. 1969.
Disponível em: 87
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-
lei-869-12-setembro-1969-375468-publicacaooriginal-1-pe.html.
Acesso em: 28 jan. 2016.
BRASIL. Decreto nº 68.065, de 14 de janeiro de 1971. Regulamenta o
Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969, que dispõe sobre a
inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória,
nas escolas de todos os graus e modalidades dos sistemas de ensino
no País, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 jan. 1971. Disponível
em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-
1979/decreto-68065-14-janeiro-1971-409991-publicacaooriginal-1-
pe.html. Acesso em: 28 jan. 2016.
BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e
Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12
ago. 1971. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-
agosto-1971-357752-norma-pl.html>. Acesso em: 28 jan. 2016.
FILGUEIRAS, Juliana Miranda. A educação Moral e Cívica e
sua produção didática: 1969 - 1993. 2006. 222 f.. Dissertação
(Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2006. Disponível em:
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo
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futuro imediato. IMBERNÓN, F. (org.). Trad. Ernani Rosa, 2. ed.,
Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

88
POR UM OUTRO AMANHÃ

UMA ANÁLISE DO PAPEL DOS LIVROS DIDÁTICOS DE


HISTÓRIA NO ESTADO DO PARANÁ EM RELAÇÃO AO
ENSINO E APRENDIZAGEM

Aparecida Molitor DellÈst Pereira


Evelline Soares Correia

Neste texto, pretendemos apresentar algumas contribuições e


produções acerca do Livro Didático a partir da revisão bibliográfica
das dissertações de mestrados e teses de doutoramento, defendidas e
aprovadas, entre 2005 e 2014, nos Programas de Pós-Graduação em
Educação de quatro Instituições do Estado do Paraná (UEM, UEL,
UNIOESTE E UFPR).

O campo de investigação foi constituído a partir do levantamento


geral dos títulos que englobam o Livro Didático como fonte de
pesquisa. Os temas abordados são amplos e relevantes, no entanto, a
princípio destacou-se os trabalhos publicados pelos Programas de
Pós-Graduação das referidas instituições enfocando o objeto de
forma geral, em seguida, os que tratam especificamente do Livro 89
Didático de História, a partir do qual será considerado as principais
ideias dos autores.

Os aspectos que incidem sobre as principais ideias são: a) as


temáticas trabalhadas nas dissertações; b) relações entre o uso do
Livro Didático e o ensino de História a partir dos resultados da
pesquisa.

Compreender as especificidades de cada produção é essencial para


que não se caia na ignorância de julgá-los como verdades absolutas,
pois, dependendo do enfoque que o pesquisador atribui à sua
pesquisa é levado a delimitar o objeto de estudo para atingir os
resultados esperados.

No caso dos estudos com o Livro Didático, os enfoques atribuídos


pelos pesquisadores se respaldam no Programa Nacional do Livro
Didático e nas teorias que fundamentam a Cultura Escolar, visto que
a escola é tida como um espaço de construção social, dito de outra
forma, um espaço de construção e reconstrução de conhecimentos.
Julia (2001) define cultura escolar
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

[...] como um conjunto de normas que definem


conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um
conjunto de práticas que permitem a transmissão desses
conhecimentos e incorporação desses comportamentos;
normas e práticas coordenadas a finalidades que podem
variar segundo as épocas. (JULIA, 2001, p. 02)

O Livro Didático e as disciplinas são importantes "dispositivos


pedagógicos" que fazem parte do cotidiano escolar, orientam o
professor em sua prática dos conteúdos ensinados de acordo com o
público e o contexto histórico, isto porque são encarregados de
facilitar a aplicação das normas e das ações didáticas.

Considerando todas as temáticas exploradas nos estudos sobre Livro


Didático, no período delimitado, apresentamos a seguir uma tabela
com as pesquisas desenvolvidas. Foram registrados: 27 dissertações
de mestrado e 2 teses de doutoramento, num total de 29 produções,
distribuídas conforme tabela abaixo.

Tabela I - Produção sobre Livros didáticos - Período 2005 a 2014


90 INSTITUIÇÃO DISSERTAÇÃO TESE TOTAL (IES)
UEM 02 0 02
UEL 06 0 06
UNIOESTE 02 0 02
UFPR 17 02 19
TOTAL GERAL 27 02 29

As dissertações se referem: 2 à disciplina de Educação Física; 2


Ciências; 2 Química; 3 alfabetização/cartilha; 1 Ensino Religioso; 5
Língua Portuguesa;1 Física/Ensino Médio; 1 História/Ensino Médio;
1 L.Portuguesa / Literatura e Ed.Física; 1 L.Portuguesa /
Matemática/História/Geografia e Ciências e 8 sobre a disciplina
e/ou ensino de História/Ensino Fundamental. As 2 teses se referem
à Língua Portuguesa, ambas enfocando o Livro Didático paranaense.

Visando delimitar a análise das dissertações de mestrado,


apontaremos os temas trabalhados e as principais ideias acerca da
produção sobre Livro Didático de História do Ensino Fundamental,
conforme segue.

Abel Ribeiro dos Santos (2007) escreve sobre Educação e relações


raciais a partir de um estudo de caso de uma escola da periferia da
cidade de Curitiba, dando ênfase às relações étnico-raciais presentes
POR UM OUTRO AMANHÃ

na escola a partir da prática docente, aborda ainda a função do Livro


Didático e a imagem negativa do negro difundida nos livros de
História do 6º e 7º ano.

[...] partindo da hipótese que uma das instituições que


mais reforçam a discriminação é a escola, faz-se
necessário um estudo aprofundado desta instituição,
enquanto formadora de identidades, bem como das
práticas de seus professores, no que diz respeito à
questão racial. (SANTOS, 2007, p. 13)

Aírton Moraes (2007) investiga as concepções de História presentes


no Ensino Fundamental e as relações entre a historiografia,
metodologias e o ensino de História. Na introdução ressalta a
importância de se questionar a linearidade da História.

[...] acreditamos que o ensino de História possa


contribuir decisivamente para a formação do indivíduo.
Porém, para que cumpra seu papel perante a sociedade,
temos que rever alguns "paradigmas" cimentados ao
longo dos anos. Em nossa concepção, um dos conceitos
que deve ser questionado é o entendimento da História 91
como um processo linear. (MORAES, 2007, p. 18)

Édina Soares Maciel (2011) estuda os Livros didáticos de história e


experiência cultural dos alunos do 4º ano do Ensino Fundamental,
de uma Escola do Campo localizada no município de Araucária,
estado do Paraná.

Ao analisar o conteúdo presente em três manuais


utilizados em uma escola do campo, bem como os
encaminhamentos metodológicos que os autores fazem
ou sugerem e as atividades propostas, buscou-se
identificar as possibilidades de relação com a experiência
cultural dos alunos abertas por esses materiais.
(MACIEL, 2011, p. 17)

Ida Hammerschmitt (2010) focaliza O livro didático em aulas de


história e o seu uso por professores e alunos do 4º ano do Ensino
Fundamental, em uma escola do município de Araucária, estado do
Paraná.

Pretende-se, portanto, com esta pesquisa analisar como


se dá o uso do livro didático por parte dos alunos e dos
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

professores, as formas pelas quais este material didático


é utilizado no cotidiano de uma sala de aula em uma
situação específica, que se refere ao fato de estarem em
uso na sala de aula, simultaneamente dois livros de
história. (HAMMERSCHMITT, 2010, p. 17)

Jaqueline Lesinhovski Talamini (2009) investiga O uso do Livro


Didático de História na 1ª e 2ª séries Ensino Fundamental, etapa da
alfabetização e as relações dos professores com os conceitos
históricos presentes nos manuais.

A realização deste estudo sustentou-se na pressuposição


de que os manuais didáticos podem contribuir para o
conhecimento histórico do professores das séries iniciais,
especialmente porque, em geral, são profissionais que
não possuem formação em História e, portanto, podem
encontrar nesse recurso didático o conhecimento
histórico necessário para ministrar as aulas. (TALAMINI,
2009, p. 14)

Lucinéia C. Steca (2008) estuda a prática docente do professor de


92 História do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio das escolas
estaduais do município de Londrina, estado do Paraná, a partir do
ensino de História do Paraná.

Pesquisar sobre o conhecimento dos professores, quais


conteúdos eles dominam, é importante porque
entendemos que é através do professor de História que
também ocorreria a preservação de algumas culturas
locais, que podem expressar-se desde a tênue lembrança
de tempos idos da colonização até a compreensão da
importância de não se depredar um patrimônio histórico.
(STECA, 2008, p. 17)

Sandra Regina Rodrigues do Amaral (2012) analisa os Livros


Didáticos de História do Ensino Fundamental (5ª a 8ª série/6º ao
9º ano) utilizados em oito escolas públicas estaduais do município
de Londrina, estado do Paraná e, as significações do professor de
História para a ação docente a partir da análise do manual do
professor no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD, 2008).

A busca de significações do professor para o manual do


livro didático está, neste trabalho, bastante imbricada
com a existência e utilização do livro didático,
POR UM OUTRO AMANHÃ

considerando que o manual do professor encontra-se,


fisicamente, como encarte /anexo ao livro didático
enviado ao professor. Assim sendo, iniciamos nossa
reflexão na consecução do entendimento sobre o livro
didático e seu papel na educação brasileira. (AMARAL,
2012, p. 15)

Sirlei Maria do Nascimento (2010) tematiza as Concepções de


Professores das Séries Iniciais do Ensino Fundamental (1º ciclo) em
relação ao ensino de História, por meio do estudo com Professores
de uma Escola da Rede Municipal do município Londrina/PR.

Os debates acerca do ensino de História continuam


estruturados em duas questões: a dinâmica da
prática/teoria na ação do professor e a segunda como os
alunos aprendem História ou podemos dizer como
constroem seus conhecimentos nesta área do saber.
(NASCIMENTO, 2010, p. 76)

Os temas trabalhados nas dissertações surgiram do interesse da


própria prática docente, seja na atuação como docente, pedagogo
e/ou diretor de escola. Com exceção, Steca (2008) que partiu do 93
resultado do curso de pós-graduação em História Social e Ensino de
História em 2003; e Moraes (2007) que relacionou sua pesquisa à
experiência de estágio, a partir da qual procurou entender as
metodologias de trabalho do professor do Ensino Fundamental,
considerando os debates da historiografia presentes nas
universidades brasileiras.

Relações entre o uso do livro didático e o ensino de


história a partir dos resultados da pesquisa

A Historiografia, escrita da história, possibilita ao historiador


organizar a história de acordo com o tempo e o lugar social onde o
fato ocorreu, em outras palavras, a relação que se estabelece com o
objeto de estudo permite-lhe interpretar e produzir um discurso
acerca do fato, considerando os determinantes que implicam na
objetividade que permeia o espaço social e o tempo histórico.

No que se refere ao uso do Livro Didático e o ensino de História


apresentado nas dissertações de mestrado elencadas anteriormente,
constatou-se que os discursos resultantes da pesquisa estão
coerentes com as questões levantadas pelos autores.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A maioria das dissertações apontam o Livro Didático como


instrumento de pesquisa e formação para preparar a aulas, organizar
o ensino e orientar os alunos nas atividades; outras, se reportam
para a articulação entre os conteúdos do Livro Didático e a
experiência cultural dos familiares, a partir do resgate das memórias
destes.

Santos (2007, p.116-117) ao apresentar suas considerações afirma


que no caso da escola pesquisada, a professora utiliza o livro didático
com frequência, porém, como a quantidade de alunos é maior que o
número de livros, não há participação dos alunos "do ponto de vista
de leitura, discussão, debate e amadurecimento das ideias"; sobre o
trabalho com história e cultura afro-brasileira, o planejamento da
professora não contempla este conteúdo, "nem tampouco nos livros
utilizados pela mesma".

Moraes (2007) ressalta que os livros analisados apresentam


abordagem cronológica, ou seja, os conteúdos são apresentados de
forma linear. Ele critica esse modelo no ensino de História, pois,

[...] poderá levar o aluno a compreender a história da


94 humanidade como um processo teleológico, no qual os
acontecimentos formam um grande "quebra-cabeça".
Sendo assim, como a história se resume na distribuição
cronológica dos diferentes acontecimentos, em cada série
o professor disponibilizará ao aluno o acesso a
determinadas "peças" para que, juntamente com seus
colegas, possam "montar o passado dos homens”.
(MORAES, 2007, p. 112)

Maciel (2011) apontou a importância do livro didático para a


organização do processo de ensino, no caso da escola pesquisada
foram examinados três livros didáticos que auxiliam professora e
alunos a trabalharem os conteúdos.

As relações estabelecidas com esses materiais são


distintas: o Livro 1 foi escolhido pela escola, a professora
que trabalhava com a turma até o 2° bimestre já utilizou
no início do ano, mas a segunda professora que foi
entrevistada não o utilizou mais por que, olhando os
conteúdos a trabalhar, constatou que ele não contribuiria
nesse trabalho; o Livro 2 existe na escola por que foi
escolhido no PNLD anterior e as professoras indicaram o
seu uso para os temas em foco; o livro 3 é específico
POR UM OUTRO AMANHÃ

sobre a localidade e tem características específicas que o


aproximam mais dos conteúdos que a professora deve
ensinar.(MACIEL, 2011, p. 153)

Hammerschitt (2010, p. 96) concluiu que por mais que o professor


oriente os alunos a realizar as atividades estabelecidas no livro,
leitura ou tarefas no caderno, percebeu-se, que "o uso do livro
didático na sala de aula não se revela a mera transmissão de
conteúdos".

Talamini (2009, p. 53) observa que os livros didáticos, a partir dos


resultados da pesquisa, "não se constituem apenas como um
material utilizado para que os alunos possam construir os
conhecimentos". Além dos estudantes utilizarem os livros para a
realização das tarefas; o professor faz deste um importante recurso
para "adquirir o conhecimento que precisam para ministrar as aulas
por meio da explicação que é feita pelo autor".

Steca (2008, p. 45) ressalta sobre as dificuldades que os professores


do Ensino Fundamental II e Médio encontram devido à falta de
material sistematizado sobre história regional e local. A autora (p.
85) defende a ideia de que o uso da história local no ensino de 95
História possibilita a ampliação da compreensão de mundo que o
aluno possui porque permite evidenciar as especificidades "dando
voz a histórias antes silenciadas e que o aluno pudesse se sentir
protagonista de sua história".

Amaral (2012, p. 50) afirma que o Livro Didático passou a circular


com a expressão "livro do professor", devido a ampliação do público
ao qual se destina, entretanto, para ele

O manual do professor pode variar quanto à forma física,


constituindo-se em um caderno ou encarte que
acompanha o livro do professor ou encontrando-se anexo
ao corpo do livro, mas não deve variar quanto à sua
função de orientação ao professor. (AMARAL, 2012, p.
50)

Nascimento (2010, p.108-109) conclui que apesar da formação


disponibilizar novos conhecimentos metodológicos as aulas de
História "continuam numa estrutura tradicional, com leituras e
atividades de fixação ou memorização e escrita de textos", pois, na
maioria das aulas verificou-se que "os alunos não se sentem sujeitos
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

históricos" por não participar de discussões e problematizações que


os permitam relacionar o conteúdo estudado com suas experiências.

Em suma, apesar do Livro Didático ser muito utilizado para a


transmissão, construção e reconstrução de conhecimentos, de
acordo com a dissertações de mestrado analisadas, cabe ao professor
utilizá-lo de forma contextualizada, considerando as vivências dos
alunos, assim o trabalho pedagógico poderá abarcar e ampliar as
possibilidades de relação entre os conteúdos da cultura do indivíduo
e da cultura universal da humanidade.

Referências

Dissertações de Mestrado

AMARAL, Sandra Regina Rodrigues do. Significações do Professor


de História para sua Ação Docente: O Livro Didático de História e o
Manual do Professor do Segundo Segmento do Ensino Fundamental
no PNLD 2008. 156 p. Londrina, 2012. Acesso em 09/10/2014.
Disponível em:
http://www.uel.br/pos/mestredu/index.php/dissertacoes-
96 defendidas/2012

HAMMERSCHMITT, Ida. O livro didático em aulas de história nos


anos iniciais do ensino fundamental. Curitiba, 2010. Acesso em
05/12/2014. Disponível em:
http://www.ppge.ufpr.br/teses/M10_Ida%20Hammerschimitt.pdf

MACIEL, Édina Soares. Livros didáticos de história e experiência


cultural dos alunos: estudo em uma Escola do Campo. Curitiba,
2011. Acesso em 05/12/2014. Disponível em:
http://www.ppge.ufpr.br/teses/M10_Edina%20Soares%20Maciel.p
df

MORAES, Aírton. As concepções de História presentes no Ensino


Fundamental: as relações entre a historiografia, metodologias e o
ensino de História. 181 p. Londrina, 2007. Acesso em 15/10/2014.
Disponível em:
http://www.uel.br/pos/mestredu/index.php/dissertacoes-
defendidas/2007

NASCIMENTO, Sirlei Maria do. As Concepções de Professores das


Séries Iniciais e a Aula de História: Um Estudo com Professores de
POR UM OUTRO AMANHÃ

uma Escola da Rede Municipal de Londrina. 120p. Londrina, 2010.


Acesso em 09/10/2014. Disponível em:
http://www.uel.br/pos/mestredu/index.php/dissertacoes-
defendidas/2010

SANTOS, Abel Ribeiro dos. Educação e relações raciais: um estudo


de caso. Curitiba, 2007. Acesso em 05/12/2014. Disponível em:
http://www.pgsocio.ufpr.br/docs/defesa/dissertacoes/2007/ABEL.
pdf

STECA, Lucinéia C. A prática docente do professor de história: um


estudo sobre o ensino de história do Paraná nas escolas estaduais de
Londrina. 2008. 157 p. Londrina, 2008. Acesso em 15/10/2014.
Disponível em:
http://www.uel.br/pos/mestredu/index.php/dissertacoes-
defendidas/2008

TALAMINI, Jaqueline Lesinhovski. O uso do livro didático de


história nas séries iniciais do ensino fundamental: a relação dos
professores com os conceitos presentes nos manuais. Curitiba, 2009.
Acesso em 05/12/2014. Disponível em:
http://www.ppge.ufpr.br/teses/M09_talamini.pdf 97

Bibliografia consultada

BARREIRA, Luiz Carlos. História e historiografia: as escritas


recentes da História da Educação Brasileira (1971-1988). 1995. 257f.
Tese (Doutorado em Educação) - UNICAMP, Campinas, 1995.
Acesso em 05/11/2014. Disponível em:
www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?down=vtls00008447
9)
CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. Tradução de
Maria de Lourdes Menezes; Revisão Técnica [de] Arno Vogel. Rio de
Janeiro: Forense Universitária 1982. p.65 - 119
JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como Objeto Histórico.
Tradução de Gizele de Souza. Revista brasileira de história da
educação n°1 jan./jun. 2001. Editora Autores Associados -
Campinas-SP. Acesso em: 05/11/2014. Disponível em:
www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/download/273/281
NUNES, Clarice & CARVALHO, Marta Maria Chagas de.
„Historiografia da educação e fontes‟. Cadernos ANPED, n.5, p. 7-
64, set. 15 Reunião 1992/1993.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A HISTÓRIA E O ENSINO DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Alexandre Claro Mendes

A sociedade contemporânea cada vez mais tem como principal base


de desenvolvimento o binômio ciência e tecnologia, porém é
importante lembrar que esses elementos sempre estiveram
presentes na história humana. Isso pode ser analisado quando o
homem do paleolítico lascou uma pedra sobre a outra e criou o
biface. Esse artefato feito de pedra talhada foi produzido usando
algo fundamental que está presente e é essencial na ciência, isto é, a
imaginação, além disso, foi também necessário um processo técnico
para sua confecção, fato que se encontrava dentro da própria
sociedade.

O objetivo desse artigo é fornecer subsídios ao professor para que ele


possa utilizar a História da Ciência nas suas aulas, de modo que o
estudante possua condições de ter maior conhecimento em relação
aos processos históricos a partir de questões que discutam a ciência
98 no contexto em que ela foi produzida; permitindo assim aos alunos
compreender que a ciência não pode ser vista simplesmente como
um processo evolutivo de algo “inferior para algo superior.”

A introdução do ensino da História da Ciência contribui para uma


discussão interdisciplinar do ensino dentro das escolas e permite aos
alunos interpretar o mundo de forma holística no sentido grego do
termo, ou seja, compreendê-lo como um todo, pois ciência, arte,
filosofia, religião, política, economia e mitologia pode ser analisada
pelo prisma da História da Ciência. Cabe ressaltar que essa
interpretação não tem a pretensão de fornecer uma única resposta
para aquilo que é selecionado pelo professor e estudado pelos
alunos, mas sim de fomentar o debate através da possibilidade de
outras hipóteses (MARTINS, 2006, p.17).

Atualmente pesquisadores da ciência, educação e da história


acreditam que o ensino da história da ciência é um importante
instrumento no ensino como forma de facilitar a compreensão da
própria ciência e consequentemente da sociedade que a produz
(MARTINS, 2000, p.47).
POR UM OUTRO AMANHÃ

É importante lembrar que os aspectos da ciência de uma


determinada época não podem ser desvinculados de seu contexto
histórico, social e político (ZATERKA, 2004, p.30).

Nesse sentido o uso da História da Ciência nas aulas de História


ajuda no cumprimento do Artigo 22 da LDB que diz: "A educação
básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a
formação comum indispensável para a cidadania e fornecer-lhe
meios para progredir no trabalho e em estudos superiores."
Para que ocorra o desenvolvimento pleno da cidadania no mundo
atual existe a necessidade de que os jovens tenham conhecimento
técnico-científico. Esse conhecimento fornece a juventude algumas
possibilidades de inserção no mundo do trabalho; vale lembrar aqui
que uma das orientações existentes nas Diretrizes Curriculares
Nacionais é o de vincular a educação com o mundo do trabalho e a
prática social.

Essa tríada cidadania, mundo do trabalho e prática social deve ser


encarada com um projeto interdisciplinar que é característica sine
quo non da História da Ciência, daí sua função crucial de estar
presente nas aulas de história. O momento atual de integração global
de determinados valores políticos e morais estão cada vez mais 99
contidos da difusão de um modelo de ciência e técnica que é
Ocidental.

A compreensão não só desse modelo de ciência como também de


outros através da história torna-se algo fundamental na proposta de
um ensino de História que priorize não uma, mas sim várias
sociedades humanas (BURKE, 2000, p. 12).

A História da Ciência: um breve relato

A História da Ciência não pode ser vista simplesmente


como a união de duas coisas distintas que acabam por
criar geralmente uma terceira com características
próprias. (ALFONSO-GOLDFARB, 1994, p. 9)

Desse modo, faz-se necessário apresentar mesmo que forma sucinta


alguns aspectos que perpassam a gênese da História da Ciência. Sua
base teórica é a interdisciplinaridade, já que seu fundamento
epistemológico está em três grandes áreas do conhecimento:
filosofia, história e ciência. (MENDES, 2005) O nascimento da
História da Ciência está diretamente relacionado com o próprio
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

surgimento da ciência moderna ocorrida entre os séculos XVI e


XVII. (FIGUERÔA, 2009, p. 154).

No interior da ciência moderna é possível encontrar alguns dos


vestígios da história da ciência como o processo da expansão
marítima europeia que permitiu aos europeus ampliarem seus
horizontes geográficos, culturais e políticos. Além disso, a tomada de
Constantinopla pelos turcos em 1453, fez com que os cristãos
bizantinos procurassem abrigo na Europa Ocidental; levando
consigo uma série de obras clássicas do mundo grego, ao lado desses
livros era introduzido também o idioma grego que havia ficado
durante muito tempo adormecido em grande parte continente
europeu. O contato com diversas obras no original grego fez com que
houvesse uma efervescência cultural na Europa que posteriormente
recebeu nome de Renascimento (ALFONSO-GOLDFARB, 1994,
p.10/20).

Foi durante o período renascentista, aqui compreendido entre os


séculos XIV e XVII, que ocorreu o surgimento daquilo que se
convencionou chamar de "Revolução Científica". Entretanto cabe
ressaltar que, de acordo com os critérios historiográficos da História
100 da Ciência, o seu uso é impróprio uma vez que ruptura total com o
passado nunca ocorreu (MARTINS, 2001, p. 113/129). Sua utilização
neste artigo serve apenas para apontar o tripé na qual a ciência
moderna vai se fundamentar, isto é, observação, experimentação e
matematização da natureza com o objetivo de atingir a dominação
do homem sobre seu meio natural. A "Revolução Científica", teria
sido o acontecimento que aumentou a influência da ciência, cultura e
política da Europa Ocidental sobre diversas regiões do globo
(DEBUS, 1996, p.01). O aparecimento da ciência moderna e
consequentemente da "Revolução Científica" foi acompanhado de
uma grande discussão paradoxal entre dois grupos que ficaram
conhecidos como "antigos e modernos".

Para os antigos era fundamental retomar o conhecimento produzido


pelos clássicos, já para os modernos, era necessário abandonar as
autoridades clássicas e recomeçar, investigando a própria natureza.
Nessa época, como também em períodos anteriores, não existia o
conceito de ciência tal como conhecemos hoje. O que existia era a
filosofia natural ou filosofia da natureza, denominação genérica que
tem seu surgimento com os gregos que procuraram estudar e
compreender a natureza. Isso incluía todos os fenômenos naturais
do mundo físico, sendo assim, o objetivo da filosofia natural era o de
estudar as causas físicas dos efeitos naturais.
POR UM OUTRO AMANHÃ

O mundo físico abrangia um vasto campo de conhecimento para os


padrões contemporâneos, isto é, matemática, astronomia, física,
química, biologia etc. Essas áreas estavam inseridas numa mesma
lógica do pensamento sem nenhum tipo de fragmentação na forma
de pensar a natureza, porém não cabe nesse artigo uma discussão
mais arraigada da filosofia da natureza.

É dentro desse contexto histórico da Europa dos séculos XV e XVII


que tivemos o surgimento de homens como Nicolau Copérnico,
Johannes Kepler, Giordano Bruno, Galileu Galilei e Isaac Newton,
este último durante muito tempo teria sido o responsável pelo início
da "Idade da Razão."

Esses pensadores foram e as vezes ainda são tidos como os grandes


"gênios da ciência", já que parte de suas ideias foram apropriadas na
atual forma de se produzir ciência.

O pensamento newtoniano talvez seja o maior exemplo


pois, no século XVIII, e a partir de então, Newton passou
a ser considerado o primeiro e o maior de todos os
cientistas da era moderna. Ele teria ensinado a Europa a 101
pensar segundo os moldes da razão fria e sem retoques
(KEYNES, 2002, p. 382).

Aliás ainda hoje em muitas aulas de física o pensador Isaac Newton é


apresentado como um modelo de cientista que utilizou a matemática
e a física para desvendar os segredos da natureza. Isso teria sido
possível devido a sua peculiar genialidade.

Essa forma como Isaac Newton é apresentado nas salas aulas da


disciplina de física possui diversos problemas e distorce a maneira
pelo qual ocorre a construção do pensamento humano. Além disso,
muitos jovens passam a acreditar que a produção do saber científico
é algo apenas para pessoas "iluminadas pelo saber".

Com a utilização do ensino da História da Ciência alguns desses


problemas seriam eliminados, vejamos:

Numa aula sobre Renascimento o professor de história pode dar


uma ênfase maior na "Revolução Científica" tendo como tema
central Isaac Newton. Existem na língua portuguesa dois excelentes
livros que são capazes de auxiliar o professor nessa tarefa são eles: A
vida de Isaac Newton de Richard Westfall e Newton - textos,
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

antecedentes e comentários. O primeiro é uma biografia e o segundo


uma coletânea de artigos onde é possível trabalhar utilizando fontes
primárias e textos de especialistas na área. Este livro também foi
organizado por Richard Westfall, ao lado I.B Cohen. O professor, ao
abordar o tema de Isaac Newton em sala de aula, tem condições de
mostrar aos alunos algumas características importantes da
conjuntura da Inglaterra seiscentista e quais eram as áreas de
interesse de nosso pensador como alquimia, teologia, hermetismo,
cronologia bíblica etc. Atualmente essas áreas são descartadas pela
ciência, já que são consideradas esotéricas, entretanto elas foram
fundamentais para a formação do pensamento newtoniano e
receberam o mesmo rigor de estudo das áreas mais conhecidas como
a matemática ou a física.

Outro fator a ser destacado é a necessidade do trabalho em sala com


o uso de documentos históricos. A utilização de fontes primárias
fornece condições apropriadas para os alunos compreenderem que
não existem gênios da ciência, uma vez que o processo de
conhecimento é feito de permanências e rupturas. A frase postulada
por Newton ajuda nessa orientação: "Se enxerguei além dos outros, é
por que estava sobre ombros de gigantes."
102
Por isso, a História da Ciência procura estudar o processo de
constituição do conhecimento. Porém, é importante lembrar que
esse estudo não deve procurar no passado da ciência aquilo que deu
certo no nosso presente, pois estaríamos cometendo um erro capital
no nosso ofício, o anacronismo.

Portanto, a História da Ciência tem como objeto não só aquilo que


hoje é aceito como ciência, mas que de algum modo já foi proposto
ou aceito como ciência. O entendimento dessa questão é
indispensável para a prática das habilidades e competências, a fim
de lidar com a atual complexidade do mundo moderno e com isso
promover a construção da cidadania e da prática social que passam a
ser fundamentais no mundo do trabalho.

Bibliografia

ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria. O que é História da


ciência? São Paulo: Brasiliense, 1994.
BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: UNESP,
2000.
POR UM OUTRO AMANHÃ

DEBUS, Allen G. El hombre y la natureza em el renacimiento.


Trad. S. Rendón. 2ª. Ed. México: Fundo de Cultura Económica,
1996.
FIGUERÔA, Silvia. Ciência e Tecnologia, in PISNKY, Carla. Novos
temas nas aulas de História. São Paulo: Contexto, 2009.
HILL, Christopher. Origens Intelectuais da Revolução
Inglesa. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
KEYNES, JOHN MAYNARD. De "Newton, o homem". In COHEN, I
Bernard & WESTFALL, Richard S. Newton - textos,
antecedentes e comentários. Trad. Ver Ribeiro. Rio de Janeiro:
Contraponto/Editora UERJ, 2002.
MARTINS, Roberto de Andrade. Que tipo de história da ciência
esperamos ter nas próximas décadas? Episteme. Filosofia e
História das Ciências em Revista (10): 39-56, 2000.
___.A história das ciências e seus usos na educação. Pp. xxi-xxxiv,
in: SILVA, Cibelle Celestino (ed.). Estudos de história e filosofia
das ciências: subsídios para aplicação no ensino. São Paulo:
Livraria da Física, 2006.
___. "Como não escrever sobre História da Física" - Um manifesto
historiográfico. Revista Brasileira do Ensino de Física. 23,
2001: p.113/129.
MENDES, Alexandre Claro. A História da Ciência como 103
instrumento da prática interdisciplinar nos cursos de graduação
In: 1º Congresso de Graduação da Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2015. Anais. São Paulo: USP, 2015.
ZATERKA, Luciana. A filosofia experimental na Inglaterra do
século XVII: Francis Bacon e Robert Boyle. São Paulo:
Fapesp/Associação editorial humanitas, 2004.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A VIDA ENCONTRANDO A MORTE: A HISTÓRIA DA


CIDADE CONTADA ENTRE AS SEPULTURAS DO
CEMITÉRIO MUNICIPAL DE UNIÃO DA VITÓRIA

Aristides Leo Pardo

Introdução

O cemitério é um espaço sagrado que faz parte efetiva da vida


cotidiana transportando o mundo dos vivos para o plano “Além
Túmulo” através de representações individuais ou coletivas que
estabelece um elo entre passado, presente e futuro, permitindo o
conhecimento da sociedade local em diferentes épocas, por meio das
localizações e disposições das sepulturas, monumentos, afrescos,
fotografias, lápides, entre outros elementos dispostos nos jazigos dos
entes queridos, de acordo com a religiosidade, profissão, grupo
social ou preferências específicas do falecido ou de seus familiares.

Conforme afirmado por Silva (2006), o primeiro local na cidade


104 destinado exclusivamente para enterrar os mortos vem dos tempos
em que a cidade ainda era denominada Porto União da Vitória e era
adjacente a Igreja Matriz, característica comum em tempos
passados, e que durou até o ano de 1880, quando os restos mortais
existentes no local foram retirados, no terreno foi construído o
prédio em que funcionou a escola Professor Serapião (antes do
acordo de limites entre os estados do Paraná e Santa Catarina)
depois Balduíno Cardoso e depois de 1933, o Grupo Escoteiro
Iguaçu, utilização mantida até os dias atuais.

A partir de 1881, o cemitério municipal de Porto União da Vitória foi


transferido para o espaço em que se encontra ainda hoje, mas
pertencente a Porto União, após a separação das cidades.

O primeiro sepultamento no local foi da Sra. Guilhermina de Loyola


Amazonas, primeira esposa do Coronel Amazonas, o mesmo que
doou o espaço para o “campo santo” da nova cidade paranaense (pós
acordo de Limites, em 1916), objeto deste estudo, acerca da
utilização deste espaço fúnebre para o ensino da História Local.
Ainda em Silva (2006), podemos saber que este novo cemitério,
situado na área central da cidade foi usado pela primeira vez para o
sepultamento de Silvio da Cunha Carneiro, genro do Coronel
Amazonas Marcondes, em 03 de novembro de 1918.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Figura 1. Entrada Do Cemitério Municipal com o Cristo em primeiro plano e vista para
"Rua Principal". Foto: Acervo do Autor

Entre os vivos e os mortos: a representação social

Esta saída de campo vai de encontro com o propagado pelo Caderno 105
Pedagógico de Santa Catarina (2008), que prega que os professores
podem e devem criar novas temáticas para os conteúdos
programáticos de História “De acordo com a realidade da sua
comunidade escolar, esta proposta não se encontra estanque, mas
sim aberta a novas possibilidades de trabalho” e constata que:

Um dos grandes problemas enfrentados pelos


professores de História diz respeito ao interesse e
motivação do aluno pela disciplina. A superação desse
desinteresse é o nosso grande desafio. Para que a
História tenha sentido para os alunos, ela precisa seduzir
interessar e ter significado para sua vida. (CADERNO
PEDAGÓGICO, 2008, p. 45).

Antes de adentrar os muros que cercam o cemitério temos que lidar


com algumas situações, como explanar ao alunado que o espaço é de
oração, silencio e respeito, pois pode haver velórios, enterros ou
visitas a entes queridos e por isso o cuidado e respeito aos que
recordam ou despedem de seus entes queridos. Outro ponto crucial
do uso do espaço como material didático é desmistificar que a visita
pode parecer “desrespeitosa” com os falecidos ou mesmo
“incomodar” os mesmos, sem contar que muitos não gostam de
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ouvir a palavra cemitério ou mesmo, entrar em tal lugar, provando


assim, que os mundos dos vivos e mortos estão em constante
encontro.

Uma estátua do Cristo Redentor de braços abertos, medindo quase


quatro metros de altura “guarda” a entrada ao cemitério que se inicia
com a avenida principal, representação do mundo dos vivos e espaço
em que estão dispostos os túmulos e mausoléus das primeiras
famílias da cidade e as outras mais abastadas que foram chegando a
cidade e ocupando espaços de destaque na “área nobre” do cemitério
após a reforma do mesmo.

A disposição dos túmulos leva para o mundo dos mortos os reflexos


da sociedade, com “ruas” largas entre as sepulturas, placas
informativas como a proibição do transito de motos e bicicletas,
belas esculturas, túmulos sempre limpos e bem cuidados, que em
muitos casos se tornaram “obras de arte” (exemplo deste fato é o
mausoléu da família Sedano Rodrigues, uma réplica da Catedral da
cidade). Nesta área estão em seu descanso eterno, as famílias mais
tradicionais e/ou as de maiores poderes aquisitivos.
106

Figura 2. Mausoléu da Família Sedano Rodrigues. Réplica da Catedral da


cidade. Foto: Acervo do Autor.

Em destaque e no centro da parte antiga do cemitério encontra-se o


jazigo perpétuo da família Amazonas Marcondes, em que estão
sepultados o próprio Coronal Amazonas, figura proeminente na
história da cidade e seus parentes mais próximos, como Dona Júlia,
sua segunda esposa e filhos.
POR UM OUTRO AMANHÃ

A própria construção mortuária da família Amazonas por si só tem


grande importância histórica, não só por abrigar um dos pioneiros
no desenvolvimento local, como por estar tombado pelo patrimônio
estadual. A construção é a maior do local (e continuará por todo o
sempre assim sendo, pois nenhuma pode superar em tamanho de
acordo com termos de doação do terreno) e pode ser vista de todo o
cemitério e também através das ruas próximas ao local e tem em sua
parte interna a pintura de um anjo com sua trombeta, referencia ao
juízo final. Segundo uma lenda local, quando esse anjo tocar o
instrumento, a cidade terá seu fim.

107
Figura 3. Mausoléu da Família Amazonas Marcondes em posição de destaque no
cemitério. Foto: Acervo do Autor.

No espaço intermediário, disposto nas laterais e logo a área posterior


do mausoléu dos Amazonas está disposta sepulturas das famílias
abastadas e tradicionais, assim como de pequenos empreendedores,
entre outros “moradores” e seus “lares” constantemente recebem
visitas e mantém bom estado de conservação, podendo ser
considerado Uma área de “classe média”.

Já no espaço mais ao fundo, até o muro delimitador do cemitério


encontra-se o local que pode ser a olhos vistos, classificados como
“periferia” ou “favela”, com túmulos abandonados ou sem
conservação periódica, pouco espaço entre eles e quase nenhum
ostentando imagens ou símbolos, nem mesmo identificação dos que
ali jazem.

Além da reprodução social dos espaços urbanos, as sepulturas


apresentam simbolismos que os mortos nutriam durante a vida, com
conotações religiosas, esportivas, profissionais, entre outras.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Figura 4. Três ambientes distintos e bem delimitados do Cemitério: Área nobre com
túmulos caros e bem espaçados entre eles; Classe Média com um misto de cada ala; e
periferia.

A simbologia da vida após a morte

A utilização simbólica nos jazigos nem sempre é colocada de


maneira consciente por aqueles de desejam marcarem os túmulos de
familiares ou entes queridos, já que nem sempre o significado
iconográfico é de domínio público, como os símbolos maçônicos. Os
seguidores desta doutrina procuram em vida omitir sua participação
nessa antiga confraria, porém, no túmulo, fazem questão de que seja
colocados esquadros, a letra “G”, pirâmides com o “olho que tudo
vê”, entre outros elementos da maçonaria.
108
Esses símbolos utilizados no espaço cemiterial, segundo Bellomo
(2000, p. 121) é entendido “não como objeto concreto, e sim, com o
significado que este pode trazer, isto é, a transmissão de culturas e
valores sociais”.

Figura 1. Túmulo com símbolo maçônico. Descrição em vida e exposição além


túmulo. Foto: Acervo do Autor.

Correntes, flores, cruzes de diferentes formatos (inclusive a Cruz


Ortodoxa, devido a colonização ucraniana da cidade), anjos de
diversos tamanhos e poses variadas, entre outros simbolismos, com
POR UM OUTRO AMANHÃ

destaque para o túmulo de Juan Sichero, pioneiro no comércio de


barricas e erva mate na região, que tem em sua amplo terreno,
diversas referencias de suas atividades em vida, destacados em alto
relevo em uma placa, alam de uma árvore da erva. Ou ainda, o
espaço reservado ao exército, localizado logo a esquerda da entrada
do cemitério, com símbolos militares nas gavetas destinadas aos
oficiais de alta patente que estiveram em missões internacionais da
ONU, ou combatentes da FEB na II Guerra. Entre esses elementos
de cunho militar estão a cobra “fumando” ou a homenagem ao
soldado desconhecido.

109
Figura 6. Espaço destinado ao enterro de pracinhas e militares participantes de Missões
Internacionais, com detalhe a direita da Homenagem ao "Soldado Desconhecido" e a
"Cobra Fumando". Foto: Acervo do Autor

Elementos não faltam para o ensino da história local entre os muros


do cemitério municipal, despertando nos alunos um encantamento
perceptível no olhar de cada uma delas ao descobrirem que no local
de repouso dos mortos há uma estreita relação com o mundo dos
vivos.

Considerações finais

Conforme visto nessas linhas, o cemitério pode ser uma excelente


ferramenta pedagógica para apresentar aos alunos e professores a
história da cidade, desde os dois primeiro espaços destinados aos
sepultamentos, surgidos quando a cidade ainda se chamava Porto
União da Vitória até o aparecimento do campo santo da nova cidade
paranaense surgida após o acordo de limites em 1916, já que a
representação do mundo dos vivos é amplamente difundida na hora
do derradeiro descanso.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Figura 2. Portal delimitador da parte antiga da parte nova do Cemitério com


destaque para o Mausoléu Amazonas ao fundo. Foto: Acervo do Autor.

Referências
110 BELLOMO H. R. A Arte Funerária. In: BELLOMO, H.R. (Org.)
Cemitérios do Rio Grande do Sul: Arte, Sociedade e Ideologia.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. P. 15-18.
CADERNO PEDAGÓGICO. História. Secretaria de Estado e
Educação: Florianópolis, 2008.
SILVA, Cleto da. Apontamentos históricos de União da
Vitória. Curitiba: Imprensa Oficial, 2006.
POR UM OUTRO AMANHÃ

AULAS SHOW DE BOLA:


A UTILIZAÇÃO DO FUTEBOL NO ENSINO DA HISTÓRIA

Aristides Leo Pardo

Este trabalho discorre acerca do uso do futebol, esporte mais


popular do planeta e tema constante de conversas cotidiana em casa,
bares, clubes e escolas, entre outros locais, no ensino da história,
proporcionando ao alunado uma oportunidade de aprendizado
distanciada das práticas tradicionais de ler e decorar textos e
responder questões.

Caminhando para seu segundo século de existência, o futebol esteve


presente de forma ativa em diversos momentos de nossa história,
como nos primeiros anos de sua chegada ao país, atrelada a
expansão da revolução industrial e servindo de suporte para a classe
operária se afirmar na sociedade que se transformava e assim, se não
conseguisse uma ascensão social por meio do esporte, ao menos
serviu para se envolverem com seus pares, pois os clubes que se
formaram Brasil afora se tornaram importantes espaços de 111
sociabilidade que rapidamente apagou do futebol o status de “jogo
dos riquinhos” ou “esporte das elites” e fez do Brasil o “País do
Futebol”, como explica Guterman (2009) em sua obra “O Futebol
Explica o Brasil”.

Partindo deste pressuposto, precisamos sem dúvida orientar nossos


alunos, das diversas possibilidades ao analisar as fontes, pois os
escritos são frutos da construção do autor a partir de sua época e de
suas experiências, práticas e suposições, e é a ele a quem cabe,
conforme nos diz Veyne (1998, p. 18), “simplificar, organizar e fazer
com que um século caiba numa página”.

As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2008) discorrem


sobre a necessidade de criação de uma consciência histórica nos
alunos, seguindo a linha do historiador alemão, Rüsen (2001), que
diz que a história só se legitima quando gera sentido para o aluno, e
no nosso caso, a realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil,
em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, quando o assunto esporte se
tornou corrente em todos os meios de comunicação facilitou a
aproximação do tema para sua utilização em sala e aula.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A grande preocupação na elaboração dos planos de aula com a


proposta aqui defendida foi que a partir da história do futebol e suas
particularidades e peculiaridades abrir o leque para a utilização do
mesmo no ensino da História, já que o tema permite amplo debate
sobre os mais variados assuntos, indo ao encontro do que prega o
Caderno Pedagógico do Estado de Santa Catarina (2008), que diz
que os docentes podem e devem criar novas temáticas para os
conteúdos programáticos de História “De acordo com a realidade da
sua comunidade escolar, esta proposta não se encontra estanque,
mas sim aberta a novas possibilidades de trabalho”.

Como o futebol permite a explanação das mais diferentes temáticas


foi necessário selecionar o que levar para a sala de aula, visando de
que maneira atingir o interesse de maior número possível de alunos,
já que nem todos se interessam pelo futebol e que por parte destes a
resistência inicial seria inevitável, sobretudo, por parte de boa
parcela do público feminino.

No primeiro momento foi pensado na introdução do esporte no


Brasil, que envolve diretamente a expansão da revolução industrial e
a chegada de imigrantes ao país, possibilitando trabalhar a formação
112 do proletariado, a luta de classes, as transformações sociais na qual a
recente república estava passando, o racismo, muito em voga
naquele período pós-escravidão, entre outros assuntos. Com receio
de ficar extenso e maçante, optamos em seguir por outro caminho e
fragmentar o tema, buscando uma maneira de melhor chegar aos
alunos e atrair o interesse dos mesmos para as aulas, como nos
norteia o Caderno Pedagógico ao apontar que:

Um dos grandes problemas enfrentados pelos


professores de História diz respeito ao interesse e
motivação do aluno pela disciplina. A superação desse
desinteresse é o nosso grande desafio. Para que a
História tenha sentido para os alunos, ela precisa seduzir
interessar e ter significado para sua vida. (CADERNO
PEDAGÓGICO, 2008, p. 45).

Com os planos de aula montados, iniciou-se a aplicação da regência


seguindo a estrutura de que cada um dos temas selecionados
(Racismo, Gênero e História Local) ocupariam espaço de duas aulas
cada um e para conquistar a turma logo no primeiro contato foi
mostrado um chocolate “Diamante Negro” e o questionamento da
relação desta famosa marca de chocolate com o futebol, pois o
acertador ganharia a iguaria, o que não aconteceu em ambas as
POR UM OUTRO AMANHÃ

turmas, porém, o espanto e a surpresa dos alunos ao descobrirem


que o nome do referido chocolate foi um jogador de futebol e a que a
propaganda em torno do futebol, tão banal nos dias atuais, já
acontecia nas primeiras décadas da introdução do esporte no país.

Desta forma, foi notada pela expressão facial dos alunos e pelas
indagações, as expectativas para o decorrer das aulas, pois sentiram
que aprenderiam sobre história de uma forma não convencional, que
como veremos mais adiante, cativaria até mesmo aqueles que não
simpatizam pelo velho esporte bretão.

A exibição de uma reportagem do programa Esporte Espetacular, da


Rede Globo de Televisão sobre uma excursão da Portuguesa Santista
em solo africano no final da década de 1950, quando em passagem
pela África do Sul foi impedida de atuar com seus atletas negros,
fechou este grupo de aulas gerando um proveitoso debate sobre o
racismo e mostrando a faceta do regime segregacionista daquele país
africano. Aproveitando esta deixa, foram explanados assuntos como
a segregação racial, a higienização da raça “pura” e o branqueamento
do Brasil pós-escravagista com a chegada incentivada pelo governo,
de inúmeros imigrantes europeus e as formas eugenistas
implantadas pelos EUA, Alemanha, Suécia, Argentina, entre outros 113
países, assim como casos de racismo nos primórdios do futebol
brasileiro, como o caso dos apelidos de Coritiba, o “„Coxa Branca” e o
“Pó de Arroz”, Fluminense, ambos originados de atitudes racistas,
além do caso da carta resposta do Vasco da Gama, que ao vencer a
segunda divisão carioca na década de 1920, foi solicitado que
afastassem do elenco seus jogadores negros, para integrar a elite do
futebol carioca, o que não foi aceito pelo clube.

No segundo grupo de aulas, o futebol feminino no Brasil foi o pano


de fundo para as discussões sobre gênero, já que a modalidade não é
vista com o mesmo entusiasmo pelo grande público aficionado por
futebol e é visto como esporte de exibição, sem despertar as paixões
clubísticas. Foi mostrado o machismo que vigora na sociedade
brasileira que por muitos anos impediu que as mulheres jogassem
futebol, pois assim “desvirtuava” futuras mães e donas de casa, como
nos afirma Franzini (2005, p. 321):

À mulher caberia entre outras obrigações, contribuir de


forma decisiva com o fortalecimento da nação e o
depuramento da raça gerando filhos saudáveis, algo que,
pensava-se, só seria alcançado se a mulher preservasse
sua própria saúde. Se esta condição não excluía a pratica
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

de esportes, é certo que nem todo esporte a ela se


adequava.

Os principais pontos destas aulas foram decorrentes da proibição da


prática de alguns esportes, entre eles o futebol pelas mulheres, após
debates sobre o assunto, ainda durante o primeiro período de
governo de Getúlio Vargas, decisão que foi sustentada durante a
Ditadura Militar e que só foi revogada em meados dos anos de 1980
e a existência do campeoníssimo Radar, que apesar de inúmeras
vitórias não foi capaz de angariar adeptos que lhe permitisse manter
suas atividades, deixando este clube como legado, as primeiras
formações da seleção nacional.

Por fim, foi trabalhado acerca da história local, pelo viés


futebolístico tendo como principal personagem o Ferroviário
Esporte Clube, fundado por funcionários da malha férrea em 01 de
maio de 1944 e tido como um dos maiores campeões da cidade, além
de ter sido um importante espaço de sociabilidade no período áureo
do transporte sobre trilhos.

Após a aplicação das aulas conforme o descrito acima foi verificado


114 por meio de avaliações e participação efetiva do alunado, com
exemplos e questionamentos, que a possibilidade de não aceitação
do tema por uma grande parcela dos estudantes não passou de
receio deste que vos escreve, que teve certeza de ter superado de
maneira satisfatória, o desafio de levar a temática, futebol para a sala
de aula, já que o mesmo possibilita percorrer vários assuntos de
maneira descontraída e atraindo a atenção do alunado, o que
demonstrou ter sido bastante proveitoso e satisfatório o método
utilizado .

REFERÊNCIAS
CADERNO PEDAGÓGICO. História. Secretaria de Estado e
Educação: Florianópolis, 2008.
Departamento de Ensino Básico. Diretrizes Curriculares de
História. Curitiba: Secretaria de Estado da Educação, 2008.
FRANZINI, Fábio. Futebol é coisa de Macho? Pequeno esboço para
uma história das mulheres no país do futebol. Revista Brasileira
de História, vol. 25, nº 50, p. 315-328. São Paulo, 2005.
RÜSEN, John. Razão histórica: Teoria da história: fundamentos
da ciência histórica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.
VEYNE, Paul. Como se Escreve a Historia e Foucault
Revoluciona a Historia. 4. ed. Brasília: Universidade de Brasília
(UnB), 1998.
POR UM OUTRO AMANHÃ

ONDE ESTÃO AS MULHERES NA HISTÓRIA?


REFLEXÕES E POSSIBILIDADES EM SALA DE AULA

Ary Albuquerque Cavalcanti Junior

Ao longo do século XX, a História passou por inúmeros debates e


acompanhou o surgimento das teorias e dos novos métodos
apresentados pela escola francesa do Annales. Liderada por Lucien
Févbre e Marc Bloch, esta passou a questionar as “verdades” trazidas
pelo positivismo e a enxergar a história como problema, no sentido
das subjetividades e no campo amplo que esta possuía desde sua
origem (BLOCH, 2001).

Dessa forma, apesar de certo domínio da história política e


econômica durante a metade do século anteriormente citado, nas
últimas décadas foi possível observar o alargamento de obras e
pesquisas que iam de encontro a campos como a cultura, gênero
entre outros. Contudo, como rechaça Soihet e Pedro (2007, p. 281)
“a história é a mais tardia das ciências humanas a abordar a mulher
e sua vivência”, algo que para estas estudiosas, se deve ao fato de 115
herdarmos da abordagem positivista a falta de estudos sobre as
mulheres, localizando-as fora do âmbito político e de espaços
públicos, estes só concernentes a homens.

Nessa perspectiva, estudos sobre as mulheres na história passaram a


ganhar força, principalmente na década de 70, com as contribuições
de Edward Thompson, Natalie Davis e Michelle Perrot. Por
conseguinte, no Brasil destacamos Mary Del Priori, Susel da Rosa,
Joana Pedro, Rachel Soihet, Carla Pinsky, Ana Colling e Margareth
Rago, que a partir de excelentes trabalhos, que hoje são referências,
possibilitaram o crescimento considerável dos estudos sobre a
temática no país.

No seio das discussões sobre a história das mulheres, o


enquadramento nos estudos de gênero permitiu ao historiador, ver a
história de gênero como categoria útil para análise histórica como
tão bem destaca Scott (1991) em seu célebre artigo de mesmo nome.
Assim, a partir dos estudos da filósofa Judith Butler, bem como do
célebre Michel Foucault é possível perceber o quanto as relações de
poder e os discursos foram de extrema definição para a misoginia
imposta pela sociedade ao dividir o que era “coisa de homem” e
“coisa de mulher”. Como pontua Butler (2003), tanto sexo como
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

gênero também podem ter sido construídos culturalmente, seja a


partir de interesses políticos, sociais, etc. Logo, a naturalidade de se
pensar tais questões na sociedade foram construídas a partir do
discurso.

Observando tais discussões, com o andamento de minha pesquisa no


Programa de Pós-graduação em História Regional e Local da
Universidade do Estado da Bahia, que objetiva analisar memória de
mulheres baianas e suas diferentes formas de resistência à ditadura
civil-militar, comecei a refletir sobre a história das mulheres e/ou
das relações de gênero em sala de aula, principalmente nos ensinos
fundamental e médio.

Contando com a experiência em sala de aula e com algumas


referências aqui expostas, percebe-se que na maioria dos centros de
ensino, o livro didático se apresenta como um grande manual de
história, trazendo suas verdades como absolutas e cristalizando
heróis. Nesse ponto, quando nos referimos a heróis, esta palavra se
adéqua apenas a sujeitos do sexo masculino, no qual o livro didático
os representa pelos grandes feitos. Assim, percebemos que em sua
grande maioria, quando citadas, as mulheres apresentam poucas
116 menções e voltadas a momentos isolados, ou por uma ação que a
destacou entre homens (OLIVEIRA, 2011).

Fazendo uma reflexão em nosso país, a figura feminina na história


dita “nacional” é quase que inexistente. Se não fosse a militância
social e política de muitos grupos, pesquisadoras (es) e estudos nas
últimas décadas, muitas mulheres de grandes realizações ficariam
no esquecimento histórico, tais como Berta Luthz (Bióloga brasileira
e uma das primeiras mulheres a lutar pelos direitos femininos),
Terezinha Zerbini, uma das fundadoras do Movimento feminino
pela anistia, algo que traz reflexos até hoje na luta pelos direitos
humanos. Ainda nessa perspectiva, não podemos deixar de pontuar
a quantidade de mulheres em estados e municípios que possuem
grande representação local e que não conhecemos. Logo, uma das
considerações e possibilidades para os docentes que busquem
realizar um trabalho mais aprofundado, a pesquisa sobre tais
poderia ser uma atividade de grande importância cultural e histórica
a ser aplicada.

No campo cultural, se for pedida uma atividade com o intuito de


pesquisar logradouros de ruas, nomes de grandes avenidas e até
mesmo estádios de futebol, possivelmente os próprios discentes
terão a sensação do quanto ausente é o nome das mulheres. Em
POR UM OUTRO AMANHÃ

contra partida, serão possíveis encontrar bustos e medalhas de


honradez a militares de guerra, ex-presidentes dentre outros
homens devido a seus grandes feitos. Logo, é possível perceber que
as representações de grandes feitos sempre estão atreladas a feitos
masculinos, influenciando a uma cultura histórica e educacional que
afirma a falta das mulheres em acontecimentos ditos de grandes
significados.

Dessa forma, é importante refletirmos, enquanto docentes ou


pesquisadores, como a história das mulheres pode ser apresentada
em sala de aula, haja vista os espaços vazios e as representações
culturais falhas que deixam estas de fora dos ditos grandes
acontecimentos? Acostumadas a serem cerceadas e representadas
enquanto sexo frágil e donas do espaço privado, a casa, rainha do
lar, existe uma importante reflexão a ser levada para a sala de aula,
que foge a sua formação sócio-política, mas da própria consciência
histórica dos discentes. Haja vista que com o crescente número de
mídias digitais e suas mais variadas redes sociais, as mulheres ainda
são representadas como o “outro” sexo, que apesar dos avanços,
ainda carregam em suas costas as representações e os princípios
morais de uma Era longínqua, mas sólida em nosso cotidiano
(BUTLER, 2003; COLLING, 2014). 117
Ainda no que concerne a contemporaneidade, um grande exemplo,
que para muitos passa despercebido, são às ofensas de gênero
sofridas pela atual presidenta do Brasil, Dilma Rousseff. Em
algumas redes sociais, é possível observar que as principais palavras
e frases voltadas à presidenta não se remetem a sua forma de
governo, mas à sua própria imagem de mulher. Assim, em sala de
aula percebemos o poder da mídia e a reprodução por parte de
muitos estudantes de uma distinção de gênero agressiva, onde nos
principais adjetivos e comentários é representada como “cachorra”,
“galinha”, “Isso que dá colocar mulher para governar”, “Mulher só
comanda fogão”, “Se não dirige um carro, vai conseguir um país?”
dentre outras que apesar de revoltantes, trazem a tona o centro de
nossa discussão. Onde estão as mulheres na História?

Na tentativa de apresentar algumas possibilidades, atualmente a


tecnologia permite dentro de segundos se ligar ao mundo e a uma
variedade de estudos, filmes e músicas que permitem encontrar
grandes auxiliares na luta por uma consciência histórica mais
uniforme. Recentemente, por exemplo, foi lançado o filme “As
Sufragistas” (2015) que traz uma excelente abordagem dos trabalhos
realizados por mulheres inglesas e a luta por conquistas políticas e
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

sociais, algo que pode ser usado pelo professor de diferentes formas.
Uma delas seria a tentativa de questionar os padrões femininos
impostos pela sociedade, além de fazer uma relação entre o estado
atual das conquistas femininas com a daquelas mulheres
representadas na obra cinematográfica.

Outra ferramenta a ser utilizada em sala de aula é a música, algo tão


bem discutido por Napolitano (2002), pode-se usar a famosa música
“Ai que saudade da Amélia”, aquela mesma que não tinha a menor
vaidade e por isso era considerada “mulher de verdade” que foi
composta por Ataulfo Alves / Mário Lago na década de 40. Com ela,
será possível fazer uma análise da visão dos autores em relação à
época a representação da mulher, algo que pode ser analisado com
outras músicas até mesmo contemporâneas.

Logo, é importante que enquanto professores/ pesquisadores


abordem as questões de gênero em sala de aula, no intuito de
conscientizar os estudantes, dos mais variados níveis de ensino a
importância de se pensar a história fora dos padrões escritos,
principalmente os livros didáticos. Além disso, buscar apresentar as
mulheres que também tiveram papel importante na história de seu
118 bairro, cidade e estado, afinal a consciência histórica não possui
manual, onde o espaço da mulher precisa ser melhor apresentado.

Referências

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo


subversão da identidade. Trad: Renato Aguiar. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003
BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. 11ª
ed. São Paulo: Contexto, 2008
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do
Historiador. Prefácio, Jacques Le Goff; Apresentação à edição
brasileira, Lilia Moritz Schwarcz; tradução, André Telles – Rio de
Janeiro: Zahar, 2001
COLLING, Ana Maria. Tempos diferentes, discursos iguais: a
construção do corpo feminino na história. Dourados, MS: Ed.
UFGD, 2014
GONÇALVES, Andréa. História e gênero. História e Reflexões.
Ed. Autentica, Belo Horizonte, 2015
MATOS, Maria Izilda S.de. Por uma história da mulher. Bauru,
São Paulo: EDUSC, 2000
NAPOLITANO, Marcos. Música e história. História e Reflexões.
Ed. Autentica, Belo horizonte, 2002
POR UM OUTRO AMANHÃ

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história.


Trad: Viviane Ribeiro. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2005
SILVA, Juliana. Ensino de história e questões de gênero nos
livros didáticos. Anais eletrônicos do VI encontro estadual de
história, ANPUH/BA, 2013
SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana. A emergência da pesquisa da
história das mulheres e das relações de gênero. Revista Brasileira
de História. São Paulo, v. 27, nº 54, p. 281-300 – 2007
SCOTT, Joan. Gênero; uma categoria útil para análise
histórica. Trad. Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Do
original Gender: An useful category of hystorical analyses. Recife:
S.O.S. Corpo, 1991.
OLIVEIRA, Wilson. A imagem da mulher nos livros didáticos
e relações de gênero. Revista Fórum identidades. Itabaiana:
GepiaddE, Ano 5, Volume 9 , jan-jun de 2011.

119
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O QUE TEM A VER A HISTÓRIA ENSINADA NA


UNIVERSIDADE COMO CIÊNCIA COM A HISTÓRIA
ENSINADA NA ESCOLA COMO MATÉRIA? A CRIAÇÃO DO
CURSO DE MESTRADO EM HISTÓRIA DA UFPR EM 1971
E A ANÁLISE DA RELAÇÃO HISTÓRIA ACADÊMICA E
NÃO-ACADÊMICA

Bruno Flávio Lontra Fagundes

A história de cursos de História é campo recente de pesquisa, não


por coincidência incrementado num momento em que muito do
conhecimento histórico produzido pela ciência histórica sofre
concorrência de produções que configuram uma "cultura da
memória", da qual deriva "desde a década de 1970", segundo
Huyssen (2004), a restauração historicizante de velhos centros
urbanos, cidades-museus, empreendimentos patrimoniais e
heranças nacionais, a onda da nova arquitetura de museus, o boom
das modas retrô, a comercialização em massa da nostalgia, a
obsessiva musealização através da câmera e do vídeo, a literatura
120 memorialística e confessional, o crescimento de romances
autobiográficos e históricos pós-modernos, a difusão das práticas
memorialísticas nas artes visuais (tendo a fotografia como suporte) e
o aumento do número de documentários na televisão". Nos EUA, o
History Chanel é um canal só de História. São produções,
praticamente, sem a assinatura de profissionais de formação em
História. Produções acreditadas como "história", por mais que o
especialista contradite dizendo que "não é história, é memória". Esse
"neo-historicismo" (SARLO, 2007) não é exclusividade da Europa e
Estados Unidos e sua análise favorece examinar o que disso alcança
o Brasil.

Duas, basicamente, podem ser as atitudes ante essa realidade que


faz crer que podemos tudo guardar e nada esquecer.

Uma, é, superiormente, desprezar toda essas "modalidades


comerciais" de uma "indústria de memória", olhando-a a partir do
lugar de autoridade que a academia nos atribui, seguindo sem se
perguntar sobre prováveis efeitos desse quadro sobre a História
ciência, ciosos do princípio de que a ciência só deve prestar contas a
si mesma e entendendo que a legitimidade a qual justifica
investimento público e políticas setoriais podem prescindir, sem
consequências, do reconhecimento e do gosto de públicos que
POR UM OUTRO AMANHÃ

procurariam a História acadêmica caso suas práticas tivessem no


horizonte de públicos outros públicos que não apenas especialistas e
pares.

A segunda atitude é aceitar que essa realidade coloca questões


relevantes para a História ciência pensar a si mesma, e que esse
auto-exame requer investigar o processo de institucionalização de
cursos de História brasileiros e as razões que definiram qual tipo de
profissional formar, com que habilidades, em que lugares de atuação
e as funções do profissional da área. Algo que ensejasse, talvez, o
valor de apresentar a História segundo linguagens universais sem
hermetismos, em formatos editoriais e meios que se dispusessem a
públicos não só de experts. Essa atitude facilitaria contar, a nosso
ver, com a promoção do especialista em História como alguém cuja
condição profissional justificasse o reconhecimento social do
investimento público e da elaboração de políticas setoriais
legitimadas, e mesmo moduladas, por pessoas que não estivessem
envolvidas com interesses de verbas e recursos dentro do sistema de
ciência.

Há estimativas de que quase oitenta por cento dos colegiais aprecia


história, mas em sites, fruídas no filme e na televisão, nas revistas e 121
livros de desenho e em meios de entretenimento que acabam sendo
formadores de ideias.

O livro didático e sua indústria estão implicados nessa conjuntura.


Seu público escolar pressiona para que se modifiquem a fim de
acompanhar essa "indústria da História", confeccionados com
imagens, desenhos, referências a links de sites que remetem a sons,
a filmes, documentários, séries de tevê, onde a história é
apresentada, e aceita, como produções que são tidas como história,
mesmo sem o aval do especialista. Marc Bloch (2001) queria que a
História também fosse diversão e Albuquerque Junior (2012)
lamenta que a apresentação do conhecimento histórico pelo
historiador profissional tenha perdido o componente estético de
beleza e prazer que tanto encantava nos textos de historiadores da
Antiguidade.

É razoavelmente comum que muitos historiadores em formação


relacionem História disciplina acadêmica e História matéria escolar
segundo critério reprodutivista. Enquanto uma produz, a outra
meramente reproduz. Ainda é comum -- com ressalva para autores
do campo do Ensino -- lamentar-se, nostalgicamente, do fato de que
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

progressos da ciência histórica na universidade demoram muito a


chegar à escola, sempre em atraso.

São de autores da área do Ensino a defesa do princípio do


contraditório, advogando que são histórias diversas as que
produzem universidade e escola.

Se especialistas na universidade produzem conhecimento histórico


pela adesão a temas e abordagens em escala de valor conforme
interesses institucionais e de acordo com meios que reconhecem
metodologicamente indispensáveis para uma "boa" história, assim
não se passa na escola. Ali também se produz história, com a
diferença de que seus "produtores" o fazem pela adesão a objetos
segundo escala de valor e atribuição de fins à história que seguem
interesses e curiosidades que não são as da academia universitária.
O conceito de "cultura histórica escolar" embasa essa assertiva e põe
cunha no argumento dos que ainda hoje defendem a matéria escolar
História na escola reprodutora do conhecimento acadêmico. Conexo
à ideia de "cultura histórica escolar", há outra de "cultura histórica
especialista", cujos fins não se coincidem.
122 Mas o que liga a reflexão até aqui com o curso de Mestrado em
História da UFPR criado em 1971? Dissemos, acima, "ciência
histórica que se pratica no Brasil", e importa considerar o fato de
que ciência é prática que contém diferentes concepções e se
estrutura numa organização que define contornos de procedimentos
decisórios e gestão administrativa que impactam a formulação das
finalidades, objetivos e funções de seus cursos. O conhecimento que
se produz nesse lugar não é alheio a sua organização institucional.

A história da implantação do sistema de ensino superior brasileiro


em áreas não-práticas de conhecimento tem dupla filiação: alemã,
no plano epistêmico, e americana, no plano organizacional.
O sociólogo da ciência Joseph Ben-David assegura que a invenção da
"universidade de pesquisa" é criação alemã do século XIX, sendo
marco a Universidade de Berlim criada em 1808. O apoio estatal às
novas universidades alemãs "decorria da aceitação de uma filosofia
especulativa que exaltava uma ideia acientífica de uma cultura
filosófica, literária e histórica, que, segundo se acreditava, era
superior a tudo mais." (BEN-DAVID, p.162)

No plano organizacional, o modelo americano de racionalização


regulado pela produtividade acadêmica que pôs fim ao sistema de
cátedras foi adotado no Brasil ao longo dos anos 1960, por medidas
POR UM OUTRO AMANHÃ

legais que redundaram na Reforma Universitária de 1968. Os


acadêmicos norte-americanos "precisavam limitar-se a uma
poderosa tradição anglo-americana de instrução prática integral. (...)
Os estudantes desejavam ser inteiramente instruídos na prática: não
desejavam começar a aprender esse aspecto de suas profissões
depois de sair da universidade" (BEN-DAVID, p.202). Este o espírito
da reforma universitária ao racionalizar o sistema de ensino superior
no país, enfrentando a herança catedrática e oligárquica de nossas
universidades.

Muitos de nós sequer cogitamos de que História acadêmica e


História escolar não tenham sido sempre separadas, de que esse
descompasso durante muito tempo não existiu, acostumados com a
ideia de um sistema de organização de ensino superior e com cursos
de História como se fossem algo sem história.

Aqui referimo-nos ao processo de institucionalização do curso de


História da UFPR, com destaque para seu curso de Mestrado.

O curso de História, então, reunia condições de pleitear junto ao


Ministério a criação de sua pós-graduação no mesmo momento em
que um sistema de pós-graduação estava sendo organizado no país 123
como item estratégico da política desenvolvimentista dos governos
militares. Na esteira do processo de prestigiar a ciência como
investimento de retorno produtivo inequívoco, recursos financeiros
foram liberados para universidades, e mesmo cursos que não tinham
como finalidade a produção de resultados práticos foram
beneficiados por grande financiamento.

O estudo da História dos cursos de História favorece o conhecimento


de como, no processo de institucionalização da História como saber
de especialistas no Brasil, foram sendo separadas universidade e
escola. O curso de História e seu mestrado da UFPR ilustra bem essa
passagem que marca a história dos cursos de História brasileiros.

A história do curso de Mestrado na UFPR e a relação de seus


criadores com a história escolar registram o equacionamento da
relação História acadêmica e História escolar postulada como coisas
separadas. A criação da pós-graduação no Brasil separou não só
escola e universidade, mas ensino e pesquisa e pesquisador e
professor no horizonte dos formuladores de políticas públicas
voltadas para a educação. Acontecimentos e personagens ligados à
implantação do curso de Mestrado em História da UFPR, assim
como acontecimentos derivados de sua consolidação, exemplificam
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

como se configuraram as condições que caracterizaram a separação


História universitária e História escolar.

Baseado numa ideia superior de ciência, ancorado em resultados que


o levaram a um grau de excelência nos anos 1970, o Mestrado em
História da UFPR expressava aquele processo histórico de
separação, firmado por uma política setorial para o ensino superior
que superprestigiava a pesquisa - visando o projeto
desenvolvimentista científico-tecnológico dos governos militares - e
subprestigiava o ensino. Nesse processo, a ciência histórica
produzida na UFPR ajudou a reiterar concepção hierárquica entre
universidade - produtora - e escola - reprodutora - de conhecimento.
Em 1975, a ANPUH passava a participar da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC), o que inscrevia a História num
sistema de ciência inequivocamente.

Nos anos 1980, há acontecimento que revela o enraizamento do


curso de Mestrado em História da UFPR numa referência de
História Ciência em busca de legitimidade - e verbas - num sistema
que hipervalorizava a produção de conhecimento novo pela
pesquisa. Quando, em meados dos anos 1970, começaram pressões
124 dentro da ANPUH para que professores secundários participassem
da associação, houve reação. Professores achavam que a "História
estava se abrindo demais", conforme testemunha ex-professora do
Mestrado da UFPR, e compreendiam que a História Científica iria
ser prejudicada pela intromissão de amadores e diletantes.

Como contragolpe, especialistas da pesquisa criaram, em 1981, a


Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH), situação em que
professores da UFPR se destacaram. Como convinha a uma prática
de ciência que se concebia autossuficiente, e a escola a reboque do
conhecimento acadêmico, a UFPR expunha a originalidade de uma
separação ensejada pela instalação da pós-graduação e que supunha
a ciência naturalmente superior a qualquer outra forma de se
conhecer, sendo o conhecimento acadêmico de História sempre
superior ao que a escola, e quem quer que seja, quisesse produzir.

Beatriz Sarlo (2007, p.15) analisa as histórias que tanto agradam ao


público de colegiais. "É verdade que as modalidades comerciais
(porque essa é sua circulação nas sociedades midiatizadas)
despertam a desconfiança, a crítica e a inveja rancorosa daqueles
profissionais que baseiam sua prática apenas na rotina do método.
Como a dimensão simbólica das sociedades em que vivemos está
organizada pelo mercado, os critérios são o êxito e o alinhamento ao
POR UM OUTRO AMANHÃ

senso comum dos consumidores. Nessa concorrência, a história


acadêmica perde por motivos de método, mas também por suas
próprias restrições formais e institucionais, que a tornam mais
preocupada com as regras internas do que com a busca de
legitimações externas (...) as histórias de grande circulação, em
contrapartida, reconhecem na repercussão pública de mercado sua
legitimidade".

Atualmente, a relação que "outras histórias" para "outros públicos"


estabelecem com a sociedade vêm provocar na ciência histórica - ou
deveria provocar - grande reflexão sobre si própria, que pudesse, em
meio a interesses particularistas de seus praticantes, militar por um
processo de produzir conhecimento que não supusesse com relação à
sociedade tanto isolamento e distância.

Referências

ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. Fazer defeitos na


memória: para que servem o ensino e a escrita da História? In:
GONÇALVES, Márcia de Almeida et al (Orgs.). Qual o valor da
História hoje? RJ: FGV Edit. 2012
BEN-DAVID, Joseph. O papel do cientista na sociedade. SP: 125
Pioneira, USP, 1974.
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do
historiador. RJ: Jorge Zahar Edit. 2001.
HUYSSEN, Andreas. Passados presentes: mídia, política, amnésia.
In: ______ . Seduzidos pela memória. RJ: Aeroplano Edit.
MAM, RJ. 2000. p.9-39.
SARLO, Beatriz. Tempo passado. Cultura da Memória e
guinada subjetiva. Belo Horizonte, MG, São Paulo: Ed. da UMFG,
Cia das Letras, 2007.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O ORIENTALISMO DE GILBERTO FREYRE E O ENSINO


DE HISTÓRIA NO BRASIL: RELACIONANDO RELATOS
DE DOCÊNCIA E PESQUISA SOBRE A CHINA

Carlos Alberto Bento Corrêa

No momento, venho estudando um texto clássico chinês chamado


Zhuangzi (Chuang-Tsé), cuja pronúncia pode ser 'tchuân tsú', ou
quase isso. Caso o leitor não tenha ouvido falar deste nome, ele é o
sábio da música "O Conto do Sábio Chinês", do músico Raul Seixas.
Na música, Raul conta que o sábio sonhou que era uma borboleta, e
quando acordou não sabia mais se era um sábio mesmo ou se era
uma borboleta. Esse conto, por sua vez, pode ser encontrado em
qualquer uma das traduções do livro de Zhuangzi. O conto inteiro,
aliás, pois Raul só contou uma parte. É o que faço também, não vou
contar o resto, conservando assim a curiosidade do leitor. De resto,
vou propor a questão de como apresentá-lo ao público brasileiro. Em
especial, nas aulas de história da China, quando são possíveis.
126 Zhuangzi é de 2.300 anos atrás, e escreveu na China que está do
outro lado de um planeta tido como redondo, sendo assim de difícil
abordagem em moldes historiográficos que dão prioridade a
dicotomias ou categorias muito fechadas. Ora, é claro que
dicotomias e categorias fechadas tem valor analítico, porém, para se
ensinar a história da China no Brasil, penso que seria preciso
retrabalhar alguns aspectos da noção que temos da própria história
do Brasil. E posso citar algumas memórias com as quais possamos
dialogar para tentar exemplificar essa necessidade de retrabalho. Na
primeira dessas memórias, a professora Helayne Cândido (2015, p.
105) destacou que para as aulas que ministrou

Foi elaborado um plano de aulas em que traríamos temas


diversos sobre China e Cultura Chinesa para os alunos,
tentando distanciar-nos de uma cronologia histórica já
estabelecida que define, a priori, o que se deve olhar
sobre essa civilização. Como uma das sociedades mais
antigas do planeta, cuja continuidade histórica não
encontra paralelo no Ocidente, analisar a China exige
outras abordagens.

O primeiro ponto a ser retrabalhado é o que Helayne apontou:


"distanciar-nos de uma cronologia histórica já estabelecida que
POR UM OUTRO AMANHÃ

define, a priori, o que se deve olhar sobre essa civilização". Ora,


como professor de História no ensino fundamental tive uma
impressão parecida, pois não somente a China é perifericamente
abordada no ensino, mas também os demais "povos orientais",
"povos indígenas", "povos africanos", têm sido abordados de modo
minimizado. O motivo dessa abordagem minimizada é comentado
por Helayne (p. 109):

Nossa educação é formulada de maneira ocidental, com


fortes bases europeias e modismos, que mudam de
tempos em tempos. É natural não encontramos
evidências no ensino sobre a história asiática, mais
especificamente sobre a China, ou resumi-la ao seu
aspecto econômico apenas, em páginas rápidas dos livros
didáticos. Mas também não podemos ser cruéis e dizer
que os livros estão fracos. Sim, eles apresentam
sucintamente outros aspectos da história mundial, que se
o professor não explorar, passarão desapercebidos e
inexplorados.

Os "aspectos da história mundial" têm sido separados em categorias


como "povos indígenas", "povos africanos" e "povos orientais" que 127
acabam, por assim dizer, sendo abertas demais, homogêneas
demais, etnocêntricas demais, e que por isso dariam apoio à
continuação de velhos estereótipos. E se "o professor não explorar",
e não detalhar essas categorias, suas singularidades "passarão
desapercebid[a]s". De qualquer forma, se ainda precisamos dessas
categorias para nos comunicarmos, penso que seja preciso ao menos
retrabalhá-las. Em outras palavras, apresentar a China para os
alunos do século 21 tendo base numa perspectiva de se contar as
histórias do Brasil que destaquem sua relação com "o Oriente".

Uma alternativa que me parece instigante, é a de retomarmos


análises de intelectuais brasileiros, e não tanto estrangeiros, que
tentaram chamar a atenção para a relação que o Brasil tem com os
"povos orientais", não de agora, mas já no período da colonização
europeia. Porque mesmo que utilizemos perspectivas importantes,
como a de Edward Said, em seu livro "Orientalismo" (1990), para
trazermos à tona os "traços orientais" do Brasil, ainda seria uma
abordagem estrangeira. Por isso, penso que para termos dados mais
contundentes em mãos, na hora de dialogar com a historiografia
eurocêntrica, poderia ser pertinente se realizássemos, também,
debates entre brasileiros. No sentido de tentar mostrar que existem,
na história do Brasil, intelectuais brasileiros que se dedicaram a
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

estudar a "presença do Oriente" no Brasil. Sim, tentar valorizar os


estudos brasileiros dentro do que hoje se denomina Sinologia
(estudos sobre a China), e um desses intelectuais pode ter sido
Gilberto Freyre.

Para apresentar melhor esta ideia, conto uma experiência que vivi no
curso de Licenciatura em História. Quando estava no curso, fiz uma
disciplina sobre historiografia e ensino de história do Brasil, e lá
pude ter um contato inicial com a obra de Freyre. Sobretudo, Casa-
Grande & Senzala, mas, se não me falha a memória, nada ou bem
pouco foi dito sobre as análises que trabalharam as relações
Ocidente e Oriente no contexto da história do Brasil. Embora,
professores e alunos admitissem várias vezes, durante o curso, a
falta que estava fazendo um semestre de "história oriental", e, no fim
das contas, fui saber das análises de Freyre bem depois. De todo
modo, agora que tenho contato, compartilho questionamentos a
respeito, pois a abordagem de Freyre me parece especial por
abranger não somente a América Latina, a Europa e a África, mas
também a Ásia. Fato que poderia incentivar novas abordagens a
partir de sua obra. Discuto melhor esta proposta.
128 Em 2003, foi publicado o livro "China Tropical" que reúne trabalhos
onde Freyre se dedicou a mapear os "valores orientais" presentes na
cultura brasileira. A respeito desses estudos, o organizador Edson
Fonseca (p. 9-10) comentou que Freyre

não chegou ao extremo de orientalizar-se. Mas como


possuía em alto grau o dom da empatia e uma
cosmovisão generosa e abrangente, soube conciliar
valores ocidentais e orientais. Com tais valores - aos
quais se juntaram os indígenas e os africanos - formou-se
esta nação culturalmente mestiça que é o Brasil (...).
Espero que a antologia o coloque na linha (...) de um
Edward Said e de um Simon Schama, por exemplo (...).

Tal comentário enfatiza o fato de que Freyre não teria dado maior ou
menor importância para esta ou aquela cultura, apenas as analisou.
Perspectiva que poderia ser relevante para o ensino, já que Helayne
Cândido (2015, p. 105-106) conta que é problemático "utilizar a
expressão ou a ideia de que uma cultura [seja] melhor ou pior que
outra" (p. 105-106), pois tal uso gera preconceitos e atrocidades.
Neste sentido, é preciso passar a palavra ao próprio Freyre, e ver
com detalhes como ele abordava as culturas. Em Casa-Grande &
POR UM OUTRO AMANHÃ

Senzala, de 1933, dizia que, a partir do fim do século 16, o Brasil fora
colonizado

na época em que os portugueses, senhores de numerosas


terras na Ásia e na África, se haviam apoderado de uma
rica variedade de valores orientais. Alguns inadaptáveis à
Europa. Mas todos produtos de finas, opulentas e velhas
civilizações asiáticas e africanas. Desses produtos, o
Brasil foi talvez a parte do império lusitano que, graças às
suas condições sociais e de clima, mais largamente se
aproveitou: o chapéu-de-sol, o palanquim, o leque, a
bengala, a colcha de seda, a telha à moda sino-japonesa,
o telhado das casas caído para os lados e recurvado nas
pontas em corno de lua, a porcelana da China e a louça
da Índia. Plantas, especiarias, animais, quitutes. O
coqueiro, a jaqueira, a mangueira, a canela, a fruta-pão, o
cuscuz. Móveis da Índia e da China (2003, p. 11-12).

É válido destacar que Freyre fora criticado por suas análises. No


entanto, respondeu às críticas que, segundo ele, consideravam suas
análises meramente "materialista[s]", esclarecendo em seu texto "O
Oriente e o Ocidente" (p. 23-24), de 1951, que 129
há quem tenha por exagerada a importância por nós
atribuída ao Oriente na formação da cultura que aqui se
desenvolveu com a sociedade patriarcal e foi, em várias
de suas formas, condicionada pelo tipo absorvente de
organização de economia e de política, de recreação e de
arte, de religião e de assistência social, de educação e de
transporte - e não apenas de família, no sentido apenas
biológico da palavra - que é o patriarcal. A verdade é que
o Oriente chegou a dar considerável substância (...) e cor
à cultura: o Oriente concorreu para avivar as formas
senhoris e servis dessa convivência entre nós: os modos
hierárquicos de viver o homem em família e em
sociedade. Modos de viver, de trajar e de transformar-se
que não podem ter deixado de afetar os modos de pensar.

Frente a argumentação de Freyre, destaco a ampla abordagem que


faz em seguida com relação aos "modos de pensar" e exaustivas
notas de rodapé. Assim, a partir de Freyre, proponho a questão:
seria possível que tais "valores orientais" pudessem ser também
fatores a serem considerados nos interesses de leituras que
intelectuais brasileiros fizeram da "literatura oriental"? Exemplifico
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

tais interesses. Interesses como o da educadora Cecília Meireles


(1996), ao tentar traduzir obras dos poetas chineses Li Po e Tu Fu,
bem como a tradução do livro "A Importância de Viver", do chinês-
americano Lin Yutang, feita por Mario Quintana. Ou até mesmo
interesses de músicos brasileiros como Raul Seixas (1980), ao
compor a música "O Conto do Sábio Chinês". Ou ainda, a poesia
japonesa do haiku (hai-kai), a qual Millôr Fernandes (1996) se
interessou e compôs vários haiku a seu modo. Interesses que, por
sua vez, podem ter algo em comum: Zhuangzi. Vejamos mais
nitidamente os indícios que apontam para esse "algo em comum".
Segundo Hamill e Seaton (2000), "ele foi estudado por todos os
grandes poetas e filósofos da China, do Japão, da Coréia e do
Sudeste Asiático dos últimos dois mil anos. Li Po o cita; Tu Fu nele
busca consolo; Basho não saía de casa sem ele". Diante destas
informações, nota-se que Li Po e Tu Fu, que foram traduzidos por
Cecília, utilizavam os recursos literários de Zhuangzi, bem como os
poetas japoneses do haiku, como Basho, fato estudado por Peipei
Qiu (2005). Além de Quintana ter traduzido uma obra importante
no desenvolvimento do pensamento de Lin Yutang, que se baseou,
principalmente, em Zhuangzi, como argumenta Liu Jianmei (2016,
p. 106-125).
130
E o que se quer dizer com estas informações? Apenas trazer mais
elementos para retrabalhar a pergunta que propus: poderíamos ir
além dos indícios materiais chineses ligados à chamada "cultura
popular", como o pastel, lembrado por Helayne Cândido (2015, p.
107) e, assim, abrangermos também a chamada "cultura intelectual
[ou letrada]", onde os indícios materiais que nos ligariam à cultura
chinesa poderiam ser os livros produzidos por brasileiros? Esta é a
pergunta que gostaria de compartilhar. Afinal, estudo uma possível
proposta educacional do chinês Zhuangzi, e a estudo estando no
Brasil. Logo, por que não utilizarmos, também, estudos acadêmicos
brasileiros quando introduzimos uma análise de um clássico chinês
no ensino de História?

Referências

CÂNDIDO, H. "Ensinar História da China no Sul do Paraná: a


experiência de um novo mundo que se descobre". In: BUENO, A;
ESTACHESKI, D; CREMA, E (org.). Pensando Amanhãs:
falando sobre o Ensino de História. Rio de Janeiro/União da
Vitória: Edição Especial Sobre Ontens, 2015. Disponível em:
<http://www.simpohis.blogspot.com.br/>.
Acesso em janeiro de 2016.
POR UM OUTRO AMANHÃ

FERNANDES, M. Hai-Kais. Porto Alegre: L&PM, 1997.


FONSECA, E. da F. Gilberto Freyre: China Tropical. Brasília:
Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, 2003.
HAMILL, S; SEATON, J. P. Chuang Tzu: Ensinamentos
Essenciais. Trad. Eduardo Pereira e Ferreira. São Paulo: Cultrix,
2000.
JIANMEI, L. "Lin Yutang: Zhuangzi Travels to the West". In:
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University Press, 2016. Disponível em:
< https://books.google.com.br/books?id=HPGACgAAQBAJ&pg=PA
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YDB7KL&sig=8qtAjmt7pjoduMYMN-wg1Qth4eA&hl=pt-
BR&sa=X&ved=0ahUKEwizlvS2qtHJAhXHD5AKHTNkBA0Q6AEI
LjAC#v=onepage&q&f=false>. Acesso em fevereiro de 2016.
LI PO; TU FU. Poemas chineses. Trad. Cecília Meireles. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
QIU, P. Basho and the Dao: The Zhuangzi and the
Transformation of Haikai. Honolulu: University of Hawai'i
Press, 2005. Disponível em:
<https://books.google.com.br/books?id=7OolnFbgs_IC&printsec=f
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KEwj0mLytn9HJAhWFUJAKHcDHBPEQ6AEIIzAB#v=onepage&q
&f=false>. Acesso em fevereiro de 2016.
SAID, E. Orientalismo. Trad. Tomás Rosa Bueno. São Paulo:
Companhia das letras, 1990.
SEIXAS, R. "O Conto do Sábio Chinês", Abre-te Sésamo.
CBS/Sony Music, 1980.
YUTANG, L. A Importância de Viver. Trad. Mario Quintana. São
Paulo: Globo. Ed. 11, 1997.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A LITERATURA NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO


HISTÓRICO: UM ESTUDO DE CASO

Carlos Jordan Lapa Alves

Introdução

Na sociedade contemporânea os docentes das mais diversas áreas do


conhecimento deparam-se com o percalço cotidiano de criar e
manter o interesse dos alunos no conteúdo proposto e no processo
de ensino-aprendizagem. Por anos o ensino de História no Brasil
evidenciou a mecanização da aprendizagem, pois o aprender estava
intrinsecamente relacionado ao ato de decorar datas, nomes e os
grandes feitos. Contudo, as novas correntes pedagógicas em união
com as vertentes históricas que surgiram durante o século XIX e XX
logo questionaram a visão da História Positivista e seus métodos de
aprendizagem, por consequência acarretando mudanças dentro das
salas de aula possibilitando nas últimas décadas um estudo histórico
mais amplo e didático (SCHMIDT, 2004).
132
As fontes históricas utilizadas por historiadores para produção do
conhecimento histórico podem ser usadas em sala de aula, criando
um ambiente de socialização de conhecimento, no qual os
educandos participam de maneira ativa, pois para Schmidt (2004,
p.54) precisa-se "entender que o conhecimento histórico não é
adquirido como um dom", mas consegue-se através de pesquisas e
descobertas. Torna-se, portanto, necessário transformar a sala de
aula em um mundo onde os alunos precisam descobrir sua historia,
ou seja, faz-se necessário outro modelo educacional que privilegia o
ensino nas suas múltiplas variações, pois "o que é desejado é que o
professor deixe de ser um expositor satisfeito em transmitir soluções
prontas; o seu papel deveria ser aquele de um mentor, estimulando a
iniciativa e a pesquisa" (PIAGET, 1973. p16).

Entretanto, para uma melhor compreensão sente-se a necessidade


de evidenciar que o conceito de fonte histórica, o qual na concepção
positivista do século XIX privilegiava o documento escrito e oficial
foi alargado a partir da contribuição revolucionaria da Escola dos
Annales e passou a abarcar, também, a cultura material, as imagens,
a Literatura (SILVA; SILVA, 2009).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Chartier foi um dos expoentes da revolução historiográfica, pois em


seus estudos, o historiador francês distanciava-se de uma visão
oficial e marxista e esboçava um novo campo historiográfico em que
as relações culturais, literárias e as diversas significações tinham um
denominador comum que era a História Cultural. Atente-se que para
Chartier (1990, p. 24) "a literatura representa a complexidade que o
homem vive em seu meio social".

Segundo Navarrete (2011, p.33), "Chartier define a literatura como


uma relação intrínseca entre a crítica literária e a História". Visto
que, o escritor está inserido no contexto e o historiador pode se
apropriar de seus relatos em forma de prosa, poesia ou conto para
construir o conhecimento histórico visando uma análise cientifica e
imparcial da literatura.

Pensando que as narrativas, sejam históricas ou literárias, ou outras,


constroem uma representação acerca da realidade, procura-se
compreender a produção e a recepção dos textos, entendendo que a
escrita, a linguagem e a leitura são indivisíveis e estão contidas no
texto, que é uma instância intermediária entre o produtor e o
receptor, articuladora da comunicação e da veiculação das
representações. (BORGES, 2010, p 95). 133
Essa concepção de fonte histórica possibilita flexionar o seu uso
como recurso didático em sala de aula, pois permite o diálogo do
aluno com o passado ao desenvolver o sentido da análise histórica
(CORREIA, 2013). Afirmando isso, objetiva-se relatar uma
experiência com a utilização do poema como fonte histórica
contextualizado com o conteúdo de História no ensino-
aprendizagem deste campo do conhecimento.

Metodologia

Para alcançar o objetivo proposto a proposta desenvolvida segue em


uma primeira etapa o conceito do estudo exploratório através de
uma pesquisa bibliográfica, que segundo Gil (2008) "é um estudo
desenvolvido a partir de material já elaborado, constituído de livros
e artigos científicos". Diante das considerações teóricas, buscou-se
relacioná-las com a prática do uso do poema enquanto fonte
histórica no processo de ensino- aprendizagem da disciplina de
História e Língua Portuguesa.

A atividade desenvolveu-se em grupos de alunos compostos de três


integrantes, pertencentes a uma turma do 8º ano, do Ensino
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Fundamental II, da Escola Municipal Manoel dos Santos Pedroza em


Piúma - ES, a partir da inciativa dos professores de História e de
Língua Portuguesa. Os referidos alunos foram convidados a analisar
o poema Navio Negreiro: uma tragédia no mar (1983), escrito por
Castro Alves, contextualizando-o com o conteúdo de Brasil Colonial,
estudado em aulas anteriores, para posteriormente, através de suas
percepções sobre o poema contextualizado com o assunto,
construírem Histórias em Quadrinhos (HQs) e uma encenação
baseada no teatro das sombras.

Resultados e Discussões

Atualmente, a sociedade vivencia e valoriza o presenteísmo,


porquanto se acredita viver um presente continuo desvinculado de
qualquer passado. Portanto, é necessário do professor uma postura
de reconciliação entre a história e os novos sujeitos mostrando-os
que são atores e principalmente construtores diários do
conhecimento histórico. Para que isso ocorra torna-se necessário do
docente transformar sua sala de aula em um grande laboratório
trocando por vezes livros por documentos-fontes que são acessíveis
em diversos sites de domínio público como da Biblioteca Nacional e
134 outros arquivos de competência estadual.

O professor de História pode ensinar o aluno a adquirir as


ferramentas de trabalho necessárias; o saber-fazer, o saber-fazer-
bem, lançar os germes do histórico. Ele é o responsável por ensinar o
aluno a captar e a valorizar a diversidade dos pontos de vista. Ao
professor cabe ensinar o aluno a levantar problemas e a reintegrá-los
num conjunto mais vasto de outros problemas em problemáticas.
(SCHMIDT, 2004, p.57)

Nesta perspectiva, busca-se envolver o aluno em um sentimento de


pertencimento e valorização da sua própria história, cultura e
criação de sua identidade - conforme os Parâmetros Curriculares
nacionais - PCNs (Brasil, 1997). Ainda segundo este documento
torna-se prioritário que o ensino de História se paute na construção
de uma identidade nacional através das relações sociais e individuais
além de permitir analisar e compreender o tempo presente e
explorar criteriosamente as múltiplas relações históricas que
envolvem seu passado e sua memória.

Neste aspecto a história vincula-se diretamente com a construção da


cidadania relacionando-se ao conhecimento do outro como ser
histórico permitindo compreender o entrelaço social, a cultura, a
POR UM OUTRO AMANHÃ

construção moral e a realidade que estamos inseridos. A Literatura


reconhecida como fonte histórica para viabilizar o processo de
ensino aprendizagem da História, permitiu contextualizar o poema
Navio Negreiro: uma tragédia no mar (1983), escrito por Castro
Alves com o conteúdo de História "Brasil Colonial". A atividade
desenvolvida possibilitou relacionar muitos dos aspectos abordados
no poema pelo autor com os conteúdos disponibilizados no livro
didático. Isso vai de encontro ao que Silva (2010) propõe, pois "a
ausência de comprometimento da Literatura com a realidade dos
fatos, não exclui sua presença".

A maior liberdade de imaginação e fantasia que proporciona a


linguagem literária que evidencia Pesavento (1995) em seus estudos,
contribuiu para uma maior riqueza de detalhes, despertando o
interesse por parte dos alunos ao relacionarem o poema com o
conteúdo, pois o interesse pela atividade prática estimula e
desenvolve uma perspectiva de participação e construção de
conhecimento.

Nessa abordagem dialógica, o diálogo com o passado através da


fonte possibilitou que os discentes desenvolvessem seus pontos de
vista. De acordo com Teixeira (2010), o documento histórico como 135
recurso pedagógico permite a construção de pontes entre o aluno
com o passado, pois desenvolve-se o interesse pela investigação
histórica oferecendo a possibilidade do aluno fazer sua própria
leitura sobre os eventos que o documento trata.

Pode-se perceber através das analises feitas pelos alunos um


sentimento de reconhecimento de suas histórias através do poema,
pois este enquanto expressão humana conseguiu criar uma relação
intrínseca entre as condições sociais e humanas dos alunos e os
personagens do poema, visto que a escola é localizada em uma área
periférica, seria, portanto, quimera aos alunos uma representação de
poema que elucidasse os grandes heróis e seus feitos.

Tal fato é endossado, pois a maioria dos discentes não se vê


representado por estes personagens, uma vez que, o estudante
muitas vezes acaba assumindo apenas ao papel de expectador do
grande espetáculo histórico provido pelas grandes elites e seus
respectivos interesses, portanto sem desenvolver uma analise critica,
tendo em vista não se identificar com a História que geralmente traz
os discursos das rainhas, reis, príncipes, papas e presidentes. O
poema, enquanto forma de Literatura carregada de emoção, provoca
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

a identificação do aluno com os personagens (KARAWEJCZYK apud


TEIXEIRA, 2010).

Através das representações históricas que o poema transpõe foi


estimulado a capacidade de interpretação dos alunos. As produções
verbais e as em formas de Historia em Quadrinhos só foram
possíveis por parte dos discentes, pois houve uma interação entre o
texto literário e os conteúdos propostos pelo livro didático, visto que,
precisa-se levar em consideração que as poesias não são
predominantes nas leituras dos adolescentes. Ademais, Correia
(2013) adverte que o texto literário, como recurso do conhecimento
histórico, no processo pedagógico necessita ser trabalhado em
sincronia com outras fontes de conhecimento, pois se torna preciso
viabilizar as analises e as interlocuções entre os saberes que
proporcionam analises complexas sobre fenômenos também
complexos.

Santomé (1998) destaca a importância da integração do trabalho de


diferentes disciplinas, pois a desconexão e descontextualização dos
saberes dificultam a criatividade e a imaginação, bem como as
iniciativas dos alunos, que não entendem o sentido das partes
136 estudadas. Nessa perspectiva, o poema trabalhado na aula de
Literatura foi utilizado na aula de História, integrando os conteúdos
das disciplinas, estimulando a criatividade e a iniciativa do aluno.

Considerações Finais

A partir da resignificação dos conceitos teórico-metodológicos


acerca do que pode ser considerado documento histórico ou fonte
histórica, criou-se o interesse por parte dos professores de História e
de Literatura desconstruir paradigmas e aproximar o conhecimento
dos discentes. A aceitação da Literatura pelos adolescentes e
também enquanto recurso histórico possibilitou o seu uso como
mediador e construtor de um conhecimento interdisciplinar
abarcando teorias e metodologias da ciência literária quanto da
ciência histórica.

A História e a Literatura, no processo de ensino-aprendizagem,


viabilizaram um espaço privilegiado de produção do conhecimento
pedagógico. A integração das referidas áreas do conhecimento
conferiu sentido e prazer à realidade cotidiana escolar dos alunos,
pois estes perceberam que estavam interagindo com e construindo
conhecimento.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Diante do relato apresentado é importante destacar que alguns dos


métodos utilizados durante as aulas, comprovaram as hipóteses e as
teorias de pesquisa de grandes autores como: Correia (2013), Silva
(2010) e Fonseca (2003) quando afirmam que os alunos aprendem
fazendo, pois as atividades demonstraram que os métodos de ensino
interferem diretamente no interesse pelo conteúdo e no processo de
ensino-aprendizagem.

Deve-se então ter em mente que os professores exercem um papel


insubstituível no processo da transformação social, pois a formação
dos educadores não se baseia apenas em técnica prontas, e nem
como apenas executora de decisões alheias, mas, na formação de
cidadãos com competências e habilidades na capacidade de decidir e
agir. Em suma, novas técnicas de ensino tem o poder de produzir
novos conhecimentos para além da teoria e da prática de ensinar,
pois torna-se preciso (re)significar o ensino e colocar o aluno no
papel de construtor do conhecimento.

Referências

CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo 137


Horizonte: Autêntica, 2009.
CORREIA, Janaína dos Santos. O uso de fontes em sala de aula:
a obra de Maria Firmina dos Reis (1859) como mediadora
no Estudo da escravidão negra no Brasil. 2013. 166 f.
Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade Estadual
de Londrina, Londrina, 2013.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de
História: experiências, reflexões e aprendizados. 7 ed. São
Paulo: Papirus, 2003.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola Pública: a
pedagogia crítico-social dos conteúdos. 21ª ed. São Paulo:
Loyola, 2006.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. „Relação entre História e Literatura e
Representação das Identidades Urbanas no Brasil (século XIX e
XX)‟. In: Revista Anos 90, Porto Alegre, n. 4, 1995.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e
interdisciplinaridade: o currículo integrado. 1ª reimpressão.
Porto Alegre: Artmed, 1998.
SILVA, Camila Arantes. A literatura como objeto de reflexão
política: olhai os lírios do campo de Érico Veríssimo
(1937). 2010. Monografia (Graduação em História). Universidade
Federal do Paraná, Paraná, 2010.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de


conceitos históricos. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2009.
TEIXEIRA, Luciana. História e poesia: uma discussão sobre
fontes para o ensino de História. 2010. 22 f. Monografia
(Graduação em Pedagogia). Universidade Estadual de Maringá,
Maringá, 2010.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora „A formação do professor de história e
o cotidiano da sala de aula‟. In: BITTENCOURT, Circe. O saber
histórico na sala de aula. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2004.

138
POR UM OUTRO AMANHÃ

O DESENVOLVIMENTO DO PENSAR NA INFLUÊNCIA DA


SOCIOLOGIA NA SÉRIE DIDÁTICA HISTÓRIA GERAL E
DO BRASIL DE CLAUDIO VICENTINO E GIANPAOLO
DORIGO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO SÉCULO XXI

Carlos Mizael dos Santos Silva

O desenvolvimento do pensar na questão que esse texto menciona


surgiu após a necessidade de tentar me adentrar no programa de
mestrado em Ciências Sociais na mesma universidade a qual me
formei. Uma das linhas de pesquisa desse programa se chama
Sociabilidades, conflito e processos identitários. Essa linha de
pesquisa foi escolhida por mim pelo fato de que ela me faz refletir a
minha formação enquanto professor/historiador. Não buscava o
conhecimento apenas dentro da universidade mas também fora dela.
Um dos exemplos mais marcantes foram os movimentos sociais,
pois aprendi direta e indiretamente a importância de pensar numa
narrativa histórica que inclua todas as pessoas silenciadas da melhor
forma possível, independente de sua etnia, religião, segmento social,
e etc. 139
Nas minhas aulas buscava, na medida do possível, fontes que me
ajudassem a tirar alguns silêncios que rumavam nesse sentido: sites,
documentários e etc, e aplicava isso em uma sala de aula dentro de
um planejamento prévio. Porém, na pós acadêmica, que se difere da
pós profissional, existe uma diferença muito grande entre investigar
um problema social e ser um problema social. Portanto, não seria
fácil encontrar um problema para investigar que não tivesse ligado
ao campo de Ensino de História. A solução estava então em pensar
na História do Ensino embasado na História, pois já havia
trabalhado com isso antes em minha monografia ao pesquisar sobre
o ensino da História do Brasil no fim dos oitocentos e início dos
novecentos no Colégio Pedro II.

Buscando então a fonte nos meus arquivos de livros didáticos acabei


encontrando uma coleção que me chamou atenção. Essa coleção se
chama História Geral e do Brasil, editora Scipione e foi escrita pelo
Claudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo. A razão por me sentir atraído
pela obra foi pelo fato da mesma ter como um dos autores um
graduado em Ciências Sociais (Vicentino) e professor de História em
redes privadas de ensino. Outra coisa que atentou-me a essa obra foi
a naturalidade com que a obra, no manual do professor, trata de
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

assuntos que geralmente só se encontravam em discussão de grupos


sociais:

"Precisamos também ter claro que cada sujeito articula


várias identidades que respondem a aspectos diferentes
da vida (sexualidade, lazer, política, economia, classe) e
não é aceitável, no processo de autoconstrução que cada
criança ou adolescente executa, o constrangimento a
assumir papéis que decorrem de estruturas e processos
opressivos, como o racismo, o machismo, a homofobia,
os preconceitos de classe, os regionalismos excludentes,
entre outros. A formação para a cidadania é também
tarefa da História, e significa a politização dos sujeitos -
Desde seu surgimento como disciplina escolar, cabe à
História uma parcela expressiva da tarefa de preparar os
futuros cidadãos para a vida em sociedade, sobretudo
para a participação na esfera política."
(VICENTINO;DORIGO, 2013, p. 07)

No próprio manual do aluno encontrei uma determinada citação:


140 "No Brasil, especificamente, vários grupos tidos como
oprimidos passaram a buscar, escrever e valorizar suas
histórias: os negros nas sociedades (aberta ou
veladamente) racistas, as mulheres nas sociedades
patriarcais e machistas, os trabalhadores, as minorias
étnicas, os homens e as mulheres com diferentes opções
sexuais, etc. Desse modo, várias transformações na
maneira de compreender a história como ciência, dentro
e fora do Brasil, exigiram que ela fosse construída e
ensinada de novas formas. Em termos políticos, a
emergência das reivindicações dos operários,
trabalhadores rurais, negros e mulheres - entre outros
sujeitos históricos - propiciou novos focos para a história,
seu registro, sua escrita." (VICENTINO;DORIGO, 2013,
p. 14)

Desde então percebi que essa coleção didática para ensino médio
tinha muito a me ensinar. Pelo fato de mostrar, por exemplo, de que
pensar a História sob essa perspectiva não é algo novo, embora
mesmo assim devamos pensar numa forma eficaz de executar essa
dinâmica de ensino. De onde vem esse diálogo todo? Havia pensado
a princípio com Vicentino, uma vez que ele é cientista social, porém
ele não escreveu essa obra sozinho. Dorigo, por sua vez, é bacharel e
POR UM OUTRO AMANHÃ

licenciado em História e esse curso, como sabemos, costuma lidar


também com esses tipos de problemáticas, dentro das suas
possibilidades.

Não podendo me render única e exclusivamente na análise do livro


didático, precisava entender a possível influência da sociologia nessa
obra para saber se o uso de determinados autores e determinadas
obras discutidas em Sociologia (MARX, WEBER, ELIAS,
FERNANDES) poderiam ter feito que os autores escrevessem a
Historiografia Didática da maneira que escreveram. Mas será que a
Sociologia foi a principal responsável pela atual configuração dessa
escrita? Como o programa do mestrado em Ciências Sociais fala de
sociabilidades, não podemos nos esquecer dos movimentos sociais
enquanto possíveis espaços de sociabilidade e como os volumes 1, 2
e 3 da obra foram publicadas em 2013, constatamos que seria
imprescindível a análise conjuntural dos movimentos sociais no
século XXI. A partir daí, concluímos que dessa forma atribuiríamos
um recorte temporal em nossa pesquisa. Trabalharemos com artigos
que falavam sobre os movimentos sociais para fazermos um
levantamento inicial desses movimentos e tentarmos fazer um
comparativo disso com o momento em que o livro foi publicado para
sabermos se há uma ligação entre uma coisa e outra. De que forma 141
essas situações se conectam?

Para pensarmos uma linha de pensamento resolvemos dialogar com


Pierre Bourdieu, pois ele trata a da questão do Poder Simbólico, de
como ele se manifesta em um determinado Espaço Social através das
"Propriedades Atuantes", provocando uma determinada reação a
cada agente influenciado por essas propriedades. O mesmo autor
afirma que para entendermos sobre as propriedades devemos
entender, por exemplo, sobre a origem de cada instituição.
Entendendo sobre a origem das instituições poderíamos entender,
por exemplo, sobre o fenômeno dos porta-vozes (pessoas que falam
em nome da instituição que representam).

Ao buscarmos o contexto dessa discussão em nossa pesquisa que tal


pensarmos da seguinte forma: Vimos que os autores falam de
estruturas e processos opressivos como machismo, por exemplo. Se
pesquisarmos talvez sobre o movimento feminista no Brasil e no
Mundo, poderemos entender como foi criada a propriedade atuante
sobre os(as) ativivistas desse movimento, que os fazem se
movimentar contra essa opressão específica, e pensarmos também
de que forma são escolhidos(as) os(as) seus(as) porta-vozes para
essa militância. Em qual Espaço Social eles (as) se manifestam?
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Seriam Dorigo e Vicentino os porta-vozes desse movimento no


espaço da educação histórica?

Para encerrar queremos afirmar, que dessa forma, acreditamos


atribuir tanto para o campo do Ensino de História quanto para o de
Ciências Sociais no que diz respeito à metodologia de um ensino
mais igualitário para todos os tipos de cidadãos e cidadãs, e também
para o mapeamento das manifestações do pensar identitário.

Referências bibliográficas

Livros didáticos:
VICENTINO, Claudio; DORIGO, Gianpaolo. História Geral e do
Brasil. Manual do Professor. Vols 1, 2, e 3. 2ª Edição. Scipione.
São Paulo. 2013.

Outros:
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1989.
CHOPPIN, Alain. „O historiador e o livro escolar‟. Tradução de Maria
Helena Camara Bastos. História da Educação.
142 ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas (11):5-24, Abr. 02.
CORRÊA, Rosa Lydia Teixeira. „O livro escolar como fonte de
pesquisa em História da Educação‟. Cadernos Cedes, ano XX, no
52, novembro/2000.p. 11-24.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1993, vol. 1.
FERNANDES, Florestan. O Que É Revolução? Brasiliense,
Distrito Federal,. 1981.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista.
Boitempo, São Paulo. 2005.
MOREIRA, Kênia Hilda. „Livros didáticos como fonte de pesquisa:
um mapeamento da produção acadêmica em história da
educação‟. Educação e Fronteiras On-Line, Dourados/MS, v.2,
n.4, p.129-142, jan/abr. 2012.
SALLES, André Mendes. „O livro didático como objeto e fonte de
pesquisa histórica e educacional‟. Revista Semina V10 - 2º
semestre. 2011.
SCHERER-WARREN, Ilse. „Dos movimentos sociais às
manifestações de rua: o ativismo brasileiro no século XXI‟. Política
e Sociedade. Florianópolis. Vol.13. Nº 28. Set./Dez.de 2014.p. 13-
34.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo. 14ª Edição. Pioneira. São Paulo. 1999.
POR UM OUTRO AMANHÃ

O “CAMPO INTELECTUAL” E AS EXPERIÊNCIAS


PROFISSIONAIS DE HISTORIADORAS BRASILEIRAS

Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik

As reflexões tratadas neste artigo são decorrentes da minha pesquisa


de doutorado que tem como objetivo investigar as trajetórias
profissionais e de vida da primeira e segunda geração de
historiadoras universitárias brasileiras, de 1934 a 1990. Para tanto,
as categorias analíticas como gênero, classe, geração e campo
intelectual foram eleitas a fim de permitirem uma reflexão acerca de
tais trajetórias, marcando diferenças e aproximações entre elas e os
próprios homens no interior do espaço universitário e da
profissionalização do historiador brasileiro.

Logo, o presente trabalho pretende examinar as possíveis maneiras


que as noções de campo intelectual e campo científico,
desenvolvidas por Pierre Bourdieu, podem ajudar a compreender a
trajetória profissional e intelectual de historiadores brasileiras no
período de 1939 a 1972. Alice Canabrava, Maria Yeda Linhares, 143
Eulália Maria Lobo, Olga Pantaleão, para citar as mais conhecidas,
representam a primeira geração de historiadoras que ingressaram
nos cursos de História no momento de sua criação e
institucionalização nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. As
alunas em questão tiveram contato com importantes cânones
brasileiros das ciências humanas e professores europeus,
especialmente franceses, que foram contratados com o intuito de
formar um campo intelectual da História, constituído por
disciplinas, currículos e cátedras.

Pensamos que o estudo do percurso profissional destas historiadoras


universitárias está atrelado, assim, à análise das condições do
trabalho intelectual do historiador que configuram um campo
acadêmico. Tomando como ponto de partida a produção do
conhecimento histórico no campo universitário, abre-se uma via de
comunicação com as expectativas e dificuldades operacionais das
estudiosas quanto às práticas desenvolvidas por elas para a
institucionalização da pesquisa histórica. Ao apreender o conteúdo
das práticas intelectuais destas historiadoras (não omitindo,
naturalmente, também a presença dos homens), seus projetos
institucionais, disciplinares, políticos, profissionais e culturais, é
possível compreender o sistema de ideias e valores que sustentou o
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

padrão, a difusão e a consolidação do conhecimento histórico no


Brasil.

Tanto as práticas acadêmicas realizadas pelos intelectuais quanto


suas escolhas por determinados temas de pesquisa não podem ser
consideradas “puras” e “desinteressadas”. As maneiras de agir, falar,
“fazer ciência” e, especialmente, as escolhas referentes ao assunto
que será pesquisado, são orientadas para a aquisição de dois
atributos não só estimados, mas também legitimados pelos agentes
deste campo: o monopólio da autoridade e da competência
científica. De acordo com Bourdieu, ambos aspectos estão
associados ao reconhecimento da capacidade técnica e intelectual,
poder social, ações e legitimidade de definir uma cultura científica
no interior das instituições acadêmicas. Aliado a isso, o próprio
gerenciamento das práticas de ensino e pesquisa, ou seja, do
consenso dos problemas, métodos e soluções percebidas como
científicos, encontra seu fundamento no conjunto dos mecanismos
institucionais que asseguram a seleção social dos pesquisadores. No
caso das historiadoras brasileiras perceberemos estas questões em
função, por exemplo, da inserção delas em espaços científicos como
congressos, revistas e conselhos editoriais; da obtenção de bolsas de
144 estudos em outros países; do acesso à docência em universidades e
das práticas de pesquisa e metodologias empregadas. No entanto,
uma análise que isolasse apenas a dimensão “política” dos conflitos
pelo monopólio do campo científico seria tão falsa quanto mirar
apenas as determinações e os interesses puramente intelectuais dos
seus agentes (BOURDIEU, 1983, p. 123). Ambos aspectos são
importantes e interdependentes, uma vez que, como afirma
Bourdieu, “(...) os conflitos epistemológicos são, invariavelmente,
conflitos políticos (BOURDIEU, 1983, p. 124). É natural que um
cientista procure realizar pesquisas que considere relevantes,
embora a satisfação e o interesse não constituem suas únicas
motivações. Ou seja, a pesquisa deverá gerar a possibilidade de fazer
aparecer aquele que a produz como um intelectual importante e
interessante aos olhos dos outros. Assim, a tendência das
pesquisadoras a se concentrar nos problemas considerados mais
relevantes de sua época se explica pelo fato de que uma contribuição
ou descoberta implicam no acréscimo de um capital simbólico
importante em suas trajetórias intelectuais.

Uma especificidade do campo científico é o fato de que o


pesquisador necessita ocupar legitimamente a posição de autoridade
e assegurar talentos científicos, os quais Bourdieu denominou
também como “acumulação de capital científico”. E o que isso
POR UM OUTRO AMANHÃ

significa no interior de trajetórias profissionais e acadêmicas das


profissionais de História? Trata-se de inferir que a posse de capital
científico tende a favorecer uma carreira que, na visão deste
sociólogo, seria qualificada como “bem-sucedida” (BOURDIEU,
1983, p. 124). Isso pode ser percebido conforme as variadas
maneiras que distinguem um historiador do outro a partir de
algumas informações, como por exemplo: realizar uma pós-
graduação em país estrangeiro, ser membro de uma instituição
científica, administrativa ou política, ter domínio de línguas
estrangeiras, realizar pesquisas com bolsas de estudo, obter as
melhores notas em provas e concursos, apresentar amplo número de
comunicações em congressos e, finalmente, publicar um conjunto
respeitável de artigos e livros. Isso para citar as maneiras distintas
mais comuns que influenciam o posicionamento dos historiadores
na hierarquia acadêmica.

Esse processo é contínuo e muitas vezes ininterrupto,


principalmente quando se trata do acesso aos cargos docentes nas
universidades. Nela, o pesquisador dependerá também de sua
reputação e liderança junto aos colegas para obter fundos para
pesquisas e atrair estudantes e pesquisadores interessados. O
reconhecimento, marcado e garantido por todo um conjunto de 145
sinais de consagração que os pares-concorrentes concedem a cada
um de seus membros, é função do “valor distintivo” de suas
pesquisas e da originalidade que se reconhece coletivamente à
contribuição que ele traz às pesquisas já acumuladas (BOURDIEU,
1983, p. 131). Aliado a isso, a visibilidade exprime bem o valor
diferencial e distintivo dessa espécie particular de capital social:
acumular capital é fazer um “nome”, um nome próprio, um nome
conhecido e reconhecido, marca que distingue imediatamente seu
portador (BOURDIEU, 1983, p. 132). Em relação às historiadoras
brasileiras, é nesse sentido que pretendemos verificar a
incorporação, por parte delas, de mecanismos aliados à conquista da
legitimidade de apresentar suas comunicações e pesquisas,
promover suas respectivas visibilidades públicas e se posicionar
perante uma comunidade científica marcada pela tradição
masculina.

Neste ponto, não podemos deixar de lado as contribuições da


historiadora Helenice Rodrigues da Silva que, em “Fragmentos da
História Intelectual”, lança mão da ideia de que não é possível
separar a trajetória dos intelectuais do mundo histórico e das
circunstâncias sob as quais viveram e atuaram. Ou seja, ao destacar
a importância da produção e da recepção dos textos, bem como das
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

intervenções públicas dos intelectuais franceses, a autora assinala


toda a sua preocupação em distinguir a história intelectual de uma
história de sistemas formais de pensamento, uma vez que esta
encontra-se, frequentemente, dissociada da vida social e sem
conexões com a realidade. Aliado a isso, a história intelectual se
situa, como afirma Helenice Rodrigues da Silva, “na fronteira de
diversos domínios do conhecimento” (SILVA, 1995, p. 46). Nesse
sentido, ela pretende alcançar dois polos distintos de análise, mas
que devem ser articulados e pensados associadamente. Em primeiro
lugar, observamos a própria influência de Bourdieu nesta análise, ao
elencar o conjunto de funcionamento de uma sociedade intelectual,
suas práticas, seu modo de ser, suas regras de legitimação, suas
modalidades de exclusão e de inclusão. Em segundo, as
características de um momento histórico que impõe esquemas de
percepção, sistemas de valores e modalidades específicas de pensar e
de e de agir, por parte dos intelectuais.

Ao adquirir todo o capital simbólico necessário para ter uma carreira


bem-sucedida, o pesquisador terá o poder de definir, junto a seus
pares, a cultura legítima inerente ao espaço universitário. Ou seja, a
partir de um consenso mínimo em torno de regras, métodos e
146 teorias, os interlocutores que possuem a delegação para gerir e
produzir práticas acadêmicas, podem instituir modelos que serão
consagrados e legitimados pela comunidade científica (BORUDIEU,
1983, p. 133). É a partir dessas relações que as cadeiras, disciplinas,
currículos e linhas de pesquisa surgem, prevalecem ou se
desqualificam; e as obras são publicadas ou impedidas, valorizadas,
divulgadas ou levadas ao ostracismo. Os procedimentos acadêmicos
vinculados aos cursos de História, bem como a vida acadêmica das
historiadoras como um todo, não poderiam ser completamente
compreendidos sem se levar em conta esses fatores, os quais estão
intimamente relacionados aos professores que detinham a
autoridade máxima para delegar a cultura legítima – as linhas
historiográficas, por exemplo – que deveria prevalecer nos cursos de
História. A especificidade do discurso de autoridade reside no fato
de que não basta que ele seja compreendido (em alguns casos, ele
pode inclusive não ser compreendido), é preciso que ele seja, antes
de tudo, reconhecido. Tal reconhecimento relaciona-se a
determinadas condições que são as mesmas que definem a cultura
legítima do campo intelectual: ela deve ser pronunciada “(...) pela
pessoa autorizada a fazê-lo, o detentor do cetro, conhecido e
reconhecido por sua habilidade e também apto a produzir esta classe
particular de discursos, seja sacerdote, professor, poeta etc.”
(BOURDIEU, 2008, p. 91). Quanto aos historiadores catedráticos,
POR UM OUTRO AMANHÃ

por serem os únicos detentores autorizados e reconhecidos dos


modos do saber e das maneiras de se fazer a ciência histórica, as
estudantes e futuras historiadoras mantiveram uma vontade especial
de provar aos mestres que possuíam atributos específicos do ofício
do historiador, como por exemplo: habilidades para a escrita
racional e objetiva, análise correta das fontes e vocação para o culto
à pesquisa erudita. Percebemos também que o papel de um
professor significativo é capaz de fazer florescer o interesse por uma
área de atuação específica, servindo muitas vezes de “modelos” para
as futuras pesquisadoras. Mas, ao mesmo tempo, quando
analisamos o regime de cátedras presente nos cursos de História,
podemos perceber que o status de “notório saber” dado a um
catedrático vitalício limitava qualquer possibilidade de
questionamento daquela autoridade já pretensamente acumulada
(GAMA, 2010, p. 31).

Ao fim destas análises, concluímos que o conceito de campo


intelectual nos permite analisar a posição dos intelectuais na
estrutura hierárquica do espaço universitário, bem como a
concorrência interna entre os diversos grupos em torno da
legitimidade cultural. Deste modo, a proposta de investigação ligada
às situações pelas quais passaram as referidas historiadoras para 147
conseguir se impor, divulgar seus trabalhos, valorizar-se, consolidar
e legitimar suas carreiras mediante um local de trabalho
marcadamente masculino, terá como problematização o
reconhecimento da existência de disputas simbólicas pela obtenção
de projeção, liderança, prestígio e cargos, especialmente no interior
do sistema de Cátedra (SPIRADELLI, 2008, p. 13).

Pretendemos pensar o espaço universitário que abrange o curso de


História como uma área de diferentes disputas e de conflitos
políticos e de gênero, nada harmonioso, equilibrado ou simétrico em
termos de trajetória intelectual realizada tanto por homens quanto
por mulheres. Nossa posição se sustenta na atenção dada aos
processos de conflito e de colaboração, os quais corresponderiam às
margens de manobras ou de negociações realizadas por parte das
mulheres – por que não, subversão também – para as situações que
se enredavam no espaço acadêmico em questão. Alguns desses
conflitos podiam ser resolvidos por meio de transferências para
outros cursos e universidades, ou até mesmo pela criação e
desdobramentos de novas Cadeiras, disciplinas, cursos ou linhas de
pesquisa.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Referências

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas. São


Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
BOURDIEU, Pierre. O Campo Científico. In: Ortiz, Renato (org.).
Coleção Grandes Cientistas Sociais, n 39, Editora Ática, São
Paulo, 1983.
GAMA, Pereira, Ludmila. O historiador e o agente da história:
os embates políticos travados no curso de história da
Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil
(1959-1969). Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal
Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia,
Departamento de História, 2010.
SILVA, Helenice Rodrigues. Crise ideológica e produção intelectual:
esquemas de pensamento próprio a uma situação histórica. Cad. de
hist., Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 45-49, out. 1995.
SILVA, Helenice Rodrigues da. Fragmentos da história
intelectual – entre questionamentos e perspectivas.
Campinas, Papirus, 2002.
SPIRADELLI, Claudinei Carlos. Trajetórias intelectuais:
professoras do Curso de Ciências Sociais da FFCL - USP
148 (1934-1969). Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo,
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento
de Sociologia, 2008.
POR UM OUTRO AMANHÃ

O GUIA DO VIAJANTE NO TEMPO E NO ESPAÇO: UMA


PROPOSTA DE ESCRITA DE NARRATIVA HISTÓRICA EM
SALA DE AULA

Carolina Corbellini Rovaris

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma proposta de


atividade desenvolvida pelos alunos do curso de Bacharelado e
Licenciatura em História (Carolina Corbellini Rovaris, Claúdio Luiz
Pacheco e Jéssica Cristina Back Gamba), da Universidade do Estado
de Santa Catarina (UDESC), durante a disciplina de Estágio
Curricular Supervisionado, e os seus resultados após ser realizada
em uma turma de primeiro ano de ensino médio de uma escola
pública da rede estadual de Santa Catarina, no ano de 2014.

A temática definida pela professora regente da turma em que


desenvolvemos a prática do estágio foi Grécia e Roma na
Antiguidade. Neste sentido, no primeiro semestre de 2014,
elaboramos um projeto de ensino de História a partir das
observações realizadas em sala de aula. O principal objetivo do 149
projeto era desenvolver o pensamento histórico nos alunos, a fim de
capacitá-los com ferramentas de investigação próprias do saber
histórico. A partir desta perspectiva, a proposta foi analisar as
relações entre diferentes períodos históricos através do estudo da
Antiguidade e sua relação com o presente. Ela se faz necessária
porque quando questionados sobre o que entendiam por História, os
estudantes responderam de um modo geral, que é o estudo do que
"já aconteceu há muito tempo, estudo de tempos passados, das
gerações passadas". Percebemos, portanto, que a disciplina é tomada
somente como algo que estuda o que está distante da sua realidade.
Os alunos não enxergam no estudo da História a possibilidade de
desenvolvimento crítico e a contribuição da mesma para
compreender e propor soluções para problemas sociais atuais, como
preconceito e desigualdades, por exemplo.

Tomando o ensino de História a partir da cognição histórica situada


(SCHMIDT, 2009), considera-se que seu objetivo principal é
desenvolver o pensamento histórico nos alunos, isto é, capacitá-los
com ferramentas de investigação próprias da ciência historiográfica
para trabalharem a partir da análise de documentos e/ou
acontecimentos históricos. A concepção de aprendizagem histórica
que se quer como modelo significa apreender os métodos de
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

pesquisa e dar significado ao saber histórico, uma vez que o mesmo


adquire sentido no decorrer de preocupações do presente instigando
à pesquisa do passado.

Para que o aluno consiga desenvolver o pensamento histórico ele


precisa dominar habilidades de leitura, escrita e interpretação que o
possibilitará compreender as relações entre passado e presente,
perceber os movimentos que amarram diversas temporalidades,
sujeitos e contextos diferentes (SILVA, 2012). Isto porque para que
haja compreensão histórica se faz necessário apreender a
especificidade da História. Aliada a isto, é necessário, também, que o
aluno desenvolva habilidades de leitura e de escrita que o permitam,
através da linguagem, atuar criticamente na sociedade em que vive
(SOARES, 2004).

Tendo este panorama em vista, a intervenção na turma foi pensada a


partir da ideia de aula-oficina: o aluno terá espaço para demonstrar
seu conhecimento prévio acerca das temáticas abordadas, e o
professor, na condição de agente investigador, buscará aquilo que os
alunos já sabem para organizar atividades que permitam
complexificar e problematizar os conceitos a serem estudados
150 (BARCA, 2004). No percorrer das aulas, o primeiro momento se deu
de forma expositivo-dialogada. Em seguida, os alunos foram
instigados a fazer uma atividade visando produzir conhecimento
através do que foi discutido.

A partir desta concepção de aula, elaboramos uma proposta de


atividade de escrita individual para ser realizada em sala: o guia do
viajante no tempo e no espaço. A proposta tinha como objetivo
instigar os alunos a produzirem narrativas problematizadoras e a
relacionar seu conhecimento cotidiano com o conhecimento
científico. Após uma aula abordando a cidadania na Antiguidade e
no presente, os alunos deveriam escrever uma narrativa que
abordasse as duas temporalidades, percebendo rupturas e
continuidades. Mas a proposta lhes impunha outro desafio: criar
uma narrativa que apresentasse a possíveis leitores o conteúdo
trabalhado como se estes fossem viajantes no tempo. Isto é, criar
uma narrativa dinâmica e bidimensional, utilizando o tempo verbal
no presente apresentando questões do passado:

"Agora você é um viajante pelo tempo e espaço. O


passado e o presente se diferenciam e se aproximam em
algumas questões. Uma delas é o ser cidadão. O que o/a
faz ser considerado/a cidadão? Imagine que você fez uma
POR UM OUTRO AMANHÃ

viagem no tempo e desembarcou no Mediterrâneo


Antigo. Circule no mapa o local de chegada. Neste local,
você seria considerado um cidadão ou um estrangeiro?
Por quê?"

Para além do desenvolvimento da escrita e do processo criativo dos


alunos, a atividade tinha como objetivos abordar diferentes períodos
históricos, interpretando-os como um processo e desenvolver nos
alunos a capacidade de pensar o outro como sujeito do seu próprio
tempo, desconstruindo noções de hierarquia entre presente e
passado.

Vinte e quatro alunos estavam presentes no dia desta atividade.


Destes, quatro não a concluíram. No entanto, algumas marcas no
papel nos dão alguns indícios: início de sentenças como "ser cidadão
é" e a presença de marcadores para iniciar uma lista de respostas. Já
percebemos, a partir daí, a dificuldade que estes alunos têm em
desenvolver, através da língua escrita, suas ideias. Marcas de leitura
e tentativa de reescrita da resposta também apareceram em outras
cinco atividades: textos riscados com um "x" em cima ou frases
inteiras apagadas com corretivo de caneta.
151
Nas atividades que foram concluídas, percebemos não só uma
dificuldade em atribuir sentido ao que se quer expressar através da
escrita, bem como dificuldades decorrentes do próprio processo de
alfabetização: problemas de sintaxe, gramática, estilística e até de
semântica. Isto porque dominar a escrita é um trabalho que exige
prática contínua. Se os alunos não são instigados a escrever e estão
acostumados com atividades de transcrição de informações de textos
para fazer atividades no ambiente escolar, a prática da escrita terá
pouco rendimento e aproveitamento. As habilidades de se apropriar
dos mecanismos de codificação da língua escrita não serão
desenvolvidos. Abaixo segue a produção do aluno João (nome
fictício), feita durante a aula de História do dia 19 de agosto:

"Eu me favorecia como um cidadão porque seria melhor


então eu pagaria meu impostos, serto sem precisar correr
alguns riscos como ser um dos exercito de Roma. Porque
eu não seria um dos exercito de Roma quero dizer um
guerreiro Eu poderia correr muitas guerras e não poderia
ver a minha família dia indiante e fora muitos propósitos
também mais essa é uma delas."[sic]
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Percebemos na escrita acima que João tentou elaborar uma resposta


tentando fazer comparações entre o que era considerado ser
guerreiro na Antiguidade e a sua visão do que isto significa nos dias
atuais, bem como o ônus de exercer esta função a partir de valores
contemporâneos e não propriamente dos sujeitos da época. Tentou
atribuir sentido às suas ideias através da escrita. Contudo, observa-
se a dificuldade em fazê-lo: a disposição das palavras na frase e a
relação lógica entre as mesmas nos demonstram a dificuldade em
emitir um significado completo e compreensível a possíveis leitores.

Na resposta de José, produzida no mesmo dia que a de João, ficam


visíveis as práticas de escrita as quais o aluno está acostumado nas
aulas de História: perguntas específicas que solicitam respostas
diretas, sem problematizações.

"R.: Ser cidadão hoje é ter direitos ter documentos,


opinião publica.
R.: Ser cidadão naquela época era ter 18 anos e ser um
homem livre, crianças mulheres e escravos não eram
considerados cidadãos."
152 O aluno não conseguiu desenvolver uma narrativa diferenciada
conforme solicitado pelos estagiários. Antes da resposta em si o
aluno inicia a frase com a letra "R.:", anunciando que a resposta
direta às questões do enunciado virá em seguida. Cada pergunta foi
respondida separadamente, não havendo conexão entre as duas
temporalidades. Além disto, o aluno mobilizou na resposta, talvez
para tentar deixá-la mais satisfatória, informações que haviam sido
trabalhadas anteriormente na aula expositiva: "crianças mulheres e
escravos não eram considerados cidadãos.". Não é evidente na
resposta o porquê desta informação estar ali presente e por que ela
justifica ou não o próprio aluno ser considerado cidadão. A tentativa
de construir uma narrativa histórica com explicações
multidimensionais não foi alcançada. Diferentemente do que
observamos na resposta de Maurício:

"Primeiramente, preciso pertencer a um local e estar


registrado. Consequentemente, irei possuir a cultura do
local e tendo registro, terei direitos e deveres, ou seja, ser
livre. Seria considerado um estrangeiro, pois não teria
nascido em Roma. Porém, no período do Império, eu
poderia me tornar um cidadão por conta da expansão
territorial. O cidadão deveria ter a maioridade (18 anos),
ser homem e ter nascido em Roma.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Extensão questão 1. Tenho direitos e deveres por existir


uma constituição no país a qual pertenço e seguir os
deveres significa respeitar e cumprir o que é estabelecido
na constituição, logo quando não sigo o dever, torno-me
um ser que não é totalmente livre, apesar de ainda ter
direitos dentro desta condição."

Nesta resposta notamos que o aluno já domina melhor os


mecanismos de escrita e de leitura. Após uma releitura mais atenta
da sua resposta, o aluno decidiu inserir mais informações na
primeira parte do texto. Isto indica o esforço do estudante em
ampliar o sentido e significado daquilo que havia escrito, reforçando
o que entende por ser cidadão e tornando a resposta, a seu ver, mais
satisfatória.

A partir destas análises evidenciamos que é necessário trabalhar


com nossos alunos atividades em que os mesmos possam
desenvolver um conjunto de operações intelectuais, mobilizadas na
produção de saberes, que ampliem o pensamento histórico. Para
isto, torna-se igualmente importante trabalhar a compreensão
histórica a partir de leitura de textos, interpretação de gráficos e de
documentos, para que o aluno entenda as intenções e os 153
pressupostos de uma narrativa já construída. Ao trabalharmos tais
habilidades, o aluno poderá identificar as relações entre passado e
presente, isto é, compreender as possibilidades da disciplina de
História, para além do seu aspecto conceitual e de conteúdo (CAIMI,
2006).

Se pretendemos um ensino de história nas escolas no qual esta


disciplina é encarada como uma possibilidade de construção de um
futuro possível, a partir da inserção do indivíduo na sociedade e na
sua atuação crítica em relação ao que está ao seu redor, é necessário
e imprescindível considerar de que maneira estes estudantes
articulam suas vivências cotidianas às narrativas históricas.

Referências

BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In. Para uma


educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de
Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em
Educação (CIED) / Instituto de Educação e Psicologia,
Universidade do Minho, 2004, p. 131 - 144.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

CAIMI, Flavia Heloisa. Por que os alunos (não) aprendem História?


Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de
História. Tempo. Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, 2006.p. 17-32.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. Cognição
histórica situada: que aprendizagem histórica é esta? In: XXV
SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - ANPUH, Fortaleza:
2009. Anais eletrônicos: Disponível em:
<http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/ANPUH.S25.pdf>
SILVA, Cristiani Bereta da. O ensino de história - algumas reflexões
do Reino Unido: entrevista com Peter J. Lee. Revista Tempo e
Argumento, Florianópolis, v. 4, n. 2, pp. 216 - 250, jul/dez. 2012.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2 ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.

154
POR UM OUTRO AMANHÃ

POR UMA HISTÓRIA CONTADA E SENTIDA


PROJETO CULTURA 5: SENTINDO A CULTURA AFRO-
BRASILEIRA NOS SENTIDOS

Carolyne do Monte de Paula

Este texto é resultado da aplicação de um projeto de intervenção,


uma alternativa de abordagem sobre cultura Afro-Brasileira na sala
de aula. Contribuindo com o processo de formação instituído pela
Lei 10.639/2003, que institui a exigência da inclusão da temática de
História da África e Cultura Afro-Brasileira no ensino básico.
Seguindo o conselho de Hebe Mattos, reconhecemos que é preciso
"menos discutir um texto, já aprovado, e mais tentar intervir nas
maneiras de sua implementação para que elas possam concretizar
suas possibilidades positivas de intervenção, neste aspecto da
realidade escolar." (MATTOS, 2003, p.127). Nessa perspectiva que
surgiu o projeto CULTURA 5: SENTINDO A CULTURA NOS
SENTIDOS, que encontrou nos cinco sentidos (visão, audição, tato,
olfato e paladar) um meio lúdico e eficiente para colocar o educando
em contato com as produções culturais da cultura afro-brasileira que 155
fazem parte do seu cotidiano, porém nem sempre são percebidas.
Desenvolvido no Laboratório de Ensino de História, da Mata Norte,
em 2014. Fruto de pesquisas, discussões, apresentações em eventos
acadêmicos e escolas da rede publica e privada de Pernambuco,
iniciados a partir da disciplina de Pratica IV/ Educação Histórica e
Ensino Fundamental na Universidade de Pernambuco.

O projeto Cultura 5, é um projeto de intervenção que objetiva


contribuir com a superação da carência quanto ao tratamento da
temática, encontrada nas escolas de ensino básico. Busca-se
proporcionar um contato direto entre os educandos e a cultura afro-
brasileira, por meio de um momento experimental; levar ao
conhecimento do educando a importância da contribuição dessa
cultura para formação da cultura brasileira, com perspectiva de
ressignificar as relações cotidianas na escola. Contudo antes de
pensar em um projeto de intervenção decidimos realizar uma
pesquisa empírica para levantar dados sobre a relação da escola com
a temática, assim como a dos educandos. Entrevistamos educadores,
que em geral consideraram que sua formação não lhe forneceu
subsídios para trabalhar com a temática sobre cultura afro-
brasileira, enquanto os educandos consideravam-na desinteressante,
apesar de reconhecerem, em sua maioria, a forte presença do
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

racismo na escola. Foram entrevistados professores de diversas


áreas, e educandos com faixa etária entre onze e dezessete anos. Foi
dentro dessa realidade que surgiu este projeto. Então, enquanto
pensávamos em como elaborar este projeto elegemos algumas
prioridades. Dar ao professor o caráter de trabalhador cultural, criar
um projeto inovador, no sentido de adequar os conteúdos a
realidade do educando, e pensar em algo que fosse totalmente
prático. Nessa perspectiva encontramos nos cinco sentidos (visão,
audição, tato, olfato e paladar), um meio de colocar o educando em
contato com a cultura afro-brasileira por meio de um momento
experimental, aonde ele não só conheceria ou reconheceria, mas
também sentiria esta cultura e refletiria sobre sua história.

Começamos a nos debruçar em leituras e pesquisas que nos


fornecesse fundamentação teórica para que pudéssemos conhecer e
trabalhar com as produções da cultura afro-brasileira. E logo
surgiram algumas questões: Será que algo que é afro-brasileiro é
mais africano do que brasileiro? Porque se utiliza constantemente
esse termo para identificar a presença e africana em algo, e não a de
outras culturas como a lusa e italiana que também se fazem presente
no Brasil? Todas essas questões são colocadas por Ivaldo França
156 Lima em um recente artigo. Ivaldo coloca isso porque ele sabe que
não existe África, mas Áfricas. Sabe dos riscos em que termos como
esse podem causar se não forem colocados sob-reflexão. Para Ivaldo
o grande problema dessas categorizações generalizadas, está no fato
de ocultar as lutas políticas conquistadas por negros e negras. Para
Ivaldo "afro-brasileiro é a forma de nomear as práticas e os
costumes que homens negros e mulheres negras foram ou (são!)
predominantes no processo de construção." Ou seja, constituição
como afro-brasileiro aquilo em que os negros ou negras tiveram
maior participação na produção. E foi sobre algumas dessas
produções que nos debruçamos. Buscando sempre relacioná-las com
um sentido. O momento de pesquisa e leitura neste processo de
aplicação do projeto é fundamental para o educador. Sendo assim,
segue algumas sugestões de leituras, as quais foram referencia para
nós.

Para trabalhar com o paladar e tratar da culinária Afro-Brasileira,


temos a obra de Luiz Câmara Cascudo, A História da Alimentação no
Brasil. No livro Cascudo detalhadamente expõe as principais
características e transformações da cozinha indígena, africana e
portuguesa. Assim como em uma parte da obra aborda os mitos e
verdades da cozinha brasileira. Nesta parte, Cascudo revela o que
pode, e, o que não pode ser considerado parte da culinária Afro-
POR UM OUTRO AMANHÃ

Brasileira. Utilizando fontes escritas e orais, ele aponta que o vatapá


a moqueca e a feijoada são os símbolos de nossa culinária, e
apresentam forte influencia dos elementos africanos, assim como
indígenas. Já o olfato, pode ser trabalhado por meio do cheiro dos
próprios pratos típicos, mas o produto que utilizamos foi o Azeite de
Dendê. Plantado aqui no Brasil pelos africanos segundo o próprio
Cascudo. É importante o aplicador está atento a possíveis alergias a
alimentos.

O próximo sentido que abordaremos é a audição. O professor não


precisa se esforçar muito na escolha de um estilo musical que se
encaixe no projeto, já que majoritariamente os ritmos adotados
pelas massas possuem elementos da cultura Afro. Contudo o ritmo
que nós indicamos para utilização no projeto é o samba, o ritmo que
se tornou símbolo nacional e reconhecidamente afro-brasileiro. Para
um melhor estudo sobre este ritmo tem-se o livro Historias do
Samba, de Marcos Alvito. O mesmo em um recente artigo para a
Revista da Biblioteca Nacional de História, como especialista da
área, registrou algumas orientações para que o professor trabalhe
com o samba. Muito eficaz para aplicação do projeto. Alvito,
primeiramente, alerta que: "Para ser utilizado, em sala de aula, o
samba, como qualquer música, tem que ser encarado como 157
documento, uma fonte histórica. Não deve ser tratado como uma
mera ilustração, mas sim como parte da história." (ALVITO,
2014,p.79) O samba em sua origem tratava das realidades vividas
pelos negros recém libertos, é interessante que o professor escolha
letras que conduzam o aluno a fazer esta reflexão. A religião como
elemento essencial da história do samba, não pode ser esquecida,
pois a música é um elemento de conexão entre o espiritual e o
material, muito importante para a cultura dos africanos. Para
finalizar, os dois últimos sentidos restantes são respectivamente a
visão e o tato. Os dois sentidos podem ser trabalhados em conjunto,
já que produções culturais que estimulam o visual geralmente
podem ser tocadas.

Atualmente há no Brasil a ANAMAB (Associação Nacional de Moda


Afro-brasileira), cujo objetivo é Incentivar e fortalecer o
desenvolvimento da Moda Afro-Brasileira, divulgar o trabalho dos
criadores e de toda a cadeia produtiva, organizar a produção de
moda Afro Brasileira, promover seminários, desfiles, curso de
capacitação e fomentar novos negócios. O trabalho da ANAMAB é
muito pertinente, pois além de ser contemporâneo, por destacar
veementemente o legado africano, pois as roupas e os desfiles são
pensados na perspectiva atual, ou seja, para o publico de hoje. Os
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

empreendedores do ramo da moda afro-brasileira investem em


modelos negras e negros. Uma perspectiva que deve ser explorada
pelo educador, pois estamos ainda muito presos aos padrões de
beleza europeu, basta olhar para nossa televisão. Uma das
coordenadoras da ANAMAB, Makota Kizandembu Kiamaza, em
entrevista à fundação Palmares falando sobre o I seminário de moda
e estética negra no Brasil que teve como um dos objetivos mapear o
número de ateliês e estilistas de moda afro-brasileira e qual é a
realidade desses produtores, disse: "a partir do mapeamento, será
possível identificar a cadeia produtiva da moda afro-brasileira e
quais posições são ocupadas. A partir daí, vamos discutir porque a
nossa moda não tem visibilidade no Brasil. Quando se fala que a
moda brasileira movimenta cerca de 30% da economia, é importante
questionar porque as produtoras de moda afro não estão inseridas
nesse contexto". O questionamento de Makota só pode ser
respondido a partir de uma reflexão histórica. Todavia a partir desse
projeto o educador pode colocar o educando em contato com esse
ramo da moda brasileira, dando visibilidade ao mesmo. O educador
pode consultar o blog da ANAMB, para ter uma visão geral dos
padrões da moda afro-brasileira, que oscilam entre os coloridos e
estampados, e têm como marca os adereços para cabeças, como os
158 turbantes.

Nessa perspectiva podem-se utilizar os acessórios, que estão


inseridos no âmbito da moda, para trabalhar com o tato. Os
acessórios são produzidos majoritariamente de maneira artesanal,
remetendo aos acessórios utilizados pelos escravos durante o regime
escravista no Brasil. Os acessórios eram utilizados por homens e
mulheres e uma das fontes indicadas para essa observação são as
telas de Jean Baptiste Debret.

A aplicabilidade é simples. Isolamos um espaço com mesa, e os


participantes organizam-se para passar por ele, geralmente em filas.
Os alunos iniciam com os olhos vedados, só então, têm contato com
as produções culturais de acordo com o sentido. É sempre instigado
com perguntas, que visam saber se ele conhece ou reconhece alguma
das produções, assim como se sabe de qual cultura faz parte. Ao
final, desenvolvemos um diálogo com os participantes, falando sobre
a história de cada produção cultural. Feito isso, os convidamos a
responder por escrito em um papel em branco, sem ser necessária
sua identificação, a seguinte pergunta: "Você acha que o negro tem
importância na formação da cultura brasileira?"
POR UM OUTRO AMANHÃ

Antonio Sergio Guimarães fala que o "ideário antirracista" é um


grande problema em nosso país, reforçando cada vez mais o silêncio
para com o tratamento da temática na sociedade, e violentando de
"forma brutal as populações negras." (GUIMARÃES,1999). Logo
acabar com este silêncio é de certa forma agir para conter essa
violência. Foi nessa perspectiva que surgiu o projeto cultura 5:
sentindo a cultura afro-brasileira nos sentidos, vendo no professor o
protagonista deste processo. Pois o docente pode desenvolver um
trabalho enquanto trabalhador cultural, capaz de causar mudanças
na escola manifestando-se contra todas as formas de discriminação e
preconceito (GIROUX, 1997,p.32). Sendo assim, o conhecimento do
processo histórico e reconhecimento ou conhecimento dos
elementos culturais refletem diretamente no desenvolvimento do
cidadão, pois estes são estímulos que proporcionam consciência,
principio básico para a prática do respeito à diferença. Tendo em
vista isso, projetos como este parecem ser cada vez mais pertinentes,
visto que eles atuam dentro de uma perspectiva inovadora no
sentido de adequar conteúdos as realidades dos educandos
(FERREIRA; TORRES,2014). O envolvimento do educando ao
passar por cada experiência com os sentidos, a iniciativa própria do
educando de reflexão para relacionar os sentidos e as produções
culturais de modo total visando entender a experiência, assim como 159
a sensação de descoberta que eles demonstraram ao escutar a
explicação da experiência, nos apontaram que o trabalho no campo
sensorial e o ensino podem abrir caminhos para novas investigações
e discussões no âmbito da epistemologia e o ensino de História.
Também contatamos o caráter universal do projeto, ou seja,
podendo ter qualquer cultura como plano de fundo.

Referências

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Nacional de História. Ano 9,n.97.Outunbro,2013.p.79-83.
BRASIL. Lei n°10.639 de 09 de Janeiro de 2003. Institui nos
estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e Lei de Diretrizes e Base da Educação
Nacional. Legislação Federal.
CASCUDO, Luis Camara. História da alimentação no Brasil.
Rio de Janeiro: Global,2004.
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da
família patriarcal brasileira sob o regime da economia
patriarcal. 30.ed. Rio de Janeiro: Record,1995.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

GIROUX, H. A. Os professores como intelectuais: rumo a


uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Atmed,
1997.
GUIMARÃES, Antonio Sergio. Racismo e antirracismo no
Brasil. São Paulo, Fundação de apoio a USP/Editora 34,1999.
RUSSEN, Jorn. História Viva: teoria da história: formas e
funções do conhecimento histórico. Brasília: UnB,2007.
SILVA, Lúcia Helena Oliveira. Por uma história e cultura Afro-
Brasileira e Africana. IN: Ensino de Histórias e educação:
Olhares em convergência / Luis Fernando Cerri (org). Ponta
Grossa: UEPG, 2007.p.139-151.
SILVA, Maria de Fátima Gomes. Percepções dos docentes sobre a
vivência da interdisciplinaridade nas práticas docentes
universitárias em Portugal e no Brasil. In: RODRIGUES, Luis
Alberto; SILVA, Maria de Fátima Gomes. Linguagens e
educação: possíveis interseções. Recife: EDUPE,2013.

160
POR UM OUTRO AMANHÃ

DESAFIOS À APLICAÇÃO DA LEI 11645/08 NA EDUCAÇÃO


BÁSICA

Cássio Júnio Ferreira da Silva


Luan Moraes dos Santos

Considerações iniciais: o campo da pesquisa

Cidade da região agreste do Estado de Alagoas, Palmeira dos Índios


é terra proveniente de missão indígena, distante cerca de 135 km de
Maceió. Foi fundada em 1835 e emancipou-se politicamente em
1889. Atualmente, com 126 anos tem economia baseada
principalmente na agropecuária, com predominância do latifúndio.
Em sua história, já produziu algodão e foi um dos mais importantes
centros comerciais de Alagoas, possui ferrovia que, outrora, escoava
a produção à Maceió. O clima é semiárido por estar localizada em
uma região de transição entre o litoral e o sertão. Dona de cultura
extremamente rica, considerada a terra de Graciliano Ramos, Jofre
Soares, Luiz B. Torres, dos extintos e suntuosos cinemas entre
outros. 161
Os índios são mencionados na história do município como seres
míticos ou lendários; o que por sua vez atribui caráter comercial,
pois vários estabelecimentos se aproveitam da associação do
município com os índios, como atrativo, na mesma medida que
negam sua existência. Criaram-se lendas, popularizadas na região de
forma romanceada e que encobrem os conflitos existentes e criam,
entre a população, imagens estereotipadas, atípicas e pouco
representativas das reais condições em que vivem as comunidades
indígenas existentes nas cercanias do município.
Folclorizados, os Xukuru-Kariri que habitam a região desde o século
XVII (isso se considerarmos apenas o período datado), não
encontram reflexos de sua realidade nas manifestações culturais e
nas demais festividades da cidade. Tampouco as escolas, que
deveriam ser lugares de intersecção cultural e de troca de
conhecimentos, oferecem um ambiente socialmente democrático
para estes cidadãos, de vez que o ensino é puramente unilateral e
voltado aos costumes da elite, não considerando os saberes e a
oralidade indígena para a construção da história local.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A lei 11645/08 e o caso da Escola Estadual Humberto


Mendes

Em 2008, o governo federal aprovou a lei 11645/08 que regulamenta


e torna obrigatório o ensino de história dos povos indígenas nas
escolas desde os anos iniciais. O intuito era de que isso
revolucionasse o aprendizado, porém nem todos os rincões do Brasil
tiveram resultados realmente significativos. Um exemplo disso pode
ser facilmente encontrado em Palmeira dos Índios, cerne dessa
discussão.

A maior escola da região é a Escola Estadual Humberto Mendes,


conhecida nas imediações por oferecer Ensino Médio e pela sua
estrutura de grande porte, contanto com um total de 27 salas de
aulas, diversos laboratórios, quadra esportiva, piscina e campo de
futebol. Os alunos matriculados na instituição são, em sua maioria,
oriundos da zona rural e urbana, com renda per capta de até dois
salários mínimos. Entre esses alunos encontramos jovens Xukuru-
Kariri que cursam o ensino médio regular na escola.
Mas é aí que encontramos os problemas que nos levaram a fomentar
essa discussão. Mesmo vivendo e estudando em um município cujo
162 nome carrega sua origem indígena e que conta com a existência de 8
(oito) aldeias, esses jovens não se sentem à vontade para se
afirmarem como indígenas, deixando-se passar despercebidos entre
os demais alunos, pois a disputa territorial e a eminência de embates
permeia seu cotidiano. O professor Edson Silva enfatiza que:

O pouco conhecimento generalizado sobre os povos


indígenas está associado basicamente à imagem do índio
que é tradicionalmente veiculada pela mídia: um índio
genérico, com um biótipo formado por características
correspondentes aos indivíduos de povos habitantes na
Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos,
pinturas corporais e abundantes adereços de penas, nus,
moradores das florestas, de culturas exóticas, etc.
(SILVA, 2012, p. 41)

O silêncio dos jovens Xukuru-Kariri é um resultado da imagem


errônea difundida pela mídia local e, consequentemente,
reproduzida pelos educadores. Omitem sua real identidade, porque a
história dos indígenas que é ensinada nas escolas é limitada ao
período colonial e não ultrapassa isso, o que faz entender que os
índios tivessem desaparecido com a conquista dos seus territórios
POR UM OUTRO AMANHÃ

por não índios, invasores louvados pela colonização. (MONTEIRO,


2001)

Um dos raros momentos em que os indígenas aparecem na escola (e


isso é uma constante nacional) é no dia 19 de abril, marcado no
calendário como o dia do Índio. Mas os educadores, despreparados,
acreditam homenagear os índios confeccionando penas de cartolina
e saiotes de fita, isso é claro acompanhado de uma dança ridícula a
qual dizer ser da chuva. Isso perpetua, de fato, uma imagem não
representativa dos índios e compromete todo o entendimento dos
alunos, pois essas festinhas são realizas principalmente nos anos
iniciais, o que significa dizer: os anos do aprendizado e da
construção de ideias e do próprio ser nas crianças. É salutar destacar
as preocupações de Edson Silva, que revelam a preocupação de uma
gama de intelectuais.

Dizem que estão imitando os índios numa tentativa de


homenageá-los! Entretanto, tal homenagem se refere a
qual índio? As supostas imitações correspondem às
situações dos povos indígenas no Brasil? Como essas
imagens ficarão gravadas na memória dos estudantes
desde tão cedo? Quais serão suas atitudes quando se 163
depararem com os índios reais? Quais as consequências
da reprodução dessas "desinformações" sobre a
diversidade étnica existente no nosso país? (SILVA,
2015)

Então, parafraseando o professor Edson Silva (2012), quais são as


atitudes dos alunos ao se depararem com índios reais? Espanto!
Essa é a resposta, um espanto acompanhado de preconceito e
perguntas, tais como: "Eles têm celulares?"; "Não moram em ocas?";
"Por que não estão nus?". Reações que entram em contradição com o
mundo que criaram durante toda a sua vida e que institivamente
defenderão, algo mais acentuado na adolescência, período onde a
personalidade é acentuada.

Considerações finais: caminhos para a aplicação da lei


11645/08

A lei está aí. Mas como aplica-la tendo em vista a péssima qualidade
da maioria dos livros didáticos, que insistem em ignorar a
pluralidade indígena? Como dizer aos nossos alunos que as imagens
de ocas, utensílios e etc., são de índios amazônicos e não dos índios
que são, em algumas vezes, seus colegas de sala? Um caminho
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

possível é a crítica aos conteúdos prontos e enlatados dos livros


didáticos e uma contextualização com a vivência dos índios.
A formação docente também é um caminho a ser problematizado.
Aprovou-se a lei, tudo bem! Mas não foram oferecidos aos
professores cursos e um material que realmente os auxilie no ensino
da história indígena tendo em vista a história desses povos na
atualidade. Pois a própria trajetória de reivindicações aponta
alternativas para a abordagem da história indígena em sala de aula.

Referências

MONTEIRO, John. Tupis, Tapuas e Historiadores: estudos de


história indígena e do indigenismo. Campinas: Tese
apresentada para o concurso de Livre Docência Área de Etnologia,
subárea História indígena e do Indigenismo. Antropologia.
UNICAMP, 2001.
SILVA, Edson. Dia do Índio: a folclorização da temática
indígena na escola. Disponível em:
http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp?id=2090
Acessado em 07 de março de 2015
SILVA, Edson. Povos Indígenas: história, culturas e o ensino a partir
164 da lei 11.645. In: Revista Historien, v. 7, p. 39-49, Petrolina: UPE,
2012.
POR UM OUTRO AMANHÃ

A VIOLÊNCIA COMO LINGUAGEM: UM HORIZONTE


TEÓRICO PARA A HISTORICIZAÇÃO DA CULTURA DA
VIOLÊNCIA

César Henrique Guazzelli e Sousa

A relação existente entre índices de educação e índices violência,


ainda que seja amplamente debatida nos mais diversos meios e a
partir dos mais variados espectros, não recebe a atenção merecida
das autoridades competentes, particularmente dos poderes
executivos no Brasil. Ou seja, embora existam estudos de amplo
espectro sobre o assunto conduzidos por instituições sérias e
profissionais extremamente competentes (Abramovay, Waiselfisz,
Pino, Boneti, Gonçalves, Sposito, Laterman, Priotto) não
percebemos a aplicação dos resultados na forma de políticas
públicas efetivas e nos e nos ambientes escolares. A agudeza da
situação, facilmente perceptível por nós, torna-se clara quando
constatamos que a maioria das pesquisas conduzidas no Brasil não
se sustentam na elucidação das relações existentes entre a
instrumentalização da educação e a redução da violência, e sim na 165
chamada 'violência escolar'.

Dessa forma, os estudos brasileiros têm como ponto de partida uma


realidade material tão precária que a escola, que deveria ser
percebida como um ambiente de socialização, cidadania e
aprendizado, torna-se uma reprodutora da violência cotidiana. A
instituição que deveria ser o eixo central das políticas de longo prazo
para a diminuição da violência social não faz parte da solução, e sim
parte do problema. Os jovens infratores, especialmente aqueles
imersos em uma cotidianidade profundamente violenta, adotam a
hostilidade e a crueldade como atitudes semióticas. Habituados a
ambientes familiares e comunitários em que o diálogo e as
instituições do Direito não têm qualquer efetividade, adotam a
violência como linguagem. Nessa perspectiva, a violência não é
simplesmente uma força material. Ela é o uso da força como
ferramenta para ações humanas intencionais e carregadas de
sentido, seja este sentido individual ou coletivo (LEMKE, 1995).

Conforme aponta Ricoeur (1998) a questão da linguagem em


confronto com a violência não está relacionada com problema da
estrutura, mas antes disso com o problema do sentido, do sentido
racional, ou seja, o esforço de integrar em um entendimento
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

inclusivo o relacionamento do homem com a natureza, do homem


com o homem, com a existência e, finalmente, a relação mesma
entre violência e linguagem. Nessa relação, o autor defende que nós
nos acostumamos a relacionar a linguagem e a violência como
opostos, "os opostos mais fundamentais da existência humana"
(RICOEUR, 1998, p. 40). Se a linguagem é um instrumento da
civilização, então a violência é um instrumento da barbárie. Se a
linguagem é diplomacia, a violência é a guerra. Se a linguagem é a
compreensão, a violência é a cólera. Essa compreensão antitética
torna particularmente difícil assumir os atos de violência como
expressões antropológicas, como operações dotadas de sentido que,
para serem adequadamente compreendidas devem ser investigadas
a fundo.

Devemos questionar, portanto, as implicações práticas que derivam


da oposição entre discurso e violência. A adesão ao argumento do
diálogo e do sentido em oposição à violência - assumida como o
outro lado da fronteira do sentido - é um lugar confortável, a partir
do qual os indivíduos encontram salvaguarda contra a acusação de
serem apologistas do ódio, do gládio. O recurso à violência, dessa
forma, sempre permanece "uma culpabilidade limitada, uma falta
166 calculada; aquele que reconhece um crime como crime já está no
caminho do sentido e da salvação" (RICOEUR, 1998, p. 40). Mais do
que o discurso da não-violência, acreditamos na não-violência do
discurso.

O recurso ao pacifismo, a ode ao homem que se recusa a responder à


violência com violência, caminha lado a lado com a justificação da
violência como instrumento de regeneração social (SLOTKIN,
2000). O gesto do pacifista aponta para uma utopia, o testemunho
de um futuro almejado. Porém, as constrições da realidade
demandam dos homens, dentro de certas situações, a necessidade de
imporem certas vontades - individuais ou coletivas - pelo uso da
força. Estas duas formas de ação, conforme Ricoeur (1998),
correspondem, respectivamente, à moralidade da convicção e à
moralidade da responsabilidade. No primeiro caso, a ação
deontológica, que condena a violência com veemência e de forma
absoluta, é ilustrada com um modus vivendi avesso à corrupção da
ação violenta. No segundo caso, a ação teleológica, que reconhece a
necessidade do uso da violência em determinadas situações, se
justifica pela percepção de que ela era a 'última ou única opção'.

A utilização da violência como linguagem, evidentemente, associa-se


a esse segundo tipo de moralidade. Entre os jovens latino-
POR UM OUTRO AMANHÃ

americanos em particular, especialmente aqueles que vivem em


ambientes de abandono, às margens da assistência estatal e da
comoção social, a violência se revela como uma forma de auto-
afirmação. Ela é um instrumento que busca reivindicar prestígio
pessoal e respeito comunitário em agrupamentos sociais onde o mito
do 'homem que se fez do nada' é levado em alta conta. Ela é um
desafio à ordem das coisas imposta pelo status quo e pelo Estado de
direito, que os impede de ter acesso a determinadas benesses
materiais e simbólicas. Assim, muito além das estatísticas, das ações
repressivas, da integração e diálogo entre a Educação e a Segurança
Pública, é necessário entendermos os sentidos que constituem a
cultura da violência, das energias que movem os jovens a
repudiarem a educação formal e abraçarem a violência como uma
marca identitária.

De acordo com Salete Valesan (2015, p. 9), a violência pode ser


entendida como "uma linguagem cujo uso é validado pela sociedade,
quando esta se omite na adoção de normas e políticas sabidamente
capazes de oferecer alternativas de mediação para os conflitos que
tensionam a vida cotidiana". Ainda segundo a autora, a sensação de
impunidade provocada por fatores como a lentidão dos processos
judiciais, o investimento insuficiente nos aparatos de investigação 167
policial e a falta de respaldo físico e financeiro para que as sanções
penais aplicadas aos infratores sejam de fato cumpridas são
elementos que sinalizam significados para a sociedade. Tais
significados sintetizam-se na percepção de que "a violência é
tolerável em determinadas condições, de acordo com quem a
pratica, contra quem, de que forma e em que lugar" (Idem).

Os números dessa cultura da força e da agressão são alarmantes.


Entre 1980 e 2012, aproximadamente 497.570 jovens entre 15 e 29
anos foram vítimas fatais de armas de fogo. Isso corresponde a
56,5% do total de vítimas no período. Enquanto na série histórica o
crescimento do número de homicídios no Brasil foi de 387% em 22
anos, entre os jovens esse percentual é de 463,6% (WAISELFISZ,
2015, p. 23). Se tomarmos o Índice de Vitimização Juvenil por
Armas de Fogo (IVJ-AF) como referência, a situação é ainda mais
alarmante. Morrem 285% mais jovens do que não-jovens no Brasil.
Não é por acaso. A cultura da violência brasileira não é um
fenômeno isolado. Em toda a América Latina, assim como na
maioria dos países africanos, números estatísticos similares aos aqui
apresentados são encontrados. O uso da violência como linguagem
vincula-se a uma herança colonial e imperialista. Entre os 50 países
com maiores taxas de homicídio no mundo, 48 se encontram em um
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

desses dois continentes. A cultura da violência é um substrato da


desigualdade, subproduto de uma ordem mundial que impõe aos
países subdesenvolvidos e em desenvolvimento constrições
econômicas que perpetuam a desigualdade social, a subvalorização
da educação formal e a feitichização do progresso material
individual.

A percepção da violência como linguagem, como ação embasada em


um conjunto de signos socialmente compartilhados e, por isso,
dotados de sentido, cria uma inversão fundamental para o seu
estudo. Os atores sociais, antes vistos como sujeitos passivos das
constrições sócio-econômicas, se tornam agentes sociais. A partir de
uma perspectiva estritamente socioeconômica, que credita
unicamente à dominação e às constrições de subdesenvolvimento os
surtos de criminalidade presenciados em países como Honduras,
Venezuela, Brasil ou África do Sul, cria-se um modelo que assume a
cultura da violência como resultado da falta de opção dos
marginalizados. Essa perspectiva é muito bem ilustrada em Ianni
(1970, p. 18), segundo o qual a relação intrínseca entre violência e
dominação econômica na América Latina é resultado direto de dois
processos complementares; por um lado, o ocaso da política de
168 desenvolvimento econômico destinada a criar um 'capitalismo
nacional' em alguns países latino-americanos (como é o caso do
Brasil). Por outro, o também insucesso da política liberal de
'capitalismo associado'. Estes dois processos, ainda de acordo com o
autor, se desenrolaram em um contexto de profunda dependência
econômica e desigualdade social. Na América Latina, tanto do ponto
de vista do desenvolvimento alicerçado em medidas protecionistas
quanto dentro de uma perspectiva liberal, o crescimento econômico
andou lado-a-lado com o aprofundamento das desigualdades sociais
e regionais. Por essa lógica, aonde houver dominação imperialista e
desigualdade, encontraremos instaurada a cultura da violência.

Não podemos ignorar, contudo, que houveram processos análogos


em outros países fora da América Latina e da África, como por
exemplo Índia e Nepal. Apesar da desigualdade acachapante e dos
séculos de dominação imperialista, eles apresentam níveis de
violência social consideravelmente baixos quando comparados com
o restante da América Latina. Na Argentina, Chile, Uruguai e Peru,
os índices também se apresentam em níveis toleráveis (ou
controlados) quando contrastados com o restante do cone sul.
Portanto, e isso nos parece bastante óbvio, devemos ir além do
determinismo econômico para compreendermos a cultura da
violência.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Ao considerarmos a existência de uma linguagem da violência, da


atribuição de sentido dos atores sociais às ações atentatórias contra
o 'outro', construímos um modelo analítico que, por um lado, atribui
aos agentes sociais em contextos de violência a responsabilidade por
seus próprios atos. Por outro, avançamos além da perplexidade com
a situação imposta; as ações pedagógicas, as políticas de segurança
pública e de assistência social devem partir sempre da compreensão
de que determinados contextos de violência generalizada não são a
barbárie - a ausência de civilização e de significação às ações
individuais. Elas não são o avesso da cultura. Muito pelo contrário,
os sujeitos que agem de forma violenta e atentatória o fazem como
forma de produzir sentido, de serem vistos, de dialogarem com a
sociedade, ainda que esse diálogo, dentro de nossa herança
racionalista/iluminista, seja hediondo.

A compreensão da violência como linguagem, deixo bastante claro,


não significa a concordância com a cultura da violência. Muito pelo
contrário, ela nos fornece um instrumento compreensivo para os
contextos sociais de violência generalizada, creditando a cada sujeito
a responsabilidade por seus próprios atos e, assim, tornando
possível a ação social, pedagógica, política e jurídica não mais com 169
base na premissa da hipossuficiência e da exclusão, mas com base
em esforços que busquem, simultaneamente, enfrentar a cultura da
violência por meio da educação e neutralizar os seus resultados mais
nefastos por meio de ações jurídico-políticas que penalizem
devidamente os indivíduos pelos seus atos, e não toda a sociedade.

Referências

SLOTKIN, Richard. Regeneration through violence: the


mythology of the American frontier. 1600-1860. Oklahoma:
University of Oklahoma Press, 2000.
LEMKE, J.L. Textual Politics: Discourse and Social
Dynamics. Washington, D.C.: Taylor & Francis, 1995.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência: mortes
matadas por armas de fogo. Brasília: Juventude viva, 2015.
RICOEUR, Paul. Violence and Language. Bulletin de la Societé
Américaine de Philosophie de Langue Française. Volume 10, Issue 2,
Outono de 1998. Pp. 32-41.
IANNI, Octavio. Imperialismo y cultura de la violencia en
America Latina. 12. Edição. Cidade do México: Siglo Veintiuno
Editores, 1970.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ESTÁGIO SUPERVISIONADO: UM NOVO OLHAR SOBRE


O BRASIL COLÔNIA ATRAVÉS DO ENSINO DE HISTÓRIA

Claucia Cristine Vladyka Maia

Estágio Supervisionado / TFES, assuntos que quando entramos para


o mundo acadêmico sabemos que teremos que realizar, porém, a
expectativa, a angustia estão presentes na hora de realiza-los. Nas
linhas a seguir será explanado um pouco de minhas experiências
vividas no campo de estágio.

Ao iniciar esse ano já nas primeiras aulas já estava convicta do que


gostaria de realizar, que seria trabalhar com uma turma no EJA -
Educação de Jovens e Adultos, pois me proporcionaria uma nova
experiência. Meu primeiro passo foi entrar em contato com a
professora Eliane Bughay do Centro Estadual de Educação Básica
para Jovens e Adultos - CEEBJA de União da Vitória/PR, que me
recebeu de uma forma muito acolhedora, me oportunizou trabalhar
em sua turma, com o tema de minha monografia que fala sobre a
170 arte da cura no Brasil do século XVIII.

Com o tema em mãos cabe a nós selecionar dentre tantos assuntos o


que vamos apresentar em nossas aulas e novamente indagações,
dúvidas se fazem presente, pois afinal o papel aceita tudo, mas, na
prática como isso funcionaria.

Quando soube que poderia aplicar o tema de minha monografia


intitulada "Entre Médicos e Curandeiros: A Arte de Curar no Brasil
do Século XVIII" fiquei feliz, mas essa felicidade logo se transforma
em apreensão, pois afinal, como apresentar esse tema para a turma.

Dessa maneira me coloquei no lugar dos/as alunos/as e pensei, o


que eu sei sobre como era viver no Brasil colônia, quem eram essas
pessoas, como foi o contato dos povos que aqui se estabeleceram, e
como seu convívio contribuiu para várias transformações dentro da
sociedade colonial? Silva (2011, p. 77) apresenta que "nenhum outro
lugar do mundo fundamentou suas bases sobre raízes portuguesas,
indígenas e africanas", e partindo desses questionamentos passei a
elaborar como seria melhor apresentar o tema para a turma, que
instigasse novos questionamentos sobre "as verdades" que são
apresentadas sobre o Brasil colônia.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Com esse objetivo minha primeira preocupação era apresentar os


diversos sujeitos dentro da história, que na maioria das vezes são
pouco abordados, optei em apresentar o lado humano, e também
minha proposta era apresentar que as transformações que
ocorreram na sociedade colonial ainda se fazem presentes em nossa
sociedade, como vários costumes, tradições, enfim uma grande
herança, possibilitando assim desenvolver nos/as alunos/as um
pertencimento a história que está sendo apresentada, pois enfim,
são as raízes da nossa história.

Com os assuntos definidos caberia agora saber como melhor


apresenta-los para fazer sentido para a turma, e também para
despertar o interesse e instigar a participação nas aulas. Minhas
aulas foram pensadas e preparadas todas de forma expositiva
dialógica, minha opção por essa técnica é porque acredito
imensamente no diálogo como intercâmbio de conhecimentos e
experiências para a reelaboração de novos conhecimentos,
tornando-se cada vez mais críticos, independentes em sua maneira
de agir e pensar, possibilitando tanto mudanças para si como para a
sociedade.
171
Para a primeira aula resolvi trabalhar com a carta de Pero Vaz de
Caminha, explanei sobre a mesma, sobre o que ela significava para a
história do Brasil, apresentei ela na íntegra, porém, por se tratar de
um documento muito grande, trabalhamos com trechos específicos,
sempre debatendo sobre quem eram os verdadeiros ocupantes dessa
terra, quebrando assim uma "verdade" que sempre é apresentada
nos livros de que foram os portugueses que descobriram o Brasil, e
também que somente nobres vieram para povoar essa nova terra, o
que proporcionou grandes discussões em torno do documento e a
quebra de vários estereótipos que são apresentados.

Com esse documento meu objetivo era apresentar para a turma


como era a visão que os portugueses tiveram de nossa terra, como
viram o índio, como o descreviam, o que falavam sobre a natureza e
também como tentaram impor a sua fé e os seus costumes. Todos os
trechos renderam várias discussões, o que fiquei muito satisfeita,
ficaram impressionados em ver como descreveram os indígenas e
qual era sua real intenção em relação a terra, falamos sobre as
trocas de quinquilharias realizadas para conseguir conhecer cada vez
mais a terra.

Após essas discussões, comecei a abordar com a turma como foi o


Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

convívio entre as pessoas que se faziam presentes no Brasil e suas


relações, comecei apresentando sobre o escambo, forma que os
portugueses utilizaram para conseguir a mão de obra indígena
principalmente para a extração do pau-brasil. Apresentei sobre a
importância da colonização para os portugueses para garantir a
posse da terra que usurparam dos indígenas, e também abordei
sobre todas as transformações que foram ocorrendo a partir dessa
tomada de terra.

Quando comecei apresentar sobre a sociedade açucareira, a


hierarquização social, a distinção do elemento humano se fez muito
presente nas discussões, os indígenas, que já havíamos discutido um
pouco, sobre sua mão de obra, sobre o escambo e também por meio
de telas como de Debret, Spix & Martius discutimos sobre a
escravidão indígena, mas como essa mão de obra foi ficando escassa,
outra figura importante no contexto colonial se fez presente em
nossas discussões, os africanos, ou "o negro". Comecei apresentando
sobre a vinda deles, na tela "Negros no fundo do porão de navio"
(Desenho: Johann Moritz Rugendas, 1835), discutimos como era sua
resistência na África, para quebrar justamente com paradigmas
apresentados por muito tempo sobre os africanos.
172
Trabalhei as formas de castigo, parti da indagação de quais eram as
formas de castigos que eles conheciam a respeito dos escravos, e a
descrição foi unanime, falando que era o tronco, que é mais visto em
filmes, novelas, etc. Foi ai que apresentei vários instrumentos de
torturas (através de imagens) como a máscara de flandres, que era
usada para punição de furto de alimentos, alcoolismo, ingestão de
terra, na mineração de diamantes, para impedir que os negros
extraviassem as pedras, engolindo-as. Os instrumentos de ferro de
"castigos e penitências" usados para punir, como algemas,
palmatórias, gargalheiras (espécie de coleira presa ao pescoço do
cativo), apresentei o "bacalhau", chicote feito com cabo de madeira e
de cinco tiras de couro retorcidos ou com nós, utilizado para açoitar,
além é claro para acelerar o ritmo de trabalho.

Muitos ficaram surpresos com a diversidade de formas de castigos


falando que só conheciam o tronco em si. Com esse novo olhar,
trabalhei com eles/as com o texto "Tortura de escravos e heresias na
casa da torre" de Luiz Mott, explanei sobre o texto, selecionei alguns
dos castigos para proporcionar um novo olhar sobre a escravidão e
mostrar que os castigos eram aplicados a todos, não importando o
sexo nem mesmo a idade. Quando começamos a leitura do texto
pude perceber uma repulsa dos/as alunos/as ao que estava sendo
POR UM OUTRO AMANHÃ

apresentado, anos, onde pingavam a cera de vela em seu ânus, e


ainda o de Leandra de apenas três, quatro anos de idade que colocou
doce que estava sendo feito em um tacho na palma de sua mão, toda
a leitura foi cheia de discussões de como poderia haver pessoas que
faziam essas barbaridades com seres humanos, ficaram indignados e
perplexos com o que estava sendo apresentado.

Outra proposta foi apresentar sobre as mulheres presentes na


sociedade colonial tendo como base as indígenas, as portuguesas e
as negras, tendo como objetivo principal explicar como eram suas
vidas, como e para que eram criadas, apresentar sobre a estrutura
familiar patriarcal. Questionar o porquê da invisibilidade das
mulheres na história, apresentar como elas foram e são muito
importantes na formação das sociedades em geral, expondo que
desde o início quando seus maridos/companheiros saiam para "o
mundo" quem ficava à frente da casa, dos negócios eram justamente
as mulheres, como hoje em dia ainda é muito comum, mulheres que
são as mantenedoras de suas casas.

Os temas que foram apresentados até aqui serviram como base para
estruturar a explanação sobre meu tema de pesquisa, a arte da cura
no Brasil colônia, como já tinham o conhecimento de como era viver 173
nessa sociedade comecei minha explicação. Primeiramente comecei
falando sobre o trabalho do historiador, sobre quando escolhemos
estudar sobre um determinado assunto, nossa pesquisa deve estar
embasada em fontes, e assim apresentei minha fonte de pesquisa o
"Erário Mineral", um tratado de medicina, que foi escrito em 1735
por Luís Gomes Ferreira, português que veio para o Brasil em busca
de fortuna fácil através da febre da exploração do ouro.

No início fiquei com medo do assunto não chamar atenção da turma,


mas com o passar da apresentação percebi que isso não aconteceu,
eles/as questionavam, argumentavam tudo que estava sendo
apresentado, como por exemplo, o medo da morte, a doença como
castigo divino, o medo da mulher como bruxa/demônio, a Igreja e o
Estado querendo agir no domínio do corpo, e assim foram
atribuindo a santos/ santas as curas, além é claro a forma de
diagnosticar as doenças que eram através da observação e aplicação
dos remédios eram experimentos que poderiam dar certo ou não.

Quando comei a trabalhar as receitas propriamente existentes no


Erário Mineral, eles/as ficaram ainda mais surpresos e também
pode-se dizer que enojados, pois puderam verificar que o receituário
colonial incorporava tudo que estivesse perto, e foi assim que a
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

medicina e a magia se mesclaram, utilizando-se tanto de


propriedades da natureza do mundo sobrenatural além de elementos
que jamais poderia se imaginar, e assim perceberam que o Brasil
colônia foi um laboratório de experiências.

Em todos os temas propostos e debatidos em sala os/as alunos/as


fizeram atividades, produziram textos, elaboraram charge, e também
foi realizada no final do estágio uma avaliação. Essa avaliação foi
elaborada com a proposta de que os/as alunos/as pudessem colocar
seu entendimento aos temas propostos, pois acredito que essa é a
função do ensino de história, como Seffner (2000) argumenta em
seu texto, nossos/as alunos/as devem compreender para
reconceituar o que esta sendo colocado em debate, e é esse nosso
papel como professores/as, auxiliar nessa leitura do mundo,
respeitando suas opiniões, e possibilitando assim uma autonomia
para expressar-se.

Como minha intenção era proporcionar um novo olhar sobre o


Brasil colônia, sobre nossa própria história, os resultados foram
muito bons, foi a questão relacionada ao texto de Luiz Mott
"Torturas de escravos e heresias na casa da torre", que mais
174 demonstrou o quanto foi importante para a formação de um novo
conhecimento histórico, como demonstra a resposta da Aluna "A".

A resposta da aluna em questão permite perceber que meu objetivo


em relação ao tema foi alcançado, pois sua narrativa é muito claro,
quando afirma que "eu tinha uma visão" e "agora (...) pude aprender
que vai além". Essa fala é muito gratificante, saber que minha aula
pode contribuir para a construção de um novo saber, uma nova visão
sobre um assunto que muito é debatido.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Quanto cheguei na parte para verificar como foi o entendimento


sobre a arte da cura, minha intenção era abusar da criatividade
deles/as, e foi assim que elaborei a seguinte questão: Como vimos o
período colonial foi uma experiência em relações ao processo de
cura, com a utilização de todos os elementos possíveis nas receitas.
Agora imagine que você é um agente de cura daquele período e
escreva a sua receita, use sua imaginação. Quando li a presente
questão para eles/as, para explicar e lembrar um pouco do que
havíamos visto, as risadas foram muito espontâneas, e começou um
alvoroço em torno da questão, pois perceberão que poderiam
escrever o que queriam.

Os/as alunos/as abusaram de sua criatividade mesmo, elaboraram


um receituário para os males que talvez estejam presentes em seus
dias, ou quem sabe, para evitar que o façam. A receita do aluno "B"
vem de encontro a um problema muito presente para a vida dos
estudantes, a amnésia:

175

O resultado dessa avaliação me mostrou que cada aluno/a


apreendeu sobre os temas propostos, acredito que consegui cumprir
o que tinha proposto fazer quanto aos objetivos traçados para cada
aula, com os resultados aqui apresentados vejo que maiores foram
os acertos do que os erros.

Referências

MOTT, Luiz. Bahia: Inquisição e Sociedade. Tortura de


escravos e heresias na casa da torre. Salvador: EDUFBA, 2010.
294 p.
SEFFNER, Fernando. Teoria, Metodologia e ensino de História. In:
Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre:
Editora da Universidade/UFRGS, 2000, p. 257- 288.
SILVA, Camila Vieira da. Magia e Feitiçaria na Colônia: A
Originalidade das Práticas Sincréticas. Revista Historiador
Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

AS IMAGENS E O ENSINO DA HISTÓRIA

Cyanna Missaglia de Fochesatto

Nos últimos anos as discussões acerca do ensino da História têm


apontado um significativo crescimento no âmbito acadêmico.
Formas de dinamizar o ensino, de adequar os currículos escolares,
de trabalhar através da interdisciplinaridade, a utilização de diversas
fontes no ensino, as formas de avaliações e as novas tecnologias são
questões que têm ocupado as discussões na área do ensino da
História. Nesse sentido, busca-se acompanhar as transformações
sociais e identitárias que ocorreram nos últimos anos na sociedade,
e, certamente, influenciaram a vivência escolar, seja do grupo
discente ou docente. Dessa forma, esse texto pretende trazer uma
reflexão sobre a utilização de imagens no ensino da História, uma
vez que elas estão amplamente presentes no cotidiano escolar, e em
quase todas as áreas da vida em sociedade. As imagens carregam
também uma responsabilidade pedagógica que precisa ser
trabalhada de forma mais efetiva no ensino da disciplina histórica,
176 pois a utilização de mídias, proliferações de vídeos, fotos, charges,
pinturas e outras iconografias são abundantes no ambiente escolar,
estando presentes nos livros didáticos, nos sites educativos e nos
materiais de apoio utilizados pelos professores.

As imagens, presentes nos livros didáticos, ampliam as fontes de


conhecimento à disposição dos estudantes, embora ainda se tenha
um longo caminho pela frente no que concerne a problematizar e a
ensinar a refletir sobre fatos históricos por variadas fontes. Os livros
didáticos têm alterado sua forma de apresentar as imagens, pois elas
não são mais vistas, ou utilizadas - na maioria dos casos - como um
mero instrumento ilustrativo. A imagem tornou-se parte importante
da construção do conhecimento. As atividades encontradas nos
livros escolares têm se dedicado a interpretação, análise e discussão
de fatos históricos partindo de fontes como fotos, pinturas, charges e
outras formas de representação imagética.

O crescimento da utilização das imagens no ambiente escolar


também surgiu como uma alternativa ao ensino da História que
propõe a homogeneização, e que oferece perguntas e respostas
prontas, pois este modelo está fadado ao insucesso, e se afasta cada
vez mais das novas discussões sobre as formas de ensinar História.
Também se afasta do objetivo de tornar o aluno um cidadão
POR UM OUTRO AMANHÃ

reflexivo, crítico e capaz de transformar sua realidade, objetivo esse


comum em todas as áreas do conhecimento escolar. As aulas, ao
contrário de trazer a informação pronta e dissolvida em textos
limitadores e muitas vezes medíocres, devem estimular a reflexão e a
interpretação das leituras, especialmente das fontes históricas,
sejam elas documentais ou iconográficas, ou de qualquer outra
natureza. O importante é que as instituições de ensino visem
estimular diferentes habilidades nos estudantes, e que tornem a
aprendizagem algo mais próximo da realidade do estudante, onde as
fontes e as reflexões lhe tragam um significado para seu mundo e
para suas vivências. O ensino da História tem uma função social que
extrapola os limites do processo puramente educativo, pois ajuda a
construir a trajetória dos sujeitos sociais, revela a memória de um
passado estritamente aliado ao presente e à realidade das
sociedades. Vai além de teorias e metodologias, pois constitui-se
como uma base para entendimento do mundo.

É preciso dotar o processo de ensino da disciplina histórica de um


sentido crítico para a educação como um todo. Seffner considera
que:

O objetivo de uma aula de história é a produção de 177


saberes de natureza histórica que façam sentindo aos
alunos, que sirvam para que eles se indaguem acerca de
sua vida social e familiar, de seus relacionamentos, de
seus valores, de sua história enfim. Podemos dizer que o
objetivo de uma aula de história é a realização de
aprendizagens de conteúdos, conceitos, métodos e
tradições que lhes sirvam para entender de modo mais
denso o mundo em que vivem. (SEFFNER, 2011, p. 213).

Por muito tempo ficamos acostumados a ver a imagem como sendo


portadora de apenas uma função meramente ilustrativa e, por vezes,
esquecemos da sua função informativa e pedagógica. As imagens
podem nos contar sobre "o imaginário da época em que foram
confeccionadas, ou sobre o entendimento que a sociedade, da qual o
autor faz parte, tem sobre o assunto retratado". (BALDISSERA,
2011, p. 248). As imagens estão inseridas em nosso cotidiano desde
o início da humanidade, onde o "homem das cavernas" deixou seus
primeiros símbolos gravados em pedra. Atualmente as imagens
ocupam um espaço significativo no cotidiano das pessoas, tratando-
se de um importante instrumento de educação para variadas
culturas. As escolas estão se utilizando abundantemente das
imagens, sejam nas aulas de História, ou nas demais disciplinas e
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

áreas do ensino. Um exemplo disso são alguns livros didáticos que


comportam em suas páginas imagens de todos os tipos, revelando a
importância que as mesmas ganharam na educação, e propondo
atividades de interpretação e leitura imagética aos alunos.
Uma das funções da escola é contribuir para o estudante desenvolver
um conjunto de habilidades e competências que o ajudem a viver em
sociedade e fazer uma leitura da mesma, podendo participar de
forma democrática da vida política e social. Uma dessas habilidades
que o professor deve desenvolver nos seus alunos está relacionada à
leitura e interpretação de imagens, que não deve mais ser vista
apenas como uma ilustração do texto escrito, ou tratada como
apêndice nas aulas de História.

No entanto, dois elementos são colocados em discussão para que a


utilização das imagens na escola possa ter um aproveitamento mais
positivo. A primeira refere-se aos cuidados que se deve ter com esse
tipo de fonte. É preciso sempre ter o cuidado de avaliar o nível da
turma, a idade dos alunos, e vincular as imagens trabalhadas ao
conhecimento prévio que eles têm. O olhar para a análise de uma
imagem nunca será puro, ele sempre parte da bagagem de
conhecimento que carregamos. Atenta-se que na questão da
178 exploração da imagem, por exemplo, uma quinta série tem uma
abstração completamente diferente de um aluno do final do ensino
médio. Existe uma escala de complexidade de idades e níveis. Isso
serve também para outras atividades, e, igualmente, para o texto
escrito. (BALDISSERA, 2011, p.265). O professor precisa ter a
sensibilidade de saber as limitações dos alunos, bem como as
atividades devem ser coerentes com idade e a capacidade de
abstração de uma turma. Baldissera aponta algumas questões
fundamentais que devem ser feitas para a análise de uma imagem,
tais como:

O quê? (identificação da obra), tema (explicitação além


do título), quem? (autor (s), escola, etc.), onde? (lugar de
origem e onde se encontra), quando? (data, época), por
quê? (motivo pela qual a obra foi criada, objetivo a ser
alcançado), como? (as circunstâncias em que foi feita a
obra, técnicas utilizadas...), para quem, contextualização
histórica (a partir da época já indicada), análise (por
exemplo, quando seu conteúdo é de fácil leitura e
compreensão com elementos que não exijam a leitura
complexa de signos, símbolos, etc.). (BALDISSERA,
2011, p.256).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Cada imagem tem uma história para contar. Podem ser lidas e
traduzidas em palavras, e seus signos revelam elementos que podem
passar despercebidos ou serem omitidos dos textos escritos. O
estudo das imagens deve estar associado à análise das circunstâncias
de sua criação, à vida pessoal do artista e ao contexto do mesmo.
Ainda assim, é importante ressaltar a falta de cuidado de alguns
livros didáticos quando se refere as imagens, pois existe uma
despreocupação em citar as referências desse tipo de fonte,
apontando para uma desvalorização das mesmas enquanto fontes de
pesquisa e de análise histórica.

O segundo elemento importante de reflexão sobre o uso de imagens


no processo de ensino refere-se ao preparo dos docentes. É possível
questionar se o professor está sendo habilitado para poder utilizar as
imagens em sala de aula através uma leitura crítica, pois de nada
adiantaria trazer distintas fontes na educação básica se o docente -
embora bem-intencionado - não tenha um alfabetismo crítico da
visualidade para contextualizá-la e dar sentido para esse material. A
formação dos currículos das licenciaturas tem, igualmente, alterado
alguns aspectos para incorporação de disciplinas nas grades
curriculares das universidades. Um exemplo disso foram as
mudanças ocorridas nos currículos das licenciaturas nos últimos 179
anos, e que passaram a atentar para o ensino da cultura indígena e
afro-brasileira, além a incorporação da disciplina de libras. Embora
essas alterações tenham sido as recomendadas nas Diretrizes
Curriculares Nacionais, torna-se plausível que se pense em novas
formas de ensinar e atender as demandas sociais atuais. Outro
exemplo seriam as proliferações de especializações, pesquisas, e
trabalhos acadêmicos que abordem como eixo central de análise as
novas tecnologias em sala de aula. Isso evidencia que os docentes
estão discutindo formas de incorporar no processo de ensino-
aprendizagem questões diversas que permeiam nossa vida cotidiana.

São muitos os benefícios que a utilização de fontes visuais pode


trazer aos alunos. O alfabetismo visual vai além da sala de aula.
Diversas são as leituras de signos que podemos fazer quando
criamos o hábito de vincular as imagens à nossa rotina, despertando
assim o olhar para interpretar esses símbolos que nos cercam a todo
instante. A disciplina de História traz a possibilidade de contribuir
para um entendimento sobre os fatos históricos ocorridos por meio
de diferentes fontes, sejam elas documentos, literatura, imagens,
fontes orais, fontes materiais. Todas essas formas de ensino somente
podem ser lidas quando se tem a prática de trabalhar com elas em
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

aula, favorecendo que o aluno possa se familiarizar com as imagens


a ponto de poder fazer suas próprias inferências sozinho.

Esse texto pretendeu trazer para discussão diferentes olhares para os


procedimentos metodológicos e o uso de fontes imagéticas no
ambiente escolar. As utilizações de outros recursos - que favoreçam
o desenvolvimento de distintas habilidades - bem como tornem o
ensino da História mais prazeroso e dinâmico, devem ser levados em
consideração pelos educadores na hora de planejar as suas aulas.
Atualmente somos cercados por imagens de todos os tipos, por todos
os meios, pelas propagandas, jogos, televisões, celulares, filmes,
fotos, publicidades, enfim, as imagens estão no cotidiano dos alunos
em muitos momentos do dia a dia. Seria uma negligência da escola
não contemplar essas questões, coisa que vem provando não ser o
caso, pois, muito embora ainda encontremos carência no
investimento de novas competências para o educador, ou ambientes
escolares despreparados para aproveitar o máximo que as imagens
podem oferecer aos alunos, elas estão inseridas, sim, nas atividades
escolares, nos recursos midiáticos utilizados, e nos livros didáticos.
As imagens possibilitam uma visão mais ampla ao aluno,
apresentando outras - ou até novas - formas de entendimento sobre
180 determinados conteúdos históricos.

Referências Bibliográficas

BALDISSERA, José Alberto. Imagem e construção do conhecimento


histórico. In: PADRÓS, Enrique Serra; PEREIRA, Nilton Mullet;
BARROSO, Vera; GEDOZ, Sirlei. (Org.) Ensino de História:
desafios contemporâneos. Porto Alegre: Evangraf, 2011.
BITTENCOURT, Circe Maria F. Ensino de História:
fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
CALADO, Isabel. A utilização educativa das imagens. Lisboa:
Porto Editora,1994.
FRANÇA PAIVA, Eduardo. A iconografia na história - indagações
preliminares. In: FRANÇA PAIVA. História & Imagens. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.
MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. Currículo e Estudos culturais:
tensões e desafios em torno das identidades. In: SILVEIRA, Rosa
Maria H. (org.). Cultura, poder e educação: Um debate sobre
Estudos Culturais em Educação. 2 ed. Canoas: Ed. ULBRA,
2011.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Mudanças epistemológicas: a entrada
em cena de um novo olhar. In: História & História Cultural.
Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
POR UM OUTRO AMANHÃ

SEFFNER, Fernando. Saberes da docência, saberes da disciplina e


muitos imprevistos: atravessamentos no território do ensino de
História. In: PADRÓS, Enrique Serra; PEREIRA, Nilton Mullet;
BARROSO, Vera; GEDOZ, Sirlei. (Org.) Ensino de História:
desafios contemporâneos. Porto Alegre: Evangraf, 2011.
SEFFNER, Fernando. Teoria, metodologia e ensino de História. In:
GUAZZELLI, Cesar Augusto B.; PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz;
SCHMIDT, Benito B. (Org.). Questões de Teoria e
Metodologia da História. Porto Alegre: Editora da Universidade,
2000.

181
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ESTILOS DE APRENDIZAGEM NO PROCESSO DIDÁTICO-


PEDAGÓGICO DA DISCIPLINA HISTÓRIA

Daniel Rodrigues de Lima

Introdução

O objetivo do artigo é analisar como a teoria dos estilos de


aprendizagem pode contribuir no ensino e na aprendizagem da
disciplina História, além de compreender o que são esses estilos e as
suas principais teorias e simular uma prática com sua a utilização.

Estilos de aprendizagem: conceitos e principais teorias

No entendimento de Barros (2008, p. 15) estilos de aprendizagem


são: “[...] maneiras pessoais de processar informação, os
sentimentos e comportamentos em situações de aprendizagem", ou
seja, são formas de identificar como os sujeitos aprendem de uma
maneira mais significativa, onde se busca compreender qual o estilo
182 predominante de cada um, havendo uma busca para o
desenvolvimento dos demais.

A teoria dos estilos de aprendizagem busca mostrar como os


indivíduos se apropriam do conhecimento a partir das competências
e habilidades no processo de aprender. Dessa forma segundo
Cerqueira (2006, p. 35):

O estilo de aprendizagem chama nossa atenção no


sentido de compreender que cada um tem um jeito
próprio de aprender e ensinar, no entanto, o professor
ainda ensina segundo seu próprio estilo de aprendizagem
sem levar em consideração que o aluno também tem um
estilo de aprendizagem que é único. [...]

Entende-se que o papel do professor nesse processo é de mediador e


de identificar os estilos de aprendizagem dos alunos, devendo buscar
mecanismos que estimulem os estilos menos desenvolvidos dos
educandos no processo de aprender. Sobre o papel do professor,
Cathólico (2010, p. 3), nos informa:

De acordo com Blanc (1996), os estudantes aprendem


mais por si mesmos e os professores não poderão
POR UM OUTRO AMANHÃ

transmitir conhecimentos previamente estruturados,


mas orientar na seleção, ordenação e avaliação do
conhecimento disponível, auxiliando os estudantes a
pensar e organizar seus próprios caminhos de
aprendizagem, ou seja, mediar.

Tentou-se, acima conceituar o que são estilos de aprendizagem,


diante disso, se entende que são diferentes maneiras de perceber e
processar as informações, sendo formas ou maneiras diferentes
como cada um dos indivíduos aprende, ou seja, não é o que se
aprende, mas, a forma como se comporta durante o processo de
aprendizagem.

Vários foram os modelos e teorias criadas acerca dos estilos de


aprendizagem, sendo propostas por educadores e psicólogos, em sua
maioria, contudo o eixo básico de tais teorias ou modelos partem do
seguinte: existem três caminhos perceptivos sendo estes: o visual, o
sinestésico e o auditivo. Neste momento vai se descrever as
principais teorias sobre estilos de aprendizagem, destaca-se as
seguintes: a de David Kolb; Myers e Briggs; e Felder e Silverman.

David Kolb, em 1976, elabora um instrumento chamado Inventário 183


de Estilos de Aprendizagem, com o objetivo de identificar o estilo de
aprendizagem preferencial dos estudantes. Em sua teoria de estilos
de aprendizagem existem duas dimensões: a percepção e
processamento da informação.

A combinação das duas dimensões origina quatro tipos de estilos de


aprendizagem: o Divergente (concreto e reflexivo) tendo como ponto
forte a imaginação, o Assimilador (abstrato e reflexivo) tendo como
ponto forte a criação de modelos teóricos através de um raciocínio
indutivo, o Convergente (concreto e reflexivo) sua aprendizagem se
dá a partir da aplicação de ideias à prática e o Acomodador (concreto
e ativo) que aprende melhor experimentando e executando aquilo
que é ensinado para melhor aprender. Acerca disso Barros (2008, p
3), expõe:

Ainda nos estudos sobre Kolb podemos destacar que o


ciclo de aprendizagem se organiza pela experiência
concreta, passando pela observação reflexiva, pela
conceitualização abstrata e, por fim, pela experimentação
ativa.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Kolb salienta que para um melhor aprendizado ou aprendizagem


significativa deve-se explorar os quatro estilos, apesar dos
aprendizes possuírem maior afinidade com um deles.

Myers e Briggs acreditam nos estilos de aprendizagem como reflexos


psicológicos, em sua teoria estabelecem quatro dimensões de estilos
de aprendizagem: orientação para a vida (extrovertidos e
introvertidos), percepção (sensoriais e intuitivos), julgamentos de
ideias (objetivos e subjetivos) e orientação para o mundo externo
(julgadores e perceptivos).

Estudantes extrovertidos focam no mundo externo,


experimentam as coisas e buscam interação em grupos,
enquanto introvertidos focam no mundo interno e das
ideias (sic), pensam sobre as coisas e preferem trabalhar
sozinhos.
Estudantes sensoriais são práticos, seu foco está
direcionado para os fatos e produtos. Mostram-se mais
confortáveis com a rotina. Já estudantes intuitivos são
imaginativos, seu foco está voltado para significados e
possibilidades. Preferem trabalhar mais em nível
184 conceitual. Mostram-se avessos à rotina.
Estudantes objetivos e com tendência a tomar decisões
baseadas na lógica e regras são denominados reflexivos.
Estudantes subjetivos e com tendência a tomar decisões
baseadas em considerações pessoais e humanísticas são
denominados sentimentais.
Julgadores são estudantes que preferem seguir agendas e
possuem ações planejadas e controladas; perceptivos são
estudantes que possuem ações espontâneas e procuram
adaptar-se de acordo com as circunstâncias. (ALMEIDA,
2010, p. 43, grifos da autora)

Felder e Silverman propõem sua teoria de estilos de aprendizagem a


partir de cinco dimensões: visual e verbal que estão relacionados à
captação da informação, onde os visuais a captam melhor vendo e os
verbais através de palavras faladas ou escritas. Os intuitivos e
sensoriais são as formas de perceber a informação, em que os
intuitivos possuem grande capacidade de interpretar textos e
símbolos com facilidade. Os indutivos e dedutivos, os primeiros
partem de ideias particulares a gerais, enquanto, os segundos
partem de leis gerais a particulares, ou seja, uns partem de
conhecimentos mais específicos para mais amplos, os outros partem
de conhecimentos gerais para atingir conhecimentos mais
POR UM OUTRO AMANHÃ

particulares. Os ativos e reflexivos, os ativos processam as


informações passadas executando atividades, experimentando para
melhor compreenderem e gostam de trabalhar em grupos, já os
reflexivos antes de experimentar algo precisam compreender,
demorando a iniciar atividades, onde acabam privilegiando a prática
de atividades individuais. Os sequenciais e globais, onde os
sequenciais aprendem os conteúdos de forma linear e os globais
analisando todo conteúdo exposto. A teoria proposta por Felder e
Silverman segundo Almeida (2010, p. 46):

Os estilos de aprendizagem são vistos como habilidades


capazes de serem desenvolvidas e, portanto, os
educadores devem elaborar aulas que explorem os estilos
de aprendizagem preferenciais dos estudantes, e que
possibilitem desenvolver também os estilos não
preferenciais.

Apresentou-se um conjunto variado de teorias de estilos de


aprendizagem, diante disso, compreendeu-se as diferenças e
aproximações das perspectivas descritas, contudo acredita-se que os
estilos de aprendizagem são formas de como cada um dos indivíduos
aprendem no processo de ensino e aprendizagem. 185
Simulação de prática pedagógica por meio da teoria de
estilos de aprendizagem na disciplina de História

Os estilos de aprendizagem podem contribuir e mudar o perfil da


disciplina de História, em que essa passa a ser uma disciplina ativa,
que compreende todos como participantes do processo histórico.

Antes de tudo, o trabalho com a teoria de estilos de aprendizagem


pode ser feito de forma simplificada, pois seu manuseio na prática
do cotidiano da sala de aula se torna menos complexa, sendo assim,
analisa-se apenas como melhor os aprendizes/educandos obtêm e
retêm as informações para transformá-las em conhecimento através:
do visual, do auditivo e do sinestésico.

O professor no início de seus trabalhos deve em primeiro lugar


explicar sua metodologia de trabalho em sala de aula, e que trabalha
a partir da teoria de estilos de aprendizagem, com isso, conceitua o
que vem a ser „estilos de aprendizagem‟, para em seguida aplicar o
teste de VAK que identifica quais os estilos de aprendizagem
predominam em cada um dos alunos.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Simula-se agora uma sala de aula de 8º ano do ensino fundamental,


onde o professor de história está trabalhando sobre a Idade Média.

O professor pode começar com uma aula expositiva dos principais


acontecimentos do processo histórico em questão, que vai dos
séculos V ao XV, em que pode utilizar no decorrer da aula figuras,
mapas e textos relativos ao período. Fazendo isso, este já está
trabalhando, a partir de seu diagnóstico, sobre o estilo de
aprendizagem de cada um dos alunos, ao menos duas formas: a
auditiva, que ocorre através de suas explicações e do diálogo que tem
com os alunos, e a visual através da apresentação de imagens por
meio das figuras e mapas.

Na segunda aula, o professor pode trabalhar com partes de um filme


que esteja relacionado com o assunto que é Idade Média, onde
indica-se o filme "Em Nome de Deus" (É um filme de 1988,
produzido na Inglaterra e na antiga Iugoslávia, com a direção de
Clive Donner, que narra à história de Abelardo e Heloísa), através
das partes selecionadas, os alunos deverão fazer um relatório acerca
dos aspectos enfocados nos trechos do filme, acerca do que foi
discutido em sala de aula, assim como, o que não foi discutido, mas
186 percebido por este ao visualizar e escutar, esta atividade pode ser
feita pelos alunos de forma individual. Nesse momento, mais uma
vez se contempla os estilos de aprendizagem visual e auditivo
utilizando a imagem cinematográfica como recurso didático auxiliar
na sala de aula.

Na terceira aula, busca-se contemplar o estilo sinestésico ou


desenvolvê-lo nos alunos que melhor se apropriam da informação a
partir de atividades corporais e táteis. Na aula divide-se a sala em
dois grupos. O primeiro fica encarregado de produzir uma dança
relativa ao período que será escolhida pelo professor para os alunos
desenvolverem, enquanto, o outro grupo fará uma dramatização das
relações sociais existentes durante o período medieval. A quarta e
quinta aulas serão para apresentação dos alunos acerca do que foi
proposto. A sexta aula, professor aplica uma avaliação para
compreender como os alunos se apropriaram da informação e se
com todos os mecanismos propostos através de todos os estilos de
aprendizagem trabalhados e contemplados estes puderam
transformá-la em conhecimento e melhor aprender.

Acima, tentou-se simular uma prática do ensino e aprendizagem de


história, onde na ação pedagógica se buscou contemplar todas as
formas perceptivas de como os alunos melhor obtêm e retêm as
POR UM OUTRO AMANHÃ

informações para transformá-las em conhecimentos, pois, dessa


forma, o objetivo era contemplar todos os estilos não privilegiando
apenas uma forma, mas, tentando aprimorar o estilo de
aprendizagem de cada um, e também desenvolver os outros estilos
do aprendiz.

Considerações finais

A teoria de estilos de aprendizagem pode contribuir no processo de


ensino e aprendizagem da disciplina de História, onde através do
auxílio dessas teorias na prática pedagógica de História, esta pode
ser ensinada de forma com que os alunos a relacionem com sua ação
cotidiana, tendo assim um aprendizado mais significativo.
Por fim, acredita-se que hoje em nossa prática pedagógica não se
deve somente ensinar os nossos alunos a aprender, e sim, deve-se é
aprender as várias formas como ensinar e entender como estes
melhor aprendem, e a teoria dos estilos de aprendizagem é uma
excelente ferramenta se bem aplicada, para desenvolvermos práticas
que norteiam tais condutas. O assunto não se esgota com esta breve
discussão, mas muito ainda deve ser pesquisado sobre o tema para
uma melhor prática educativa da disciplina História.
187
Referências

ALMEIDA, Karine Ribeiro de. Descrição e análise de diferentes tipos


de aprendizagem. Revista Interlocução, v.3, n.3, p.38-49,
publicação semestral, março-outubro/2010. Disponível em
http://www.senept.cefetmg.br/galerias/Arquivos_senept/anais/terc
a_tema1/TerxaTema1Artigo21.pdf. Acessado em: 10/09/2011.
BARROS, Daniela Melaré Vieira. A Teoria dos Estilos de
Aprendizagem: convergência com as tecnologias digitais. Revista
SER: Saber, Educação e Reflexão, Agudos/SP , v.1, n.2, Jul. -
Dez./ 2008. Disponível em
http://www.revistafaag.br-
web.com/revistas/index.php/ser/article/view/70.
Acessado em: 20/09/2011.
BARROS, Daniela Melaré Vieira (org.). Estilos de Aprendizagem e
Educação a Distância: Algumas Perguntas e Respostas?!. Revista
de Estilos de Aprendizagem, nº5, Vol. 5, abril de 2010.
Disponível em
http://www.uned.es/revistaestilosdeaprendizaje/numero_5/articul
os/lsr_5_articulo_9.pdf.
Acessado em: 23/09/2011.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

CATHÓLICO, Roberval Aparecido. Mediação da aprendizagem de


Feuerstein à luz dos estilos de aprendizagem de Felder. Revista
Eletrônica de Educação e Tecnologia do SENAI-SP, v.4, n.8,
mar. 2010. Disponível em
http://revistaeletronica.sp.senai.br/index.php/seer/article/view/117
Acessado em 25/09/2011.
CERQUEIRA, Teresa Cristina Siqueira. „O professor em sala de aula:
reflexão sobre os estilos de aprendizagem e a escuta sensível‟.
Revista de Psicologia. Vetor Editora, v. 7, nº 1, p. 29-38,
Jan./Jun. 2006.

188
POR UM OUTRO AMANHÃ

RECURSOS DIDÁTICOS UTILIZADOS NO ENSINO DE


HISTÓRIA: ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA HILDA DE
AZEVEDO TRIBUZY (ENSINO MÉDIO-EJA)

Daniel Rodrigues de Lima

Introdução

Os objetivos que nos propomos a atingir são os seguintes: Objetivo


geral: Analisar como os professores trabalham os recursos didáticos
no Ensino de História no Ensino Médio da Escola Estadual
Professora Hilda Tribuzy, em que temos como objetivos específicos:
Conceituar o que são recursos didáticos e quais suas finalidades no
ensino; Compreender qual a contribuição dos recursos didáticos na
produção e aquisição do conhecimento.

A pesquisa foi desenvolvida através de uma observação de campo,


onde analisamos as instalações da Escola Estadual Professora Hilda
de Azevedo Tribuzy, contudo não fomos autorizados assistir as aulas
para não atrapalharmos o desenvolvimento das mesmas, apesar 189
disso em nosso procedimento de análise qualitativa fizemos uma
entrevista aberta com a professora Sallime Assam Caldas dos Santos,
que nos foi de grande importância para desenvolvermos os
resultados da pesquisa.

O que são recursos didáticos: conceitos

Entendemos que os recursos didáticos são materiais que auxiliam os


professores no ensino, e ajudam os alunos na aprendizagem, estes
são de extrema importância na aquisição e mediação de
conhecimentos. Segundo Circe Bittencourt (2008):

Uma concepção mais ampla e atual parte do princípio de


que os materiais didáticos são mediadores do processo
de aquisição do conhecimento, bem como facilitadores
de apreensão de conceitos, do domínio de informações e
de uma linguagem especifica de cada área - no nosso
caso, da História. (BITTENCOURT, 2008, p. 296)

Vários são os recursos e materiais didáticos que podem ser utilizados


no ensino de História no Ensino Médio, onde o professor pode
utilizar além do livro didático e do quadro, outros recursos como
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

vídeo, televisão, rádio, retroprojetor, computadores, além de visitas


técnicas e a partir destas produzir materiais que possam ser
elementos de apoio na construção do conhecimento, em que a
participação dos alunos é fundamental, pois estes também podem e
devem produzir recursos didáticos, mostrando com isso domínio do
conhecimento em aprendizado.

Diante disso, Sheila Ferreira nos orienta sobre como alunos podem e
devem usar e manusear tais recursos didáticos, onde segundo a
autora:

Nossa preocupação é observar se os alunos também


constroem e utilizam os recursos didáticos uma vez que
são aspectos que nos chamaram a atenção na
necessidade deles manipularem os instrumentos e as
ferramentas com os quais desenvolvem as suas
aprendizagens. Os recursos podem estar na escola ou
fora dela. Estes só podem ser usados se levamos o aluno
até eles, no local em que se encontram. Os recursos de
ensino levam os alunos a observar e prestar mais atenção
e permiti-lhes distinguir melhor as coisas. Podem
190 mostrar a forma, a sequência de fenómenos, à posição, o
tamanho, a estrutura, o funcionamento de
equipamentos, o movimento. Facilitam o
reconhecimento de semelhanças e diferenças: de
animais, de plantas, de sexos, de insetos, de objetos.
(FERREIRA, 2009, p.25)

Além disso, acreditamos que a utilização dos mais variados recursos


didáticos no ensino da História no ensino Médio deve ir de acordo
com as concepções teóricas e metodológicas que permeiam a prática
do docente, onde este deve ter um conhecimento prévio de como
usar e manusear tais recursos. Onde se pode afirmar:

A escolha dos materiais depende, portanto, de nossas


concepções sobre conhecimento, de como o aluno vai
apreendê-lo e do tipo de formação que lhe estamos
oferecendo. O método para a utilização dos diversos
materiais didáticos decorre de concepções e não pode ser
confundido com o simples domínio de determinadas
técnicas para a obtenção de resultados satisfatórios.
(BITTENCOURT, 2008, p. 299)
POR UM OUTRO AMANHÃ

Acreditamos que os recursos didáticos são materiais elaborados


previamente que tem como principal objetivo dar apoio aos
professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem, onde
tem como busca e finalidade a dinamização da prática educativa,
proporcionado aulas mais atrativas e menos enfadonhas, e com isso,
um melhor aproveitamento dos conteúdos ensinados e trabalhados
pelo professor em sala de aula, além de um processo de ensino
aprendizagem mais significativo.

Recursos didáticos utilizados no ensino de história: escola


estadual professora Hilda de Azevedo Tribuzy (ensino
médio-eja): entrevista com a professora de nível
fundamental e médio (eja), Sallime Assam Caldas dos
Santos

A Escola Estadual Professora Hilda de Azevedo Tribuzy, fica


localizada na av. Noel Nutels s/n°, no Bairro da Cidade Nova I, zona
norte da cidade de Manaus. A Escola estadual Professora Hilda de
Azevedo Tribuzy oferta o ensino médio apenas na modalidade de
Educação de Jovens e Adultos (EJA), sendo que a entrevistada é
professora de História de uma destas turmas.
191
A entrevista que dá suporte à nossas observações foi feita em seis de
junho com a professora Sallime Assam Caldas dos Santos, que nos
forneceu muitas informações e esclarecimentos sobre o uso dos
recursos didáticos no ensino médio da Escola Estadual Professora
Hilda de Azevedo Tribuzy, onde o conteúdo da entrevista está
gravada em áudio.

A professora Sallime Assam Caldas dos Santos é formada em


História pelo Centro Universitário do Norte (UNINORTE), onde teve
como trabalho de conclusão de curso (TCC) um artigo intitulado: "A
Importância da Identidade Regional no Ensino de História do
Amazonas (1995-1996)", é professora concursada da SEDUC, e atua
na Escola Estadual professora Hilda de Azevedo Tribuzy, desde
2011, sendo professora de História dos níveis fundamental e médio
(EJA).

A entrevista foi aberta que contou com as seguintes perguntas: 1)


Quais os recursos didáticos que a escola dispõe? 2) Qual a função
dos recursos didáticos no processo de ensino aprendizagem da
disciplina História no ensino médio? 3) Qual a relação dos recursos
didáticos utilizados e a formação docente do professor? 4) Como os
materiais didáticos ajudam aos alunos no processo de ensino
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

aprendizagem? E estes recursos didáticos permitem a interação e a


participação dos alunos na construção, partilha e à consolidação de
novos conhecimentos? 5) A utilização dos diferentes recursos
didáticos permite a compreensão global dos conteúdos
programáticos?

A primeira pergunta que fizemos foi sobre quais e recursos didáticos


a escola possui, onde segundo Santos:

A Escola dispõe de salas bem preparadas e bem


equipadas com mídias, no momento a Escola tem cinco
retroprojetores, e cada professor tem seu notebook,
quando há necessidade de ir para (sala da) Tv Escola o
professor se desloca com os alunos, onde a Olívia que é
responsável pela mídia já deixa tudo montado, ou então,
se trabalha dentro da sala de aula com os alunos, sendo
mais prático trabalhar dentro da sala de aula com a
mídia montada do que levando os alunos para (sala da)
Tv Escola, pois são muitos alunos e muitas vezes a Tv
Escola não comporta todos estes. (SANTOS entrevista
em 6 de junho de 2012).
192
Analisando o que diz a professora vemos que a escola estadual
professora Hilda de Azevedo Tribuzy, possui vários recursos
didáticos, onde os professores utilizam os computadores e
retroprojetores em especial para serem recursos auxiliares ao
processo de ensino, além de possuir uma sala com tv e vídeo com
muitos materiais didáticos disponíveis, através da Tv Escola.

A segunda indagação que fizemos foi "Qual a função dos recursos


didáticos no processo de ensino aprendizagem da disciplina História
no ensino médio?", onde Santos nos responde:

Depende do recurso que se vai utilizar e acredito ainda


que para boa formação que nós queremos para nossos
alunos como bons cidadãos, pessoas críticas e analíticas,
depende de como você vai utilizar essa mídia e ou
material didático, porque também, você tem que saber
qual objetivo se quer atingir e saber qual ensino se quer
que os alunos aprendam, pois não devemos apenas nos
prender a parafernálias tecnológicas, pois estas por si só
não trazem o conhecimento, e sim, contribuem a difusão
da informação, então o que se tem que ter em mente é
que para utilizar determinados recursos didáticos
POR UM OUTRO AMANHÃ

devemos já ter os objetivos traçados com o que queremos


com o ensino. (SANTOS entrevista em 6 de junho de
2012).

Entendemos pelas palavras da professora que não basta apenas às


escolas serem bem equipadas com os mais variados recursos
didáticos, se não soubermos quais finalidades e objetivos que
queremos com o ensino, pois no dizer de Santos, não adianta ter
apenas as "parafernálias tecnológicas" se não temos um objetivo
traçado com o que o queremos ensinar e o que os alunos precisam
aprender, ou seja, para utilização de quaisquer dos recursos
didáticos que estão a nossa disposição devemos ter compromisso
com a educação de qualidade e comprometida com a formação de
um cidadão crítico e reflexivo para o viver em sociedade. Onde a
interação entre professores e alunos é de fundamental importância
para a produção e aquisição dos conhecimentos que estão em estado
de informação e que estes passem a ser significativos, ou seja, que
estejam interligados a sua vida cotidiana. Sendo dessa forma os
recursos didáticos bastante importantes desde que os professores os
utilizem de maneira eficiente e eficaz.

Nossa entrevista segue, e perguntamos: "Qual a relação dos recursos 193


didáticos utilizados e a formação docente do professor?", onde de
acordo com Santos:

Bom, a minha experiência na faculdade, acredito que foi


boa. Porque me deu um suporte a mais, até porque a
minha geração é mais antiga, então com essa Nova
História já veio a aguçar em mim a forma de trabalhar
diferente, e dentro da sala de aula, procuro trabalhar
diferente do que quando aprendi no ensino médio, não
sendo apenas aquela aula que o professor fala e os alunos
ficam sempre ouvindo, o que deve ocorrer é uma troca de
informações, onde deixo os alunos exporem suas ideias,
procurando tirar proveito das informações que eles
trazem de seu cotidiano, e com isso trabalhar um
determinado conteúdo, administrando de forma
proveitosa à sala de aula. (SANTOS entrevista em 6 de
junho de 2012).

O objetivo de nossa pergunta foi de identificar qual a concepção


pedagógica e historiográfica da professora, e com a resposta que nos
foi dada, entendemos que a utilização dos diversos recursos
didáticos no ensino da disciplina de História está fortemente ligada a
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

uma pedagogia critico social reflexiva e a corrente historiográfica


denominada Nova História, onde fica claro que a formação da
professora foi de suma importância para sua prática docente, pois se
assim não ocorresse esta utilizaria o método tradicional de aula
expositiva, livro didático e quadro negro, onde o professor é o
detentor total do conhecimento e o aluno um ser passivo no processo
sendo apenas um receptáculo de informações.

O próximo questionamento que propomos foi: "Como os materiais


didáticos ajudam aos alunos no processo de ensino aprendizagem? E
estes recursos didáticos permitem a interação e a participação dos
alunos na construção, partilha e à consolidação de novos
conhecimentos?". Diante disso temos:

Mais uma vez, digo que depende muito do professor. Ele


tem que levar e fazer o aluno enxergar além dos livros
didáticos, possibilitando o ensino e aprendizagem
através de jornais, revistas, mapas e entre outros meios,
onde tem que valorizar os recursos didáticos. [...] O
professor tem que dar suportes para que eles (alunos)
façam mais, através de pesquisas e leituras para não
194 ficarem presos só naquela informação contida nos livros,
e com isso as informações pesquisadas e estudadas
transformarem-se em conhecimento (SANTOS entrevista
em 6 de junho de 2012).

O papel do professor como mediador no processo de ensino


aprendizagem é de extrema importância, pois deve selecionar os
recursos didáticos de acordo com os conteúdos a serem trabalhados,
onde estes recursos devem ser auxiliares e complementares do livro
didático, aonde dessa forma e com o instigamento dos alunos a
pesquisas que vão além do que está nos livros e estes mesmos
produzindo seus próprios recursos didáticos como mapas, cartazes e
entre outros podem construir, partilhar e consolidar os
conhecimentos apreendidos.

Como última discussão temos: "A utilização dos diferentes recursos


didáticos permite a compreensão global dos conteúdos
programáticos?", em que Santos nos informa:

Às vezes, mas nem sempre, contudo sabendo trabalhar


colabora [...] Por exemplo, resolvi passar um filme sobre
'Tiradentes', ai assisti ao filme antes e verifiquei que
aquele filme não era o que queria passar para eles
POR UM OUTRO AMANHÃ

(alunos), não era a informação que eu queria que eles


entendessem, então fui procurar outros meios, propondo
pesquisas para eles [...] o professor tem que ir para sala
de aula com embasamento, tem que ter domínio do
conteúdo, e tem que ter seus objetivos, porque a partir do
momento que ele não sabe se programar e preparar sua
aula as coisas complicam, ele (professor) tem que fazer a
leitura, fazer a pesquisa, tem que planejar. Senão, podem
ter as parafernálias eletrônicas e os mais diversos
materiais didáticos que tiverem, contudo se o professor
não possuir domínio dos conhecimentos a serem
ensinados e não souber manusear os recursos didáticos à
sua disposição, não adianta muita coisa. (SANTOS
entrevista em 6 de junho de 2012)

O papel do professor é mais uma vez salientado, pois este como


mediador dos recursos didáticos e do ensino, deve sempre estar
preparado sabendo e tendo domínio dos conteúdos, pois estes são de
fundamental importância para um bom desenvolvimento das aulas,
pois os recursos didáticos não são instrumentos que substituem
aulas e professores, mas são antes de tudo meios para dinamizar,
colaborar, auxiliar e facilitar a aquisição e apreensão de 195
conhecimentos no processo de ensino aprendizagem

Considerações finais

Acreditamos que conseguimos atingir os objetivos que nos


propomos no início do trabalho, e com isso desenvolvemos uma boa
contribuição à compreensão de como os recursos didáticos são
trabalhados no ensino da disciplina História em nível médio.
Conceituamos o que são recursos didáticos, e descobrimos que são
materiais que auxiliam professores e alunos no processo de ensino
aprendizagem, podendo estes ser: livros de didáticos, filmes,
revistas, jornais, cartazes, computadores com seus mais variados
tipos de mídias, retroprojetores e entre outros.

Além disso, passamos a entender que os recursos didáticos são


importantes, pois ajudam a dinamizar as aulas, deixando estas mais
atrativas, onde cabe ao professor buscar mecanismos e saber
manusear tais recursos, para podermos ter um aprendizado mais
significativo, ou seja, um aprendizado que sirva ao aluno em seu
processo de viver cotidianamente.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Observamos ainda, como os recursos didáticos são importantes para


a aquisição, retenção e produção dos conhecimentos, onde a
professora da escola estadual professora Hilda de Azevedo Tribuzy, a
senhora Sallime Assam Caldas dos Santos, enfatiza o papel
primordial do professor no manuseio de tais recursos didáticos, não
como substituto de aulas ou do professor, mas, como mais um meio
para se atingir uma educação preocupada com a formação de
sujeitos críticos e reflexivos que se entendam como agentes
histórico-sociais.

Por fim, acreditamos que ainda há muito a se fazer, com o objetivo


de compreendermos como os recursos didáticos auxiliam e são
usados no ensino de História no nível médio, porém, por hora,
entendemos que estes contribuem e devem ser mais bem utilizados
pelos professores possibilitando aulas mais prazerosas e dinâmicas
aos seus alunos, e com isso, melhorando o nível de aprendizagem e
aquisição de conhecimentos.

Referências

BITTENCOURT, Circe. Ensino de história: fundamentos e


196 métodos. São Paulo: Cortez, 2008.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio:
Bases Legais. Brasília: MEC/SEED, 2000. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf.
Acessado em: 22 de abril de 2012.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio:
Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEED,
2000. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/cienciah.pdf. Acessado
em 23 de abril de 2012.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), n°
9.394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.
pdf. Acessado em: 21 de abril de 2012.
FERREIRA, Sheila Margarido Moreno. Os recursos didácticos
no processo de ensino-aprendizagem: Estudo de caso da
Escola Secundária Cónego Jacinto. 2007. Disponível em:
http://www.portaldoconhecimento.gov.cv/handle/10961/1359.
Acessado em: 24 de abril de 2012.
SANTOS, Sallime Assam Caldas dos. Entrevista concedida pela
professora da escola Estadual Hilda Tribuzi. Manaus, 06 de junho de
2012.
POR UM OUTRO AMANHÃ

O DISTANCIAMENTO ENTRE A EDUCAÇÃO INTEGRAL E


ENSINO TÉCNICO NO MODELO ADOTADO PELOS
INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO

Danyllo Di Giorgio Martins da Mota

Introdução

Este texto é o resultado parcial do trabalho de pesquisa desenvolvido


no Instituto Federal de Goiás, Campus Aparecida, pelo grupo de
bolsistas do PIBID da Licenciatura em História do IFG, Campus
Goiânia. O objetivo inicial do projeto era mapear as avaliações dos
alunos sobre o modelo de ensino oferecido pela instituição como
forma de construir uma reflexão sobre a efetivação das propostas
pedagógicas dos cursos. Ao longo do trabalho de analise de
documentos sobre o Ensino Técnico Integrado ao Médio em Tempo
Integral (legislação federal e regulamentações específicas da
Instituição) e das intervenções (entrevistas com alunos e aplicação
de questionários e formulários) identificamos a disparidade entre as
propostas de formação e a efetivação deste processo que busca 197
associar educação integral e formação para o trabalho.

Ensino em tempo integral e Educação Integral

Quando analisamos o modelo de ensino implementado na Rede


Federal de Ensino Tecnológico a partir de 2008, quando os antigos
CEFET's foram transformados nos atuais Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia, podemos perceber o quanto a
relação entre Educação e Mercado de Trabalho é estreitada. O
processo de expansão dessa rede federal teve como principal
objetivo a ampliação do número de alunos formados no nível técnico
a partir de uma avaliação do MEC (MOURA, 2007) de que havia
uma quantidade excessiva de formados em cursos superiores,
enquanto a maior necessidade do mercado era de profissionais com
formação técnica de nível médio.

Somada a essa necessidade do mercado identificada pelos


especialistas do MEC temos a implantação do modelo de Ensino em
Tempo Integral. Este modelo de ensino que tornou-se na última
década a bandeira de diversas correntes políticas sendo apontada
como solução para os graves problemas da Educação é identificado
nos documentos do MEC como uma forma de ampliar o tempo do
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

aluno em sala de aula e, assim, a quantidade de conteúdos


ministrados e, ao mesmo tempo, afastar os alunos com maiores
riscos sociais das ruas durante em um período mais extenso do dia
(MOURA, 2007).

O elemento principal que aproxima essas duas idéias é sua


destinação para a população mais pobre. Temos assim a primeira
das contradições presentes na formulação deste modelo de ensino,
pois, ainda que apontada como uma forma de aumentar as
possibilidades de ascensão social baseada na ideia de inclusão, o
modelo traz em si um aspecto de exclusão. Ele distorce a noção de
educação igualitária ao definir uma função específica - o trabalho
técnico - para os grupos da sociedade considerados mais
vulneráveis. Isso, contraditoriamente, pode limitar suas
possibilidades de ascensão social.

Outra ideia que encontra-se distorcida nas definições deste modelo


de ensino é a de Educação Integral. Helen Ferreira e Dilys Rees
(2015), discutindo a implantação do ensino em tempo integral na
Rede Municipal de Ensino de Goiânia, apontam as confusões entre
este conceito e a noção de Ensino em tempo integral também
198 perceptível nos documentos referentes ao modelo oferecido pelos
Institutos Federais.

A ideia de Educação integral está ligada á formação ampla do


educando, visando as várias áreas da vida (cognitiva, psicológica,
emocional, física, corporal etc.). Essa ideia também aparece nos
PPCs dos cursos técnicos em tempo integral do IFG Aparecida como
sinônimo de Educação em Tempo Integral. Contudo, é possível
perceber a partir da análise das matrizes curriculares dos cursos
técnicos oferecidos no campus (Técnicos em Química, Agroindústria
e Edificações) que a possibilidade de uma Educação Integral
encontra-se bastante distante dos alunos. A excessiva carga horária
(os alunos tem aulas de segunda à quinta feira das 7:30 às 17:10
horas com intervalo de almoço entre 12:10 e 14:05 horas, e na sexta
tem aulas das 7:30 às 12:10 horas), o grande número de disciplinas
técnicas que em alguns casos se sobrepõem (trabalham conteúdos
muito parecidos), a carga reduzida de aulas nas áreas propedêuticas
(contraditoriamente há uma grande expectativa em torno da
aprovação em Vestibulares e por boas avaliações no Enem), a falta
de instalações adequadas para a permanência dos alunos na escola
durante o dia inteiro (não há restaurante e as instalações do
refeitório não foram concluídas, não há quadra de esportes, nem
espaço para descanso etc.).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Com todos estes aspectos identificados no Instituto Federal de


Goiás, Campus Aparecida de Goiânia, mas que podem ser
encontrados em muitos dos campi implantados no processo de
expansão da Rede Federal de Ensino Tecnológico, podemos afirmar
que a atual estrutura e organização do modelo de ensino técnico em
tempo integral não é capaz de garantir uma Educação Integral para
os alunos. A formação é extremamente dificultada pelos obstáculos
encontrados na estrutura inadequada e na limitação dos debates
desenvolvidos ao longo do Ensino Médio que afunila em excesso a
formação do aluno para áreas do conhecimento cada vez mais
específicas dificultando a percepção global do mundo e as relações
entre os vários conhecimentos pelos alunos.

Considerações provisórias

O que podemos afirmar como conclusão provisória deste trabalho de


pesquisa é que a própria definição de ensino técnico já estabelece
uma limitação para a noção Educação Integral. A despeito de
correntes teóricas que buscam conjugar essas duas idéias apontando
a formação para o trabalho como caminho eficaz de formação do
aluno também para outras áreas da vida, a análise da prática do 199
processo de ensino mostra que o ensino técnico no formato atual
presente nos Institutos Federais é um limitador para a formação
integral.

Essa limitação é fruto da ligação demasiadamente próxima das


instituições de ensino e dos órgãos reguladores com os entes ligados
ao Mercado. Como indicado por Antônio Sérgio Gonçalves (2006:
05), a Educação integral seria uma forma de se contrapor à "lógica
perversa do mercado" que impõe a lei do poder econômico para as
melhores ofertas de educação. Contudo, no ensino técnico, essa
lógica do mercado é que governa as ofertas de ensino em tempo
integral ou mesmo as definições de educação integral, já que estas
estão voltadas para o atendimento das necessidades do próprio
Mercado.

Referências

FERREIRA, Helen Betane; REES, Dilys Karen. Educação Integral


e Escola de Tempo Integral em Goiânia. Educação e
Realidade. Porto Alegre, volume 40, número 1, p. 229 - 251,
jan/mar. 2015. Disponível em http://www.ufrgs.br/edu_realidade.
Acessado em 04 de agosto de 2015.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

GONÇALVES, Antônio Sérgio. Reflexões sobre Educação Integral e


Escola de Tempo Integral. Cadernos Cenpec. n.º 2 - Educação
Integral - 2º semestre 2006. Disponível em
www.nexusassessoria.com.br. Acessado em 01 de setembro de 2015.
GUIMARÃES, Gilda et al. Projeto Pedagógico do Curso
Técnico em Agroindústria Integrado ao Ensino Médio em
Tempo Integral. Aparecida de Goiânia: IFG, 2014. Disponível
em www.ifg.edu.br. Acessado em 01 de junho de 2015.
GUIMARÃES, Gilda et al. Projeto Pedagógico do Curso
Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio.
Aparecida de Goiânia: IFG, 2014. Disponível em www.ifg.edu.br.
Acessado em 01 de junho de 2015.
GUIMARÃES, Gilda et al. Projeto Pedagógico do Curso
Técnico em Química Integrado ao Ensino Médio. Aparecida
de Goiânia: IFG, 2014. Disponível em www.ifg.edu.br. Acessado em
01 de junho de 2015.
MEC - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Educação Profissional:
Legislação Básica. Disponível em: www.mec.gov.br. Acessado em
27 de maio de 2015.
MOURA, Dante Henrique (Coord.). Educação Profissional
Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio:
200 documento base. Brasília: MEC, 2007.
POR UM OUTRO AMANHÃ

OS CAMINHOS DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA NA


EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Daniele Cristina Frediani

Quando se pensa na história da disciplina de História,


uma primeira questão que se faz necessária a se discutir,
ao menos de forma sucinta, é a história das disciplinas
escolares. A definição utilizada atualmente define como
disciplina escolar o conjunto de conhecimentos
identificados por um título ou rubrica e dotado de
identificação própria para o estudo escolar, com
finalidades específicas ao conteúdo de que trata formas
próprias para sua apresentação (FONSECA, 2006, p.15).

História da Disciplina de História

O ensino de História no Brasil ficou direcionado por um longo


tempo a uma formação política e cristã da sociedade. "A História
ensinada era uma História Civil articulada a História Sagrada, 201
aprendia-se a moral cristã e o conhecimento histórico era utilizado
como catequese" (PCN História,1997. p.19). Afirmando essa
pragmática Circe Bittencourt (2004) relata que

desde o início da organização do sistema escolar ,a


proposta de ensino de Historia voltava-se para uma
formação moral e cívica ,condição que se acentuou no
decorrer dos séculos XIX e XX .Os conteúdos passaram
a ser elaborados para construir uma idéia de nação
associada à de pátria, integradas como eixos
indissolúveis.(BITTENCOURT.p.61,2004).

No Período Regencial Brasileiro (1831-1840), momento de grande


efervescência política, devido a movimentos separatistas, usou-se o
Ensino de História para construir uma suposta "identidade
nacional". Para este intento, foi criado em 1838, o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), sob a incumbência de
imperador D. Pedro II, o instituto previa uma homogeneização de
um passado nacional com ênfase nos grandes feitos da monarquia e
desvelo a História Europeia. O IHGB assumiu a premissa de
escrever a história oficial do País.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Neste mesmo momento histórico e sob influencia do IHGB, o Ensino


de História passou a se configurar como uma disciplina específica do
ensino secundário, sendo ministrado no Colégio Pedro II, que era
considerado público, mas era pago e voltado às elites.

A História do Brasil só foi introduzida no ensino secundário após


1855. Foram desenvolvidos programas para as escolas elementares,
mas mantendo a História Sagrada e também a História Nacional.

No final da década de 1970, foram elaboradas reformulações no


currículo, que visavam retirar a História Sagrada e criar apenas uma
História Profana, já que estavam surgindo discussões como: o fim da
escravidão, debates sobre o ensino laico, a transição do Império para
a República, e a proposta de separação do Estado da Igreja. A
História do Brasil seguia o modelo da História Sagrada com as ações
dos Santos e dos Heróis que construíram a nação.

"Os programas de História do Brasil seguiam o modelo


consagrado pela História Sagrada, substituindo as
narrativas morais sobre a vida dos santos por ações
históricas realizadas pelos heróis considerados
202 construtores da nação especialmente governantes e
clérigos." (PCN de História, 1997. p.20).

Percebe-se que o Ensino de História era somente através de


memorização e repetição oral dos textos escritos, com materiais
escassos, predominando apenas a fala do professor, transmitindo os
conhecimentos dos livros como algo único e acabado, sem nada a
acrescentar.

Através de algumas mudanças que ocorreram no final do século XIX,


a implantação da República, a abolição da escravatura e a vinda de
imigrantes para o nosso país, o Ensino de História sofreu algumas
modificações, buscaram-se novos meios de ensino para uma possível
transformação do país.

"No plano do currículo, os embates e disputas sobre a


reelaboração de determinados conteúdos foram
essenciais para a definição das disciplinas escolares,
dividindo aqueles que o desejavam baseados em
disciplinas mais científicas, portanto, mais técnicas e
práticas, adequadas à modernização, e aqueles que
defendiam as disciplinas literárias, entendidas como
formadoras do espírito.(...) A História passou a ocupar
POR UM OUTRO AMANHÃ

no currículo um duplo papel: o civilizatório e o


patriótico, formando, ao lado da Geografia e da Língua
Pátria, o tripé da nacionalidade, cuja missão na escola
elementar seria o de modelar um novo tipo de
trabalhador: o cidadão patriótico." (PCN,1997.p.20)

Em 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública


e a reforma do ministro Francisco Campos, acentuou-se o poder
central do Estado e do controle sobre o ensino, havia um único
modelo de Ensino de História para todo o país, com ênfase ao estudo
de História Geral. A educação estava sofrendo grande influencia do
movimento escolanovista, e discutia-se neste momento, a
implantação dos Estudos Sociais no currículo escolar em
substituição à História e à Geografia.

Com processo de industrialização e urbanização houve novas


questões para o Ensino, preocupava-se com a inclusão dos povos
brasileiros na História. Alguns historiadores procuravam identificar
as causas de nosso atraso econômico, enquanto outros apontavam
para a necessidade de se buscar conhecer a identidade nacional,
integrando as três raças formadoras do país.
203
"Nessa perspectiva, o povo brasileiro era formado por
brancos descendentes de portugueses, índios e negros, e,
a partir dessa tríade, por mestiços, compondo conjuntos
harmônicos de convivência dentro de uma sociedade
multirracial e sem conflitos, cada qual colaborando com
seu trabalho para a grandeza e riqueza do País." (PCN,
2007.p. 21)

Após a Segunda Guerra Mundial, ocorreram muitas lutas referentes


ao Ensino de História, e também um grande avanço dos Estudos
Sociais. "Podem-se identificar dois momentos significativos nesse
processo: o primeiro ocorreu no contexto da democratização do País
com o fim da ditadura Vargas e o segundo durante o governo
militar." (PCN, 2007. p.22)

A História passou a ser considerada uma disciplina de extrema


importância para a formação da cidadania. Começou, então, a
apresentar-se conteúdos mais humanísticos e pacifistas, e também
um imenso cuidado na organização curricular e na produção de
materiais didáticos.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

(...) A Unesco passou a interferir na elaboração de livros


escolares e nas propostas curriculares, indicando
possíveis perigos na ênfase dada às histórias de guerras,
no modo de apresentar a história nacional e nas questões
raciais, em especial na disseminação de idéias racistas e
preconceituosas." (PCN, p.22)

Havia uma grande necessidade do Ensino de História trabalhar


tanto os processos econômicos como os avanços tecnológicos e
culturais do país, e com isso as disciplinas de História e Geografia
passaram a dar mais espaço para os Estudos Sociais.

A partir da lei n° 5692/71, durante o Governo Militar, a História e a


Geografia são definitivamente substituída pelos Estudos Sociais ,
houve então a aplicação dessa disciplina ao lado da Moral e Cívica e
com estudos históricos e geográficos.

Nesse período houve muitas mudanças, tanto no Currículo como nos


métodos de ensino, as propostas metodológicas relatavam que os
estudos sobre a sociedade deveriam estar vinculados aos estágios de
desenvolvimento psicológico do aluno, iniciava-se o estudo do mais
204 próximo, a comunidade ou o bairro, indo sucessivamente ao mais
distante, o município, o estado, o país e o mundo; a história do
mundo, por exemplo, não era ensinada na Escola Primária.
Podemos citar também o ensino obrigatório de oito anos da escola
de Primeiro Grau; o fim do exame de admissão, a criação das
licenciaturas curtas, como exemplos dessas mudanças que
ocorreram nesse período.

A partir da década de 80, iniciou-se o processo de redemocratização


do país, onde os conhecimentos passaram a ser questionados,
ocorrendo algumas reformas curriculares. As reformulações datadas
entre 1985 e 1995 revelam que os Estados de Minas Gerais, Paraná,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e São Paulo, decidiram por extinguir os Estudos Sociais,
apresentando propostas especificas para as disciplinas de História e
Geografia.

As escolas apresentavam uma nova realidade, com uma nova


clientela de alunos de diversas classes sociais. Alguns faziam parte
do processo de migração do campo para a cidade, e estavam
rodeados de novas tecnologias. Essas eram algumas das mudanças
que não poderiam ser ignoradas.
POR UM OUTRO AMANHÃ

As propostas curriculares passaram a ser influenciadas por diversas


tendências historiográficas como a História Cultural, Social e do
Cotidiano.

Os historiadores voltaram-se para a abordagem de novas


problemáticas e temáticas de estudo, sensibilizando por questões
ligadas à História Social,Cultural e do Cotidiano, sugerindo
possibilidades de rever no Ensino Fundamental o formalismo da
abordagem histórica tradicional. (PCN, 2007.p. 24)

Os currículos de História foram sendo analisados e desenvolvidos de


acordo com a clientela a ser atendida, os conteúdos foram ampliados
a partir das escolas de Educação Infantil e dos primeiros anos do
Ensino Fundamental. Obtiveram-se novas formas de trabalhar a
disciplina de História, enquanto uns optaram pela forma
cronológica, outros preferiram temas (eixos temáticos).

Referências

BRASIL. Lei n°5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa as Diretrizes e


Bases da Educação Nacional.
Disponível em: http://www.prolei.inep.gov.br Acesso em 16 de 205
novembro de 2014.
BITTENCOURT, Circe M. Fernandes. Ensino de História:
fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
FONSECA, Thaís Nivea de Lima. História e Ensino de História-
2ª ed, 1ªreimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
Parâmetros Curriculares Nacionais - História e Geografia.
Brasília: MEC, SEF, v. 5,1997.
_____. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: História. 5ª a 8ª séries. Brasília:
MEC/SEF, 1998.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

CICLO X PERÍODO: A DISCIPLINA 'ESTUDOS


AMAZÔNICOS' ENTRE DUAS PROPOSTAS
CURRICULARES

Davison Hugo Rocha Alves

Esta comunicação é fruto do meu projeto de pesquisa de mestrado


realizado na UERJ, tendo como finalidade estudar a consolidação no
Pará durante os anos 1990 de uma proposta regional para a escola. A
partir da história da disciplina 'Estudos Amazônicos' há um
confronto de narrativas sobre o que contar a respeito da Amazônia,
isto fica claro quando observamos a formação dos professores
acadêmicos que elaboraram os manuais didáticos dos anos 1990. Os
manuais didáticos que foram analisados por esta pesquisa foram de
dois professores pesquisadores sobre a Amazônia, Violeta Loureiro
(2000) e Gerard Prost (1998).

Os debates na Secretaria de Educação do Estado do Pará e a


elaboração da disciplina Estudos Amazônicos, começaram a ser
206 discutido em 1987, quando esta secretaria organizou um evento em
Belém voltado para os professores da rede estadual, neste encontro
os professores ressentiam-se da falta de material didático, que
dialogasse com temas amazônicos para a escola. Neste sentido a
SEDUC em parceria com o IDESP (Instituto de Desenvolvimento
Econômico-social do Pará), publicou uma coletânea de textos
voltados para os professores da rede estadual, que discutisse alguns
acontecimentos recentes na região amazônica, processos sociais que
até então eram silenciados no espaço escolar.

A importância de construir novos caminhos para a História regional


criando este livro-texto, e posteriormente uma disciplina regional
parte da perspectiva de compreender a realidade atual da região
amazônica, tentando fazer uma aproximação entre a experiência dos
novos sujeitos sociais que surgem na região amazônica e qual a sua
interação neste espaço. Com a intenção de que a Amazônia, não seja
só mais um capítulo dentro dos livros didáticos que estude as regiões
brasileiras, mas que evidenciam os problemas sociais percebemos
que esta era uma crítica presente nos discursos dos professores. O
que acontecia com os livros de geografia dos anos 90, que no ensino
fundamental tem em sua proposta curricular estudar as regiões
brasileiras, conteúdo a ser ministrado para o 7º ano (antiga 6ª
série).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Nesta pesquisa estamos trabalhando com dois grupos de


professores/autores de livros didáticos regionais no Estado do Pará,
de um lado estão os professores acadêmicos que chancelam a autoria
dos dois livros didáticos e de outro os professores de História da
rede estadual de educação que não estavam na academia, mas em
sala de aula, colaborando com a escrita e a pesquisa do livro didático
tendo que ensino e pesquisa para poderem construir seja em
pesquisas no Arquivo Público do Estado do Pará (APEP) e no Museu
Paraense Emílio Goeldi (MPEG) fontes primárias para a elaboração
do livro didático regional, no entanto, neste mesmo grupo de
professores havia os que foram cedidos para a Secretaria Estadual de
Educação como foi o caso dos professores Maria de Fátima Oliveira e
William Junior na função de técnicos pedagógicos, outro como o
professor Ribamar de Oliveira e da professora Edilena Barbosa que
continuaram em sala de aula, mas que também colaboraram com a
escrita do livro.

O que mobiliza os professores acadêmicos e não acadêmicos que


participaram da construção destes manuais didáticos e da disciplina
regional a pensar esta disciplina criada no Pará, são as recentes
transformações pelo qual passou a região amazônica, portanto, era 207
necessário debater essa nova configuração sócia espacial da
Amazônia nas escolas. Havia uma preocupação em construir uma
nova relação no espaço escolar que dialogasse com as questões
regionais sobre a relação passado-presente, há uma necessidade que
fosse privilegiada a região amazônica a partir de suas
transformações sociais que ocorreram logo após a abertura da
Belém-Brasília e a ocupação de determinados espaços com a
construção de rodovias.

A concepção de História da região amazônica diferenciava-se de uma


História do Pará, consolidada nos livros didáticos lançados no Pará
durante o século XX, percebemos que os professores do Pará
apresentam como concepção de estudo para os chamados "Estudos
Amazônicos" uma narrativa que dialoga com algumas questões
regionais, com o modelo de desenvolvimento, com os problemas
sociais e as questões ambientais.

Percebemos que as propostas curriculares apresentadas pelo


Ministério da Educação durante os anos 1990 estavam em diálogo
com a proposta de elaboração de uma disciplina regional no Pará,
haja vista, que diante das recentes transformações pelo qual passou
a região amazônica não era interessante continuar reproduzindo no
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

espaço escolar uma narrativa que versasse somente sobre a História


do Pará, mas que a História do Pará fosse incluída dentro de uma
disciplina de amplitude regional que ficou denominada de 'Estudos
Amazônicos'.

Os pesquisadores da área das ciências humanas no Pará


(historiadores, geógrafos e sociólogos) com a finalidade
compreender a historicidade da região amazônica, apresentam suas
narrativas sobre a região amazônica, que em alguns momentos
dialogam com o Pará, com a cidade de Belém, com a floresta
amazônica (problemas e perspectivas), com a história local e com a
história recente (eventos chaves que aconteceram após a abertura da
Belém-Brasília), e lançam no mercado editorial seu material didático
para uso nas escolas públicas e privadas do Estado do Pará.
Percebemos que a disciplina Estudos Amazônicos possui vários
caminhos no Pará, pois, dependendo da formação do professor que
está ministrando esta disciplina, ele possui uma abordagem sobre o
que ensinar em relação da Amazônia.

A SEDUC em 1995 juntamente com uma comissão de professores de


História comprometeu-se com o projeto Estante da Amazônia a
208 produzir livros didáticos que versassem sobre a realidade regional. A
meta era colocar em cada escola da rede estadual, que a época girava
em torno de 200 escolas um total de 30 exemplares de cada obra e
não apenas um título. O projeto tinha como dinâmica que o
professor utilizasse o livro em sala de aula, de forma prática, onde o
livro didático poderia ser lido simultaneamente por mais de 50
alunos, dois a dois, haja vista, que toda a biblioteca da escola
receberia, cada uma, 30 exemplares. O livro didático regional possui
uma especificidade era produzido pensando no aluno, em seu uso no
espaço escolar e não especificadamente para o professor da
disciplina Estudos Amazônicos, podemos encontrar uma dificuldade
em relação ao seu ensino, que gira entorno da seguinte perspectiva,
não foi pensado um currículo mínimo para a disciplina e não existe
manual para o professor, isto se torna complexo quando
analisaremos as produções didáticas regionais, haja vista que os
manuais didáticos nos apresentam várias leituras do passado
amazônicas, que são possíveis de ser ensinado.

No dia 20 de dezembro de 1996 foi publicada a Lei de Diretrizes e


Bases da Educação - LDB, este documento tornou-se um
instrumento importante na educação brasileira dos anos 90, pois, é
considerado um momento de reorientação da educação curricular
brasileira e tinha como finalidade básica da educação a "formação
POR UM OUTRO AMANHÃ

comum indispensável para o exercício pleno da cidadania" (BRASIL,


1996). A criação da disciplina regional Estudos Amazônicos, durante
os anos 1990, a partir da resolução nº 630/97 aprovada pelo
Conselho Estadual de Educação, dentro da chamada parte
diversificada do currículo da Secretaria Estadual de Educação do
Estado do Pará. Em seu artigo 5º define que a parte diversificada do
currículo será disciplinada pelo respectivo Conselho de Educação do
Estado do Pará, mediante um elenco de disciplinas que foi sugerido
às entidades mantenedoras dos Estabelecimentos de ensino a
escolha de pelo menos duas destas. A resolução nº 231 de 05 de
Maio de 1998 estabelece as normas que disciplinam a parte
diversificada do Currículo do Ensino Fundamental do Sistema de
Ensino do Estado do Pará, onde normatiza que em todas as escolas
deste estado deverá ser mantida a igualdade de acesso para os
alunos a Base Nacional Comum de maneira a legitimar a unidade e
qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional a Base
Nacional Comum e sua parte diversificada deverão integrar em
torno de paradigma curricular que vise estabelecer a relação entre a
educação fundamental e o médio.

Em Ofício encaminhado para as escolas públicas do Estado do Pará a


diretora de Ensino deste estado Violeta Refkalefsky Loureiro 209
encaminha as novas matrizes curriculares para o Ensino
Fundamental e Médio para o ano de 1999, no qual faz uma alteração
na parte diversificada do currículo com a inclusão da disciplina
Estudos Amazônicos em substituição a disciplina Estudos Paraenses,
com duas aulas semanais na 5ª e 6ª séries e três aulas semanais na
7ª e 8ª séries, tendo a seguinte justificativa "pela imperiosa
necessidade da escola contribuir para a formação de uma
consciência nos cidadãos sobre a Amazônia como uma questão
nacional e ser a Amazônia o maior e mais rico sistema natural do
planeta Terra". Esta disciplina pode ser ministrada por professores
licenciados em História, Sociologia e Geografia da SEDUC.

Um momento importante para que se possa discutir no espaço


escolar questões referentes aos últimos acontecimentos da região
amazônica, esta era a proposta curricular que a professora Violeta
Loureiro pensou nos anos 90, quando apresenta ao Conselho
Estadual de Educação a ideia de criar uma disciplina regional que
versasse sobre determinados temas amazônicos, com a função de
conscientizar as pessoas sobre o futuro da região amazônica.
As narrativas em torno do que ensinar sobre o estado do Pará
possuem uma diversidade de abordagem, ao analisar as obras
didáticas percebemos que a formação do professor que ministra esta
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

disciplina seja na rede estadual, apresenta algumas questões que são


por ele selecionadas como: aspectos sociais, políticos, econômicos e
geográficos. Esta multiplicidade de narrativas sobre a Amazônia
deve-se a formação heterogênea destes professores e o que eles liam
e debatiam sobre o Estado do Pará, sobre a região amazônica e suas
diversas identificações (Amazônia Legal, região geoeconômica, Pan-
Amazônia, Região Norte), muito pautado por uma narrativa
memorialística e de exaltação de um lado, ou de outro, por não
serem historiadores e terem uma formação em Sociologia ou
Geografia, estes autores de livros didáticos lançam mão de uma
narrativa cronológica e adotam algumas questões recentes para
referenciar seus estudos sobre a região amazônica.
A partir desta evidência, percebe-se que há uma variação do
conhecimento histórico escolar apresentado pelos livros didáticos,
este descompasso entre o ensino de história do Pará, a proposta
curricular e o livro didático regional, deve-se ao fato de que existem
várias formações na área das ciências humanas em jogo, escrevendo
estes livros didáticos regionais. A interdisciplinaridade apresenta-se
como um elemento-chave, para analisar o lugar que a Amazônia e na
esteira de análise a questão regional vai assumir nesta escrita
escolar, visto que os manuais apresentam neste período duas
210 propostas curriculares, que são:

(a) ênfase ao meio ambiente e análise dos problemas recentes da


Amazônia;
(b) a história do Estado do Pará articulada a História da Amazônia,
sendo analisada por períodos.

Duas propostas didáticas. Duas concepções diferentes sobre a


Amazônia. Duas formas de compreender o discurso regional para
escola. Dois caminhos que divergem sobre o ensinar regional. O
embate curricular em torno da disciplina 'Estudos Amazônicos'
estava posto durante os anos 90 no Pará e continua em aberto no
currículo estadual no início do século XXI, não há uma preocupação
em debater uma proposta curricular sobre a Amazônia, que dialogue
com os diversos campos de saberes, portanto, acaba sendo um
ensino de história da Amazônia visto de forma compartimentalizada.
Temos um desafio de pensar as questões regionais para a escola no
Pará, de forma que contribua para que o aluno compreenda a
importância da região amazônica, que seja crítica e com uma
abordagem interdisciplinar. Está posto o desafio!
POR UM OUTRO AMANHÃ

Referências

BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 24 dez. 1996. Disponível em URL:
http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.
pdf
LOUREIRO, Violeta. Amazônia: História e análise de
problemas (do período da borracha aos dias atuais).
Editora Distrobel, 2000.
LOUREIRO Violeta. Amazônia: meio ambiente. Editora
Distrobel, 2000.
PROST, Gerard. História do Pará: das primeiras populações
à Cabanagem. Belém, 1998.
PROST, Gerard. História do Pará: do período da borracha
aos dias atuais. Belém, 1998.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação. Estudos e
Problemas amazônicos: história social e econômica e
temas especiais. Belém: Instituto Econômico e Social do Pará,
1989.
211
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A DISCIPLINA DE HISTÓRIA E OS ANOS INICIAIS DO


ENSINO FUNDAMENTAL: UM ESTUDO SOBRE AS
REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS

Danielle Krislaine Pereira

O Brasil é um país com grandes diversidades étnicas e culturais,


marcada pela plurietnicidade dos povos indígenas, negros, europeus,
dentre outros. Partindo-se dessa premissa optou-se, recentemente,
por mudanças democráticas no país, com o intuito de implementar
mudanças significativas no pensamento brasileiro para combater o
preconceito e a discriminação. Nesse contexto, emerge a
importância da escola como sendo uma instituição formadora tanto
de saberes escolares como saberes sociais e culturais.

A educação, segundo Marín (2003. p. 2), possibilita a preservação da


diversidade cultural e cria um espaço democrático, dando lugar ao
encontro e à convivência entre diferentes culturas. Segundo
Kabengele Munanga:
212
Não existem leis no mundo que sejam capazes de
erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas
cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos
sistemas culturais de todas as sociedades humanas. No
entanto, cremos que a educação é capaz de oferecer tanto
aos jovens como aos adultos a possibilidade de
questionar e desconstruir os mitos de superioridade e
inferioridade entre grupos humanos que foram
introjetados neles pela cultura racista na qual foram
socializados (2005, p.17).

Nessa perspectiva, a instituição escolar é considerada uma aliada


essencial para combater as ideias e atos preconceituosos,
principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

O Ensino de História nos Anos Iniciais do Ensino


Fundamental

Os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, geralmente,


são crianças que apresentam muita curiosidade e dificilmente
consegue-se esquecer dos conteúdos aprendidos nessa primeira
etapa da vida escolar.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Não nos enganemos a imagem que fazemos de outros


povos, e de nós mesmos esta associada á história que nos
ensinaram quando éramos crianças. Ela nos marca o
resto da vida. Sobre essa representação, que é para cada
um de nós uma descoberta do mundo e do passado das
sociedades, enxertam-se depois opiniões, idéias fugazes
ou duradoras, como um amor [...] mas permanecem
indeléveis as marcas das nossas primeiras curiosidades,
das nossas primeiras emoções. (FERRO apud
OLIVEIRA, 2010,p.15)

Esse ensino nem sempre foi valorizado e ocorreram muitas


indagações. Autores influenciados pela teoria piagetiana afirmavam
que o pensamento infantil era operacional concreto e que, portanto,
as crianças não conseguiriam compreender História, pelo fato de ser
considerada uma disciplina composta por conceitos abstratos e
distantes no tempo.

De acordo com Oliveira (2003) poucos historiadores interessam-se


pelo processo de construção do conhecimento histórico em crianças.
Muitos sequer acreditam na possibilidade da criança aprender 213
história nas séries iniciais.

Segundo Barca (2000), esta discussão refletiu sobre o lugar da


História no currículo e em estudos sobre o pensamento dos alunos
acerca da História, fazendo com que esta disciplina fosse até retirada
do currículo das séries iniciais de alguns países durante a década de
sessenta e início da década de setenta.

Atualmente, o ensino de História está presente desde os primeiros


anos do Ensino Fundamental, os conteúdos foram sendo analisados
e desenvolvidos de acordo com a clientela a ser atendida, e através
do PCN´s (1997) que foi um referencial para a educação do Ensino
Fundamental em todo país.

No cenário nacional, um ano após a promulgação da LDB 9.394/96,


o Governo Federal colocou em circulação os Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCN - para o primeiro (1ª e 2ª séries) e o
segundo (3ª e 4ª séries) ciclo da escola fundamental. O destaque da
proposta foi para um trabalho voltado para os quatros pilares da
educação do futuro: aprender a ser, a fazer, a aprender e a conhecer.
(OLIVEIRA,2009,p.123).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL,


1997), um dos objetivos mais relevantes quanto ao ensino de
História relaciona-se à questão da identidade. Conhecendo as
características dos grupos sociais e de seu convívio diário, a proposta
é de que ampliem estudos sobre o viver de outros grupos da sua
localidade no presente, identificando as semelhanças e as diferenças
existentes entre os grupos sociais e seus costumes; e desenvolvam
estudos sobre o passado da localidade, identificando as mudanças e
as permanências nos hábitos nas relações de trabalho, na
organização urbana ou rural em que vivemos, etc. (BRASIL, 1997, p.
41).

Através dos conteúdos abordados no primeiro ciclo, os PCN's trazem


como meta vários objetivos, entre eles, espera-se que os alunos no
final dessa fase sejam capazes de reconhecer as diferentes
características dos grupos sociais, caracterizando o modo de vida dos
povos indígenas e identificando as diferenças culturais entre o modo
de vida desses povos e de sua localidade.

No PCN de História do segundo ciclo do Ensino Fundamental,


aborda-se o saber histórico escolar como primeiro passo para
214 compreender com mais facilidade os conteúdos de História. O saber
histórico escolar, na relação com o saber histórico, compreende de
modo amplo, a delimitação de três conceitos fundamentais: o de fato
histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico.(PCN
História,1997,p.35)

O PCN de História tem como objetivo que ao final do segundo ciclo


os alunos sejam capazes de:

Reconhecer algumas relações sociais, econômicas,


políticas e culturais que a sua coletividade estabelece ou
estabeleceu com outras localidades, no presente e no
passado; Identificar as ascendências e descendências das
pessoas que pertencem à sua localidade, quanto à
nacionalidade etnia, língua, religião e costumes,
contextualizando seus deslocamentos e confrontos
culturais e étnicos, em diversos momentos históricos
nacionais; Identificar as relações de poder estabelecidas
entre a sua localidade e os demais centros políticos,
econômicos e culturais, em diferentes tempos; Utilizar
diferentes fontes de informação para leituras críticas;
Valorizar as ações coletivas que repercutem na melhoria
POR UM OUTRO AMANHÃ

das condições de vida das localidades. (PCN História,


1997.p62)

Os PCN's incorporaram entre os temas transversais a Pluralidade


Cultural e justifica-se a introdução dessa temática pela importância
de trabalhar em sala de aula diferentes temas como o preconceito, o
racismo, a imigração, as diversas religiões, entre outros temas.

É sabido, que apresentando heterogeneidade notável em sua


composição populacional, o Brasil desconhece a si mesmo. Na
relação do país consigo mesmo é comum prevalecerem vários
estereótipos, tanto regionais quanto em relação a grupos étnicos,
sociais e culturais. Historicamente, registra-se dificuldade para se
lidar com a temática do preconceito e da discriminação racial/étnica.
O país evitou o tema por muito tempo, sendo marcado por "mitos"
que veicularam uma imagem de um Brasil homogêneo, sem
diferenças, ou, em outra hipótese, promotor de uma suposta
"democracia racial. (BRASIL, 1997, p. 22)

A Diversidade Cultural e o Ensino de História

Nos dias atuais em nosso país, além da elaboração do PCN de 215


Pluralidade Cultural, também há as políticas públicas educacionais e
as Leis 10.639/2003, de 09 de janeiro de 2003, sobre a
obrigatoriedade do estudo da História da África e cultura afro-
brasileira e posteriormente a Lei 11.645, de 10 de março de 2008,
incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, que surgem
para a efetivação da diversidade cultural nos currículos e nas
práticas escolares.

As comemorações e festas comemorativas ainda fazem parte dos


conteúdos, embora caiba lembrar que estão sendo introduzidos
outros representantes da sociedade brasileira, como nos festejos do
Dia do Índio (19 de abril) ou do Dia da Consciência Negra (20 de
novembro).(BITENCOURT,2005,p.113)

Para Faustino (2006, p. 98), uma das estratégias da política do


multiculturalismo e interculturalidade é a de tentar articular
desigualdade com diferença e estabelecer uma fabulosa plataforma
de ações educativas que prometem promover a inclusão e resolver o
problema da integração das minorias.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O Ensino de História passou por um bom tempo realizando um


ensino através de método etnocêntrico. Conforme Candau (2010,
p.17) "a nossa formação histórica está marcada pela eliminação física
do "outro" ou por sua escravização, que também é uma forma
violenta de negação, de sua alteridade." Infelizmente, ainda há
pessoas que possuem uma visão carregada de estereótipos e
ambiguidade em relação aos povos considerados "diferentes".

As nossas maneiras de situarmo-nos em relação aos outros tende


"naturalmente", isto é, estão construídas, a partir de uma
perspectiva etnocêntrica. Incluímos na categoria "nós", em geral,
aquelas pessoas e grupos sociais que têm referencias culturais e
sociais semelhantes aos nossos, quem têm hábitos de vida, valores,
estilos, visões de mundo que se aproximam dos nossos e os
reforçam. Os "outros" são os que se confrontam com estas maneiras
de nos situar no mundo, por sua classe social, etnia, religião, valores,
tradições, etc.(CANDAU,2009, p.69)

Laraia definiu etnocentrismo com as seguintes palavras:

O fato de que o homem vê o mundo através de sua


216 cultura tem como conseqüência a propensão em
considerar o seu modo de vida como o mais correto e o
mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo,
é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de
numerosos conflitos sociais. (LARAIA, 1986, p.72-73)

Sabe-se que a sociedade em geral, independente da cultura, possui o


direito de ser tratado igualmente, sem preconceito e discriminação.
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos povos estrangeiros residentes no
País a inviabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade. (BRASIL,1988)

Assim, as escolas como forma de combater o etnocentrismo,


preconceito e discriminações, estão proporcionando espaços que
favoreçam a consciência da construção da nossa própria identidade
cultural, pois estimular o desenvolvimento positivo dos grupos
considerados "diferentes" é fundamental para que os alunos
consigam assumir um posicionamento mais crítico referente as
diversidades culturais.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Referências

BARCA, Isabel. O pensamento histórico dos jovens: ideias


dos adolescentes acerca da provisoriedade da explicação
histórica. Braga: Universidade do Minho, 2000.
BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. In.
______(Org.). O saber histórico na sala de aula. 2. ed. São
Paulo: Contexto, 1998.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro
Gráfico, 1988.
BRASIL, Ministério da Educação (mec). PCN Introdução. Brasília;
mec,1997.
BRASIL, Ministério da Educação (mec). PCN Pluralidade
Cultural. Brasília; mec,1997.
BRASIL, Ministério da Educação (mec). PCN História. Brasília;
mec,1997.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História:
fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
BORIS, Fausto. História do Brasil. Edusp,1996.
CANDAU, Vera Maria. O currículo entre o relativismo e o
universalismo: Dialogando com Jean-Claude Forquin. Educação & 217
Sociedade, ano XXI, nº 73, Dezembro/00. Disponível
em:http://www.scielo.br/. Acesso em: 11 fevereiro 2016.
CANDAU, Vera Maria (org.). Reinventar a escola. 7. Ed.
Petrópolis: Vozes, 2010.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura um conceito antropológico.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
MARÍN, J. Globalização, diversidade cultural e prática educativa.
Curitiba: Revista Diálogo Educacional, v.4, nº8, 2003.
MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o Racismo na escola.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Ensino Fundamental de
Nove Anos, Orientações Pedagógicas para os Anos Iniciais.
Curitiba, 2009.
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. O ensino de história nas
séries iniciais:cruzando as fronteiras entre a História e a Pedagogia.
História & Ensino: Revista do Laboratório de Ensino de
História / UEL. vol. 9. Londrina: UEL, 2003.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS: DESAFIOS


E PERSPECTIVAS

Diêgo Santana Soares

O ensino de história se consolidou através de vários movimentos


sociais, dos quais buscaram a reestruturação da organização
curricular e reconhecimento do professor. Portanto podemos
estabelecer que as décadas de 1980 e 1990 com o fim da ditadura
militar, proporcionou as melhoras que vinham sendo debatidas
desde os anos 1960 e 1970.

As teorias e metodologias estabelecidas pelos PCNs, no qual buscou-


se uma melhor organização curricular deu ao ensino de história uma
nova face, encarregando-a da construção da identidade nacional e de
cidadania, além de ajudar no processo de alfabetização. Todavia a
educação não é tão valorizada quanto deveria em território
brasileiro, o que fica claro quando analisa-se o déficit de muitos
alunos quanto a produção e interpretação de texto. O professo acaba
218 tornando-se um agente mediador entre os objetivos previstos pelos
PCNs e a realidade social, a realidade escolar.

Desafios e Perspectivas

O processo educacional brasileiro passou por diversas


transformações ao longo da segunda metade do século XX e início
do século XXI. Com o golpe de 1964 e a implantação da ditadura
militar o processo de ensino de história sofrera drásticas
modificações, com a criação das licenciaturas curtas, a disciplina de
História deu lugar a disciplina de Estudos Sociais, que agregava
história e geografia. O professor de história, que passara a ser mero
reprodutor da ideologia do governo militar, perdera cada vez mais
espaço com a chegada de novos profissionais formados nas
licenciaturas curtas em Estudos Sociais. Nesse processo, o aluno
ficou à mercê de um ensino doutrinador que inibia o incentivo a
reflexão e a participação dos alunos enquanto cidadãos.

A partir dos anos 1980, quando ganha bastante ênfase os


movimentos sociais em prol da redemocratização da educação,
buscando reformular as metodologias do ensino de história, além de
lutar pela valorização dos professores e o fim das licenciaturas curtas
que deixavam uma lacuna na formação desses profissionais que se
POR UM OUTRO AMANHÃ

destinariam ao ensino de história. A década de 90 foi de grande


importância para a reformulação do ensino de história, onde
acontecera o desmembramento das disciplinas de História e
Geografia, além da criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) em 1997 pelo MEC, sendo estabelecido o ensino de História e
de Geografia também nos anos iniciais da educação em todo
território Brasileiro. Em 2006 o Ensino Fundamental passa a ter
duração de nove anos e matricula obrigatória a partir dos 6 anos
(FONSECA, 2013, p. 5). Apesar das grandes conquistas e melhoras
no sistema de ensino, Selva Guimarães atenta para alguns fatores
causadores da precarização do ensino, onde

Grande parte dos cursos de Licenciatura em Pedagogia e


História, em 2008, ainda não preparava os professores
para o estudo das temáticas no ensino fundamental.
Somam-se a isso dificuldades para obtenção de materiais
didáticos pertinentes. Logo, mais um consenso foi
produzido: a necessidade de ampliação de projetos de
formação continuada para suprir lacunas teóricas e
metodológicas, além de revisão dos currículos das
Licenciaturas e o incremento de livros e materiais
didáticos no que concerne a essa problemática. 219
(FONSECA, 2013, p. 5).

Portanto, o processo de ensino de História passou por várias


nuanças ao longo do tempo e através de debates entre estudiosos o
ensino fora se reformulando buscando melhorar suas teorias e
metodologias, destarte, foi de grande importância a criação dos
PCNs, criando metas e métodos de ensino, tendo como objetivo
orientar o processo de ensino e aprendizagem e também as práticas
pedagógicas.

O ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental,


estabelecidos pelos PCNs, tendo em vista a alfabetização e o déficit
de leitura da qual boa parte dos alunos enfrentam nos primeiros
anos escolar, estabeleceu o ensino de história voltado para a leitura e
interpretação de textos históricos e/ou imagens de forma a ajudar no
processo de alfabetização do aluno. Fora previsto o ensino da
história local para os primeiros anos do Fundamental, de forma criar
um sentimento de pertencimento e de construção da identidade,
além de possibilitar ao aluno a refletir sobre o espaço em que ele está
inserido e analisar a sua realidade atrelando-a ao passado. Buscava-
se exercitar o pensamento reflexivo e crítico de forma a tornar
cidadãos ativos no seio de sua sociedade.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Cabe aos professores buscarem sempre se renovar para melhorar o


ensino atendendo aos PCNs. E vale ressaltar a parceria entre
Academia e Escola, com a produção de projetos e de historiografia,
ficando a cabo do professor adaptar e utilizar como complemento ao
livro didático. Portanto, os professores têm autonomia para
questionarem, criticarem e subverterem as práticas de ensino no
âmbito escolar (PERNAMBUCO, 2013, p. 20), e cabe a ele selecionar
os conteúdos e a metodologia a ser utilizada, como afirma Selva

No debate, na busca de respostas, de novas


possibilidades de conhecimento, nesse universo de
ampliação de temas, problemas e abordagens, livros e
materiais didáticos, devemos estar atentos para o fato de
que ninguém poderá aprender, nem ensinar tudo de
tudo. O trabalho de selecionar, eleger é uma exigência
permanente. Um currículo de História é sempre fruto de
uma seleção cultural. (FONSECA, 2013, p. 8).

Para que a engrenagem (o processo de ensino e aprendizagem)


funcione como se espera, de forma correta e eficaz, é importante
investir na valorização do professor, assim como em sua formação,
220 tornando-o capacitado para exercer uma função de tamanha
importância e responsabilidade que é ensinar/educar, pois os
professores acabam exercendo mais de uma função quando as bases
familiares dos alunos são precárias. Além de destacar a importância
do ensino de história para os alunos dos primeiros anos o Ensino
Fundamental, que embora passem por um processo de
aprendizagem exterior à escola, é no âmbito escolar que se formará
sua visão de mundo de acordo com a construção da sua identidade,
contribuindo para a formação de seres reflexivos e críticos, pois
"espera-se que, ao longo ensino fundamental os alunos
gradativamente possam ler e compreender sua realidade,
posicionar-se, fazer escolhas e agir criteriosamente (BRASIL, 1997,
p. 33).

Os PCNs, de forma crítica, dividiram o ensino fundamental por eixos


temáticos visando melhorar o processo de ensino e aprendizagem,
combatendo os modelos como o "quadripartismo francês" que
dividia o processo histórico em Idade Antiga, Media, Moderna e
Contemporânea, além de se colocarem contra o modelo marxista da
organização curricular, que previa o ensino de história através dos
modos de produção, Primitivo, Escravista, Feudal, Capitalista e
Socialista (PERNAMBUCO, 2013, p. 28). Analisemos o que fora
proposto para os anos iniciais do Fundamental. Estabeleceu-se dois
POR UM OUTRO AMANHÃ

eixos temáticos nos primeiros anos do ensino, sendo eles

I) História local e do cotidiano, subdividida em dois


subitens: 'localidade' e 'comunidades indígenas'; II)
História das organizações populacionais, subdividida em
'deslocamentos populacionais', 'organizações e lutas de
grupos sociais e étnicos', e 'organização histórica e
temporal'. [...] Além disso, o documento curricular
estabelece como temas transversais Ética, Saúde, Meio
Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural,
Trabalho e Consumo, demandas sociais emergentes.
(FONSECA, 2013, p. 3).

Essas medidas quebraram o engessamento do ensino de história e


combateram o eurocentrismo no ensino de história, tornando-se
uma importante ferramenta para que os alunos busquem apreender
e compreender a história de sua localidade e das organizações
sociais que compunham ou compuseram a sua comunidade.
Segundo Bittencourt

[...] a história do "lugar" como objeto de estudo ganha,


necessariamente, contornos temporais e espaciais. Não 221
se trata, portanto, de proporem conteúdos escolares da
história local, de entendê-los apenas na história do
presente ou de determinado passado, mas de procurar
identificar a dinâmica do lugar, as transformações do
espaço, e articular esse processo às relações externas, a
outros "lugares". (BITTENCOURT, 2004, p.172).

Esse tipo de atividade possibilitou a criação de um senso


investigativo e um diálogo interdisciplinar, onde os temas
transversais têm contribuído largamente com a formação de cidadão
conscientes, seja com o meio ambiente, com a sociedade e entre
outros.

A re/organização curricular pelos PCNs fora de fato elementar para


o ensino de história principalmente nos primeiros anos, já que, até
então os anos iniciais não recebiam o ensino de história, pelo menos
não possuíam tal disciplina em sua grade curricular. Objetivando a
construção da identidade e da cidadania do aluno.

Todavia, as teorias e métodos estabelecidos pelos PCNs, não


funcionam como deveriam na prática. O processo de ensino caminha
lentamente. Já fora aqui mencionado que os professores têm
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

autonomia com relação ao ensino, porém não podemos tirar a


responsabilidade dos órgãos que ficam a par do funcionamento da
educação. A desvalorização do professor é uma lastima, seja ela
financeira ou moral, negando ao profissional condições dignas de
trabalho, Escolas muitas vezes sucateadas, faltando material
didático e suprimentos para pôr em prática com efervescência os
ideais propostos pelos PCNs. As escolas, na prática, acabam tendo
realidades diferentes daquelas idealizadas. Nesse contexto cabe ao
professor (muitas vezes saturado) adaptar-se, sempre buscando o
melhor para seus alunos.

A realidade dos alunos também é um fator determinante no processo


de ensino e aprendizagem. Muitos deles se encontram em condições
de vida preocupante, sem uma base familiar. Buscam refúgio nas
escolas, a alimentação na escola acaba sendo para alguns a única no
dia, ou uma das poucas. E quando lhe é negada essa alimentação?
Quando a merenda escolar não acontece como deveria acontecer. O
professor acaba exercendo várias funções no âmbito escolar,
principalmente dos anos iniciais, com sua figura sendo associada a
um parente próximo, exerce portando a figura de psicólogo,
educador, professor entre outras.
222
Portanto o ensino de história nos anos iniciais enfrenta situações
adversas, sendo a formação do aluno a mais prejudicada. Porém,
como já fora mostrado neste pequeno estudo, a educação passou por
transformações relevantes e melhorou bastante se comparado aos
anos anteriores a década de 90. A implementação do ensino de
história nos anos iniciais representou a necessidade de se preencher
uma lacuna na formação inicial dos alunos, além de estabelecer um
apoio a alfabetização dos mesmos.

Estabelecer métodos e metas é de fato crucial para se ter uma


melhor organização e implementação do ensino, embora na prática
muitas vezes não acontecesse como previsto. O ensino de história
nos anos iniciais representa uma conquista de muitas lutas através
dos movimentos sociais pela redemocratização do ensino.

Mesmo com as melhoras alcançadas sabemos que estamos longe de


alcançarmos uma educação com suas bases consolidadas, através do
incentivo e de investimentos dos órgãos responsáveis pela mesma.
Enquanto isso o professor vai se desdobrando para manter o ensino
da melhor forma possível, principalmente no ensino de história nos
primeiros anos, onde inicia-se a formação de sua consciência
histórica e de cidadania.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Cabe o professor ser um agente reflexivo e critico com relação ao


processo histórico e seus métodos de ensino, cabe a ele (o
profissional da educação) adequar-se à realidade dos alunos e à
realidade escolar. Buscando por meio da história alfabetizar, e
alfabetizar vai além de aprender a escrever o próprio nome. É a
capacidade de ler e compreender o que o cerca, de abstrair os
processos históricos criticamente. Além de tudo é ter o sentimento
de pertencimento através da construção da identidade do aluno.

Referências

BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos


e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: história, geografia / Secretaria de
Educação Fundamental. - Brasília: MEC/SEF, 1997.
FONSECA, Selva Guimarães. A história na educação básica:
conteúdos, abordagens e metodologias. In. ANAIS DO I
SEMINÁRO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO -
Perspectivas Atuais. Belo Horizonte, 2013.
Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Parâmetros 223
para a Educação Básica do Estado de Pernambuco -
Parâmetros Curriculares de História: Ensino Fundamental
e Médio. Recife, 2013.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O ORNITORRINCO ESCOLAR E O OFUSCAMENTO


INDÍGENA

Edilson Ribeiro Silva

Educação branqueada, mentes escurecidas

A educação brasileira é herdeira dos moldes jesuítas que consistia


em mascarar as práticas da colonização e substituir costumes
nativos, por meio da imposição do modelo português. Esse sistema
de formação se perpetuou até os dias de hoje e nossas crianças
continuam recebendo o mesmo tipo de educação.

Em pesquisas feitas em duas escolas públicas do município de Paulo


Jacinto-AL, foram coletados dados importantes para entendermos a
ineficácia da escola e comprovar que os conteúdos ministrados ao
aluno do ensino fundamental são bem semelhantes ao do ensino
médio, fazendo com que as informações sejam estanques, não
evoluindo a cada turma ou abordagem. Desse modo, para
224 comprovar o entrave frente aos estudos da temática indígena temos
que levar em conta o que os alunos sabem sobre o assunto. Em
entrevistas com 27 alunos do 9º ano do ensino fundamental e 24 do
3º ano do ensino médio pôde-se notar o quanto a escola paralisou,
pois os conteúdos são bastante semelhantes nos dois níveis de
ensino. E ao perguntar o que eles sabem sobre os índios as respostas
são basicamente as mesmas. Sobre isso o entrevistado nº 1 responde
que:

Vivem em grandes grupos, em tribos, são diversas


atividades diárias que eles têm. Suas características é
morenos de diferente tamanho, eles descobriram muitas
coisas que hoje utilizamos. Eles descobriram o fogo e
como se faz. Andam nu [sic], depende da caça para
sobreviver, tem seus rituais, pode ter várias mulheres. O
índio tem cabelos bons, mora nas florestas, sua língua
geralmente é o tupi guarani, foram os primeiros povos
que moraram no Brasil.

Nas entrevistas, os alunos expõem em poucas palavras o que sabem


sobre os índios do atual Brasil, a partir da provocação sobre qual a
situação do indígena depois de 500 anos de contatos com outros
povos. A maioria dos entrevistados (alunos do 3º ano) deu a mesma
POR UM OUTRO AMANHÃ

resposta, podendo ser resumida na fala do entrevistado nº 1. Nesse


sentido, pode-se enfatizar depoimentos que são de fundamental
importância para entender o quão pouco os alunos sabem sobre os
índios. É o relato de alunos do ensino médio que diz:

Os índios eram muito trabalhadores, eles eram


politeístas, matavam animais para sua sobrevivência e
sua filha era obrigada a casar quando completasse uma
idade já tinha que ser mulher com 12 anos, gostava
muitos dos seus rituais principalmente a capoeira.[sic]

Do mesmo modo, os alunos do fundamental ao serem questionados


demonstram inquietações, a feição dos rostos deixa transparecer que
desconhecem o assunto, escaparam alguns cochichos, como se
estivessem com medo, alguns gritos dizendo 'índio é preguiçoso!'
'não existe mais índio!' O professor de história que estava presente
durante as entrevistas revidou dizendo "e tudo que eu ensinei para
vocês? Sentou-se e disse-me baixinho "esses jovens de hoje não
prestam atenção em nada." Passado esse momento inicial, a
entrevista fluiu e as falas são sintetizadas através do entrevistado nº
2:
225
Eu não sei muita coisa sobre os índios, mais {sic} o pouco
que eu sei é que os índios foram os primeiros habitantes
do Brasil e que alguns índios usam poucas roupas e que
eles caçam as próprias comidas e que eles vivem em
aldeias dentro de ocas e que eles vivem livres.[sic]

A fragilidade observada no conhecimento dos alunos leva-nos a


inferir que provavelmente a escola não acompanhou a evolução dos
conceitos nem a discussão sobre a imagem, a identidade ou a
história dos primeiros habitantes do Brasil, descumprindo seu papel
de promotora da evolução física dos indivíduos. É provável que a
escola continua presa no passado como um ornitorrinco que mesmo
agregando uma pluralidade de diferenças não evolui e está
estacionada e ofuscada pela excessiva luz negra da história branca.

As escolas reproduzem aquela velha visão do índio criada em


desenhos animados, filmes e na televisão. Com base nos
depoimentos, pôde-se constatar que existe um déficit no ensino da
cultura indígena, assim as âncoras que sustentam as informações
que falam sobre o índio imaginado ou tradicional do século XVI são
as mesmas que ainda hoje estão atracadas nas salas de aulas,
perpetuando a visão criada durante os primeiros contatos na época
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

da colonização, fazendo com que os alunos aprendam de forma


estática ou atrasada a respeito de algo que tem sofrido mudanças
contínuas.

O Brasil está repleto de influências do pensamento europeu, fases


escuras causadas por brancos, onde os índios são vistos como povos
atrasados ou como desocupados que querem apenas terras. Vale
ressaltar, que alguns indígenas são bem sucedidos, estudam em
universidades, tem profissão: são médicos, advogados, professores,
jogadores de futebol, ou seja, estão inseridos na sociedade do não
índio, no meio que os silenciou diversas vezes e os reduziu no
processo de invisibilidade, na tentativa de inibir a autoafirmação e
ressurgência étnica.

Daí a afirmação de que o surgimento de uma nova sociedade


indígena não é apenas o ato de outorga de território, de "etnificação"
puramente administrativa, de submissões, mandatos políticos e
imposições culturais, é também aquele da comunhão de sentidos e
valores, do batismo de cada um de seus membros, da obediência a
uma autoridade simultaneamente religiosa e política. Só a
elaboração de utopias (religiosas/morais/políticas) permite a
226 superação da contradição entre os objetivos históricos e o
sentimento de lealdade às origens, transformando a identidade
étnica em uma prática social efetiva, culminada pelo processo de
territorialização. (OLIVEIRA, 1998, p. 66)

Já não cabe mais, estudar o índio como um ser do passado, é mais


viável enxergá-los como são atualmente; comunidades politicamente
organizadas que lutam pela retomada de seus territórios, com os
quais criaram vínculos (caça, pesca e sepultamentos) de
sobrevivência dando-lhe sentido, tecendo seu modo de ser. Para
isso, torna-se necessário e urgente que a escola refaça seus conceitos
e redefina seus objetivos, dando uma abordagem mais real e menos
folclórica as comunidades tradicionais.

É notável e explicita a deficiência no aparelho escolar. Os


professores, em sua maioria, não ministram aulas com imagens
atuais e pressupostos teóricos fiéis para que os alunos possam
desenvolver uma mentalidade amadurecida sobre o índio, sem isso,
continuarão enxergando de forma errônea, esquecendo do indivíduo
que passou por mais de 500 anos de colonização, perseguição e lutas
e mesmo assim não perdeu sua cultura e se mantém firme em
tempos de intempéries.
POR UM OUTRO AMANHÃ

A imagem construída do índio pela escola é a mesma retratada nos


manuais didáticos, tornando os livros uma discrepância ambulante,
mas por ser uma das armas que facilitam o trabalho exercido pelos
professores para transmitir conhecimentos aos seus alunos, são
fontes endossadas pelo governo que fazem as mentiras se
solidificarem.

Outro ponto para entendermos essas lacunas expostas pelos alunos é


a preparação que eles tiveram dos 6 aos 10 de anos durante o
primeiro ciclo (do 1º ao 5º ano) do ensino fundamental, uma vez que
os mesmos foram preparados por pedagogos, pessoas que não tem
formação específica, desconhecendo assim a temática indígena.
Como falar de algo que não conheço? Seria o mesmo que um
deficiente visual por a mão no fogo, pois iria apenas causar danos, a
queimadura cicatrizaria, mas as informações distorcidas ou
incompletas modificam a realidade, criam ou perpetuam
estereótipos e o aluno não exercita ou não cria o senso critico.
A pedagogia tem uma maneira bem jesuítica de colonizar as mentes
das crianças. No dia19 de abril as professoras do fundamental
pintam os rostos dos alunos, põem as músicas temáticas e dançam
em círculos, talvez até acreditando que com tais performances
ocorre o aprendizado sobre o papel e o lugar do índio na sociedade e 227
na história.

Se a história em quadrinhos mistura gêneros artísticos prévios, se


consegue que interajam personagens representativas da parte mais
estável do mundo - o folclore - com figuras literárias e dos meios
massivos, se os introduz em épocas diversas, não faz mais que
reproduzir o real, ou, melhor, não faz senão reproduzir as
teatralizações da publicidade que nos convencem a comprar aquilo
de que não precisamos, as "manifestações" da religião, as
"procissões" da política. (CANCLINI, 1927,p 28)

Muitas escolas continuam enaltecendo, em sala de aula, o índio


como personagem folclórico, desvinculando-o da realidade para
transformar em teatralizações, assim como muitos fazem com a
história em quadrinhos ou com os contos infantis. Desse modo, o
ensino de História indígena nas escolas utilizando materiais
descontextualizados e desatualizados condena as crianças e viverem
uma ideologia bitolada e contraditória, interferindo diretamente na
história e na qualidade da educação oferecida ao nosso povo. Assim,
precisamos estar cientes de que a presença indígena é bem mais
importante, pois ela é a luz para desvendar como chegamos até aqui.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Considerações finais

Até agora, constatamos que, um novo horizonte se abriu para a


cultura indígena, silenciada por mais de 500 anos, mas grande parte
das escolas brasileiras ainda guarda paradigmas, podendo ser
representadas pelo ornitorrinco, um animal de pouca visão (por
viver em águas escuras) cuja função biológica não é bem conhecida
(parece pato, castor e enguia), porém como este animal, a escola é
assustada pelos poderosos que desrespeitam, caçam e destroem a
sabedoria, a cultura e a visibilidade.

A escola omitia a tradição nativa e valorizava apenas o que lhe era


externo, estavam acorrentadas as âncoras dos navios portugueses,
que traziam no seu interior a escravidão, os maus tratos e a opressão
ao veio original da sociedade brasileira, engendrando uma imagem
do índio como uma doença que precisava ser curada. Com a
atualização do ensino de história incorporando o estudo das
tradições indígenas é possível combater os preconceitos desde a base
e estudar a história deste país de forma multicultural. Assim os
alunos indígenas que estudam em escolas de não índios, vão se auto
reconhecendo nos assuntos propostos em sala, tendo um melhor
228 desempenho, a medida que, os não indígenas vão os vendo como
semelhantes.

Todavia, existe a necessidade de fiscalização para ver como tais leis


estão sendo aplicadas na prática docente. Pessoas preparadas são
necessárias para assumir tal tarefa e serão responsáveis por
desconstruir o pensamento obscurecido pela escola ao longo do
tempo com suas despreparações. É mister que em complemento ao
livro didático sejam utilizados metodologias de aprendizagem cujo
embasamento esteja em textos de autores engajados com a causa
indígena ou produzidos pelos próprios índios, entre outros
pressupostos que possam contribuir para que os alunos aprendam e
entendam como este Brasil se formou.

Referências

LUCIANO, Gersem dos Santos. Educação escolar indígena no


Brasil: avanços, limites e novas perspectiva. Goiânia-GO,
2013.
BRASIL. LEI n. 11.645, de 10 de março de 2008. Brasília, março de
2008: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10643688/artigo-231-
da-constituicao-federal-de-1988 acessado em 29/09/2015.
POR UM OUTRO AMANHÃ

CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para


entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e
Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997. p.283-350:
Culturas híbridas, poderes oblíquos p 28.
DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à
antropologia social. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1987, p 4.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um Conceito
Antropológico Rio de Janeiro: Zahar, 1995, p 52.
PACHECO, João de oliveira. Uma etnologia dos "índios
misturados"? Situação colonial, territorialização e fluxos
culturais. Rio de Janeiro, 1997 p 66.

229
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

MEIOS DE COMUNICAÇÃO NAS AULAS DE HISTÓRIA DO


ENSINO FUNDAMENTAL EM AQUIDAUANA/MS: NOTAS
DE PESQUISA

Edvaldo Correa Sotana

A presente comunicação objetiva apresentar dados iniciais da


pesquisa sobre a utilização dos meios de comunicação como fonte
e/ou objeto nas aulas de história, do Ensino Fundamental, das
escolas públicas da cidade de Aquidauana, interior de Mato Grosso
do Sul. Para tanto, até o momento dividimos as ações em duas
etapas complementares: 1) pesquisa bibliográfica; 2) coleta de dados
por meio de questionário estruturado.

Partimos de uma constatação. Apesar do papel da mídia na


sociedade contemporânea, ainda são poucos os estudos sobre a
utilização dos jornais, das revistas, das emissoras de rádio e televisão
nas aulas de história nas escolas públicas de educação básica.
230 Dentre os pesquisadores, Zanchetta Junior (2011, p. 22) ressaltou a
importância assumida pelos órgãos midiáticos na “arena política
nacional”, indicando como decisiva a sua influencia na “formação do
imaginário social e político sobre a escola, talvez em grau maior do
que a influência dos próprios agentes escolares no mesmo processo.”
Assim, como lembrou Zanchetta Junior (2011), com exceção dos
jornais, os meios de comunicação são praticamente “ignorados” nas
escolas e nos documentos que orientam o trabalho do professor, em
que pese a existência de textos sobre trabalho docente com TV e
rádio.

De certo modo, os trabalhos de Faria (1996), Faria & Zanchetta


Junior (2005), Assumpção (1999), Belloni (2003), Napolitano
(2005), Busetto (2005, 2006, 2007 e 2008), Fischer (2001) e
Zanchetta Junior (2005, 2009, 2010 e 2011) apresentam discussões
teórico-metodológicas, sugestões de atividades didático-pedagógicas
e podem inspirar atividades com diferentes meios de comunicação
no ensino. Entretanto, pouco sabemos acerca da sua utilização no
ensino de história nas escolas públicas de ensino fundamental
situados no interior do Brasil.

Além da pesquisa bibliográfica, procuramos levantar dados


referentes a utilização dos meios de comunicação no ensino de
POR UM OUTRO AMANHÃ

história no conjunto de escolas públicas, de ensino fundamental, de


Aquidauana. O levantamento consistiu em contato direto com as
pessoas “cujo comportamento se deseja conhecer”. Desse modo,
solicitamos “informações a um grupo significativo de pessoas acerca
do problema estudado para, em seguida, mediante análise
quantitativa, obterem-se as conclusões correspondentes aos dados
coletados”. (GIL, 2002, p.50).

Para a coleta de dados, utilizamos um questionário estruturado com


dez questões, divididas entre fechadas e abertas. Com as questões,
objetivamos conhecer a formação dos docentes, identificar o local de
trabalho e o tempo que o mesmo está vinculado a este local, a
jornada de trabalho semanal, a existência de material instrucional
para orientação das atividades, bem como de material didático
referente a utilização dos meios de comunicação no ensino. Também
perguntamos sobre as possibilidades e dificuldades para se trabalhar
com os meios de comunicação em sala de aula. Por fim, indagamos
sobre o papel dos meios de comunicação em nossa sociedade.

Para a aplicação do questionário, contamos com a atuação de


Emerson Bandeira Bastos, discente do curso de História, Campus de
Aquidauana, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). 231
Como bolsista de Iniciação Científica entre agosto de 2014 e julho de
2015, Bastos entrou em contato com dez escolas municipais e seis
escolas estaduais. Em função da distância, não aplicou o
questionário em três escolas municipais, localizadas fora perímetro
urbano. Nas escolas, entrou em contato com vinte e três professores.
No entanto, nem todos responderam o questionário. Por pelo menos
três ocasiões, estabeleceu contato com cada um para solicitar a
colaboração no trabalho. Argumentos como falta de tempo,
esqueceram de responder e entregariam em outro momento foram
às justificativas utilizadas para não entregar o material no prazo. Ao
todo, dez professores responderam o questionário. De posse do
material, o bolsista entregou-o ao orientador para prosseguimento
das atividades.

Com relação à formação, oito docentes concluíram o curso de


graduação em história, sendo que um concluiu em 2009 e outro
ainda não terminou a sua graduação, mas, mesmo assim, ministra
aulas na educação básica. Dentre os nove formados, oito são
graduados pela UFMS e um pela UNIDERP. Nenhuma participante
indicou ter cursado pós-graduação. Outro dado, no entanto, chamou
nossa atenção. Dentre os dez professores que ministram a disciplina
de história, dois são formados em geografia, um em pedagogia e
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

outro não identificou a sua graduação. Apesar do Campus de


Aquidauana, da UFMS, ter um curso de história formando
professores há mais de três décadas, podemos ensaiar uma
explicação para o fenômeno apontado. Aqueles que não são
graduados em história trabalham em escolas situadas nas aldeias ou
na periferia da cidade, ministrando, ao mesmo tempo, aulas nas
disciplinas de geografia e artes, completando, assim, sua carga
horária com poucas aulas da disciplina de história.

Por sua vez, a carga horária de trabalho semanal na escola pode ser
observada na tabela a seguir:

Tabela 1 - Carga Horária de Trabalho Semanal


Carga horária 32 14 08 04 02
semanal horas horas horas horas horas
Número de 06 01 01 01 01
Docentes

Com relação ao tempo de serviço na escola, um docente trabalha


mais de vinte anos no estabelecimento de ensino, cinco trabalham
232 entre dez e vinte anos, três estão na escola entre um e três anos e
apenas um leciona menos que um ano no estabelecimento escolar.

Independente do tempo de formação, da graduação de origem ou do


tempo de trabalho na escola, os dez professores indicaram utilizar os
meios de comunicação no ensino de história. Nas respostas, cada
professor listou mais que um meio como sendo utilizado. Assim,
temos as ocorrências na tabela abaixo:

Tabela 2 – Meio de Comunicação


Utilizado
Computador 05
Projetor Multimídia 05
Televisão 04
Jornal 04
Sala de Tecnologia 03
Internet 02
Revista 02
Tablet 01
Vídeo 01
Rádio 01
POR UM OUTRO AMANHÃ

Alguns aspectos chamam a atenção do observador. Dentre eles,


destacamos a confusão entre meio de comunicação e equipamento
(Tablet) ou espaço de trabalho (ex.: sala de tecnologia).

A questão seguinte visava indagar sobre a existência de material


instrucional que oriente o trabalho docente na realização de
atividades com meios de comunicação. Seis responderam que existe
material enquanto quatro docentes indicaram que não. Dentre os
professores que responderam positivamente, dois apontaram a
existência de um espaço quando perguntado sobre o material (sala
de tecnologia), um respondeu apresentando uma atividade de
formação/ capacitação (oficina em evento acadêmico), um a internet
e outros dois a existência de livros didáticos.

A pergunta seguinte versava sobre a existência de material didático


acerca dos meios de comunicação para os alunos.

Gráfico 01 – Material Didático

233
3

Sim
Não

Dentre os sete que responderam afirmativamente, seis indicaram de


modo genérico o material (livro didático, computadores, livros, TV,
jornal e revista). Apenas um participante apontou que o livro
didático contem sugestões de atividades como os meios de
comunicação (jornal e revista), sem, no entanto, indicar título, autor
e editora.

Do público investigado, apenas três professores fizeram sugestões de


trabalho com os meios de comunicação nas aulas de história.
Apontaram a possibilidade de utilizar como ferramenta para obter
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

informações e também para divulgar conhecimento em redes sociais


e blogs. Foi outra, porém, a resposta chamou nossa atenção. Um
professor fez referência a possibilidade de trabalhar com jornal local,
dificultada pela falta de estimulo dos alunos a leitura e, por isso,
vislumbrou “maiores facilidades” para o a trabalho com material
audiovisual: “Já com outros meios de comunicação talvez por ser
audiovisual não apresentará dificuldades.”

Outras dificuldades foram listadas mesmo por aqueles que não


elencaram possibilidades de trabalho. Dificuldade de leitura,
carência de recursos apropriados e materiais didáticos, falta de
recursos financeiros e dificuldade em utilizar aparelhos e recursos
tecnológicos da escola também foram apontados.

Por fim, perguntamos sobre o papel exercido pelos meios de


comunicação na atualidade. Cinco professores colocaram como
tendo papel fundamental para o processo de ensino aprendizagem e
um indicou como fundamental para a formação do cidadão crítico.
Os outros não fizeram menção a educação no ambiente escolar, já
que um apontou as mídias como centrais na formação da
personalidade e outro como essencial na vida social. Também
234 ressaltaram como fundamental para construir/desconstruir
informações e para analisáramos os fatos em determinado
tempo/espaço.

Parece possível salientar que o conhecimento dos pesquisadores


sobre a utilização dos meios de comunicação nas aulas de escolas
públicas situadas no interior do Brasil ainda é limitado. A despeito
da falta de conhecimento produzido na academia ou das dificuldades
para se trabalhar com meios de comunicação na educação básica, tal
como indicadas nas respostas acima, devemos ressaltar a
importância de utilização de diferentes mídias para a formação do
cidadão. Como asseverou Sylvia Magaldi (2001, p. 113)

A formação para a cidadania não pode mais dispensar


uma consistente educação para as mídias, em especial a
mídia televisual. Como formadora de comportamentos e
opiniões, a TV exerce um poder sem precedentes. Não
cabe negar esse fato, nem abordá-lo emocionalmente. É
necessário, sim, educar para uma compreensão objetiva e
crítica da linguagem e das mensagens da TV, para a
identificação de como ela funciona enquanto mídia
comercial, de como ela interage com as realidades sócio-
POR UM OUTRO AMANHÃ

culturais e políticas no mundo todo, mas de modo


especial no Brasil.

Com a descrição dos dados levantados, objetivamos contribuir,


ainda que pontualmente, com as discussões acerca da utilização dos
meios de comunicação nas aulas de história. Almejamos, assim,
despertar a curiosidade de pesquisadores para a temática, ainda
carente de trabalhos com dados e descrições de experiências
didático-pedagógicas. E, quem sabe, chamar a atenção para a
necessidade de se produzir material didático e organizar de cursos
de formação docente.

Referências

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o ensino de primeiro grau. São Paulo: Annablume, 1999.
BELLONI, Maria Luiza. A televisão como ferramenta pedagógica na
formação de professores. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29,
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brasileira. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 30, n. 109,
p.1103-1122, set./dez. 2009. Disponível em:
< http://www.scielo.br/pdf/es/v30n109/v30n109a09.pdf>.
Acesso em: 22 mar. 2014.
236 ____. Circulação de textos midiáticos entre alunos de escola pública
básica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 01, p. 297-310,
jan./abr. 2010. Disponível em:
< http://www.scielo.br/pdf/ep/v36n1/a07v36n1.pdf>.
Acesso em 20 mar. 2014.
____. Políticas educacionais e mídia no Brasil: apontamentos sobre
o quadro atual. Resgate. Vol. XIX, n. 22, p. 21-31, jul./dez. 2011.
Disponível em:
<http://www.cmu.unicamp.br/seer/index.php/resgate/article/view
/276>.
Acesso em 20 mar. 2014.
POR UM OUTRO AMANHÃ

CONCEPÇÕES DE FORMA DE GOVERNO DE ATENAS EM


LIVROS DIDÁTICOS CONTEMPORÂNEOS

Elvis Rogerio Paes


Luís Ernesto Barnabé

O que tradicionalmente se conhece por História Antiga enquanto


código disciplinar – o seu recorte espacial e temporal adotado – não
pode ser visto como algo naturalizado, mas ao contrário, uma
construção ocorrida na Europa por séculos e consequentemente
como um processo que implicou para a sociedade brasileira, em
meados do século XIX, em escolhas de filiação ocidental, o que
resultaria na construção de uma memória social que predomina até
os dias atuais (GUARINELLO, 2013). Tratava-se também de se
fabricar uma antiguidade “sem conflitos, como uma idade de ouro
perdida, servia a interesses não declarados” (FUNARI; SILVA;
MARTINS, 2008.p.8).

Por isso, é importante compreender como se deu a “invenção” do


antigo. O Renascimento Cultural na Europa do século XIV trouxe 237
consigo a redescoberta e uma “glorificação” do patrimônio do
mundo greco-romano. Obras e autores até então esquecidos, a partir
do Renascimento terão uma maior abrangência e na Itália do século
XVII passam a serem vistos como: “a herança escrita dos antigos”
(GUARINELLO, 2013.p.18). Isso evidencia que o surgimento da
História Antiga “foi, no princípio, um movimento cultural e literário
a partir de textos e objetos” (GUARINELLO, 2013.p.17) e o
Renascimento “não foi um renascer passivo, mas uma construção
profunda da memória” (GUARINNELO, 2013.p.19). Esses
instrumentos foram suportes, “testemunhos dessa visão do passado”
(GUARINELLO, 2013.p.18), responsáveis pela herança de uma
memória social “tributária de dois grandes eixos culturais antigos: o
mundo greco-romano e o mundo bíblico”, que constituíram o
Ocidente.

Se levarmos em conta a importância dada nos textos oficiais e nas


reformas educacionais propostas após o fim da ditadura militar a
temas como cidadania e democracia e ter em conta que “o livro
didático faz parte intrínseca do processo educativo” (BRASIL, 1999.
p.461), e que por conta do PNLD (Programa Nacional do Livro
Didático) alcança praticamente todos os bancos escolares do país,
acreditamos ser válido analisar como tais temas são apresentados no
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

contexto do mundo grego (e relacionados, ou não, ao nosso mundo).


Com efeito, este trabalho pretende mapear as abordagens nas
edições aprovadas pelo PNLD 2014 das formas de governo ateniense
em livros didáticos atuais.

Isso implica compreender a dimensão complexa do livro didático.


Estes “são instrumentos de trabalho do professor e do aluno,
suportes fundamentais na mediação do ensino e aprendizagem”.
(BITTENCOURT, 2011.p.295), mas também podem revelar as
práticas sociais que incidem sobre seu feitio, isto é, as visões de
mundo e concepções de história que foram, e são mobilizadas, e
resultam em narrativas dos capítulos; e fica mais evidente quando se
concebe o livro didático, “antes de tudo como uma mercadoria”
(BITTENCOURT, 2002.p.71) e que, também, possui o “papel de
instrumento de controle por parte dos diversos agentes do poder”
(BITTENCOURT, 2011.p.298), portanto “a escolha do material
didático é assim uma questão política” (BITTENCOURT,
2011.p.298).

Identificaremos a construção narrativa das formas de governo e os


conceitos de democracia, ostracismo, buscando compreender
238 permanências ou rupturas de uma tradição na escrita acerca de
Atenas.

Os livros são utilizados no 6° ano do Ensino Fundamental II, e


trabalhados na grade curricular de História Antiga, selecionamos 12
livros do referido PLND, que serão descritos no quadro abaixo.

Livros Título Autor (es) Editora


1 Vontade de Saber Marco Pellegrini; Adriana Dias; FTD S.A
História Keila Grinberg.
2 Projeto Teláris Gislane Azevedo; Reinaldo Ática
Da Pré-História à Seriacopi.
Antiguidade
3 Leituras da História Oldimar Cardoso Escala
Educacional
4 Por Dentro da História Pedro Santiago; Célia Serqueira; Escala
Maria Aparecida Pontes. Educacional
5 Estudar História Patrícia Ramos Braick Moderna
Das origens do homem
à era digital
6 História Sociedade & Alfredo Boulos Júnior FTD
Cidadania ed.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Reformulada
7 Encontros com a Vanise Ribeiro; Positivo
História Carla Anastasia.
8 Saber e Fazer História Gilberto Cotrim; Saraiva
Jaime Rodrigues.
9 Jornadas.hist Maria Luísa Vaz; Saraiva
Silvia Panazzo.
10 Perspectiva História Renato Mocellin; Brasil
Rosiane de Camargo.
11 História Débora Yumi Motooka; SM Ltda.
Para Viver Juntos Muryatan Santana Barbosa.
12 Projeto Araribá Maria Raquel Apolinário Moderna
História

O quadro abaixo apresenta estruturação das formas de governo em


Atenas apresentada por cada obra analisada:

Livro Formas de Governo


1 Rei; Aristocracia; Democracia.
2 Basileu: rei escolhido entre grandes proprietários de terra e
governava com o apoio destes;
Aristocracia: “autoridade dos melhores”, do grego áristos, “os
239
melhores”; kratos, “autoridade”;
Democracia: do grego, 'demo', “povo” e 'cracia', “governo”.
3 Rei: Menciona a figura do polemarca e a do arconte, estes eram
auxiliares do rei escolhidos da nobreza, esse poder real enfraquece
devido a aristocracia;
Aristocracia: Nesse período não existe mais a figura do monarca, o
governo fica na mão do arconte e do polemarca, ou seja, da
aristocracia;
Democracia: É a fase de Atenas, onde, o governo está nas mãos do
cidadão.
4 Monarquia; Arcontado; Aristocracia: Governo dos melhores
(aristoi); Legisladores; Tiranos; Democracia.
5 Monarquia; Aristocracia; Democracia.
6 Rei;
Aristocracia: Governo dos melhores. A aristocracia é um grupo
formado por pessoas ou famílias que, por herança ou concessão,
possuem poder ou uma série de privilégios sobre os demais.
Democracia: Democracia é a junção de demos (povo) e kratos
(poder).
7 Monarquia: Governo de um rei. Formado pelo basileu.
Oligarquia: Governo de poucos.
Tirania: Aquele que governa pela força, despoticamente, sem
obedecer às leis existentes.
Democracia: do grego demo = povo e cracia = governo.
8 Rei: Meados do séc. VIII, possuía a função de juiz, sacerdote e chefe
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

militar.
Arcontes: Séc. VII, aristocracia, composta pelos eupátridas “bem-
nascido”, famílias consideradas nobres.
Democracia.
9 Monarquia: Séc. VIII a.C., na época de sua fundação, o governo era
exercido por um rei, chamado basileu.
Oligarquia: Os eupátridas formavam essa oligarquia, palavra grega
que significa governo exercido por um só grupo social ou de poucos
grupos sociais,
Democracia: Séc. VI, palavra grega que significa 'governo do povo'.
10 Monarquia: Constituída de forma hereditária. O rei era
denominado de basileu.
Oligarquia: Somente os eupátridas governavam.
Legislador; Tirano; Democrático.
11 Eupátridas: Aristocratas.
Democracia: Governo do povo.
12 Aristocracia: Atenas no início do século VII a.C estava nas mãos
dos aristocratas.
Democracia: Governo do demos (povo).

Foi possível identificar semelhanças e algumas variações entre os


livros didáticos, e disto destacamos cinco padrões. O primeiro
padrão forma uma sequência de: Rei, Aristocracia e Democracia, que
240 pode ser observada nos livros 1, 2, 3, 5, 6, 9. Já o segundo estabelece
uma sequência mais detalhada: Monarquia, Arcontado, Aristocracia,
Legisladores, Tiranos, Democracia, e ocorre nos livros 4 e 8. O livro
10 é o único que apresenta sequência: Monarquia, Oligarquia,
Legislador, Tirano e Democracia, enquanto que o livro 11:
Aristocracia e Democracia. Finalmente, o livro 7 expõe: Monarquia,
Oligarquia, Tirania e Democracia.

Em relação a democracia este conceito está presente em todas as 12


obras analisadas, mas somente os livros 2, 3, 6, 7, 9, 11, 12, se
preocupam em apresentar uma definição a respeito do conceito.

Desta forma temos:

N° Dados Obtidos
Livro
2 Democracia: (do grego, demo que quer dizer „povo‟ e cracia, „governo‟.
(p.172)
3 Democracia: tem origem na palavra grega demos, nome dado pelos
atenienses tanto à população em geral quanto as divisões
administrativas de sua cidade. (p.104)
6 Democracia: A palavra democracia é a junção de demos (povo) e
kratos (poder), isto é poder do povo. (p.209)
7 Democracia: do grego demo = povo e cracia = governo, governo do
POR UM OUTRO AMANHÃ

povo. (p.130)
9 Democracia: palavra de origem grega que significa “governo do povo”.
(p.199)
11 Democracia: Era a democracia, o governo do povo. (p. 110)
12 Democracia: democracia, isto é, o governo do demos, palavra grega
que significa tanto “povo”, quanto uma divisão territorial de Atenas.
(p.168)

Assim, é possível perceber que os livros 9, 11, possuem grande


similitude na explicação dos conceitos. Os livros 2 e 7 também
expressam semelhanças. Temos por destaque os livros 3 e 12, que
atrelam ao conceito “demos” não apenas o sentido de povo, mas
também uma “divisão territorial de Atenas”.

A definição etimológica para o termo democracia, somente é


encontrada no livro 6, o qual ao contrário dos demais (2,7,9,11),
utiliza a palavra grega kratos para indicar poder e não governo.

Em relação ao Ostracismo, uma lei implantada na Atenas


democrática por Clístenes, que consistia em expulsar da cidade por
um período de dez anos quem ameaçasse a democracia, não é
mencionado nos livros 2,3,5,8,12. Quando mencionado nos livros
1,7,9, e 10 os autores ilustram o termo a partir das imagens de cacos
241
de cerâmica.

Considerando os fatos elencados notamos, que os livro 7,9,11,


expressam como explicação de democracia “Governo do Povo” e o
livro 6, que busca uma etimologia mais precisa, traduz kratos como
“poder”, portanto a democracia seria “Poder do Povo”. Noutras
palavras, a Democracia de Atenas não poderia ser definida como um
Governo do Povo, pois o povo ateniense tinha o poder de fazer leis,
destituir leis, fazer melhoramentos na cidade e isso não condiz com
o modo de governo atual, que é uma democracia representativa, e
que de fato o povo não exerce governo algum.

Portanto, o termo kratos é melhor traduzido no contexto ateniense


como “poder” do que como “governo”, pois o cidadão ateniense de
fato exercia o poder sem passar por intermediadores.

Enfim, foi possível perceber até aqui que há grande semelhança


entre as obras na organização das abordagens acerca de Atenas e sua
evolução política. Boa parte delas opta por três estágios –
monarquia-aristocracia-democracia – numa possível alusão às
próprias classificações feitas na antiguidade por Aristóteles e
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Políbio. Há ainda outras que escapam à tríade e incluem outras


etapas: arcontado, legisladores, tiranos(ia), e outras que ficam na
dualidade aristocracia-democracia. Outro ponto que chamou
atenção foi a predominância em torno da definição do termo
democracia como “governo do povo”, quando somente uma obra
enfatizou kratos.

Livros didáticos

PELLEGRINI, Marco; DIAS, Adriana; GRIMBERG, Keila. Vontade


de Saber História, 6° Ano. 2. ed. São Paulo: FTD, 2012.
AZEVEDO, Gislane; SERIACOP, Reinaldo. História Da Pré-
História à Antiguidade, 6° Ano. 1° ed. São Paulo: Ática, 2012
(Projeto Teláris: História).
CARDOSO, Odimar. Leituras da HISTÓRIA, 6° Ano. 1° ed. São
Paulo: Escala Educacional, 2012.
SANTIAGO, Pedro; CERQUEIRA, Célia; PONTES, MARIA
Aparecida. Por Dentro da História, 6° Ano. 3ª ed. São Paulo:
Escala Educacional, 21012.
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: Das origens do
homem à era digital, 6° Ano. 1ª ed. São Paulo: Editora Moderna,
242 2011.
BOULOS, Alfredo Jr. História sociedade & cidadania, 6° Ano.
2ª ed. São Paulo: FTD, 2012.
RIBEIRO, Vanise; ANASTASIA, Carla. Encontro com a História,
6° Ano. 3ª ed. Curitiba, Editora Positivo, 2012.
COTRIM, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Saber e Fazer História,
6° Ano. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
VAZ, Maria Luísa; PANAZZO, Silvia. Jornadas.hist, 6° Ano. 2ª ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MOCELLIN, Renato; CAMARGO, Rosiane de. Perspectiva
História, 6° Ano. 2ª ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2012.
MOTOOKA, Débora Yumi; BARBOSA, Muryatan Santana. Para
viver juntos: história, 6° ano. 3ª ed. São Paulo: Edições SM,
2012.
APOLINÁRIO, Maria Raquel. Projeto Araribá: história, 6° Ano.
3ª ed. São Paulo: Editora Moderna, 2010.

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História:


fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2011
BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional do Livro
Didático – Guia de Livro Didático. Brasília, 1999.p.461.
POR UM OUTRO AMANHÃ

FUNARI, P.P.A.; SILVA, G.J. & MARTINS, A. L. (org.) História


Antiga: contribuições Brasileiras. São Paulo: Annablume
Fapesp, 2008
GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo:
Contexto, 2013.

243
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

LUZ, CÂMERA, AÇÃO... EXPERIÊNCIAS NA PRODUÇÃO


DE DOCUMENTÁRIOS DENTRO DO PROJETO
"CATADORES DA MARGEM ESQUERDA” EM UNIÃO DA
VITÓRIA (2009-2011)

Elois Alexandre de Paula

Com aquela frase de Glauber Rocha: "Uma câmera na mão e uma


ideia na cabeça", quero relatar aqui as experiências vividas durante o
percurso do projeto "Catadores da Margem Esquerda: Coleta,
sobrevivência e identidade no Médio Iguaçu no inicio do século
XXI". Projeto desenvolvido pelo colegiado de História da Faculdade
Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória/PR com
incentivo do Programa Universidade Sem Fronteiras da SETI-PR,
entre os anos de 2009 e 2011.

Venho aqui comentar de forma sintetizada a nossa trajetória durante


o período em que trabalhamos no projeto "Catadores", e de como se
produziram os diversos documentários e seus resultados. Outro
244 ponto é comentar sobre os grandes e significativos aprendizados
dentro da história e para a vida acadêmica e profissional.

Todo o trabalho realizado durante o período do projeto nos


possibilitou reconhecer a dinâmica de vida e da história de diversos
personagens chamados de "Catadores", localizados em grande parte
na Margem esquerda do Rio Iguaçu de União da Vitória e demais
localidades da cidade. Tendo como metodologia a história oral
desses "catadores", transformando essas fontes em um trabalho
cinematográfico.

A História oral, como comenta Alberti, (2006), busca a legitimidade


como área da pesquisa historiográfica, a história dentro da história.
O contexto da micro história aborda o discurso dos indivíduos ditos
anônimos da História. Portanto o projeto "Catadores da Margem
Esquerda" veio ao encontro a essa proposta, criando o contexto da
história local, em torno desses indivíduos e transformando-se em
diversos documentários, como explicaremos logo a seguir.

Criar documentário... Um aprendizado Diferenciado

O projeto desenvolvido pelo departamento de História da FAFIUV


integrou a proposta do subprograma „Diálogos Culturais‟
POR UM OUTRO AMANHÃ

(ESTACHESKI, 2010). Inicialmente o projeto tinha duas propostas a


serem apresentadas, a primeira era construir um documentário no
contexto longa metragem, ou seja, a ideia central. E a segunda era a
publicação de um livro com artigos que os integrantes do projeto
produziriam, discutindo vários assuntos sobre a dinâmica de vida
dos catadores.

Com relação aos integrantes que participaram do projeto, foi


realizado no início 2009 um processo seletivo para se formar a
equipe, em que foram selecionados os seguintes membros: (sem
contar os coordenadores) Coordenadores: Jefferson William Gohl,
Ilton Cesar Martins, na primeira fase e Everton Crema, na segunda
fase. Orientadora: Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski. Recém
formados: Fernando César Gohl Licenciatura em Relações Públicas -
UNIUV, Itamara Cris Marchi Licenciatura em História - FAFIUV,
José Roberto Corrêa Such - Licenciatura em História - FAFIUV.
Graduandos em Licenciatura em História: Adelir Farias, Daniele
Aparecida Moreira Bueno, Elois Alexandre de Paula, Júlio Cesar
Jacinto, Karoline Fin e Marília Gabrielle Puff.

Com o início dos trabalhos em março de 2009, realizou-se um


trabalho de campo para se entender e buscar os relatos de vida e a 245
identidade daqueles indivíduos, que muitas vezes eram rotulados
pela vadiagem ou pela ideia de pessoas indesejáveis. Desde o
princípio percebemos que muitos desses indivíduos tinham histórias
muito significativas que tratavam de relatos que iam desde a sua
forma de trabalho como catadores, mas também, de seu cotidiano,
de seu âmbito familiar e as relações deles com a sociedade.

Diante desse primeiro contato se traçou um pré-roteiro e uma ideia


de como se construiria o documentário, mas, além disso, iniciamos
as filmagens desses indivíduos realizando entrevistas com questões
"determinadas" que pudessem transmitir a ideia e o pensamento
desses indivíduos sobre a suas vidas.

Deste momento em diante a câmera entra em ação iniciando as


tomadas e "captando" as mais diversas histórias que seriam
aproveitadas em uma edição preliminar que foi a segunda fase do
projeto que, proporcionando grandes experiências sobre a história
desses "personagens".
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Edição e Roteiro e a Criação dos Curtas

Como já comentado a proposta dos documentários era de relatar o


cotidiano dos catadores. Mostrar ao público suas narrativas sobre a
sociedade em que os mesmos estão inseridos, suas necessidades e a
dinâmica da vida social e familiar, usando as fontes orais desses e as
imagens que representam toda essa proposta no trabalho.

Portanto, tínhamos muito trabalho por parte da equipe de edição, de


que participei, e sem muita experiência começamos a realizar as
edições e sempre visando a proposta do projeto e seguindo o roteiro
determinado. Começamos então a analisar demais documentários
sobre o tema "Catadores", como por exemplo, „Ilha das Flores‟
(1989), „Istamira‟ (2006), trabalhos que serviram como suporte para
o desenvolvimento dos documentários. A ideia de se apresentar a
construção de identidades sobre esses grupos, seus pensamentos
sobre o mundo, como comenta Silva (1996), teriam de ser
apresentadas dentro das mídias e, portanto nos preocupamos em
transmitir essa ideia tanto no roteiro, como na montagem e edições
do documentário.
246 Como resultado conseguimos produzir bem mais que um
documentário. Com a análise do material que tínhamos em mãos
que foram mais de cem horas de filmagens conseguimos ir muito
além da proposta. Com relatos diversificados e personagens que
chamaram a atenção pelo contexto de suas histórias, produzimos
mais três curtas, sendo eles, Zé da Viola, (2010), Dona Zenilda
(2010) e Dagoberto (2010).

O curta „Zé da Viola‟ apresenta a História de um senhor, coletor de


material reciclável, residente no Bairro Ponte Nova, que além de sua
atividade com material reciclável, também trabalha com materiais
em madeira, em sua modesta carpintaria em sua residência. Suas
principais criações são instrumentos de corda, violões e violas, assim
como o trabalho de conserto dos mesmos. Um grande artífice na
carpintaria, e nas horas de lazer usa seus dons musicais para compor
músicas em sua viola preferida. Recitando sempre seus versos sobre
a vida cabocla, o mesmo comenta sobre a sua trajetória de vida e
também sobre a sua participação em rádios locais, em que se
apresentava com sua viola e seus versos.

O curta „Dona Zenilda‟ é uma história que aborda o drama de uma


senhora que mora na ribeirinha do Rio Iguaçu, e que como
consequência natural, ocorreu uma cheia no período da filmagem e
POR UM OUTRO AMANHÃ

em visita ao local a equipe abordou esta senhora e sua família numa


situação calamitosa em que sua residência estava inundada. Sem ter
aonde ir, e com perca de seus bens, o drama desta senhora e seus
relatos, são exemplos que se repetem nessas regiões da cidade de
União da Vitória. Historicamente o problema das cheias na cidade
atinge essa parte da população, muitas vezes desassistida pelo poder
público, e que sofre muitas vezes discriminação por parte da
sociedade. Esses relatos são enfatizados por Dona Zenilda nesse
documentário.

O longa „Catadores da margem esquerda‟ foi o último trabalho a ser


realizado pela equipe. O filme com a duração de mais de duas horas
teve a participação de todos os atores dos curtas, e também de
outros atores que tiveram suas imagens e discursos apresentados no
trabalho. Personagens daqui de União da Vitória e também de
Bituruna-PR, que também teve a participação de trabalhadores de
uma cooperativa de material reciclável. Além de empresários do
ramo de reciclagem, os demais catadores, de cooperativa ou não,
tiveram suas vozes e suas imagens dentro deste trabalho, com suas
críticas, necessidades e suas histórias de vida e trabalho. Tendo
assim atingido a proposta central do nosso projeto.
247
Dagoberto: Uma Surpresa?

Com certeza o documentário Dagoberto foi surpreendente pela


repercussão para a equipe de projeto. Graças a experiência adquirida
no percurso do projeto, principalmente a nossa equipe de edição,
tivemos a ideia de elaborar o curta Dagoberto em 2010. A dinâmica
do processo de edição foi baseada em roteiro priorizando as falas do
„ator‟ Dagoberto, juntamente com as imagens de seu trabalho no seu
cotidiano.

Dagoberto, morador do bairro São Cristóvão é um catador de


material reciclável com uma dinâmica de trabalho diferenciada. Com
sua bicicleta acorrentada a um carrinho ele percorre um longo
caminho desde o bairro até a área central de União Da Vitória,
passando pela ponte férrea do município com sua carga de material.

A equipe de filmagem passou um dia acompanhando o trabalho


deste senhor pelas ruas da cidade e realizando as tomadas de
imagens de toda a trajetória de seu trabalho e de sua casa, na qual
existe uma organização diferenciada desses materiais e da forma de
como ele negocia esses materiais com empresas da cidade. De toda a
forma, a maneira de vida de Dagoberto e seu discurso, sua vida e seu
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

trabalho foi um material áudio visual muito bem elaborado pela


nossa equipe de edição, graças as imagens que nós realizamos e um
tratamento especial na montagem do curta.

Esse trabalho diferenciado surtiu resultados satisfatórios.


„Dagoberto‟ participou em eventos de cinema concorrendo em
amostras internacionais juntamente com o documentário Zé da
Viola, em 2010. Além de evento no nível estadual realizado em
União da Vitória e em evento nacional realizado em São Paulo, em
2011.

O curta "Dagoberto" (2010) foi nossa grande pérola do projeto, pois


até mesmo nos dias atuais é bem aceito pela opinião pública e por
profissionais da área e da região, rendendo elogios pela forma de
como esse trabalho foi produzido. Não tem como não comentar que
Dagoberto foi uma surpresa para mim e a toda equipe do projeto.

A Importância do Projeto: O Conhecimento do Fazer


História

A dimensão que o projeto Catadores da Margem Esquerda atingiu


248 para nossa formação acadêmica é inquestionável a sua abrangência.
Quero apontar primeiramente o desenvolvimento técnico
profissional que obtive com a questão de edição de vídeos. Desde o
início, graças a ajuda dos coordenadores do projeto e de meu amigo
de trabalho Fernando Gohl, despertei o interesse pela edição e
filmagem de vídeos em que me desdobrei por horas em frente a ilha
de edição para editar as imagens que nos chegavam, para que o
trabalho se concluísse em tempo hábil.

Ainda com relação à edição, meu empenho foi sempre acima do que
foi proposto, porque meu interesse pelo trabalho e pela própria
edição me despertou interesse em aprender sobre os fundamentos
de edição. Com isso fomos chamados por várias vezes para realizar
trabalhos para a FAFIUV, no período do projeto, em que realizei e
realizo inúmeros trabalhos para a instituição entre vídeos
institucionais documentários e demais outros vídeos que não temos
espaço para mencionar. Destaco aqui o documentário "50 anos de
história -uma fábrica de ideias”, em que tive a ideia de realizar um
documentário estilo "media" sobre os 50 anos do curso que estava
completando nos anos 2010 e 2011. Com a ajuda da equipe foram
gravados vários depoimentos de ex-professores sobre o curso,
usando imagens históricas sobre o curso de história na FAFI. O
POR UM OUTRO AMANHÃ

resultado então foi significativo e marcou a data alusiva do curso de


história da FAFIUV.

Com relação ao aprendizado histórico foi também muito gratificante


o trabalho com relação à imagem dos Catadores. Segundo Vainfas
(2002) é importante entender os protagonistas anônimos da
história, ou seja, aqueles que são personagens anônimos que de
qualquer modo participam das mudanças da sociedade ou são
empurrados pelas mesmas. Desse modo a historiografia e a micro
história vem ao alcance a essa temática, incluindo também nossos,
muitas vezes esquecidos, catadores de União da Vitória.

Além disso, todo o nosso trabalho foi bem além de nossa formação
acadêmica, mas ficou um legado para se discutir em várias correntes
da historiografia. Essas produções deixam espaço para o expectador
compreender o cotidiano desses catadores que também fazem parte
de uma história local. E indo além, os documentários sobre os
catadores podem propor diversas discussões em várias áreas da
história em sala de aula, como gênero, identidades, cultura e a
história local, assim como material de pesquisa e fontes
audiovisuais. Ainda a discussão sobre os trabalhos do projeto
poderão ser abordadas para outras áreas como a sociologia, 249
economia, filosofia e cinema.

Enfim, todo o desenvolvimento do trabalho no projeto "Catadores


Da Margem Esquerda" nos levou para além do conhecimento técnico
da criação de mídias, mas também possibilitou a compreensão da
história, da realidade de vida desses indivíduos, para além da sala da
aula. Em outras palavras nosso aprendizado no projeto, abriu novos
horizontes do conhecimento histórico, e aproveitamos esse
conhecimento e projetamos nossos trabalhos sobre a História desses
catadores nas telas de cinema.

Referências Bibliográficas

ALBERTI. Verena. „Histórias dentro da História‟. In: PINSKI, Carla


Bassonazi (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
Catadores da Margem Esquerda. Documentário. União da
Vitória: FAFIUV, 2010.
Dagoberto. Documentário. União da Vitória: FAFIUV, 2010.
Dona Zenilda. Documentário. União da Vitória: FAFIUV, 2010.
ESTACHESKI, Dulceli de Lourdes Tonet; CREMA, Everton Carlos
(Orgs.) Catadores da Margem Esquerda: Coleta, Sobrevivência
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

e Identidade no Médio Iguaçu no Início do século XXI. União da


Vitória: Kaygangue, 2010.
ESTAMIRA. Documentário. Rio de Janeiro: Direção Marcos Prado,
2004.
SILVA, Maria Aparecida de Moraes. A voz do passado: tecendo
possíveis. Itinerários, Araraquara n°9, 1996.
VAINFAS. Ronaldo. Os Protagonistas Anônimos da História.
Rio de Janeiro: Ed Campus, 2002.
ZÉ DA VIOLA. Documentário. União da Vitória: FAFIUV, 2010.

250
POR UM OUTRO AMANHÃ

HISTÓRIA E LITERATURA: DEBATES E NOVAS


LINGUAGENS

Erivaldo Cavalcanti dos Santos Jr

É na escola que obtemos o início de nossa formação acadêmica e


social. Durante o momento das aulas somos expostos a diversas
teorias, ideologias, e informações de grande relevância para o
desenvolvimento intelectual de um indivíduo. É também neste
espaço de educação que nos é introduzida aquelas que por um longo
período de nossas vidas serão nossas referências culturais. A
literatura é parte fundamental na criação deste cânone. A prova
encontra-se na sua relação com outras áreas do conhecimento que
buscam a interdisciplinaridade pelo fato de a literatura em suas
composições reunir dados de todas as áreas do conhecimento.

Diante deste cenário, a relação entre história e literatura apresenta


possibilidades para aqueles que se dedicam aos estudos históricos e
também como um recurso educacional. Contudo, esta relação, assim
como todas, apresenta ascensões e quedas. Durante um considerável 251
período de tempo, era notável uma resistência por parte dos
historiadores em admitir outras áreas do conhecimento em conjunto
com a História, principalmente pela forte influência do Positivismo
no século XIX que tratava o estudo do passado com tanto rigor
quanto uma ciência exata.

"Hoje em dia, parece bastante claro que a crença do


século XIX na dessemelhança radical entre arte e ciência
resultou de um mal-entendido promovido pelo medo que
o artista romântico sentia da ciência e pela ignorância
que o cientista positivista tinha da arte". (WHITE, 1994,
p.40-41).

Esta influência positivista foi estendida também as salas de aula


onde ainda hoje é notável a resistência na história dos grandes
acontecimentos, dos grandes heróis, dos vencedores. Entretanto, na
virada para o século XX, novas correntes de pensamento surgem
com o objetivo de repensar o ofício do profissional da História e
principalmente de problematizar o passado que parecia a nós tão
engessado. Uma das propostas era de aumentar os diálogos que a
História poderia fazer com outras áreas do conhecimento humano. A
sociologia e a antropologia foram as primeiras a se integrarem a
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

história, mas, com o crescimento do interesse em outras áreas de


pesquisa como o cotidiano e a cultura foi dado também espaço as
artes, e entre elas estava à literatura.

"É bem possível que a tarefa mais difícil que a atual


geração de historiadores é chamada a realizar seja expor
o caráter historicamente condicionado da disciplina
histórica, presidir a dissolução da reinvindicação de
autonomia que a história mantém com respeito às
demais disciplinas e promover a assimilação da história a
um tipo superior de investigação intelectual que, por
estar fundada numa percepção mais das semelhanças
entre a arte e a ciência que das suas diferenças, não pode
ser adequadamente assinada nem por uma nem por
outra". (WHITE, 1994, p. 41).

Após conquistar notoriedade no meio acadêmico, estes novos


teóricos, principalmente os franceses, iniciaram um grande debate
sobre as fontes do historiador, e lá estava a literatura novamente
ocupando local de destaque. Estas inovações não se limitaram a
academia somente, aos poucos as novidades foram penetrando
252 também nas instituições de ensino. Aos poucos era possível perceber
a adesão em sala de aula de um diálogo saudável entre a história e a
literatura principalmente daqueles profissionais que desejavam ir
além das limitações impostas pelo material didático. É impossível
afirmar que não houve evolução na maneira a qual o livro didático
propõe interações com outros conhecimentos e também com as
artes, basta um breve olhar sobre os exemplares de auxílio ao
professor onde se existem citações e indicações de obras literárias e
artísticas, porém, somente a indicação destas obras não reflete a
importância que adquiriram ao longo do tempo.

"Por isso, nunca será demais recomendar a leitura direta


dos textos originais, evitando o mais possível bibliografia
crítica, comentários, interpretações. A escola e a
universidade deveriam servir para fazer entender que
nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o
livro em questão; mas fazem de tudo para que se acredite
no contrário". (CALVINO, 1993, p.12).

Além de existirem as dificuldades de conciliar a


interdisciplinaridade e o tempo hábil para exercer os tais projetos, a
metodologia para o uso da literatura na maioria dos casos é mal
executada. Este erro ocorre na maioria das vezes por dois motivos: A
POR UM OUTRO AMANHÃ

negligência com o material oferecido e má utilização da relação entre


a literatura e a história.

O primeiro ponto torna-se um grave erro pelo fato de não


acompanhar, aconselhar e trabalhar a obra em sala. Buscar o
interesse e participação do público alvo que são os estudantes
também é fundamental, principalmente diante da dificuldade de
oferecer para uma geração acostumada com a imagem, com as
múltiplas explosões de uma tela, ou em outras palavras, uma
geração que se adaptou a compreender símbolos. Com o avanço cada
vez mais agressivo da tecnologia "preferimos a imagem ao objeto, a
cópia ao original, o simulacro (a reprodução técnica) ao real"
(SANTOS, 2008, p.12).

Uma alternativa para explorar o interesse das novas gerações nas


imagens é, por exemplo, uma série de adaptações de obras clássicas
para o formato de histórias em quadrinhos. Encontram-se desde
exemplares de O Conde de Monte Cristo e da Ilíada e Odisseia até
exemplares do Manifesto do Partido Comunista em mangá (a
linguagem japonesa das histórias em quadrinhos). Esta tendência
tornou-se crescente na busca das editoras para levar até as novas
gerações obras que atualmente são reconhecidas como clássicos. 253
Outro recurso que deve também ser levado em consideração é a
utilização de obras que foram transpostas dos livros para as telas,
nunca substituindo o uso do exemplar original, mas utilizar o filme
como uma demonstração, uma introdução ao que será trabalhado
com a obra. Contudo, mesmo com a falta ao acesso destes materiais,
deve ser salientado que a escola tem a função de apresentar aos
estudantes a literatura, e os clássicos. Ao realiza-los provemos aos
alunos o suporte necessário para que o mesmo construa futuramente
o se cânone.

"A escola deve fazer com que você conheça bem ou mal
um certo número de clássicos dentre os quais (ou em
relação aos quais) você poderá depois reconhecer os
"seus" clássicos. A escola é obrigada a dar-lhe
instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas
que contam são aquelas que ocorrem fora e depois de
cada escola. É só nas leituras desinteressadas que pode
acontecer deparar-se com aquele que se torna o 'seu'
livro". (CALVINO, 1993, p.13).

A outra problemática listada anteriormente o uso equivocado da


relação entre história e literatura dá-se decorrente da primeira
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

postura, ao não analisar e apresentar corretamente a obra escolhida


o educador acaba por desperdiçar todo o potencial da obra
escolhida, enquanto com simples questionamentos e o levantamento
de alguns dados pode-se levar a leitura de uma obra a uma análise
de fonte histórica sobre um período.

Questionar-se sobre o período em que o livro foi produzido, sobre a


origem do autor, sua posição social e política, perguntar-se sobre
quais eram os principais debates de sua época são apenas pequenos
pontos que ao serem abordados tornam o ofício de trabalhar com a
literatura também uma descoberta de novas perspectivas para um
mesmo período estudado.

A literatura permite que pensemos além daquilo que nos é exposto


até mesmo pelos livros de história, nos faz questionar sobre algumas
posturas que até antes do contato com estas obras pensávamos ser
inimagináveis. Outro aspecto que deve ser trabalhado com a
literatura é a história das minorias, um exemplo encontra-se na
antiga Grécia. Enquanto os livros didáticos persistem na postura de
não problematizar a posição da mulher grega, encontramos na
literatura personagens de grande poder, a exemplo de Antígona,
254 pertencente a Sófocles e Medéia de Eurípides. Ambos os casos são
personagens femininas e que demonstram que era possível a
existência de mulheres de grande destaque na sociedade, algo que
foge completamente do antiquado discurso das mulheres de Atenas.

"O clássico não necessariamente nos ensina algo que não


sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre
soubéramos (ou acreditávamos saber) mas
desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de
algum modo se liga a ele de maneira particular). E
mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação,
como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma
relação, de uma pertinência". (CALVINO, 1993, p.12).

Entretanto, este método requer cuidados. Não podemos nos referir a


um escritor, um criador de ficções como um profissional da história.
Em A Poética, Aristóteles já atentava para esta diferenciação ao
afirmar "é evidente que não compete ao poeta narrar exatamente o
que aconteceu; mas sim o que poderia ter acontecido, o possível,
segundo a verossimilhança ou a necessidade". (ARISTÓTELES,
2003, p. 43). Ou seja, ainda que a proposta do autor seja retratar um
acontecimento, seu ofício lhe permite a criação de acontecimentos,
de personagens para tornar seu produto mais interessante a seu
POR UM OUTRO AMANHÃ

público, enquanto o historiador em sua função obedece a rigores que


o credenciam com o seu compromisso com a verdade. Logo, é de
fundamental importância demonstrar que mesmo a literatura
possuindo privilegiado espaço de debates com a história existe
limitações que devem ser respeitadas.

Por fim, podemos considerar que o uso da literatura em sala de aula,


e, sobretudo na disciplina de história tem somente a acrescentar aos
clichês que são citados ao referenciamos o uso das letras na
educação. Contudo, novas considerações podem sempre ser
acrescentadas a exemplo da formação e fortalecimento de um senso
crítico por parte dos estudantes, além de estimular a visualização de
um período histórico diante de diversas perspectivas, o
reconhecimento e importância das minorias nos processos
históricos.

Se corretamente planejado e executado um benefício pode ser


acrescido à lista anterior. Mais do que uma ferramenta de ensino "a
leitura, portanto, não é uma experiência pessoal ou, dito de outro
modo, a leitura é uma experiência em que o pessoal fica abandonado
como condição da própria existência". Em outras palavras a
literatura nos forma socialmente, forma seres humanos 255
emancipados do senso comum.

Referências

ARISTÓTELES. Arte Poética. São Paulo: Martin Claret, 2003.


CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia
das Letras, 1993.
JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo: Editora
Contexto, 2013.
LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: Danças, Piruetas e
Mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é Pós-Moderno. São Paulo:
Editora Brasiliense, 2008.
WHITE, Hyden. Trópicos do Discurso: Ensaios Sobre a
Crítica da Cultura. São Paulo: EdUsp. 1994.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

LITERATURA E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO


HISTÓRICO: O CASO D'AS JÓIAS DA COROA (1882), DE
RAUL POMPÉIA

Evander Ruthieri da Silva

Entre a história e a literatura vislumbram-se campos de


conhecimento que compartilham incessantes relações cognitivas
com o mundo social, e que investem a experiência humana, por
intermédio de tessituras narrativas, com sentidos e significações, no
afã de representá-la e transformá-la. O interesse manifesto por
muitos profissionais do campo da história com relação às fontes
literárias, ao exemplo de romances, contos e folhetins, mas também
aos seus leitores, editores e literatos, deixa em evidência um
reconhecimento da capacidade destas narrativas em construir, no
seu âmago sensível, afinidades e entrelaces com processos históricos
específicos. Assim, torna-se um lugar privilegiado de representação e
ressignificação de razões e sentimentos, dos imaginários e das
sensibilidades partilhados pelos atores históricos em seus esforços
256 de interpretar o universo de relações sociais de que fazem parte.

Esta aproximação de pesquisadores e professores de história com os


textos literários é decorrente e sintomática de um movimento de
expansão das abordagens e dos métodos utilizados no ensino e na
pesquisa, sobretudo a partir das discussões fomentadas, pelo menos
desde a década de 1970, em torno dos aspectos narrativos
relacionados à "operação historiográfica" (CERTEAU, 2002).
Ademais, e em sintonia com as contribuições à prática da docência
almejadas por este texto, a mobilização das fontes literárias
enquanto recurso narrativo para a construção do conhecimento
histórico alinha-se a um momento de intensos debates em torno da
renovação dos aportes metodológicos pertinentes ao ensino de
história, os quais acarretaram em uma ampliação de temas,
problemas e objetos de estudo (FONSECA, 2003).

Para levar a cabo tais questões, este texto visa deslindar as relações
entre um movimento histórico - a saber, a constituição de um
imaginário anti-monarquista e o uso político da literatura pelos
defensores do republicanismo nas décadas de 1870 e 1880 no Brasil
- e uma fonte literária: o romance As Jóias da Coroa, de Raul
Pompéia, publicado originalmente como um folhetim no periódico
carioca Gazeta de Notícias entre março e maio de 1882. Baseado em
POR UM OUTRO AMANHÃ

uma investigação policial que tomou conta da imprensa no início


daquele ano, a saber, o roubo das joias da imperatriz Teresa Cristina,
a análise histórica do romance intenciona demonstrar a proficuidade
do escrutínio da literatura para a construção do conhecimento
histórico na sala de aula.

Se há um interesse ativo pela literatura enquanto objeto cultural e


forma de acesso "ao modo pelo qual as pessoas pensavam o mundo,
a si próprias, quais os valores que guiavam seus passos, quais os
preconceitos, medos e sonhos" (PESAVENTO, 2012, p.82), há que se
atentar que as relações entre narrativas literárias e históricas foram,
em longa duração, demarcadas por tensões e aproximações. O
historiador Jacques Revel enfatiza que os embates, diálogos e
querelas entre operações de conhecimento histórico e formas
narrativas são antigas, pois remetem a uma hierarquia de gêneros
literários sugerida pela tradição aristotélica. Este contrato retórico se
desfaz entre a segunda metade do século XVIII e as primeiras
décadas do século XIX, instante em que espera-se que o historiador
restitua o passado, não em vias de localizar seus exemplos morais,
mas que fosse capaz de liberar sua significação de conjuntos. Este
regime de historicidade concebe o passado como desconexo do
presente, distante e fragmentário, e, apesar de certa solidariedade 257
entre a literatura e a história, sobretudo pela via do romance
histórico oitocentista, Revel conclui que não se trata de uma relação
prolongada no interior do contrato retórico (REVEL, 2010).

Ainda assim, cada qual ao seu modo, e em muitas vezes de modo


complementar, muitos literatos e historiadores apresentavam
interesses comuns ao longo do século XIX, dentre os quais, o esforço
em estabelecer narrativas que fornecessem coesão e historicidade às
nações modernas. Particularmente entre os românticos, homens de
letras e da história compartilhavam o "interesse pelo humano", isto
é, "o homem, alçado à condição de objeto de conhecimento"
(CAMILOTTI; NAXARA, 2009, p. 20). Ademais, como sintetizam
Virginia Camilotti e Márcia Naxara, história e literatura
constituíram-se enquanto campos disciplinares de modo
simultâneo, no limiar da modernidade, a partir das cisões com
formas de saberes anteriormente estabelecidos, e em resposta às
ambições de conhecimento do mundo, as quais atribuíram atenção
redobrada à historicidade de acontecimentos humanos ou naturais
(LEPENIES, 1996).

O debate em torno das relações entre literatura, ficção e história,


bem como do aspecto cognitivo das narrativas, sofreu uma inflexão
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

entre as décadas de 1960 e 1970 diante das contribuições e das


querelas provocadas pelo "linguistic turn", vertente teórica que
enfatizava a linguagem enquanto sistema produtor de sentidos que
definem o real. Autores como o classicista francês Paul Veyne, o
norte-americano Hayden White e o inglês Lawrence Stone
trouxeram à baila a questão da narrativa, ao apontarem a presença
ou predominância de elementos literários e/ou ficcionais na escrita
da história.

Entre os intérpretes críticos do linguistic turn, ao exemplo de Michel


de Certeau, Paul Ricoeur e Roger Chartier, a ênfase recaiu na
especificidade das narrativas históricas, no lugar social da instituição
histórica, nos métodos que orientam o trabalho dos historiadores e
sua dependência com relação às fontes. Se estas querelas
conduziram a uma compreensão da presença de elementos
narrativos no ofício do historiador, no ínterim, diversos
pesquisadores, sobretudo a partir da década de 1980, desafiaram-se
a pensar a dimensão social e cultural, enfim, histórica, dos discursos
literários, de seus produtores e de seus leitores. Ênfase tem sido
concedida à literatura produzida durante o século XIX, pois se tratou
de um momento de consolidação e expansão do mercado editorial
258 brasileiro, bem como de complexificação das vias de difusão de
textos literários.

Dentre os suportes que ganham significância no Oitocentos, estava o


folhetim. Inspirado no modelo francês de serialização de romances
em jornais, galgou popularidade entre o público brasileiro, pois
atendia a hábitos adquiridos de leitura ou audição da ficção
(MEYER, 1996, p.33-34). Formato difundido na imprensa brasileira
da segunda metade do século, localizado ao pé da página dos
impressos, o folhetim adquiria relevância em um movimento
significativo no período, a saber, os múltiplos intentos de letrados
para fazer uso da cultura escrita no fito de garantir o protagonismo
de determinados grupos sociais que se digladiam nas tramas da
política.

O folhetim As Joias da Coroa foi gestado no período em que Raul


Pompéia muda-se para São Paulo, cidade no qual ingressa no curso
de Direito na Faculdade do Largo São Francisco. Por meio de suas
atividades na imprensa periódica, Pompéia articula-se politicamente
junto ao movimento abolicionista e republicano, sobretudo por sua
colaboração no jornal A Comédia, ainda em 1881. A militância
política acarreta consequências em sua trajetória acadêmica, de
POR UM OUTRO AMANHÃ

modo que Pompéia foi reprovado pela banca examinadora no


terceiro ano da Academia de Direito (ARANTES, 2002).

Escrito ao modelo de um roman à clef, no qual nomes de


personagens são intencionalmente trocados, mas não ao ponto de
tornarem-se indistinguíveis aos seus leitores contemporâneos, As
Jóias da Coroa narra as desventuras de Manuel de Paiva, fidalgo da
corte que planeja e executa o roubo das jóias do Duque de
Bragantina, ficcionalização do imperador Dom Pedro II. Além da
Duquesa de Bragantina, representada como uma mulher gentil e
caridosa, à corte integra o filho do casal, o "príncipe dos cortiços"
Marques d'Etu, em referência ao Conde d'Eu. Na parte final do
romance, Paiva é preso por ordens do Duque, mas é logo solto, por
ter conhecimento das ações degradadas do nobre, dentre as quais a
exploração sexual de jovens moçoilas. A trama encerra-se com a
Duquesa de Bragantina impedindo o marido de abusar sexualmente
de uma jovem que, sem seu conhecimento, tratava-se de uma filha
ilegítima do aristocrata.

O caso era inspirado em um fato extraordinário: o desaparecimento


de várias joias da imperatriz Tereza Cristina em torno de 18 de
março de 1882, no Paço de São Cristóvão. O roubo atraiu atenção da 259
imprensa devido ao fato de que os culpados pelo crime terem sido
soltos impunemente. Por extensão, a sátira crítica de Raul Pompeia
em seu folhetim evidencia um momento de transformações políticas
importantes no Brasil das décadas de 1870 e 1880, quais sejam, o
crescimento do Partido Republicano e do abolicionismo, a demissão
do Gabinete Conservador e a subida dos liberais depois de afastados
do poder por pelo menos dez anos, e a desestabilização da imagem
pública do imperador. A inspiração cientificista no romance, que
observa a elite brasileira a partir de uma órbita da degenerescência
moral, igualmente demonstra a recepção e difusão de novas vias de
interpretação social entre a intelectualidade republicana
(SCHWARCZ, 1998, p.410).

Para o ensino de história, a literatura pode ser utilizada como


documento histórico e fonte para a construção do conhecimento.
Torna-se essencial, portanto, historicizar o texto literário, localizá-lo
em seu contexto e conectá-lo com processos históricos específicos,
para assim ter uma ideia clara das intencionalidades promovidas
pelos literatos. A forma narrativa destes textos literários,
edulcorados com descrições vívidas de personagens e lugares, torna-
a uma ferramenta instigante para a docência em história, baseada na
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ampliação dos objetos e dos métodos aos quais os profissionais da


área podem dispor em suas práticas pedagógicas.

A incorporação da literatura enquanto fonte na pesquisa e no ensino


em história adere, destarte, a uma "opção metodológica que amplia
o olhar do historiador, o campo de estudo, tornando o processo de
transmissão e produção de conhecimentos interdisciplinar,
dinâmico e flexível" (FONSECA, 2003, p.163). Ainda assim, torna-se
importantíssimo preservar a especificidade do discurso literário,
pois se trata de uma produção ficcional, repleta de expectativas não-
realizadas, e ainda assim profundamente entrelaçada ao tecido
social e cultural de um período histórico. O uso da literatura em sala
de aula ainda pode ser pensado a partir de sua intertextualidade, isto
é, do modo como a ficção dialoga, reafirma ou confronta outras
produções escritas e visuais do mesmo período. As Jóias da Coroa,
neste caso, poderia ser utilizado em diálogo com a imprensa
ilustrada engajada com a campanha republicana no Brasil,
sobretudo por intermédio das caricaturas políticas que visavam
minar o governo imperial, ao exemplo das gravuras de Angelo
Agostini, Luigi Borgomainerio e Rafael Bordalo Pinheiro (Cf.
SCHWARCZ, 1998, p.417-421).
260
Além disso, o caso d'As Joias da Coroa pode ser mobilizado
enquanto recurso para explorar, junto aos alunos, as
particularidades de um gênero literário típico do século XIX: o
folhetim. A digitalização da Gazeta de Notícias pela Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional (http://bndigital.bn.br/acervo-
digital/gazeta-noticias/103730) possibilita acesso ao periódico de
modo integral, o que permitiria uma via de acesso digital aos rastros
das experiências literárias no Oitocentos brasileiro.

Ao privilegiar a intertextualidade e a interdisciplinaridade, o uso da


literatura na prática de docência permite privilegiar a "natureza
multiperspectivada" do passado histórico, "ou seja, contempla as
múltiplas temporalidades pautadas nas experiências históricas
desses sujeitos" (SOBANSKI, 2010, p. 10). Ao evocar sonhos
imaginários e defesas letradas, romances como As Jóias da Coroa
possibilitam uma construção de conhecimento histórico que
privilegie os múltiplos posicionamentos dos sujeitos diante de
processos políticos, e as formas pelas quais estes atores históricos
interpretam e reelaboram as relações sociais que integram.

Referências
POR UM OUTRO AMANHÃ

ARANTES, Rubens. A Trajetória de Raul Pompéia: um estudo


bibliográfico. In: Revista Claretiano, n.2, jan-dez. 2002, pp.44-57.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de
história: experiências, reflexões e aprendizados. Campinas:
Papirus, 2003.
PESAVENTO, Sandra. História e história cultural. Belo
Horizonte: Autêntica, 2012, p.82.
REVEL, Jacques. Recursos narrativos e conhecimento histórico. In:
REVEL, Jacques. História e historiografia: exercícios
críticos. Curitiba: Ed.UFPR, 2010.
CAMILOTTI, Virginia; NAXARA, Márcia R. C. História e literatura:
fontes literárias na produção historiográfica recente no Brasil. In:
História: Questões & Debates, n. 50, jan-jun. 2009, pp.15-49.
LEPENIES, Wolf. As três culturas (1985). São Paulo: Edusp, 1996.
MEYER, Marlise. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro
II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
SOBANSKI, Adriane (et.al). Ensinar e Aprender História: 261
Histórias em quadrinhos e canções. Curitiba: BASE Editorial,
2010.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS: UM


FACILITADOR DA APRENDIZAGEM NA RELAÇÃO ENTRE
PROFESSOR E ALUNO

Evelline Soares Correia

Introdução

Com a evolução das tecnologias, a sociedade tem se deparado com


diferentes necessidades geradas por ela e, em consequência disso, as
escolas necessitam se adequar à essa nova realidade. Diante do
exposto, observa-se a importância de mudar as rotinas das salas de
aula incorporando as tecnologias, pois elas podem contribuir e
influenciar positivamente no modo de pensar, de aprender e de
produzir dos alunos e professores (BRASIL, 1998).

Segundo Moran (2007), faz-se necessário que o professor perceba


que o quadro negro não é sua única opção de recurso, não que tal
recurso não deva mais ser utilizado, mas incorporar outros recursos
262 como as TICs- Tecnologias de Informação e Comunicação, por
exemplo, à sua aula faz com que seus objetivos por meio deles sejam
de colaborar com o ensino-aprendizagem dos alunos e por
consequência colaborar nos resultados de sua prática pedagógica.

Assim as TICs oferecem diferentes alternativas em sua utilização,


dentre estas apresentaremos os REAs - Recursos Educacionais
Abertos, que se tornam um forte aliado do professor no
enfrentamento ao receio ou aversão dos alunos em relação a
aprendizagem ou à determinada disciplina podendo despertar a
curiosidade e o interesse do aluno em aprender.

Entretanto, ao se propor esta utilização, precisamos estar atentos


para as implicações que tal prática acarreta ao trabalho docente.
Para o bom resultado do aluno, ele precisa se dedicar às suas
atividades e cabe ao professor a tarefa de preparar e organizar
práticas didáticas efetivas, tendo então a responsabilidade de
inicialmente conhecer os recursos disponíveis, ter certo domínio
sobre os mesmos e introduzi-los de forma coerente. Sendo assim o
professor precisa buscar meios de conhecer e fazer uso das TICs na
mediação de suas aulas, sem perder o foco do processo de ensino-
aprendizagem.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Moran (2007) salienta que se faz necessário a formação docente


para que estes adquiram o domínio técnico e pedagógico das
ferramentas educacionais ou recursos disponíveis que podem
contribuir na prática.

De acordo com a vida moderna, percebemos que a utilização dos


recursos tecnológicos é extremamente necessária para qualquer
pessoa inserida nela.

Desenvolvimento

As redes de computadores têm revolucionado o sistema educacional.


A possibilidade de vencer distâncias levando material de alta
qualidade faz desta tecnologia uma grande aliada da educação. Nos
últimos anos, com o avanço dos computadores tem se alastrado cada
vez mais o seu uso no processo educacional. São as chamadas TICs,
ocupando o seu espaço. Com o aparecimento desses aparatos
também surgiram os sistemas computacionais para gerenciamento
do processo de ensino e aprendizagem e para a geração de material
didático.

Este contexto tem favorecido a produção de material didático e de 263


novos sistemas para auxiliar o processo de ensino e aprendizagem.
Estes materiais e sistemas precisam se comunicar com fluência para
serem eficientes e possibilitarem o compartilhamento de seus
produtos e recursos, por isso surgem os Recursos Educacionais
Abertos que visam o compartilhamento de material didático por
meio das redes computacionais, por isso a preocupação com a sua
compatibilidade para que o material didático por meio de
computadores seja facilmente intercambiável e compartilhável entre
diversos sistemas computacionais.

Para a produção deste tipo de material, com estas características, são


utilizados princípios pertinentes às metodologias de
desenvolvimento de software. Este caminho de desenvolvimento e
produção de software é chamado de orientação a objetos e trata os
sistemas computacionais de forma modular, hierárquica e
padronizada. Surgem assim, os Objetos de Aprendizagem que nada
mais são que materiais didáticos digitais, cuja produção/criação é
inspirada na metodologia de orientação a objetos. Como o escopo
principal é o compartilhamento dessa produção, floresceu a
motivação de utilizar o material criado por meio eletrônico e
incentivar a sua disponibilização livre e aberta.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Com a facilidade oferecida pelas redes de computadores em fazer o


mundo se comunicar, o conceito de recursos livres e abertos foi
adotado pela UNESCO a partir do ano 2000 como um instrumento
capaz de auxiliar a democratização da educação universal. Foi
cunhada uma sigla em português para Recursos Educacionais
Abertos - REA, em inglês OER - Open Educational Resources.

REA são

materiais de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer


suporte ou mídia, que estão sob domínio público, ou que
estão licenciados de maneira aberta, permitindo que
sejam utilizados ou adaptados por terceiros. O uso de
formatos técnicos abertos facilita o acesso e o reuso
potencial dos recursos publicados digitalmente. Recursos
Educacionais Abertos podem incluir cursos completos,
partes de cursos, módulos, livros didáticos, artigos de
pesquisa, vídeos, testes, software e qualquer outra
ferramenta, material ou técnica que possa apoiar o
acesso ao conhecimento (UNESCO/COL, 2011).
264 Não se trata somente de material digital. Livros e outros materiais
impressos também podem ser “abertos” no sentido que utilizamos
aqui. (MORAIS, RIBEIRO & AMIEL, 2011).

Para Morais, Ribeiro e Amiel (2001), a ideia de REA (Recursos


Educacionais Abertos) vai além de simples recursos, é um
engajamento com recursos didáticos. Estes autores apresentam um
quadro da seguinte forma: o primeiro passo é procurar recursos
capazes de atender adequadamente a sua necessidade, você pode
tanto criar seu recurso “do zero”, como pode combinar os recursos
que você encontrou para montar um novo recurso, quase sempre
será necessário fazer algumas adaptações no material que você
encontrou para que ele se adeque ao seu contexto e assim finalmente
você pode usar os REA na sala de aula, na Internet, em reuniões
pedagógicas. Uma vez finalizado os REA, você pode disponibilizá-los
à comunidade, de dentro e de fora da escola, que poderá reusá-los e
assim recomeçar o ciclo novamente.

Em relação a inserção dos REAs no Brasil, o Projeto Brasileiro sobre


Recursos Educacionais Abertos: Desafios e Perspectivas (Projeto
REA-Br) teve início em 2008 com a visita de uma delegação
internacional ao Ministério da Educação e com a realização de uma
série de eventos de sensibilização em São Paulo e Brasília. O projeto
POR UM OUTRO AMANHÃ

REA-Br foi fundado por Carolina Rossini em 2008 e é um dos


primeiros projetos no Brasil que tenta apropriar à realidade e às
perspectivas brasileiras a discussão internacional acerca dos
Recursos Educacionais Abertos (REA) e da Educação Aberta. Mas
isso não seria possível sem o apoio da comunidade: REA-Brasil. Essa
comunidade é formada por educadores, cientistas, engenheiros,
profissionais de TICs, jornalistas, advogados e todos aqueles que
acreditam em educação aberta e recursos educacionais abertos. No
Brasil, o projeto possui parcerias ou recebe apoio institucional do
Instituto Educadigital, Casa de Cultura Digital, da Escola de Direito
da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, da UNESCO, entre
outros. Internacionalmente, o projeto é financiado pelo Open
Society Foundations e possui parceria com diversos projetos e
iniciativas focadas em Recursos Educacionais Abertos.
(http://www.rea.net.br)

Os OA's- Objetos de Aprendizagem têm a função de propiciar o


compartilhamento de recursos didáticos, isto é, permitir e facilitar o
uso de conteúdo educacional por meio de especificações e padrões
internacionalmente aceitos. Atualmente, existem várias
interpretações, algumas delas consideram que tais objetos podem
ser qualquer coisa (textos, imagens, vídeos, etc.) que possa ser 265
utilizada ou não para a aprendizagem.

Segundo Hilen (2013), os Objetos de Aprendizagem são recursos


educacionais digitais disponibilizados de forma livre e aberta para a
comunidade acadêmica em geral, que os utilizam para o ensino,
aprendizagem e pesquisa. Os REA's abrangem os conteúdos de
aprendizagem, ou seja, cursos, módulos de conteúdo, objetos de
aprendizagem entre outros. Eles incluem também ferramentas para
apoiar o desenvolvimento, o uso, o reuso, a busca e a organização de
conteúdo, bem como Sistemas de Gerenciamento de Aprendizagem e
ferramentas de autoria. E por último os REA contemplam os
chamados recursos de implementação que abrangem licenças para a
disseminação de materiais abertos, bem como recursos de
localização de conteúdo. Desta forma, podemos dizer que os Objetos
de Aprendizagem são, sim, um tipo de Recursos Educacionais e
podem ser Abertos se forem devidamente licenciados para isso.

A criação de Objetos de Aprendizagem trata de especificações


técnicas, portanto relativas a adaptabilidade, acessibilidade,
durabilidade, escalabilidade, granularidade, interoperabilidade,
metadados e reusabilidade. Quando acrescida a questão de licença
de uso e distribuição, privilegiando a forma aberta, torna-se um
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Recurso Educacional Aberto. Para a produção de Objetos de


Aprendizagem que integram diversas mídias, temos vários sistemas
computacionais que podem nos auxiliar nessa tarefa, como o Xerte,
Reload, eXe-Learning, etc.

Uma das principais características ou atributos dos Objetos de


Aprendizagem é a possibilidade de compartilhamento. Vimos que
Objetos de Aprendizagem são reutilizáveis, mas como encontrar e
guardar estes recursos? A resposta a esta pergunta é: Repositórios de
Objetos de Aprendizagem. Cresce a cada dia o número destes
repositórios e às vezes não possuem a mesma denominação. Por
exemplo, temos o Banco Internacional de Recursos Educacionais,
criado em 2010 pelo INEP/MEC - Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; Scielo Books; FGV on- line;
e-Aulas USP; Domínio Público, entre tantos outros.

O eXeLearning é uma aplicação fácil de usar, que dispensa que


alguns conhecimentos sejam aprofundados, por exemplo, para usar
essa ferramenta um professor não precisa entender detalhes técnicos
sobre determinadas linguagens de programação de computadores.
Esta facilidade provavelmente se deve aos iDevices, que são os
266 recursos que o eXeLearning disponibiliza para inserção de textos,
imagens, áudios e vídeos, e até a construção de questionários. Ele
possibilita a importação e exportação de conteúdo em um formato
próprio, de uso exclusivo do eXeLearning, que são os arquivos com a
extensão ".elp". Deste modo, conteúdos inteiros (ou trechos de
conteúdo) podem ser usados na construção de novos Objetos de
Aprendizagem.

Diante de tais informações precisamos ficar atentos, pois é possível


que aconteçam algumas complicações legais na produção desse tipo
material digital, caso o seu produtor desrespeite quaisquer dos
direitos autorais envolvidos. Afinal, este tipo de material não deixa
de ter propriedade intelectual. Por isso foram criados os REA's, que
são materiais didáticos digitais de todo tipo (podem ser inclusive
Objetos de Aprendizagem), porém devidamente licenciados para que
qualquer pessoa tenha o direito de usá-los ou modificá-los conforme
a necessidade e até mesmo compartilhá-los com outras pessoas.
Uma forma elegante, democrática e responsável de compartilhar
estes recursos é por meio de Licenças, isto é, com a autorização
claramente expressa por seus autores em suas obras, respeitando-se
a Propriedade Intelectual. Este fato é previsto pela Lei 9610/98
artigos 49.
POR UM OUTRO AMANHÃ

As licenças Creative Commons atualmente constituem uma


padronização com reconhecimento internacional do desejo do autor
referente a forma de disponibilização da sua obra. Este modelo de
licença vem ao encontro das necessidades educacionais, mas precisa
ser adaptado de alguma maneira à legislação de cada país. Por
exemplo, no Brasil a licença Creative Commons foi devidamente
traduzida e adaptada pelo CTS (Centro de Tecnologia e Sociedade)
da FGV (Fundação Getúlio Vargas) de modo a manter o seu caráter
global, mas sem desrespeitar a legislação de âmbito nacional.

Os Objetos de Aprendizagem podem ser usados em diversos


contextos para diferentes fins, mas a finalidade prática da produção
de OA's, na Educação a Distância, por exemplo, é a veiculação de
materiais didáticos nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem – AVA.
A cada dia que se passa o Moodle tem ganhado espaço nas
instituições de ensino, tanto presenciais como à distância
(provavelmente é o AVA mais usado no mundo), afinal, sendo um
sistema praticamente completo e de natureza livre, em quase todos
os casos o seu uso é gratuito e atende às necessidades do professor e
da instituição de ensino. Além disso, embora possa ser considerado
um sistema grande e complexo em termos computacionais na
medida em que oferece uma enorme variedade de ferramentas 267
administrativas, sua utilização é facilitada por uma interface
intuitiva na Web, isto é, o Moodle é um sistema fácil de usar e pode
ser operado a partir de um navegador e é um ótimo meio para
veiculação e controle de acesso de Objetos de Aprendizagem.

Considerações finais

Entender todo este percurso tecnológico que enfrentamos não só


dentro da escola, mas em toda sociedade, não é tarefa fácil e simples
de ser compreendida, como por exemplo, fazendo apenas a leitura
de um artigo como este, não teremos todo o conhecimento
necessário sobre as TICs e os REAs, porém nos oportunizar a
conhecer outros meios, buscar leituras à respeito, conhecer seu
processo de inserção, estar abertos à novos conhecimentos e o que
estes podem nos proporcionar, já é considerado uma inserção
tecnológica dentro da prática do professor em relação as TICs.

Moran (2007), enfatiza que é fundamental que o docente no seu


planejamento saiba em quais conteúdos poderá utilizar e incluir as
TICs como um facilitador do processo de ensino-aprendizagem e,
principalmente tomar o cuidado para que essa ferramenta não se
torne o único recurso de ensino, pois, se assim não o fizer, poderá
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

provocar um efeito contrário, ao invés de despertar a curiosidade


nos alunos em aprender, pode acabar por tornar suas aulas uma
rotina, fazendo com que estes recursos percam sua real utilidade.

Fator essencial para esta utilização é o docente estar familiarizado


com tais tecnologias. O professor precisa do mínimo de
conhecimento básico sobre computador e internet e formação
constante, pois a evolução nesta área é muito veloz. Cabe ao
professor buscar uma continuidade em sua formação, buscar
acompanhar o que vem sendo produzido em nossa sociedade atual
em termos de conhecimento. O professor não pode mais ser
considerado pelo aluno como ultrapassado, o diálogo do aluno,
como também seu comportamento nos dias atuais tem a internet
como meio de maior influência comportamental. O docente precisa
estar atendo às estas transformações para que alcance o mundo de
seu aluno, consiga chegar aonde o quadro negro e o giz não
conseguem mais.

O professor precisa ter o domínio técnico e pedagógico das


ferramentas ou recursos disponíveis para que possa dinamizar sua
prática docente, porém a instituição escolar precisa em
268 contrapartida investir na formação continuada de seus docentes,
para que possa haver inovação do uso das TICs como ferramenta
verdadeiramente ativa no processo ensino-aprendizagem. Tal
formação pode ser realizada mediante cursos que são oferecidos pelo
PROINFO- Programa de Inclusão Digital- Ministério da Educação,
dentro do estado do Paraná, mais precisamente no município de
Maringá, a Universidade Estadual de Maringá em convênio com o
Ministério da Educação, oferece anualmente um curso de extensão à
distância chamado: WEBDIDATA, gratuito, onde os profissionais da
educação conseguem através desta capacitação entender o uso das
TICS, os REAs e os OAs, de forma gradual por módulos, conhecer
todo o processo e praticá-lo em forma de tutorial, de fácil
entendimento, com tutoria online. Não podemos deixar de citar que
de forma individualizada o professor também pode pesquisar por
intermédio de artigos, livros, internet um vasto material disponível
sem custo algum para sua formação continuada.

Problemas eventuais dentro da escola, como por exemplo, poucos


computadores para o número de alunos em sala, computadores sem
condições de uso, computadores ultrapassados, e ainda esperar uma
data para possível utilização de acordo com o cronograma de
utilização do laboratório de informática, são obstáculos que não
devem servir como impedimento à sua busca e à sua prática. É
POR UM OUTRO AMANHÃ

partindo da prática do professor que a escola terá a visibilidade da


importância do uso dos computadores e de sua manutenção, o
professor passará a utilizar mais este ambiente, portanto a escola
deverá prepará-lo de forma adequada para sua utilização bem como
planejar diferentes formações para os professores de acordo com a
necessidade.

Cabe então ao professor uma reflexão sobre a importância das TICs


hoje em sua vida e em sua prática escolar, os recursos que estas
oferecem, bem como os REAs e os OAS que podem colaborar não só
com sua prática em sala de aula, também como um recurso de
otimização do tempo e de grande compartilhamento de informações
universais. Buscar recursos hoje ofertados para uma formação
continuada e intervir nas dificuldades apresentadas em nosso
cotidiano escolar, são fatores pertinentes à nossa realidade e hoje
necessários ter a intervenção do professor. Ficando a critério deste,
enfrentar esta realidade de forma aberta à novos conhecimentos
hoje necessários ou continuar utilizando os mesmo recursos que já
não faz relação à realidade de nossos alunos e que também já não faz
relação à sua própria realidade.

Referências bibliográficas 269


AMIEL, T.; OREY, M.; WEST, Richard. „Recursos educacionais
abertos (REA): modelos para localização e adaptação‟. EDT
Educação Temática Digital, v.12, p.112-125. Campinas, 2011.
Disponível em:
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284>. Acesso em 18 agosto. 2014.
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Especializado em Desenvolvimento Infantil. Porto Alegre- RS.2008
Disponível em:
http://proeja.com/portal/images/semana-quimica/2011-10-19/tec-
assistiva.pdf . Acesso em 18 agosto. 2014.
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Curriculares nacionais. Brasília: MEC/ SEF, 1998.
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Challenges. OECD‟s Centre for Educational Research and
Innovation. Disponível em
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

<http://www.oecd.org/dataoecd/5/47/37351085.pdf >. Acesso em:


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KRUEGER, Paulo Dalmonico. Matemática significativa. Centro
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2009.
MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: novos
desafios e como chegar lá. Campinas: Papirus, 2007.
SILVA, Ana Paula, Tecnologia da informação e comunicação:
um recurso substancial no processo de ensino-
aprendizagem da matemática, A formação de professores
em foco. Claudete Cargnin, Adriana da Silva Fontes, Natália Neves
Macedo Deimling (organizadores). Assis, SP. Storbem, 2013.172p.
WEBDIDATA, 2013- Curso online- 2 Edição. Disponível
em: http://moodle.webdidata.uem.br/. Acesso em: 21/08/2014
WENTLAND.Keila Priscila Guitierrez. Tecnologias assistidas
produzidas pela UTFPR- Campos Camo Mourão. A
formação de professores em foco. Claudete Cargnin, Adriana
da Silva Fontes, Natália Neves Macedo Deimling (organizadores).
Assis,SP. Storbem, 2013.172p.

270
POR UM OUTRO AMANHÃ

"RELATO DE UM CERTO ORIENTE": A TEMÁTICA


INDÍGENA COMO PROBLEMATIZADORA DA
DIVERSIDADE CULTURAL EM SALA DE AULA

Everton Demetrio

Introdução

O filósofo Sartre disse certa vez que "o inferno são os outros". Sem
querer atacar questões educacionais, o francês põe em evidência o
outro em nossas vidas. Quem são os Outros? Diluição das fronteiras,
mobilidade e/ou movimentos migratórios são termos
identificatórios de nossa atual gestão de mundo, seja quando tratada
na dimensão física, como também, na esfera discursivo-teórica, em
função dos constantes processos de reelaboração dos campos
discursivo-conceituais. A emergência da globalização enquanto fato
gerou certo descompasso latente entre etnocentrismos e
universalismo; adjacente ao processo de globalização, a ideia do
multiculturalismo como problematizador das relações entre
localismo e universalismo. 271
Em que medida as retóricas da moda - como por exemplo aquelas
que reivindicam as bondades do multiculturalismo, que pregam a
tolerância e que estabelecem o início de um tempo de respeito aos
outros - estão anunciando pensamentos de ruptura com relação as
formas tradicionais em que a alteridade foi denominada e
representada? A pergunta não é casual, pois vem ao encontro de um
tempo de instabilidade discursiva, no qual conceitos tais como
cultura, identidade, inclusão/exclusão, diversidade e diferença
parecem ser facilmente intercambiáveis, sem custo nenhum para
quem assume, se apodera e governa as representações de
determinados grupos sociais (Cf. DUSCHATZKY; SKLIAR, 2001).

Nossa experiência de pesquisa e regência de turma buscou inserir-se


no contexto de debate mais recente sobre o ensino de História e da
Historiografia, tomando os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) como uma das referências. Partindo do pressuposto de que o
conhecimento não se adquire mediante a mera exposição de
conteúdos, lições e exercícios de fixação, pois conhecer implica um
movimento recíproco entre sujeito e objeto de estudo. É
fundamental que, no desenvolvimento da aprendizagem, o aluno se
conscientize de seu próprio processo de aquisição de conhecimento,
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

isto é, aprenda o caminho que terá de percorrer para chegar à


compreensão do que está sendo estudado.

Os PCNs de História destacam que o objetivo dessa disciplina é


contribuir para a formação da identidade social do estudante,
enfatizando a importância da percepção do outro e das noções de
semelhança-diferença e mudança-permanência. Para garantir esse
intento, propomos que o estudo de História se concentre em torno
de três conceitos básicos - levados sempre em consideração quando
do planejamento das atividades do estágio: fato histórico, sujeito
histórico e tempo. Evidenciando-se ainda a importância da
construção, por parte do aluno, de conteúdos procedimentais, tais
como, usar medidas de tempo, localizar acontecimentos, identificar
ritmos, estabelecer relações, construir sínteses e generalizações, e de
conteúdos atitudinais, como postura ativa diante do conhecimento,
valorização da diversidade cultural, ação reflexiva, valorização e
preservação do patrimônio sociocultural.

Respeitando o exposto, optamos por conduzir a prática por meio da


construção de conceitos e procedimentos, garantindo a possibilidade
de abordar e comparar de diversos ângulos, diferentes sociedades,
272 promovendo uma aprendizagem significativa e voltada para a
formação de uma postura de cidadania ativa. Portanto, traçamos
como objetivos de trabalho ao longo das atividades: Contribuir para
a formação de cidadãos críticos que respeitem a diversidade de
culturas e modos de vida, procurando desenvolver uma
aprendizagem significativa, em oposição a uma aprendizagem
mecânica centrada na memorização de datas e nomes; estabelecer
um diálogo entre os conhecimentos que os alunos adquirem de
modo informal e os saberes escolares, contribuindo para
desenvolver conceitos que lhes permitam ler e analisar o mundo e
seu tempo, adquirindo autonomia e sendo incentivados a buscar
novas fontes de informação e conhecimento.

Da experiência em curso

A prática foi realizada na Escola Estadual de Ensino Fundamental e


Médio Francisca Martiniano da Rocha, localizada na cidade de
Lagoa Seca-PB; o mesmo foi desenvolvido em turma regular de 2º
ano do ensino médio no turno da manhã. As aulas forma planejadas
para atender dois momentos, sendo que numa primeira semana o
tema versava sobre as populações indígenas da América,
identificando as diferentes realidades dos grupos indígenas de nosso
território; bem como analisar a diversidade cultural indígena
POR UM OUTRO AMANHÃ

inerente à constituição do continente americano, levando em


consideração as reações produzidas a partir do encontro dessas
culturas. Num segundo momento (segunda semana) trabalhamos
um caso especifico dentro da grande diversidade cultural de nosso
continente: a antropofagia ritual entre os Tupinambás, discutindo
qual a função na produção de uma identidade cultural própria à
comunidade indígena.

Todas as atividades planejadas para o momento da aula puderam ser


executadas adequadamente, quero dizer, tiveram desenvolvimento
satisfatório. Na 1ª semana utilizamos música, imagens e
depoimentos de lideres indígenas para identificarmos as diferentes
realidades dos grupos indígenas de nosso território, tentando
demonstrar a situação desses povos "ontem e hoje" no que diz
respeito a aspectos tais como: modos de vida, legislação, diversidade
cultural e relacionamento com a sociedade dita branca (ou homem
branco). Tentamos com isso, desmistificar a ideia de que o povo
índio representa um padrão sem alterações, como também produzir
conceitos a partir das experiências e debates em sala de aula sobre o
que significa "ser índio". Esses debates foram amparados pela
audição da música "Chegança" dos compositores pernambucanos
Antônio Nóbrega e Wilson Freire, e pela leitura de depoimentos de 273
líderes indígenas e da Declaração Universal dos Direitos dos Povos;
ouvimos a música e lemos os documentos tentando em meio ao
debate estabelecer relações entre as falas dos lideres indígenas e as
informações da música, buscando compreensão mais apurada das
ideias de povo nativo e índio.

Sistematizando os procedimentos, 1º momento: exposição de


transparências com imagens referentes à grande diversidade cultural
indígena no continente americano, onde em seguida os alunos
exporiam suas observações; 2º momento: audição da música
"Chegança" (Antônio Nóbrega e Wilson Freire) seguida de debate;
3º momento: elaboração de conceitos sobre o que é "ser índio" a
partir da leitura e discussão de depoimentos de líderes indígenas e
da Declaração Universal dos Direitos dos Povos.

Apesar de todos os procedimentos destacados terem sido realizados


sem prejuízos, a participação dos alunos nas discussões/debates em
sala pode ser considerado um aspecto negativo desse primeiro
encontro, na medida em que somente uma parte da turma se dispôs
a externar suas opiniões, o que certamente causou dificuldades no
momento de avaliar o nível de compreensão dos assuntos
abordados. De toda forma, parecia estar havendo atenção e
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

observação daquilo que ocorria em sala de aula; este aspecto se


refletiu no momento de elaboração dos conceitos ao fim dos debates.
De maneira geral, as produções escritas apresentaram bom nível de
compreensão e coerência, embora, as manifestações orais tenham
ocorrido em numero reduzido.

Na 2ª semana também utilizamos música, só que desta vez ao fim


das atividades, para o simples deleite e apreciação da música
indígena. Como já mencionado, desta feita, o tema era a
antropofagia ritual entre os Tupinambás, empreendendo uma
discussão sobre a construção da identidade cultural daquele povo
através do ritual antropofágico. A imagem dos povos ditos primitivos
têm sido segregada e hostilizada ao longo dos séculos, sobre tudo
quando o tema é antropofagia - que muitos associam comumente a
canibalismo -, por isso nossa intenção neste segundo encontro foi
buscar esclarecer e causar uma reflexão sobre esse ritual mitológico.

No ritual antropofágico se destaca o fato de um homem comer outro


homem, o que, porém é cercado de significados de modo que os
Tupinambás buscam sempre ter uma morte honrosa (ser degustado
pelos inimigos), pois o mesmo significa que suas qualidades
274 guerreiras são apreciadas e reconhecidas pelos inimigos, de modo
que o mesmo acaba por se perpetuar a partir do momento em que
seu inimigo acredita assimilar suas qualidades e equilibrar com a
vingança a guerra, em um momento onde o nativo desperta um
sobrenatural, acreditando despertar a sua parte animal na relação
predador/presa, demonstrando a intenção de capturar o senso
intelectual (alma) de seu oponente. A princípio fizemos a exposição
de transparências com imagens referentes ao ritual antropofágico
dos Tupinambás, seguido de discussão a respeito dos significados
dessa prática ritual, onde verificamos um grau maior de participação
dos alunos nas discussões, revelando não sei o que exatamente, se
maior interesse na temática ou desinibição por ser já o segundo
encontro; fato é que o nível manifestações orais inverteu-se em
relação ao primeiro encontro, ao passo que na sua maioria houve
participação da turma. Isso pode ser percebido pela constatação da
longa duração dos questionamentos sobre o tema durante a aula.

Na sequência da exposição das transparências sobre o ritual


procedemos à apresentação e análise de infográfico - retirado da
Revista Aventuras na História, n. 18, Fevereiro/2005 (vai em anexo)
- sobre as etapas características de um ritual antropofágico;
mantemos as discussões sobre o valor simbólico e mitológico dessa
prática, encontrado considerável retorno por parte dos alunos. A
POR UM OUTRO AMANHÃ

tônica nesse momento da aula foi a curiosidade pela existência de


práticas antropofágicas no Brasil, bem como o horror e a dificuldade
de alguns em aceitar que aquela prática fazia parte de um processo
de afirmação (construção/elaboração) de sua identidade. Talvez por
possuírem um sistema de crenças fechado em demasia a
experiências diversas de seus tradicionais rituais cristãos. Não
podemos considerar essa situação como um ponto negativo, mas
antes, um impasse gerado pelo encontro de sistemas de crenças
distintos, tanto mais pela dificuldade de aceitarmos a alteridade.
Aquilo que se esperava neste momento ocorreu também de forma
satisfatória; os alunos participaram das atividades propostas,
manifestando sua opinião de maneira adequada, sem desrespeito
por crenças alheias.

Pudemos sim, ao fim deste segundo momento de aula do estágio


mostrar algumas músicas de origem indígena, reunidas e gravadas
pela cantora Marlui Miranda em CD (Ihu - todos os sons). Não
tínhamos a intenção de explorar as músicas afim de uma análise
mais detalhada e conceitual, mas tão somente, promover uma
mostra de música originalmente indígena, buscando com isso,
estabelecer ligação entre realidades culturais diversas daquelas a que
os alunos estão habituados a conviver. O principio deste 275
procedimento era a apreciação desse material.

Considerações finais (provisórias)

Por tudo que pudemos ir costurando até então como prática de


ensino, temos que a lógica da tolerância inspirada ou respaldada
pela ideia do multiculturalismo pode e deve não supor apenas
tolerar, aceitar. Na tentativa de educar para a diferença e o dialogo o
termo alteridade funciona melhor que multiculturalismo. Na medida
em que demarca limites e espaços, o termo alteridade pressupõe o
repensar o outro, assumir o conflito inerente à prática de nomear o
outro, bem como, seu correlato contraditório, a saber: quando
dizemos do outro, dizemos de nós. Nomear o alheio é contornar
aquilo que se é. Nesse sentido, se a visão que temos do outro
fundamenta a visão que temos de nós mesmos, não tolerar o outro
significa que não toleramos a nós mesmos? Negar o outro é negar a
si mesmo? Não buscamos respostas a estas indagações, apenas criar
um espaço de diálogo para o repensar das ações. "Necessitamos do
outro, (....) pois de outra forma não teríamos como justificar o que
somos. [...] Necessitamos do outro para, em síntese, pode nomear a
barbárie, a heresia, a mendicidade etc. e para não sermos, nós
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

mesmos, bárbaros, hereges e mendigos" (DUSCHATZKY; SKLIAR,


2001: 124).

Somos tolerantes quando nos furtamos ao exercício crítico dos


valores que dominam a cultura contemporânea, todavia, também
somos na medida em que evitamos olhar para crenças e prejuízos
das culturas subalternas, sobretudo, quando evitamos o diálogo, a
contaminação, mesclas e dispostas. Assumir o risco de reconhecer
no outro uma parte inaudita de nós causa medo? Desconcerta nossas
trajetórias já orientadas? Nesse caso, a tolerância funciona tanto
mais como indiferença face ao estranho, violenta naturalização ou
acomodação ao familiar. Somos o que somos e basta, cada um em
seu lugar. Tolerar polariza e abandona toda possibilidade de laço
coletivo. A lógica do discurso multiculturalista fixa identidades,
impele cada um a ser o que se é indistintamente. Tolerar pode
significar ao fim estar indiferente ao inferno que é o outro.
Tomamos como inviável a prática de ensino para a diferença? Caso
acreditemos que educar implique formatar a identidade alheia
segundo critérios nossos, ou mesmo, que o outro sujeite seus valores
a uma lógica dominante, é uma prática impossível. Todavia, pensar o
exercício educacional como possibilidade de trânsito, de exposição
276 ao toque daquilo que frequentemente diz respeito à alteridade, que o
possibilite ser distinto do que é, representa dar a ver o contorno dos
próprios medos. Uma educação que assuma o trânsito por um
itinerário plural e criativo, sem formatações prévias, que possibilite
a experiência.

Referências

DUSCHATZKY, Sílvia; SKLIAR, Carlos. O nome dos outros,


narrando a alteridade na cultura e na educação. In: LARROSA,
Jorge; SKLIAR, Carlos (orgs.). Habitantes de Babel. Políticas e
Poéticos da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
MIRANDA, Marlui. Ihu (todos os sons) [CD].
NÓBREGA, Antônio; FREIRE, Wilson. Chegança. In: NÓBREGA,
Antônio. Madeira que cupim não rói [CD]. São Paulo: Estúdios
Eldorado, 1997.
PARLAMENTO Índio de San Bernardino, 1974. O Estado de S.
Paulo. SP, 20 out. 1974.
POR UM OUTRO AMANHÃ

HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NA ERA VARGAS

Evelyn Rodrigues de Souza

Para analisar a forma como se aplica o ensino de História no Brasil é


importante que se conheça a sua trajetória, uma vez que de acordo
com as necessidades da época são selecionadas as prioridades no
currículo de História. A delimitação sobre a Era Vargas carrega um
papel importante por abarcar o início de medidas estatais acerca do
ensino no país, como a menção sobre a educação na Constituição e a
criação de um Ministério própria a ela.

O Golpe de 1930 onde Getúlio Vargas subiu ao poder foi um marco


de ruptura com a política vigente até o momento: a política do Café
com Leite. Após a Grande Depressão ocorrida em 1929, o Brasil
começou a ter problemas com a economia, a taxa de desemprego
subiu, era portanto necessário fazer mudanças no sentido de
reverter a situação.

Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde Pública no Brasil em 277


novembro de 1930, liderado por Francisco Campos, que permaneceu
no cargo até 1932 sendo substituído por Gustavo Capanema, o qual
exerceu o serviço até 1945. As reformas feitas tinham o intuito de
elaborar a delimitação de conteúdos e a especificação do tempo nas
instituições de ensino. Procurava-se, assim, unificar o ensino do
país, na maneira do possível, uma vez que se sabe que as práticas e
as especificidades da escola criam um ambiente para que o ensino
seja propício para aquele local e aquele momento, criando sua
própria cultura escolar.

Getúlio Vargas possuía a intenção de preparar intelectualmente a


elite, para isso preocupou-se consideravelmente com o ensino
secundário e superior. Na questão do ensino superior criou
universidades que se dedicariam ao ensino e à pesquisa,
estabelecendo um maior rigor para adentrar à universidade como se
observa no trecho a seguir: "A reforma Campos estabeleceu
definitivamente um currículo seriado, o ensino em dois ciclos, a
frequência obrigatória, a exigência de diploma de nível secundário
para ingresso no ensino superior." (Fausto, 2013, p.288),
determinou-se também uma maior instrução para a formação de
professores de ensino primário.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

É interessante ressaltar também que a Constituição de 1934, pela


primeira vez, inclui um tópico onde estabelece a educação como
direito de todos e a obrigatoriedade do ensino primário, direitos
estes estabelecidos como obrigação do Estado. Boris Fausto (2013,
p.289) observa uma mobilização da sociedade ao se discutir as
reformas educacionais. A Igreja enfatizava o papel da escola privada
e procurava incentivar o ensino religioso na esfera pública e privada,
além de um ensino diferenciado de acordo com o sexo. O ponto de
vista dos liberais foi expresso no Manifesto dos Pioneiros em 1932,
constituído por um grupo de intelectuais, entre educadores e
atuantes da mídia, onde reivindicavam determinadas propostas,
afastando-se do sistema educacional tradicional defendendo o
ensino público, gratuito e sem distinção de sexo, além do corte do
ensino religioso nas escolas públicas, ficando restringida às escolas
particulares mantidas pelas instituições religiosas. Para Vidal (2013,
p.586), o Manifesto dos Pioneiros se constituiu como o marco
fundador dos debates sobre a educação brasileira.

Para o ensino de História haviam os objetivos específicos sobre a


formação da identidade cultural e política do Brasil, discutidas desde
o fim do século XIX, com a abolição da escravidão e a implantação
278 do regime republicano. Ao historiador marxista Eric Hobsbawn
(2013, p.18) "a história é a matéria-prima para as ideologias
nacionalistas ou étnicas ou fundamentalistas" onde "o passado é um
elemento essencial, talvez o elemento essencial nessas ideologias". A
História, portanto, é o caminho pelo qual se buscam as "raízes", as
familiaridades que tornam grupos distintos unidos por
determinados fatores considerados nacionais.

Para se compreender melhor a questão racial no Brasil e sua


concepção no âmbito escolar é necessário investigar as teorias
intelectuais sobre o mesmo até a terceira década do século XX.
Pode-se iniciar observando os escritos literários de Sílvio Romero,
Nina Rodrigues e Euclides da Cunha, que de acordo com Roberto
Ventura (2000, p.332) "consideravam o Brasil como uma nação
multiétnica ou uma 'sociedade de raças cruzadas'". Sílvio Romero,
observando a mestiçagem de três raças, termo utilizado pelo autor,
acreditava que, baseado na teoria evolucionista, fundamentado nos
escritos de Charles Darwin e utilizado para justificar
ideologicamente o racismo cientifico, com a miscigenação a
predominância do elemento branco, por sua superioridade evolutiva,
se sobrepujaria em relação às outras, tornando-se portanto questão
de tempo até que toda a sociedade brasileira se embranquecesse.
POR UM OUTRO AMANHÃ

O médico e antropólogo Nina Rodrigues partindo "dos métodos da


frenologia e da antropometria,(...) que determinavam a capacidade
humana a partir do tamanho e da proporção do cérebro dos
diferentes povos" (VENTURA, 2000, p.346) temia o futuro do país
por ocasião da diversidade de povos não-brancos, levando a
acreditar que era necessário delimitar os direitos de cidadania de
boa parte da população brasileira.

Euclides da Cunha escreveu Os sertões em 1902, onde demonstra o


embate entre diferentes mestiçagens brasileiras. Analisando a
Guerra de Canudos a partir da concepção de Nina Rodrigues,
considerava o sertanejo como a miscigenação entre brancos e índios,
contra os mestiços do litoral, que eram a mistura de brancos e
negros. Em sua análise valorizou o mestiço do sertão, pela ausência
de componentes africanos e seu maior isolamento no interior do
país.

Assim, ao se constituir a participação de índios e negros na formação


do Estado Nacional, percebe-se o motivo de serem considerados a
partir de uma perspectiva secundária, cada qual exposto de acordo
com os ideais que a elite queria apresentar acerca dos mesmos na
época. 279
Os índios eram vistos pela concepção romancista elaborados a partir
das obras literárias de José de Alencar e Gonçalves Dias, expondo os
indígenas pelo caráter formado do "bom selvagem", relatando-os
sempre no passado, ignorando sua situação atual e sua participação
como integrantes da nação brasileira, sendo caracterizados apenas
como ancestral que formou o brasileiro atual.

Enquanto que para a formação da sociedade ao negro, os livros


dedicavam pouco espaço como objeto de Etnografia/Antropologia.
Ele sempre era tratado como mercadoria, produtor de outras
mercadorias. Enquanto ao índio se conferia o estatuto de
contribuição racial, os livros didáticos salientavam a importância do
africano para a vida econômica do país, mas procuravam mostrar
que a negritude estava sendo diluída pela miscigenação. (ABUD,
1998, p.5) Essa perspectiva educacional acerca desses grupos pouco
mudaram com o passar das décadas no Brasil, transmitindo o mito
da democracia racial, constituída e difundida a partir da publicação
Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre em 1933, que criou "o
mestiço como elemento de mediação entre os dois mundos, capaz de
reduzir e amortecer as tensões sociais e os antagonismos culturais"
(VENTURA, 2000, p.358).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A partir de manifestações foi discutido e aprovado a elaboração de


temas nos currículos escolares sobre as contribuições culturais,
históricas e sociais das populações afro-brasileiras e indígenas nas
leis 10.639/03 que determina a obrigatoriedade do ensino sobre
História e Cultura Afro-Brasileira e a lei 11.645/08 que torna
obrigatório o estudo da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena.
Nesse sentido se dá a importância de se estudar o passado do
currículo de história e suas mudanças, pensando o contexto atual e
reavaliando temáticas e propostas de se articular o ensino de
História.

Referências

ABUD, Katia Maria. Formação da Alma e do Caráter Nacional:


Ensino de História na Era Vargas. Rev. bras. Hist. v. 18 n. 36. São
Paulo, 1998.
BRITO, Silvia Helena Andrade de. A Educação no projeto
nacionalista do primeiro governo Vargas (1930-1945).
Campinas: Grupo de estudos UNICAMP, 2006.
FAUSTO, Boris. História do Brasil; colaboração de Sérgio
280 Fausto. 14 ed. atual. e ampl., 1reimp. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2013.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. Tradução Cid Kinipel Moreira.
São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
MORAES, Maria Célia Marcondes de. Educação e Política nos
Anos 30: a presença de Francisco Campos. R. bras. Est.
pedag., Brasília, v.73, n. 17-4, p.291-321, maio/ago. 1992
MOSER, Giancarlo. História da Educação. 2 ed. Indaial:
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HISTEDBR On-line, Campinas, n. especial, p.188-204, ago. 2006.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. História do
Ensino de História no Brasil: uma proposta de periodização.
Revista História da Educação - RHE.Porto Alegre , v. 16 , n. 37 ,
Maio/ago. 2012 , p. 73-91.
VENTURA, Roberto. Um Brasil mestiço: raça e cultura na passagem
da monarquia à república. In: MOTA, Carlos Guilherme. Viagem
incompleta. A experiência brasileira (1500-2000)
Formação: histórias. São Paulo: Ed. do SENAC, 2000.
VIDAL, Diana Gonçalves. 80 anos do Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova: questões para debate. Educ. Pesqui., São
Paulo, v. 39, n. 3, p. 577-588, jul./set. 2013.
POR UM OUTRO AMANHÃ

SOCIEDADES ESCOLARES POLONO-BRASILEIRAS NA


PRIMEIRA METADE DO SÉCULO 20: ESPAÇOS DE
ENSINO DE HISTÓRIA, INTERCULTURALIDADE E
IDENTIDADE ÉTNICO-CULTURAL

Fabiana Regina da Silva

O Ensino de História tem sido importante objeto de estudo de


pesquisadores no cenário educacional e de pesquisa acadêmica nos
últimos anos, estes, buscam lançar novos olhares para tão relevante
disciplina, sua didática, aportes teórico-metodológicos,
direcionamentos e usos. Tais estudos receberam significativas
contribuições possibilitadas em Jörn Rüsen e "sua reflexão sobre os
fundamentos da consciência histórica, do pensamento histórico, da
cultura histórica e da ciência histórica" (MARTINS, 2011, p. 7). São
pesquisas que tratam em grande maioria do ensino de história
praticado em instituições públicas e privadas, que seguem as
diretrizes de ensino nacionais.
281
Em meio aos atuais debates sobre a construção de uma Base Comum
Nacional Curricular, cuja proposta pretende contemplar no Ensino
de História um olhar mais crítico, questões mais amplas e
interligadas, entre elas, interpretar, valorizar e reconhecer as
diferentes manifestações culturais e étnicas que compõe o cenário
social brasileiro e sua história, e, enquanto profissionais da
Educação e da História, é necessário ter clareza que as
manifestações étnicas estão presentes na História da Educação e no
Ensino de História, no caso dos imigrantes europeus, articuladas no
grupo étnico, e, efetivando a partir deste, processos educacionais
escolares através de Sociedades Escolares Étnicas - iniciativas
comunitárias e/ou particulares de instituições religiosas, permeados
por culturas, línguas e história distintas.

Não pretendemos trazer aqui um aprofundamento, apenas, levantar


uma discussão que mencione também, como as condições históricas
mudam o enfoque daquilo que se quer através da escola. Nosso
desafio é pensar o ensino de história nos processos educacionais
escolares étnicos, e, a relação com a identidade étnico-cultural
polono-brasileira nas Sociedades Escolares Étnicas, presentes em
maior número nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Paraná, durante a primeira metade do século 20, definidas, a partir


de 1896 como Sociedades Escolares.

No período, além do fortalecimento da rede escolar e dos processos


educacionais com definições próprias do grupo, tornam-se comuns,
práticas de civismo, culto à bandeira, nominar escolas e sociedades
se reportando a heróis poloneses - atividades que fortalecem
definições significadas a partir de uma representação do passado
como história, a construção de uma memória histórica polônica
fortalecida nas relações de comunicação interculturais e interétnicas,
dadas nos espaços sociais e na luta por poder (JORN RUSEN, 2008,
2014), forjam definições étnico-culturais e identitárias. São
interfaces, que pensadas a partir da "História Cultural, tal como a
entendemos tem por principal objeto identificar no mundo como em
diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é
construída, pensada, dada a ler" (CHARTIER, 1982, p. 16).

A rede escolar do grupo étnico polono-brasileiro, assim como a de


outros grupos presentes nas regiões de colonização e/ou inserção
imigrantista, se configura como iniciativa articulada a partir de
definições étnico-culturais. Ao se estabelecerem, a formação de
282 espaços sociais como igrejas e escolas, são iniciativas comuns entre
imigrantes na primeira, e, na segunda fase da colonização dirigida.
Para Fredrik Barth (1969, p. 190) "Grupo Étnico é aquele que
compartilha os valores culturais fundamentais, constitui um campo
de comunicação e de interação com os seus membros, identificando-
se e sendo identificado pelos outros". A escola, em tal contexto, pode
ser vista como "providência tomada em detrimento de uma
realidade educacional elitista e excludente" (SILVA, 2014, p 87),
mas, também como resistência em um contexto de adaptação e de
diversidade étnico-cultural.

No caso das iniciativas escolares da imigração polonesa durante o


século 19, devido à situação de dominação, estiveram fragilizadas,
com pouco ou nenhum livro didático e falta de professores
capacitados. Tal situação irá mudar somente a partir do século 20,
com a reunificação da Polônia durante a Primeira Guerra Mundial e
a instituição do consulado polonês em Curitiba no Paraná, a chegada
de intelectuais poloneses e a criação da União das Sociedades
Polonesas Kultura e Oswiata, quando, os processos educacionais são
revitalizados e as orientações para o ensino são veiculadas por
associações e sociedades tanto no Brasil, quanto na Polônia, entre
estes, o Departamento de Educação em Lwów, na parte Austríaca, a
Escola Popular e a Associação de Professores no Paraná.
POR UM OUTRO AMANHÃ

As Associações União das Sociedades Polonesas Kultura e Oswiata,


orientavam e coordenavam a distribuição de materiais trazidos da
Polônia, a produção de livros, de manuais escolares, e outros
materiais didáticos e da imprensa pedagógica, além, da formação de
professores. Ambas as Associações possuíam orientações teórico-
político, ideológico, e religiosa distintas, e, filiavam escolas que
constituíam a rede escolar polono-brasileira no sul do Brasil. Tais
orientações são desenvolvidas na Polônia dividida a partir do século
18 entre os impérios da Prússia, Áustria e Rússia, a primeira
representava à esquerda/socialista, e a segunda clericais e Igreja
Católica Romana - posições formadas a partir da resistência étnica à
submissão imposta pela Igreja Ortodoxa Russa e o conservadorismo
czarista.

Após a reunificação, muitos intelectuais emigram para o Brasil.


Também, muitos professores das escolas étnicas polono-brasileiras
que retornaram para atuar na Primeira Guerra Mundial e no
ressurgimento da Polônia, voltam para o Brasil e retomam suas
atividades. Os incentivos ao espírito nacionalista polonês são
fortalecidos, impulsionados também pela vinda de orientadores de
ensino. Conforme Malikoski (2014, p. 166), "É nesse tempo, de uma 283
Polônia independente, que haverá um fluxo maior de professores e
educadores poloneses para o Brasil com o objetivo de melhorar o
processo de ensino étnico da imigração com acompanhamento
oficial". O fortalecimento da rede escolar, a recuperação de símbolos
e o ensino de história da Polônia nas escolas, visava, entre outros
objetivos, dimensionar aos imigrantes que emigram de uma Polônia
dividida e fragilizada em sua polonidade, a retomada do sentimento
de pertença, tendo como ápice, o fortalecimento da identidade
étnico-cultural. A partir de 1920, a escola polono-brasileira vai
vivenciar a sua melhor fase, quando, "a escola polonesa é o único
fundamento de um trabalho sistemático pela manutenção do
polonismo no Brasil" (GLUCHOWSKI, 2005, p. 149).

Ao pensar o ensino de história e sua relação com a identidade étnico-


cultural, partimos de Rüsen (2012, p. 283), que destaca: "No nível
aprofundado de geração de sentidos, a história é um meio de lidar
com identidade, com unidade e diferença". Assim, podemos
compreender o fortalecimento dos processos educacionais e do
ensino de história a partir da reunificação na construção de uma
memória coletiva e na geração de sentidos. Para o sociólogo
espanhol Manuel Castells (2002, p. 23. V2) "A construção de
identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história,
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela


memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e
revelações de cunho religioso".

O processamento mencionado por Castells, na seleção de definições


identitárias, ocorre mediado pelas concepções de mundo dos
sujeitos, objetivos pessoais e do grupo, em uma dimensão cultural
que "é relacional, ela se manifesta nos símbolos, nas representações
e nas valorizações dos grupos, concorrendo nas organizações dos
grupos e da vida social". (KREUTZ, 2001, p. 122). Conforme o
pesquisador da comunidade polonesa Edmundo Gardolinski (1976,
p. 131), em entrevista concedida por um ex-professor declara que
"além de lecionar matérias básicas como, português, aritmética,
História do Brasil, geografia, noções de ciência, canto, entre outros,
deveria lecionar, como é óbvio, noções da língua polonesa, sua
história e literatura e noções da língua alemã". Ainda na Polônia
dividida, muitos poloneses foram obrigados a aprender o alemão,
numa tentativa de germanização, já no Brasil, a História do Brasil e
língua portuguesa também são incorporadas aos processos
educacionais, seja em detrimento da tentativa de desviar a atenção
da nacionalização que aos poucos se instaurava, e, também, em
284 intenção de compreender a língua, cultura e história do país que
agora pertenciam, pois, "Compreender é um pressuposto necessário
do reconhecimento" (RÜSEN, 2014, p. 306).

Para Kreutz (2001, p. 123), "a educação e a escola são um campo


propício para se perceber a afirmação dos processos identitários e os
estranhamentos e as tensões decorrentes da relação entre culturas".
Dentre as práticas comuns nas escolas polono-brasileiras também
estava o hasteamento da bandeira da Polônia e do Brasil, uma ao
lado da outra. Em relação à língua no contexto da escola étnica, tem
papel fundamental em relação à cultura, história e a identidade
étnica. Através da língua, muitos aspectos são agenciados para a
constituição do pertencimento étnico-cultural.

Além do ensino de História da Polônia, conforme Malikoski (2014,


p.135), "A idealização dos considerados "heróis poloneses", aparece
contextualizada nas escolas, desempenhando um papel da
identificação étnica", ainda, "Os nomes das sociedades e escolas
polonesas no Rio Grande do Sul sempre retomavam personagens
consideradas importantes para a História da Polônia, como,
revolucionários, estadistas, escritores, cientistas e músicos
poloneses" (MALIKOSKI, 2014, p. 135-136).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Neste mesmo sentido, Wonsowski (1976, p. 31) ao falar sobre escolas


étnicas polono-brasileiras no Rio Grande do Sul e a visita de um
sacerdote polonês, destaca que este, despertou o "sentimento de
polonidade autêntica", pois, "Mandou vir de além-mar livros
escolares, devocionários, quadros murais de santos e de ilustres
personagens, por ex., a série dos reis da Polônia". Tal atitude
representa a adoção de narrativas que possibilitam a formação de
uma memória e de uma consciência histórica ligada à identidade
étnico-cultural. Para Rüsen (2011, p.9) "Essa consciência se exprime
pelo discurso articulado em forma de narrativa" e em experiências
como a escolar.

As definições étnico-culturais e identitárias processadas na escola


étnica se dão mediadas pela possibilidade de diálogo interculturas
em um ensino que pratica algo mais próximo daquilo que Jörn
Rüsen trata como interculturalidade na educação e no ensino de
história, contemplando história, língua e cultura alemã, polonesa e
brasileira, denotando narrativas que não possuem caráter
totalmente etnocêntrico, mas sim, potencial de reconhecimento da
diferença e sua relevância: "As culturas se interpenetram,
delimitam-se umas em relação às outras, combatem-se, aprendem
umas das outras e se modificam no relacionamento mútuo" (JÖRN 285
RÜSEN, 2014, p.296).

Pensar a identidade étnico-cultural é saber de seu não


aprisionamento a determinadas características fixas e de sua
definição a partir de si mesma. A identidade é movimento, são
definições e representações em processo, de caráter relacional e
intercultural - significados passíveis de construção e reelaboração
"se acha validada na interação social pela ativação de signos
culturais socialmente diferenciadores, num contexto dado de
relações interétnicas" (POUTIGNAT & STREIFF-FENART, 2011,
p.141). São interações que não tratam de determinada cultura como
superior ou inferior, mas sim, como diferença.

As atividades das Sociedades Escolares Étnicas são extintas com o


decreto de nacionalização de 1938 e as ações para o enquadramento
da educação em uma pretensa identidade nacional; "As diferenças
regionais e étnicas foram gradualmente sendo colocadas, de forma
subordinada, sob aquilo que Gellner chama de "teto político" do
estado-nação que se tornou, assim, uma fonte poderosa de
significados para as identidades culturais modernas" (HALL, 2006,
p.49), estabelecendo a presença das escolas públicas nas distintas
regiões do país, voltadas para as orientações de ensino definidas em
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

nível nacional. A versão da história nacional é apresentada nos livros


didáticos, fiscalizados pela Comissão Nacional do Livro Didático -
CNLD, também criada em 1938. A partir daí, orientando professores
a "intensificar o ensino de história e geografia do Brasil" (KREUTZ,
2010, p. 78).

Nesse contexto, "A História dá forma à identidade ao criar as


chamadas narrativas-mestras", estas, "dizem às pessoas quem elas
são: indivíduos ou grupos, nações ou mesmo culturas inteiras"
(JÖRN RÜSEN, 2012, p. 283. O ensino de história passa a ser
importante na materialização dos objetivos traçados pelo estado
brasileiro a partir de uma identidade nacional. Já nos processos
educacionais escolares étnicos entre polono-brasileiros emerge o
diálogo intercultural, relações interétnicas, confronto de aspectos
culturais, que embasam processos identitários dados no
reconhecimento da diferença e na produção de uma memória
coletiva.

Nesse sentido, compreendemos a discussão como necessária, no


intuito de propiciar reflexões relacionadas ao ensino de história
efetivado em contextos escolares tão diversos culturalmente como os
286 das escolas brasileiras, com distintas contribuições, e, inscritas em
uma representação do passado como história. Caso contrário, "Por
mais que lutemos arduamente para evitar os preconceitos associados
a cor, credo, classe ou sexo, não podemos evitar olhar o passado de
um ponto de vista particular" (BURKE, 1997, p. 15). São dimensões,
que, se consideradas, possivelmente resultem em mudanças, e, na
qualificação das relações sociais.

Referências

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Revolução Francesa da Historiografia. Ed. Unesp, 1997.
CASTELLS, Manuel. Paraísos comunais: identidade e significado na
sociedade em rede. In: CASTELLS, M. O poder da identidade.
São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 21- 48. v. II.
CHARTIER, Roger. A História Cultural, entre práticas e
representações. Lisboa: Difel, 1982.
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no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Escola Superior de Teologia
São Lourenço de Brindes; Caxias do Sul, Universidade de Caxias do
Sul, 1976. 138p.
GLUCHOWSKI, Kazimierz Os poloneses no Brasi", Porto Alegre:
Rodycz&Ordakowski, 2005.
POR UM OUTRO AMANHÃ

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade.


Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de
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KREUTZ, Lúcio. Imigrantes e projeto de escola pública no Brasil:
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historiografia. Coleção Memória da educação. Campinas, São
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KREUTZ, Lúcio. Escolas étnicas no Brasil e a formação do estado
nacional: a nacionalização compulsória das escolas dos imigrantes
(1937-1945). Poiésis - Revista do Programa de Pós-
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n. 5, p. 71 - 84 jan./jun. 2010. Disponível em:
http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Poiesis/article/
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Acesso em: 20 set. 2015.
LUPORINI, Teresa Jussara. Educação Polonesa: os fundamentos da
Educação Escolar étnica Revisitados. In: IX SEMINÁRIO
NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS "HISTÓRIA,
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Anais Eletrônicos, João Pessoa: UFP, 2012. Disponível em:
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Dissertação (Mestrado) - Universidade de Caxias do Sul, Programa
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POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da
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RÜSEN, Jörn. Razão histórica - Teoria da história:
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RÜSEN, Jörn. Cultura: Universalismo, ou o que mais?
Tradução de: KNOLL, Daniel Carlos, In: Revista História & Ensino,
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RÜSEN, Jörn. Cultura Faz Sentido: orientações entre o
ontem e o amanhã. Trad. Nélio Schneider. Petrópolis, RJ: Vozes,
2014.
SILVA, Fabiana Regina. A Constituição dos Processos
Educacionais: História da Educação em Frederico
Westphalen/RS (1917 - 1950). 2014. Dissertação (Mestrado) -
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em Educação, Santa Maria, RS, 2014
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão


de Rezende (Org.). Jörn Rüsen e o Ensino de História.
Curitiba: Editora da UFPR, 2011.
WACHOWICZ, Ruy. As escolas da colonização polonesa no Brasil.
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WONSOWSKI, João Ladislau. Nos peraus do rio das Antas:
núcleo de imigrantes poloneses da ex-colônia Alfredo
Chaves (1890). Tradução e notas de Alberto Victor Stawinski.
Porto Alegre: EST/UCS, 1976.

288
POR UM OUTRO AMANHÃ

PROFESSORES PRIMÁRIOS DE SALVADOR: ENTRE AS


BRECHAS DA CRISE E DA INSTABILIDADE POLÍTICA
(1912-1918)

Fabiano Moreira da Silva

A Primeira República tem como característica a instabilidade


política envolvendo a disputa pelo poder entre as oligarquias
políticas e a tensão nos meios populares devido à situação
socioeconômica. A situação do ensino primário da cidade de
Salvador e o movimento reivindicatório dos seus professores
ocorrido em 1918 nos oferecem elementos para verificar o quanto as
questões políticas e sociais estavam relacionadas. A organização do
ensino estava entre os temas de interesse republicano. Na Bahia
destaca-se a constituição estadual de 1891 que tratava da
municipalização do ensino primário e sua organização (Menezes,
201l, p.22-23). No caso da cidade de Salvador a municipalização do
ensino primário não atendeu aos anseios republicanos e se tornou
fator gerador da crise devido às dificuldades financeiras para o
município custear os prédios escolares, recursos didáticos, 289
mobiliário e manter a pontualidade no pagamento dos professores
(Luz, 2008, p.242-243).

As condições físicas das escolas era tema recorrente nos jornais


assim como a situação dos professores devido aos salários atrasados.
A abordagem sobre educação primária na capital tinha relação com a
conjuntura política. O período após o ano de 1912 é um marco
importante para relacionar a conjuntura política e o movimento dos
professores da capital baiana. O ano de 1912 marca a eleição do
governador J.J. Seabra e o domínio seabrista que durou até 1922
(Sampaio, 1998, p.25). Mesmo no comando do governo estadual os
seabristas enfrentaram a oposição de outros grupos que tinham
como chefes políticos Rui Barbosa e ex-governadores como Severino
Vieira e José Marcelino.

Um dos meios utilizados tanto pelos governistas como os opositores


para as divergências de opiniões e críticas era a imprensa. Muitos
dos jornais que circulavam na capital estavam ligados a grupos
políticos (Sarmento,2011, p.21). Os periódicos ligados a oposição
como Diário da Bahia, Diário de Notícias, A Tarde, exploravam as
dificuldades do governo para tecer críticas. Havia também os jornais
que apoiavam o governo como a Gazeta do Povo e o Democrata. A
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

situação educacional seria um dos temas presente nas páginas


desses periódicos principalmente o atraso no pagamento dos
professores.

O atraso no pagamento dos professores não era algo novo. Entre os


anos de 1901 a 1908 o município já enfrentava dificuldades para o
pagamento do funcionalismo municipal (Santos, 2001, p-36). Os
professores representavam, aproximadamente, a metade dos
funcionários municipais (Santos, 2001, p.34). O censo de 1920
aponta que as mulheres representavam em torno de 81% dos
professores do ensino primário (Costa e Conceição, 2001, p-121).
Muitas professoras estiveram à frente do movimento que
reivindicavam melhorias nas condições de trabalho e regularização
dos pagamentos atrasados.

Os professores e professoras utilizavam-se da habilidade para o


discurso e escrita nos momentos em que dividiam espaços com as
autoridades políticas ou quando escreviam para os jornais. Em 16 de
dezembro de 1912 o jornal A Tarde trazia trechos do discurso do
professor Vicente Ferreira Café durante inauguração da exposição
dos trabalhos escolares onde estavam presentes o intendente do
290 município, professores e o povo que prestigiava o evento. Nesse
discurso o professor tratou das queixas, o abatimento moral e
intelectual da classe dos professores e animava os colegas
lembrando-os que estes contribuíam para o caminho da civilização e
do progresso apesar "do pequeno e minguado vencimento que mal
chega ao professor".

Outros momentos de contato entre professores e autoridades


ocorreram durante as conferências pedagógicas ocorridas em
Salvador nos anos de 1913, 1914, 1915. Esse era um evento de
atualização docente, sociabilidade, reflexão sobre as práticas e as
condições de trabalho do professorado , constituindo-se em espaço
de troca de experiência em que os docentes divulgavam teses sobre
as práticas pedagógicas e discutiam a sua situação profissional
(Brandão, 2012, p.12).

O município enfrentava dificuldades para manter o funcionamento


de serviços como iluminação pública, água e esgoto e limpeza urbana
além do pagamento do funcionalismo municipal (Santos, 2001, p-
36). As dificuldades financeiras se refletiam na dificuldade de
concluir as obras de modernização da cidade assumidas em 1912 e o
pagamento dos prestadores de serviços. Essa situação era impactada
pelas dificuldades oriundas da Primeira Guerra que trazia
POR UM OUTRO AMANHÃ

consequências negativas para a economia baiana e dificultava o


acesso ao financiamento estrangeiro para conclusão das obras e
equilíbrio orçamentário (Leite, 1996, p.60). Esse também foi um
período de intensificação dos protestos populares devido a carestia,
o desabastecimento de alimentos e de greves motivadas por questões
salariais (Santos, 2001, p.110-116)

A intendência municipal tentava explicar, por meio do periódico


governista essa situação era consequência da queda da arrecadação e
desacertos do passado. Também demonstrava preocupação com a
movimentação do professorado que queixava-se do atraso nos
pagamentos tentando sensibilizar a classe para não se "afastarem da
legalidade" além de acusar a oposição de estimular a anarquia, ódios
e rixas (O Democrata, 1918).

Em 1918 a situação do professorado municipal estampou as


primeiras páginas dos jornais. O reclamação dos professores se
juntava a outras descontentes com o governador Antonio Muniz
Aragão sucessor de Seabra e seu aliado político. Os grupos de
oposição criticavam o governo expondo as dificuldades do ensino
primário. Mesmo o ensino primário sendo de responsabilidade do
município as criticas eram direcionada ao chefe político uma vez que 291
a intendência da capital era conduzida por integrantes do grupo
seabrista.

Em 15 de janeiro o jornal A Tarde trazia na capa a matéria intitulada


"A greve da fome em eminência" informando da decisão dos
professores em não abrir as escolas no inicio do ano letivo e
anunciando que um manifesto seria publicado. De fato em 31 de
janeiro um grupo de professores e professoras publicava no Diário
da Bahia um manifesto informando que não reabririam as escolas
citando "a deprimente e embaraçosa situação do professorado"
provocado pela fome, a falta de crédito e o não pagamento dos
salários. Iniciava-se a greve dos professores do ensino primário da
capital.

Diante do impasse outro manifesto foi publicado em 9 de março pelo


Diário da Bahia onde os professores relatavam a sua situação,
exigiam o cumprimento da legislação e apelavam para a caridade
pública. O periódico publicava também os telegramas enviados a Rui
Barbosa e Miguel Calmon em informavam a decisão de solicitar
contribuição pública, pediam o apoio dos políticos, mobilização da
comunidade baiana que residia na capital federal e espaço na
impressa nacional.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O professorado manteve-se firme no seu movimento de paralisação e


o jornal Diário da Bahia publicava em 18 de março as reivindicações
dos professores. A professora Emilia de Oliveira Lobo Vianna propôs
que o fim da greve estaria condicionado a revogação da suspensão
do professor Isauro Coelho (suspenso por protesto contra o
governo), o pagamento dos salários atrasados, continuidade do
pagamento mensal e respeito aos professores. O professor Vicente
Ferreira Café apresentava uma moção de confiança à intendência
municipal e o professor Alberto de Assis convocava os professores
para discutir o estatuto do Centro de Defesa do Professorado Baiano.
A professora Anna Moreira Bahiense publicava uma carta de apoio
ao movimento e se dispunha a arcar com as consequências da não
abertura das escolas.

A situação do professorado repercutia fora do estado. No Rio de


Janeiro o jornal Lanterna em maio de 1918 tratava do assunto da
greve dos professores e de outros problemas que assolavam a Bahia
criticando o governador Antonio Muniz chamando-o de "maluco".
Em junho o mesmo periódico trataria da continuidade da greve. Em
julho o jornal o Estado de São Paulo publicava uma nota referente à
292 arrecadação realizada pelo Comitê Paulista de Socorro ao
Professorado Bahiano. Na capital baiana houve mobilização de
populares em favor dos professores através de cartas enviadas aos
jornais como a publicada no Imparcial em junho onde um leitor
pedia uma "subscrição" em benefícios dos professores e o mesmo
disponibilizara 20$000 como oferta inicial.

A mobilização do professorado da capital também agitava o meio


político. Em discurso publicado pelo Democrata, o Senador Estadual
Campos França tratou do assunto afirmando a falta de recursos do
município para manter o ensino e acusava os opositores de provocar
agitação nos professores. A oposição aproveitava da instabilidade de
relacionamento entre o governo baiano e o governo federal para o
envio de uma carta, com a intermediação de Ernesto Simões Filho,
proprietário do jornal A Tarde e opositor de Seabra , ao presidente
Wenceslau Braz denunciando que após a municipalização do ensino
primário as leis que garantiam os recursos para o pagamento dos
professores não estavam sendo respeitadas e apelavam para ação do
presidente por meio da intervenção (A Tarde, junho 1918).

Diante da pressão a intendência propôs o pagamento escalonado dos


atrasados além de revogar a punição ao professor Isauro Coelho. Em
início de setembro era publicado no jornal A Tarde o fim da greve
POR UM OUTRO AMANHÃ

dos professores. O fim do movimento, no entanto não significou a


regularidade da situação já que em início de 1919 o Imparcial
publicava nota sobre a demora no pagamento dos salários atrasados
e que o governo municipal só poderia quitar três meses do débito de
dois anos.

A situação dos professores da cidade de Salvador durante a Primeira


República serve de reflexão sobre período tanto em relação ao meio
político como entre a população e de como a instabilidade política
aliada a uma conjuntura socioeconômica desfavorável provocou
tensões. Essa tensão também estaria presente nas diversas
categorias profissionais que já adotavam a greve como uma maneira
de ver atendidas suas reivindicações. Por outro lado os grupos da
elite oligárquica se confrontavam pelo poder dando brechas para que
os trabalhadores apresentassem o seu descontentamento com a
condução política. Esses conflitos se estenderiam provocando
dificuldades para administração política contribuindo assim para as
mudanças que ocorreriam a partir de década de 30.

Lista de fontes

A Tarde, 16 de dezembro de 1912, f.4; 15 de janeiro de 1918, 22 de 293


junho de 1918, f.1; 9 de setembro de 1918
Diário da Bahia, 31 de janeiro de 1918 ; 9 de março de 1918, f.1; 18 de
março de 1918
Lanterna, 31 de maio de 1918, f.1
O Democrata, 16 de maio de 1918; O Democrata, 18 de abril de 1918,
f.1
O Estado de São Paulo de 21 de julho de 1918
O Imparcial, 20 de junho de 1918; 06 de fevereiro de 1919

Referências

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escolas públicas primárias: estudo das teses apresentadas
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participação feminina na greve dos professores (1918/1919). In.
Fazendo Gênero na Historiografia Baiana. Salvador:
NEIM/UFBA, 2001.
LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. E a Bahia civiliza-se... Ideais
de civilização e cenas de anticivilidade em um contexto de
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

modernização urbana. Salvador 1912/1916. Salvador: UFBA.


1996. (Dissertação de Mestrado)
LUZ, José Augusto. Educação, Progresso e Infância na Salvador
Republicana: Percursos Históricos. In: LUZ, José Augusto e SILVA
José Carlos (orgs). História da Educação na Bahia. Salvador:
Arcádia, 2008
MENEZES, Jaci Maria Ferraz. A República e a Construção Do
Direito À Educação Na Bahia. In: SANTANA, Elizabete Conceição.
(Org.). A construção da escola primária na Bahia: guia de
referências temáticas de reforma e regulamento.
1ed.Salvador: EDUFBA, 2011, v. 1, p. 7-20.
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os Partidos Políticos da Bahia na
Primeira República. Salvador: Edufba, 1998.
SANTOS, Mário Augusto da Silva. A República do povo:
sobrevivência e tensão-Salvador (1890-1930). Salvador:
EDUFBA, 2001.
SARMENTO, Silvia Noronha. A raposa e a águia: J.J. Seabra e
Rui Barbosa na política baiana da Primeira República.
Salvador, EDUFBA, 2011.

294
POR UM OUTRO AMANHÃ

POR UMA HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE: NOTAS


HISTORIOGRÁFICAS FILIGRANADAS ENTRE HISTÓRIA
DO TEMPO PRESENTE E ENSINO

Fagno da Silva Soares

O historiador do tempo presente é


contemporâneo do seu objeto e, portanto,
partilha com aqueles cuja história ele narra.
Roger Chartier

Introdução

Papai, então me explique para que serve a História.


Marc Bloch, 2001, p. 41.

Esta, certamente não é um pergunta simples de ser respondida e,


por essa mesma razão, faz-se mister perscrutar os caminhos e
descaminhos da história na tentativa de respondê-la ainda que, não 295
satisfatoriamente. São muitos os que assim como o garoto Henri,
filho do historiador Marc Bloch que questiona o pai sobre a
importância de se estudar a história na introdução da obra
inacabada em 1943, de Bloch permanecem sem resposta. A despeito
disto, o teatrólogo Bertolt Brecht sublinha que todos fazemos a
história, para além dos heróis conhecidos, os anônimos, sem os
quais a história deixaria de ser história. A busca por possíveis
respostas norteou esta nada sucinta, porém, loquaz reflexão
preambular acerca das relações entre história oral, memória e
ensino de história, promovendo reflexões historiográficas a partir da
análise bibliográfica dos conceitos de história oral e memória
perpassados pelo tempo presente.

Ainda nestes termos, o historiador Peter Burke para quem a função


da história seria de ordenar informações sobre o passado (Burke,
1992) ou como nos propõe Eric Hobsbawm que o historiador deve
sempre lembrar o que a sociedade insiste em esquecer, (Hobsbawm,
1995, p. 13) não basta ao historiador registrar apenas o passado, mas
refleti-lo, problematizadoramente calcado no presente.

Destarte, o historiador do século XXI está singrando o "oceano da


historiografia que se acha povoado por inúmeras ilhas com sua flora
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

e fauna particular", (Barros, 2004, p. 08) tendo vez por vez, de


ancorar em diversos portos, formando um verdadeiro

[...] caleidoscópio de sub-especialidades [...] perpassando


um todo cada vez mais compartimentado deste campo do
saber [...] o historiador de hoje é um historiador da
cultura, um historiador econômico [...] micro-
historiadores [...] fragmentação de especialidades.
(Barros, 2004, p. 08)

No novo século, a hiper-especialização e as interconexões dos


saberes são oriundos da crescente complexificação do conhecimento
humano que fazem do conhecimento histórico um caleidoscópio
com infinitas possibilidades de estudo. Ainda segundo o autor "a
história, neste início de milênio, divide-se em inúmeras modalidades
que fazem do ofício dos historiadores contemporâneos um universo
vasto e complexo" (Barros, 2004, p. 08). Destarte, não existem fatos
exclusivamente políticos, econômicos, religiosos, sociais ou culturais
em um mesmo campo historiográfico, todas possuem interfaces e
enfoques para o desnudamento da sociedade em um tom quase
babélico de possibilidades.
296
Nós historiadores somos tomados por um certo encantamento de
fontes, se por um lado é um manancial de possibilidades de
pesquisa, por outro, pode ser o nosso calcanhar de Aquiles. Pois, o
risco de afogar-se nelas pode ser maior do que o da 'euforia da
ignorância' (Ginzburg, 2007, p. 296). de que trata Carlo Ginzburg.
Afinal, o que fazer com as fontes que já dispomos? Não menos
despicientes são os aportes metodológicos e teóricos utilizados em
uma pesquisa, que constituem necessariamente, em como fazer? E
com quem dialogar?

O desafio do professor de história do século XXI é articular a


produção historiográfica aos saberes históricos no espaço escolar,
bem como, a incorporação de diferentes linguagens e narrativas
históricas em sua práxis pedagógica, fazendo o uso adequado das
tecnologias de informação e comunicação aplicadas ao ensino da
história solapando os eixos tradicionais da história linear francesa
quadripartite, por uma história temática, interdisciplinar,
problematizadora atenta às transformações do novo século, a partir
das relações de identidade-diferença, continuidade-ruptura em
diferentes contextos sócio-culturais. Eis, o grande desafio do ofício
do professor historiador (Soares, 2011, p. 09).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Trazemos aqui, uma história do tempo presente à revelia dos que


pensam equivocadamente que história é coisa apenas do passado,
rompendo com visões maniqueístas e evitando cometer
anacronismos. Neste contexto, cabe ao professor de história situar o
aluno enquanto sujeito histórico, agente transformador e crítico sa
sua realidade para o pleno direito da cidadania ensinando-o a
aprender para conhecer, fazer, ser e conviver por uma história atenta
a temáticas para além da história política ou econômica. Uma
história cultural? História do tempo presente?

Por uma história do tempo presente

Para pensar a história do tempo presente, o conceito de René


Rémond é basilar ao afirmar

(...) que é a história que vivemos: faz parte das nossas


lembranças e de nossas experiências. Ora, vale lembrar
que essa história exige igual rigor ou maior do que o
estudo de outros períodos: devemos enfatizar a disciplina
e a higiene intelectual, as exigências de probidade.
(REMOND, 2006 p.206).
297
O autor em primeira instância relaciona a história do tempo
presente á lembranças ou memórias e em seguida ressaltar o rigor
científico com que os historiadores devem tratá-la, exigindo do
estudioso do tempo presente uma maior acuidade intelectual e
meticuloso arcabouço metodológico com o seu objeto de estudo
locado no tempo presente. Tal argumento está à revelia do que
afirmou o historiador Eric Hobsbawm, quando a

(...) vivência pessoal deste tempo molda inevitavelmente


a forma como o vemos, e até mesmo o modo como
determinamos a evidência à qual todos nós devemos
apelar e nos submeter, independente de nossos pontos
de vista (...) a diferença de gerações é suficiente para
dividir os homens. (HOBSBAWM, 1995 p. 105).

No campo da pesquisa histórica o distanciamento temporal dos fatos


pouco importa a verossimilhança, seja na antiguidade ou
contemporaneidade desde que o estudo seja problematizado como
ponto de partida adequado quando se deseja reconstituí-la para
melhor compreender a realidade. Afinal, "toda história é uma
história contemporânea" afirmou Benedetto Croce por ser revisitada
por historiadores e para leitores do nosso tempo. Justificar-se a
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

importância de se estudar a história à medida que, desvelamos quem


fomos, somos e seremos no espaço e no tempo de maneira crítica
rompendo com a visão maniqueísta e evitando cometer
anacronismos que tanto a história do pretérito quanto a do presente
podem incorrer. Faz-se mister afirmar que, a história do presente
remonta os tempos de Heródoto e Tucídides que faziam uso do
testemunho oral, ou seja, surgiu com a própria história. Com efeito,
a historiadora Marieta de Morais Ferreira alerta que,

É preciso lembrar que a história dos fatos recentes nem


sempre foi vista como problemática. Na Antiguidade
clássica, muito ao contrário, a história recente era o foco
central da preocupação dos historiadores. Para Heródoto
e Tucídides, a história era um repositório de exemplos
que deveriam ser preservados, e o trabalho do
historiador era expor os fatos recentes atestados por
testemunhos diretos. Não havia portanto nenhuma
interdição ao estudo dos fatos recentes, e as testemunhas
oculares eram fontes privilegiadas para a pesquisa"
(2000, p.111).
298 Muito embora, na atualidade se coloque toda uma complexidade
dada os aportes teórico-metodológicos dos quais fazemos usos ao
optar por um recorte temporal do tempo presente, o que para muitos
significa um 'objeto problemático', o que em nenhuma medida
inviabiliza o sucesso da pesquisa, nem tampouco legitima a
expressão. De modo que, a discutível fragilidade da história do
tempo presente é na verdade uma fonte potencializadora que rompe
com suas fragilidades.

Segundo Agnès Chauveau e Philippe Tètart (1999, p. 07), o que


convencionou-se chamar "de história imediata, história próxima ou
de história do tempo presente", nada mais que é do que história.
Jean Pierre Rioux(1999, p. 39), pergunta lança o questionamento -
"Pode-se fazer uma história do tempo presente?"Sua resposta
configuraria outro artigo, o que não é o caso, embora de modo
simplista sabe-se que sim, caberia justificar. Para tal, basta perceber
a grande profusão temática que os dias atuais propõe a oficina do
historiador. Para muitos historiadores que ainda resistem transitar
pelas regiões fronteiriças da história, a história do tempo presente
não é lócus temporal do historiador, como sublinha a pesquisadora
Helena Isabel Muller (2007, p.17) que E. P. Thompson afirmou "ao
historiador cabia trabalhar o passado, o presente seria pertinente
aos estudos da sociologia." Um ledo engano, no mundo atual tais
POR UM OUTRO AMANHÃ

barreiras tem sido diluídas em nome da interdisciplinaridade. Já


Pierre Lagrou (2007, p.31) pesquisador do IHTP - Instituto de
História do Tempo Presente enfaticamente afirma "o tempo
presente é passado", tal como o passado se faz no presente.
Com efeito, a abundância de fontes torna-se um grande desafio na
construção de indagações que responda aos propósitos do
historiador. Entre esses desafios, a proximidade com o objeto a ser
estudado é o mais caro ao profissional da história. Como diria o
poeta modernista Carlos Drummond de Andrade em sua elegia,
poema de dor e luto ao historiador que não por acaso, "[...] veio para
ressuscitar o tempo e escalpelar os mortos, as condecorações, as
liturgias, as espadas, o espectro das fazendas submergidas [...]"
(Andrade, 1980, p. 34). A esse respeito, Michel de Certeau
questiona: "o que fabrica o historiador quando faz história? Em que
trabalha? Que produz?" (Certeau, 1995, p. 17) tais questões remetem
o historiador da importância de seu ofício para si e para o grupo
social do qual pertence, auxiliando-o na construção do seu fazer,
fazendo-se historiador como uma operação de construção de
sentidos ao passado e ao presente, comungamos das mesmas
inquietações do autor, acreditamos ser possível fazer história para
além dos muros da academia. Certeau endossou ao afirmar que a
operação historiográfica "[...] se refere à combinação de um lugar 299
social, de práticas científicas e de uma escrita" (Certeau, 2002, p.
66). Esta operação de que tanto fala o autor, trata dos esforços
empreendidos pelos que escrevem a história.

Considerações finais

Do alto do Olimpo, com olhar contemplativo Clio, a musa da história


com clarim heroico e sua clepsidra, filha dileta entre as musas,
compartilha com a sua mãe Mnemósine, deusa da memória, a
responsabilidade de não deixar obliterar o passado. A memória
gerou a história. A história registra a memória. Clio (Musa da
história e da criatividade, conhecida como a proclamadora, cujo
nome representa celebrações e perpetuidade) mira no passado para
explicar o presente, pari passu, projetar o futuro dizendo: - Decifre-
me ou lanço-te no mar do esquecimento, atirando-o ao limbo. Do
contrário, é desvelar quem fomos, somos e seremos no espaço e no
tempo de maneira crítica rompendo com a visão maniqueísta,
confazendo, um todo nada anacrônico. Assim sendo, "o historiador,
este detentor do olhar arguto que é capaz de ver o que não mais se
impõe a visão", (Pesavento, 2004, p. 25) municiado de seu aparato
crítico e ancorado na perspectiva do presente, tem sua atenção mais
recentemente voltada para o ensino da história.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O historiador não é mais o profissional que estuda o passado


acabado, mas a sua relação com o presente inacabado em que as
fontes não falam por si, há que fazê-las falar a partir das
inquietações do presente. Somos, pois, convidados a revisitar
temporalidades mais recentes e fontes diferenciadas, lançando mão
quase sempre, das mesmas perguntas que faria um historiador do
século XVIII a suas fontes, mas tracejando novos caminhos de
pesquisa.

Para Chartier, a história do tempo presente desperta um mau


sentimento: a inveja (Chartier, 1996, p. 215). Com efeito, além de
contar com recursos documentais abundantes sejam visual, escrita e
sonora que parecem não se esgotar, mas, ao contrário, se
multiplicam na sociedade contemporânea. Aos novos historiadores
cabe fazer boas escolhas em meio ao manancial de fontes apensadas.
Mais uma vez somos convencidos da assertiva de Le Goff que o
historiador deve "decidir sobre aquilo que irá considerar como
documento e o que irá rejeitar", (Le Goff, 2003, p. 101), podendo
construir seus próprios repositórios digitais de documentos.
Nesta seara em que tudo é história, passado presente e futuro
300 confundem-se. Somos e fazemos história. Entendê-la é compreender
a si e ao mundo, com a consciência do que fomos para transformar o
que seremos. Dito isto, voltemos a pergunta inicial: Para que serve a
história do tempo presente? Para saber quem fomos, conhecer quem
somos e projetar quem seremos.

Referências

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BARROS, José D'Assunção. O campo da história:
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POR UM OUTRO AMANHÃ

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CHARTIER. Roger "A Visão do Historiador Modernista". In
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CHAUVEAU, Agnes: TÈRTARD, Philippe (org). Questões para
história do tempo presente. São Paulo: EDUSC, 2002. pp. 07-
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GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e
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2009, p. 157.
HOBSBAWM, Eric J. "O presente como história: escrever a história
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CEBRAP, Novembro/95 nº 43. Pp.103-112
LAGROU. Pieter "Sobre a história do tempo presente". In. PORTO,
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Bernado Leitão [et. al.]. 5. ed. Campinas: UNICAMP, 2003.
MULLER. Helena Isabel. "A história do tempo presente algumas
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presente. Bauru: EDUSC, 2007. pp. 17-31
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Com os olhos no passado: a cidade
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graduação em História da UFSC. vol. 11. Florianópolis:
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RÉMOND, René. "Algumas Questões de alcance geral à guisa de
introdução." In FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína.
(coords.) Usos & Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV,
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RIOUX. Jean-Pierre. "Pode-se fazer uma História do Tempo
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EDUSC, 2002. pp. 39-50.
SOARES, Fagno da Silva. Para que serve a história? Revista
Mundo Jovem. Porto Alegre; v. 413, p. 09, 01 fev., 2011.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Trad. Lólio
Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992, p. 138.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

THOMSON, Alistair; FRISCH, Michael e HAMILTON, Paula. "Os


Debates sobre Memória e História: alguns aspectos internacionais"
In.: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e
abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 8a ed. 2006, p. 66.

302
POR UM OUTRO AMANHÃ

PARA QUE SERVE A HISTÓRIA ORAL?


NOTAS SOBRE A HISTÓRIA ORAL E O ENSINO DE
HISTÓRIA

Fagno da Silva Soares


Vera Lucia Silva Oliveira

A história é filha do seu tempo./


Cada nova geração deve reescrever
a história à sua própria maneira.
Lucien Febvre & Fernand Braudel, 2009

Introdução

Sabemos, pois, que atualmente a história oral atingiu status quo e


consagração entre os historiadores que dedicam suas análises ao
tempo presente. A gênese da história oral nas terras tupiniquins data
dos anos 70, mas só em meados da década de 90 alargou-se sua
utilização enquanto metodologia de pesquisa, onde cada depoente é
em certa medida um legítimo guardião de memórias capaz de torná- 303
las coletivas as suas memórias individuais. Como são os griots,
antigos contadores de histórias nas comunidades africanas.
Podemos exemplificar a bem sucedida experiência do Programa de
História Oral do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil/Fundação Getúlio Vargas CPDOC/FGV
criado nos anos 70, inspirado na proposta da Oral History Program
da Columbia University de 1948. Arregimentados esforços de
estudiosos e pesquisadores das ciências humanas e sociais de
diversas partes do Brasil, especialmente do sudeste, puderam criar
em 1994 a Associação Brasileira de História Oral - ABHO que realiza
sazonalmente encontros regionais e nacionais a cada dois anos.
Atualmente, constitui-se em um fórum aglutinador de debates e
experiências em história oral realizadas em academias, instituições
privadas e comunitárias em todo país.

Concomitantemente a criação da Associação Brasileira de História


Oral ABHO cresceu exponencialmente o número de programas,
pesquisas e publicações que se utilizam da metodologia da história
oral, bem como o considerável aumento de participantes nos eventos
realizados pelas instituições. São provas cabais da credibilidade que
esta metodologia tem auferido junto a profissionais de diversas áreas
ao longo dos anos. Destacamos ainda que, apesar do apreço que
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

temos à história oral, assim como outros estudiosos, reconhecemos


que a sua denominação é um tanto equivocada, visto que, em vez de
relacionar às fontes, adjetiva a história; (Ferreira & Amado, 2006, p.
xii) por outro lado, foi com os historiadores que ele constituiu uma
rede de profissionais, que imbuídos do devir historiográfico,
perfazem um todo cada vez mais elaborado de sua metodologia.
Embora consagrada, os praticantes da história oral costumeiramente
são convocados a ratificar seus aspectos metodológicos relacionados
à memória. Quanto a esta relação, os historiadores, assinalaram uma
constatação na confraria da ABHO, sublinhando que, "[...] mas isso
faz da história oral uma fonte não fidedigna para o pesquisador?"
(Idem) Deste modo, o "[...] o principal alvo dessas críticas era a
memória não ser confiável como fonte histórica, porque era
distorcida pela deterioração física e pela nostalgia" (Thompson;
Frisch; Hamilton. 2006, p. 66) do entrevistado que possa fazê-lo
idealizar o passado. Porém, essa 'não confiabilidade da memória'
pode ser encarada como um recurso e não como um problema.
Destarte a história oral e o estudo da memória tem demonstrado
força teórica na superação destas e de outras críticas.

Afinal, para que serve a história oral?


304
Sabe-se que o uso do testemunho oral é tão antigo quanto à história
de Heródoto, mas foi a partir da Segunda Guerra Mundial que a
história oral se desenvolveu, tendo como lócus fundador a
Universidade de Columbia, Nova York, a primeira a formalizar um
projeto de história oral, enquanto metodologia acadêmica. Sobre a
sua gênese, o pesquisador José Carlos Sebe Bon Meihy assevera que
"ela combinou três funções complementares: registrar relatos,
divulgar experiências relevantes e estabelecer vínculos com o
imediato urbano, promovendo assim um incentivo à história local e
imediata". (2005, p.22) Deste modo, a história oral nasce na
academia com indeléveis dileções com a micro-história, assim como
a história do tempo presente com a função quase que salvacionista
das memórias dos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial.
Assim, os elementos motivadores para sua gênese que foram à
necessidade do registro das experiências dos sobreviventes deste
fatídico momento da história, através dos relatos orais somados ao
uso do gravador analógico.

Para além do que afirma Verena que "o trabalho com a história oral
consiste na gravação de entrevistas de caráter histórico e
documental com atores e/ou testemunhas de acontecimentos,
conjunturas, movimentos instituições e modos de vida da história
POR UM OUTRO AMANHÃ

contemporânea", (Alberti, 2004, p. 77) que de outro modo, não seria


possível. Assim sendo, a história oral "[...] permite o registro de
testemunhos e o acesso a histórias dentro da história", (Alberti,
2005, p. 155) atestando sua riqueza e alcance metodológico, ao que
parece está em franco crescimento.

Outro aspecto bem marcante da oralidade é a sobrecarga de


subjetividade que, em tese, deve ser considerada uma
potencialidade, pois somos sujeitos e objetos no âmbito da pesquisa.
Tal como Durval para quem "[...] se o sujeito produz o objeto, este
também define o sujeito" (Albuquerque, 2007, p. 32) defendemos
que na história oral somos sujeitos ao questionar, problematizar
objetos, ao ouvir, registrar e ser observado, questionado e
interpretado pelo outro.

Visto nestes termos, reverberamos a assertiva de uma das maiores


autoridades no assunto, Paul Thompson aponta que as fontes orais
não devem ser utilizadas como tapa-buracos ou mero complemento
aos documentos escritos, lançando o questionamento,

Quão fidedigna é a evidência da história oral? [...] A


pergunta propõe uma falsa escolha. Se as fontes orais 305
podem de fato transmitir informação 'fidedigna', tratá-
las simplesmente 'como um documento a mais' é ignorar
o valor extraordinário que possuem como testemunho
subjetivo, falado. (Thompson, 1992, p. 138)

Assim, na perspectiva de Paul Thompson a utilização das fontes


orais enriquece sobremaneira a história, visto que tomam como
objeto de estudo as narrativas orais dos sujeitos históricos que além
de testemunharem a história, viveram-na. Existem, entretanto,
pesquisadores que ainda acreditam que os documentos escritos são
"mais confiáveis" do que as fontes orais. Vale ressaltar que,
corriqueiramente, tais documentos não passam de transmissões de
relatos orais escritos por homens, sendo, desse modo, susceptível às
mesmas 'falhas'. Seria pretensioso de nossa parte, pensarmos o
documento como verdade e a história seu estatuto.
Mesmo os documentos tidos como oficiais pelos positivistas trazem
consigo a intencionalidade de seus produtores. Logo, podemos
presumir que os documentos escritos legam marcas dos que o
produzem e têm os mesmos problemas que as fontes orais, podendo
estas serem tão fidedignas quanto qualquer documento escrito.
Ainda nestes termos, fazemos uso da reflexão do sociólogo austríaco
Michael Pollak para quem a memória
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

É socialmente construída, é óbvio que toda


documentação também o é [...] não há diferença
fundamental entre fonte escrita e fonte oral [...] A crítica
da fonte, tal como todo historiador aprende a fazer, deve
[...] ser aplicada a fontes de tudo quanto é tipo. Desse
ponto de vista, a fonte oral é exatamente comparável à
fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser tomada tal e
qual ela se apresenta [...] apesar de terem uma forma sui
generis. (Pollak, 1992, p. 207-208).

De qualquer modo, todo documento é passível de críticas.


Parafraseando obtusamente o historiador Durval Muniz (2007, p.
232), os textos escritos chegam até nós, como rins sem néfrons,
corpos sem órgãos, falas sem sentimentos, dores sem gritos e voz
sem emoções. Logo, um documento nada mais é do que a ponta de
um imenso iceberg, onde o mais importante está na parte submersa,
por isso somos forçados a mergulhar por entre grutas e blocos de
gelo flutuantes que se desprendem do iceberg para entendermos as
origens e o contexto do fabrico de um documento.
306 Ao discutir os desafios da história oral, historiadores da Associação
Brasileira de História Oral assinalaram uma das maiores críticas à
memória "[...] é que a memória pode ser distorcida pela deterioração
física do entrevistado e pela possível nostalgia que possa fazer o
entrevistado idealizar o passado [...]"(ABHO, 2006). Assim para o
historiador oralista ou professor de história "não confiabilidade da
memória pode ser encarada como um recurso" (ABHO, 2006), e não
como um problema científico.

Existem, entretanto, pesquisadores que ainda acreditam que os


documentos escritos são 'mais confiáveis' do que as fontes orais.
Vale ressaltar que, corriqueiramente, tais documentos não passam
de transmissões de relatos orais escritos por homens, sendo, desse
modo, susceptível às mesmas 'falhas'. Segundo o historiógrafo inglês
Edward Carr

Nenhum documento pode nos dizer mais do que aquilo


que o autor pensava - o que ele pensava que havia
acontecido, queria que os outros pensassem que ele
pensava, ou mesmo apenas o que ele próprio pensava
pensar. Nada disso significa alguma coisa, até que o
historiador trabalhe sobre esse material e decifre-o.
(HUGHES, 2002, pp.43-44).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Logo, os documentos escritos têm os mesmos problemas que as


fontes orais, podendo estas ser tão fidedignas quanto qualquer
documento escrito. De acordo com o sociólogo austríaco Michael
Pollak, (1992, p) "se a memória é socialmente construída, é obvio
que toda documentação também o é [...]". É sabido que, tal como a
documentação escrita tem que seus lapsos, falseamentos, polifonias
e entrelinhas, a oralidade também possui imprecisões. Porém a
história oral tem ocupado a maior parte da prática historiográfica
até os dias de hoje. Rompendo com a ditadura positivista do
documento, qualquer texto pode ser considerado uma fonte para o
historiador do século XXI, como afirma o historiador Barros, (2004,
p. 134) ao dizer que "[...] o diário de uma jovem desconhecida, uma
obra de alta literatura ou da literatura de cordel, as atas de reunião
de clube, as notícias de jornal, as propagandas de uma revista, as
letras de música, ou até mesmo uma simples receita de bolo [...]"
Não há mais limites de fontes para os novos historiadores, pois os
diferentes documentos os levam diretamente ao contato com o
problema a ser investigado.

Sobre história oral, o pesquisador José Carlos Sebe Bom Meihy


(2005, p. 29) afirma ser uma "[...] prática de apreensão de narrativas 307
[...]" que objetiva "[...] promover analises de processos sociais do
presente e facilitar o conhecimento do meio imediato". A história
oral está para o tempo presente assim como o marxismo está para os
excluídos dando voz aos silenciados e evidenciando os esquecidos da
história. Para Etienne François (FERREIRA & AMADO, 2001, p. 4) a
história oral privilegia o cotidiano e a vida privada valorizando a
historicidade local e regional da "[...] história vista de baixo [...]", ou
seja, dos marginalizados "[...] numa perspectiva decididamente
micro-histórica". Logo, história oral e micro-história são
simbióticas.

Considerações finais

Diante do desafio proposto, cabe a nós historiadores a difícil tarefa


de definir a utilidade da história e seu ensino. Perguntas não
necessariamente geram respostas, trazem à tona novas indagações.
Pesquisar história para além da história positivista é, sobretudo,
voltar-se para temas como loucura, cidadania, sexualidade,
alimentação, moda, biografia, meio ambiente, corpo, cotidiano,
enfermidades, gênero, crianças, cinema, festas, direitos humanos e
neste caso, a escravização contemporânea. Clio redimensionou seu
olhar para uma outra história, uma zapeada nos estudos históricos
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

recentes, catapultando-os, que no dizer de Júlio Aróstegui um


"grande giro ou guinada dos anos 70 interrompeu uma certa
trajetória da historiografia, mas propiciou o nascimento de muitas
direções novas" (Aróstegui, 2006 p. 08) uma renovação da produção
historiográfica sem precedentes.

Com efeito, à medida que, adentra-se ao universo da pesquisa, mais


complexa torna-se a tarefa do historiador e do professor de história,
no mais, resta-nos tal como propõe o historiador Vainfas (1997, p.
449), "[...] percorrer os caminhos e descaminhos da história [...]".
Afinal, a arte de historiar nunca foi tão complexa como hoje,
devendo ser sempre revisitada por outros estudiosos.

Referências

ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio


de Janeiro; FGV, 2004, p.77.
________. Histórias dentro da história. In: Carla Bassanezi Pinsky.
[Org.]. Fontes históricas. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2005, v. 1, p.
155.
ARÓSTEGUI, Júlio. A pesquisa histórica - teoria e método.
308 Bauru: EDUSC, 2006, p. 208.
BARROS, José D'Assunção. O campo da história.
especialidades e abordagens. Petrópolis: Vozes, 2004.
FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. (coords.) Usos
& Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996.
FEBVRE, Lucien. O problema da incredulidade no século
XVI: a religião de Rabelais. São Paulo: Companhia das Letras,
2009, p. 30.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. 5. ed.
São Paulo: Loyola, 2005.
________.HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer,
como pensar. São Paulo: Contexto, 2007.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. In: Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, 1992, pp. 207-208.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Trad. Lólio
Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992, p. 138.
VAINFAS, Ronaldo. Caminhos e descaminhos da história. In:
Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia.
CARDOSO, Ciro Flamarion/VAINFAS, Ronaldo (Org.). Rio de
Janeiro: Elsevier, 1997.
POR UM OUTRO AMANHÃ

SOBRE A QUESTÃO DE GÊNERO NO ENSINO DE


HISTÓRIA: OLHARES ACERCA DO IDEAL DE MULHER
EM ATENAS

Filipe Matheus Marinho de Melo

A questão acerca das discussões sobre gênero - principalmente a


discussão sobre o ensino de gênero - foram recentemente no Brasil,
ganhando proporções que não apenas se detiveram nos debates do
meio acadêmico ou nas conversas "intelectualizadas", mas invadiu as
redes sociais mostrando uma gama de opiniões, contra e a favor no
que se refere a inserção da questão do gênero na sala de aula. Seja de
pais, futuros pais, professores, diretores. O ano de 2015 nos
mostrou, principalmente nas redes sociais, que o que se conhece
sobre o gênero está demasiadamente pautado na dicotomia entre
masculino e feminino. Mas a questão é: será mesmo tão ruim tratar
sobre gênero na sala de aula?

Segundo Joan Scott, gênero é "uma maneira de indicar as


'construções sociais'", ou seja, "é uma categoria social imposta sobre 309
um corpo sexuado" (SCOTT, 1989, p. 7), dessa forma, o gênero é
baseado nas diferenças entre os corpos sexuais "masculino" e
"feminino". É nesta diferença que este texto está proposto a tratar.
Nas diferenças que foram criadas entre homem e mulher, macho e
fêmea. Portanto, nos concentraremos na Grécia Clássica - por volta
dos séculos VI a.C. ao IV a.C. - momento na qual se fortificou (ou
pelo menos se tentou fortificar) uma ideologia de repressão que
tentava buscar um modelo ideal de mulher chamado: mélissa ou
mulher-abelha.

Desde o Período Arcaico, Hesíodo (Teogonia, vv. 590-593) ensina


que a mulher é um mal, na qual Zeus condenou a raça dos homens:
"pois a raça dela é ruinosa, as tribos de mulheres, grande desgraça
aos mortais". Entretanto, a mulher se torna um mal necessário, pois
quem "não quiser casar, atingirá velhice ruinosa carente de quem o
cuide" (HESIODO. Teogonia, vv. 604-605). O ideal mélissa ou
mulher-abelha, também é confirmado por ele: "Como quando
abelhas, em colmeias arqueadas, alimentam zangões, parceiros de
feitos vis" (HESIODO. Teogonia, vv. 594-595). De certa forma, desde
o Período Arcaico, Hesíodo já estabelece e ensina a função, por
assim dizer, que é intrínseca a "raça" das mulheres. Segundo ele, as
mulheres "parem filhos semelhantes aos pais" (HESIODO. Trabalho
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

e Dias, vv. 235). Essa função é confirmada em demasia na


documentação do Período Clássico, seja ela imagética ou textual, a
mulher ideal é aquela que fica retida ao oîkos para administração e
cumprimento de seu papel na pólis: gerar filhos homens.
Fábio Lessa (2010, p. 46) em seu Mulheres de Atenas, organiza um
quadro explicativo acerca das dualidades existentes entre homens e
mulheres, ou seja, das diferenças que compõe ambos os corpos
sexuais. Segundo este autor, aos homens, por exemplo, se destina
"força, trabalho, sol, exterior", já para a mulher, "fertilidade,
repouso, lua, interior". Dessa forma, podemos persistir na ideia de
que havia uma ideologia repressiva sobre as mulheres, sobretudo, as
mulheres bem-nascidas.

Segundo Foucault (2014, p. 8), "a repressão funciona, decerto, como


condenação ao desaparecimento [...] injunção ao silêncio, afirmação
de inexistência [...] uma constatação de que não há nada para dizer,
nem para ver, nem para saber". Tal afirmação se encaixa na lógica
do modelo mélissa, pois, ao procurar uma mulher para casar-se, o
homem deveria escolher uma mulher - que estivesse por volta de
seus 15 anos - que se afirmasse como total inexistente para a
sociedade ateniense. Em seu Econômico, Xenofonte nos insere em
310 um diálogo entre Sócrates e Iscômaco, sendo este último tido como
um exemplo de cidadão ideal. No decorrer do diálogo Sócrates
questiona Iscômaco sobre como selecionar uma mulher para casar, e
o cidadão responde: "não tinha ainda quinze anos, e, antes disso,
vivia sob muitos cuidados para que visse o mínimo, ouvisse o
mínimo e falasse o mínimo" (XENOFONTE. Econômico, VII-5). O
que a documentação nos informa acerca da educação feminina era
que a moça ficasse retida em casa como sua mãe e aprendesse o tear
e os atributos do lar, até que atingisse idade para casar. Pois, "o deus
preparou-lhes a natureza, a da mulher para os trabalhos e cuidados
do interior" (XENOFONTE. Econômico, VII-22). Sobre a tecelagem,
a literatura nos informa que tal atributo era essencialmente
feminino: "Para teu quarto recolhe-te e cuida dos próprios lavores,
roca e tear" (HOMERO. Odisseia, vv. 356-357) se dirige Telêmaco à
Penélope ou "fico fazendo tricô enquanto a assembleia enche"
(ARISTÓFANES, Revolução das Mulheres, p. 76) se pronuncia a
personagem "2ª mulher" na comédia de Aristófanes.

Em Apologia da História, Marc Bloch (2001, p. 78-79) ensina ao


historiador uma maior e mais rigorosa observação dos documentos,
porque eles "não falam senão quando sabemos interrogá-los" e que
nos afeiçoamos pelo que "ele nos deixa entender, sem haver
pretendido dizê-lo". Por mais que a documentação textual e
POR UM OUTRO AMANHÃ

imagética persista em exemplos do modelo mélissa, há críticas que


devem ser feitas a tais documentações. Fábio Lessa (2010, p. 21)
alerta para o que ele chama de "desvios a esse padrão e
comportamento a ser seguido pela esposa bem-nascida". O que é
facilmente encontrado na literatura, pois, "o artista, sob impulso de
uma necessidade interior, orienta-o segundo os padrões de sua
época, escolhe certos temas, usa certas formas e a síntese resultante
age sobre o meio" (CANDIDO, 2014, p.31). A comédia grega tinha
por função, além de despertar o riso, criticar e ridicularizar os
acontecimentos na pólis de seu tempo e tinha em Aristófanes um
grande comediógrafo crítico e conservador dos ideais tradicionais.
Entretanto, se olharmos atentamente para suas comédias, veremos o
desvio ao modelo feminino que a documentação não informa.
Já se foi explicado que o modelo mélissa tem por dever prezar para a
administração do oîkos e, portanto, ficar retida ao interior, enquanto
o exterior é próprio ao homem. Todavia, vemos em Aristófanes que
as mulheres dormiam na casa das outras, se ajudavam mutuamente
em seus afazeres e até ajudavam as amigas no parto. "E se dormimos
na casa de outros por brincarmos e estamos cansadas, todo tipo
procura o mal dando voltas em torno da cama" (ARISTOFANES.
Tesmoforiantes, vv. 795-797), relata o Coro; ou até mesmo na fala de
Blêpiro quando não encontra sua mulher em casa: "Que negócio é 311
esse? Aonde terá ido minha mulher? O dia já vem raiando e ela não
aparece", e tem como resposta de Valentina: "A noite passada uma
amiga minha me mandou chamar, pois estava para ter criança"
(ARISTOFANES. Revolução das Mulheres, p. 223-357). É possível
constatar tais desvios não somente na literatura, mas também na
documentação imagética, pois, há representações de mulheres indo
às fontes para pegar água ou colher frutos. Ora, para manter o oîkos
em funcionamento era necessário que as mulheres saíssem de casa.
Se analisarmos mais a fundo a quantidade de documentos que
insistem na passividade e exclusão da mulher do mundo externo,
chegaremos na conclusão de que se há tanta insistência em um
modelo a ser seguido, decerto esse modelo não era seguido à risca
como a documentação nos faz pensar. Por isso é importante saber
interrogar o documento e, principalmente, saber o que interrogar.
Então, será tão ruim tratar de gênero na sala de aula? Podemos ir
mais além: há uma história das mulheres? Sabemos que atualmente
há uma amplificação do conceito de gênero que não permite mais a
redução da dicotomia masculino-feminino, mas há diversas
categorias entre tal dicotomia. Percebemos que a escola não
consegue, hoje, tratar da mulher como um sujeito histórico. Abrimos
livros didáticos em que o conteúdo de Grécia se refere ao homem
ideal, à filosofia, à mitologia, mas não às mulheres. Elas não estavam
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

presentes? Ou quando se trata das mulheres, os livros apenas fazem


reproduzir o modelo mélissa, que como vimos é uma ideologia de
repressão que há seus desvios e que não é uma "verdade absoluta".
Também tratam da mulher e não das mulheres. O que é um grave
erro, pois reduz as mulheres apenas a uma categoria: a bem-nascida.
Quando na verdade temos as cortesãs, as prostitutas, as mulheres
pobres que saiam de casa para ajudar no sustento. Ainda temos para
apresentar as Thesmophórias, um festival que era essencialmente
feminino e que estava ligado à agricultura e ao culto as deusas
Deméter e Perséfone. Além de documentos arqueológicos que
certamente prendem muito mais a atenção dos alunos que palavras
em um quadro branco.

Em História na Sala de Aula, uma obra organizada por Leandro


Karnal (2007), há dois capítulos que são essenciais para finalizar
este trabalho e que servem como reflexão aos professores de
profissão e aos professores que organizam materiais didáticos. O
primeiro trata sobre da "História Antiga" e foi escrito por Pedro
Funari, na qual, este propõe uma renovação no ensino de história
antiga, tido muitas vezes como enfadonho, cansativo e distante de
nossa realidade. Já o segundo, escrito por Jaime Pinsky e Carla
312 Pinsky, discorre sobre "O que e Como ensinar" História.

Segundo Funari (2007, p. 100), "em um mundo em que as mulheres


têm cada vez mais sua atuação na vida social posta em evidência, a
apresentação das mulheres e das relações de gênero apresenta
interesse evidente", então, por que negligenciar as mulheres? Desde
fins do século XX as vozes feministas lutam por direitos. Por que não
trazer esses debates para a sala de aula? Por que não fazer as
meninas e as adolescentes se sentirem tão parte da história como os
meninos? A renovação do ensino de história antiga não somente
possibilita aos alunos verem monumentos, vasos e representações
mitológicas por meio de instrumentos tecnológicos, mas permite
denunciar que os problemas do presente também estiveram no
passado e que a história antiga não é tão distante de nós. Por que
não mostrar uma Medeia, uma Lisístrata, uma Hécuba e inserir
questionamentos em um trabalho de encenação de teatro ou uma
roda de leitura? Isso é renovar, é fazer diferente. Como bem coloca
Ítalo Calvino (2007, p. 13), "a escola deve fazer com que você
conheça bem ou mal um certo número de clássicos", e são a partir
desses clássicos e dessas renovações que podemos mudar a falsa
ideia de História Antiga.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Nada do que foi dito até aqui seria possível sem a questão do
conteúdo. Se a história como disciplina, como diversos materiais
didáticos costumam repetir, trata da formação de sujeitos críticos,
como podemos discutir sobre gênero se nem os materiais didáticos e
nem os profissionais de ensino se esforçam para dar atenção as
pequenas questões sociais? Segundo Jaime e Carla Pinsky (2007, p.
22), "um professor mal preparado e desmotivado não consegue dar
boas aulas nem com o melhor dos livros". Mais do que estar
preparado para desenvolver renovações no ensino de história, o
professor precisa ter conteúdo, precisa ter cultura, pois só assim
conseguirá corrigir as falhas que os materiais didáticos possuem e
desenvolver, além do espírito crítico nos alunos, a percepção de que
cada aluno, independentemente de cor de pele e gênero, é um sujeito
histórico.

Referências

ARISTOFANES. A Revolução das Mulheres. Tradução de Mário


Kury. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. (Edição Kindle)
______. Tesmoforiantes. Tradução de Ana Maria César Pompeu.
São Paulo: Via Leitura, 2015.
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do 313
historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia
das Letras, 2007.
CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. 13ªed. Rio de
Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2014.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de
saber. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014
HESÍODO. Teogonia. Tradução de Christian Werner. São Paulo:
Hedra, 2013.
______. Trabalho e Dias. Tradução de Christian Werner. São
Paulo: Hedra, 2013.
HOMERO. Odisseia. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos,
práticas e propostas. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2007.
LESSA, Fábio de Souza. Mulheres de Atenas: mélissa - do
gineceu à àgora. 2ª ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise
histórica. New York: Columbia University Press, 1989.
XENOFONTE. Econômico. Tradução de Ana Lia A. Almeida
Prado. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O FILME COMO AUXILIAR DIDÁTICO NO ENSINO DE


HISTÓRIA ANTIGA: ANALISANDO O PRIMEIRO
EPISÓDIO DA SÉRIE ROMA

Flaviano Oliveira dos Santos

Introdução

"Podemos entender o exercício profissional da História de muitas


formas. Vamos optar pela seguinte possibilidade: fazer um texto de
Historia é estabelecer o diálogo entre o passado e o presente."
(KARNAL, 2007, p. 7). A opção adotada por Karnal é de caráter
simples e complexo ao mesmo tempo, pois tal diálogo consiste numa
das ações mais necessárias de serem realizadas.

Compartilhando o pensamento de que é tarefa do professor de


história, e dos demais educadores, promover o constante diálogo
entre o passado e o presente, procura-se aqui contribuir com esta
questão que deve ser prática constante na trajetória dos educadores.
314
Pode parecer simples já que o diálogo tem apontado que se trata de
um "objeto delicado" que requer extremo cuidado do educador em
diferentes aspectos. No decorrer processo deve-se atentar tanto para
os assuntos abordados como também para os instrumentos e as
ferramentas utilizadas no momento do processo de ensino-
aprendizagem.

A difícil tarefa pedagógica é parte de uma ampla discussão que vem


sendo renovada à medida que os debates acalorados sobre o Ensino
de História têm cada vez mais ocorrido por todo o país. Um dos
assuntos debatidos envolvendo o papel do professor e o ensino de
História diz respeito ao uso de novas metodologias e ferramentas
como forma de facilitação e pluralidade do ensino na sala de aula.
Tendo em vista este importante diálogo, aqui abordaremos o uso da
produção audiovisual no Ensino de História, mais especificamente à
História Antiga.

O uso de instrumentos audiovisuais nas aulas de História:


cuidados a serem tomados

Pensar sobre os modos de como trabalhar em sala de aula os


assuntos necessários para o desenvolvimento do pensamento crítico
POR UM OUTRO AMANHÃ

dos alunos, decidir o que se deve priorizar em meio às dificuldades


do cotidiano, ajudando-os a refletir criticamente para compreender
a sua realidade, é essencial e uma tarefa da qual nenhum professor
deve se abster. Por isso a inovação no processo de ensino-
aprendizagem torna-se não somente viável, mas também,
imprescindível. Ao trazer esta discussão para o campo da História,
podemos apontar um grande avanço em relação ao modo de se tratar
e abordar os domínios do historiador quando a chamada "revolução
dos Annales" possibilitou o uso de novas problemáticas e
abordagens para o campo historiográfico, inclusive abrindo as portas
também, para o uso do audiovisual como fonte de investigação por
parte do historiador, e concomitantemente, a sua utilização no
ensino de História.

De certa forma, como defesa para a utilização deste recurso didático-


pedagógico no ensino, elencamos dois fatores favoráveis a sua
utilização: o primeiro é a evidência da atração, fascinação que a
imagem traz para os alunos; e o segundo é o fator de que tais
recursos de imagens em movimento encontram-se acessíveis aos
alunos, seja por meio da internet, locadoras, sistemas educacionais
(ABUD, 2003, p.183), DVD's etc. As facilidades de obtenção e
visualização de tais materiais são formas de democratização e 315
difusão do ensino. Além desses fatores, também é constatado que
50% do que é apreendido pelo aluno corresponde à audição e à
visão, além de reterem uma informação mais duradoura
(PROENÇA, 1990, p. 106 apud ABUD, 2003, p. 189). Desta forma, a
produção audiovisual funciona como instrumento processador de
símbolos sociais e culturais, opondo uma representação de realidade
a da vivenciada pelo aluno, confrontando fatores do cotidiano e
estimulando o pensamento crítico sob as instâncias do mundo de
convívio. As imagens incitam a mente dos alunos em comparações,
relações e ponderações da realidade, criando uma pluralidade
interpretativa na sala de aula, e o mais importante, ocasionando o
surgimento de perguntas, tornando-os inquietos da melhor maneira,
e fazendo com que a aula flua melhor ao ser inundada de
problemáticas. Creio que um bom professor não repudie bons
questionamentos.

No entanto, apesar de viável, a utilização de produções audiovisuais


em sala de aula, sejam eles documentários, filmes, desenhos
animados, seriados televisivos, videogames etc., não significa que o
recurso deva ser utilizado por ele mesmo. Nenhuma produção de
gênero fílmico encerra em si mesmo a verdade (KORNIS, 1992, p.
243). Sem um preparo do professor e de um método específico para
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

abordagem e relacionamento com a discussão a ser levantada na sala


de aula, o instrumento auxiliar perde sua validade. Desta forma, o
professor/historiador deve primeiramente educar o seu olhar para
adequar-se à análise do audiovisual, antes de empreender o seu uso,
devendo identificar o que a produção diz ou não diz, voluntária ou
involuntariamente.

Neste processo de treinamento do olhar, o professor deve


posicionar-se frente à produção e encará-la como fonte que a mesma
é. Desta forma, o professor deve munir-se de indagações em relação
ao material abordado. Podem ser feitas algumas perguntas como:
Quem produziu o material? Quando e onde foi produzido? O que diz
ou o que não diz? Para que e para quem foi feito? Qual público é o
seu foco? Quais estratégias de apreensão utiliza? Quais aspectos
eminentes da sociedade ele se centra? Por quê? etc.; além das
respostas dessas perguntas, o professor deve realizar ponderações
sobre o conteúdo explicitado pela produção, atentando sempre, no
uso em sala de aula, para a faixa etária de indicações da produção e
para as cenas inapropriadas para seus alunos, que não contribuem
para o direcionamento dado a aula.
316 Portanto, após falarmos da viabilidade da utilização de produções
audiovisuais para o Ensino de História, como também da
necessidade da análise do material e preparação do professor para
este modo diversificado de ensino, salientamos que o audiovisual é
uma boa alternativa para tornar o ensino mais agradável, retirando o
caráter positivista, de uma história somente de grandes personagens
e datas marcantes. Por fim, atento para o fato de que o audiovisual é
um recurso auxiliador do professor, e não um substituto deste.

Possibilidade de uso do audiovisual no ensino de História


Antiga: seriado Roma

Agora o nosso objetivo gira em torno de apresentarmos uma


proposta de intervenção na sala de aula, efetuada pelo professor,
com a utilização do recurso audiovisual. Desta forma, optou-se aqui
pelo desenvolvimento da ação direcionando-a para a temática da
Antiguidade, mais especificamente para a sociedade romana no
período de conflito entre os cônsules César e Pompeu, que é
retratada, com suas especificidades, no primeiro episódio do seriado
televisivo Roma. Esta exemplificação fez parte do trabalho
desenvolvido junto à disciplina de "História Antiga II" do curso de
História da Universidade Estadual do Ceará (UECE) no semestre
2014.2, e do projeto de iniciação científica "Ver e aprender História
POR UM OUTRO AMANHÃ

Antiga: análise do seriado televisivo Roma como instrumento


didático-pedagógico".

Para a utilização do material o primeiro passo a ser tomado deve ser


o preenchimento de uma ficha técnica para o material e o episódio
analisado:

MATERIAL
- TÍTULO: Rome (Roma)
- SINOPSE: Quatrocentos anos depois da formação da República,
Roma é a cidade mais abastada do mundo, uma metrópole
cosmopolita com um milhão de habitantes, o epicentro de um
imenso império. Os valores sobre os quais a República foi fundada -
a partilha do poder e uma feroz competitividade entre indivíduos -
impediram que um só homem pudesse tomar o poder absoluto. Mas
agora, a corrupção e os excessos conseguiram corroer os mais nobres
princípios. Após oito anos de guerra, os soldados Lucius Vorenus e
Titus Pullo são envolvidos, contra a sua vontade, nos movimentados
eventos históricos da Roma Antiga. Uma série dramática sobre o
amor e a traição, escravos e os seus mestres, maridos e mulheres,
ROME retrata uma era turbulenta, durante a qual se assistiu à morte
de uma República e ao nascimento de um Império. 317
- PRODUÇÃO: HBO (Home Box Office), BBC (British Broadcasting
Corporation) e RAI Fiction (Radiotelevisione italiana S.p.A.)
- PAÍSES DE PRODUÇÃO: Estados Unidos da América, Reino
Unido, Itália.
- ANO DE PRODUÇÃO: 2005-2007.
- FORMATO: Audiovisual Série para TV.
- GÊNERO: Histórico, dramático, ação.
- TEMPORADAS: Duas.
- EPISÓDIOS: 22 (primeira temporada com 12 episódios, segunda
temporada com 10 episódios).
- DURAÇÃO: 50 minutos (média por episódio).
- IDIOMA ORIGINAL: inglês.
-IDEALIZADORES: Bruno Heller, John Milius, William J.
Macdonald.

EPISÓDIO
-TÍTULO: The Stolen Eagle (A águia roubada)
- SINOPSE: Dois soldados romanos se vêem em meio a uma guerra
pelo controle da Roma antiga, durante uma turbulenta era em que a
luta entre a cobiça e a honra definirá a morte de uma república e o
nascimento de um império.
- DATA DA PRIMEIRA EXIBIÇÃO DO EPISÓDIO: 28/08/2005.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

- DURAÇÃO: 53 minutos

Após o porte das informações técnicas, o professor deve agir como


apontado anteriormente. Pois é tarefa do professor identificar o que
o material diz, sua utilidade, seus imperativos, intencionalidades,
não-intencionalidades e por fim adaptar este recurso para a sala de
aula.

Terminada a análise e o balanceamento do instrumento audiovisual,


o professor deve ponderar suas reflexões sobre o assunto e o
material, expondo-as em sala, como forma de complemento para a
sua explicação e para o conteúdo contido no livro didático. Saber
relacionar o conteúdo exigido com o material apresentado,
instigando o debate entre os alunos é tarefa do professor. Aqui foram
analisados três livros didáticos de história indicados pelo governo
através do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino
Médio (PNLEM): História: volume único, da editora Ática
(FIGUEIRA, 2005), História: das cavernas ao terceiro milênio, da
editora Moderna (MOTA, 2005) e História geral e do Brasil, da
editora Harbra (FREITAS NETO, 2006).
318 Como última ficha, coloco aqui uma proposta de abordagem do
primeiro episódio do seriado Roma:

Proposta de intervenção com audiovisual:


- MATERIAL:
Série Roma - 1º episódio.
- ANO DIRECIONADO:
1º ano do Ensino Médio.
- MODO DE UTILIZAÇÃO:
Episódio editado, média de 30 minutos de duração.
- TEMAS PARA REFLEXÃO, PESQUISA E DEBATE:
Sociedade romana na Guerra Civil; fim do sistema republicano
romano?; expansionismo romano; classe dominante; plebe romana;
estrutura política; constituição militar; religião romana; vestuário;
estrutura da cidade; grandes personagens; "os excluídos da
história"; escravidão; sistema familiar romano.
- OBJETIVOS:
OBJETIVO GERAL:
Identificar e refletir o contexto social romano, discutindo o processo
de mudanças em sua estrutura e os aspectos socioculturais
envolvidos;
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
POR UM OUTRO AMANHÃ

Proporcionar a compreensão da passagem de regimes de poder em


Roma, evidenciando o que viria futuramente a culminar no Império;
Identificar hábitos e costumes tanto na vida pública como na vida
privada daquela sociedade;
Entender o sistema político da chamada República romana através
do Senado romano que é retratado;
Analisar aspectos da religião romana, relacionando-a com as cenas.
- CONTEXTO HISTÓRICO DO EPISÓDIO:
Conflitos civis em Roma. Conquista da Gália por Caio Júlio César e
seu retorno a Roma.
- A RELAÇÃO ENTRE A TELA E O ESPECTADOR:
Desenvolvimento do senso crítico do aluno ao comparar a sociedade
romana com suas desigualdades e com seu sistema político, social e
cultura, com a sociedade contemporânea, focando na organização
política e nas relações cotidianas do meio público e privado, além do
estimulo ao estudo da língua inglesa, sendo opcional do professor,
ao passar o seriado em inglês ou português.
- ELEMENTOS DO EPISÓDIO QUE PODEM POTENCIALIZAR O
CONHECMENTO HISTÓRICO:
O momento de conflito onde as mudanças acontecem;
Visualização da sociedade romana em detalhes através da
reconstituição da cidade, da vestimenta dos personagens. Fato que 319
nem todos os livros didáticos trazem ilustrados;
Reflexão sobre os conceitos de: República, escravidão, religião pagã,
classe e poder.

Conclusão

Finalizada a proposta, apresentamos nestas pequenas reflexões a


possibilidade da utilização do audiovisual nas aulas de História. As
formas e modos de análise mostram-se inúmeras, cabendo ao
professor saber explorá-las conscientemente, não de forma
"despreocupada", visando sempre o aprendizado do aluno. Mas
sobretudo possibilitar que os alunos verbalizem o seu aprendizado,
inclusive proporcionando para ele outras leituras que possam
contribuir para pensar sobre o que é uma fonte histórica.

Referências

Material:
ROMA (Rome). Idealizado por Bruno Heller, John Milius, William
J. Macdonald. Estados Unidos da América, Reino Unido, Itália:
HBO, BBC, RAI Fiction. 2005-2007. (Seriado televisivo) DVD.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Livros didáticos analisados

FIGUEIRA, Divalti Garcia. História: volume único. 1 ed. São


Paulo: Ática, 2005.
FREITAS NETO, José Alves de. História geral e do Brasil. São
Paulo: HARBRA, 2006.
MOTA, Myriam Becho. História: das cavernas ao terceiro
milênio. 1.ed. - São Paulo: Moderna, 2005.

Referências Bibliográficas

ABUD, K. M. A construção de uma Didática da História: algumas


ideias sobre a utilização de filmes no ensino. História. São Paulo,
v.22, n. 1, pp. 183 a 193, 2003.
AQUINO, E. D. Cinema em foco: Abordagens
cinematográfica\historiográfica no ensino de história. In: XIII -
Encontro Estadual da Anpuh História e Historiografia:
Entre o Nacional e o Regional, 2008, Guarabira - Paraíba.
BARROS, José D'Assunção. "Cinema e História - considerações
sobre os usos historiográficos das fontes fílmicas". Comunicação &
Sociedade. Ano 32, n°55. p.175-202.
320 BEHAR, Regina Maria Rodrigues. O Uso do Vídeo no Ensino de
História. João Pessoa: UFPB, 2000.
BEZERRA, Holien Gonçalves. Conceitos básicos: ensino de História:
conteúdos e conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro (org.)
História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas 5.
ed. São Paulo: Contexto, 2007.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Documentos não escritos
na sala de aula. In: __. Ensino de História: fundamentos e
métodos. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011.
KARNAL, Leandro. Introdução. In: KARNAL, Leandro (org.).
História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas 5.
ed. São Paulo: Contexto, 2007.
KORNIS, M. A. História e Cinema: um debate metodológico.
Revista Estudos Históricos, Vol. 5, Nº 10, 1992. p. 237-250.
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula.
São Paulo: Contexto, 2003.
POR UM OUTRO AMANHÃ

REGISTROS HISTÓRICOS DOS ESPAÇOS RURAIS


AMAZÔNICOS: FORMAS DE INSTRUMENTAÇÃO DA
PRÁTICA DE PROFESSOR DE HISTÓRIA

Francivaldo Alves Nunes

O Projeto "Registros históricos dos espaços rurais amazônicos, entre


ensino e pesquisa: Formas de instrumentação da prática de
professor de História", desenvolvido através do Programa Integrado
de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão - 2014/2015 da
Universidade Federal do Pará, se constitui na materialização do
saber acadêmico produzido nas discussões presentes no processo
formador dos graduandos do Curso de História do Campus
Universitário do Tocantins/Cametá, assim como no exercício de
diálogo entre os registros históricos e a transformação desses
documentos em materiais de aprendizagem para discentes da
educação básica.

Ao fazer uso dos conhecimentos obtidos na academia, o projeto


possibilitou a estes alunos e alunas estabelecerem diálogos com 321
professores da rede pública e privada de ensino compartilhando
estes saberes com as práticas docentes acumuladas pelos anos de
experiências em sala de aula, numa relação dialógica de ensino em
que pese à aproximação entre a construção do conhecimento formal
e a realidade e interesse social.

Outra faceta desta proposta foi permitir o contato de discentes de


graduação e da educação básica com documentação histórica,
presente no acervo do Arquivo e Museu Histórico de Cametá, que
descreve as formas de vida das populações rurais no interior da
Amazônica, principalmente os registros que fazem referência a atual
região Nordeste do Estado do Pará, município de Cametá e
adjacências.

Diante de um quadro social em que se observa um permanente


crescimento do saber científico, seria evidente que esse crescimento
estivesse sendo acompanhado do aparecimento de especificidades
tecnológicas. Sendo assim, na transposição do conhecimento
histórico para a educação básica, é de fundamental importância o
desenvolvimento de competências ligadas à leitura, análise,
contextualização e interpretação das diversas fontes e testemunhos
das épocas passadas - e também do presente.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Nesse exercício, devem-se levar em conta os diferentes agentes


sociais envolvidos na produção dos testemunhos, as motivações
explícitas ou implícitas nessa produção e a especificidade das
diferentes linguagens e suportes através dos quais se expressa, como
nos alerta Carla Pinsk (2006, p. 18). Estas situações evidenciam a
necessidade do uso dessas novas tecnologias na produção de
materiais didáticos que facilitem o processo de ensino
aprendizagem, conforme aponta os Parâmetros Curriculares (1999)
quando destaca os sentido do aprendizado nas Ciências Humanas e
suas tecnologias.

Ao propor a construção de ferramentas facilitadoras da prática


docente a partir de documentos históricos que desvelam as
características dos espaços rurais amazônicos, estamos trabalhando
na perspectiva apontada pelas diretrizes curriculares que norteiam a
educação básica, ou seja, a produção de materiais didáticos não só
devem ser pensados numa perspectiva a associar esses materiais às
novas tecnologias da informação, como internet, jogos, vídeos e
outras mídias eletrônicas, como ainda em articular essas novas
tecnologias ao desenvolvimento de materiais didáticos que
322 dialoguem com a realidade regional das comunidades que ocupam o
interior da Amazônia (CORREA; BARRETO, 1999, p. 17).
Ainda na relação universidade e sociedade foi possibilitado aos
professores atuantes da rede pública e privada, que exercem suas
funções na educação básica, apropriarem-se desses novos conceitos,
reelaborando suas práticas docentes e repensando a própria
produção dessas ferramentas de trabalho e a configuração dos
materiais didáticos, na medida em que estes não se desvinculam das
experiências e problemáticas presentes na sociedade (TARDIF,
2002, p. 56).

O projeto que analisamos, de fato, configurou-se enquanto atividade


de extensão e ação comunitária. No caso, procurou sustentar-se
conceitualmente sobre o propósito de que a construção de um
profissional com autonomia, na forma como propõe Jaime Pinsky
(2006), proposta principal dos cursos de licenciatura, tem que
priorizar uma formação mais ampla, que prepare os formandos para
atuarem com criticidade, com capacidade de lidar com a diversidade
cultural, de posicionar-se diante das situações sociais e políticas e
com condições de desenvolver escolhas conscientes sobre a maneira
como vai desenvolver seu trabalho.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Indicativos de resultados

O projeto permitiu à construção de atividades associadas à produção


de ferramentas e instrução da prática docente em Historia, através
da elaboração de materiais didáticos como cartilhas, textos, banco de
imagens, planilhas e softwares, considerando os documentos
históricos presentes no acervo do Arquivo e Museu Histórico de
Cametá sobre os espaços agrários amazônicos. Envolveu professores
do ensino superior, alunos de graduação e professores da educação
básica correspondente aos municípios de atuação do Campus
Universitário do Tocantins/Cametá, a exemplo de Cametá,
Mocajuba, Baião, Limoeiro do Ajurú e Oeiras do Pará.
O desenvolvimento do projeto contribuiu na produção e publicidade
de estratégias didáticas e pedagógicas para o ensino de História,
estabelecendo uma relação entre o saber acadêmico, a experiência
docente e os registros históricos que guardam a memória das
populações que contribuíram para formação desta região.
Do ponto de vista de resultados envolveu cerca de 100 pessoas entre
alunos de graduação e professores da educação básica e de ensino
superior; assegurou a participação de 02 graduandos bolsistas na
produção de materiais didáticos compartilhados com professores da
rede pública e privada de ensino; envolveu 02 graduando bolsistas 323
no levantamento, catalogação e análise de documentos históricos
sobre os espaços rurais e que estão presentes no acervo do Museu e
Arquivo Público de Cametá; promoveu duas oficinas de produção de
ferramentas didáticas associadas aos documentos históricos;
assegurou a participação de 20 professores da educação básica em
cada oficina de produção de ferramentas didáticas associadas aos
documentos históricos; e promoveu 01 evento científico de
socialização dos resultados do projeto e que envolveu alunos e
professores da educação básica.

As atividades iniciais concentraram-se nos encontros de formação,


com carga horária de 20 horas, nos quais foram apresentadas aos
participantes as discussões teóricas e metodológicas que permeiam o
ensino e a aprendizagem, os conceitos mais gerais de educação e
educando, espaço escolar, materiais didáticos, prática docente e
espaços rurais amazônicos.

Posterior a apropriação de conceitos e categorias as atividades do


projeto foram direcionadas, em um momento inicial, para a
realização das oficinas de preparação de materiais didáticos que
dialogassem com os documentos presentes no acervo do Arquivo e
Museu Histórico de Cametá. Nestas oficinas, os participantes foram
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

distribuídos por áreas temáticas de estudo. As temáticas das oficinas


estavam voltadas para a construção de jogos no ensino de história,
uso de documentos na prática docente, construção de textos
didáticos e as temáticas imagens e filmes nas aulas de história.
A integração do projeto PROINT entre seus executores se
materializou na atuação direta dos bolsistas e professores no
planejamento e na realização das atividades propostas para serem
desenvolvidas nas oficinas de produção de materiais didáticos. Isso,
além de permitir o conhecimento das etapas necessárias que
envolvem o planejamento - a exemplo da escolha de conteúdos,
seleção de materiais didáticos e aportes teóricos e metodológicos -,
permitiu que os alunos bolsistas e professores tomassem ciência das
atividades que envolvia um trabalho de produção de materiais
didáticos ou transposição didática de conteúdo do ensino superior, e
como este trabalho podia ser desenvolvido nas atividades pensadas
para as disciplinas.

A integração do projeto com a extensão efetivou-se, ainda, com o


contato dos alunos bolsistas com os professores do ensino
fundamental e médio, quando da execução de tarefas associadas à
experiência docente. No caso, faz-se referência do momento em que
324 atuaram e conviveram nos espaços escolares, estabelecendo relações
e auxiliando os alunos da educação básica nas tarefas exigidas com
requisitos de avaliação do conhecimento adquirido por esses alunos.
Observa-se, também, a relação com a comunidade quando da
atuação dos bolsistas nos eventos promovidos pela Faculdade de
História e pelo Campus de Cametá.

Os alunos bolsistas puderam atuar mais diretamente no


planejamento e na execução de atividades pensadas para a disciplina
de História no ensino fundamental e médio, assim como permitiu
que os professores organizassem suas atividades, pensando na
colaboração que teria desses bolsistas. O envolvimento dos alunos
bolsistas garantiu, também, melhores rendimentos na avaliação, o
que foi resultado de maior tempo de dedicação para com as
atividades acadêmicas, assim como permitiu se apropriar de
métodos e estratégias de leitura documental, formas de catalogação
e registros históricos que revelavam aspectos dos espaços rurais da
região.

Do ponto de vista teórico, não há dúvidas de que os avanços foram


bastante significativos, como se observou na apropriação de
conceitos quanto ao ensino e aprendizagem, leitura escolar, plano de
aula, plano de curso, projeto pedagógico, planejamento de ensino,
POR UM OUTRO AMANHÃ

documento histórico, espaços agrários e outras temáticas conceituais


que envolvem a formação docente em História.

No campo dos experimentos, a possibilidade de elaborar propostas


de intervenção na sociedade, como oficinas, foi bastante
significativo. Acrescentaríamos ainda a possibilidade de atuar na
organização e no desenvolvimento de tarefas relacionadas à
produção de evento acadêmico, o que permitiu, além de um senso de
organização, a capacidade de articular interesses da academia com
os da sociedade.

A intervenção didático-científica, se por um momento foi


estabelecida no processo de planejamento de atividades para as
disciplinas, no planejamento dos eventos e oficinas, por outro foi
ainda vivenciada no espaço da sala de aula, com a colaboração dos
bolsistas na execução dessas tarefas planejadas para serem
desenvolvidas junto aos discentes ou a comunidade. Portanto, tais
ações sofreram interferência dos bolsistas não apenas quando da sua
elaboração, mas também da sua execução.

Para apontar os pontos positivos deste projeto, destacamos: o


envolvimento dos alunos bolsistas com planejamento e execução de 325
tarefas associadas às reuniões de formação e oficinas de produção de
materiais didáticos; a possibilidade de estabelecer diálogo entre
bolsistas e docentes de graduação, quanto ao planejamento e
execução de atividades acadêmicas; a possibilidade de convivência
dos bolsistas com as comunidades ribeirinhas da região; e a vivência
de experiências docentes nos espaços escolares de ensino básico.

Como questões que limitaram o desenvolvimento de algumas


atividades do projeto, apontamos: dificuldades da aquisição de
leituras pertinentes à temática do ensino de História, pelo escasso
acervo bibliográfico presente na biblioteca do Campus de Cametá;
número reduzido de computadores da sala de informática do
Campus de Cametá, utilizada para planejamento de atividades
pertinentes as atividades do projeto; dificuldade de acesso à
informática, o que impossibilitava que documentos fossem baixados
da rede mundial de computadores, sendo estes documentos
importantes quando da leitura necessária para planejamento de
atividades acadêmicas.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Referências citadas

BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e


Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino
Médio. Brasília: MEC, 1999.
CORREA, Paulo Sergio de Almeida; BARRETO, Edna Abreu. „O
Ensino Médio no Estado do Pará segundo as estatísticas oficiais: Os
impasses das políticas públicas educacionais e os desafios para o
século XXI.‟ In: PAPER DO NAEA 122, agosto de 1999, p. 1-40.
PINSKY, Jaime (Org.). O ensino de história e a criação do fato.
São Paulo: Contexto, 2006.
PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. 2. ed. São
Paulo: Contexto, 2006.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional.
Trad. Francisco Pereira. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

326
POR UM OUTRO AMANHÃ

REPENSANDO A AULA DE HISTÓRIA: PROFESSORES E


ALUNOS COMO AGENTES ATIVOS DA "HISTÓRIA"

Gabriel José Brandão de Souza

Introdução

A sociedade vem passando por inúmeras transformações. No intuito


de acompanhá-las, as atividades educativas e a formação de
professores passam por novas concepções do fazer e construir um
desenvolvimento da reflexão crítica e de novas possibilidades e não
apenas transmissora de conteúdos. Diante da realidade educacional
no país é necessária uma formação que entenda a importância do
papel do estudante também como responsável por sua própria
aprendizagem.

O ponto de partida para a compreensão da História pode ser


evidenciado na tentativa de despertar no aluno uma possibilidade de
perceber-se como agente histórico, como ser atuante dentro do
processo histórico, sendo a infância e adolescência os momentos 327
mais oportunos para tal despertar. Somente a partir disso o
professor pode desempenhar o seu papel social: formar cidadãos
aptos a compreender a sociedade na qual estão inseridos. Segundo
os Parâmetros Curriculares da Educação, a História enquanto
disciplina escolar possibilita ampliar estudos sobre as problemáticas
contemporâneas, situando-as nas diversas temporalidades, servindo
como arcabouço para reflexão sobre possibilidades de mudanças e
necessidades das continuidades. Permite sedimentar e aprofundar
temas, redimensionando aspectos da vida em sociedade e sobre o
papel do indivíduo nas transformações do processo histórico,
possibilitando a compreensão das relações entre a liberdade (ação
do indivíduo-sujeito da história) e a necessidade (ações
determinadas pela sociedade-produto de determinada história).
(PCNs 2000;15-16)

Neste sentido, temos como pretensão neste trabalho, perceber


dentro do processo do estágio de regência, discussões juntamente
com análises bibliográficas, acerca do processo de formação das
aulas de história, buscando compreender a importância dos diálogos
entre os conhecimentos escolares e acadêmicos necessários para
compreender as sociedades nas suas variadas dimensões.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Conhecimento histórico e processo de aprendizagem

A construção do conhecimento histórico, a partir dos teóricos da


escola dos Annales, vem passando por várias transformações, em
que os historiadores vêm sugerindo novas abordagens, baseadas em
diversas temáticas ligadas a história social, cultural e do cotidiano,
de modo que estão possibilitando uma visão mais abrangente do
contexto histórico. Entretanto, paralelamente a estas mudanças, o
ensino de história não vem acompanhando os avanços
historiográficos desenvolvidos em torno dos métodos e objetos de
análise da história. Nesta perspectiva, o desafio que se coloca é de
garantir que esta disciplina no ensino básico consiga fornecer aos
educandos os elementos necessários para formação de uma visão
crítica e transformadora perante esta sociedade tão desigual.
Neste sentido, o estágio de regência pode ser compreendido como
um processo de experiências e, sobretudo de aprendizado, pois
permite por em prática todos os conhecimentos adquiridos ao longo
da graduação. Ao adentrarmos em uma sala de aula, o que devemos
ter em mente é a ideia de multiplicidade, porque diferentes tipos
humanos fazem parte de seu contexto; podemos encontrar
divergências raciais, econômicas, culturais e vários aspectos
328 direcionados ao caráter e a personalidade do ser humano.

Percebemos então que ensinar história não é, de maneira alguma, a


mera transmissão de fatos e acontecimentos do passado de maneira
descritiva, com métodos tradicionais e desinteressantes. Podemos
compreender então o estágio como um momento necessário para
que o ensino de história seja revalorizado e que o professor de
história se conscientize de sua responsabilidade social.
Segundo Janice Theodoro, o mundo contemporâneo passa por
transformações constantes, tornando difícil a sobrevivência das
pessoas que resistem à forma diferente de vida. Nesse contexto, cabe
ao educador auxiliar os jovens a compreender melhor esse mundo
repleto de variáveis. Para a autora em tela, torna-se difícil preparar o
homem para esse desafio contemporâneo, um desafio onde nada,
nunca, está no mesmo lugar, onde as relações de causa e efeito não
fazem sentido porque a mudança cria uma infinidade de variáveis
que nos obriga a trabalhar com as ideias de sistema ou de rede.
Depois de tanta mudança, o homem pode também se perguntar se
essa modernidade de certa forma criou condições para que ele
aprofundasse a consciência de si mesmo e do outro. Para isso, o
mesmo precisaria criticar as premissas, precisaria aprender a ver
(THEODORO, 2005:50).
POR UM OUTRO AMANHÃ

O grande desafio que se apresenta aos educadores é adequar o olhar


as exigências do mundo, sem deixar de ser sugados pela onda
neoliberal. É preciso mostrar a possibilidade de desenvolvimento da
prática de ensino de história adequado ao novo tempo e ao novo
aluno, um ensino rico em conteúdo, socialmente responsável e sem
ingenuidade ou nostalgia (PINSKY, 2009:19).

De fato, podemos perceber que ao longo dos últimos anos, a


educação brasileira passa por um processo de mudanças quanto às
percepções sobre o aprender e ensinar história. Neste sentido,
torna-se necessário pensar as aulas em um sentido mais atrativo,
possibilitando utilizar recursos que auxiliem a transformar as aulas
num perfil mais lúdico e diferenciado, devendo existir um diálogo
com o alunado no sentido de evidenciar que novas interpretações
podem ser feitas a cerca daquilo que se estuda dependendo do
enfoque que se tem.

Embora o sistema do qual, fazemos parte, não proporcione


mecanismo para a formação digna do cidadão através da educação, o
professor não deve usar isso como desculpa para seu despreparo. O
processo de aprendizagem pode ser beneficiado quando professor e
aluno buscam o conhecimento conjunto de suas necessidades, tendo 329
consciência de sua forma de relacionar-se, respeitando as diferenças.
Lopes (2008) cita Bruner (1986) e Vygotsky (1978) afirmando que a
educação é um processo essencialmente cultural e social, nos quais
alunos e professores participam interagindo na construção de um
conhecimento conjunto.

A visão de Vygotsky e Bruner comunga com a visão de Freire, a qual


da ênfase na interação professor e aluno, na construção de um
conhecimento comum. A teoria de Freire (1968) chama de educação
libertadora, pois o saber parte de uma experiência feita e não
narrada ou transmitida. Dessa forma, o educador não é apenas o que
educa, mas o que enquanto educa, é educado, em diálogo com o
educando, que ao ser educado também educa, ou seja, a educação é
vista como um desenvolvimento de conhecimento conjunto. "Um
dos procedimentos básicos de qualquer processo de aprendizagem é
o relacionamento que o aluno faz do que quer aprender com aquilo
que já sabe." (PCN, 1998; 32). Cada estudante precisa se perceber
como um sujeito histórico, estando preparado para ocupar um
espaço na sociedade globalizada sob o risco de ser sufocado por ela.
Para tanto, eles precisam de cultura que vá além da técnica, ou seja,
precisam perceber que a História esta em seu cotidiano. Neste
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

sentido, o ensino da Historia deve aproximar o aluno da história,


possibilitando que se interesse em interagir com ela.

Falando em conhecimento, é importante designarmos o ato de


conhecer como uma relação que se estabelece entre a consciência do
aluno em saber o que é relevante para a formulação do
conhecimento e a predestinação do professor em mediar esse
conhecimento. Nesse contexto, a escola também assume um papel
importante no processo educacional, uma vez que é nela, ambiente
onde circulam questões relativas às formas de construção do saber,
reafirmando a ideia defendida por Maria Lucia de Arruda Aranha
(1997, p. 132) que, "a escola é por excelência um local que, por bem
ou mal, circula o conhecimento".

Ao pensarmos a ideia de aula expositiva, apesar de muitas vezes


bastante criticada no meio acadêmico, tornou-se perceptível a sua
importância, desde que seja dialogada, questionada, debatida e
acompanhada da utilização de outras fontes e recursos. Neste
sentido, é necessário buscar compreender nas aulas que o aluno
deve ser o principal participante no desenvolvimento da aula de
história, expondo seus conhecimentos prévios acerca dos assuntos
330 trabalhados, opinando e questionando os mesmos, procurando ser o
mediador na construção do saber histórico, tendo em vista a
formação de cidadãos autônomos.

Os métodos e técnicas de ensino servem para "conduzir o estudante


a integrar no seu comportamento, conhecimentos, técnicas,
habilidades, hábitos e atitudes que hão de enriquecer a sua
personalidade" (Gil, 1997; 109). Compreendemos na utilização de
músicas e filmes uma importante ferramenta metodológica, pois as
mesmas permitem de maneira dinâmica e flexível transformarem-se
em documentos históricos ao qual sugerem novas discussões
teóricas e metodológicas para o ensino de história.

Em relação aos conteúdos ensinados, Luckesi (1994) defende que


não se deve atribuir relevante importância na quantidade de
conteúdos a serem trabalhados, mas sim na maneira como estes são
ministrados, levando em consideração as experiências vividas, onde
o diálogo deva prevalecer sempre entre os sujeitos envolvidos,
professor-aluno, aluno-professor. Neste sentido, entendemos a
importância do ato de planejar, sendo o mesmo uma importante
ferramenta para poder organizar e adequar a grande quantidade de
conteúdo e as metodologias ao curto período de tempo.
POR UM OUTRO AMANHÃ

A avaliação reflexiva torna-se outro importante componente


intrínseco aos processos intencionais de mudança, como são os
processos de ensino e de aprendizagem. Segundo a concepção de
Luckesi (1995), a avaliação da aprendizagem é um juízo de qualidade
sobre dados relevantes para uma tomada de decisão, enquanto
Hoffmann (1996) diz que o julgamento de valores de resultados
alcançados marca a relação entre professores e alunos. Contudo,
atualmente a avaliação na maioria das escolas, tem o professor como
centro, e, muitas vezes é caracterizada pelo autoritarismo e
arbitrariedade, onde avaliar é somente classificar, aprovar ou
reprovar.

Tais equívocos e contradições, que presentes nas práticas da


avaliação, têm como responsável a dicotomia entre educação e
avaliação que, segundo Hoffmann (1996) faz parte da percepção da
ação de educar e avaliar como momentos distintos e não
relacionados por parte dos professores. Deste modo, o professor não
da à importância necessária a avaliação, e mesmo procurando
inovar, o professor "dá" matéria, aplica prova escrita, atribui nota e
encerra o ato de avaliar.

Nessa perspectiva, Moran (1991) compreende que "educar é 331


procurar chegar ao aluno por caminhos possíveis: pela experiência,
pela imagem, pelo som, pela representação (dramatizações,
simulações), pela multimídia. Partindo de onde o aluno está, e
ajudando a ir do concreto para o abstrato, do imediato para o
contexto, do vivencial para o intelectual, integrando o sensorial, o
emocional e o racional".

Desta forma, podemos concluir que com base no procedimento


metodológico acima traçado aliada a experiência do cotidiano da
regência, é que os conteúdos trabalhados devem está intrínseca a
realidade dos alunos, percebendo que o tema e a metodologia se
imbricam no sentido de fornecer a esses alunos os requisitos
necessários para que os mesmos se posicionem a partir de uma visão
crítica.

Referências

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofia da educação. São


Paulo. Editora Moderna, 1997.
BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, Parâmetros
Curriculares Nacionais. Ensino Médio. Brasília: 1998
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, Parâmetros


Curriculares Nacionais. Ensino Médio. Brasília: 2000.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf
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GIL, A. C. Metodologia do Ensino Superior. 3 ed, São Paulo:
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Cortez. 1994 (Coleção magistério 2º. Grau. Série formação do
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_____. Avaliação da Aprendizagem Escolar. São Paulo:
Cortez, 1995.
332 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários a educação do
futuro. Editora Cortez, 2011.
MORAN, José Manuel. Como ver televisão: Leitura crítica dos
meios de comunicação. São Paulo: Edições Paulinas, 1991;
PINSKY, Carla Bessanezi (org.) Novos Temas nas aulas de
História. São Paulo: Contexto, 2009.
PINSKY, Jaime. História e a criação do fato. São Paulo,
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THEODORO, Janice. Educação para um mundo em transformação.
In: KARNAL, Leandro (Orgs.) História na sala de aula.
Conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005.
POR UM OUTRO AMANHÃ

A LITERATURA DE CORDEL NO ENSINO DA GRÉCIA


ANTIGA: RELATO DE EXPERIÊNCIA EM ESCOLAS
PÚBLICAS DO PARÁ

Geraldo Magella de Menezes Neto

Introdução

Musas filhas de Apolo


Tragam-me inspiração
Para narrar uma guerra
De nação contra nação
Derramando sobre mim
A luz da imaginação. (VIANA, 2006, p. 1)

Contá-la com perfeição


Nessa hora é o que mais quero
Portanto caro leitor
Sua atenção eu espero
Pra voltarmos à história 333
Conforme narrou Homero. (VIANA, 2006, p. 3)

As estrofes acima fazem parte do início da narrativa do folheto de


cordel História de Helena e a guerra de Tróia, do poeta Antônio
Klévisson Vianna. Vianna narra em forma de versos de cordel a
história da Ilíada, cuja autoria é atribuída ao poeta grego Homero,
sobre a guerra de Tróia.

O folheto de Klévisson Vianna se apresenta como um interessante


recurso didático em sala de aula para tratar da temática da mitologia
grega. Além disso, a linguagem em forma de versos pode tornar a
leitura mais agradável para os alunos. Nesse sentido, o presente
trabalho pretende socializar uma experiência da utilização de
folhetos de cordel no ensino da Grécia Antiga. O texto será dividido
em duas partes: na primeira, destacamos como a literatura de cordel
pode ser utilizada como recurso didático nas aulas de História; na
segunda parte, relatamos a experiência do uso do folheto História de
Helena e a guerra de Tróia, em turmas de 5ª série (6º ano) nas
escolas Prof. Remígio Fernandez e Prof. Abel Martins e Silva, do
estado do Pará, no distrito de Mosqueiro (Belém).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A literatura de cordel: recurso didático para o ensino de


História

Em primeiro lugar, o que é a literatura de cordel? O cordel é uma


poesia em forma de versos rimados, com temáticas variadas. Márcia
Abreu afirma que para adequar-se à „estrutura oficial‟ da literatura
de cordel, um texto deve ser escrito “em versos setessilábicos ou em
décimas, com estrofes de seis, sete ou dez versos”. Deve seguir um
“esquema fixo de rimas e deve apresentar um conteúdo linear e
claramente organizado”. Deve, portanto, ter “rima, métrica e
oração.” (ABREU, 1999, p. 119). O principal suporte do cordel é o
„folheto‟, que é impresso em papel pardo, de má qualidade, medindo
de 15 a 17 x 11 cm. Nas capas se estampam o nome do autor, os
títulos dos poemas, o nome da tipografia impressora e seu endereço.
Algumas vezes, a data de publicação, o preço, a indicação do local de
venda (TERRA, 1983, p. 23), além de uma imagem representando o
tema da história. Em relação ao número de páginas, Joseph Luyten
aponta que o folheto é feito a partir de uma folha tipo sulfite dobrada
em quatro. Por isso, o número de páginas da literatura de cordel
deve ser múltiplo de oito, já que cada folha sulfite dobrada em
quatro dá possibilidade para oito páginas impressas. (LUYTEN,
334 2005, p. 45).

Vários autores destacam que a literatura de cordel pode ser um


recurso didático nas aulas de História. Lacerda e Menezes Neto
apontam os chamados “folhetos de acontecido”, aqueles que tratam
de informar sobre os “últimos acontecimentos” como “a melhor
opção para os professores de História”. (LACERDA; MENEZES
NETO, 2010, p. 226). Maria Grillo aponta que “inúmeros são os
eventos do século XX contidos nos folhetos que relatam o cotidiano
da nossa História e nos quais são dadas representações diversas das
contidas nos livros didáticos” (GRILLO, 2006, p. 83).

Não só eventos do século XX são abordados nos folhetos. A


Antiguidade também é abordada pelos poetas, podendo ser também
um excelente recurso didático nas aulas de História.

No presente relato de experiência, trabalhamos com o folheto de


cordel História de Helena e a guerra de Tróia, do poeta cearense
Klévisson Viana. O folheto possui 16 páginas, sendo uma releitura da
obra Ilíada, de Homero. (MENEZES NETO, 2015). François Lefèvre
afirma que, segundo a tradição, Homero é um aedo cego que viveu
na Jônia no final do século IX ou no século VIII. A Ilíada, que
contém cerca de 15 mil versos, narra a cólera de Aquiles, ocorrida no
POR UM OUTRO AMANHÃ

décimo ano da guerra de Tróia. (LEFÈVRE, 2013, p. 93). Segundo


Pedro Paulo Funari, “as cidades citadas por Homero, escavadas pela
Arqueologia, existiram realmente, mas os detalhes narrados são
invenções poéticas.” (FUNARI, 2011, p. 21).

335
Imagem 1: Capa do folheto História de Helena e a guerra de
Tróia. Acervo pessoal do autor.

O uso do folheto História de Helena e a guerra de Tróia


em sala de aula: relato de experiência

Nos anos de 2014 e 2015, utilizamos o folheto de cordel História de


Helena e a guerra de Tróia em turmas de 5ª série (6º ano) para
tratar do tema da mitologia grega. O objetivo principal era fazer com
que os alunos conhecessem algumas histórias relacionadas aos
deuses e herois gregos chamando a atenção para a importância da
mitologia na sociedade grega da Antiguidade.

Segundo Richard Buxton, “a religião dos gregos estava tão imbricada


na sociedade que a ideia de separar „igreja‟ e „estado, tão
fundamental para outras tradições religiosas, seria sem sentido no
contexto da Grécia Antiga.” (BUXTON, 2002, p. 425). Pedro Paulo
Funari afirma que “aos seus deuses, os gregos também reputavam
histórias, aventuras, narrativas fantásticas – os mitos – que eram
passadas, oralmente, de geração a geração”. Os gregos acreditavam
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

que os mitos eram “relatos que provinham dos antepassados e, por


isso mesmo, eram aceitos como acontecimentos de um passado
distante.” (FUNARI, 2011, p. 58).

Nesse sentido, relacionamos a abordagem da mitologia grega com o


que é proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‟s) de
História para o terceiro ciclo, destacando “as relações entre a
sociedade, a cultura e a natureza, na História de povos do mundo em
diferentes tempos”: mitos de origem do mundo e do homem; a
natureza nos mitos, ritos e na religião; religiosidade, deuses
zoomorfos, divindades femininas e masculinas e valores sobre a vida
e a morte. (BRASIL, 1998, p. 59).

Cabe ressaltar que os alunos já tinham um conhecimento prévio de


alguns personagens da mitologia grega a partir de filmes, desenhos,
jogos, a exemplo de: Hércules, Tróia, 300, Percy Jackson. A partir
desse conhecimento prévio, fizemos uma abordagem inicial da
mitologia grega, destacando suas características, os deuses e herois
principais, sua influência na sociedade grega. Nessa atividade inicial,
utilizamos duas aulas de 45 minutos. Após essas aulas mais teóricas,
passamos a trabalhar com o folheto História de Helena e a guerra
336 de Tróia, de Antônio Klévisson Vianna.

A primeira atividade realizada, seguindo a sugestão de Ana Marinho


e Helder Pinheiro foi a da leitura oral do folheto, considerada pelos
autores como “indispensável”. (MARINHO; PINHEIRO, 2012, p.
129). Fizemos junto com os alunos a leitura do folheto, alternando as
estrofes: na primeira lia as meninas, na seguinte os meninos, na
terceira todos liam juntos. Para Marinho e Pinheiro, “diferentes e
repetidas leituras em voz alta é que vão tornando o folheto uma
experiência para o leitor.” (MARINHO; PINHEIRO, 2012, p. 129).

A leitura oral do folheto foi bastante animada, com os alunos


participando da atividade. Quando se deparavam com alguma
palavra que não conheciam, fazíamos uma pausa para soletrar e
explicar o significado da palavra, e logo em seguida retomávamos a
leitura. Segundo Arievaldo Viana Lima, na leitura de um folheto, “o
texto deve ser analisado e discutido por toda a classe, para que haja
melhor aproveitamento.” (LIMA, 2006, pp. 57-58).

Além da mitologia grega, o folheto de Viana possibilita relacionar o


passado e o presente, a exemplo das estrofes abaixo:

Quanto ao “Cavalo de Pau”


POR UM OUTRO AMANHÃ

E sua imagem, então


Entrou logo pra história
Representando armação
Pra tapear o inimigo
E ganhar uma questão. (VIANA, 2006, p. 14)

Quando você ganha algo


Que lhe traz desassossego
O nosso povo hoje em dia
Dessa expressão faz emprego
Quando o presente é ruim
Diz: - „É Presente de Grego!‟. (VIANA, 2006, p. 14)

Essas estrofes remetem a expressões que são utilizadas hoje no dia-


a-dia. O “cavalo de pau” seria a ideia de enganar um inimigo.
Durante a leitura do folheto, também chamamos a atenção para o
termo “cavalo de tróia” relacionado à informática. „Cavalo de tróia‟
são programas maliciosos que executam ações não autorizadas pelo
usuário.(http://brazil.kaspersky.com/internet-security-
center/threats/trojans) O „Cavalo de Troia‟ se passa por um
programa ordinário, que abre as portas para que o hacker invada o 337
computador, desencadeando uma serie de ações não autorizadas
pelo usuário para excluir dados, bloquear dados, modificar dados,
copiar dados e atrapalhar o bom desempenho do computador.
(http://www.mundotecnoweb.com.br/tecnologia/350-cavalo-de-
troia-entenda-o-que-e-o-virus-de-origem-grega-que-ataca-sua-
maquina.html) Nesse sentido, a atribuição de tal termo tem uma
óbvia inspiração na história da Ilíada.

Outra expressão bastante comum é “Presente de Grego”, que se


refere a um presente ganho que não se gosta. Inspirado no cavalo de
madeira dado aos troianos pelos gregos, foi o presente que custou a
derrota a Tróia, pois os gregos escondidos no cavalo puderam abrir
os portões e atacar a cidade. Alguns alunos já conheciam a
expressão, e com isso podemos fazer a relação passado-presente,
destacando como a cultura da Grécia Antiga faz parte do cotidiano
dos alunos.

Após a leitura oral, realizamos um questionário sobre a história do


folheto para estimular a interpretação do texto. Perguntas como:
Explique os motivos para a guerra entre gregos e troianos; Quem era
Helena? Qual a fraqueza de Aquiles? Explique a ideia de Ulisses para
terminar a guerra, etc. Tratando-se de alunos de 5ª série, muitos
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

com dificuldades de leitura de escrita, não poderíamos elaborar


questões muito complexas. Por outro lado, o fato do cordel ser uma
linguagem em forma de versos rimados torna o texto mais
compreensível para os alunos. Assim, sobre Helena, o cordel aponta
que “Não havia em todo o mundo/Beldade mais cobiçada” (VIANA,
2006, p. 2); já em relação a fraqueza de Aquiles, “Se algum
opositor/Usasse de sutileza,/Ferindo seu calcanhar/O matava com
certeza” (VIANA, 2006, p. 5).

Nosso objetivo com o questionário é que os alunos identificassem os


principais pontos da narrativa para entendê-la melhor. Podemos
dizer que a maioria conseguiu responder as questões de forma
correta e entender a narrativa. Para a leitura do folheto e a atividade
do questionário utilizamos três aulas.

A última atividade realizada foi a elaboração de desenhos a partir do


folheto. Arievaldo Viana Lima sugere, por exemplo, “pedir a cada
aluno que escolha uma estrofe para ilustrar e depois montar uma
exposição sequenciada dos desenhos, conforme o texto.” (LIMA,
2006, p. 59). Nesse sentido, solicitamos aos alunos que escolhessem
as principais partes do cordel História de Helena e a guerra de
338 Tróia para desenhar.

Imagem 2: Desenho de aluna da 5ª série sobre o folheto História


de Helena e a guerra de Tróia. Acervo pessoal do autor.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Imagem 3: Desenho de aluna da 5ª série sobre o folheto História


de Helena e a guerra de Tróia. Acervo pessoal do autor.

A maioria dos alunos desenhou o rapto de Helena por Páris, as


batalhas entre gregos e troianos, a construção do cavalo de madeira
por Ulisses e a derrota de Tróia. Entendemos que o desenho pode 339
ser uma atividade que ajuda a reforçar a compreensão do texto pelos
alunos, além de ser um exercício que foge da rotina da escrita nas
aulas de História. Nesta atividade final do desenho, utilizamos duas
aulas.

Considerações finais

Este breve relato de experiência busca chamar a atenção para a


potencialidade da literatura de cordel enquanto recurso didático nas
aulas de História. Além de utilizar uma linguagem em forma de
versos rimados, de fácil compreensão aos alunos, o cordel tem o
mérito de estimular a leitura. Portanto, mesmo um tema
aparentemente distante da realidade dos alunos, como a mitologia
grega, pode ser trabalhado de uma maneira mais atrativa para os
alunos, visando uma aprendizagem mais efetiva. No total, foram
cinco aulas com o recurso da literatura de cordel. Deixamos de lado
alguns assuntos? Não demos “todo o conteúdo” de Grécia Antiga? A
resposta para essas perguntas é sim, e estamos satisfeitos com isso,
pois acreditamos que essas cinco aulas foram mais significativas e
atrativas para os alunos do que se simplesmente continuássemos a
copiar no quadro a matéria, já que as escolas não dispunham de livro
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

didático. O texto fica aqui como objeto de crítica e discussão aos


leitores.

Referências
Folheto de cordel:
VIANNA, Antônio Klévisson. História de Helena e a guerra de
Tróia. 2 ed. Fortaleza: Tupynanquim Editora, dez. 2006.

Sites:
http://brazil.kaspersky.com/internet-security-
center/threats/trojans Acesso em 5 fev. 2016.
http://www.mundotecnoweb.com.br/tecnologia/350-cavalo-de-
troia-entenda-o-que-e-o-virus-de-origem-grega-que-ataca-sua-
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GRILLO, Maria Ângela de Faria. História em verso e reverso.
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Ensino e pesquisa em História: a literatura de cordel na sala de aula.
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LUYTEN, Joseph. O que é literatura de cordel. São Paulo:
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MARINHO, Ana Cristina; PINHEIRO, Hélder. O cordel no
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TERRA, Ruth Brito Lêmos. Memória de lutas: literatura de
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POR UM OUTRO AMANHÃ

QUADRINHOS COMO FONTE:


POSSIBILIDADES DE ENTRE A FOICE E O MARTELO
PARA O ENSINO DE HISTÓRIA

Gildson Nascimento Pereira Vieira

Talvez a personagem de histórias em quadrinhos mais icônica de


todos os tempos, o Super-Homem é aquela figura que aglutina todo
um way of life a que estamos acostumados a conviver a partir dos
tempos de globalização. Essa conexão de ideias que nos chega
através da indústria cultural e sua comunicação de massa compõem
as vivências, as práticas e os costumes a que, enquanto sociedade
organizada e pautada por elementos globais, estamos inseridos.
Dessa forma, as histórias em quadrinhos, elemento da comunicação
de massa, espelham conceitos, eventos, espaços e personagens que
revelam nossas inquietudes, enquanto observadores e agentes do
espaço social em que vivemos.

A mitificação da figura do Super-Homem, assim como de qualquer


outro símbolo agregador de conscientes coletivos, oferece pauta para 341
análise do imaginário social de que tanto nos preocupa, sendo assim,
a utilização da personagem e dos seus símbolos já nos interessa por
um estudo de conceitos em si. Nesse patamar, Umberto Eco, por
exemplo, trata de nos alertar sobre a representação crítica da
identidade humana do Super-Homem, o tímido jornalista Clark
Kent. Embaraçoso e motivo de piada no trabalho, Clark Kent seria a
crítica do Super-Homem à raça humana, e aquele que o leitor logo se
apoiaria; “através de um óbvio processo de identificação (...)” o leitor
“nutre secretamente a esperança de que um dia, das vestes da sua
atual personalidade, possa florir um super-homem capaz de resgatar
anos de mediocridade” (ECO, 2006, p. 248).

Os caminhos são diversos no mundo dos quadrinhos, contudo, o que


é proposto neste trabalho é a descrição de uma experiência pautada
no encadernado Red Son, 2003 (“Entre a Foice e o Martelo”, em
português) que trata da possibilidade do Super-Homem ter crescido
na antiga União Soviética e, numa espécie de “determinismo
ideológico”, tornando-se defensor da ideologia comunista durante os
anos de Guerra Fria. A utilização das histórias em quadrinhos e seus
personagens em sala de aula já não é mais tabu nas instâncias do
país. Contudo, as precauções para que estas não se tornem apenas
instrumento de distração e direcionem os leitores à reafirmação de
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

estereótipos, precisam ter a atenção da escola que pretende


trabalha-las.

Nas aulas de História, esses estereótipos, por exemplo, podem ser


discutidos em sala, a fim de criar uma “consciência das
possibilidades representadas pelos quadrinhos, bem como dos vícios
que predominam na indústria que os veicula” (SRBECK, 2006, p.
24.). O professor Túlio Vilela nos oferece mais possibilidades do uso
dos quadrinhos em aulas de História; (1) trabalhar conceito de
tempo e suas dimensões: sucessão, dimensão e simultaneidade, (2)
ilustrar ou fornecer uma ideia de aspectos da vida social de
comunidades do passado, (3) estudar a época em que o quadrinho
foi produzido, assim como, o período em que a estória é ambientada,
entre outros. Importante salientar que “nem toda história em
quadrinhos é necessariamente ficcional. Muitas histórias em
quadrinhos tem caráter autobiográfico ou semi-autobiográfico”
(VILELA, 2009, p. 116), ou seja, algumas histórias em quadrinhos,
como o trabalho de Art Spiegelman, tratam do uso da memória
como fonte de seus contos.

Uma outra discussão, além das sugestões do professor Vilela (2009)


342 é sobre personagens históricos representados em histórias em
quadrinhos. Em Entre a Foice e o Martelo (Mark Millar, 2004), por
exemplo, a figura histórica de Josef Stálin (1922-1953) está presente
e tem como destino morte por envenenamento ainda no primeiro
volume do encadernado. Ainda assim, sobre Stálin, a história em
quadrinho oferece além de um texto, uma imagem criada da figura
do “grande pai” da nação soviética, devotado pelo povo, estadista
nato e líder do Partido Comunista soviético. Stálin, importante
personalidade histórica do século XX, logo poderá ser observado
sobre o ângulo de uma história em quadrinho produzida por um
escritor escocês-“americanizado” no século XXI, outro ponto que
pode sofrer análise.

Idealizada em 2003 pelo escocês Mark Millar (1969-), Red Son não
faz parte da cronologia “oficial” do Super-Homem, e sim das séries
especiais da personagem. Porém, utiliza a personagem para criar
uma vertente da história da Guerra Fria (1945-1991) e, assim, contar
uma versão nos quadrinhos para esse evento histórico. É importante
salientar que a maioria das histórias em quadrinhos não se utiliza de
temas políticos, como este de um conflito mundial como a Guerra
Fria, contudo, deve-se fazer valer que as HQs em geral possuem
muitas referências políticas que podem não estar tão claras na
narrativa factual histórica, mas que partem de seu próprio criador.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Os temas que são trabalhados em Entre a Foice e o Martelo vão de


encontro a uma abordagem mais séria e que necessitam de um
entendimento de conceitos históricos para melhor entender o
segmento da narrativa que a revista apresenta. Em um dos grandes
momentos da série Entre a Foice e o Martelo, por exemplo, vemos a
posição do Super-Homem contra a estrutura do Estado para resolver
problemas sociais, numa nação; a personagem não acredita que se
sentiria capaz de suceder Stálin e comandar uma instituição tal
como ela é construída. Porém, é num momento em que encontra
uma fila de necessitados que pedem por comida que ele “é
constrangido a acreditar que pode suceder Stalin no poder do Estado
e resolver os problemas sociais” (MARQUES; ATAÍDES, s/d, p. 06).

Fig. 01 (Entre a Foice e o Martelo, vol. 1, página 48)

343

Talvez o Super-Homem tenha entendido que “o marxismo é um


instrumento para mudar o mundo através do conhecimento que,
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

como políticos, então usamos. Não é um meio de vencer discussões


políticas”. (HOBSBAWN, 1985, p. 124), trazendo-o para a ação no
cenário político como líder da nação pós-Stálin. Este momento
citado do quadrinho externa o pensamento da burocracia estatal que
sempre apresenta a classe trabalhadora como um agente submisso e
estático que espera pela vinda do salvador. Contudo, engana-se
aquele que acredita que esta é uma visão exclusivamente soviética,
em ambos os lados da Guerra Fria, nos EUA ou na URSS, há pessoas
que pedem pela ajuda de uma força superior que trouxesse consigo a
vitória sobre o outro.
Neste trabalho, iremos identificar os temas de alguns trechos
do primeiro volume de Entre a Foice e o Martelo que também
podem ser utilizados em aulas de História da Guerra Fria para
turmas do 9º ano do Ensino Fundamental. Vejamos alguns deles:

 Os EUA descobrem a existência de um Super-Homem


soviético e passam a noticiar o fato através das mídias. Super-
Homem deixa de ser sujeito e se torna uma arma de destruição
em massa, segundo a ótica dos americanos. Cenário típico do
pavor da Guerra Fria que, apesar de ser considerada como um
conflito não militar e de concessões dos dois lados, a histeria
344 coletiva da possibilidade de uma guerra nuclear era bem mais
visível. (Fig. 2. Entre a Foice e o Martelo, vol. 1, página 05).
POR UM OUTRO AMANHÃ

 Como uma das características da Guerra Fria, a política de


vigilância e consequente espionagem das superpotências
envolvidas, causando a histeria pela perda do ambiente
privado. (Fig. 3, Entre a Foice e o Martelo, vol. 1, página 06).

 O poder da propaganda política soviética, que enaltece a nação


proletária e sua força poderosa, a partir da sua principal arma:
o Super-Homem. No trecho, assim como ao longo dos três
volumes da história em quadrinho, existem citações a
instituições, pessoas, lugares, etc., que pertencem ao mundo
real e que podem ser melhor contextualizados pelo professor
no momento em que seus alunos sintam a dificuldade em 345
entendê-los. (Fig. 4.1 e 4.2, Entre a Foice e o Martelo, vol. 1,
página 07).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

 Super-Homem, um “campeão do campesinato” numa nação


proletária. Discussão plausível para entendimento sobre de
que tipo de comunismo estamos falando. O marxismo se
fundamentou no trabalho do operário das grandes industrias e
não no mundo camponês a qual o Super-Homem faria parte.
346 (Fig. 5, Entre a Foice e o Martelo, vol. 1, página 19).

 Quanto à discussão ideológica, o marxismo é uma palavra


comum nos discursos sobre a teoria política que vigora em
Entre a Foice e o Martelo; há, inclusive, a discussão de que o
Super-Homem, na verdade, seja a representação de uma
contradição, ao defender o marxismo e ainda sendo bem mais
que um homem comum. Criação de modelos para o
capitalismo e/ou socialismo, de representação de uma ideia e
POR UM OUTRO AMANHÃ

se, de fato, há marxismo na ideia de governo do campesinato,


entre outras que podem ser abordadas e debatidas em sala.
(Fig. 6, Entre a Foice e o Martelo, vol. 1, página 26).

No campo das histórias em quadrinhos, muitas podem ser as visões


sobre determinadas questões a que nos interessam, disto nós já
falamos. Contudo, por algum motivo as histórias em quadrinhos
347
ainda possuem uma ausência significativa nos anais das Ciências
pelo mundo. Vítimas de uma “visão redutora que o grande público
tem da HQ como um todo: um entretenimento colorido, fácil e
consensual, que não exige esforço para pensar” (GROENSTEEN,
2004, p. 21), ou de dificuldade no manejo direcionado à educação, as
histórias em quadrinhos estão ainda no limbo dos usos em sala de
aula, como suporte em várias outras disciplinas.

No caso específico de Entre a Foice e o Martelo, a utilização desse


quadrinho pode se estender além do tema da guerra improvável,
mas não impossível, a Guerra Fria, ou das teorias políticas que
traduziram o período; há inúmeras possibilidades encontradas neste
conto, da própria utilização de cores, letras e outros símbolos,
passando pela competição bélica entre as duas superpotências, a
utilização de mapas e da possível existência de um “determinismo
ideológico”, onde o lugar que um indivíduo cresce direcionará aquilo
que ele defenderá, até a citação a Norman Rockwell (1894-1978),
importante ilustrador norte-americano que trabalhava com a visão
patriótica estadunidense em suas obras. A certeza é só uma, em
Entre a Foice e o Martelo encontramos bem mais que uma história
em quadrinhos.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Referências Bibliográficas

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Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 2006.
GROENSTEEN, Thierry. História em Quadrinho: essa
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________. Revolucionários. Trad. João Carlos Victor Garcia e
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MARQUES, Edmilson; ATAÍDES, Marcos. A guerra fria em
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VILELA, Tulio. “Os quadrinhos na aula de História”. In:
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Contexto, 2009.
POR UM OUTRO AMANHÃ

O ATO DE APREENDER AO ENSINAR: A REVOLUÇÃO


INDUSTRIAL E O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA
HISTÓRICA

Giane Kublitski

A concepção de história deve estar diretamente relacionada com o


ensino, bem como o posicionamento do professor dentro e fora de
sala de aula. A prática de um professor sempre deve ser avaliada e
revista de forma que sempre possa ser aprimorada. O
posicionamento frente aos alunos e frente à sociedade como um todo
pode dizer muito sobre a sua prática como profissional da educação.
Neste sentido é feita a discussão da valorização dos professores
relatada pelo o autor Paulo Freire que aponta:

De um lado, evitar uma compreensão distorcida da tarefa


profissional da professora, de outro, revelar a sombra
ideológica repousando manhosamente na intimidade da
falsa identificação. Identificar professora com tia, o que 349
foi e vem sendo ainda enfatizado, sobretudo na rede
privada em todo o país, quase como proclamar que
professoras, como boas tias, não devem brigar, não
devem rebelar-se, não devem fazer greve (FREIRE, 1997,
p. 9).

Dessa forma a crítica da sociedade aos (as) professores (as) não é


para contribuir para que os mesmos avaliem sua prática docente, e
procurem melhorar em sala de aula, a crítica acontece no sentido de
derrubar, demonstrar que as "tias" não podem abandonar seus
supostos sobrinhos para lutar pelos seus direitos. Neste sentido
discutiremos nesse texto o desenvolvimento da consciência histórica
de nossos estudantes. Ao refletirmos nossas experiências podemos
chegar a consciência histórica e aprimorara-la de forma a chegar a
perceber o mundo de outras maneiras, podendo assim interferir na
vida prática. Dessa forma toda pessoa sabe algo ou vivenciou algum
tipo de experiência, e dela agregou algo mesmo que essas
experiências não tenham sido boas elas trazem para a pessoa uma
concepção do que se viveu. Essa experiência é a bagagem histórica
que todos os homens e mulheres possuem em menor ou maior
escala.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Paulo Freire discute a consciência crítica assim como o autor Jörn


Rüsen, o qual acredita que ela se apresenta da seguinte maneira:

O passado oferece a experiência de que necessita para


orientar-se no presente e para desenvolver uma sólida
perspectiva de futuro. "Essa experiência faz sentido
quando pode ser utilizada para a configuração da própria
vida" (RÜSEN, 2001, p. 10).

O sentido que a ciência da história tem em nossa vida prática é a


pergunta que sempre ouvimos de nossos (as) alunos (as), e para que
serve estudar algo que já passou? A história é vista como a ciência
que serve para dar aos seres humanos uma orientação do que foi o
passado, e dessa forma pensar o futuro, e mais do que isso ela tem
uma didática da qual faz uso para se apresentar aplicável, se
utilizando da consciência histórica que cada indivíduo tem para
contribuir dessa forma para ser uma ciência que busca desenvolver
sujeitos críticos. "A história nos faz compreender o presente,
explicando- nos onde for possível, as origens do atual estado das
coisas (DROYSEN, 2009, p. 10). Assim Droysen apresenta o sentido
que a história tem para a vida prática.
350
Droysen foi uma das inspirações de Jörn Rüsen que é muito usado
para se apresentar a questão da história e a sua aplicabilidade.
Rüsen (2007, p.10) coloca que a história é o "passado compreendido,
presente problematizado e futuro perspectivado" segundo Rüsen
quando nos atemos ao passado, compreendemos o que se passa no
presente, dessa forma o passado nos mostra que o futuro pode nos
reservar. Não entendamos a história então como uma ciência que
prevê o futuro a partir do passado, mas com uma ciência que nos dá
dimensão do que poderá vir apresentar-se, se analisarmos o que se
deu no passado. Rüsen nos apresenta então a consciência histórica
que se agrega aos indivíduos pela sua cultura e pela vivência e suas
experiências. Com base nessas análises podemos concluir que a
escola é um espaço social onde há mais do que estudo. Existe nesse
espaço um contexto de aprendizagem que vai além do quadro negro,
porém seu papel ainda é educar para tornar os (as) alunos (as) seres
sociais e explorar a sua consciência histórica, e torná-la mais ampla
e crítica. Neste espaço descrevemos nossa experiência de estágio, e
fusão de teoria e prática.

Os estágios aconteceram do dia 22/07/2015 ao dia 14/08/2015, no


Colégio Estadual Afonso Alves de Camargo Ensino Fundamental e
Médio. Trabalhei com uma turma do 8º ano a qual tinha 37 alunos.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Meu estágio foi supervisionado pela Prof.ª Jussara R. Cordeiro, e


teve como tema a Revolução Industrial. O colégio tem boa estrutura,
pois foi recentemente reformado. Tem quadra coberta, refeitório,
biblioteca, laboratório de informática, porém acredito que uma
escola não se faz somente com estrutura física, mas principalmente
com a valorização das pessoas que frequentam esse prédio, como
professores (as) alunos (as) e funcionários (as). Dessa forma
entendo que não adianta estrutura física se os profissionais que lá
atuam estão desmotivados e cansados de tanto desrespeito. O
desrespeito é uma reação em cadeia, de modo que professores (as) e
funcionários (as) cansados afetam de forma direta os estudantes. No
meio disso tudo iniciei os meus estágios.

Logo nas observações percebi que meu estágio seria mais que uma
experiência, seria um desafio, afinal uma turma com 37 alunos (as)
adolescentes sempre é um desafio. Por ser uma turma muito grande
a dispersão de atenção era inevitável, mas não os culpo, afinal de
contas são jovens com toda a sua energia e disposição para gastar. A
turma não tinha sérios problemas com a disciplina, com algumas
exceções.

Foram 12 aulas ministradas e 8 de coparticipação com a turma. As 351


aulas passaram por 3 horários diferentes por consequência da greve.
Minhas aulas foram expositivas dialógicas, onde procurei partir
sempre do conhecimento prévio dos estudantes para problematizar
os questionamentos feitos por eles.

Na aula expositiva dialógica o professor toma como ponto de partida


a experiência dos alunos relacionada com o assunto em estudo. Os
conhecimentos apresentados pelo professor são questionados e
redes cobertos pelos alunos a partir do confronto com a realidade
conhecida. Ao contrário do que ocorre na aula expositiva tradicional,
a aula expositiva dialógica valoriza a vivência dos alunos, seu
conhecimento do concreto, e busca relacionar esses conhecimentos
prévios com o assunto a ser estudado. O fundamento dessa nova
dimensão da técnica é que somente partindo-se do concreto é
possível chegar a uma compreensão rigorosa da realidade. (FREIRE
E SHOR apud LOPES, 1991, p. 43.)

Diversos foram os fatores que dificultaram o acesso à turma que eu


lecionei. Vou aqui citar dois pontos. Muitos estudantes em uma
mesma sala facilitava que se dispersassem com frequência.
Enquanto dois queriam prestar atenção os demais estavam fazendo
qualquer outra coisa que não fosse estudar. Havia ali alunos com
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

uma capacidade enorme, também alunos muito dedicados, porém


uma turma tão grande uniu alguns estudantes que precisavam de
uma atenção especial e com a falta de atenção que recebiam, as suas
capacidades ficavam de lado e esquecidas. Eu não conhecia os
alunos, nem suas vidas pessoais, mas ao propor uma tarefa pude
perceber a dificuldade que cada um passava. A atividade era analisar
uma tirinha e responder algumas questões (quanto tempo você gasta
para chegar a escola? que programas de televisão você assiste? que
horas acorda?). Quando li as respostas entendi que a vida de alguns
já era bastante difícil e a escola era somente mais um lugar que
deviam estar.

A questão que eu quero levantar aqui é até que ponto a indisciplina


dos nossos estudantes pode ser assim considerada. Segundo o texto
de Julio R. Groppa Aquino,

Decorrer disto que, apesar de o manejo disciplinar ter


sempre estado em foco de um modo ou outro nas
preocupações dos educadores, o que teria acontecido
com as práticas escolares a ponto de a indisciplina ter se
tornado um obstáculo pedagógico propriamente?
352 Nossos antecessores talvez nunca tenham cogitado isto,
uma vez que as prescrições disciplinares eram
consideradas uma decorrência inequívoca do exercício
docente . Ora, o mundo mudou, nossos alunos
mudaram. Mudou a escola? Mudamos nós? Estas tantas
questões nos levam, enfim, a considerar a indisciplina
como sintoma de outra ordem que não a estritamente
escolar, mas que surte no interior da relação educativa.
Ou seja, ela não existiria como algo em si, um vento
pedagógico particular, e no caso, antinatural ou
desviante do trabalho escolar. (AQUINO, 1996. p. 41).

Essa falta de interesse por parte dos estudantes pode ocorrer por
diversos fatores, esse é um problema recorrente de nossas escolas
nos dias atuais, muitas vezes os (as) alunos (a) que precisam de
mais atenção e que tem algum tipo de dificuldades de aprendizado,
são tratados por diversas vezes como alunos (as) indisciplinados,
porém o que não se percebe é que é preciso uma nova forma de
avaliar essa indisciplina, para que ela não prejudique o (a) aluno (a)
na hora do aprendizado. Também é preciso perceber que nossos (as)
alunos (as) tem acesso a um mundo diferente dos murros da escola e
é preciso levar esse mundo em consideração na hora de ensinar.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Segundo Rüsen, (2007) o desenvolvimento da consciência histórica


se dá quando partimos do que sabemos para que então essas
experiências nos levem a aprimorar nossa consciência histórica e
crítica. Mesmo sabendo de tudo isso em diversos momentos deixei
que meu lado mais autoritário falasse mais alto. Tudo isso no fim
serviu para que eu reavaliasse minha prática como profissional da
educação, se defendo que não posso ser uma "tia" da educação,
também não posso exigir dos meus (minhas) alunos (as) que eles
(as) também fiquem inertes aos problemas que estão a sua volta,
sejam esses problemas de cunho familiar, social ou mesmo da escola
e do sistema que os (as) envolve. Diante de todos os percalços
apresentados no relato de experiência, temia muito pelos resultados
que iria obter do estágio. Reconheço falta de tato, mas entendo que
o estágio serve realmente para que se possa rever e compreender
nossa postura como professor (a) e dessa forma aprimorar minha
atuação. A maior dificuldade que senti como professora foi de me
aproximar dos estudantes, pois durante todo meu estágio a
antipatia da turma com relação ao tema e também a mim era visível,
talvez por isso as aulas não fluíram como eu esperava que fosse
acontecer nas três primeiras aulas não consegui atrair o interesse
deles para o tema. Nem mesmo os filmes que eu passei chamaram
atenção deles. Porém, algo ainda mais complicado é avaliar essa é 353
uma tarefa extremamente difícil, e que requer muito
profissionalismo, sensibilidade e cuidado do (da) professor (a) para
não cometer erros que podem mudar a trajetória dos estudantes.
Avaliar segundo as Diretrizes Curriculares do Paraná é compreender
que "avaliação não é o ato final de um aprendizado uma atividade
avaliativa representa, tão somente, um determinado momento e não
todo o processo de ensino - aprendizado." (PARANÁ, 2008, p 32).
E diante das atividades percebi o verdadeiro do desenvolvimento da
consciência histórica e do papel do (a) professor (a).

A resposta me fez perceber que o desenvolvimento da consciência


histórica que relatamos acontece a partir de elementos diferentes. A
sensibilidade de fazer com que os (as) nossos (as) coloquem no papel
suas próprias experiências e que não decorem termos e conceitos e
repitam tudo rigorosamente, é a maior dificuldade de educador,
tirar dos (as) alunos (as) o melhor deles sem deixar de lado suas
vivências e memórias fazê-los refletir, criticar e argumentar é algo
muito complicado e ao mesmo tempo prazeroso. Diante dessas
considerações pude perceber que o professor deve sempre reavaliar
sua prática. Essa avaliação deve ocorrer de turma para turma,
porque trabalhamos com pessoas que pensam e agem diferente das
nossas vontades. Avaliar minha prática dentro da sala de aula me fez
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

perceber e me questionar que tipo de consciência histórica estou


pretendendo desenvolver nos (as) meus (minhas) alunos (as). E
dessa forma não posso exigir que eles escrevam em uma avaliação
que contém perguntas voltadas mais para teorias sendo diferente do
que eles (elas) realmente pensam ser um processo de Revolução.

Referências

AQUINO, Julio Groppa (org). Indisciplina na Escola:


Alternativas teorias e práticas. São Paulo. Summus, 1996.
DROYSEN, Johann Gustav. Manual de Teoria da história.
Petrópolis: Vozes, 2003.
FREIRE, Paulo, Professora sim, tia não: cartas a quem ousa
ensinar. São Paulo: Olho d‟água, 1997.
LOPES, Osima Antônia. Aula expositiva: Superando o tradicional:
In: ALENCASTRO, Passos Veiga Ilma (org). Técnicas de ensino:
Por que não? Campinas - SP: Papirus, 1991.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A cultura como referência para
investigação sobre consciência Histórica. IN: BARCA, Isabel (org.)
Educação e consciência histórica na era da globalização.
Braga: Instituto da Educação, Universidade do Minho, 2011.
354 RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado. Teoria da História
II: os princípios da pesquisa histórica. Tradução de Asta-Rose
Alcaide; revisão técnica de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Ed.
UnB, 2007.
POR UM OUTRO AMANHÃ

EXERCÍCIO DOCENTE EM FOCO: REFLEXÕES SOBRE O


ENSINO DE HISTÓRIA

Giovana Maria Carvalho Martins

As discussões acerca do Ensino de História são muito variadas e


congregam muitos aspectos distintos tanto da prática docente
quanto da aprendizagem dos alunos. Além disto, é sabido que o
Ensino de História na atualidade requer a presença de diversos
aspectos que interferem e complementam o ensino em sala de aula.
Hoje, muitos pesquisadores trabalham com a perspectiva da
existência de uma cognição histórica, de maneira que não se pode
trabalhar História com os alunos da mesma maneira que se trabalha
outras disciplinas, e é necessário pensar as aulas para que se possa
desenvolver uma aprendizagem efetiva de História, e não apenas a
famosa “decoreba” que estava (e ainda está) presente na
metodologia de muitos professores. Assim, é importante pensar os
aspectos que interferem e complementam o ensino em sala de aula,
seja o próprio cotidiano da sala de aula, seja a psicologia da criança e
do adolescente (pois trabalhamos, em sala de aula, com alunos 355
nestas faixas etárias), seja aspectos relacionados ao próprio ensino e
à pesquisa em História.

Sobre a “decoreba” no ensino de História e o papel do aluno no


ensino, Dias (2007) afirma que, até os anos 1950, o que
predominava era um “modelo tradicional de Ensino”,

no qual predominam os conteúdos que, segundo uma


concepção positivista a ele subjacente, são um saber
feito, objectivo e ordenado cronologicamente deste a pré-
história até à actualidade, ou seja um saber com carácter
enciclopédico que pretende transmitir uma visão
“completa” mas superficial da História.[...]. O aluno só
tem que armazenar e reproduzir esse conteúdo numa
prova escrita ou oral. Todo o processo é orientado de fora
para dentro, tendo o aluno como um ente passivo e
reprodutor do saber histórico, transmitido
magistralmente pelo professor a partir do manual [...]
(DIAS, 2007, p. 88).

Porém, a autora afirma que tal modelo parece ser muito utilizado
ainda hoje nas escolas, o que contribui para uma visão por vezes
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

deturpada do valor da disciplina de História, seja pelos alunos ou


pela sociedade em geral (cf. DIAS, 2007, p. 88). Schmidt e Cainelli
(2004) também concordam com esta questão, comentando que,
ainda hoje, há a predominância “[...] de uma metodologia do ensino
da História baseada na repetição enfadonha dos conteúdos pelos
alunos” (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 30). Desta maneira, não
podemos pensar o aluno como mera tábula rasa que apenas recebe o
conteúdo ensinado pacificamente, já que todos trazem
conhecimentos e pré-conceitos aprendidos seja na própria escola,
seja em seu ambiente familiar, seja na cultura histórica que os cerca,
que não deve ser ignorado e que deve, portanto, ser levado em
consideração para que os saberes não sejam negligenciados e para
que os possíveis preconceitos possam ser desconstruídos.

O aluno é, então, visto como um agente ativo, “[...] capaz de criar o


seu próprio significado do que aprendeu e de impulsionar a evolução
das suas estruturas em resultado da experiência e das competências
que vai adquirindo [...]” (DIAS, 2007, p.89), atribuindo um
significado próprio aos estímulos vindos do exterior. O ensino de
História deve pressupor, fundamentalmente, tomar a experiência do
aluno como ponto de partida para o trabalho com os conteúdos, pois
356 o aluno deve se identificar como sujeito da história e da produção do
conhecimento histórico. Assim, a História ensinada deve levar em
conta a multiplicidade e a multilinearidade históricas, bem como a
concepção, que hoje é aceita pelas diferentes correntes
historiográficas, de que a História não é mais feita pelos heróis ou
personagens importantes, e sim que ela é construída no cotidiano de
todos os homens (cf. SCHIMIDT; CAINELLI, 2004, p. 50).

Sobre o público-alvo das aulas de História, tratam-se, sobretudo, de


pré-adolescentes e adolescentes, que terão aulas de História até o
final do Ensino Médio (que é o fim do ciclo escolar no Brasil). Desta
maneira, é importante considerar algumas questões ligadas à
psicologia da criança e do adolescente. O autor Matheus (2002)
aborda sobre a passagem do mundo infantil para o adulto e seus
desafios, questões que estão presentes em sala de aula visto que os
jovens em idade escolar estão vivenciando esta etapa da vida. O
autor cita Ruffino ao dizer que a juventude é um fenômeno
socialmente construído, e a passagem pela adolescência em
sociedades mais tradicionais e comunitárias seria menos conflituosa
por causa de três fatores: primeiro, “as exigências sociais para ir se
tornando adulto não eram tão distantes do cotidiano da criança”
(MATHEUS, 2002, p. 84); segundo, uma relativa proximidade entre
o indivíduo e seus familiares e a comunidade era mais constante por
POR UM OUTRO AMANHÃ

conta das experiências vividas no cotidiano, isso minimizava o


impacto da puberdade; “terceiro e mais importante, havia rituais de
passagem que, devido ao valor que lhes era atribuído, ofereciam
referenciais compartilhados pela coletividade, que operavam como
organizadores do processo” (MATHEUS, 2002, p.85). Assim, o autor
considera que a passagem da juventude na sociedade ocidental atual
é complexa e muitas vezes, conflituosa, e o professor do ensino
básico deve ter em conta que este é seu público-alvo, e que muitos
dos conflitos em sala de aula advêm do fato de os adolescentes
estarem em fase de transição, de conflitos internos e externos. Isto
não justifica, é claro, determinadas atitudes extremas, mas explica
muitas vezes a introversão ou “rebeldia” que alguns alunos podem
manifestar, de maneira que o professor deve levar em consideração
estes fatores (além de diversos outros) na hora de preparar e
ministrar suas aulas.

Hoje, há um movimento grande de professores e pesquisadores que


buscam modificar a concepção do ensino de História tradicional, e
“[...] o que se procura é uma prática docente distanciada o mais
possível da imagem do „professor-enciclopédia‟, detentor do saber,
buscando a construção de uma „professor-consultor‟, que contribui
para a construção do conhecimento [...]” (SCHMIDT; CAINELLI, 357
2004, p. 30). Desta maneira,

ensinar História passa a ser, então, dar condições ao


aluno para poder participar do processo de fazer o
conhecimento histórico, de construí-lo. O aluno deve
entender que o conhecimento histórico não é adquirido
como um dom [...]. O aluno que declara “eu não sirvo
para aprender História” evidencia a interiorização de
preconceitos e incapacidades não resolvidas (SCHMIDT;
CAINELLI, 2004, pp. 30-31).

Outro aspecto a ser considerado, e que se relaciona não só com o


ensino de História, mas também com o ensino de maneira geral, é o
cotidiano da sala de aula. O autor Rodrigues (2002) defende que “a
sala de aula, como espaço social, representa um campo plural e
permanente de construção de saberes a partir de interações e
representações que constituem as estruturas de produção de
saberes” (RODRIGUES, 2002, p. 1). Isto acontece pois, apesar de o
cotidiano escolar sofrer, de certa forma, limitações das normas
institucionais e sociais, alguns eventos que ali acorrem demonstram
a existência de uma independência relativa em relação a tais
conformações, de modo que tais eventos assumem um sentido
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

particular. Refletir sobre as práticas pedagógicas do cotidiano


escolar é procurar compreender dimensões e sentidos muito
particulares das ações que acontecem no contexto genérico tanto
social quanto educacional, e como tais práticas se articulam com a
realidade mais ampla (cf. RODRIGUES, 2002, p. 2). Deve-se levar
em conta que o cotidiano tem como principal característica a
espontaneidade – alguns aspectos podem sim ser planejados, mas
“[...] características geográficas, a história dos sujeitos e a posição
que ocupam na hierarquia social do lugar onde se situa a escola, têm
reflexos nas condições sócioeconômicas, modos de ser, nas
percepções sobre escola, trabalho e vida de professores leigos e
alunos [...]” (RODRIGUES, 2002, p. 2), e tem também reflexos na
maneira com que as atividades são desenvolvidas e com que os
sujeitos interagem em sala de aula.

As autoras Schmidt e Cainelli (2004) também trazem apontamentos


sobre a questão da sala de aula, colocando que ela não é apenas o
espaço onde se transmitem informações, sendo, sobretudo, “[...] o
espaço onde se estabelece uma relação em que interlocutores
constroem significações e sentidos” (SCHMIDT; CAINELLI, 2004,
p. 31), carregada de tensões, e onde se estabelece uma relação em
358 que os interlocutores constroem significações e sentidos – e a aula
de História em si

[...] é o espaço em que um embate é travado diante do


próprio saber: de um lado, a necessidade de o professor
ser o produtor do saber, de ser partícipe da produção do
conhecimento histórico [...]; de outro, a opção de se
tornar tão somente eco do que já foi dito pelos alunos
(SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 31).

O autor Paim (2006) reflete sobre a realidade encontrada por jovens


professores em sua transição de estudantes para jovens profissionais
do ensino. Ele considera que o período de transição é um “choque de
realidade”, tido como um tempo de tensões e de muita
aprendizagem em contextos geralmente desconhecidos, em que os
professores principiantes urgem adquirir conhecimentos
profissionais (além de necessitarem manter um equilíbrio pessoal).
É um período marcado pela conhecida fórmula da tentativa e erro,
pela “lógica da sobrevivência” (cf. PAIM, 2006, p. 129), visto que,
mesmo que os estudantes entrem em contato com a realidade
escolar durante os anos da faculdade, esta é diferente e mais intensa
quando os “professores em formação” se tornam, efetivamente,
professores, e passam a ter uma turma que é agora sua, e não mais
POR UM OUTRO AMANHÃ

estão sob a supervisão de outro professor, como acontece nos


estágios. Paim menciona Guarnieri e afirma ainda que a própria sala
de aula fornece pistas para que o professor articule os
conhecimentos provenientes de sua formação e aqueles advindos da
própria prática e do contexto escolar, de maneira que “[...] a relação
entre formação e prática dificulta a identificação de quais os
acontecimentos pertencem à formação e quais conhecimentos são
provenientes da prática” (GUARNIERI apud PAIM, 2006, p. 130).

Moreira e Candau (2003) também abordam sobre as dificuldades


encontradas por professores em sala de aula, especialmente em
relação a dois aspectos: “[...] tanto de tornar a cultura um eixo
central do processo curricular, como de conferir uma orientação
multicultural às suas práticas” (MOREIRA; CANDAU, 2003, p.156),
de maneira que é frequente deparar-se, no exercício docente, com
dúvidas ligadas à forma de ensinar o conteúdo do livro didático aos
alunos, ou como lidar com as grandes diferenças que encontramos
em sala de aula, ou mesmo como relacionar o que se aprende na
escola, de forma efetiva, com a experiência de vida dos estudantes.
Os autores defendem que as salas de aula, no mundo globalizado de
hoje, são “invadidas” por diferentes grupos sociais e culturais que
antes eram ausentes nestes espaços, de maneira que tais questões 359
não dão conta do inevitável caráter multicultural das sociedades
contemporâneas, e também não respondem às demandas e
contradições geradas a partir dos processos de globalização
econômica e mundialização da cultura (cf. MOREIRA; CANDAU,
2003, p. 156). É necessário levar em conta que

a problemática das relações entre escola e cultura é


inerente a todo processo educativo. Não há educação que
não esteja imersa na cultura da humanidade e,
particularmente, do momento histórico em que se situa.
A reflexão sobre esta temática é co-extensiva ao próprio
desenvolvimento do pensamento pedagógico. Não se
pode conceber uma experiência pedagógica
“desculturizada”, em que a referência cultural não esteja
presente. (MOREIRA; CANDAU, 2003, p. 159).

Acreditamos que esta é uma reflexão significativa para o trabalho


tanto do historiador quanto do professor-historiador para que o
ensino não seja colocado como “inferior” à pesquisa, para que não
seja negligenciado. O professor também é um pesquisador, e há a
necessidade inerente ao trabalho histórico de comunicar aquilo que
foi pesquisado, de maneira que mesmo os pesquisadores que estão
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

distantes das salas de aula necessitam da função didática da História


para divulgar suas pesquisas.

Em suma, há muitos aspectos que influem e confluem para o ensino


de História e o exercício docente. O objetivo deste trabalho foi
realizar uma reflexão sobre alguns dos aspectos que consideramos
mais relevantes, tendo em mente que o trabalho do professor é
essencialmente ligado às pessoas, de maneira que suas histórias
particulares e concepções são levadas à sala de aula, e devem ser
consideradas para que a aula de História (e de todas as outras
disciplinas) não sejam “chatas”, ou mesmo ligadas apenas à
memorização. Outro ponto a ser destacado é a necessidade de
valorizar o ensino-aprendizagem, e não somente a pesquisa, pois um
está ligado ao outro e se complementam.

Referências

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POR UM OUTRO AMANHÃ

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História. São Paulo: Scipione, 2004.

361
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

CIÊNCIAS HUMANAS E ENSINO DE HISTÓRIA: ENTRE


CONCEITOS, PRÁTICAS ESCOLARES E PARADIGMAS
SOCIAIS

Graziella Fernanda Santos Queiroz


Manoel Caetano do Nascimento Júnior

Introdução

O ensino de História vem sendo com frequência repensado. Ideais


consolidados por concepções iluministas bem como o
enquadramento da disciplina no campo da ciência, limitou seus
atores e acontecimentos. A História não pode ser baseada em
generalizações e classificações de resultados, consequentemente seu
ensino não deve se enquadrar em uma narrativa linear de fatos
seletos e episódios simbólicos. Pensar nisso é questionar a dinâmica
social da contemporaneidade.

Pensamentos ligados a uma maneira tecnicista e positivista de


362 encarar o mundo precisam ser revistos através de debates e análises
dos meios. Problematizar o papel da escola, a atividade docente, e
suspender visões que restringem a participação do aluno o tornando,
agora, ativo e central no processo pedagógico é um trabalho que
exige sensibilidade e intelectualidade. O presente trabalho discute as
indagações supracitadas apoiando-se principalmente nas análises da
Teoria Crítica e História Cultural.

Onde tudo é ciência: uma breve análise do iluminismo e


das ciências humanas

O surgimento do iluminismo ou ilustração, no fim do século XVII e


início do século XVIII traz à modernidade a exaltação da razão como
único caminho para alcançar o conhecimento bem como a liberdade
e autonomia. O estímulo ao questionamento, à investigação e à
experimentação servia como forma para compreender a sociedade,
política, natureza e o Homem. Dessa maneira, a individualidade, a
autonomia e a universalidade se tornam frutos diretos da razão.

Não se pode negar os avanços intelectuais consagrados por essa


linha de pensamento, como por exemplo, a separação com o
conservadorismo dogmático compenetrado anteriormente em todos
os aspectos da sociedade estabelecido pela igreja católica.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Entretanto, a mesma ideia racional consagrada pelo iluminismo foi


usada como instrumento de dominação em direção às classes
inferiores. A exploração das Américas, a sobreposição de “raças” e
povos em detrimento de outros, as duas Grandes Guerras Mundiais,
tendo como exemplo, transformaram vivências sociais em verdades
absolutas comprovadas pela ciência justificando as barbáries
cometidas pelos europeus.

É fundamental então estar atento sobre esse discurso da razão


ocidental e perceber que ele atingiu diferentes campos sociais e do
saber.

Nesse sentido, tratar de ciências humanas é reconhecer o privilégio


dado às disciplinas exatas, como matemática, física e química e
verificar a transformação das disciplinas humanistas em tendências
cientificistas.

Percebe-se, pois, que apesar de o campo científico da natureza ter


conquistado glórias na vida humana devido a descobertas como a
penicilina e a fermentação esse progresso pormenoriza as relações
humanas no que tange aos seus variados sentidos e representações 363
quando as força tendenciosamente para o campo das leis universais.

Logo, se tem o propósito de aqui esgrimir o momento no qual essa


razão posta em prática nas escolas no ensino de História ao invés de
ajudar humanos a se tornarem críticos, se tornam subservientes
e/ou apáticos.

O ensino de História no campo das Ciências Humanas

Eis então uma consideração importante: o ensino de História está


intrinsecamente tomado de relações de poder e se molda de acordo
com os pensamentos da sociedade da época. A História do ensino de
História no Brasil se cruza com a própria cultura escolarizada no
país. O autodidatismo foi presente ao longo de nossa vivência como
país dito colonizado. A questão do letramento, dos conhecimentos
matemáticos e de instruções voltadas para moral dogmática herdada
dos jesuítas foram presentes ao longo da nossa trajetória nas classes
mais favorecidas (FARIA FILHO,2015).

Desde sua entrada nos currículos oficiais brasileiros que vai de 1838
até 1950, segundo Laville(1999), estudar História nas escolas não era
nada mais do que uma forma de educação cívica.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Seu principal objetivo era confirmar a nação no estado


em que se encontrava no momento, legitimar sua ordem
social e política e ao mesmo tempo seus dirigentes e
inculcar nos membros da nação vistos, então, mais como
súditos do que como cidadãos participantes o orgulho de
a ela pertencerem, respeito por ela e dedicação para
servi-la (LAVILLE,1999, p.126).

Só então entre meados de 1970 e 80 através das influências de


acontecimentos mundiais, dos estudos marxistas e também do
campo das ciências humanas, diferentes intelectuais repensam a
ordem mundial e as consequentes problemáticas nos currículos
escolares das áreas humanísticas.

Segundo pensadores da Teoria Crítica, a História, nesse sentido,


vista como construção de relações que envolvem múltiplas
dimensões humanas e expressa caráter descontínuo entre indivíduos
e classes é capaz de dá luz à compreensão de fenômenos sociais, logo
não pode ela ser relacionada à exatidão e àquela racionalidade que
ao invés de emancipatória se torna instrumentalizada e de certa
364 forma alienada (HORKHEIMER,1991).

No espaço histórico, diferentes tendências historiográficas auxiliam


no processo de debate em torno de novas maneiras de ensinar
História. A escola dos Annales que tem como grande destaque a
interdisciplinaridade e apoio nas diferentes ciências da humanidade
para ampliar as discussões e possibilidades do estudo histórico,
merece grande destaque, entretanto, parece ter sido superada pela
Nova História e mais recentemente pela História Cultural. A nova
história diferentemente dos que propuseram a História total dos
acontecimentos, propõe a quebra da história estrutural e junto a ela
os paradigmas reforçados na História Tradicional.

Novos objetos, novos problemas e novas abordagens, como ressalta


(BURKE, 1992, p.9). A história nova pode ser definida por tudo que
ela não é se relacionada à tradicional. Uma história que fale de
diferentes atores mostrando as diferentes perspectivas de um
mesmo acontecimento, que use diferentes tipos de documentos,
como imagens e fontes orais e considere a cultura como elemento
fundamental das sociedades humanas são uma das características
relevantes desse domínio.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Mas a grande questão é: por que será que apesar de tantas propostas
sobre o que é importante ensinar e aprender em História, se
permanece nesta o caráter enciclopédico e/ou cívico herdado do
positivismo?

Uma proposta relevante: trabalhar com contextos,


identidades e memórias

Um dos grandes problemas ressaltados por diferentes alunos


durante nossa vivência tanto como discentes como educadores é a
alegação de que a História trabalha com “coisas” distantes demais da
realidade deles ou “velhas”. Fica perceptível ai que há ausência de
ação didática necessária que explicite as ligações entre coisas que
parecem desconectas e sem contexto para os estudantes.

Mas então em que se basearia uma ação didática eficaz? Pensamos


que a abordagem histórica precisa se voltar tendenciosamente para
os pressupostos da História Cultural, onde se considera que as
sociedades constroem sujeitos conscientes de seu tempo e
representam a realidade de acordo com os signos culturais por eles
herdados através de suas experiências e memórias. O mesmo
acontecimento histórico pode ser revisitado várias vezes e ainda 365
assim ele não estará acabado. Multiplicam-se ainda mais os objetos,
as fontes e o campo temático, como salienta (ROIZ,2008, p.184).

Trazer para sala de aula entrevistas orais com os familiares mais


velhos e tentar fazer uma relação entre a vivência de seus parentes e
o conteúdo presente nos livros didáticos para que os alunos possam
se identificar como parte de um todo; propor uma visita ao centro da
cidade onde a escola está localizada e tentar fazer com que os
próprios alunos contem a história dela; mostrar para os alunos que
as músicas de rap ouvidas por eles podem ser comparadas com
canções consagradas de artistas da MPB, no ponto em que se
comunicam com a sociedade sobre os problemas que a circundam
num determinado momento, são propostas atuais e contribuem para
identidade, aproximação e criticidade do alunado.

Não são necessários grandes shows pedagógicos para que se aguce a


curiosidade ou questionamento do discente. Fundamental é que as
provocações sejam intencionais, afetivas e contextualizadas com
objetivos capazes de fazer o aluno olhar o mundo e perceber que a
história é ele, o que passou, e o que está ao seu entorno agora.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Se como educador queremos compreender a História dos alunos que


vivem nos morros e favelas, nos subúrbios ou no sertão temos que
considerar a dinâmica social, política e cultural do lugar e das
pessoas.

É evidente que percebemos que os debates em torno das ciências


humanas transpondo aqui no ensino de História terminam
permanentemente ressaltando problemas dos quais já conhecemos.
O conteudismo da memorização e dos ídolos, os parâmetros
curriculares que apontam o que deve ou não ser ensinado; projetos
de lei, como o nº 1/2015, de autoria da deputada distrital Sandra
Faraj denominado “Escola sem Partido”, no Distrito Federal, que
proíbe a doutrinação política nas salas de aula; a diretoria da escola
que exige que o professor não se posicione; o professor que em meio
a tantas metodologias atuais permanece na aula expositiva não
dialogada ou usa o livro didático como bíblia; os alunos que não
querem prestar atenção; a pouca carga horária de História, o ENEM,
o número esmagador dos discentes que querem ser engenheiros em
relação aos que querem ser filósofos, historiadores ou sociólogos.

O problema do ensino é proveniente do modelo contemporâneo


366 social que traz consigo uma carga do que se tornou primordial e do
que é válido ser colocado em segundo plano. Ser professor de
História ou educador que pense em emancipar mentes é se
questionar sobre o que é importante na vida e o que faz dele ter
escolhido a profissão, como também reconhecer que apesar das
adversidades citadas muito já se modificou.

Se o ensino de História incomoda tanto, é por que ele fala e faz com
que pessoas possam enxergar ao redor com seus próprios olhos.
Mentes autônomas mudam o mundo.

Conclusão

Somos ensinados que milhares de pessoas morreram em grandes


guerras, sabemos a data, o lugar do acontecido. Mas será que nos
questionamos quem eram essas pessoas, qual o sentimento delas ao
deixar seus familiares, se realmente elas queriam estar ali. Não mais
nos chocam o ódio e a violência contanto que eles não nos atinjam. A
razão que ensina a organizar esse texto é a mesma que dita conceitos
e verdades a serem seguidas na proclamação de que “somos todos
potencialmente iguais” para que assim ela, a soberana, atinja seus
fins.
POR UM OUTRO AMANHÃ

A perda da sensibilidade nos torna seres humanos angustiados, e


pior. Por vezes essa angústia é tão naturalizada a ponto de não
levantarmos questionamentos do tipo o que nos move, se o consumo
é mesmo a melhor maneira de satisfação, se o que a televisão diz é a
versão mais próxima do acontecido, se estamos felizes por passar
horas no trânsito em direção a um emprego que não gostamos.
Questionamentos como estes nos levam a pensar na dinâmica que a
sociedade se deixou impregnar. O progresso que nos distancia de
nós mesmos, que nos torna rivais do outro, e que nos cega.

Por fim, alegamos que paradigmas se quebram quando um grande


número de pessoas nota e se conflita. Levar assuntos como este para
sala de aula, para roda de amigos, para debates universitários,
aliados ao que o saber histórico pode proporcionar é uma forma de
tentarmos quebrar paradigmas e tratar humanos como humanos.

Referências

BURKE,P. Abertura: “a Nova História, seu passado e seu futuro”. In:


A Escrita da História – Novas Perspectivas. São Paulo:
Editora UNESP, 1992. pp. 7-37.
FARIA FILHO, L. M. Escolarização, culturas e práticas 367
escolares no Brasil: reflexões de alguns pressupostos e
desafios. Belo Horizonte: Fae/UFMG,2005.
HORKHEIMER, M. Teoria tradicional e teoria crítica. In: Textos
escolhidos: Max Horkheimer, Theodor W Adorno. Tradução
Zelijko Loparié (et. al.). 5. ed. Coleção Os Pensadores. São Paulo:
Nova Cultural, 1991.
LAVILLE, Christian. Guerra de narrativas: debates e ilusões em
torno do ensino da História. São Paulo: Revista Brasileira de
História, v. 19, n. 38, 1999, pp. 125-138
NADAI, Elza. O ensino de História: trajetória e perspectiva. Revista
Brasileira de História, v. 13, n. 25/26, São Paulo, 1993.
ROIZ, Diogo da Silva. A Nova História Cultural. Questões e debates.
In: Pensamento Plural. Pelotas: Jan/Jun. 2008, p. 181-186
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ESCOLA DO ROCK OU ROCK NA ESCOLA: QUATRO


ACORDES SOBRE ROCK E ENSINO DE HISTÓRIA

Gustavo Silva de Moura

Primeiro acorde: introdução

A história vem se moldando durante as últimas décadas no Brasil, na


área da pesquisa, assim como, na área do ensino em todos os níveis,
estreitando as relações e mostrando a inevitável junção entre essas
duas categorias, tendo a figura do professor-pesquisador em
ascensão nas discussões atuais. Portanto temos como exemplo dessa
junção programas de pós-graduação que tem como publico
professores das redes publicas de ensino, no caso da História temos
o ProfHistória.

Esses programas de incentivo a formação continuado faz com que os


professores troquem experiências e reflitam sobre suas
metodologias, construindo e trocando conhecimento sobre à área
368 Ensino de História, sendo uma forma de levar novamente os
professores há uma discussão de suas práticas e metodologias na
sala de aula e no âmbito escolar. Paulo Freire nos chama atenção
para o seguinte ponto: "a reflexão critica sobre a prática se torna
uma exigência da relação Teoria/Prática" (FREIRE, 2006. p. 22),
nisso vemos a importância da reflexão sobre as práticas de ensino na
disciplina História.

Essas transformações fizeram com que fossem colocadas nas mãos


dos historiadores novas ferramentas, para o manejo de novas fontes,
onde a escola é um espaço de disputas, seja ela política, intelectual
ou das fontes históricas. (SILVA; FONSECA, 2010, p. 31). Nisso
temos uma aproximação maior com a realidade dos indivíduos que
agora conseguem enxergar a história com nitidez no seu cotidiano.
Temas como música, literatura, artes plásticas, dentre outros, se
ampliaram em suas analises nas ciências humanas.

Pegamos como exemplo para fundamentar nossa reflexão neste


trabalho as comunicações e conferencias apresentadas no I Simpósio
Eletrônico de Ensino de História, estando elas publicas em forma de
livros eletrônicos de livre acesso no site do evento, intitulados:
Tecendo Amanhãs e Sobre Amanhãs , outro local que será
empregado nossas analises é sobre os anais do I e II Congresso
POR UM OUTRO AMANHÃ

internacional de Estudos Sobre Rock, mais especificamente no GT


Rock e Educação, focando nos trabalhos que tem como foco a
contribuição ao ensino de História.

Segundo acorde: limites e possibilidades

A música teve analises de vários estudiosos das ciências humanas


conhecidos que se debruçaram mostrando a sua importância para
compreensão da sociedade em seu entorno, sendo alguns dos nomes
Nietzsche, Adorno, Bourdieu dentre outros, mas sempre se voltando
para a música clássica uma temática que recebia uma atenção que
podemos chamar de prioritária dos pesquisadores do campo,
levando em consideração a época em que viviam queremos deixar
claro que entendemos essas percepções sobre música clássica como
importantes quando analisamos Música, sociedade e cultura.

Segundo Marcos Napolitano, temos a grosso modo três campos de


analise da música Grosso modo, a abordagem acadêmica da música
divide-se em três grandes áreas: a Musicologia histórica, a
Etnomusicologia e um terceiro campo, que ele considera ainda
confuso, intitulado de "Estudos em música popular", congregando
Sociologia, Antropologia e História, onde o mesmo considera que 369
nós historiadores chegamos atrasados em relação as outras áreas
(NAPOLITANO, 2008. p. 254).

Isso tudo reflete diretamente no ensino, pois, essas novas pesquisas


começam a ser trabalhadas em âmbitos acadêmicos, formando
profissionais que estão envoltos nessas novas questões e que
futuramente estarão trilhando o caminho do ensino na maioria dos
casos. Portanto essas temáticas que foram trabalhadas
anteriormente nas graduações em história e instigaram o aluno, será
levada aos níveis de ensino, sendo eles fundamental e médio,
mostrando a importância da inter-relação que todos os níveis de
ensino devem ter.

Atualmente estamos vivendo um período no Brasil onde o ensino


vive vários questionamentos em todas as suas estruturas, um desses
exemplos são as discussões sobre as bases curriculares nacionais,
não iremos nos aprofundar nesse assunto, mas isso nos traz a
reflexão sobre a importância do ensino de História, importante essa
que queremos enfatizar como primordial na formação de um
cidadão reflexivo e critico diante da sociedade capitalista em que
vivemos, essa importância é evidenciada quando nos períodos em
que o Brasil viveu infelizmente governos ditatoriais, a História
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

figurou como um dos primeiros alvos das adequações de ensino,


sendo suprimida e eliminada.

Diante das conquistas populares a disciplina história conseguiu se de


certo modo se (re)estabelecer como uma das bases do ensino
brasileiro, assim como vários outros direitos, que continuam a serem
(re)conquistados diariamente. Isso nos traz ao objetivo desse texto,
onde queremos mostrar como as transformações da sociedade
brasileira se refletem no ensino de História no ensino fundamental e
médio, estando como protagonista o Rock, mostrando como o seu
uso nas aulas pode ser de grande importância quando abordado
temáticas sejam elas nos âmbitos globais, nacionais e locais,
trazendo uma pluralidade.

Desde seu aparecimento o Rock vem participando de forma


relevante de vários fatos históricos, sendo colocado algumas vezes
como trilha sonora de uma geração, isso se dá pelas suas raízes, onde
sua preocupação central é dar voz a uma percepção social,
geralmente de alguém reprimido e perseguido socialmente, sendo a
arma de resistência de um grupo, isso fica evidente quando
empregamos analises como a do historiador estadunidense Paul
370 Friedlander, chamada "Janela do Rock", onde a sociedade e sua
recepção de publico são uma das bases desta metodologia (2012, p.
425).

O uso do Rock pode ser uma grande arma para o educador, por ser
uma temática atual e que desperta uma grande atenção dos jovens,
pode ser usado para o principal objetivo do ensino de história que é
mostrar as relações da sociedade no tempo, nisso é indispensável as
artes, sendo elas presentes e atuantes. Essa temática: Rock e Ensino,
vem sendo trabalhada nos últimos anos, mostrando como
metodologicamente podemos fazer seus uso, temos exemplos na
grande rede de professores que usaram do Rock e foram bem
sucedidos.

Temos como exemplo a reportagem publicada na revista de História


da Biblioteca Nacional, onde um professor de História de Santa
Catarina, fez shows em escolas e gravou um CD, usando o Rock para
ensinar vários temas de História. Temos também o icônico exemplo
do Professor Dewey Finn interpretado pelo Músico e Ator Jack Black
no filme Escola do Rock, onde se passando por Ned um professor
passa a dar aulas numa escola tradicional, mostrando a partir do
filme uma música considerada transgressora pela direção da escola,
sendo que as aulas realizadas fora dos olhos da direção da escola,
POR UM OUTRO AMANHÃ

sempre quando o diretor se apresentava o professor maquiava sua


abordagem, mas mesmo sem formação especifica e somente com a
paixão pelo rock os alunos conseguiam assimilar os conteúdos
programáticos.

Terceiro acorde: rock e ensino de história

Uma das formas de divulgação dos conhecimentos produzidos são os


eventos, sem eles simpósios, congressos, dentre outros, sendo uma
forma de juntar pesquisadores de varias localidades em prol de uma
temática comum, propondo assim novas concepções e visões sobre o
campo de pesquisa.

Por essa razão iremos usar como exemplo nesse trabalho dois
eventos científicos, os dois coincidem sua realização no estado do
Paraná. São eles: I Congresso Internacional de Estudos do Rock e II
Congresso Internacional de Estudos do Rock, as duas edições
ocorrem na cidade de Cascavel, a primeira entre os dias 25 e 27 de
setembro de 2013 e a segunda entre os dias 04 a 06 de Junho de
2015, realizado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná -
UNIOESTE, Colegiado de Pedagogia, Programa de Pós-graduação
em Educação/Campus de Cascavel e co-promoção da Facultad de 371
Periodismo y Comunicación Social de La Univesidad Nacional de La
Plata - Argentina, usaremos os cadernos de resumos publicados ao
fim de cada evento.

Nesse tópico também usaremos os dois livros lançados no 1º


Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História, esse
evento teve como uma das suas particularidades a interação com os
participantes por vias online, isso fez com que houvesse no site do
evento mais de 20.000 visitas, quase 1000 perguntas e mais de 500
participantes, segundo estatísticas da própria organização, o evento
ocorreu entre os dias 11 a 15 de Maio de 2015, realizado pelo LAPHIS
- Laboratório de Aprendizagem Histórica da Universidade Estadual
do Paraná - UNESPAR, Campus União da Vitória.

Nas duas edições do Congresso Internacional de Estudos do Rock


houve o simpósio temático intitulado "Rock e Educação", sua
proposta era de que houvessem pesquisas e experiências
pedagógicas que discutam os fenômenos educativos relacionados,
direta e indiretamente, ao rock e ao consumo e fruição deste; à
utilização do rock como fonte e opção metodológica no processo de
ensino-aprendizagem; à análise de letras que se detenham sobre a
Educação; entre outros temas similares (2013; 2015).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Na primeira edição o Simpósio teve 21 trabalhos apresentados,


sendo que dentre as varias áreas que envolvem o processo educativo
e que tiveram destaque, o Ensino de História figurou diretamente
em 5 trabalhos. Na Segunda edição foram 15 trabalhos, dentre eles 4
tiveram a História no seu foco. Isso mostra que a preocupação com a
interligação de varias práticas culturais para o ensino da disciplina
faz com que o Rock seja importante ferramenta metodológica na
educação na atualidade.

No 1º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História não


houve grupos temáticos específicos, mas uma temática central,
condizente com a temática do evento. Dentre as conferencias as
artes foram amplamente discutidas no processo de
ensino/aprendizagem do professor de História, tendo no cinema
uma atenção maior. Entre as comunicações temos um trabalho em
que o Rock é usado para debater questões sobre gênero, onde há
escolha pela produção da roqueira brasileira Pitty para empregar
suas analises (ZALUSKI, 2015, P. 131-137). Mesmo que timidamente
o Rock figurou entre a produção relacionada ao Ensino de História
nesse evento, esse número pode ser atribuído a formato online,
372 sendo um formato que só vem a contribuir para interligar
pesquisadores de todo o mundo.

Quarto acorde: breve (in)conclusão

Vemos que há uma ampliação dos limites e possibilidade quando


levamos em consideração o uso do Rock no ensino de História,
assim como em qualquer disciplina, seja ela na área de humanas,
exatas ou ciências naturais, nesses dois eventos percebemos essa
multiplicidade. Nosso objetivo foi mostrar a partir deste trabalho
como as relações do Rock e Educação vem sendo abordada e suas
vantagens diante da escola atual, trazendo ao professor armas
metodológicas, com uso de um tipo de mídia de grande difusão,
sendo ela uma mídia de massa.

Esperamos com isso mostrar para o professor que a empatia e busca


da aproximação de conteúdos que figura na realidade do aluno são
as melhores vias numa reformulação da educação no país, dando
armas para compreensão da realidade por parte desses alunos,
diante da sociedade capitalista atual. O Rock é uma arma social
ainda hoje usada diante de todas essas mazelas, trazendo em suas
letras e melodias à contextualização social em que está inserida,
POR UM OUTRO AMANHÃ

tentando assim trazer reflexões para seus públicos, isso faz com que
seu uso na aula seja totalmente viável e recomendável.

Referências

BUENO, André; ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton.


[organizadores] Tecendo Amanhãs: o Ensino de História na
Atualidade. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial
Sobre Ontens, 2015.
_____. Pensando Amanhãs: Falando sobre o Ensino de
História. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial Sobre
Ontens, 2015.
CUNHA, Gabriela Nogueira. Rock 'n' Aula. In: Revista de
História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Ano 8, n. 96.
Setembro de 2013. p. 10.
FIUZA, Alexandre; ATAIDE; Antonio Marcio; LACOWICZ, Stanis
David (COORDENAÇÃO). Caderno de resumos do II
Congresso Internacional de Estudos do Rock. UNIOESTE:
Cascavel- PR: 2015.
FIUZA, Alexandre; ATAIDE; Antonio Marcio; LACOWICZ;
VAILLÕES, Silvana (COORDENAÇÃO). I Congresso
Internacional de Estudos do Rock: caderno de resumos, 373
Cascavel, 25 a 27 de setembro de 2013. UNIOESTE: Cascavel- PR:
2013.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 33. Ed. São Paulo: Paz
e Terra, 2006.
FRIEDLANDER, Paul. Rock and Roll: Uma história social. 7.
Ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.
NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais: A História depois do
papel. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org). Fontes Históricas. São
Paulo: Contexto, 2005.
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de
História hoje: errâncias, conquistas e perdas. In: Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 31, n. 60, p. 13-33 - 2010.

FILME:
Escola do Rock. Direção: Richard Linklater. Paramount Pictures,
2003. 1 DVD (109 min). Título original: School of Rock.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

PÉS AMARRADOS - VIDAS EM LAÇOS


UMA REFLEXÃO SOBRE O RITUAL DOS PÉS DE LÓTUS E
A FORÇA DA AMIZADE ENTRE AS MULHERES DO
SÉCULO XIX, NA CHINA E A EDUCAÇÃO DAS MENINAS
NO BRASIL

Helayne Cândido

O propósito deste texto é elaborar uma comparação e a reflexão


sobre os padrões de beleza impostos para as mulheres, a partir do
caso chinês, e relacionando-o com fins educativos ao caso brasileiro,
tendo como base o livro “Flor de Neve e o Leque Secreto” [2005],
escrito pela autora americana Lisa See.

O livro aborda as difíceis condições femininas da China do século


XIX, nos quais as mulheres eram submetidas a terríveis práticas
sociais e estéticas. A estrutura do texto funciona como um diário, em
que Lisa See usa a personagem Lily como narradora, e descreve a
maneira como ela é colocada no mundo das mulheres adultas, com o
374 objetivo de obter um bom casamento. De maneira mais objetiva,
trata-se do ritual dos “Pés de Lótus”

[...] Setenta e cinco anos se passaram, e eu ainda me


lembro da sensação da lama entre meus dedos, da água
correndo sobre os meus pés, do frio contra a minha pele.
Lua Linda e eu éramos livres de uma forma que jamais
seríamos de novo. (p. 27)

E qual relação este acontecimento de uma cultura tão distante


possui com nosso país? Vejamos: vivemos em um país de mulheres
exuberantes, com corpos milimetricamente desenhados por
cirurgiões plásticos, verdadeiras esculturas, o que não me parece
uma ideia diferente do processo dos Pés de Lótus, dependendo do
seu objetivo. Aqui saliento que a mulher é livre para fazer o que bem
entende com o seu corpo, desde que ela tenha consciência disto, do
seu lugar na história e porque de seu desejo. O que se pretende
observar são as cobranças pelas quais as mulheres passam para se
sentirem aceitas ou incluídas na sociedade.

Tudo o que eu sabia era que a bandagem dos pés me


tornaria um partido melhor e, portanto, me aproximaria
daquilo que é a maior alegria e a maior paixão da vida de
POR UM OUTRO AMANHÃ

uma mulher – um filho homem. Para tanto, o meu


objetivo era conseguir um par de pés perfeitamente
contidos com sete atributos distintos: eles deveriam ser
pequenos, estreitos, retos, pontudos e arqueados, além
de cheirosos e macios. De todos esses atributos, o
tamanho é o mais importante. Sete centímetros – mais
ou menos o tamanho de um polegar – é o ideal. [...] Se eu
conseguir isso, minha recompensa será a felicidade. (p.
41)

Descrição, no mínimo chocante, aos nossos olhos ocidentais. Mas o


que podemos julgar como sendo aterrorizante, quando em nosso
próprio país também há meninas com esse objetivo, tendo como
plano de vida, a busca pelo corpo perfeito para um bom casamento,
em pleno século XXI. A intelectual Naomi Wolf denunciou esse
fenômeno em seu livro O Mito da Beleza (1992), explicitando que
um dos desafios da história da mulher seria superar a ideia de que a
beleza é uma ponte para o sucesso social.

A história se passa na China, durante o século XIX. Meninas de


algumas aldeias são submetidas ao ritual dos Pés de Lótus, para
conseguirem um bom futuro. Não que isto seja garantido, visto que o 375
não nascimento de um filho homem poderia lhe acarretar vergonha,
e sabendo que trabalhariam exaustivamente para sua sogra, com a
qual, provavelmente, não teria uma boa relação. Seria isso, ou viver
a margem da sociedade chinesa. Difícil comparar o que seria menos
pior naquela época.

Descrevendo toda uma cultura daquele período, Lisa See conta sobre
os sentimentos de amor e amizade desenvolvidos no emaranhado da
vida dessas meninas, que se unem para suportar a dor física, por um
futuro melhor. Essa dor, sentida por essas meninas de cinco ou seis
anos, até mesmo três, não era importante. Suas vontades, seus
pensamentos, seus sentimentos, não eram levados em consideração.
Expressar tudo isso era proibido.

A ideia estava além da minha compreensão. Meus pés


latejavam. Poucos minutos antes eu estava tão segura da
minha coragem. Agora fiz o possível para conter as
lágrimas, mas não consegui.
Titia bateu no ombro de Lua Linda.
- Levante-se e ande.
Terceira irmã ainda estava no chão, soluçando.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Mamãe arrancou-me da cadeira. A palavra dor não


descreve o que eu estava sentindo. Meus dedos estavam
presos sob meus pés, de modo que todo o peso do meu
corpo caía sobre eles. Tentei me equilibrar sobre os
calcanhares. Quando mamãe viu, me bateu. (p. 44)

Porém, houve uma forma de tornarem todo esse sofrimento, um


tanto quanto, acalentado. Algumas mulheres desenvolveram uma
linguagem própria, chamada nushu. A escrita nushu realmente
existiu, como podemos atestar nessa introdução histórica do livro
feita pela própria autora: http://www.lisasee.com/onwriting.htm
Uma linguagem reconhecidamente feminina. Elas usavam tais
caracteres em lenços e leques, escrevendo seus desabafos em forma
de pequenas frases ou canções e poemas. Muitas dessas meninas
tinham suas histórias unidas para formarem uma aliança de
afinidades e companheirismo para o resto da vida, como uma
melhor amiga, chamada laotong. Flor de Neve era a laotong de
nossa Lisa See, a pequeno Lírio.

[...] Minha tia começou a me ensinar o nu shu. Na época,


não entendi bem por que ela se interessou
376 particularmente por mim. [...] Mas minha tia estava na
verdade torcendo para trazer a escrita para as nossas
vidas, para que Lua Linda e eu pudéssemos compartilhá-
la para sempre. (p.39)

Mas qual a relação disso tudo com o Brasil e/ou com a educação?
Ora, vivemos em tempos em que as mulheres lutam por seus direitos
e muito foi avançado nesse sentido, graças à luta de nossas
antepassadas. Em contrapartida, muitas mulheres também não
entenderam o que é de fato o feminismo, e vivem como que presas a
uma ideia de submissão aos maridos, de falta de amor próprio, de
não aceitação de seu corpo. Esses fatores se apresentam nas escolas,
e como muitas vezes a maneira de pensar ou o despertar para uma
outra visão acontece nela, nós como professores e professoras temos
que debater tais assuntos com nossos alunos e alunas. Instigar a
dúvida, essa é nossa missão. Como criticar meninas que se
submetiam a tal tortura, no século XIX, se em pleno século XXI, no
ocidente, deste lado do mundo, mulheres repetem ou são cobradas
no mesmo sentido? E por quê?

Cabe a educação de nossas meninas, questionar um futuro pré-


estabelecido a elas e torná-las conscientes de suas possibilidades.
Mas, de maneira alguma, deve-se julgar as meninas que se
POR UM OUTRO AMANHÃ

submetiam ao ritual dos “Pés de Lótus”. Devemos sim, admirá-las


em sua força, coragem e ousadia em criarem o nu shu. E esses três
elementos devem ser plantados em nossas meninas.

Durante a leitura do livro, percebe-se que estas meninas não sofrem


apenas a dor física da bandagem em seus pés. Elas também sofrem,
indiretamente, uma pressão psicológica. Como ainda muitas
meninas, e tendo na figura da mãe como um ser que as ama, o que as
mães lhe faz passar é cruel, mas também é um ato de amor. E se elas
se recusam ao ritual, não estariam agradando sua mãe. É uma
relação um tanto complexa, para meninas tão pequeninas
conseguirem compreender, com clareza, o que está acontecendo com
elas. E tudo isso dentro de suas casas! O que ao fazermos uma
relação com a sociedade brasileira, sabemos que muitas mulheres
também sofrem os mais variados tipos de violência, dentro de seus
próprios lares.

[...] dentre todos os tipos de violência contra as mulheres


existentes no mundo, aquela praticada no ambiente
familiar é uma das mais cruéis e perversas. O lar,
identificado como local acolhedor e de conforto passa a
ser, nestes casos, um ambiente de perigo contínuo que 377
resulta num estado de medo e ansiedade permanentes.
Envolta no emaranhado de emoções e relações afetivas, a
violência doméstica contra a mulher se mantém, até
hoje, como uma sombra em nossa Sociedade (Revista
Unifebe, p.3, 2004).

Uma atividade para a aula

Como proposta de atividade, sugiro que ao abordamos os aspectos


da cultura chinesa, para além do livro didático, seria interessante
realizar a leitura de um trecho do livro de Lisa See, sobre a
bandagem dos pés das meninas. Em seguida, realizar uma troca de
ideias sobre tal acontecimento e instaurar a dúvida se este processo
ainda ocorre na China. Logo, a pesquisa seria solicitada e talvez até
uma exposição com cartazes seria interessante. Junto a isso, seria
preciso salientar que antes de qualquer comentário sobre tal prática,
precisamos observar o que em nosso próprio país acontece com
meninas, precocemente também. Até que ponto essas meninas
possuem poder de escolha, consciência sobre tais atos, e de que
forma podemos modificar tais situações?
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Por ser mais velha, fui a primeira, e estava determinada a


mostrar o quanto era corajosa. Mamãe lavou os meus pés
e esfregou-os com alume, para contrair o tecido e limitar
as inevitáveis secreções de sangue e pus. Cortou minhas
unhas o mais rentável possível. Durante esse tempo,
minhas ataduras ficaram de molho, para que quando
secassem na minha pele ficassem ainda mais apertadas.
Em seguida, mamãe pegou uma das pontas de uma
atadura, colocou-a na parte de dentro do meu pé, depois
puxou-a por cima dos meus quatro dedos menores para
iniciar o processo de empurrá-los para baixo. Dali,
passou a atadura pelo meu calcanhar. Mais uma volta ao
redor do tornozelo para prender e estabilizar as duas
primeiras voltas. A ideia era fazer com que meus dedos
se encontrassem com o meu calcanhar, criando uma
fenda, mas deixando de fora o dedão para eu caminhar
sobre ele. Mamãe repetiu esses passos até ter usado a
atadura inteira; titia e vovó ficaram olhando por cima do
ombro dela o tempo todo, certificando-se que não havia
nenhum vinco no pano. Finalmente, mamãe costurou a
ponta bem apertada para que as costuras não
378 afrouxassem e eu não pudesse soltar o pé. ( p.42)

Num país onde a taxa de meninas grávidas é precoce, onde


ainda separam brinquedos para serem de meninos ou meninas ou a
cor da roupa é escolhida de acordo com o sexo, ou onde se escuta
meninas de quatro anos dizerem que querem colocar silicone
quando crescerem, ler este livro traz uma certa proximidade, quando
lemos por exemplo que [...] nem todos os meninos se tornam
imperadores, mas todas as meninas se casam.” (p. 97) Percebemos
aqui, um futuro já determinado pelo seu sexo e em nossa cultura, se
você não tiver um corpo esbelto e rebolar direitinho, não será aceita
no grupo, não terá nem casamento, nem status ou nem aparecerá na
tv. Por causa disso, estatísticas recentes mostram que ao menos uma
mulher morre, por mês, de operações plásticas mal sucedidas
[http://noticias.r7.com/saude/ao-menos-uma-pessoa-morre-por-
mes-em-cirurgias-plasticas-no-brasil-25022013]; do mesmo modo,
o número de meninas grávidas só tem aumentado, implicando no
abandono da escola a na formação de famílias desestruturadas
[http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/03/no-brasil-75-das-
adolescentes-que-tem-filhos-estao-fora-da-escola.html] Sim, as
mulheres hoje alcançaram muitas conquistas, mas a preocupação
precisa estar voltada a que consciência elas tem disso. O porquê
desejam fazer, o para quê e qual o objetivo?
POR UM OUTRO AMANHÃ

Se houve, nos anos 60, um convite à libertação do


corpo, essa libertação mostra-se, muitas vezes,
limitada pelo controle político da corporeidade. Le
Breton (2007) questiona e critica esse convite,
pois, na verdade “o homem só será “libertado”
quando qualquer preocupação com o corpo tiver
desaparecido” (p.87). Frente à propagação de
infinitos discursos especializados, esse ideal
parece cada vez mais distante (BOLTANSKI,
2004). Segundo Goldenberg (2007), se, por um
lado, o corpo da brasileira emancipou-se de
antigas servidões (sexuais, procriadoras ou
indumentárias), de outro está mais do que nunca
submetido às regulações estéticas. (Aquino, p.31)

O que penso ser necessário é tornar nossas meninas donas de si!


Conscientes de seus direitos e da liberdade que possuem como
pessoas, podendo ser o que elas quiserem, independente do
tamanho do sutiã. É na escola que esse debate e o exercício para a
reflexão devem acontecer. Conhecer o texto de Lisa See, nos
proporciona uma ferramenta para contribuir na educação de nossas 379
meninas, para que elas percebam onde estão inseridas e para que
possam questionar o que o senso comum dita como regra.

Referências:
AQUINO, Thalita Ágata Moura de. Do “se esconder” ao “se
mostrar”: cirurgia plástica e normalização entre mulheres
jovens de classe popular. Disponível em:
https://www.ufpe.br/pospsicologia/images/Dissertacoes/2009/aqu
ino%20thalita%20gata%20moura%20de.pdf.pdf
Acesso em fevereiro de 2016
Revista da Unifebe. Violência doméstica contra a mulher:
breve análise sobre a igualdade entre homens e mulheres
no decorrer de situações históricas Diego Vinícius Mattos da
Rocha Mariane Gonçalves Michele Darossi Disponível em:
https://www.unifebe.edu.br/revistadaunifebe/2009/artigo030.pdf
Acesso em: fevereiro de 2016.
SEE, Lisa. Flor de Neve e o Leque Secreto / Lisa See; tradução
de Léa Viveiros de Castro. – Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
WOLF, Naomi. O Mito da Beleza. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

OS FENÍCIOS: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO DE


HISTÓRIA ANTIGA A PARTIR DA PERSPECTIVA
HISTÓRICO CULTURAL

Isaias Holowate

Introdução

No ano de 1851, o surgimento da escrita foi pela primeira vez


utilizado pelos historiadores como o parâmetro de separação entre
os tempos Pré-histórico e Histórico. Nessa época em que a História
como Ciência dava seus primeiros passos, historiadores como
Leopold Von Ranke defenderam a importância do documento
escrito como a fonte histórica que relataria a verdade. (MARTINS,
2010) Nos tempos posteriores, após a ascensão da Escola dos
Annales, diversos historiadores contestaram essa teoria
demonstrando a presença de diversos discursos e subjetividades
presentes nos estudos das fontes escritas.
380 Nos livros didáticos de História Antiga, a escrita costuma aparecer
apenas em breves citações, de forma simplificada. Geralmente
aparece como: ponto de divisão entre Pré-história e História, a
escrita hieroglífica egípcia, as escritas cuneiformes Mesopotâmicas,
o alfabeto Fenício, o alfabeto Grego e as escritas ideográficas e
logográficas Chinesas e Japonesa.

Contudo o desenvolvimento da escrita, foi um importante fator


aglutinador no desenvolvimento das sociedades. Desde o período
paleolítico, quando os grupos de caçadores faziam suas pinturas nas
paredes das cavernas, representando suas caças, esses signos
pictográficos tinham um significado intrínseco para o grupo. Seu
surgimento foi um dos marcos no desenvolvimento das civilizações
alterando de forma drástica a estrutura dessas sociedades e
complexificando suas estruturas políticas, sociais, econômicas e
culturais. A compreensão das especificidades dos processos de seu
surgimento e das características nessas sociedades nos permite uma
compreensão mais aprofundada da forma com que essas culturas se
estruturavam.

O projeto de ensino sobre a cultura fenícia teve como objetivos a


compreensão dos laços de identidade e diferenças entre práticas
culturais letradas do passado e do presente, a compreensão da
POR UM OUTRO AMANHÃ

História como um processo dinâmico, em que as práticas


quotidianas da sociedade contemporânea descendem de inovações
ocorridas no decorrer do tempo, além de buscar dimensionar a
importância da escrita no desenvolvimento das civilizações
buscando possibilitar uma melhor compreensão da influência escrita
na estrutura social da atualidade.

A escrita na História

A Fenícia foi uma sociedade que entre aproximadamente os anos


3000 A.C. e 300 A.C. ocupou o território do atual do Líbano,
organizada em diversas cidades-estados, onde a escrita esteve ligada
ao desenvolvimento do comércio, possibilitando o contato com
povos distantes, e permitindo o florescimento de uma cultura
bastante diferenciada dos outros Estados existentes no período.
Mantiveram uma estrutura política descentralizada e sem um poder
absoluto. Sua cultura influenciaria de forma drástica a cultura grega,
chegando até nós, notadamente através da invenção do alfabeto
fenício. Esse sistema de escrita possibilitou a comunicação entre
povos distantes e teve grande importância no desenvolvimento de
toda a cultura ocidental. (HARDEN, 1971)
381
A civilização fenícia se baseou principalmente no comércio
marítimo. Seus barcos comercializavam com a Ilha de Chipre, Egito,
península Itálica e a Espanha. Foram também fundadores de
importantes colônias, das quais a principal foi Cartago, que dos
séculos VI até o III A.C. era uma das mais importantes potências
navais do Mediterrâneo Ocidental.

A grande revolução na arte da escrita introduzida pelos Fenícios foi o


alfabeto constituído de apenas 22 sinais, que representavam apenas
as consoantes, não havendo sinal para as vogais. Esses signos
quando combinados, podiam representar qualquer palavra na língua
Fenícia, enquanto que outros sistemas de escrita, como o
hieroglífico, possuíam centenas de signos.

Materiais e métodos

Pensamos o processo de ensino-aprendizagem como um processo de


estímulos culturais em que as apropriação do conhecimento ocorre
no ensino que está dentro da Zona de desenvolvimento próximo
(VYGOTSKI, 1984) aos quais o aluno consegue realizar associações
cognitivas.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O professor, no processo de ensino-aprendizagem, deve funcionar


como um mediador do conhecimento, de forma à compreender as
necessidades e especificidades do ambiente social ao qual realiza
suas atividades, buscando promover um ensino que forme cidadãos
autônomos, capazes de pensar e questionar a sociedade em que
vivem. (FREIRE, 2002)

Na escolha pelo tema "Os Fenícios", foi optado por trabalhar "a
escrita na História", dando ênfase na revolução do alfabeto Fenício,
com o objetivo de ensinar a História partindo do presente para o
estudo do passado, situando o aluno no tempo e espaço,
apreendendo o dinamismo do processo histórico, em que as práticas
históricas do presente descendem de outras práticas surgidas no
passado.

As aulas começaram com uma exposição sobre o tema. O objetivo


dessa exposição era permitir aos alunos reconhecer laços de
identidade e diferenças entre práticas culturais letradas do passado e
do presente, compreender o dinamismo da História e dimensionar a
importância da escrita no desenvolvimento das civilizações. A
exposição partiu do presente para estudar o surgimento da escrita na
382 Mesopotâmia no quarto milênio antes de Cristo, e passando pela
escrita Hieroglífica egípcia, pelo surgimento do alfabeto Fenício e
pelo alfabeto grego.

Em seguida, foi realizada uma dinâmica com o objetivo de


possibilitar aos alunos compreender a importância das diferentes
formas de escrita nas sociedades antigas. Na parte final das
atividades, os alunos montaram com apoio do professor, um quadro
teórico sobre as estruturas sociais, políticas e culturais da sociedade
fenícia e a partir dos resultados dos quadros, foi discutida as
mudanças e continuidades dessa sociedade em relação à sociedade
brasileira atual.

Resultados

Os resultados obtidos foram bastante positivos, embora, sendo o


processo de aprendizado individual, cada aluno atingiu níveis
variáveis de aprendizagem. A maioria conseguiu compreender a
processualidade da História no estudo desse tema, de como algumas
continuidades se mantém no tempo, sendo que inclusive alguns
conseguiram tanto dimensionar a importância da escrita no
desenvolvimento das civilizações, como compreender as mudanças
POR UM OUTRO AMANHÃ

que esta sofreu no decorrer do tempo, com debates questionando a


influência da escrita na atualidade.

Considerações finais

As atividades realizadas permitiram uma melhor compreensão da


processualidade do ensino, assim como das trocas sociais no ato de
ensinar, sendo que ao mesmo momento em que ensinamos os
alunos, também aprendemos a ensinar observando e refletindo
sobre a aprendizagem do aluno. Também, o ensino da História
Cultural aparece como extremamente importante para a formação
do aluno como ser social, capaz de compreender e respeitar as
diferentes culturas, conhecendo a história do passado para
compreender a atualidade.

Referências

BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar a História: Das origens do


Homem à Era digital São Paulo: Moderna, 2011.
BURKE, Peter. A Revolução Francesa da historiografia: a
Escola dos Annales 1929-1989 tradução Nilo Odália. - São
Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991. 383
CHARTIER, R. A História cultural: entre práticas e
representações. Lisboa: Difel, 1990.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
92p
HARDEN, Donald Bazum. Os Fenícios. Traduzido por: M. Farinha
dos Santos. Editora Verbo; Lisboa, 1971;
RAMOS, Ronald. Cultura fenícia. In: www.monografias.com.
Acesso em 5 de julho de 2014.
RANKE, Leopold von. O Conceito de História Universal. In:
MARTINS, Estevão Rezende (org.) A História Pensada. Teoria e
Método na Historiografia Europeia do Século XIX. São
Paulo: Contexto, 2010, pp. 202-216.
RÜSEN, J. História Viva - Teoria da História III: formas e
funções do conhecimento histórico. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2007.
VYGOTSKY, Lev. Pensamento e linguagem. São Paulo: 4º ed.
Martins Fontes, 2008.
______. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins
Fontes, 1984.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

HISTÓRIA E IMAGEM: UMA REFLEXÃO ACERCA DA


IMAGEM COMO FONTE E SEU USO NO ENSINO DE
HISTÓRIA

Israel de Lima Miranda

Atualmente a sociedade vive um momento em que a imagem se


qualifica como a mais importante forma de linguagem. Podemos
destacar como os principais meios que consolidam tal ideia: o
cinema, a televisão e, o mais atraente, a internet. Nosso cotidiano,
portanto, é envolvido por elas (imagens), são outdoors, redes sociais,
comerciais de TV, etc. Além disso, o grande público imerso neste
meio "imagético" é formado por jovens presentes na escola.
Entretanto, a escola continua apostando em um ensino "tradicional",
em que a escrita é a base do conhecimento histórico.

Na escola, todavia, poucos docentes utilizam a imagem; ainda


predominando o ensino da História a partir do texto escrito. Boa
parte dos alunos considera o texto escrito muitas vezes
384 desinteressante, de difícil compreensão e com pouco apelo para
leitura. (BARROS, 2007, p.13)

Pensando nisso, busco neste trabalho contribuir com uma breve


reflexão acerca da importância da imagem na construção do
conhecimento histórico escolar, e possíveis possibilidades de
métodos para sala de aula. Devemos, como historiadores e
professores de História, lançar um olhar sobre está ferramenta e,
com isso, criar novas propostas para o ensino de história no Brasil.

A imagem como documento Histórico

A utilização da imagem na construção do conhecimento histórico


ainda é algo recente, que ocorreu com a renovação historiográfica
em meados do século XX. Uma nova perspectiva a respeito das
fontes documentais se desenvolveu principalmente a partir do
surgimento da Escola dos Annales, criada pelos historiadores Lucien
Febvre e March Bloch. A percepção da escola francesa, iniciada por
eles, buscou ampliar o conceito de fonte, propondo que a história
fosse entendida como um processo de problematização, partindo do
historiador. Além disso, se contrapôs a supervalorização do
documento escrito, adotada pelos positivistas, desenvolvendo uma
nova visão sobre as fontes e trazendo para o campo de análise
POR UM OUTRO AMANHÃ

histórica o documento escrito, ilustrado, transmitido pelo som, a


imagem, ou de qualquer outro tipo.

Seguindo os passos de uma história renovada, a imagem, cada vez


mais, se consolida como uma importante fonte para a pesquisa
histórica. Servindo para a análise do cotidiano, bem como, das
mentalidades. O seu uso, como fonte, pode revelar traços da história
que os documentos escritos nem sempre dão conta. O que pode ser
desafiador no estudo das imagens é seu sentido polissêmico e, as
vezes, ambíguo. A partir da amplitude de variações podemos
problematizar diversos temas, como: gênero, pensamento político,
práticas de venda. Mas, é imprescindível que saibamos lidar com os
textos imagéticos, pois ainda somos

[...] analfabetos visuais, ou seja, sabemos entender o seu


significado explícito, mas ainda estamos, em geral, pouco
qualificados para ler os seus significados implícitos,
causados, por exemplo, pela tensão entre forma e
conteúdo. (BALDISSERA. 2008, p. 248)

Ao entender pluralidade de significados podemos encontrar aspectos


sobre sua confecção, e também fatos relacionados à sua "intenção" 385
que são caros ao campo da História. Neste caso, a intencionalidade
do autor pode elucidar uma série de pensamentos e ideias que
perpassam determinado contexto histórico.

Peter Burke nos alerta sobre alguns problemas que o uso da imagem
pode acarretar. "As imagens são testemunhas mudas, e é difícil
traduzir em palavras seu testemunho." (BURKE, 2004, p.18) É
necessário que o historiador esteja consciente de que embora a
imagem seja imutável no tempo, o seu significado se transforma no
decorrer do processo histórico.

A imagem na construção do conhecimento histórico


escolar

Com a renovação historiográfica, ou revolução documental, a relação


entre fonte documental e historiador sofreu grandes transformações.
Uma delas, como já foi citada, foi a utilização de imagens na
construção do conhecimento Histórico. "O documento, considerado
vestígio deixado pelos homens, voluntário ou involuntariamente,
passou a ser encarado como produto da sociedade que o fabricou, de
acordo com determinadas relações de poder." (SCHMIDT, 2009, p.
116). A ampliação do conceito de fonte fez com que a escola também
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

reformulasse seus métodos de ensino referente ao conhecimento


histórico.

Refletir sobre o uso de fontes iconográficas em sala de aula é, sem


dúvida, indispensável, não só por que vivemos em uma sociedade
consumidora de imagens, mas por sua carga de significados e
valores que podem contribuir para História. Somente a imagem nos
possibilita realizar um mergulho no passado. A imagem é, portanto:

Uma fonte que contribui, também, para o entendimento


das formas por meio das quais, no passado, as pessoas
representaram sua história e sua historicidade e se
apropriaram da memória cultivada individual e
coletivamente. (PAIVA, 2006 p.13).

Cada imagem carrega consigo o sentido de sua época, do contexto


em que foi construída. Isso nos possibilita enxergar também as
permanências e rupturas que permeiam o processo histórico. Como
exemplo, temos os quadros pintados, no século XIX, por Pedro
Américo e Victor Meireles. Tais documentos "são frequentemente
tomados como fontes ricas em informações sobre o passado imperial
386 do Brasil e sobre a imagem que a monarquia quis criar sobre ela e
sobre a história do país" (PAIVA, 2006, p. 21). A utilização da
imagem deve ultrapassar a ideia de uma simples ilustração. Mesmo
que muitos livros didáticos apresentem essa perspectiva, devemos
refletir e reformular novos métodos sobre o uso da imagem.

Pensando nas possibilidades de usar a imagem no ensino da


História, podemos refletir sobre os métodos de análise iconográfica e
iconológica. "A análise iconográfica tem o intuito de detalhar
sistematicamente e inventariar o conteúdo da imagem em seus
elementos icônicos formativos; o aspecto literal e descritivo
prevalece, o assunto registrado é perfeitamente situado no espaço e
no tempo, além de corretamente identificado." (KOSSOY, 2001,
p.95). A descrição, na análise iconográfica, permite ao aluno buscar
todos os detalhes possíveis e visíveis da imagem como: o que é?
Quem produziu? Quando? Como? Por quê? Todas estas questões
que remetem a aspectos de produção do documento iconográfico e
ao seu conteúdo explícito.

Para ir mais além, utilizamos a interpretação iconológica, que


objetiva alcançar os significados implícitos da imagem. "Uma única
imagem contém em si um inventário de informações acerca de um
determinado momento passado; ela sintetiza no documento um
POR UM OUTRO AMANHÃ

fragmento do real visível, destacando-o do contínuo da vida."


(KOSSOY, 2001, p.101). Nesse sentido, na medida em que vamos
descobrindo a história por integrada a imagem, podemos ampliar a
visão do passado e dinamizar o ensino da História.

Refletir sobre a relação entre imagem-História-ensino é de extrema


importância para o momento em que vivemos. Entender a imagem
como a representação de um passado vivido, é também,
compreender como se constitui o olhar do artista, do fotógrafo,
sobre o seu presente. É preciso reforçar que o documento
iconográfico pode dinamizar o ensino da História e também, trazer
novos personagens e novos olhares sobre a cultura de um contexto
histórico.

Referências

BALDISSERA, José Alberto. Imagem e construção do conhecimento


histórico. In: BARROSO, Vera Lucia Maciel [et al.] (orgs.). Ensino
de História: desafios contemporâneos. Porto Alegre: EST:
EXCLAMAÇÃO: ANPUH/RS, 2010.
BARROS, Ricardo. O uso da imagem nas aulas de História.
2007. 116 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de 387
Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo. São Paulo. 2007
BARROSO, Vera Lúcia Maciel et al. Ensino de história: desafios
contemporâneos. Porto Alegre: EST: Exclamação: ANPUH, 2010.
296 p.
BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem.
Bauru: EDUSC, 2004, p. 225.
_____. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola
dos Annales 1929-1989; tradução Nilo Odália. - São Paulo:
Editora Universidade Estadual Paulista, 1991.
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2ª ed. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2001.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene: Ensinar
História. 2ed. São Paulo: Scipione, 2009.
PAIVA, Eduardo França. História & imagens 2 ed., 1. reimp. -
Belo Horizonte: Autentica, 2006.
PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o
ensino de História? Sobre o uso de fontes no ensino de
História. Anos 90. Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 113-128, dez. 2008.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A HISTÓRIA ESCOLAR NO BRASIL: TRANSPOSIÇÃO


DIDÁTICA OU CONHECIMENTO AUTÔNOMO

Ivone Maria Dos Santos Gomes

As questões que implicam uma abordagem a cerca da História


Escolar no Brasil deve fazer uma reflexão sobre os métodos e
conteúdos que foram sendo aplicados ao ensino dessa disciplina em
nosso país, desde a chegada dos jesuítas ate à aprovação da LDB em
1996. Após essa reflexão é que podemos analisar como a ideia de
História Escolar é pensada nas escolas brasileiras a partir de duas
correntes europeias: a Transposição Didática e o Conhecimento
Autônomo.

Conteúdos e métodos do ensino de história no Brasil: do


período colonial ao século xx

No Brasil durante o período colonial os jesuítas (partícipes no


projeto de consolidação do Estado-nação Europeu) usavam os textos
388 históricos bíblicos na tarefa de ensinar a ler e escrever, e através da
leitura romântica e descritiva das paisagens. Em 1827 após o Brasil
torna-se monárquico e independente a elite dominante teve acesso à
"escola básica" ou de "primeiras letras" e se apropriou de
conhecimentos primários, "os professores elementares ensinavam a
ler utilizando textos como: a constituição do Império e História do
Brasil." (BITTENCOURT, 2004, p.61).

A partir da década de 30 do século XIX a História ganham status


oficial de disciplina escolar ao ser introduzida no município do Rio
de Janeiro pelo renomado Colégio Pedro II referência no ensino
secundário em seu currículo escolar. O modelo educacional dessa
escola seguia os moldes franceses, por isso essas disciplinas ganham
espaço regulamentado nessa escola e em todas as outras instituições
escolares do império e prosseguem até o período republicano.
Essas disciplinas chegam a nosso país seguindo a herança europeia.
Por esse motivo Fonseca (2009, p. 17) nos diz que:

Durante o século XIX e início do século XX, privilegia-se


o ensino da História Universal. O ensino de História do
Brasil era visto em conjunto com a História Universal
numa posição secundária. Essa concepção curricular
ficou conhecida, entre nós, como 'europocêntrica' ou
POR UM OUTRO AMANHÃ

'europocentrismo'. Ou seja, a história ensinada a partir


de um centro - a história da Europa.

A propósito em 1840 o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro


(IHGB) com o apoio e incentivo do imperador D. Pedro II
encarregou-se de escrever a "Historia oficial do Brasil" seguindo o
mesmo modelo de conservação do patriotismo do qual falamos
acima. É importante salientar que nesse momento as escolas
primárias complementares não eram bem difundidas, apenas em
algumas partes do império havia escolas desse nível.

Em 1888 com a abolição da escravatura a população aumento graças


à parcela de imigrantes que vieram trabalhar nas indústrias
localizadas nos grandes centros. A luta por garantia de direitos surge
tomando uma grande proporção. Tanto o imigrante quanto os
escravos libertos clama por assistência por parte do governo
republicano. O acesso à educação para garantir o aumento de
alfabetizados e a obtenção da cidadania política pela população.
No regime republicano a História Sagrada embora faça parte de
alguns espaços escolares em outros cede espaço para a História
daqueles que dedicaram sua vida pela pátria. Em 1892 na cidade de
São Paulo houve um debate na Câmara dos Deputados sobre o 389
primeiro projeto de lei para uma reforma do ensino público que
garantisse a disseminação desses ideais. O ensino de História
objetivava construir uma concepção de cidadania que buscava
posicionar cada sujeito na sociedade.

O espaço do Brasil Republicano era constituído da seguinte forma:


os políticos cuidavam da política e todos os trabalhadores deveriam
trabalhar obedecendo às normas da lei. Todos os esforços do início
da República estavam concentrados em instruir pessoas sem
conteúdo crítico. Apenas alguns professores nesse momento se
comprometiam em ensinar aqueles ou aquelas oriundos das classes
menos favorecidas.

Mesmo assim os conteúdos ensinados versavam sobre o respeito ao


padrão hierarquizado da sociedade para que pudesse ser mantida a
ordem e o progresso da nação. Mas foi em 1930 durante o governo
provisório de Getúlio Vargas que a proposta educacional dos Estados
Unidos chega ao nosso país. Essa propositura unifica as disciplinas
de História e Geografia, as transformando em Estudos Sociais. Nesse
mesmo ano o educador Anísio Teixeira publicou uma declaração de
ensino de Estudos Sociais com base no modelo norte-americano.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Na década de 50 em consonância com o Programa de Assistência


Brasileiro-Americano ao Ensino elementar (PABAEE) que se trata
de um convênio estabelecido entre o governo do Brasil, o governo de
Minas Gerais e o governo dos Estados Unidos com ênfase na
formação de professores para as escolas Normais e Primárias foram
implantados nas escolas primárias mineiras os Estudos Sociais, esse
programa ainda garantiu a publicação de material didático e
tradução de obras sob a influência de autores norte-americanos não
só no Estado de Minas Gerais mais em outros estados brasileiros.
Durante a década de 60 os Estudos Sociais torna-se disciplina
obrigatória na escola primária e optativa no ensino médio e após o
golpe de 64 o ensino de Estudos Socais são alinhados à formação
moral e cívica e possui inspiração norte-americana. Nos anos 70 no
contexto da democratização do Brasil a luta dos professores por
melhorias na condição de trabalho. Esse movimento também se
propõe a discutir o ensino de História, dos conteúdos curriculares,
dos livros didáticos e das metodologias de ensino.
Em 1996 aprovou-se a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9.394/96) que desencadeou o processo de
implementação dos PCNs e institucionalizou as avaliações do
Ministério da Educação (MEC). Em decorrência disso, no ano de
390 1997, houve o retorno das disciplinas de História e Geografia ao
currículo escolar com a elaboração e publicação dos PCN´s pelo
Ministério da Educação (MEC) em todo o Brasil. Esse projeto
educacional buscou colaborar com a política de globalização da
economia, de desenvolvimento de novas tecnologias e consolidação
da democracia.

A disciplina de história no Brasil e a dicotomia entre


transposição didática e conhecimento autônomo

De acordo com Bittencourt (2005), na opinião de alguns


pesquisadores franceses e ingleses, as disciplinas escolares são
desinentes das ciências eruditas. Elas servem com meio de
"vulgarizar" o conhecimento produzido nos grandes centros
científicos. Com base nessa ideia o francês Yves Chevallard (apud
Bittencourt 2005, p.36) nomeou tal feito de "transposição didática".
Ele sustenta a opinião de que o conhecimento reproduzido pela
escola se ordena pelo intermédio do que chama de "noosfera",
conjunto de agentes sociais externos a escola - famílias, autores de
livros e etc. São esses agentes que permitem o movimento contínuo a
escola e garantem a adaptação do conhecimento científico
produzido pela academia. Essa forma de pensar o conhecimento de
maneira hierarquizada influenciou o Ensino de História nas escolas
POR UM OUTRO AMANHÃ

brasileiras durante o século XIX tomando como referência o ensino


dessa disciplina no Colégio Secundário Pedro II onde o conteúdo de
História Universal tem maior espaço no currículo enquanto que a
História do Brasil fica em segundo plano.
Fica evidenciado que o ensino da História do Brasil constitui uma
espécie de "saber menor", e por esse motivo menos importante que a
História Europeia.

Segundo esse ponto de vista, o lugar da construção desses dois


saberes também é categorizado. Os conteúdos da História do Brasil
constitui um saber secundário em quanto que os conteúdos da
História Universal Europeia constituem um saber primário e
essencial para que o aluno obtenha êxito. Dessa maneira o saber em
torno da identidade Cultural Brasileira fica invisibilizado, enquanto
destacam-se o fazer históricos dos povos europeus, construindo e
solidificando o mito dos grandes heróis "descobridores e salvadores"
da nação brasileira. A disciplina de História nas escolas brasileiras
nesse período torna-se receptáculo de um conhecimento produzido
de maneira eurocêntrica. Onde a maior parte do seu conteúdo narra
os processos históricos dos países daquele continente. Os autores
dessa História também são europeus, pois o saber produzido
naquele espaço resguarda premissas, que lhe confere o status de um 391
"saber cientificizado" a respeito do mundo.

Cabe à escola apenas adapta esse conhecimento, através daquilo que


os teóricos da Transposição Didática chamam de métodos
decorrentes de técnicas pedagógicas, transformando-se em didática
e transmitir ao aluno que também é um sujeito passivo e que está
apto a receber esse saber e o reproduzir. O professor é avaliado pela
capacidade que tem de gerir esse processo. De acordo com os
estudos de Bittencourt (2005) uma corrente que contraria esse
pensamento é a crida pelo inglês Ivor Goodson e o francês André
Chervel para eles a disciplina escolar é o resultado de uma teia de
conhecimentos, havendo um processo complexo entre as duas
formas de conhecimento, o escolar e o científico. Em primeiro lugar
eles denunciam que:

A hierarquização do saber, defendida pelos estudiosos da


Transposição Didática acaba por influenciar o sistema de
transmissão do conhecimento para a sociedade. Para
esses pesquisadores a teorização a cerca do conceito de
disciplina escolar, é um debate que se vincula a utilização
do conhecimento como mecanismo de legitimação de
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

poder por algumas classes sociais (BITTENCOURT,


2005, p.38).

Para além do debate epistemológico a cerca do conceito de


transposição didática existe uma debate sociopolítico. Em uma
sociedade em que o conhecimento é hierarquizado, anulam-se as
condições democráticas de sobrevivência, dando espaço para a
desigualdade social. Equacionar um saber em detrimento de outro,
estabelece uma divisão social, que desemboca em dificuldade de
acesso a direitos sociais básicos por alguns cidadãos. Por esse motivo
as críticas à transposição didática faz menção ao papel de sua
manutenção das desigualdades sociais. Ao analisar os estudos de
Chervel, Bittencourt (2005, p.38) afirma que "a disciplina escolar
deve ser analisada historicamente, contextualizando o poder
exercido pela escola em cada momento histórico". Ela defende a
disciplina escolar como um ente epistemológico relativamente
autônomo e da atenção às relações de poder no interior do ambiente
escolar. Garante que é preciso desvia o olhar das questões exteriores
a escola e pensar o conhecimento que por ela é produzido como o
resultante de uma cultura. As disciplinas escolares integram essa
cultura que precisa ser compreendida para que se possa analisar sua
392 relação com a cultura geral da sociedade.

Assim nas Escolas Brasileiras a disciplina de História passa a ser


compreendida como um ente autônomo a partir do século XX
quando em 1996 é criada a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação) e em 1997 surgem os PCN´S (Parâmetros Curriculares
Nacionais) da disciplina de História, sendo esses não um subsídio
obrigatório para a prática pedagógica do professor, mas um material
para orientar as demandas pedagógicas de cada realidade escolar.
Com a criação dos PCN´S de História o saber a respeito da nossa
cultura, memória tem uma maior abrangência na grade curricular.
Esse documento ainda propõe a organização dos conteúdos em dois
eixos temáticos a História local e do Cotidiano e a História das
Organizações Populacionais. Dar-se maior ênfase a temas da
História do Brasil no último ano do primeiro ciclo do ensino
fundamental.

Referências bibliográficas

ABUD, Kátia Maria. O ensino de história como fator de coesão


nacional: os programas de 1931. Revista Brasileira de História.
São Paulo: Anpuh/ Marco Zero, v. 13, n. 25/26, 1993, p.163-174.
POR UM OUTRO AMANHÃ

BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula.


São Paulo: Contexto, 1998.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História:
fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2005.
FONSECA, Selva Guimarães. Fazer e Ensinar História. Belo
Horizonte: Dimensão, 2009.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
Coleção Leitura.
NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República.
São Paulo: EPU; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material
Escolar, 1976.

393
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

HISTÓRIA PRA QUÊ? O USO DO "VELHO E BOM"


JORNAL NO ENSINO DE HISTÓRIA

Janaína Jaskiu

A educação escolar enfrenta inúmeros desafios das mais variadas


razões e motivações. A escola, enquanto instituição, busca
continuamente reafirmar sua função social: é um ambiente que
"ensina" muito mais que conhecimentos sistematicamente
organizados nas disciplinas tradicionais, ali se aprende conteúdos
sociais e culturais associados a comportamentos, valores e ideias
políticas. Para tanto é preciso perceber o/a aluno/a enquanto sujeito
e partir daquilo que lhe é próximo.

O ensino de História, num momento em que as informações são


disponibilizadas com muita rapidez e a comunicação ocorre em
tempo real, padece de muitos questionamentos. O que selecionar e
como fazer para que tenha sentido para os/as estudantes? Essas
perguntas estão presentes nas discussões da Base Nacional Comum
394 em construção sob a responsabilidade do Ministério da Educação.
Talvez a problemática maior nem seja o recorte de conteúdos, mas
como desenvolver a habilidade de perceber o "não dito" nas
narrativas históricas.

Esse aprender a pensar é o desenvolvimento do pensamento


histórico. Janice Theodoro em seu texto "Educação para um mundo
em transformação", propõe "para que possamos vencer o desafio da
vida contemporânea temos que problematizar a realidade que nos
cerca. Para problematizar, o primeiro passo é conhecer." (2010, p.
51) Para tanto é preciso identificar a origem das narrativas postas
como "verdades"; comparar os discursos relacionando as
semelhanças e diferenças.

Partindo da identificação dessa nova geração como pertencente à


cultura das mídias, é primordial que se desenvolva uma capacidade
de ler o mundo através dessas informações (BITTENCOURT, 2009,
p.109). Nesse sentido, a História enquanto disciplina escolar tem
fundamental importância. Não se trata da reprodução daquilo que
está no livro didático ou mesmo de uma aula colóquio como
categoriza Isabel Barca (2004), mas de uma aula dialógica na qual
o/a professor/a apresenta uma fonte para o/a aluno/a, problematiza
o objeto a ser estudado e reelabora as informações, produzindo o
POR UM OUTRO AMANHÃ

conhecimento. Essa iniciativa estimula uma consciência histórica


crítica-genética para que possam compreender aquilo que lhes é dito
através de qualquer mídia.

Conforme Jaskiu (2014), nem sempre o trabalho com outras fontes


em sala de aula é bem aceito pelos/as alunos/as. Isso se deve ao fato
de que eles/as estão acostumados/as a um modelo de aula em que a
reprodução de conteúdos é constante. É preciso rever esse conceito
de aula levando-os/as a perceber que programas de TV, músicas,
charges ou jornais selecionados, não significam apenas diversão,
mas estão articulados a um conteúdo.

O jornal, seja ele impresso ou digital, é uma estratégia interessante


para aproximar aquilo que se discute na escola do que é vivido pela
sociedade. Para utilizá-lo em sala de aula é preciso problematizá-lo
ou será apenas mais um recurso didático. Segundo Kátia Abud, os
jornais, quando narram fatos, contribuem com a História ao serem
convertidos em documentos pelo/a historiador/a.

De fato, todas as publicações jornalísticas, sejam


programas de rádio ou televisão, revistas, sites
informativos, jornais eletrônicos ou impressos são 395
mediadores entre a escola e o mundo externo e ajudam
os estudantes a relacionar seus conhecimentos e
experiências pessoais com as notícias. Esse processo
auxilia na formação de novos conhecimentos e conceitos,
na ampliação do pensamento crítico do estudante e,
consequentemente, de suas 'leituras' do mundo. (ABUD,
2010, p.29)

Ao usar jornais como fonte para a produção do saber escolar é


necessário "situar a produção jornalística em seu tempo e espaço,
como forma de compreender suas relações com os fenômenos
sociais." (ABUD, 2010, p.31) Um texto jornalístico, assim como
qualquer outra narrativa, não pode ter um status de verdade
absoluta, mas como um "testemunho histórico", assim definido por
Kátia Abud. Uma boa alternativa é comparar uma mesma notícia
veiculada em vários jornais e analisar as outras versões dadas ao fato
ou mesmo a não divulgação de um acontecimento. É preciso
considerar o contexto no qual foi produzido, pois todo texto carrega
representações sociais de seu autor/a e/ou do grupo que ele/a
representa. Importa também lembrar que nenhum/a leitor/a é
neutro/a, uma vez que "ele também traz para a leitura do jornal ou
de qualquer outro veículo de comunicação suas experiências e visões
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

de mundo, o que o faz interpretar o que lê, reconstruindo conceitos e


concepções". (ABUD, 2010, p.31) Portanto, é necessário
problematizar desde o formato do jornal até o público ao qual se
destina.

Outro dado interessante a ser levado em consideração quando se


utiliza o jornal como fonte é em relação à tiragem, ao preço, formas
de venda e distribuição, pois através deles é possível perceber a
penetração das informações na sociedade. Utilizar jornais em sala de
aula exige, além da escolha de um eixo temático, a definição de
períodos e publicações a serem pesquisados. Também é importante
explicar aos/as alunos/as alguns elementos básicos que compõem os
jornais, como as diferenças entre os tipos de textos - reportagens,
artigos, comentários, crônicas, entre outros - anúncios, legendas e
fotografias. (ABUD, 2010, p.31)

Na obra "Como usar o jornal em sala de aula", Maria Alice de


Oliveira Faria aponta a importância desta fonte para a formação do
cidadão enquanto leitor crítico e na formação geral do/a estudante,
desenvolvendo sua cultura e linguagem escrita. Ela ressalta ainda
que tanto jornalista quanto leitor "desconstrói e reconstrói a notícia"
396 de acordo com suas representações de mundo. É papel do/a
professor/a levar os/as alunos/as a questionar essa fonte,
interpretando o que leem, ouvem ou veem.

(...) conhecer a postura ideológica do jornal, a seleção


que faz da informação e a linguagem que usa para
transmiti-la; confrontá-lo com outros jornais e não
deixar de lado, também, a postura crítica do próprio
leitor, que no caso da escola deve estar sendo
continuamente desenvolvida. (FARIA, 2011, p.17)

De fato, jornais e revistas são empreendimentos que reúnem um


conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por
agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se
pretende difundir a partir da palavra escrita. (LUCA, 2010, p.140)
Tendo em vista o processo de criação do jornal, Tania Regina de
Luca apresenta algumas dicas para o trabalho com essa fonte tais
como: identificar colaboradores e fontes de receita, caracterizar o
grupo responsável pela publicação e atentar para a materialidade
(periodicidade, uso/ausência de iconografia e publicidade). É
preciso uma leitura para além do texto!
POR UM OUTRO AMANHÃ

O uso de fontes para a produção de conhecimento histórico na


Educação Básica não visa formar pequenos/as historiadores/as, mas
leva-los/as a perceber que esses conhecimentos não existem de
forma acabada, são narrativas construídas de acordo com vários
procedimentos.

Assim, a História concebida como processo, busca aprimorar o


exercício da problematização da vida social, como ponto de partida
para a investigação produtiva e criativa, buscando identificar as
relações sociais de grupos locais, regionais, nacionais e de outros
povos; perceber as diferenças e semelhanças, os
conflitos/contradições e as solidariedades, igualdades e
desigualdades existentes nas sociedades; comparar problemáticas
atuais e de outros momentos, posicionar-se de forma crítica no seu
presente e buscar as relações possíveis com o passado. (BEZERRA,
2010, P.44)

Isso não significa esvaziar as disciplina escolar de conteúdos


substantivos, nem basear-se apenas na atualidade fazendo projeções
do presente no passado, pois isso seria anacronismo, mas levar os/as
estudantes a perceber que esses conhecimentos foram construídos e
que carregam uma intencionalidade. Se as aulas de História derem 397
conta desse quesito, possivelmente os/as alunos/as saberão utilizar
as informações repassadas por qualquer veículo para orientar sua
vida prática.

Referências

ABUD, Kátia Maria; SILVA, André Chaves de Melo; ALVES, Ronaldo


Cardoso. Ensino de História. São Paulo: Cengage Learning,
2010.
BARCA, Isabel. "Aula Oficina: do Projeto à Avaliação". In: Para
uma educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de
Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação
(CIED)/ Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho,
2004, p. 131 - 144.
BEZERRA, Holien Gonçalves. "Ensino de História: conteúdos e
conceitos básicos". In: KARNAL, Leandro (org). História na sala
de aula: conceitos, práticas e propostas. 6 ed. São Paulo:
Contexto, 2010.
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e
métodos. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2009.
FARIA, Maria Alice de Oliveira. Como usar o jornal na sala de
aula. 11 ed. São Paulo: Contexto, 2011.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

JASKIU, Janaína. "Construindo representações de gênero no


cotidiano escolar". In: PARANÁ. Secretaria de Estado da
Educação. Superintendência de Educação. O professor
PDE e os desafios da escola pública paranaense: produção
didático-pedagógica, 2012. Curitiba: SEED/PR., 2014. V.2.
(Cadernos PDE). Disponível em:
<www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo
.php?conteudo=20>. Acesso em: 29/01/1015. ISBN 978-85-8015-
064-3.
LUCA, Tania Regina de. "História dos, nos e por meio dos
periódicos". In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes
Históricas. 2 ed. 2 reimp. São Paulo: Contexto, 2010.
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão
de Rezende (orgs). Jörn Rüsen e o Ensino de História.
Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
THEODORO, Janice. "Educação para um mundo em
transformação". In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de
aula: conceitos, práticas e propostas. 6 ed. São Paulo:
Contexto, 2010.

398
POR UM OUTRO AMANHÃ

ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA E EXPERIÊNCIA DE


INICIAÇÃO À DOCÊNCIA: ALGUMAS INFLUÊNCIAS
AFRICANAS AO VOCABULÁRIO BRASILEIRO

Jessica Caroline de Oliveira

Anos após a Lei 10.639/03 ter fixado a obrigatoriedade do ensino da


História africana e afro-brasileira nas escolas, podemos perceber
que a tímida preocupação com as questões colocadas em pauta pela
Lei vem conquistando espaço, seja no currículo escolar, materiais
didáticos ou processos formativos. Não se pode ainda afirmar a sua
prática efetiva em todos os espaços de ensino público, todavia,
tomando como exemplo a minha experiência acadêmica e docente,
pode-se ressaltar e dar visibilidade para as atividades desenvolvidas
pela Universidade Estadual do Paraná, campus União da Vitória,
que adequou tanto a sua matriz curricular para dar tratamento e
formação sobre o tema proposto pela Lei, como também,
desenvolveu através do Projeto Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência um subprojeto voltado para a História e Cultura Africana e
Afro-brasileira, o qual desde o primeiro ano de graduação permite o 399
contato com a temática afro e práticas docentes em sala de aula.

Uma das discussões fomentadas por este subprojeto PIBID se dá


pela preocupação na formação de seus bolsistas e, sobretudo, aos
professores da rede de ensino em que o projeto atua, afinal, busca-se
dar uma base teórica e metodológica para que os mesmos deem
continuidade as atividades desenvolvidas nas escolas. Cabe salientar
que o projeto trabalha em escolas públicas, com ênfase às turmas de
séries iniciais do ensino fundamental. Portanto, sabendo que esse
período escolar comporta o ensino de história voltado para
elementos próximos à realidade das crianças, o PIBID busca através
da interdisciplinaridade ensinar história da África e da cultura afro-
brasileira por meio de aulas/temas que sejam significativas ao lugar
social das crianças, possibilitando um diálogo entre suas
experiências historicamente vividas com a temática proposta
durante a aula (dança, música, culinária, máscaras, indumentária,
religiosidade, entre outras). Uma das bases teóricas utilizadas para
planejar essas aulas é a autora Lopes (1991), que permite entender e
colocar em prática uma aula que favorece a aprendizagem e o
desenvolvimento de experiências significativas, pois conforme expõe
a autora, deve-se pensar e fazer o uso de uma aula expositiva
dialógica, ou seja, durante a explicação, as crianças devem participar
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

e dialogar com o seu conhecimento prévio, sendo estimuladas a


refletir e responder questões sobre o tema, compartilhando,
produzindo e (re)aprendendo novos saberes. Isto é, ninguém ficará
em frente a turma 'passando' conhecimento, mas sim, construindo
(ou mesmo desconstruindo) coletivamente o pensamento histórico
por meio da troca de experiências.

Neste sentido, através dos eixos outrora descritos


(interdisciplinaridade-objeto de ensino-experiência significativa)
pode-se pensar a construção do vocabulário brasileiro como
exemplo desta dinâmica, afinal, far-se-á o uso da história para
explicar o processo de historicidade da língua 'brasileira'; geografia
para conhecer e orientar espacialmente os lugares africanos que
contribuíram através das suas diferentes línguas; bem como, a
própria disciplina de português, a qual pode esmiuçar através de
atividades as peculiaridades, sentidos e significados do nosso
vocabulário no seu contexto de formação e uso atual. (Ou seja, não
podemos pensar a Lei 10639/03 como algo restrito à disciplina ou à
docentes de história!) Além disso, através do vocabulário há a
possibilidade de pensar a leitura e a escrita em sala de aula,
competências fundamentais no processo de aprendizagem. Para
400 pensar nestas duas competências, Freire (1981) fala que não devem
ser realizadas de forma exaustiva, mas sim, associadas a leitura de
mundo, relacionando com vida prática e realidade próxima.

Portanto, a partir do vocabulário tem-se a possibilidade de conhecer


e valorizar o legado afro, perceber o modo como se apresenta no dia
a dia através de situações 'sutis', como também, expandir a
aprendizagem por meio de leituras e dinâmicas que coloquem em
contato com novas formas de ler, sejam contos, poemas, músicas,
receitas, entre outros gêneros linguísticos que ressaltem o seu
caráter afro brasileiro, dialogando e fomentando o respeito e
conhecimento do legado afro, muitas vezes silenciado no processo
formativo.

Esclarecidas algumas questões que levaram a realização deste texto,


vamos ao nosso foco: as influências do vocabulário africano ao
vocabulário português/brasileiro. Para entender este recorte
temático temos que retornar a outros contextos históricos, pois
conforme argumenta Seffner (1999), devemos correlacionar o
passado e o presente, discutindo os fatos históricos a fim de
significá-los e dar um tratamento adequado aos seus sentidos.
Oliveira (2010) complementa este raciocínio ao dizer que devemos
colocar em prática um ensinar e pensar historicamente,
POR UM OUTRO AMANHÃ

relacionando a experiência humana com a vida prática em outros


momentos históricos, suas permanências e/ou transformações.
Nesta acepção, Lucchesi, Baxter e Ribeiro (2009) descrevem que a
primeira adaptação linguística foi realizada no século XVI, através
do contato entre portugueses e as comunidades indígenas que
povoavam a costa, no qual, por fazerem uso de uma língua
"aparentada" ao tronco tupi, eram capazes de comunicar-se por
meio de uma espécie de koiné.

Segundo os autores "essa língua franca, que viria a ser denominada


língua geral da costa brasileira -- ou simplesmente língua geral" foi
utilizada como mecanismo de comunicação pelos portugueses para
cooptar a força de trabalho indígena, além disso, quando os
evangelizadores iniciaram o processo de expansão da fé cristã,
fizeram o uso e reforçaram o emprego dessa língua geral. Acerca do
emprego e da disseminação dessa língua colonial, Mendonça (2012)
afirma que "os bandeirantes, exploradores da vastidão do Brasil,
foram outros propagandistas insuperáveis do tupi", marcando, deste
modo, o processo de comunição entre indígenas e europeus.
Com as mudanças econômicas e necessidades de uma nova mão de
obra em larga escala e especializada, discorre Castro (s/d) que o
tráfico transatlântico trouxe para o Brasil um equivalente entre 401
quatro a cinco milhões de falantes africanos, tendo como principais
origens a região bantu e a região "sudanesa". Vale ressaltar que a
região bantu compreende um grupo de 300 línguas muito parecidas,
entre as quais, no Brasil teve um maior número de falantes de matriz
quicongo, quimbundo e umbundo. No que diz respeito às línguas
"sudanesas", pode-se afirmar que as mais faladas foram as línguas
da família kwa, tendo como principais representantes os yorubás e
os "povos de línguas do grupo ewe-fon que foram apelidados pelo
tráfico de minas ou jejes". O mapa abaixo demonstra as regiões onde
estas línguas faziam-se presentes no continente africano:
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Representação da repartição das línguas na África em 1808. MENDONÇA,


Renato. A influência africana no português do Brasil. Brasília: FUNAG, 2012.

402 Com o translado de africanos para a substituição gradual do trabalho


indígena, não só a cultura colonial passa por um processo de
mestiçagens, como também, as línguas africanas com o português
antigo. Partindo dessa ideia, Castro (s/d) ressalta que a densidade de
africanos na Colônia Portuguesa deu origem há um contingente de
africanos e afrodescendentes superior ao número de portugueses e
outros europeus, possibilitando através das relações de trabalho e na
convivência diária, a contribuição para a substituição daquela língua
geral (com a redução do trabalho indígena vai sendo deixada de lado
ou (re) ajustando-se com a nova modalidade linguística do Brasil).
Sendo assim, o autor Mendonça (2012) fala que é impressionante a
composição do vocabulário africano, visto que, mesmo uma língua
sendo distante de outras também africanas, "apresenta os principais
elementos formativos de outro grupo qualquer". Nesta acepção,
haviam sujeitos denominados como "ladinos" que segundo a autora:

eram aqueles que logo cedo aprendiam a falar


rudimentos de português e podiam participar de duas
comunidades sócio-linguisticamente diferenciadas [...]
Na condição de bilíngües, atuavam como uma espécie de
leva-e-traz, o que deu motivo ao ditado popular "diante
de ladino, melhor ficar calado", desde quando podiam
falar a um número maior de ouvintes, e influenciá-los,
POR UM OUTRO AMANHÃ

resultando daí por adaptarem uma língua a outra e


estimularem a difusão de certos fenômenos lingüísticos
entre os não bilíngües, no caso, o "escravo novo" e o
chamado "escravo boçal", aqueles que não falavam
português. (CASTRO [s/d] p.4-5)

Após quatro séculos de contato entre os falantes africanos com a


língua portuguesa nas terras brasileiras, Castro (s/d) salienta que o
português do Brasil se distanciou do português de Portugal, no qual,
ocorreu uma "africanização do português e, em sentido inverso, de
aportuguesamento do africano". A autora também afirma que as
trocas culturais e linguísticas acompanham o processo de
mestiçagem biológica, sendo assim, podemos perceber a adaptação,
permanência e assimilação entre o vocabulário português e africano
(yorubá e bantu), conforme demonstram alguns exemplos a seguir:

VOCABULÁRIO:
1. Palavras africanas que foram apropriadas pela língua portuguesa,
conservando a forma e o significado originais:
a) Simples: samba, tanga, berimbau, maracutaia, forró, capanga,
banguela, cachaça.
b) Compostos: lenga-lenga, Ganga Zumba, Axé Opo Afonjá. 403
2. Palavras do português que tomaram um sentido especial:
a) mãe de santo (yalorixá), dois-dois (ibêji), despacho (ebó), terreiro
(casa de candomblé).
b) "O Velho" (Omulu) e "Flor do Velho" (pipoca).
3. Palavras compostas de um elemento africano e um ou mais
elementos do português:
a) bunda-mole, espada de ogum, limo da costa, pó de pemba,
cafundó do Judas.

MORFOLOGIA E SINTAXE
1. Adaptar o plural dos substantivos apenas pelos artigos que
sempre os antecedem: "as casa", "os menino", "os livro".
2. As línguas africanas também desconhecem a marca de gênero:
minha senhor.

PRONÚNCIA
1. Palavras sempre terminadas em vogais: general: cafezal: "cafezá",
mel: "mé".
2. Não existem encontros consonantais, como ocorre em português:
"sarava" para salvar, "fulo" para flor.
3. Transformação do fonema lh pela semivogal y:mulher: "muyé",
colher: "coyé".
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

4. O fonema j passa para o silibizante z: Jesus: "Zezús", José: "Zozé".


5. Palavras que de elocução difícil: negro: "nego", alegre: "alegue".
6. Aféreses: está: "tá", você: "ocê", acabar: "caba", Sebastião:
"Bastião".
7. Redução de ditongo: cheiro: "chêro", peixe: "pêxe", beijo: "bêjo",
lavoura: "lavora".
8. Formas de tratamento carinhosas: sinhá, sinhô, Iaiá, ioiô.
9) Uso de diminutivos: tardezinha.
10) Repetição de sílabas: babá, bumbum, neném.

Por fim, a partir das ideias do autor Mendonça (2012) é possível


perceber como "a própria linguagem infantil tem um sabor quase
africano": cacá, pipi, tatá, papato, lili, mimi, dindinho, bimbinha, o
que bem demonstra como o modo africanizado permeia nos
diferentes eixos da composição do vocabulário tal qual utilizamos
hoje. (Re) Conhecer estes elementos é afirmar a contribuição
africana ao legado nacional, é entender que mais do 'força de
trabalho', os povos africanos contribuíram, mesclaram,
transformaram, deram novos sentidos e significados à saberes,
sabores, vocábulos, percepções de mundo, formas de ser, atuar e
agir. Enquanto sujeitos brasileiros somos africanizados e para
404 descobrir em que, como e onde, precisamos entender os processos
de africanidades, sendo este texto, um breve exemplo dessa
dinâmica.

Referências

ARAGÃO, M. S. S. de. Africanismos no português do Brasil. Rev. de


Letras - Vol. 30 - 1/4 - jan. 2010/dez. 2011. Disponível em:
http://www.revistadeletras.ufc.br/Revista%20de%20Letras%20Vol.
30%20-%201.4%20
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o_portugues_do_Brasil.pdf
Acesso em: 17 Mai. 2014.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede
de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-
Brasileira", e dá outras providências. Diário Oficial da União.
Brasília, DF, 10 jan. 2003.
CASTRO, Y. P. de. A influência das línguas africanas no
português brasileiro. Acesso em:
http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/documentos/linguas-
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POR UM OUTRO AMANHÃ

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que


se completam. São Paulo: Cortez, 1981.
LOPES, A. O. Aula expositiva: superando o tradicional. In: VEIGA,
Ilma Passos Alencastro (Org.) Técnicas de ensino: Por que
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MENDONÇA, Renato. A influência africana no português do
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CAINELLI, Marlene R. (orgs.) III Encontro Perspectivas do
Ensino de História. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999.
405
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

LITERATURA DE CORDEL NA SALA DE AULA: NOVOS


CAMINHOS PARA A HISTÓRIA

Jessica Kaline Vieira Santos

Introdução

O ensino brasileiro de forma geral ainda é tradicionalista, e no


ensino de história não poderia ser diferente, esse tradicionalismo
ainda presente no uso do quadro, do livro didático e do giz é
considerado por Nascimento como sendo "a santíssima trindade" da
prática tradicional que compõem a realidade do ensino do país.
Entretanto muitos são os recursos áudio e visuais e outras
linguagens que podem ser utilizados para tornar as aulas dinâmicas
e didáticas, e esse artigo tem por finalidade demonstrar o uso de
recursos diferenciados que podem ser utilizados nas aulas de
história, a exemplo desses recursos estão o jornal impresso, charges,
jogos, fotografia, música, dentre outros. Hoje a exemplo dos
quadrinhos, tirinhas, charges, leitura visual e da música que, são
406 instrumentos de colaboração usados fartamente em sala de aula, a
Literatura de Cordel vem a facilitar o trabalho do professor.
(Nogueira, 2009) Contudo como foco principal da nossa análise está
à literatura de cordel como recurso auxiliador na didática de ensino.

Surgimento da Literatura de Cordel

Algumas teses situam o surgimento da Literatura de cordel ainda na


Europa, pois lá já possuía esse nome, então a literatura de Cordel
produzida no Brasil é uma apropriação dos traços trazidos na vinda
portuguesa para as terras brasileiras. A literatura de cordel,
narrativa poética construída em versos, surgiu na Europa. Foi
trazida para o Brasil pelos portugueses, no século XVII. (Nascimento
p.2, 2005)

A produção de folhetos de Cordel no Brasil se inicia a partir do fim


do século XIX e inicio do século XX "com Leandro Gomes de Barros,
Francisco das Chagas Batista e João Martins de Athaíde, autores que
começaram a dominar o mercado de folhetos." (Grillo p.367 2011).
Contudo, muito antes da produção de cordel impresso em forma de
folhetos a poesia de cordel era transmitida de forma memorizada e
cantada pelos poetas cantadores que faziam desse tipo de literatura
POR UM OUTRO AMANHÃ

um dos maiores meios de comunicação e informação que circulava


no Nordeste Brasileiro.

Marcada por elementos da oralidade e por uma escrita leve e


humorística na maioria dos casos, o que facilitou a sua distribuição
por diversas partes do Nordeste e do país, por conter essas
características a literatura de cordel é ótima ferramenta para
utilização na sala de aula.

A Literatura de Cordel e as Aulas de História

No campo da história podemos destacar cordéis sobre os mais


variados assuntos e elencaremos aqui algumas literaturas de cordel
que podem ser utilizadas para problematizar determinados assuntos
nas aulas de história.

Dos mais variados temas, estão à questão agrária no Brasil, revoltas


como a do contestado, movimentos como o cangaço, primeira e
segunda guerras mundiais, dentre outros. Exemplificaremos aqui
uma aula que está na grade curricular dos alunos do 9º ano do
ensino fundamental, com o assunto Era Vargas.
407
Exemplo: O governo do presidente Getulio Vargas e os seus
desdobramentos tanto no seu primeiro mandato quanto no segundo
mandato é um dos assuntos amplamente abordados nos folhetos de
cordel, Getulio assumiu o poder em 1930 após liderar o movimento
revolucionário do mesmo ano. Promulgou a Constituição de 1934 e
realizou mudanças consideráveis no que diz respeito aos direitos
trabalhistas, criou o Ministério do Trabalho e assegurou direitos
básicos aos trabalhadores, como o de férias anuais e descansos
semanais remunerados, assim como o salário mínimo, jornada
diária de oito horas, direitos das gestantes e a criação da carteira de
trabalho. Além disso, realizou investimentos consideráveis como é o
caso da Siderúrgica Nacional (1940), da Empresa Vale do Rio Doce
(1942), da Hidrelétrica do Vale do São Francisco(1945) além da
criação do IBGE em 1938. Também podemos observar em seu
governo mudanças no que diz respeito a imprensa e a radiodifusão
da época. O seu governo culmina com a sua morte em 1954 onde o
presidente escreve uma carta antes de suicidar-se. Apesar de possuir
aspectos ditatoriais favoreceu amplamente os trabalhadores e esses
aspectos, fizeram com que Getúlio fosse bastante aceito nas camadas
mais populares da sociedade. Tomaremos aqui alguns trechos de
Literaturas de Cordel que exemplificam um pouco sobre a trajetória
política de Getúlio. O primeiro folheto aqui exemplificado de autoria
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

de Manoel Pereira Sobrinho que tem como Título: Getúlio fala ao


seu povo. (Fragmento retirado do cordel folheto Getúlio fala ao seu
povo. Autor: Manoel Pereira Sobrinho. Pagina de nº2 e 4
respectivamente.)

O povo todo pedindo/Do norte ao sul do paiz/Dizendo


que só comigo/O povo será feliz/E se com o meu
sacrifício/Tira-lo do precipício/Pronto estou como
juiz./(...)/Vou governar com justiça/Com lei e com
harmonia/Dando liberdade ao povo/Com ordem e
democracia/Protegendo os oprimidos/Amparando aos
desvalidos/E apertando a burguesia.

Nesse caso, por exemplo, esse fragmento pode ser confrontado com
o livro didático e com outros folhetos de cordel de outros autores
que abordam a Era Vargas, para que os alunos possam
problematizar com relação às diferentes versões atribuídas ao
presidente, a partir dos diferentes discursos dos cordelistas.

Considerações Finais
408 Enfim, buscamos de forma simples, apresentar nesse texto um
exemplo de tornar as aulas de história mais atrativas, com elementos
novos, que propiciem aos alunos, novas perspectivas do assunto
estudado, que proporcionem o questionamento e a problematização
e o debate em sala de aula. E partir de então, como produto dessa
análise os alunos podem produzir, por exemplo, os seus próprios
folhetos.

Referências

Folhetos de cordel:
SOBRINHO, Manoel Pereira. Getúlio fala ao seu povo. Campina
Grande, 1950. Disponível em:
http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=CordelFCRB
&pasta=Manuel%20Pereira%20Sobrinho&pesq=

Bibliografias:
ANPUH- XXIII Simpósio Nacional de História- Londrina, 2005.
NASCIMENTO, Jairo Carvalho do. A literatura de cordel no
ensino de História: Reflexões teóricas e orientações
metodológicas. Londrina, 2005.
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar história: das origens do
homem à era digital. 1. Ed.- São Paulo: Moderna, 2011.
POR UM OUTRO AMANHÃ

GRILLO, Maria Ângela de Faria. O Folheto de cordel e a sala de


aula.__In: Cultura da Mídia, História Cultura e Educação no
Campo. Editora da UFPB. João Pessoa, 2011.
NETO, José Batista de Lira. A didática dos cordéis para o ensino de
história. In: IV Enid- UEPB, 2013.
NOGUEIRA, Ângela Maciel. Origem e característica da
literatura de Cordel. Ariquemes- Rondônia, 2009.

409
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

HISTÓRIA SUBIDA DO MORRO DA URCA:


APONTAMENTOS SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA E
HISTÓRIA AMBIENTAL

José Lúcio Nascimento Júnior

Cartão postal da cidade do Rio de Janeiro, o Morro da Urca se


localiza no complexo geológico do Pão de Açúcar que faz parte da
Serra da Tijuca. Parte de um dos maiores cartões postais do Rio de
Janeiro, o Pão de Açúcar, o Morro da Urca se integra a história da
cidade sendo um ponto de interesse geológico, ecológico, ambiental,
cultural e histórico (LYRA: 2006, p. 201). Além disso, faz parte da
lista de patrimônios culturais da cidade maravilhosa e um de seus
principais atrativos turísticos (LYRA: 2006, p. 201), sendo um dos
monumentos naturais que está na entrada da Baía da Guanabara,
por onde os portugueses e outros europeus acessavam a região a
partir do século XVI. Esta região foi palco da disputa entre
portugueses e franceses pelo território sul-americano, com vitória
dos portugueses nesta querela (WEHLING & WEHLING: 1994).
410
Segundo o decreto-lei 25 de 30 de novembro de 1937, os
monumentos naturais se equivalem aos elementos do Patrimônio
Cultural brasileiro (SIRVINSCAS: 2009, p. 175). Um monumento,
seja ele natural ou cultural, tem como primeiro sentido nos lembrar
de algo importante tanto no presente como no passado. A ideia de
Patrimônio vem de herança, algo que as gerações passadas deixaram
para as gerações atuais e que tem relevância para a identidade
comum, contribuindo para a formação de nossa brasilidade
(PELEGRINI: 2009).

O turismo e o lazer têm sido formas de acessar esta herança


representada pelos diversos monumentos naturais e culturais que
compõem nosso patrimônio e se constituem como formas de se
incentivar a busca o passado (MENESES: 2006). Por ser uma Área
de Proteção Ambiental (APA), o turismo tem sido incentivada
estando em consonância com a Política Nacional de Unidades de
Conservação, lei número 9985 de 17 de junho de 2000, que institui o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SIRVINSCAS: 2009,
p. 373-383). Em parques naturais a prática do turismo e o incentivo
a pesquisas científicas têm sido fomentados desde a criação do
Parque Nacional do Itatiaia, em 1937 no Governo Getúlio Vargas
(DUARTE: 2006). Além disso, a ideia de encontrar algo preservado,
POR UM OUTRO AMANHÃ

como se o tempo não tivesse passado é algo que serve como


incentivo a visitação e a atividade turística, seja em ambientais
culturais ou naturais (MENESES: 2006; DUARTE: 2006).
Por ser um atrativo turístico muito visitado, este se configura como
um excelente lugar para a realização de uma visita técnica com
estudantes do curso de Técnico em Guia de Turismo. A Visita técnica
possibilita ao estudante a experimentação do atrativo turístico ainda
em seu processo de formação, o que lhe possibilita ampliar as
experiências vivenciadas neste percurso. Este método de ensino se
relaciona ao Projeto Pedagógico do Senac que tem como slogan o
"aprender fazendo" (SENAC: 2008; SENAC: 2013). A visita técnica
também possibilita o desenvolvimento da consciência histórica
(SCHIMIDT: 2014).

Para pesquisadores da área do turismo, o Guia de Turismo se


configura como a imagem do turismo para o turista que visita uma
determinada região (BOITEUX & WERNER, 2009; CHIMENTI &
TAVARES, 2007), tendo como função "prestar as informações
necessárias, também acompanhará o turista e irá orientá-lo durante
a viagem" (CHIMENTI & TAVARES, 2007, p. 20). Como principais
atividades que este profissional de turismo pode realizar, temos os
guiamentos em âmbito regional (ligado à cidade e/ou região onde o 411
guia atua), nacional, internacional e o especializado em atrativos
naturais e culturais (BOITEUX & WERNER, 2009; CHIMENTI &
TAVARES, 2007). Considerando as características do Morro da Urca
percebemos que este se liga tanto ao turismo regional quanto ao
especializado em atrativo naturais e culturais, se constituindo um
local de atividade do Guia no Rio de Janeiro.

Ao analisar a relação que se estabelece entre a História e Turismo na


análise do Patrimônio Cultural, Meneses descarta que para os
historiadores o monumento é algo para se refletir sobre a relação
passado-presente, enquanto para os turismólogos este se constitui
como um produto a ser comercializado (MENESES: 2006, p. 11).
Esta diferença de visão, contudo, não pode ser vista como algo que
exclui a relação entre as duas áreas, mas como uma área de fronteira
entre as duas ciências. Além disso, permite aos profissionais de
turismo o desenvolvimento da competência narrativa com base na
consciência histórica (SCHIMIDT: 2014).

Como docente no curso Técnico em Guia de Turismo no SENAC Rio,


venho analisando a relação entre o ensino de história e Turismo
(NASCIMENTO JÚNIOR: 2015). No decurso da formação do técnico
em guia, ao analisar o currículo proposto por esta instituição de
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ensino profissional, percebemos que as disciplinas ligados aos


saberes históricos ocupam aproximadamente 10% (dez por cento) do
mesmo (NASCIMENTO JÚNIOR: 2015). Na Unidade Curricular
História aplicada ao Turismo Regional, que conta com 36 horas de
aula, (SENAC: 2013) escolhi fazer duas visitas técnicas como forma
de possibilitar uma aprendizagem histórica (SCHIMIDT: 2014) que
esteja ligada a prática do Guia de Turismo.

A visita técnica em termos de método de ensino se assemelha ao


Estudo do Meio conforme proposto por Celestin Freinet (HAYDT,
2006; LIBANEO, 1994). Porém, enquanto no estudo do meio, o
aluno é levado ao lugar para fazer um levantamento de dados sobre
o ambiente, na visita técnica é feita uma simulação da prática
profissional através da observação e da prática no ambiente onde
poderá ser realizada a prática profissional. No caso do Guia de
Turismo, Morro da Urca se coloca uma possibilidade singular, pois
além de utilizar os conhecimentos advindos da aprendizagem
histórica, torna-se possível relacionar os conhecimentos históricos
com de outras ciências, tais como a Geografia, as Ciências
Ambientais e o Turismo. Como nos diz Tardif (2013), as práticas
docentes são baseados em diferentes saberes. Ao escolher a Morro
412 da Urca como um local para realizar a visita técnica possibilita ao
professor mobilizar tais saberes.

Como atividades a serem realizadas nesta visita técnica escolheram-


se: (1) uma explicação sobre a história do Bairro da Urca e sobre a
ocupação do Rio de Janeiro ainda no Século XVI; (2) seguido por
uma trilha iniciada na pista Claudio Coutinho e a trilha para o alto
do Morro; (3) observação da cidade a partir do alto do Morro e (4)
descida através dos Bondes. Esta sequência de atividades tem por
objetivo propiciar ao aluno futuro guia experimentar um pouco da
realidade que o turista poderá usufruir neste atrativo turístico.
Por fim, cabe destacar que, muitas vezes, ao se realizar uma visita
alguns turistas e pessoas que estão realizando atividades de lazer se
aproximam do grupo para ouvir as explicações que estão sendo
oferecidas pelos alunos na simulação que a atividade proporciona.
No caso em particular do Morro da Urca, muitas vezes, as pessoas
que se juntam apresentam curiosidade em saber sobre o nome da
Praia Vermelha, o nome do Pão de Açúcar e como foram levados os
cabos do bondinho para o alto dos dois morros, o da Urca e o Pão de
Açúcar. Esta visita técnica acaba proporcionando ao aluno uma
vivência de como ocorre o trabalho do Guia de Turismo e auxilia no
desenvolvimento de sua Consciência Histórica.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Referências

BOITEUX, B. do C.; WERNER, M. Introdução ao Estudo do


Turismo. Rio de Janeiro, 2009.
CHIMENTI, S.; TAVARES, A. de M. Guia de turismo: o
profissional e a profissão. São Paulo: Senac, 2007.
DUARTE, R. H. História e Natureza. Belo Horizonte, Autêntica,
2006.
FONSECA, T. N. História e ensino de história. 3ª Ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2011.
HAYDT, R. C. Curso de Didática Geral. São Paulo: Ática, 2006.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
LYRA, C. C. Documenta Histórica dos municípios do Estado
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Documenta Histórica, 2006.
MENESES, J. N. História e Turismo Cultural. Belo Horizonte,
Autêntica, 2006.
NASCIMENTO JÚNIOR, J. L. Ensino de História na Educação
Profissional: Reflexão sobre ensino de História aplicada ao Turismo.
in.: RICCI, C. S.; SIMAN, L. M. (org.) Encontro Nacional
Perspectivas do ensino de História, 9; Encontro
Internacional do Ensino de História, 4; questões
socialmente vivas e ensino de história: caderno de 413
programação e resumos. Belo Horizonte: CEA da UFMG, 2015,
p. 110 - 115.
PELEGRINI, S. A. Patrimônio Cultural: consciência e
preservação. São Paulo: Brasiliense, 2009.
SCHIMDT, M. A. Cultura histórica e Aprendizagem Histórica.
Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 6, nº 10, p. 31 - 50, jan./jun.
2014.
SENAC. Programa de Desenvolvimento Docente -
Ambientação. Rio de Janeiro: SENAC Rio, 2008.
SENAC. Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Guia de
Turismo. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2013.
SIRVINSKAS, L. P. (org.) Legislação de Direto Ambiental. 4º
Ed. São Paulo, 2009.
WEHLING, A.; WEHLING, M. J.; Formação do Brasil Colonial.
Rio de Janeiro, 1994.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

CONDIÇÃO JUVENIL: ELEMENTOS PARA UMA


APROXIMAÇÃO DAS JUVENTUDES CONTEMPORÂNEAS

Joilson de Souza Toledo

Introdução

A prática de sala de aula convida as professoras e os professores a


verem os estudantes não como alunos, sem luz, mas como crianças,
adolescentes e jovens, que dentro dos traços de suas idades, são
sujeitos de direitos e protagonistas de suas histórias de vida. Nesta
perspectiva focada nos jovens, apresentamos estas figuras que
povoam as salas de ensino médio a partir do conceito de condição
juvenil.

Uma primeira aproximação conceitual

Groppo (2000) define juventude como uma categoria social. "A


juventude é uma concepção, representação ou criação simbólica,
414 fabricada pelos grupos sociais ou pelos próprios indivíduos tidos
como jovens, para significar uma série de componentes e atitudes a
ela atribuídos" (2000, p. 7-8). Segundo Foraccchi (1977, p. 302)
"juventude é, ao mesmo tempo, uma fase da vida, uma força social
renovadora e um estilo de existência". De certa forma, podemos
dizer que as juventudes são uma construção social.
Ao pensar as juventudes enquanto categoria social, Santos nos
convida a indagações.

Mas que juventude é esta que já aparece diversa nessas páginas,


juventude da periferia, juventude pobre e juventude adolescente?
Desnaturalizar essas categorias, desconstruindo nossos
pressupostos, vindas das representações do mundo social (em nós
incorporadas), perguntando-nos de onde estamos falando,
esmiuçando os pré-significados adquiridos sobre tal conceito, ou
pré-conceito, que terminam por nos revelar que dentro do conjunto
de significados atribuídos à juventude, ela se torna apenas uma
palavra, na medida em que a categoria se torna tão ampla que não
permite pensar as juventudes singulares (2002, p. 45).

Sobre esta categoria no imaginário social brasileiro, Fernandes


(2010, p. 61) aponta que ela "é construída levando-se em conta
diferentes construções simbólicas do termo, seja na esfera pública ou
POR UM OUTRO AMANHÃ

privada". Por isso o lugar do educador deve ser considerado ao


entrarmos neste debate. Buscamos entender as juventudes a partir
do lugar de professores e educadores.

Saindo do senso comum, é possível ver que a "juventude não é


progressista nem conservadora por natureza, porém, é uma
potencialidade pronta para qualquer nova oportunidade"
(MANNHEIM apud SOFIATI, 2012, p. 29). Segundo Foracchi,
"juventude e história são entidades que se confundem enquanto
manifestação do novo" (1977, p. 303). Temos, nas juventudes,
elementos latentes que serão acionados segundo as trajetórias,
possibilidades e resiliências. Assim, "a juventude pertence aos
recursos latentes de que toda sociedade dispõe e de cuja mobilização
depende sua vitalidade" (MANNHEIM apud SOFIATI, 2012, p. 29-
30).

Segundo Groppo (2010, p. 19)

A condição juvenil se configura mesmo a partir de uma


relação entre sociedade versus indivíduos e grupos
juvenis. Entretanto, esta relação é dialética, ou seja,
fundada numa contradição entre o movimento da 415
integração/socialização e o movimento da
autonomia/criatividade. Dito de outro modo, a condição
juvenil é dialética porque está assentada sobre uma
relação de contradição entre sociedade e juventudes. [...]
Pode-se, deste modo, interpretar que desde o início do
"percurso" das juventudes na modernidade houve
possibilidades e concretas ações de protagonismo
juvenil, criação de identidades diferenciadas, resistências
e subculturas.

Juventudes e suas marcas

As pesquisas de Regina Novaes (2008) nos ajudam na aproximação


da realidade juvenil, ultrapassando os mitos e as generalizações tão
presentes no olhar que os adultos têm sobre os jovens. Juventude
não é um tempo de transição, nem de preparação, nem a solução ou
a causa de todos os problemas da sociedade. Em sintonia com
Novaes, Sofiati argumenta que

Há uma pluralidade de juventudes definidas a partir de


grupos sociais concretos que possuem um recorte
sociocultural de classe social, estrato, etnia, religião,
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

gênero, região, mundo urbano e rural, sendo que várias


juventudes convivem em um mesmo tempo e espaço
social, havendo, também diferenças entre jovens que
vivem numa mesma sociedade, como no caso da
juventude brasileira (2011, p. 55).

Entretanto, existem marcos geracionais que caracterizam esta


geração? Quais seriam? Ser jovem no mesmo momento histórico é
fazer uma experiência geracional comum? Existem alguns traços
comuns que caracterizam as diversas juventudes? Ser jovem no
mesmo momento histórico é fazer uma experiência geracional
comum? Existem alguns traços comuns que caracterizam as diversas
juventudes?

Uma imagem construída por Novaes (2008, p. 44-8) é a do jogo de


espelhos. Falar em juventudes seria falar de um espelho agigantador,
que sinaliza as grandes marcas do século XXI. Assim, as juventudes
refletem a sociedade e mostram os sinais que estão emergindo. A
novidade da sociedade encontra sua incubadora nos jovens.

A propagação veloz de símbolos e valores - via novas


416 tecnologias - permite que jovens, de diferentes locais do
mundo, tenham um mesmo universo de referência.
Diversidades e identidades se manifestam em um mesmo
país, entre países, regiões e continentes. Não há, hoje,
participação social que não tenha algum grau de
dependência das novas tecnologias de informação e
comunicação (2008, p. 50).

Ao se discutir sobre juventudes em geral emergem vários mitos,


projeções e generalizações que nascem de projeções otimistas e
pessimistas (NOVAES, 2008, p. 42-4). As juventudes carecem, pois,
de serem consideradas e acolhidas em sua realidade para além de
idealizações e projeções. Demandam, acima de tudo, serem
escutadas e incluídas nos processos participativos como afirma Leon
(2002, p. 35):

Neste cenário, persiste o clamor amordaçado das mais


diversas juventudes, movimentos, religiões e ideologias
por igualdade de oportunidades, em verdade pela
primeira oportunidade, e que vem sendo sucessivamente
negada por nossos governantes aos jovens de nosso país.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Novaes (2008, p. 46-7) sinaliza três marcas da experiência


geracional atual: o medo de sobrar, o medo de morrer precocemente
e a vivência em um mundo conectado.

Algo mais sobre as três marcas

No mundo contemporâneo, os jovens se perguntam: "como


assegurar um lugar no mercado de trabalho"? A realidade do
desemprego e as inovações tecnológicas mudaram as relações que os
jovens estabelecem com o trabalho. A dificuldade de conseguir um
emprego sinaliza que ninguém tem mais lugar garantido. Isso coloca
boa parte dos jovens fora do sistema de proteção do trabalhador
assalariado, conforme Sofiati (2011, p. 39). Sobrar é uma
possibilidade que se coloca para todas as pessoas. Além disso, na
sociedade neoliberal não há trabalho para todos e nem haverá. Uma
pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo aponta que

O Brasil chegou ao terceiro milênio carregando uma


enorme dívida social. Nosso país ainda não se revelou
capaz de satisfazer as necessidades básicas de milhões de
cidadãos. Alimentação, saúde, moradia, educação,
segurança e trabalho estão entre os bens existenciais 417
fundamentais que são sonegados ou negados a imensos
contingentes de excluídos (apud SOFIATI, 2011, p. 45).

Outro traço da presente geração é o sentimento de desconexão em


um mundo conectado. Nunca se esteve tão perto e tão longe ao
mesmo tempo. Esta geração vive algo nunca visto antes. As novas
tecnologias se apresentam como um dos elementos que configuram
esta geração: estar desconectado em alguns lugares do Brasil é como
não existir. Conforme pondera Lacerda e Gama (2014, p. 70-1)
"nossa vida mudou. Estamos inscritos em um mundo no qual a
informação ocupa centralidade". Argumentam que "nessa esteira,
podemos pensar que as práticas sociais "online" dos (as) jovens são
formas de integração a uma cultura tecnológica que lhes permite
circular em distintos espaços" (2014, p. 71). Bem como

Pensar as novas tecnologias da informação e da


comunicação como um importante disparador para a
constituição das identidades e subjetividades juvenis
representa mais que tomá-las como produtoras de
assujeitamentos. É reconhecer a possibilidade de mútua
interferência, e não meramente como resultado de um
processo de identificação (2014, p. 72).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Os jovens são apresentados como vítimas e autores da violência. Ser


jovem é perigoso. A série dos mapas da violência tem ajudado a
fundamentar este debate. O Mapa da Violência 2013 - Homicídios e
Juventude no Brasil nos mostra isso (WAISELFISZ, 2013, p. 5-6). A
violência tem lugar geográfico, social, econômico e étnico, conforme
Waiselfisz (2013). A violência juvenil deve ser vista dentro do
contexto de sociedade em que o jovem vive. Estamos diante de um
cenário, ou de cenários, marcados pela violência e pelo extermínio
de jovens homens, negros e das periferias e diante de um processo
de criminalização das juventudes, em especial dessa mesma
juventude empobrecida, negra e moradora das periferias,
confirmado pela morte prematura de um grande número de jovens
que vem crescendo nos últimos anos:

A taxa de homicídios da população total, que em 1996 -


últimos dados desse primeiro mapa - era de 24,8 por 100
mil habitantes, cresceu para 27,1 em 2011. A taxa de
homicídios juvenis, que era de 42,4 por 100 mil jovens,
foi para 53,4. A taxa total de mortes em acidentes de
transporte que em 1996 era de 22,6 por 100 mil
habitantes, cresceu para 23,2. A dos jovens, de 24,7 para
418 27,7. Também os suicídios passaram de 4,3 para 5,1 na
população total e entre os jovens, de 4,9 para 5,1
(WAISELFISZ, 2013, p. 6).

Trata-se de um cenário alarmante. Temos, diante de nós, o que o


Waiselfisz configura como "novos padrões de mortalidade juvenil"
(2013, p. 12). Entre os jovens a morte prematura é algo muito
próximo em vários lugares do Brasil. Não mais por doença, mas por
armas de fogo.

A taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes na população jovem


subiu de 17,2 em 1980, para 53,4 em 2011. Esses dados ficam mais
graves se considerarmos que na população em geral a taxa, da qual
falamos, oscilou de 10,2, em 1980, para 21,4, em 2011
(WAISELFISZ, 2013, p. 18). Nossas taxas de homicídios superam até
os dados dos grandes conflitos armados do mundo, segundo
Waiselfisz (2013, p. 21). O cenário lança luzes sobre a afirmação de
Novaes (2008, p. 46-7), sobre o medo de morrer precocemente
como uma das marcas desta geração. Vivendo nestes contextos, os
jovens vão descobrindo que tornar-se adulto é somente uma
possibilidade, não uma certeza.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Conclusão

Um processo educativo que deseja contribuir na formação de


sujeitos da história precisa reconhecer os jovens não só enquanto
sujeitos, mas entender estes sujeitos em sua condição juvenil.
Aproximar-se das pessoas jovens é uma questão vital para
educadores.

Neste ensejo, esta comunicação pretendeu ser uma contribuição


para construir aproximações. Estamos certos de que, mais do que
conceitos, a vivência de sala de aula é construída a partir da
interação de sujeitos. Desejamos que o debate aqui apenas
levantado, contribua não só no ensino da história, mas na trajetória
de educandos e educadores. Precisamos superar o mito que
"juventude" é algo que não se estuda; estudar juventude é cultivar o
encanto por ela.

Referências

FERNANDES, Silvia Regina Alves. Jovens religiosos e o


catolicismo: escolhas, desafios e subjetividades. Rio de
Janeiro: Quartet, 2010. 419
FORACCHI, Marialice M. O estudante e a transformação da
sociedade brasileira. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1977.
GROPPO, Luís Antonio. Condição Juvenil e modelos
contemporâneos de análise sociológica das juventudes.
Última Década, Valparaiso, n 33, p. 11-26, dez 2010. Disponível em
<http://www.scielo.cl/pdf/udecada/v18n33/art02.pdf >. Acesso em
20 Abr. 2015.
____________. Juventude: Ensaios sobre Sociologia e
História das Juventudes Modernas. Rio de Janeiro: DIFEL,
2000.
LACERDA, Mirian Pires Corrêa; GAMA, Silvia. Juventude e as novas
tecnologias. In: RIBEIRO, José Jair et al (Orgs.). Juventudes na
universidade: olhares e perspectivas. Porto Alegre: Redes
Editora, 2014, p. 69-85.
LEON, Alessandro Ponce de. "Juventude problema" - ou descaso
oficial?. In: NOVAES, Regina R.; PORTO, Marta; HENRIQUES,
Ricardo. A. Juventude, cultura e cidadania. ISER: Rio de
Janeiro; UNESCO: Rio de Janeiro. Comunicações do ISER, Ano
21, Edição Especial, 2002, p. 31-6.
NOVAES, Regina. Trajetórias Juvenis: desigualdades sociais frente
aos dilemas de uma geração. In: FERÉS, Maria José Vieira et al.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Texto complementares para formação de gestores. Brasília:


ProJovem Urbano, 2008. p. 42-52.
PORTO, Marta; HENRIQUES, Ricardo. A. Juventude, cultura e
cidadania. ISER: Rio de Janeiro; UNESCO: Rio de Janeiro.
Comunicações do ISER, Ano 21, Edição Especial, 2002, p. 43-56.
SOFIATI, Flávio Munhoz. Juventude Católica: o novo discurso
da teologia da libertação. São Carlos: EdUFSCar: 2012.
____________. Religião e Juventude: os novos
carismáticos. Aparecida: Ideias&letras, 2011.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2013:
homicídios e juventude no Brasil. Rio de Janeiro: CEBELA,
2013. Disponível em:
<http://www.abong.org.br/final/download/MapaViolencia2013.pdf
> Acesso em: 20 Ago. 2014.

420
POR UM OUTRO AMANHÃ

POEMA QUE TECE O PASSADO: CONTRIBUIÇÕES DA


LITERATURA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA

João Pedro Pereira Rocha

A relação ente História e Literatura, muito facilmente, acarreta


conflito, que surge de seus respectivos discursos, sobretudo quando
a primeira busca aproximações com a segunda. O imperativo em
questão diz respeito à dicotomia que pode haver quando o
historiador privilegia a literatura em sua análise sobre o passado.
Embora a literatura seja uma arte humana, produto de homens no
tempo, o conflito diz sobre a natureza ficcional da literatura, que não
tem obrigatoriedade com a veracidade dos fatos. Em sentido oposto
o historiador caminha em busca de representações alicerçadas em
documentos que o aproxima do acontecimento real.

Entretanto, as contribuições da Literatura para o Ensino de História


tornam-se ainda mais possíveis quando refletimos sobre o papel da
História, na escola. Como afirma Rafael Ruiz, sobre a edificação do
conhecimento histórico no meio escolar: 421
...significa ensinar a construir conceitos e aplica-los das
variadas situações e problemas; significa ensinar a
selecionar, relacionar e interpretar dados e informações
de maneira a ter uma maior compreensão da realidade
que estiver sendo estudada; ensinar a construir
argumentos que permitam explicar a si próprios e aos
outros de maneira convincente a apreensão e
compreensão da situação histórica, significa, enfim,
ensinar a ter uma percepção o mais abrangente possível
da condição humana, nas mais diferentes culturas e
diante dos mais variados problemas. (RUIZ, 2012, p. 78)

Seguindo as especificações de Rafael Ruiz (2012), sobretudo naquilo


que se refere a uma percepção abrangente da condição humana, pelo
estudante em sala de aula, é possível identificar o uso positivo da
Literatura nas aulas de história, uma vez que, a literatura permite o
contato com possibilidades que não afloradas, em momentos de
tensão da História. Para Selva Guimarães Fonseca, a literatura,
enquanto elemento social, "... ao problematizar a realidade, oferece
ao historiador, ao professor e aos alunos pastas e propostas
reveladoras da identidade social e coletiva" (GUIMARÃES, 2012,
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

p.318). Com isso a Literatura pode representar ferramenta


importante ao trabalho de professores e estudantes, nas aulas de
história.

A partir dessas considerações, o presente texto tem por objetivo


fazer um estudo sobre as contribuições da poesia para Ensino de
História. Isso será feito a partir da observação e pontuação do
discurso literário presente nos escritos de Castro Alves, poeta baiano
do século XIX, e crítico declarado ao sistema econômico escravista
vigente no Brasil da época. As reflexões e considerações serão feitas
a partir de poemas presentes nas obras "Espumas Flutuantes"
(1870) e "Os Escravos" (1883).

Castro Alves foi decididamente um crítico às questões de seu tempo,


algo perceptível na literatura das obras citadas, onde o autor faz
menção a dois acontecimentos marcantes no Brasil do século XIX: a
Guerra do Paraguai e a Escravidão de Negros. Em relação ao
primeiro a historiografia tem evidenciado ser este um momento
importante para a História Nacional, sobretudo pelo caráter
nacionalista empreendido nas missões militares, mesmo que em
grau embrionário.
422
Em sala de aula, a Guerra do Paraguai é um tema que o professor de
história pode vir a explorá-lo sobre diversas formas, como a partir
das possíveis, causas e consequências que determinaram o embate
entre nações no Cone Sul. Se o professor de história opta por
explorar a realidade da Guerra sob uma ótica mais aproximada da
realidade social, interrogando sobre os sujeitos históricos que
compunha a formação militar brasileira, certamente encontrará da
poesia de Castro Alves um documento de época que aponta para as
condições de milhares de soldados. Isso está explicito no poema
"Quem dá aos pobres, empresta a Deus", uma crítica ao tratamento
dado pelo Estado aos soldados mortos nas batalhas.

E esses Leandros, do Helesponto novo / Se resvalaram -


foi no chão da história / Se tropeçaram - foi na
eternidade / Se naufragaram foi no mar da glória... / E
hoje o que resta dos heróis gigantes? / Aqui - os filhos
que vos pedem pão / Além a ossada que branqueia a lua,
/ Do vasto pampa, no funéreo chão. (ALVES, 2009, p.41)

Outro momento no qual o autor faz referência a Guerra do Paraguai


é representado no poema "Ao dois de julho", também presente na
obra Espumas Flutuantes. Nele Castro Alves faz menção à batalha
POR UM OUTRO AMANHÃ

naval (Riachuelo) vencida pela marinha do Brasil na Guerra do


Paraguai, em 1865. O poema é de 1867.

Ao dois de julho
Basta!... Curvai-vos, ó povo!... / Ei-los os vultos sem par,
/ Só de joelhos podemos / Nest'hora augusta fitar /
Riachuelo e Cabrito / Que sobem para o infinito / Como
jungidos leões / Puxando os carros dourados / Dos
meteoros largados / Sobre a noite das nações / (ALVES,
2009, p. 52).

Na obra Os Escravos os autor traça linhas que o consagraram o título


de "poeta dos escravos". Questões abolicionistas e de denúncia ao
processo de escravização salta dos versos e permiti uma visão,
construída pela literatura, sobre aspectos da escravidão de negros no
Brasil do século XIX. Chama atenção os relatos sobre as condições
que passavam os escravizados, cotidianamente e durante o trafico
entre África e Brasil. Uma ficção que buscava denunciar e evidenciar
a desumanidade presente na escravidão, e presente nos poemas a
seguir:

A canção do africano 423


O escravo então foi deitar-se / Pois tinha de levantar-se /
Bem antes do sol nascer / E se tardasse, coitado, / Teria
de ser surrado, / Pois bastava escravo ser. (ALVES, 2009,
p. 37)

O navio negreiro
Ontem a Serra Leoa, / A guerra, a caça ao leão / O sono
dormindo à toa / Sobre as tendas da amplidão! / Hoje...
O porão negro, fundo. / Infecto, apertado, imundo, /
Tendo a peste como Jaguar... / E o sono sempre cortado
/ Pelo arranco de um finado / E o baque de um corpo no
mar. (ALVES, 2009, p. 101)

O tratamento dado aos negros escravizados é de longe um traço forte


no processo de escravidão no Brasil, que durante séculos teve sua
economia alicerçada pela força do trabalho dos negros vindos da
África. Sobre esse aspecto Michell Bergmann afirma que: "Na
travessia, costumavam ficar presos, em parte pelo medo de motins,
em parte para evitar que se jogassem ao mar, em gesto suicida."
(BERGMANN, 1976, p. 39), algo que concorda e complementa os
escritos de Castro Alves em "O navio negreiro". O aspecto
complementar em questão esta no campo da percepção, segundo a
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

qual o suicídio pode ser interpretado como ato de resistência à


exploração, algo não perceptível no poema, mas que o professor de
história poderá explorar em sala de aula. Assim os estudos de
natureza não literária (antropológicos, históricos e sociológicos, por
exemplo) podem suplantar uma limitação natural ao discurso
literário, que não tem compromisso com os acontecimentos em suas
particularidades mais específicas.

O trato da literatura como documento em sala de aula pode ser


percebida a partir da relação dialógica construía entre autor e leitor,
informada por Mikhail Bakhtin (1997), e que amplia as
possibilidades de interpretações sobre os acontecimentos, na medida
em que permite a construção da cultura a partir da relação entre
esses sujeitos. No caso dos poemas indicados neste trabalho, às
visões construídas de modo a problematizar o tema em questão,
podem dizer sobre a identidade do autor, o contexto da época, a
forma como tais versos eram socialmente difundidos. Nesse
contexto, e seguindo as indicações feitas por Roger Chartier (2010),
que aponta a importância da posição do leitor frente ao texto, é
importante identificar nos poemas de Castro Alves uma
possibilidade de reflexão para professores e estudantes.
424
A literatura construída por Castro Alves é um registro de seu tempo,
por isso pode ser tratada pelo professor de história sob a ótica da
inserção de documentos em sala de aula. Nesse sentido, e como
afirma Circe Bittencourt (2011) e Selva Guimarães (2012) é preciso
problematiza-lo a luz do conteúdo didático posto, e não mais como
simples ilustração ou complemento novidadeiro. No caso particular
deste trabalho os conteúdos, Guerra do Paraguai e Escravidão no
Brasil, ganham quando o professor de história decide fazer uso das
representações sociais presentes nos poemas de Castro Alves. Com
isso, modos de vida, expectativas, lutas, resistências, opressão, são
questões que saltam dos escritos, e que permitem ao estudante leitor
uma visão sobre o espaço temporal dos acontecimentos, dimensões
ausentes ou que podem estarem fragilizadas nos manuais didáticos.

Uma aproximação entre Literatura e História, pode vir a ser algo


representativo e importante para o campo do Ensino de História,
uma vez que a escola pode ser percebida como um espaço público de
produção e disseminação do conhecimento histórico, ações
possíveis, sobretudo por meio da interdisciplinaridade. A trajetória
dessa produção/disseminação para as normas historiográficas atuais
deve estar alicerçada em uma serie de conhecimentos produzidos
pelas mais diversas culturas. Tal aproximação, por meio de uma
POR UM OUTRO AMANHÃ

abordagem interdisciplinar em muito contribui para construção de


um conhecimento histórico escolarizado e capaz de oferecer ao
estudante o contato com múltiplas representações do passado, algo
percebido por meio das artes, e da arte literária presente nas obras
de Castro Alves. Com isso, há um ganho significativo para a
construção do conhecimento histórico em sala de aula, uma vez que
aos sujeitos envolvidos nesta ação, professores e estudantes, tem a
sua disposição uma linguagem sobre uma dada realidade social que
lhes permite problematizar a sua própria realidade, isso em
movimento constante de verificação das identidades sociais.
Por fim vale dizer que, sobre ensinar história, e de seu papel, o
Ensino de História, tal como o movimento historiográfico nos
últimos tempos, ganhou com o diálogo interdisciplinar entre a
História e a Literatura no ambiente escolar. Tais aproximações
permitem ao professor de história novos horizontes, novos
documentos, conseguinte, novas possibilidades para o processo de
ensino aprendizagem. O trabalho em sala de aula, com o gênero
literário poesia mostra inúmeros caminhos e alternativas de
discussão para conteúdos tradicionais na disciplina história. Para
além da beleza estética, os versos de Castro Alves denunciam seu
tempo, seja na Guerra do Paraguai ou sobre a Escravidão no Brasil,
sua militância política põe em evidência sujeitos históricos 425
marginalizados e auxiliam professores e estudantes no contato com
a diversidade da condição humana no tempo passado, na História.

Referências

ALVES, Castro. Espumas Flutuantes. São Paulo: Martin Claret,


2009, 190 p.
___. Os escravos. São Paulo: Martin Claret, 2007, 148 p.
BAKHTIN, Mikhail. O contexto de valores (autor e contexto
literário). In: Estética da Criação Verbal. Trad. Maria Ermantina
Galvão G. Pereira. 2ª ed. -- São Paulo: Martins Fontes -- (Coleção
Ensino Superior), 1997, p. 208-215.
BERGMANN, Michel. A condição escrava no Brasil. In: Nasce um
povo. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1976, p. 39-51.
BITTENCOURT, C. M. Usos didáticos de documentos. In: Ensino
de História: fundamentos e métodos. 4ª Ed. São Paulo:
Cortez, 2011, p. 325-338.
BLOCH, Marc. A história, os homens e o tempo. In: Apologia da
história ou o oficio do historiador. Trad. André Telles. Rio de
Janeiro: Zahar, 2001, p.51-68.
CHARTIER, Roger. História e Literatura. Topoi, Rio de Janeiro, nº
1, 2010, p. 197-216.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Disponível: http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi
01.htm Acesso em: 02/02/2016.
RUIZ, Rafael. Novas formas de abordar o ensino de história. In:
História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.
KARNAL, Leandro (org.). Contexto, 2012, p. 75-91.
GUIMARÃES, Selva. Literatura. In: Didática e Prática de Ensino
de História: experiências, reflexões a aprendizado. 13ª ed.
rev. e ampl. Campinas-SP: Papirus, 2012, p. 314-324.

426
POR UM OUTRO AMANHÃ

AS MULHERES NO CINEMA E O ENSINO DE HISTÓRIA


ANTIGA

José Luciano de A. Dias Filho

Trabalhar com História Antiga no Brasil sempre foi um desafio por


vários motivos, o fato de ser um período muito distante do tempo
vivido é um deles. Por esse fato muitos preferem estudar a
Modernidade, os conflitos sociais do Século XIX e as grandes
guerras do século XX. Para complementar, é adicionado o período
Colonial da América portuguesa, juntamente com o Império
Brasileiro e a Proclamação da República, pelo fim o século XX nos
oferece as disputas políticas divididas entre momentos de ditadura e
momentos democráticos.

Então, o que os antigos têm a nos oferecer? Para François Hartog, o


Renascimento estabeleceu uma equivalência entre o moderno e a
Antiguidade, de modo que o ser moderno significava imitar os
antigos, foi sobretudo como uma forma de desembarcar-se da Idade
Média, de romper com ela, relegando-a às trevas. (HARTOG, 2003, 427
p.124) A Antiguidade não é importante apenas porque faz parte de
um espaço na linha temporal da História do Homem, mas pelo fato
de produzir uma base cultural responsável pelos fundamentos da
sociedade. Segundo Norberto Luiz Guarinello, a História Antiga nos
ocidentaliza, pois ela nos insere na linha do tempo, nos posiciona na
História mundial como herdeiros do Oriente próximo, da Grécia e
Roma. Por ela, viramos sucessores da História Medieval, e a História
do Brasil se coloca como uma ramificação da História europeia nos
tempos modernos. (GUARINELLO, 2014, p.13)

Essa discussão em sala de aula é crucial, é importante deixar claro


que as temáticas a cerca da Antiguidade não são meramente
ilustrativas, mas tem uma ligação direta com a formação do
indivíduo. É preciso salientar que os vestígios antigos não são restos
de um passado distante, mas partes de uma memória viva, que se
comunica com o presente. Uma ótima forma de criar uma ponte
sobre essas discussões são com filmes, o cinema tem uma incrível
capacidade de representar o passado; não é incomum filmes
ambientados na Antiguidade virarem sucessos de bilheteria como
Tróia "2004" e 300 "2006".
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

É necessário salientar que o filme não é uma produção


historiográfica, mas sim uma obra de arte, logo ele não nem tem
comprometimento algum com a veracidade histórica. Ainda assim a
sua exclusão nas salas de aula como uma ferreamente de ensino é
uma atitude irreflexiva, por mais que um professor tente evitar, os
próprios alunos acabam assistindo tais filmes e quando o assunto da
aula for Grécia Antiga, a associação aos filmes Tróia e 300 é direta. É
mais proveitoso usar o cinema como um aliado no ensino, dispor das
vantagens que o filme tem em alcançar grandes públicos ou até
mesmo de ser uma forma lúdica de aprendizagem, e se preciso, usar
os próprios erros do filme em seu favor. "A história não são apenas
palavras impressas, mas impressas em páginas que, na maioria das
vezes, estão reunidas em espessos tomos cujo peso e volume ajudam
a ressaltar a solidez das lições ensinadas." (ROSENSTONE, 2010,
p.15)

Mediante a capacidade do cinema de explorar o passado, gerando


debates e discussões, e trabalhando o filme como uma ferramenta no
ensino de História Antiga, me proponho a utilizar os filmes Electra,
a vingadora (1962) e Ágora (2009) como recursos para repensar o
papel e a forma de viver das mulheres na Antiguidade. Por muito
428 tempo acreditou-se que a mulher estava restrita ao oikos, isolada da
participação política e limitada nas atividades sociais. Ainda assim
peças gregas como as de Eurípides (480- 406 a.C) e mulheres como
Hipátia, (370-415 d.C) nos revela que havia exceções, a mulher nem
sempre era tão passiva quanto a sociedade ordenava.

Electra, a vingadora (1962) é um filme grego dirigido pelo renomado


cineasta Michael Cacoyannis, a obra é uma adaptação de uma das
peças do tragediógrafo Eurípides. A trama de Electra se consiste na
vingança pela morte de seu pai, Agamenon, o rei de Micenas. Após o
seu demorado retorno da Guerra de Tróia, Clitemnestra, sua própria
mãe, juntamente com o amante Egisto assassinam Agamenon.
Mesmo sendo a filha do rei, Electra não tem poder para se vingar,
sua condição não permite tal ato. O único direito que Electra tinha
era o de se lamentar no funeral do pai, porem nem isso Egisto
permitiu. As lamentações serviam como uma forma de protesto e
incentivo a vingança, pois a lamúria fúnebre atuava como uma
forma de comunicação com o morto. Uma forma de gerar nas
pessoas um sentimento de solidariedade na dor da perda, para que
fosse motivado o ato da vingança. (SILVA, 2011, p.120) O ato da
vingança era papel do homem, no caso seu irmão mais novo,
Orestes, que foi exilado ainda na infância para que uma vingança
futura fosse evitada.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Segundo Marilyn A. Katz, a partir da perspectiva de ideais sociais, os


espaços da polis eram segregados: a esfera pública pertencia aos
homens, enquanto que as mulheres estavam presas ao domínio do
lar. (CARTLEDGE, 2009, p. 164) Nem todos os ideais de uma
sociedade são seguidos integralmente, existem exceções tanto nas
sociedades atuais quanto nas antigas. Eurípides faz questão de
mostrar em sua peça que a mãe de Electra é um modelo de mulher
não convencional comparado aos ideais sociais dos gregos antigos.
Após o irmão mais novo de Electra matar Egisto, marido de sua mãe,
ela fala: "O marido da mulher e não o inverso. É um vexame a
mulher cantar de galo em casa e não o homem". (Eurípides, 2009,
p.116) E mais adiante ela continua: "Não quero como esposo alguém
com ares frufru, mas com jeito macho" (Eurípides, 2009, p.116) É
bem possível que durante a Antiguidade Clássica, período em que a
peça foi escrita, existissem mulheres que mandavam na casa e
homens que não tinham a autoridade devida para com suas esposas.
A vingança do assassinato do pai de Electra só pode ser completa
com a morte de sua própria mãe, mas Orestes fraqueja no momento
de cometer o matricídio. Electra se apresenta forte e decidida,
enquanto Orestes perde a coragem pensando no horror que é matar
a própria mãe. Nessa cena esquecemos a condição de submissão da 429
mulher, Electra se torna agente direta da trama que vivencia,
diferentemente de seu irmão.

O filme Ágora (2009) dirigido por Alejandro Amenábar, é um filme


biográfico. Ele conta a história de Hipátia, filha de Teón, um grande
matemático de Alexandria. Desde nova ela demonstrou interesse
pelos estudos do pai, mas também se dedicou bastante a filosofia. É
possível estudar a figura de Hipátia como uma exceção na sociedade
do Império Romano, sua intelectualidade era muito reconhecida,
alunos de muitos lugares vinham apenas para estudar com ela.

"Ao contrário, por exemplo, das atenienses, era


permitido à mulher casada romana sair de casa, desde
que vestida adequadamente, freqüentar teatros, feiras e
tribunais e sendo respeitada. O casamento era uma
cerimônia solene, onde estava representada a passagem
da tutela do pai sobre a filha para o marido."
(MONGELÓS, 2011, p.3)

O detalhe crucial é que Hipátia não era casada, após o falecimento


de seu pai ela fica sem nenhum tipo de autoridade masculina sobre
ela, já que o casamento representa a transferência de tutela do pai
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

para o marido. No entanto, ela não teve as atividades restritas em


Alexandria, continuava ensinando e tendo influência nos assuntos
da cidade. É possível considerar até mesmo que Hipátia atuava
diretamente na política de Alexandria, não que ela exercesse algum
cargo público, mas falava livremente entre as autoridades de
Alexandria, como Orestes, o prefeito da cidade.

Segundo Ana Clara Cabeceira, Hipátia tinha uma grande


importância política na cidade. Graças a ela, Orestes, pôde formar
um grupo político tendo o apoio até mesmo dos judeus. Era claro e
todos viam que o prestígio de Orestes aumentava com a ajuda de
Hipátia. Até mesmo o bispo Cirilo, que espalhava mentiras sobre ela,
como acusações de feitiçaria. (CABECEIRA, 2014, p.17-18) No filme
essa importância política não é tão clara, mas muitas cenas mostram
Hipátia dando sua opinião a cerca dos conflitos na cidade, mesmo
sendo sempre oprimida.

Hipátia vivencia um momento de forte intolerância religiosa, o


cristianismo havia se tornado a religião oficial do Império desde 380
d.C., e o formato de vida da filosofa atraia a tenção dos cristãos.O
Império Romano era cristão, Hipátia logo deveria ser casada e se
430 dedicar a criação dos filhos, de acordo com modelo de vida cristão
imposto as pessoas. Mas ela foi o oposto, era influente na cidade,
não se declarava cristã e participava ativamente da política da
cidade. Uma exceção do modelo de vida feminino em que estamos
acostumados de ver na Antiguidade.

Sabe-se que a imposição rigorosa do modo de vida para as mulheres


não era algo da tradição helênica, embora não sugeria a igualdade de
gêneros, mas também não rebaixava tanto a mulher. Pode-se admitir
que esse tratamento tão desigual veio com o cristianismo. A imagem
das mulheres, desde a Antiguidade, é ligada de alguma forma à
heresia. A figura das "mulheres heréticas", fez com que no decorrer
da história da Igreja Católica as mulheres fossem privadas dos
cargos eclesiásticos. Essa associação das mulheres com a heresia
revela o tamanho da opressão patriarcal com que elas foram tratadas
no decorrer da história da Igreja. (CABECEIRA, 2014, p. 33, 37)

Para Marc Ferro, o filme não é apenas um agente histórico por


desempenhar um papel ativo contribuindo para uma
conscientização, mas é uma contra-análise da sociedade. (FERRO,
2010, P.11) Os filmes trabalhados são representações da
Antiguidade, mas refletem a sociedade e o tempo em que foram
produzidos, logo a partir da trama inserida no filme é possível
POR UM OUTRO AMANHÃ

analisar a forma como a História Antiga é apresentada ao público ou


que tipo de discussões o cinema pretende gerar. Os debates sobre
gênero tem sido intensos na nossa sociedade, e de muitas formas
chega à sala de aula. O cinema é um dos meios em que o professor
pode explorar esses e outros assuntos, fazendo uma ponte entre o
passado e atualidade.

Diante dos dois filmes trabalhados, podemos notar que mesmo sob a
opressão e exclusão feminina de suas respectivas sociedades, tanto
Electra quanto Hipátia são representadas nos filmes como figuras
que lutam por aquilo que acreditam. A representação da História
Antiga no cinema não só abre discussões sobre a vida feminina
durante a Antiguidade, mas nos propõe a refletir debates presentes
na nossa própria atualidade.

Referências

CABECEIRA, Ana Clara da Silva. A vida de Hipácia de


Alexandria: Representações de Gênero na Antiguidade
tardia. Brasília: 2014.
CARTLEDGE, Paul. História ilustrada Grécia Antiga. São
Paulo: Ediouro, 2009. 431
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Paulo: Ateliê Editorial, 2009.
FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
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HARTOG, François. Os Antigos, o passado e presente. Brasília:
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História. Paulo: Editora Paz e Terra, 2010
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Antiga: lenda e realidade. Portugal: Universidade de Coimbra,
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Transgressoras em Atenas no Século V a.C. Dissertação
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Média no discurso fílmico. Rio de Janeiro: PEM, 2013.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O ENSINO DE VALORES NO ENSINO DE HISTÓRIA:


REFLEXÕES

Júlia Helane Assis da Silva

Introdução

Pensar em como ensinar História sempre suscitará debates acerca


dos possíveis caminhos a serem percorridos. Mas quando os
estudantes questionam: 'Mas... pra quê mesmo que eu preciso saber
disso tudo? De toda essa 'História'?' A preocupação em tornar
compreensível o sentido da História ensinada também se torna
imperativo e as possíveis respostas nos leva a refletir em o que se
pretende hoje no ensino desta disciplina.

Por um bom tempo percebemos a necessidade de se ensinar História


levando em consideração a importância de se discutir os métodos e
processos presentes na construção de seu discurso, além do contexto
e do lugar social do historiador que escreveu determinada narrativa.
432 A preocupação consistia em levar o aluno a problematizar que o
campo de conhecimento da História é constituído por discursos e
escolhas, que nada mais são do que pontos de vista, e não verdades a
serem adquiridas sob a forma dos conteúdos disponibilizados nos
livros didáticos. Nesse sentido, como se realizaria então o ensino da
História nesta perspectiva: sem o estudo de um conteúdo. A resposta
encontrada seria que ao lado do procedimento metodológico, a
necessidade do estudo de uma narrativa com enredos e personagens
também é fundamental. Seguindo este pensamento, quais os
conteúdos necessários para se compreender a História, e ainda mais,
o que é levado em consideração quando se realiza a escolha desses
conteúdos?

O quadro de conteúdos reunidos para compor o saber histórico


escolar constitui o que compreendemos por disciplina escolar - neste
caso, a disciplina História - que é formada de acordo com FONSECA
(2003), por um ''conjunto organizado de conhecimentos,
apropriados para a escola'', representando o reflexo de sua época,
onde, segundo a mesma autora:

Elas podem ser compreendidas tanto em seu processo de


construção no tempo, como em suas relações com a
produção do saber científico, com os interesses políticos
POR UM OUTRO AMANHÃ

do estado ou de grupos específicos da sociedade, com os


mecanismos de divulgação e vulgarização do saber, com
as influencias de universos culturais específicos nos
quais se produziram ou nos quais atuam e, é claro, com
as práticas que as envolvem no universo escolar
propriamente dito. (FONSECA, 2003 p.9)

Deste modo, considerando as influências dos atores envolvidos na


construção da disciplina escolar, escolhe-se também o que se deve
ou não fazer parte da memória coletiva, abarcando deste modo a
seleção dos valores que devem ou não ser incorporados pelos
estudantes.

O papel formador da disciplina escolar História

Em uma visita à História do ensino de História no Brasil e no


mundo, observamos que o saber histórico escolar foi ao longo dos
anos pensado tendo em vista uma finalidade, seja no
empreendimento de uma História Sagrada - no seio da Igreja
Católica - seja pelo viés de uma História Nacional- de
responsabilidade do estado - esta disciplina estava associada a um
ideal, uma vez que se preocupava com a formação (moral) do ser 433
humano o que implicava certamente o ensino de valores, expressos
enquanto formas de condutas que deveriam ser respeitadas ou
obedecidas dependendo do contexto para a vida em sociedade,
reafirmando que:

A História como formadora de subjetividades, é um


saber e uma prática inseparável de discussões éticas e
políticas. O ensino e a escrita da História implicam
sempre a tomada de posição política e defesa de valores,
mesmo quando não se está atento para esses aspectos.
(ALBUQUERQUE, Durval Muniz, 2012, pp.33).

A seleção implícita ou explícita de valores no campo da História


ensinada tenderia, portanto, à conduzir e guiar, indicando deste
modo o dever-ser, pois, uma de suas definições compreende que ''os
valores não são coisas ou supra-coisas, não tem realidade ou ser,
mas seu modo de ser é o dever-ser'' (ABBAGNANO, Nicola 2007 pp.
1004). Situando-se assim no campo das subjetividades, da vontade
do homem social, neste caso, se relacionando com as atitudes de
conduta que se deseja da humanidade em detrimento de outras
possivelmente nocivas:
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A melhor definição de Valor é a que considera como


possibilidade de escolha, isto é, como uma disciplina
inteligente das escolhas, que pode conduzir a eliminar
algumas delas ou a declará-las irracionais ou nocivas, e
pode conduzir (e conduz) a privilegiar outras, ditando a
sua repetição sempre que determinadas condições se
verifiquem (ABBAGNANO, 2007 p. 1004).

Para Dilthey ''A própria história é a força que produz determinações


de Valor, ideias e metas, com base nos quais se determina o
significado de homens e acontecimentos.'' (ABBAGNANO, 2007 pp.
1003). Os valores, compreendidos ainda na expressão dos
significados do passado, seriam uma forma de conhecer as
permanências e rupturas no seio da sociedade, além dos modos do
saber e do fazer dos homens em função do tempo. A possibilidade de
investigação desse movimento, nos leva a pensa-los ainda,
concordando com Eric Hobsbawm (1998), como o setor inflexível da
História, já que o processo de mudança de valores muitas vezes se
faz lenta encontrando-se resistências, pois o ''passado social
formalizado é claramente mais rígido, uma vez que fixa o padrão
para o presente'' (HOBSBAWM, 1988 pp.23).
434
Sendo assim, seu ensino se realizaria a princípio por duas vias: a
primeira na qualidade de manter determinados valores; a segunda,
de revê-los como é o caso da inserção do debate de gênero em sala
de aula nos dias atuais. Um exemplo significativo do percurso de
manutenção e até mesmo de revisão do sistema de valores no Brasil
é a questão da cidadania, valor presente desde os primeiros indícios
da História ensinada no país.

Considerações: Quais valores queremos?

Na medida em que é elaborada pelo estado, pelos agentes da


educação e, de certa maneira, em diálogo com os desejos da
sociedade em geral, ainda que se constituam em embates
intermináveis do que seja moralmente certo ou errado, as
subjetividades estão presentes nos programas curriculares do ensino
escolar, que nos mostram quais são os valores desejáveis de nosso
tempo. Sendo possível verificar que o ato da seleção de conteúdos
históricos tem o intuito de ensinar um acontecimento para a partir
daí tecer reflexões morais imersas de valores.

Portanto, tendo em vista que a História tem sido mediadora do


ensino de valores e que nos dias de hoje não se distancia desta
POR UM OUTRO AMANHÃ

tarefa, a pergunta que continua ecoando seria a de que: é possível


estabelecer valores permanentes ou inerentes ao campo da História?
Ou seja, valores imprescindíveis para o seu ensino, um valor que
independa do tempo no qual se encontre, já que toda narrativa
histórica transformada em saber histórico escolar tem um valor
implicado.

A resposta longe de ser única, acompanha a rede de relativismo em


que a História foi constituída, uma vez que 'a história afirma o que é
verdadeiro; no entanto, suas verdades não são absolutas', segundo
(PROST,2014, p. 257). O debate em torno do ensino de valores
entra, portanto, neste mesmo paradoxo de determinação da verdade,
mas que ainda continua com a tarefa de conduzir e guiar o
indivíduo.

Tais reflexões são uma tentativa de responder aos alunos o que


pretende o estudo da disciplina História, qual seu sentido de
compreender o que somos hoje, ao mesmo tempo em que nos leva a
refletir o que de fato é importante aprender e ensinar, que tipo de
estudos a História pode ainda pode nos revelar, que dúvidas ainda
podemos ter acerca do ensino dos diferentes discursos que
encontramos ao longo do nosso percurso enquanto professores, e de 435
como caminhar a partir destas considerações.

Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. São Paulo:


Martins Fontes, 2007.
ALBUQUERQUE, Durval Muniz. Fazer defeitos nas memórias: para
que serve o ensino e a escrita da história? In: GONÇALVES, Márcia
de Almeida ET AL (org.). Qual o valor da história hoje? -Rio de
Janeiro: Editora FGV, 201, p. 21-39.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de
história: Experiências, reflexões e aprendizados. Campinas,
SP: Papirus, 2003.
FONSECA, Thais Nívia de Lima. História & ensino de História.
-3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. 120p.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
PROST, Antoine. Doze Lições sobre a história. -2 ed.;2. Reimp.
-Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

REFLEXÕES EM TORNO DO ENSINO DE HISTÓRIA


ANTIGA NA GRADUAÇÃO: RELATO DE EXPERIÊNCIA A
PARTIR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

José Petrúcio de Farias Júnior

Refletir sobre o ensino de História de Antiga tanto na Educação


Básica, quanto no Ensino Superior, em tempos de reelaboração da
Base Curricular Comum, assume, para muitos historiadores, caráter
de militância. Ainda que saibamos que esta designação seja
exagerada, ela sinaliza uma postura bastante comum no meio
acadêmico, isto é, defendida por muitos historiadores. Não é difícil
perceber que pesquisadores se questionam se não seria de fato mais
produtivo suprimir dos projetos curriculares do ensino superior
estudos dedicados à Antiguidade Oriental e Ocidental em
detrimento da história pátria ou se não seria mais adequado investir
na compreensão do aluno sobre a história regional ou nacional em
lugar de períodos históricos mais recuados.
436 Estes posicionamentos, mais presentes nos últimos dias, por ocasião
das reflexões em torno da consolidação da Base Nacional Comum
Curricular, mobilizaram os historiadores de História Antiga, de
todas as regiões do Brasil, a apresentar seus argumentos acerca da
relevância dos estudos da Antiguidade e do Medievo para
compreensão do mundo contemporâneo. Entre eles, dois são os mais
evidenciados: em primeiro lugar, considera-se tendenciosa qualquer
proposta que limite as experiências cognitivas dos alunos, porquanto
se subestima a capacidade dos estudantes em compreender os
processos históricos, suas apropriações e ressignificações.

Além disso, destaca-se que a Antiguidade e o Medievo, ainda que


tenham sido momentos históricos constituídos por sociedades
plurais, cujas categorias de pensamento, modos de agir, crenças,
convicções, princípios e valores político-culturais sejam muito
diferentes da sociedade na qual estamos inseridos, ajuda-nos a
pensar sobre como determinadas experiências humanas foram
ressignificadas ou sobre como atribuímos novos sentidos a nós
mesmos, como cidadãos, e ao mundo em que vivemos.

Afinal, como entender nosso mundo contemporâneo sem que


observemos como ele começou a ser construído? Mais precisamente:
como entender o socialismo sem estudar o surgimento da
POR UM OUTRO AMANHÃ

propriedade privada? Como entender a expansão do cristianismo no


Ocidente sem conhecer o processo de afirmação do discurso cristão
no Império Romano? Ou como entender a concepção moderna de
democracia sem que reflitamos sobre a emergência dessa prática
política na Antiguidade e suas apropriações pelo Ocidente?

Estes questionamentos, entre muitos outros possíveis, levam-nos a


reconhecer o motivo pelo qual não se deve negligenciar a
Antiguidade e o Medievo na Educação Básica, menos ainda no
Ensino Superior. Estes componentes curriculares, no Ensino
Superior, tornam-se indispensáveis para o desenvolvimento da
capacidade reflexiva dos graduandos para lidar com elementos que
compõem as nossas experiências cotidianas, como a concepção de
democracia, a ideia de república, os movimentos cristãos, as
circunstâncias históricas que viabilizaram a emergência de discursos
religiosos, que movimentam hoje milhões de seguidores ou que
possibilitaram a emergência do próprio gênero histórico, entre
outros.

Compreender a sobrevivência destas práticas político-culturais no


mundo contemporâneo torna-se indispensável para pensar as
particularidades das circunstâncias históricas nas quais estamos 437
envolvidos. Trata-se, em outras palavras, de uma maneira de
desnaturalizarmos o modo como nossa sociedade está organizada,
isto é, entendê-la como uma invenção humana que não prescinde do
acúmulo de experiências, as quais são, em certa medida, repensadas,
ressignificadas ou tornam-se obsoletas, tendo em vista as demandas
sociais que se apresentam em cada momento histórico.

Além disso, a tentativa de compreensão de sociedades antigas,


particularmente, torna-se uma atividade indispensável à formação
do historiador que consiste em exercitar o olhar sobre o „outro‟, seus
modos de agir e pensar, crenças e percepções de si. Olhar o ‟outro‟, a
partir de suas experiências, seu universo simbólico ou a partir da
forma como confere inteligibilidade a si e ao mundo em que vive,
permite-nos aprimorar a reflexão sobre o nosso lugar no presente.

Assim, ao contrário de estudar a Antiguidade como um período


produtor de experiências culturais a serem emuladas por nós,
convém pensar os antigos a partir de sua „diferença‟ em relação a
nós. Queremos dizer, com isso, que é aconselhável estudar uma
História Antiga que faça sentido às nossas indagações ou
inquietações sociais. Sob esta ótica, o desenvolvimento de situações
de aprendizagem por meio do uso de fontes históricas antigas deve
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

contribuir para que nossos jovens manifestem um posicionamento


crítico acerca das práticas culturais e políticas que emergiram na
Antiguidade sob circunstâncias históricas específicas e se
apresentam na contemporaneidade de uma maneira bastante
particular.

No que diz respeito aos currículos de graduação em História das


regiões norte e nordeste, ainda que se percebam muitas diferenças
quanto à disposição da carga horária das disciplinas que constam na
matriz curricular, nota-se que o espaço dedicado ao estudo da
Antiguidade tem se limitado a uma única disciplina semestral de
aproximadamente 60 horas. Algumas universidades oferecem-na em
90 horas, mas são raros os casos em que elas são ministradas em
dois semestres. E esta redução da carga horária tem se tornado
comum em virtude das orientações provenientes das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Superior, as quais, no campo
da História, têm requisitado a inserção de novos conteúdos, tais
como História e Culturas africanas e afro-brasileiras bem como
História indígena. Não questionamos a relevância de tais estudos,
muito pelo contrário, mas sim a interpretação que muitos
historiadores atribuíram a estas reformas curriculares.
438
Dessa forma, as propostas de reformulação dos projetos político-
pedagógicos dos cursos de Licenciatura em História, associada à
desculpa de que não há historiadores de história antiga e medieval
suficientes no país para atender às demandas das regiões norte e
nordeste bem como a predisposição de muitos historiadores pelo
estudo do tempo presente ou estudos voltados à História do Brasil
ou da América Latina – perfil, diga-se de passagem, dos cursos de
pós-graduação das regiões norte e nordeste – contribuíram para
reforçar e até mesmo justificar o movimento de desvalorização da
História Antiga e Medieval nos currículos de Licenciatura em
História.

Enfim, para muitos historiadores lotados institutos de ensino


superior do norte e nordeste, as reformas curriculares estariam
ancoradas na valorização da história do tempo presente ou da
história do Brasil em oposição ao estudo das sociedades antigas
orientais e ocidentais, incluindo a História Antiga da América.

A redução da carga horária em História Antiga produz significativos


impactos no ensino. Em virtude desta redução, muitos docentes se
limitam ao estudo de alguns aspectos político-culturais da Grécia e
de Roma, prática de ensino que, a meu ver, reforça as dicotomias
POR UM OUTRO AMANHÃ

entre ocidente e oriente, isto é, este recorte em geral desvaloriza a


importância dos contatos culturais no Mediterrâneo como elemento
fundamental para o desenvolvimento das sociedades antigas. Em
outras palavras, o estudo da Grécia e de Roma são, em geral,
apresentados de maneira dissociada dos diálogos que tais sociedades
estabeleceram com os fenícios, sobretudo do norte da África, com os
egípcios e demais sociedades nilóticas bem como com os impérios
mesopotâmicos e grupos étnicos do Levante. O foco em
determinadas experiências político-culturais da Grécia e Roma
produz a falsa percepção de que tais sociedades produziram
experiências políticas e culturais originais, isto é, desprovidas de
quaisquer influências e relações com as sociedades antigas orientais.

Os docentes que, a despeito da redução da carga horária, procuram


desenvolver situações de aprendizagem que contemplam a
Antiguidade Oriental e a Antiguidade Ocidental, grupo em que eu
estou inserido, apresentam muitas vezes as sociedades antigas como
uma espécie de catálogo ou quadros muitos genéricos e superficiais
de tais grupos humanos por causa da falta de tempo em abordá-las
de maneira mais apropriada, isto é, por meio de reflexões em torno
de fontes históricas escritas, iconográficas, cartográficas bem como
da cultura material. 439
Este aspecto é um pouco minimizado na Universidade Federal do
Piauí, campus de Picos, porque a disciplina de história antiga, ainda
que seja concentrada no primeiro semestre e tenha carga horária
equivalente a 60 horas, as aulas são ministradas duas vezes por
semana com duração de, no máximo, duas horas. Então, em vez de
15 encontros semanais por semestre, nós temos 30 encontros
semanais. No interior destas 30 aulas, 03 são dedicadas a uma
espécie de introdução aos estudos da Antiguidade em que se
mostramos aos alunos com que fontes históricas e quadros teórico-
metodológicos pretendemos trabalhar, a natureza interdisciplinar da
História Antiga e, por fim, alguns aspectos indispensáveis à análise
documental, conteúdos importantes para ingressantes do curso de
História, já que a disciplina pertence ao primeiro semestre do curso
de Licenciatura.

Após este estudo introdutório, parte-se para a Mesopotâmia (04


aulas), com ênfase no processo de urbanização e consolidação das
instituições político-administrativas e suas relações com as práticas
religiosas; depois para o Egito (04 aulas), em que mais uma vez,
confere-se destaque à relação mútua de solidariedade entre política e
religião, em seguida, migramos para o estudo da História Antiga de
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Israel (04 aulas), no interior da qual salientamos as relações entre


Arqueologia e História bem como elementos que nos ajudam a
pensar a intencionalidade por trás da escrita do que comumente
chamamos de „Antigo Testamento‟.

Para evitar que tais sociedades antigas sejam estudadas às pressas, o


que contribuiria para que os alunos tivessem apenas notícias sobre
tais civilizações, cada módulo é iniciado por meio de uma situação de
aprendizagem que intitulamos de Laboratório de História Antiga. A
proposta desta aula consiste em analisar uma fonte histórica e
utilizá-la como ponto de partida para refletir sobre determinada
civilização.

Dessa forma, antes de iniciar as reflexões sobre os principais


impérios na Mesopotâmia, o Egito e sua relação com as sociedades
nilóticas ou Israel e os povos do Levante, os alunos entram em
contato com as fontes a fim de perceber diferentes categorias de
pensamento, particularidades quanto a valores e princípios político-
culturais bem como especificidades no âmbito da organização
administrativa. Iniciar um módulo pela fonte histórica permite, a
nosso ver, instrumentalizar os graduandos quanto ao uso de
440 diferentes tipos de fonte, suas marcas de autoria, destinatário,
formas de circulação, entre outros aspectos, mas principalmente
evita abordagens conteúdistas ou práticas de ensino meramente
instrucionais. Então, ao final do estudo de determinada civilização
antiga, é possível que o discente reconheça as circunstâncias
históricas e condições de produção da fonte em questão bem como
se posicione diante da historiografia que versa sobre as fontes
analisadas.

A proposta é que as aulas amadureçam o „olhar‟ do discente sobre a


fonte. Esta estratégia de ensino evita, a nosso ver, o estudo da
Antiguidade como uma espécie de catálogo de civilizações das quais
temos apenas notícias. Quero dizer, mais precisamente, que o
contato com os diferentes tipos de fonte possibilita experimentar a
alteridade histórica e, adicionado a isso, dirimir perspectivas
reducionistas ou simplificadoras sobre tais sociedades.

O fato de os cursos de História Antiga estar, em geral, alocados nos


primeiros anos da graduação, torna-se uma excelente oportunidade
não só para treinar o graduando, historiador em formação, quanto
ao uso de diferentes tipos de fonte, mas também para sensibilizá-los
quanto às diferentes metodologias de análise documental de que o
historiador faz uso.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Após ter assisto às aulas sobre Mesopotâmia, Egito e Israel, por


exemplo, a ideia é que os alunos já tenham entrado em contato com
diferentes tipos de fonte. Neste ponto, os discentes já passaram por
situações de aprendizagem centradas no gênero épico, como
„Epopeia de Gilgamesh‟, em fontes epigráficas, como a „Estela de
Hammurabi‟, fragmentos de fontes escritas de natureza biográfica,
como „o nascimento de Sargão‟, escrito provavelmente pelo escriba
Anet, 119, e administrativa, como os documentos produzidos pelos
templos e palácios, os quais indicam a movimentação de bens e a
dinâmica de concessão de propriedades privadas, como nos explica
Emanuel Bouzon.

Além disso, nas aulas sobre o Egito Antigo, os graduandos tem a


oportunidade de conhecer outros tipos de fontes históricas como os
hinos, dedicados a divindades do panteão egípcio, fontes
iconográficas que remontam a atividades econômicas e práticas
político-religiosas a fim de que compreendam a relação mútua de
solidariedade entre política e religião na Antiguidade.

E, nas aulas sobre a história antiga de Israel, mais um desafio: o uso


de textos sagrados como fonte histórica; isto implica compreender o
Antigo Testamento sob a ótica do processo de fortalecimento das 441
monarquias israelitas no Levante, a partir do século VII a.C bem
como sua natureza instrutiva ou pedagógica, sobretudo no âmbito da
construção de identidades.

Como se observa, estas situações de aprendizagem consomem


quinze aulas das trinta dedicadas ao estudo da Antiguidade. Ainda
no âmbito dos estudos da Antiguidade Oriental, uma aula é dedicada
ao estudo dos persas com ênfase na concepção de império e nas
estratégias adotadas pelos monarcas persas para assegurar a
unidade político-administrativa. Aproveita-se esta oportunidade
para relacionar os impérios persa, egípcio (reino novo) e
mesopotâmicos (babilônio, assírio e neobabilônio) a fim de que se
compreenda os dispositivos políticos que contribuíram para
constituição de núcleos de poder e suas áreas de influência. Por fim,
dedica-se mais uma aula ao estudo dos fenícios principalmente sob a
ótica de seus contatos culturais no Mediterrâneo.

Nota-se que este percurso é exaustivo e não prevê, por exemplo,


eventualidades como feriados, afastamentos para congressos, bancas
ou até mesmo casualidades quaisquer que impeçam o graduando de
assistir uma parcela das aulas. Para que esta proposta de ensino
funcione, é necessário que as 17 aulas sejam ministradas
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

impreterivelmente, ainda assim, o estudo sobre os persas e sobre os


fenícios ficam achatados em apenas uma aula (de duas horas) cada
um. Outro agravante versa sobre o volume de leituras para cada
módulo. Em geral, os graduandos têm dificuldade em ler e refletir
sobre todos os textos e fontes históricas solicitados. Também não é
difícil perceber que as interações em sala de aula ficam prejudicadas.

As aulas são apresentadas no formato expositivo-dialogado, as


intervenções ocorrem de maneira propositiva, mas as explicações
fundamentais para o amadurecimento do „olhar‟ sobre as fontes são
ministrados sempre às pressas, o que se torna um agravante quando
se pretende lecionar a Antiguidade sob a ótica dos contatos culturais
e a partir de inquietações contemporâneas sem que recorramos a
comparações entre presente e passado de maneira anacrônica ou
inadequada, tendo em vista as especificidades destas sociedades.

Quanto às situações de aprendizagem que versam sobre a


Antiguidade Ocidental, são reservadas apenas 13 aulas:
aproximadamente seis para Grécia e seis para Roma. Tal como
mencionamos anteriormente, a introdução de cada civilização ocorre
por meio da leitura de fontes históricas em aulas intituladas por nós
442 de „Laboratório‟. Para introduzir os estudos sobre Grécia Antiga, são
recomendadas leituras de alguns capítulos da Ilíada, de Homero; Os
trabalhos e os dias, de Hesíodo e apenas trechos da Constituição de
Atenas, de Aristóteles.

A fim de viabilizar tais investigações nosso recorte permanece


voltado às relações mútuas de solidariedade entre política e religião.
Como os estudos sobre as fontes históricas gregas e a democracia
ateniense, em particular, demandam certo tempo de
amadurecimento das ideias, as leituras sobre Roma Antiga,
localizadas no final do semestre, ficam extremamente prejudicadas.

A pretensão de um curso tão audacioso se justifica pela ambição de


mostrar o diálogo profícuo e propositivo entre estas sociedades
antigas, o que se desvencilha de uma perspectiva que as vê de
maneira isolada ou que não reconhece compartilhamentos de ideias,
valores e princípios político-culturais, assumidos de maneira
singular por cada grupo étnico. Penso que, mais do que fazer ainda
mais recortes ou cortes para tratar de experiências humanas em um
arco cronológico tão extenso, devemos repensar sobre a importância
de ampliar os estudos de História Antiga na universidade.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Enfim, o estudo da História Antiga, no âmbito da graduação em


História, instrumentaliza os graduandos, futuros pesquisadores e
professores de História, a analisar diferentes tipos de fontes
históricas; a reconhecer as limitações do conhecimento histórico,
tendo em vista a natureza lacunar das fontes da Antiguidade; a
compreender o ofício do historiador e suas responsabilidades no
campo da História, a exercitar a compreensão do „outro‟ a partir de
categorias de pensamento que se diferem substancialmente da
nossa. Enfim, trata-se de um desafio por um currículo mais
integrado e ofereça especialmente aos graduandos do norte e
nordeste um amplo leque de possibilidades de pesquisa, ensino e
extensão.

Referências bibliográficas

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Brasil. ZIERER, A; XIMENDES, C. A. (Org.). História Antiga e
Medieval: cultura e ensino. São Luís: Editora UEMA, 2009.
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Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28, nº 55, 2008, p.
153-170.
CHEVITARESE, André L.; CORNELLI, Gabrielle; SILVA, Maria 443
Aparecida Oliveira. (Org.). A tradição clássica e o Brasil.
Brasília: Fortium, 2008.
FUNARI, P. P. A. A importância de uma abordagem crítica da
História Antiga nos livros escolares. Revista História Hoje, São
Paulo, n.4, 2004.
______. Poder, posição, imposição no ensino de História Antiga: da
passividade forçada à produção de conhecimento. Revista
Brasileira de História, SP, v. 18, n. 15, fev.1988, p. 257-264.
GUARINELLO, N. L. Uma morfologia da História: as formas da
História Antiga. Politeia: História e Sociedade, v.3, n.1, p.41-61,
2003.
GOODY, J. O roubo da História: como os europeus se
apropriaram das ideias e invenções do Oriente. SP: Contexto, 2008.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

GÊNERO E ENSINO: A UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIAS EM


QUADRINHOS PARA A PROBLEMATIZAÇÃO DE GÊNERO
EM SALA

Jorge Luiz Zaluski


Maycon André Zanin

Nos últimos meses a educação escolar brasileira foi palco de novas


discussões sobre o ensino e reformulações curriculares. A Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), como ficou denominada,
apresentada em 15 de setembro de 2015, veio em resposta ao Plano
Nacional de Educação – PNE, Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014,
que objetiva reorganizar o sistema brasileiro de ensino para melhor
atender o currículo e as especificidades locais, regionais, dentre
outras. (BRASIL, 2014) Em relação ao gênero, a BNCC é um dos
primeiros documentos educacionais a diferenciar gênero, sexo e
sexualidade. Como em relação à disciplina de sociologia, onde ao
propor o ensino da formação indenitária, política e cultural dos/as
indivíduos, destaca que, “[...] compreender a perspectiva
444 socioantropológica sobre sexo, sexualidade e gênero.” (BRASIL,
2015, p. 300). Assim podemos destacar que os debates sobre gênero
estão sendo inseridos gradativamente no sistema de ensino.

Segundo a BNCC, “o componente curricular de História tem por


objetivo viabilizar a compreensão e a problematização dos valores,
dos saberes e dos fazeres de pessoas, em variadas especialidades e
temporalidades, em dimensões individuais e coletivas.” (BRASIL,
2015, p. 241) Ou seja, a análise dos seres humanos no tempo. Ainda
para o BNCC, “[...] uma questão central para o componente
curricular de História são os usos das representações sobre o
passado, em sua interseção do presente e a construção de
expectativas para o futuro.” (BRASIL, 2015, p. 241).

Partindo das premissas da BNCC, em desenvolver o ensino de


História interessado na construção de expectativas para o futuro. E,
da utilização de gênero como categoria de análise, este texto objetiva
fazer uma breve discussão sobre a utilização de História em
Quadrinhos (HQ) para o ensino de História e as discussões sobre
gênero. Além de ser objeto de estudo da História, tais análises
devem estar presentes em sala de modo a utilizar o debate para
promover o combate às formas de violência e desigualdades de
gênero. Para isso, como uma das várias possibilidades em utilizar os
POR UM OUTRO AMANHÃ

HQ´s, destacamos a história, “Tina em o feio”, publicada no


Almanaque da Mônica, em setembro de 2012.

Histórias em Quadrinhos, Gênero e Ensino

Gradativamente as HQ´s foram inseridas nas práticas escolares. Em


1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) afirmavam a
necessidade de inserir as Histórias em Quadrinhos em sala,
principalmente para trabalhar os temas transversais (saúde,
orientação sexual, cultura, meio ambiente e ética). (BRASIL, 1997,
p.34) Desde então Mauricio de Souza, criador e roteirista de vários
personagens, entre eles a Turma da Mônica, bastante conhecidos e
consumidos por crianças, jovens e adultos. Junto à parceria com o
Ministério da Educação (MEC) elaborou diferentes HQ´s temáticos
e endereçados a atividades em sala. A História em Quadrinho
analisada neste trabalho não faz parte destes HQ´s temáticos. Nossa
escolha pela história selecionada consiste em destacar que a
utilização dos HQ´s em sala não precisa abordar um tema especifico,
ou no caso de história, tratar de um tema épico por exemplo. Os
quadrinhos nas aulas de história além de servirem como um
instrumento midiático para ampliar as possibilidades de ensino
aprendizagem, como fonte histórica, e ainda, fazer com que os/as 445
alunos/as tornem-se cidadãos críticos frente a realidade, permitindo
que possam questionar, intervir e produzir o conhecimento
histórico.

A história destacada possui Tina como personagem principal.


Segundo Luiza Baptista Fleury, a, [...] “Turma da Tina, composta por
personagens adolescentes, sendo a Tina criada em 1964, se tornou
hippie na década de 70, e nos anos 80 foi se tornando uma garota
bonita e sexy, que fez tanto sucesso que ganhou uma revista
própria.” (FLEURY, 2007, p. 21) Durante a década de 1990 em
diante, várias das edições da Turma da Mônica passaram a publicar
histórias curtas com a personagem Tina. Para Jussimara Sobreira de
Campos, “[...] os temas de suas histórias são, em sua maioria,
paquera e namoro, talvez numa antecipação de A Turma da Mônica
Jovem.” (CAMPOS, 2013, p. 36)

Assim, “Tina em: o feio”, numa trama desenvolvida para uma


história de 4 páginas (71-74), onde inicialmente a personagem Tina
ao atravessar a rua é chamada por um jovem que logo se apresenta
como Antônio. Pergunta o nome de Tina, e assim que ela responde
diz estar apaixonado por ela e a convida para uma conversa. Com a
recusa da jovem, ele afirma que recebeu o não por ser feio.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Constrangida a protagonista diz que aceita continuar a conversa. O


rapaz a convida para tomar sorvete e a resposta negativa se repete.
Antônio consegue o que quer ao fazer Tina pensar que ela esta o
desprezando. Quando Antônio avista um amigo pede que Tina diga
que eles são namorados, novamente com receio ela concorda com o
acordo. Quando o amigo de Antônio se aproxima e toma
conhecimento de que Antônio e Tina formam um casal, o rapaz acha
que Antônio tem um problema por todo dia ter uma namorada
diferente. Tina irritada da um soco em Antônio e vai embora. Não
satisfeito, Antônio afirma que a garota não era “Tudo isso mesmo”.

A história apresentada completa-se na medida em que as imagens e


balões complementam a trama. Para Will Eisner, a [...] “função
fundamental da arte em quadrinhos (tira ou revista), que é
comunicar ideias e/ou histórias por meio de palavras e figuras,
envolvem o movimento de certas imagens (tais como pessoas e
coisas) no espaço.” (EISNER, 1999, pág. 38) Podemos perceber que
para a compreensão da história, devemos entender que cores e
gestos fazem parte da transmissão da mensagem, onde a diferente
disposição e composição dos elementos que formam os quadrinhos
podem influenciar ou contribuir para a leitura da história.
446 Ressaltando a importância da disposição dos personagens nos
quadros, os usos de diferentes formas de balões empregados na
representação da fala ou pensamento podem contribuir para a
interpretação do leitor. Assim, diante das limitações deste texto,
estas observações consistem em apresentar possibilidades da
discussão dos HQ´s em sala.

Para Marjory Cristiane Palhares, a utilização dos quadrinhos em sala


permite com que os/as estudantes sejam instigados a refletir sobre
temas de seu cotidiano, mas que também são objetos da história.
Entre algumas propostas de atividade, segundo a autora:

“forma de utilização de HQ no processo ensino-


aprendizagem pode ser a de inicialmente apresentar a
HQ aos alunos que, após sua leitura, devem fazer um
levantamento das temáticas presentes na mesma, e na
sequência partirem para o estudo do conteúdo
programático da disciplina em que tal temática está
inserida”. (PALHARES, 2008, p. 13)

Desta maneira, mesmo que o quadrinho selecionado não seja


temático, épico, ou que trate especificamente sobre um tema, podem
ser utilizados como fontes ou instrumentos pedagógicos. A história
POR UM OUTRO AMANHÃ

contada de Tina é um dessas HQ´s que contribuem para


introduzirem temas importantes para serem discutidos na disciplina
de história.

447

Fonte: “Tina em: o feio.” Almanaque da Mônica. Editora Panini Brasil Ltda, nº
35. Ano 2012, p. 71-74. Acervo dos autores.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Logo no ínicio da história nos chama a atenção a imagem


introdutória da história. O personagem Antônio, é desenhado com
apenas dois dentes na frente, facilmente caracterizando como uma
mítica de um vampiro, olhando fixadamente para o corpo de Tina.
Tina representada com um olhar de constrangimento e
estranhamento ao ato de Antônio para para ouvir o jovem que a
interrompeu de sua caminhada.

Conforme David Le Breton, o corpo é resultante do contexto social e


cultural do quais os/as sujeitos estão inseridos. É composto por
gestos, expressão de sentimentos, produção de aparencia, jogos sutis
da sedução, técnicas de corpo, dentre outras atividades que são
desenvolvidas no cotidiano. (BRETON, 2009) Para tanto, uma das
discussões iniciais para o ensino pode ser em relação ao corpo na
história, como exemplo, de como nas relações entre homens e
mulheres, o corpo é utilizado para o pertencimento e identidade de
gênero. Ainda com base no quadrinho, podem serem inseridas
discussões sobre as diferentes formas de violência de gênero, como a
exposta na história de Tina, em que Antônio a constrange ao olhara
para o seu corpo.
448 Como destacado anteriormente, atribuiu-se gradativamente para a
personagem Tina, o esteriótipo de uma jovem considerada sexy, com
corpo claro e magro e a utilização de roupas curtas. Conforme Selma
Regina Nunes de Oliveira, a representação feminina nos quadrinhos
ganhou caracteristicas que diferenciam crianças, jovens e adultos.
Enquanto as personagens infantis destituem a sexualidade, e as
adultas, geralmente mães, são reafirmados traços da maternidade,
as personagens jovens foram erotizadas, logo contribui também para
a sexualidade dos/as leitores/as. (OLIVEIRA, 2002)

Alexandre Eustáquio Teixeira, ao realizar um estudo sobre os


quadrinhos da Turma da Mônica durante a década de 1990, com o
objetivo de observar como foram tratados os personagens
masculinos e femininos durante dez anos de edição, destaca que
existiu a predominancia de atividades exercidas por personagens
masculinos. Ainda conforme o autor, ao analisar uma entrevista de
Mauricio de Souza sobre questões de sexo e drogas, destaca que
Mauricio de Souza, especialmente nas edições da Turma da Mônica,
preocupa-se em atender a heteronormatividade, que por ser “uma
Revista de família” deve tratar sem abuso desses assuntos.
(TEIXEIRA, 2009, p.12) O abuso que Mauricio de Souza se refere
pode ser percebido aqui como a existencia de casais homoafetivos,
POR UM OUTRO AMANHÃ

que de certo modo contrariam com os ideias de uma sociedade


concebida como heteronormativa.

Além de tais discussões poderem ser trabalhadas em sala, nos


incomoda a busca de manter certos valores. A história destacada de
Tina nos aprsenta logo de inicio o possicionamento abusivo do
jovem a garota, o que nos causa um estranhamento e incômodo. Ao
darmos continuidade a história, percebemos que em todos os
momentos Tina é representada como que incomodada com a
situação, chegando a reagir de forma violenta a tentativa do beijo de
Antônio e ao saber que todo dia ele estava com alguem diferente.
Logo, podemos destacar dois pontos importantes: Tina como
protagonista da história, não esta sujeita a dominação e imposição
de Antônio; e, de que o título da história “Tina em: o feio”, pode
corresponder as atitudes do personagem Antônio ter tomados
atitudes consideradas “feias”. Sem adentrar em detalhes o decorrer
da história apresenta diferentes atos feitos por Antônio que não são
considerados corretos. Assim, a trama pode ser utilizada também
para fazer com que os/as estudantes apontem os erros de Antônio,
servindo como pontos iniciais para debater sobre as diferentes
formas de violência de gênero.
449
Entre os mais diversos meios de comunicação a possibilidade de
ensino com a utilização das Histórias em Quadrinhos é bastante
promissora. Histórias como esta protagonizada por Tina podem
trazer diferentes contribuições para o processo de ensino
aprendizagem, reafirmando seu papel educativo ao tratar de temas
presentes na sociedade. Com as novas configurações curriculares,
principalmente em não fixar-se em tempos históricos para a
construção do conhecimento, os HQ´s podem ser utilizados como
fontes e/ou instrumentos para desenvolver os debates iniciais do
conteúdo.

Referências

BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a 4ª


séries). Brasília: MEC/SEF, 1997.
___________. Parâmetros Curriculares Nacionais (5ª a 8ª
séries). Brasília: MEC/SEF, 1998.
___________. Plano Nacional de Educação – PNE, Lei nº
13.005, de 25 de junho de 2014.
__________ . Base Nacional Comum Curricular. MEC,
Brasília, 2015. Disponível em:
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documento/BNCC-
APRESENTACAO.pdf Acesso em 13 de fevereiro de 2016.
CAMPOS, Jussimara Sobreira de. Diferenças culturais na
tradução de A Turma da Mônica. Dissertação em estudos
linguísticos (146 fls) USP, 2013. Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8147/tde-18062013-
102220/pt-br.php. Acesso em 13 de fevereiro de 2016.
EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. Trad. Luís Carlos
Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FLEURY, Luiza Baptista. O discurso dos personagens
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Conclusão de Curso em Publicidade e Propaganda. Faculdade de
Ciências Sociais Aplicadas, FASA, Brasília, 2007. Disponível em:
http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1560/2/20427
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Vozes, 2010.
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Comunicação e Espaço Público. V. 5, n. 1 / 2, p, 2002, 32 - 43.
Disponível em:
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PALHARES, Marjory Cristiane. História em Quadrinhos: uma
Ferramenta Pedagógica para o Ensino de História. In:
Secretária da Educação do Paraná: Arquivos. Disponível em:
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2262-
8.pdf Acesso em 12 de fevereiro de 2016.
TEIXEIRA, Alexandre Estáquio. Meninos e meninas. Homens e
mulheres: uma leitura sobre as representações de gênero
em gibis da “Turma da Mônica”. In: Anais Seminário
Internacional Enlaçando Sexualidades Educação, Saúde,
Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos,
Salvador – BA. Disponível em:
http://www.ses.uneb.br/anais/MENINOS%20E%20MENINAS.%20
HOMENS%20E%20MULHERES%20%20UMA%20LEITURA%20S
OBRE%20AS%20R.pdf Acesso em 12 de fevereiro de 2016.
POR UM OUTRO AMANHÃ

A MORTE PARA OS ANTIGOS EGÍPCIOS NO ENSINO DE


HISTÓRIA

Leonardo Candido Batista

A imagem mais conhecida, embora não a única do julgamento dos


mortos, encontra-se no papiro de Hunefer. John Baines e Jaromír
Málek (1996, p.218) descrevem a imagem com seu tema central
sendo o coração do morto numa balança com Maat, a concepção
egípcia da ordem correta, representada quase sempre como um
hieróglifo, ou por uma pena de avestruz, ou por uma figura da
personificação da Maat, deusa com uma pena metida numa fita à
volta da cabeleira. Thot, o deus-escriba da sabedoria e da justiça,
efetua a passagem diante de Osíris, que a preside a uma sala de
julgamento com 42 juízes. Se o coração e Maat estão em equilíbrio, o
teste é favorável e o morto (Hunefer) é apresentado a Osíris em
trinfo. O julgamento é segundo Maat, ou seja, a conduta correta em
vida. Em suma a figura demostra à esquerda Anúbis levando o
morto, sendo que o mesmo verifica o equilíbrio da balança,
enquanto Thot registra o resultado e uma figura conhecido como a 451
"devorado" está à espera de comer o morto caso esse tão esteja em
equilíbrio com a Maat. Hórus apresenta o morto a Osíris, cujos trono
está colocado no "lago de natrão", do qual surge a lótus com os
quatro filhos de Hórus; por trás encontra-se Isis e Néftis. Num
pequeno registro superior o defunto venera um grupo e divindades
compreendendo a enéade heliopolitana, sem Seth.

Já as características são bem apresentadas por Ciro Flamarion


Cardoso (1992, p. 99), apontando três grandes características da arte
canônica egípcia. A primeira é o fato de evitar o uso da perspectiva.
Os egípcios desejavam figuras que representassem os objetos e seres
vivos como tais egípcios (ou alguns deles, aqueles que estabeleceram
e mantiveram em vigor as regras da representação) achavam que
eram. A segunda grande característica é o uso da variação no
tamanho das figuras para indicar hierarquia - superioridade ou
inferioridade relativa nas situações respectivas, sociais ou de outra
natureza: o rei era superior a qualquer outro ser humano, sendo que
tais hierarquias podem ser representadas graficamente por figuras
de tamanhos diferentes. E a terceira característica seria sua unidade
profunda com a escrita monumental daquela civilização
(hieroglífica). Como a escrita usava também figuras, os limites entre
arte representativa e escrita não eram estritos.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Outra consequência da unidade básica da escrita e da arte é que eu


muitos casos, os gestos das figuras humanas e divinas podem ser
lidos, nas representações pictóricas ou nos relevos, como se fossem
hieroglíficos. A arte para os antigos egípcios era utilitária.
Acreditava-se que a figura de certo modo era aquilo que
representava, podendo então suscitar magicamente a realidade. O
artista, percebido como um artesão entre muitos outros, participava
em seu próprio nível, segundo a ideologia oficial, da tarefa central de
toda a sociedade egípcia: manter a ordem do cosmo, impedindo que
este fosse engolido pelas forças do caos. Ao fazê-lo em forma
adequada, no interior do sistema fortemente controlado das
representações iconográficas, poderia no mínimo obter um status e
uma remuneração médios em escala social.

Muitos discursos se apropriaram do antigo Egito, com visões


místicas, sendo muito romantizadas pelos filmes hollywoodianos,
com múmias e suas implacáveis maldições, ou idealizadas com
atores brancos nos papeis de faraós e outros personagens dessa
civilização. Essa influência do Egito na sociedade ocidental está
junto com o "Orientalismo" que tanto influenciou o discurso
eurocêntrico, como Edward Said (2003, p. 34) comenta o
452 Orientalismo depende dessa posição de superioridade flexível, que
põe o ocidental em toda uma série de possíveis relações com Oriente
sem jamais lhe tirar o relativo domínio.

Esse estereótipo criado pela mídia, ajudou a fazer a imagem do Egito


como uma civilização fúnebre, principalmente pelas diversas
múmias encontras e mostradas por fotos e filmes. Sempre que o
mundo egípcio é foco de um assunto, não têm como fugir das
imagens das pirâmides e de todos os cuidados que os mortos
tinham. É claro que os egípcios davam uma atenção especial para a
morte, como destaca Sérgio Donadoni (1994, p.217) eles enchiam de
papeis e parede com textos religiosos relativos aos mortos, o que
permitiu conhecer, de uma forma articulada e direta, as concepções
míticas, os rituais, as interpretações autênticas, conhecimento que
não possuímos em relação ao resto do mundo antigo.
Mas essa característica não pode ser tomada ao pé da letra, ela tem
que ser contextualizada com as concepções míticas existentes dentro
dessa sociedade, como explica Geoffrey T. Martin (1990, p.94)
embora amplamente funérea e religiosa, em parte por acidente ou
sobrevivência, a arte do antigo Egito está longe de ser funérea. Pelo
contrário, é uma evocação alegre da vida e sua continuação para a
eternidade. Muitas das informações que temos sobre a vida fúnebre
do antigo Egito está contida em uma coletânea que se chama Livro
POR UM OUTRO AMANHÃ

dos Mortos, que seria uma coletânea de vários textos, como desde os
textos das pirâmides que datam do Antigo Reino por volta de 2375-
2150 a.C (data dos textos das pirâmides), aparecendo pela primeira
vez como o rei Unis da V dinastia. Esses textos tinham funções tanto
mágicas (focadas na palavra oral e escrita, tendo um efeito
performativa, sendo que ao pronuncia-la ou coloca-la, por escrito, se
torne concreto) quanto rituais, (de textos que eram recitados em
funerais dos reis, evidenciando as continuas referências e
oferendas). Antonio J. Morales (2015, p. 139) argumenta que o
principal fator que explica desse corpus e sua notória transmissão é
a heterogeneidade de sua constituição. Cada uma das seleções
verificadas do Textos das Pirâmides representam uma sucessão de
grupos, adaptada as práticas e crenças da tradição que se desejava
refletir. Consequentemente no processo de transmissão do corpus,
os sacerdotes e escribas encarregados da composição de novos
programas podiam especular com os textos, e enfatizar diversas
doutrinas teológicas, crenças populares e, sobretudo, tradições
rituais. Os textos dos sarcófagos também estavam presentes no que
se tornou o Livro dos Mortos. Sua compilação, embora não em um
único livro com suas imagens e textos com certeza ajudaram a
difundir as ideias fantásticas de maldições e outras atribuições
melancólicas e desgraçadas. Como destaca Wallis Budge (2008, p. 453
55) o título Livro dos Mortos, pois ele não possui os conteúdos em
massa dos textos religiosos , hinos, ladainhas e etc, na qual agora é
melhor conhecido por esse nome, e não por qualquer que seja a
representação do seu nome no antigo Egito REU NU PERT EM HRU
"Capítulos do surgimento por dia", o nome Livro dos mortos, no
entanto é mais satisfatório que o de "Ritual dos mortos", somente
pequenas sessões podem ser descritas certamente como de caráter
ritual, enquanto a coleção por completa das composições certamente
se referem ao morto e o que acontece depois da tumba.
Essas imagens ajudaram a propagar muito dessa visão estereotipa
do Egito, ela ainda existe, mas os egípcios não viam não pensavam
sua vida toda pensando no dia da morte, como destaca Donadoni
(1994, p.218) uma civilização tão obstinadamente atenta aos
precedentes de todas as suas manifestações como é a civilização
egípcia está particularmente apta a continuidade do tempo e
também a representação - mesmo apenas como memória daquilo
que pode parecer terminado. Barry Kemp (1996, p.9) fala que que a
principal dificuldade no estudo do antigo pensamento egípcio, são
devidas as circunstâncias, já que enquanto um processo vivo, foi
aniquilada por diversas mudanças culturais de grande magnitude,
como a incorporação do Egito no mundo helenístico, a conversão ao
cristianismo e a chegada do Islã, que conduziram a quase perda total
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ou destruição de sua literatura. Boa parte do que se podia capturar


de forma associado por meio de símbolos ou associações de palavras
desapareceram.

Assim vemos que a vida funerária no Egito antigo era uma


continuidade da vida mundana, além de comida era também
enterrado, móveis e outras coisas luxuosas que faziam parte da vida
do morto, inclusive representações em miniatura de seus
funcionários chamados shabits. Como destaca Roger Chartier (2002,
p.170) a imagem opera a substituições exterior onde uma força
aparece apenas para aniquilar outra força em luta de morte, signos
da força ou, antes, sinais e indícios que só precisam ser vistos,
constatados, mostrados e depois contados e recitados para que se
acredite na força de que são os efeitos.

Para Dominique Valbelle (1990, p.64) a decoração dessas capelas


construídas ou rupestres, quando não apresentam cenas de
oferendas, nem desenvolvem ritos e fórmulas funerárias, especifica,
conforme as épocas, apenas por meio do texto, ou também da
imagem comentada, as propriedades do defunto e as atividades que
ai se desenvolvem, os episódios notáveis de sua carreira e algumas
454 manifestações de sua autoridade, dos acontecimentos a que assistiu
ou nas quais participou, os membros de sua família, os amigos, os
colegas, os superiores e os subordinados. Assim, o túmulo, para além
de proclamar, pelas suas dimensões, pela qualidade dos relevos e
pelo brilho das pinturas, a riqueza do proprietário, ainda recorda,
até o ínfimo pormenor, a fortuna que permitiu sua existência.

Referências

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Templos e Faraós Vol II. Madrid: Edições Del Prado, 1996.
BUDGE, Wallis. The Egyptian Book of the Dead. New York:
Penguin Books, 2008.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Arte Canônica Egípcia: Regras
Básicas para Relevos e Desenhos, 1992.
CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: A História Entre
Certezas e Inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade
UFRGS, 2002.
DONADONI, Sergio. O Morto. In: Donadoni (org.). O Homem
Egípcio. Lisboa: Editorial Presença, 1994.
FAZZINI A., Richard. El Egipto de los Faraones. El arte
faraónica y la imaginación moderna. El Correo, Septiembre
1988.
POR UM OUTRO AMANHÃ

HARTOG, François. Memórias de Ulisses: Narrativas sobre a


fronteira na Grécia antiga. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2004.
KEMP, Berry. El Antiguo Egipto: Anatomía de una
civilización. Barcelona: Crítica, 1992.
MARTIN T, Geoffrey. FUNERÁRIA, MAS NÃO FUNÉREA: reflexões
sobre a arte Egípcia da XVIII dinastia. In: Bakos, Axt, Pozzer, Costa
Silva, Witczac e Oliveira (Orgs.). Anais do IV Simpósio de
História Antiga e I Ciclo Internacional de Conferências Em
História Antiga Oriental. 1990
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sintaxis, texto y significado. Revista de Ciencias de las
Religiones, 2015, 20, 137-164.
SAID W, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do
Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
VALBELLE, Dominique. A Vida no Antigo Egipto. Mira-Sintra:
Coleção Saber, 1991.

455
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

PRÁTICA CURRICULAR E HISTÓRIA ANTIGA: DESAFIOS


NO ENSINO DE HISTÓRIA

Luana Neres de Sousa

Introdução

No segundo semestre letivo do ano de 2014, fui convidada pela


coordenação do curso de Licenciatura em História do Instituto
Federal de Goiás, campus Goiânia, para ministrar a disciplina de
Prática Curricular, cujo recorte temático teve como foco os estudos
sobre a Antiguidade. Na ocasião eu cumpria contrato como
professora substituta, atuando tanto na Licenciatura quanto no
ensino básico tecnológico. O objetivo geral da mesma foi analisar o
modo como os conteúdos de História Antiga são apresentados em
manuais didáticos do Ensino Fundamental e Médio no Brasil para
posteriormente, os alunos produzissem novos materiais didáticos,
mais atualizados. Como objetivos específicos, a disciplina se propôs
a identificar problemas no ensino do conteúdo de História Antiga no
456 Ensino Fundamental e Médio no Brasil e levar o aluno a se
familiarizar com a transposição do conteúdo teórico e do saber
acumulado em seu processo de formação para a prática de ensino, além
de avaliar materiais didáticos que abordam conteúdos na área de
História Antiga e problematizar o modelo dominante de ensino da
História Antiga no Brasil, que reproduz o eurocentrismo e o
enciclopedismo.

Etapas desenvolvidas

A disciplina foi metodologicamente pensada para ser trabalhada em


três fases: na primeira, foram ministradas aulas expositivas e
dialogadas nas quais analisamos a legislação referente à Prática
Curricular nos Cursos de Formação de Professores da Educação
Básica, o parecer CNE/CP n. 28, de 2 de outubro de 2001, que versa
acerca da Prática enquanto componente curricular e o que dela se
espera nos cursos de formação de professores.

Na segunda etapa, os alunos foram divididos em grupos a fim de que


apresentassem em forma de seminário trabalhos de importantes
professores e pesquisadores brasileiros que versam sobre o ensino
de História Antiga e a maneira como este conteúdo é trabalhado nos
livros didáticos. Destacamos os trabalhos de Ana Teresa Marques
POR UM OUTRO AMANHÃ

Gonçalves, Fábio Faversani, Pedro Paulo Funari, Gilvan Ventura da


Silva, Maria Auxiliadora Schmidt e Andreia Dorini Rossi.

A última etapa foi planejada para que os alunos analisassem livros


didáticos de História utilizados na atualidade, identificassem os
principais problemas referentes aos conteúdos de História Antiga
presentes nessas coleções e produzissem novos materiais didáticos
que suprimissem as lacunas presentes nos livros analisados.
Todavia, em decorrência de inúmeras carências na formação desses
alunos que foram sendo identificadas ao longo dos encontros, os
mesmos não conseguiram produzir novos materiais. A avaliação
precisou ser repensada e a nova proposta era que os alunos
analisassem os livros didáticos, apresentassem os problemas
identificados nas coleções e elaborassem um plano de aula em que
seria utilizado o livro analisado (que é o que eles têm disponíveis nas
escolas onde realizam o estágio ou até mesmo onde alguns já
lecionam) procurando sanar as brechas identificadas.

Apresentação dos resultados

O exercício de projetar uma disciplina que abordaria o ensino de


História Antiga em turmas do ensino básico foi bastante rico e 457
produtivo, sobretudo no que diz respeito à troca de experiência entre
mim e os graduandos, e entre eles mesmos. Para minha surpresa, à
medida em que as apresentações aconteciam, diversas aspectos
referentes à deficiência do ensino de História Antiga surgiram,
inclusive, nos cursos de nível superior de História.

Ao trabalharmos conteúdos que dizem respeito à Antiguidade


Oriental, diversos graduandos demonstraram desconhecer sequer a
localização geográfica das sociedades estudadas. Um aluno do 7º e
último período da Licenciatura em História do IFG, que chamarei de
A, afirmou que apenas naquele momento descobriu que a
Mesopotâmia se localizava na região onde atualmente denominamos
de Oriente Médio. O aluno A disse sempre ter imaginado que a
Mesopotâmia fosse uma região da África, assim como o Egito.
Complementando a fala do aluno A, uma aluna B, expôs que tanto
na educação básica quanto na graduação, um mapa nunca foi
utilizado na sala para que os alunos localizassem as sociedades do
Antigo Oriente Próximo, salvo os mapas que apareciam nos livros
didáticos que muitas vezes sequer eram utilizados pelos professores.

Em relação ao conteúdo de Antiguidade Clássica, muitos


estereótipos foram expostos pelos alunos durantes os debates. Posso
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

citar como exemplo ideias de que os gregos eram homossexuais, ou


que em toda a Grécia em todos os tempos se valorizava a Filosofia,
que as mulheres gregas e romanas eram desprovidas de direitos (não
apenas os direitos políticos, mas que as mulheres não possuíam
quaisquer direitos nessas sociedades), que os deuses gregos e
romanos eram os mesmos, apenas mudando de nome, dentre outras.
Foi preciso trabalhar nas aulas de Prática Curricular conteúdos
básicos que deveriam ter sido discutidos nas aulas da disciplina
História Antiga e ensinar os graduandos a trabalharem com
documentos produzidos na Antiguidade (fontes escritas e materiais).

Diante de tantos problemas é necessário questionar sobre que


professores estão sendo formados nos cursos de História nas
Instituições de Ensino Superior brasileiras. Conforme afirma Renata
Rodrigues é necessário que o professor seja capaz de realizar uma
leitura atenta e questionadora dos conteúdos presentes nos livros
didáticos (RODRIGUES, 2012, p.33). Mas como ter condições de
realizar essa leitura se o professor não recebeu formação adequada?
É sabido que não existem especialistas em Antiguidade lecionando
aulas de História Antiga em todos os cursos de licenciatura em
História no país. Muitas obras com debates fecundos e atualizados
458 sobre conteúdos referentes às sociedades do Mediterrâneo sequer
são traduzidas para o português ou estão disponíveis para os alunos.
Para que seja possível que os professores da educação básica sejam
capazes de analisar e questionar os livros didáticos disponíveis e
produzir seu próprio material didático é preciso, antes, que haja uma
transformação na estrutura e nos teores ministrados nos cursos
superiores de História.

Em contrapartida, a ideia da Prática Curricular nos cursos de


licenciatura é extremamente positiva, pois proporciona aos alunos a
capacidade de identificar possíveis problemas em sua formação e
propor soluções que visem ampliar seu conhecimento ainda
enquanto graduandos. E aos professores das Instituições de Ensino
Superior, tal tipo de experiência oferece a oportunidade de repensar
o curso que os mesmos oferecem.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CP n. 28, de 2


de outubro de 2001. Brasília, DF, 2001c. Disponível em:
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CNE-CP%20028-2001.pdf. Acessado em 06/02/2016.
POR UM OUTRO AMANHÃ

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PINKSY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma História
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e o cotidiano da Sala de Aula. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O
saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008.
p.54-66.
SILVA, Gilvan Ventura da. História Antiga no livro didático: uma
parceria nem sempre harmoniosa. Dimensões – Revista de
História da UFES. Vitória, n. 11, p.231-238, 2000. 459
______. Simplificações e Livro Didático: um estudo a partir dos
conteúdos de História Antiga. Hélade. Niterói, Número Especial, p.
19-23, 2011.
RODRIGUES, Renata Cardoso Belleboni. Reflexões no ensino da
História Antiga. NUPEM. Campo Mourão, v.4, p.1-12, 2012.
ROSSI, Andréa Lúcia Dorini; RODRIGUES, Lucas Luando Castela.
Elaboração de Material Didático para o ensino de História Antiga.
In: PINHO, Sheila Zambello de; SAGLIETTI, José Roberto Corrêa
(orgs.). Núcleos de Ensino da UNESP: Artigos dos Projetos
realizados em 2004, 2006, p. 655-665. Disponível em
goo.gl/sgFuSm. Acessado em 09/08/2014.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

CAPOEIRA: PATRIMÔNIO IMATERIAL DE PERNAMBUCO


EM SALA DE AULA

Lucas Rodrigues Pereira da Silva


Jessika Lima Costa

O presente trabalho mostrará a importância de abordar capoeira em


sala de aula, pois é sabido que a capoeira é patrimônio imaterial do
Brasil, entretanto, apenas este reconhecimento não é o suficiente
para que o aluno a conheça bem, é necessário mostrar suas origens e
sua grande importância para a cultura do país, para tal é necessário
fazer com que o aluno olhe a capoeira não somente como uma arte
marcial, mas também como uma maneira de um povo se identificar
e se defender.

É preciso salientar ao aluno que a capoeira mesmo possuindo raízes


africanas é uma dança genuinamente brasileira, sendo assim torna-
se importantíssimo mostrar ao aluno como surgiu a capoeira. A
capoeira tem suas raízes em Angola, no ritual de passagem para a
460 vida adulta, os homens de algumas tribos participavam de uma
dança com o objetivo e tocar a cabeça de outro homem com os pés;
estes costumes chegaram ao Brasil pelos angolanos Os escravos
eram proibidos de praticar qualquer tipo de luta, sendo assim,
constantemente eram vítimas dos feitores e capitães do mato, mas o
que era uma dança acabou-se tornando uma luta; disfarçadamente
os escravos praticavam uma dança em terrenos que ficavam mais
afastados das senzalas, eram conhecidos por "capoeira", que mais
tarde daria nome a luta. Mas a capoeira demorou bastante tempo
para ser reconhecida, até o século XIX a prática era considerada um
crime, a capoeira não era praticada em ambientes fechados, mas sim
nas ruas e praças, o que acabava em brigas com a polícia, maculando
ainda mais a imagem da capoeira; entretanto, com a chegada das
artes marciais orientais, a capoeira sofreu algumas mudanças, agora
a capoeira começava a ser praticada em ambientes fechados,
criaram-se academias para a prática da luta. Muitos mestres lutaram
para o reconhecimento da luta, um deles, mestre Bimba, mostrou ao
então presidente Getúlio Vargas a dança, o presidente ficou achou a
dança muito bonita e a considerou como uma arte marcial
puramente brasileira.

A partir desta explicação o aluno perceberá que a capoeira tem suas


raízes em Angola, ou seja, em apenas um país de todo o continente
POR UM OUTRO AMANHÃ

africano, quebrando o velho estereótipo de que a capoeira é


conhecida em todo território africano; além disto, o aluno perceberá
que, antes de receber o nome que tem, a capoeira era apenas uma
dança ritualística que marcava a passagem do homem para a vida
adulta, a partir destes dados o professor pode elaborar atividades
com aluno para que o mesmo mostre as diferenças entre a dança
feita em Angola e feita no Brasil, elencando seus diferentes
objetivos; após esta atividade os alunos poderão expor aos colegas a
opinião de cada grupo sobre o tema. Em seguida o professor pode
organizar uma roda musical com os instrumentos musicais usados
na capoeira, podendo explicar também a origem de cada
instrumento.

O professor também pode propor uma atividade mostrando como a


capoeira é vista hoje em dia, quais preconceitos a acometem, e como
ela vista na sociedade, o aluno pode fazer perguntas em sua casa e
trazer as respostas para a sala, assim terá uma nova discussão sobre
o tema, assim o aluno entenderá por quais motivos a capoeira é mal
vista por uma boa parte da sociedade. O professor pode pedir para
que os alunos discutam sobre a capoeira na comunidade, se há rodas
com frequência e como a comunidade ver a capoeira. Para finalizar a
atividade pode ter uma atividade extraclasse, os alunos poderão 461
organizar rodas no pátio da escola, fazer oficinas com instrumentos
musicais e também organizar uma sala de vídeo com documentários
sobre a capoeira. Logicamente estas atividades não darão fim ao
preconceito, mas farão com que muitos alunos tenham um novo
olhar com relação a capoeira, sendo assim, fazendo com que tenham
um senso crítico maior com relação a assunto voltados à África.

De acordo com a Lei nº 10.639/03, torna-se obrigatório a inserção


da temática cultura Afro-brasileira no ensino de História nas
escolas, tanto públicas como privadas, pois se torna impossível
compreender a história do Brasil sem conhecer a diversidade
cultural que esteve presente em todo o processo de formação do
país, principalmente com relação aos negros da África, os angolanos
no caso da capoeira, que tiveram um papel de grande importância na
nossa história. É devido ao que a capoeira representou que ela torna-
se um meio de socialização e educação, pois além de ser uma dança,
arte, luta, ela faz parte da nossa história, transmitindo aspectos
culturais dos africanos. Os conteúdos da capoeira são de grande
importância dentro do âmbito escolar, pois ajudam na formação de
seres humanos capazes de lidar com as diferenças, aplicando
conhecimentos amplos da cultura popular, resgatando a história e
influência do negro na manifestação da cultura brasileira. Pode-se
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

trabalhar, por exemplo, dentro do contexto histórico da escravidão,


com seus costumes e tradições culturais dos povos africanos dentro
do contexto da América Portuguesa e como isso se reflete nos dias
atuais, temas como os Navios Negreiros, Abolição, Quilombos,
relações de poder entre os escravos e donos de engenho e muitos
outros. A capoeira nas escolas, em especial na disciplina de história
procura privilegiar os valores éticos e estéticos dentro da proposta
educativa, esta metodologia de ensino estimula os alunos ao
aprendizado, considerando a capacidade de formação de pessoas
críticas e conscientes de sua própria história.

A capoeira como tema da cultura afro-brasileira é inserida no ensino


de história nas instituições de ensino colabora para uma educação
contra o preconceito e consequentemente a construção de uma
sociedade mais democrática para todos, que reconheça e respeite a
diversidade. Portanto é necessário repensar o ensino de história
neste âmbito, podendo contribuir para essa discussão a fim de dar
maior visibilidade à participação e contribuição dos negros no
processo de formação da nossa sociedade. A capoeira possibilitará
aos alunos o conhecimento da história dos africanos e seus
descendentes, e ao mesmo tempo desprendendo da presente
462 segregação racial tão enraizada em nossa sociedade, sustentando o
preconceito e a desigualdade.

Referências

História da Capoeira, disponível em:


http://www.suapesquisa.com/educacaoesportes/historia_da_capoe
ira.htm.
Capoeira/História, disponível em:
http://www.suapesquisa.com/educacaoesportes/historia_da_capoe
ira.htm.
LISBOA, Magno da Nóbrega, SILVA, Alcione Ferreira. As
contribuições da capoeira para o ensino de história e cultura Afro-
brasileira, apud. Cadernos penesb - periódico do programa
de educação sobre o negro na sociedade brasileira - FEUFF
(N.7) (novembro 2006) rio de janeiro/niterói - quartet/eduff, 2006.
SANTOS, Isabele Pires. As contribuições da capoeira para o ensino
de história e cultura afro-brasileira, apud. Cadernos penesb -
periódico do programa de educação sobre o negro na
sociedade brasileira - FEUFF (N.7) (novembro 2006) rio de
janeiro/niterói - quartet/eduff, 2006.
POR UM OUTRO AMANHÃ

ECOS DA RECLUSÃO: O ENSINO DE HISTÓRIA PARA


ADOLESCENTES EM ESPAÇOS DE PRIVAÇÃO DE
LIBERDADE

Luciana Mendes dos Santos

No ano de 2015 recebi a proposta de trabalhar como professora de


História para turmas formadas por adolescentes em conflito com a
lei que cumprem medidas socioeducativas privativas de liberdade no
Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) da Grande
Florianópolis. Esse não foi o primeiro contato com adolescentes
infratores que tive em minha vida profissional, posto que já havia
atuado em um projeto sobre o patrimônio de São Paulo pela
Fundação Energia e Saneamento com adolescente em liberdade
assistida (LI), no entanto era a primeira vez que seguiria um ano
letivo inteiro com alunos em reclusão dentro de um espaço de
privação de liberdade. Não aceitei essa proposta como um desafio,
no sentido do obstáculo a ser superado ou de uma competição a ser
vencida, encarei como uma possibilidade de experiência, colocando-
me como sujeito de um processo em que era essencial suspender 463
alguns preconceitos e rever algumas cautelas, dando oportunidades
para que as coisas me aconteçam nessa jornada, me expondo. Assim
como argumenta Jorge Larrosa Bondia, "É incapaz de experiência
aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem
nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a
quem nada o ameaça, a quem nada ocorre" (2002, p. 25).

As instalações do Case da Grande Florianópolis substituíram o


antigo Centro Educacional São Lucas, também destinada à
internação de jovens infratores e interditada em 2010 por
descumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as
normas do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE). O Case da Grande Florianópolis é uma unidade modelo
para os outros municípios e suas atividades tiveram início em
outubro de 2014, com capacidade de atendimento para até 90
adolescentes, sendo 70 em internação definitiva e 20 em internação
provisória, segundo a Secretaria de Justiça e Cidadania. A
escolarização dos adolescentes era uma das premissas para que a
instituição pudesse iniciar suas atividades, e optou-se por estruturar
uma escola dentro das dependências do Case em parceria entre a
Secretaria de Educação e de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Por conta da exposição pela mídia de crimes hediondos cometidos


por adolescente nos últimos anos, a discussão sobre os jovens
infratores no Brasil se tornou intensa e surgiram projetos de lei que
defendem a alteração da maioridade penal para 16 anos sustentados
pelo argumento de que as medidas socioeducativas são ineficientes
no controle da criminalidade e estimulam a prática criminosa,
fortalecendo a crença que a punição e a repressão são as melhores
armas. Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
(Ipea), no ano de 2013 tínhamos 23,1 mil adolescentes privados de
liberdade por medidas socioeducativas. Estas medidas são definidas
pelo Eca e possuem a função de educar, buscando estruturar o
adolescente para que não haja a reincidência do ato e o tratamento é
diferenciado por considera-lo penalmente inimputável entre os 12 e
os 18, por conta da ausência de maturidade psíquica para entender a
gravidade do ato infracional.

O Case atendia em média 35 adolescentes entre internos e


provisórios entre 15 e 18 anos, e grande parte deles tinha cometido
atos infracionais como roubo e tráfico. As salas de aula são formadas
por turmas pequenas, até cinco alunos, que eram divididas
inicialmente por "casas", como são chamados os espaços onde os
464 adolescentes vivem, e no segundo semestre foi adotada a seriação. A
maioria dos adolescentes evadiu a escola e alguns não eram
alfabetizados, o que colocava a nós, os docentes, em situações
complexas de ensino, criando a necessidade constante de refletir
sobre nossa prática e realizar trabalhos multidisciplinares tentando,
sobretudo, evitar mais uma exclusão desses adolescentes do
processo educativo.

Em nossas conversas e reuniões, onde conseguíamos trocar nossas


experiências, era lugar comum entre os docentes a ideia de que seria
muito difícil realizar um trabalho em educação com os jovens sem
considerar a vivência de cada educando, sem olhar para as histórias
dos nossos jovens e as experiências acumuladas por eles em suas
vidas, e refletíamos também sobre como trabalhar com a grande
responsabilidade que assumimos de dialogar sobre possibilidades de
vida e apresentar opções aos adolescentes que até então só viam a
alternativa da criminalidade como caminho viável para uma vida
confortável. Assim como defende Paulo Freire, a liberdade não é
uma dádiva oferecida a alguém, ela deve ser conquistada em
sociedade, "Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho:
os homens se libertam em comunhão" (1987, p. 29), o nosso
processo educativo era baseado pelo diálogo, pelo questionamento e
pela reflexão, construindo um espaço onde o educando podia
POR UM OUTRO AMANHÃ

expressar e questionar sua percepção da realidade, buscando formas


de se libertar de sua presente situação.

Quando iniciei o meu trabalho os adolescentes tive a possibilidade


de construir meu planejamento em conjunto com os educandos. Na
primeira semana de trabalho sugeri que todos pensassem em temas
históricos que lhes fossem interessantes ou que eles quisessem
aprofundar seus conhecimentos. Pedi que eles sugerissem algo que
fosse próximo a sua realidade e que lhe chamassem a atenção,
porque era a partir dessas sugestões que seria feito o cronograma de
nossas aulas, e que se eles precisassem de apoio podiam consultar os
livros disponíveis na biblioteca da instituição. Como conhecimento
em História dos educandos não estava de acordo com a seriação de
muitos, selecionei alguns temas de trabalho sobre a História do
Brasil como sugestão, como período colonial e o tráfico negreiro, as
revoltas no período monárquico e Ditadura Militar de 1964,
pensando que discutir algo da História do país seria mais fácil pela
proximidade cultural. Nenhum deles chamou a atenção dos jovens,
porque o que eles realmente tinham interesse em saber era sobre as
guerras, principalmente sobre a Primeira e a Segunda Guerra
Mundial, e eles queriam aprender sobre esse período a partir de
filmes, histórias em quadrinhos e sobre as armas utilizadas pelos 465
soldados.

Segundo Hobsbawm, não é possível entender o século XX sem


entender a Guerra Mundial. E utilizando o conceito de Guerra Total
do autor, considerando os dois conflitos como único, tencionei
trabalhar a vida dos indivíduos que estiveram envolvidos nos
campos de batalha e dos civis que sofreram com os reflexos da
guerra, buscando assim uma compreensão dos processos do conflito.
Com os adolescentes do Case, eu considerei importante focar nas
experiências pessoais da guerra e não apenas na construção do fato,
para tentar aproximar e refletir sobre as relações entre os homens
em uma situação de desumanização, cenário conhecido por muitos
dos jovens em situação de reclusão. Como ferramentas de trabalho
eu utilizei o filme Gloria Feita de Sangue (1957), dirigido por Stanley
Kubrick, fotografias dos campos de batalha e das armas utilizadas,
cartas de soldados e da família de combatentes, e uma história em
quadrinhos feita pelo site Capinaremos (www.capinaremos.com
acesso: 22 de jan. 2016).

Trabalhamos com uma breve contextualização dos conflitos para que


os adolescentes pudessem entender em qual conjuntura a Guerra
Total estava se formando com o auxílio da história em quadrinhos.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Nessa etapa utilizamos também slides como ferramenta de trabalho


e sugerimos pequenos projetos de pesquisa entre os jovens com o
apoio do material presente na biblioteca. Depois de apresentado os
resultados da pesquisa, todos assistiram o filme Gloria Feita de
Sangue, de Stanley Kubrick, discutindo a banalização da vida
durante a guerra como tema central. Os professores de geografia, de
português e de ciências começaram a trabalhar em conjunto com o
projeto, refletindo sobre a vida do indivíduo em um processo de total
violência, onde o sujeito se perde em benefício de algo que é
considerado um bem maior. Nas conversas com os adolescentes, a
assimilação com as situações de violência vivida por eles era
inevitável e essa troca foi muito enriquecedora por possibilitar um
diálogo entre a realidade dos adolescentes e as vivências da guerra
pelos combatentes e os civis. O compromisso em ser o mais objetivo
possível com a história era claro, e não tentamos igualar as
experiências desses sujeitos com daqueles que viveram entre 1914 e
1945. Mas o objetivo inicial foi alterado com o processo: não bastava
agora apenas entender os fatos relativos à Guerra Total, era
necessário refletir sobre essa subjetividade onde o adolescente do
século XXI observa os lampejos de sua vivência nessas experiências.
466 Quando iniciei o trabalho com as cartas dos combatentes um dos
educandos chegou a comparar a vida na guerra como a vida numa
prisão, porque os jovens criaram relações diretas entre as cartas dos
soldados com as cartas que eles escreviam para suas famílias, amigos
e namoradas. Separei cerca de dez cartas de combatentes alemães,
ingleses, franceses e russos e discutimos como as comunicações se
davam naquele momento, como as cartas chegavam aos seus
destinos e como elas chegaram até nós. A sugestão de atividade para
essa etapa do trabalho foi chamada Ecos da Trincheira, onde os
adolescentes deveriam escrever cartas como se estivessem nas
trincheiras da Primeira Guerra Mundial, e ela rendeu ótimos
resultados. Eles utilizaram toda a discussão realizada com as turmas
para fundamentar seus argumentos nas cartas, questionando e
refletindo sobre a situação de um soldado nos campos de batalha.
Um dos adolescentes, W. de 17 anos, escreveu como um soldado
alemão e disse seguinte em sua carta: "Querido amigo, venho firme e
forte dizer que a guerra estava fácil, mas com a entrada dos Estados
Unidos vai ficar difícil. A Rússia tinha desistido , mas o que adianta
um país forte desistir e outro mais forte ainda comprar a parada".
Nas cartas há uma mescla do que eles aprenderam com o que eles
estão sentindo no momento. O adolescente M., de 16 anos, inicia sua
carta dizendo que sente muita falta de sua mãe agora que ele está
longe, e pede que ela não se afaste de sua mulher e de seu filho caso
POR UM OUTRO AMANHÃ

ele morra, outro, A. de 15 anos pede que a família não se preocupe


com ele porque ele está lutando pelo o que ele acredita.
O encerramento da atividade foi uma exposição chamada Ecos das
Trincheiras, organizada no espaço da biblioteca com as cartas
produzidas pelos adolescentes. Nesse espaço a família dos jovens
puderam ver os trabalhos produzidos pelos educandos, o que foi
emocionante para todos e os estimulou positivamente a continuar
produzindo materiais durante o processo educativo. Outra troca
interessante foi entre os adolescentes que leram as cartas dos
colegas e comentaram entre si, fazendo elogios e sugerindo
alterações.

Com este processo, percebo que os estudantes do Case conseguiram


pensar historicamente e refletir sobre sua realidade, questionando
alguns lampejos do passado em sua contemporaneidade, assim
como afirma Walter Benjamin, analisando o passado eles não o
conheceram tal como ele foi, e sim buscaram um lampejo desse
passado para observar as possibilidades de futuro (LOWY, 2005). E
outras possibilidades de futuro é o que devemos buscar em conjunto
para os adolescentes em situação de risco.

Referências 467
BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de
experiência IN: Revista Brasileira de Educação [online]. 2002,
n.19, pp. 20-28. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003 acesso: 02
de fev.2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
HOBSBAWN, Eric J. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2014.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. São Paulo, Companhia
das Letras, 1995.
LOWY, Michael. Walter Benjamin. Aviso de Incêndio: Uma
leitura das teses "Sobre o Conceito de História". Trad.
Wanda N. C. Brant, Jeane M. Gagnebin, Marcos L. Muller. São
Paulo: Boitempo: 2005.
SILVA, Enid R. A., OLIVEIRA, Raissa M. O Adolescente em Conflito
com a Lei e o Debate sobre a Redução da Maioridade Penal:
esclarecimentos necessários IN: Nota técnica. Nº 20. Brasilia:
Ipea, 2015.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O ROCK BRASILEIRO DAS DÉCADAS DE 1970-80 E O


ENSINO DE HISTÓRIA: DISCURSOS E POSSIBILIDADES

Luis Alberto Gottwald Junior

A música encontra-se ligada ao homem de diversas formas. Em


diferentes situações, a música pode ser acalentadora, agitadora ou
gerar ambos os sentimentos ao mesmo tempo. Por trabalhar as
diferentes sensibilidades, a música passou a ser utilizada por
compositores dos mais diferentes estilos, pois tem a capacidade de
falar ao ouvinte sobre determinadas ideologias, práticas,
comportamentos.

Na ditadura militar, a música foi utilizada como ferramenta


legitimadora ou contestadora. A ditadura militar foi um período da
História brasileira que compreendeu desde o ano de 1964 até 1985.
No cenário musical, a censura imposta pelo AI-5 inibe artistas de
produzirem canções de protesto mais objetivas, com mensagens
diretas. Com a gradual abertura política realizada ao longo da
468 década de 1970, algumas letras passam a serem mais críticas.
Para Carlos Fico (2004),

A censura da imprensa acompanhou o auge da repressão (quando se


pensa em cassações de mandatos parlamentares, suspensões de
direitos políticos, prisões, torturas e assassinatos políticos) que se
verificou entre finais dos anos 60 e início dos anos 70. A censura de
diversões públicas, porém, teve seu auge no final dos anos 70, já
durante a "abertura". (FICO, 2004, p.32).

O autor divide a censura em dois aspectos específicos: a censura


efetuada contra a imprensa e a censura direcionada a diversões
públicas. No primeiro caso, o período de encerramento do processo
de restrição se dá no início da década de 1970. Já a censura de
diversões públicas ainda se mantém por tempo maior, devido ao
controle exercido no campo social. Portanto, analisar canções
produzidas nestes dois momentos históricos dentro de sala de aula é
significativo para a produção de consciência histórica nos
estudantes. Para Abud (2005),

As letras de música se constituem em evidências,


registros de acontecimentos a serem compreendidos
pelos alunos em sua abrangência mais ampla, ou seja, em
POR UM OUTRO AMANHÃ

sua compreensão cronológica, na elaboração e


ressignificação de conceitos próprios da disciplina.
Permite que o aluno se aproxime das pessoas que
viveram no passado, elaborando a compreensão
histórica, que vem da forma como sabemos como é que
as pessoas viram as coisas, sabendo o que tentaram fazer,
sabendo o que sentiram em relação à determinada
situação. (ABUD, 2005, p.316).

Dessa maneira, é importante que o aluno entre em contato com estas


fontes, produza conhecimento histórico e compreenda que a música
é uma das mais variadas formas de comunicação política e social de
um período em que diferentes níveis de repressão condicionavam a
diferentes tipos de obra. Portanto, analisar o processo da ditadura
militar mediante o uso de canções é uma das formas de possibilitar
aos alunos o ato de construir o conhecimento histórico.
Esta pesquisa se deu pela necessidade de se repensar diferentes
fontes para trabalhar a visão de intelectuais músicos na ditadura
militar. Enquanto o conteúdo do livro didático é voltado a
compreender aspectos político, econômicos e sociais do período, de
forma geral, a música gera interesse dos alunos para o processo
histórico vivido. Além disso, ao entrar em contato com diferentes 469
letras de música, o estudante pode conhecer artistas que se
posicionaram favoráveis ou contrários ao regime militar, o que
auxilia na compreensão de uma História que opera na tensão de
forças diferenciadas. Quanto ao estudo da música no espaço
acadêmico, Napolitano ressalta que

os estudos de música popular no Brasil devem realizar


um trabalho urgente de ampliação do corpus documental
que vem sustentando as pesquisas. Algumas recorrências
documentais revelam uma certa dificuldade em ampliar
as bases heurísticas dos estudos relativos à música
brasileira.(NAPOLITANO, 2002, p.49)

Sendo assim, para o autor, é imprescindível que pesquisas tratem de


pesquisar temáticas ligadas à análise da música enquanto fonte, nos
diversos espaços sociais. Dentre estes espaços, a escola figura como
local em que a canção pode exercer a função de educar e
transformar. Napolitano (2002, p.50) ainda ressalta que "a música,
pensada em relação à cultura, poderia ser considerada como um
veículo "universal" de comunicação, no sentido que não se tem
notícia de nenhum grupo cultural que não utilize a música como
meio de expressão e comunicação" (NAPOLITANO, 2002, p.50).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Para este autor, a linguagem musical tem importância tão


significativa dentro da sociedade que passou a ser um veiculo
universal de comunicação. Além disso, essa diversidade cultural
apresentada em diversas canções também auxilia no entendimento
da dinâmica cultural de um país. Dessa maneira, analisar letras de
música sob o viés problematizador da História é justificável.
Inicialmente, a proposta consistiu em selecionar uma turma de 2º
Ano do Ensino Médio para realizar a atividade. Após aula expositiva
relacionada aos aspectos mais gerais da ditadura militar, os alunos
foram convidados a selecionarem letras de canções diversas,
previamente selecionadas pelo professor. Os papéis em que as letras
se encontram foram espalhados aleatoriamente em uma mesa.
Em seguida, o aluno fez a leitura da letra e pesquisou quem é seu
cantor, compositor, produtor musical, ano de produção e posição
política do cantor/compositor. Após trazer estas informações, o
professor colocou trechos de cada canção colocada à escolha dos
alunos e perguntou ao responsável sobre os itens pesquisados.
Depois de ouvir a música, já conhecendo informações prévias a seu
respeito, o aluno interpretou o que o cantor/compositor buscou
retratar na canção, se sua posição era favorável ou contrária à
ditadura, dentre outras particularidades. Por fim, os alunos
470 compuseram uma letra de música de protesto, ligado à própria
ditadura militar.

Foi feita uma análise investigativa do processo de trabalho para


perceber de que maneiras os alunos relacionam a produção musical
ao período ditatorial. As letras de música escolhidas variam de
músicas da Jovem Guarda (para mostrar que havia músicas alheias
ao processo político que ocorria no país) e canções de protesto
(bandas como Aborto Elétrico, Plebe Rude, entre outras).
Para Dias (2000), a pesquisa investigativa possui análise
quantitativa ou qualitativa. Neste caso, "a pesquisa qualitativa
caracteriza-se, principalmente, pela ausência de medidas numéricas
e análises estatísticas, examinando aspectos mais profundos e
subjetivos do tema em estudo" (DIAS, 2000, p.129). Por priorizar o
uso da fonte como viável na construção do conhecimento histórico, a
pesquisa se caracteriza como qualitativa.

Esta pesquisa teve por hipótese que, a partir do contato com fontes
musicais da ditadura militar, os alunos podem construir um
conhecimento pautado na diversidade de opiniões defendidas por
sujeitos diferentes, ainda que em tempos de repressão. As letras
ajudam a mostrar um processo histórico complexo, que não girava,
exclusivamente, em torno da crítica ou defesa do regime. Havia um
POR UM OUTRO AMANHÃ

universo musical de intenções, práticas e gostos musicais que


canalizavam ou não para o regime militar vigente.

A construção do conhecimento histórico pode se dar através da


música ou qualquer outra fonte, mas é preciso que o estudante tenha
autonomia para pesquisar, criar, argumentar e refletir sobre o
processo histórico do qual a fonte parte. Dessa maneira, é
fundamental pensar na formação da consciência histórica enquanto
um processo articulado de saberes que, ao longo do tempo, são
aprimorados pelos estudantes.

Referências

ABUD, Katia Maria. Registro e representação do cotidiano: a música


popular na aula de história. Caderno Cedes, Campinas, v. 25, n.
67, p. 309-317, 2005.
DIAS, Cláudia Augusto. Grupo focal: técnica de coleta de dados em
pesquisas qualitativas. Informação & Sociedade: Estudos, v. 10,
n. 2, 2000.
FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura
militar. Revista Brasileira de História, v. 24, n. 47, p. 29-60,
2004. 471
NAPOLITANO, M. Música & história: história cultural da
música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM HISTÓRIA NO ENSINO


MÉDIO INTEGRADO: REFLEXÕES SOBRE O SEU PAPEL
NO ENSINO

Luis Fernando Tosta Barbato

Apesar da carência de estudos acadêmicos dedicados a investigar o


papel e a importância da Iniciação Científica - IC - no processo de
ensino-aprendizagem no Brasil (MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 177-
179), há tempos a literatura dedicada ao tema reconhece a
importância desse instrumento dentro das políticas educacionais.
Entre os benefícios alcançados pela prática da IC dentro do contexto
educacional, mapeados pelos autores, destacam-se, entre outros
fatores: a fuga da rotina e da estrutura curricular; a conquista da
autonomia no aprendizado; o desenvolvimento do hábito de
manusear fontes de referência; o aumento da capacidade de análise
crítica e maior discernimento para enfrentar dificuldades; vantagens
para as instituições, através da exposição de seus resultados; além de
ser observado um melhor desempenho do aluno em sala de aula
472 (FAVA-DE-MORAES; FAVA, 2000, p. 75-76).

Desta maneira, como nos trazem Luciana Massi e Salete Linhares


Queiroz, a IC se torna um instrumento pedagógico essencial no
processo de ensino-aprendizagem, pois quebra certas dicotomias há
tempos sedimentadas no sistema educacional, que fundamentam o
distanciamento entre teoria e prática, ensino e pesquisa, produção e
reprodução do conhecimento, e graduação (e também o Ensino
Médio) da pós-graduação (MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 179).
Nesse sentido, de criar uma interface entre ensino e pesquisa, que
fomente o aprendizado e o desenvolvimento de uma autonomia de
pensamento nos alunos, o trecho a seguir, de Zulma Souza e Carlos
Henrique Souza, nos ajuda a compreender melhor a importância da
IC para o desenvolvimento educacional: "O saber científico,
construído a partir da experimentação e da pesquisa, é uma
estratégia de construção e desconstrução do conhecimento"
(SOUZA; SOUZA; 2011, p.42)

Dessa maneira, podemos observar a IC como um instrumento capaz


de integrar essas esferas até então distantes dentro do sistema
educacional, uma vez que havia uma clara divisão entre os pares
dentro desse mesmo sistema: havia os professores e havia os
pesquisadores; havia a graduação (ou o Ensino Médio), como lugar
POR UM OUTRO AMANHÃ

de reprodução do conhecimento e a pós-graduação, como lugar de


produção do conhecimento; havia a sala de aula, como lugar de
ensino e teoria, e o laboratório, como lugar de pesquisa e prática.
Tais distanciamentos, que ocorrem na prática - apesar de irem
contra o que prega a própria Constituição Federal e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelecem uma
associação entre pesquisa e ensino -, acabam também por dificultar,
ou retardar, que os objetivos da educação proposta pelo Estado
sejam plenamente atingidos. Assim, dentro desse contexto, a IC se
mostra como uma ferramenta cada vez mais necessária dentro de
nosso sistema educacional.

Nesse sentido, podemos definir a IC como uma atividade na qual o


aluno é iniciado à ciência, através de experiências vinculadas a um
projeto de pesquisa, elaborado e desenvolvido sob a orientação de
um docente. Segundo Massi e Queiroz, apesar de a IC ter se
desenvolvido principalmente a partir da década de 1950, com a
criação do Conselho Nacional de Pesquisa - o CNPq, atualmente
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico em Tecnológico -,
em 1951. Foi na década de 1990, que a o programa passou a ser de
fato valorizado dentro da política científica e educacional do país, o
que refletiu no aumento significativo de bolsas de IC nesse período 473
(MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 175).

No entanto, as iniciativas de desenvolver a IC, até 2003, ficaram, de


maneira geral, restritas às Universidades, pois os projetos que
buscavam levar essa prática aos alunos do Ensino Médio eram muito
pontuais, como o Programa de Vocação Científica (PROVOC) da
Fiocruz, de 1986, ou Programa de Iniciação Científica (PIC Jr), da
UFRJ, de 1995, entre alguns outros poucos programas similares no
país.

Frente ao processo de valorização da importância da IC entre os


pesquisadores da área, aos sucessos dessas iniciativas supracitadas,
além dos resultados alcançados pelo próprio PIBIC do CNPq,
destinado aos alunos de graduação, em 2003, o próprio conselho
lança seu programa destinado a oferecer bolsas de iniciação
científica aos alunos do Ensino Médio, o PIBIC-EM, que buscava
introduzir a Iniciação Científica Júnior entre esses alunos, com o
objetivo de atingir determinados resultados, como o próprio CNPq
nos mostra:

Com foco na criação de uma cultura científica, o PIBIC-


EM é dirigido aos estudantes do ensino médio e
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

profissional com a finalidade de contribuir para a


formação de cidadãos plenos, conscientes e
participativos; de despertar vocação científica e de
incentivar talentos potenciais, mediante sua participação
em atividades de educação científica e/ou tecnológica,
orientadas por pesquisador qualificado de instituições de
ensino superior ou institutos/centros de pesquisas ou
institutos tecnológicos (CNPQ, s/d).

O mesmo documento ainda traz como objetivo do PIBIC-EM:

Fortalecer o processo de disseminação das informações e


conhecimentos científicos e tecnológicos básicos, bem
como desenvolver as atitudes, habilidades e valores
necessários à educação científica e tecnológica dos
estudantes do ensino médio (CNPQ, s/d). Desta maneira,
o CNPq passou a fomentar de maneira mais intensa e
efetiva a prática da IC dentro das instituições escolares,
em um sistema operacionalizado principalmente por
Instituições de Ensino e Pesquisa (Universidades),
Institutos de Pesquisa e Institutos Tecnológicos (CEFETs
474 e IFs), de maneira a desenvolverem uma educação
científica capaz de integrar os estudantes das escolas de
nível médio, públicas do ensino regular, escolas
militares, escolas técnicas, ou escolas privadas de
aplicação (CNPQ, s/d). Se as políticas que buscavam
integrar a IC ao Ensino Médio já vinham sendo objeto de
fomento desde 2003, com a criação dos Institutos
Federais - os IFETs -, em 2008, essa política ganhou uma
importância ainda maior, uma vez que a lei nº
11.892/08, que instituiu 38 IFETs por todo o Brasil
ressaltava a necessidade dessas instituições tornarem-se
centros de excelência na oferta do ensino de ciências, em
geral, e na de ciências aplicadas, em particular,
oferecendo principalmente capacitação técnica à
comunidade e atualização docente (OTRANTO, 2010).

Vale ressaltar ainda que desde o Decreto n. 5.154/2004, que passa a


admitir que a interação entre o ensino médio e a educação
profissional possa se dar de forma integrada, o que resulta que
formação básica e a formação profissional aconteçam numa mesma
instituição de ensino, num mesmo curso, com currículo e matrículas
únicas (RAMOS, 2011, p. 775), ajudou a dar um apoio ainda maior à
proposta inicial que ensejou a criação dos IFETs, que buscava um
POR UM OUTRO AMANHÃ

ensino atrelado às necessidades de desenvolvimento locais, e à


formação técnica e tecnológica, como a própria lei que os criou deixa
claro:

Os Institutos Federais são instituições de educação


superior, básica e profissional, pluricurriculares e
multicampi, especializados na oferta de educação
profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de
ensino, com base na conjugação de conhecimentos
técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas,
nos termos desta lei (BRASIL, 2008).

É nesse contexto que a questão da disciplina de História se torna


objeto de análise, uma vez que adequá-la a uma proposta que tem
seu foco voltado justamente para o ensino técnico e
profissionalizante exige ações próprias, pois, aparentemente,
produzir um conhecimento que de fato integre a História com as
disciplinas técnicas dos cursos profissionalizantes, e que ainda
garanta toda a formação cidadã que a própria disciplina se propõe,
parece ser um desafio difícil de ser atingido.

E é nesse sentido que a IC se torna um objeto importante dentro do 475


ensino de História voltado ao ensino integrado, pois permite
práticas que contribuem para que aflorem importantes interfaces
entre a História e as disciplinas técnicas, uma vez que, além de
contribuir para o desenvolvimento do conhecimento técnico,
necessário ao desenvolvimento profissional dos alunos desse tipo de
curso, atua também no sentido de fornecer uma formação política e
cultural mais ampla, dentro dos pressupostos defendidos por
Ronaldo Araujo e Gaudêncio Frigotto sobre o ensino integrado:

Assumimos o ensino integrado como proposta não


apenas para o ensino profissional. O ensino integrado é
um projeto que traz um conteúdo polí- tico-pedagógico
engajado, comprometido com o desenvolvimento de
ações formativas integradoras (em oposição às práticas
fragmentadoras do saber), capazes de promover a
autonomia e ampliar os horizontes (a liberdade) dos
sujeitos das práticas pedagógicas, professores e alunos,
principalmente (ARAUJO; FRIGOTTO, 2015, p.63).

O que buscaremos aqui é trazer um brevíssimo relato de minhas


experiências relacionadas à realização de projetos IC junto aos
alunos do curso Técnico em Logística Integrado ao Ensino Médio,
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

realizados no Instituto Federal do Triângulo Mineiro - IFTM -,


campus Patos de Minas/MG, no ano de 2015, além dos resultados
alcançados.

A proposta partiu primeiramente da necessidade de mapear os


pontos nos quais a logística estabelecia uma interface com a
História, e a partir de então, traçar planos para desenvolver
pesquisas em história que fomentassem os conhecimentos técnicos
de logística junto aos alunos. Por questões do espaço bastante exíguo
neste capítulo, fica impossível descrever detalhadamente os projetos,
mas ressalto que dentro dessa relação história-logística, orientei
projetos que trabalharam questões como a liderança, recuperação de
técnicas logísticas perdidas, e o estudo de autores clássicos, que
descreviam processos logísticos em suas obras, e que não haviam
sido objeto de estudos dentro desse parâmetro proposto. Todas essas
pesquisas se utilizam da história como forma de aprofundar os
conhecimentos já adquiridos em disciplinas técnicas do curso, tais
como Empreendedorismo, Gestão de Cadeia de Suprimentos, Gestão
de Estoques, entre outras.

Os resultados foram bastante profícuos, pois acabaram confirmando


476 o que trouxemos no início deste capítulo, ao afirmar que a prática da
IC traz uma série de benefícios aos alunos, tais como a conquista da
autonomia no aprendizado; o desenvolvimento do hábito de
manusear fontes de referência; o aumento da capacidade de análise
crítica e maior discernimento para enfrentar dificuldades, e
principalmente, a quebra de certos paradigmas, como aqueles que
colocam o aluno como mero receptor do conhecimento. Em um
projeto que integra História e Logística, o aluno, mesmo que
orientado por um docente, assume uma postura bastante ativa, uma
vez que muitas vezes tem certos domínios de conhecimento técnico
que não são do escopo da formação do professor orientador.

A prática de IC em História, aplicada de forma integrada aos


conhecimentos técnicos logísticos também permitiu a visualização
de um melhor desempenho dos alunos envolvidos nas disciplinas
técnicas, uma vez que para o desenvolvimento da pesquisa histórica,
os alunos se depararam com a necessidade de aprofundarem seus
conhecimentos em logística, o que resultou em ganhos profundos
dentro dessa proposta de formação profissional que os cursos que
integram o ensino médio ao ensino técnico oferecem.

Assim, através de nossas experiências, podemos concluir que a IC é


um importante elemento para se estabelecer um ensino de História
POR UM OUTRO AMANHÃ

de fato integrado ao ensino técnico, pois permite levar aos alunos


problemas de cunho interdisciplinar, que exigem a utilização tanto
dos conhecimentos próprios da disciplina de história, quanto dos
conhecimentos próprios das disciplinas técnicas, colaborando para
que a proposta de formação completa do aluno, que integre
crescimento profissional e político-pedagógico engajados, se
concretize.

Referências

ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima; FRIGOTTO, Gaudêncio.


Práticas pedagógicas e ensino integrado. In. Revista Educação
em Questão, Natal, v. 52, n. 38, maio/ago, 2015.
BRASIL. Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a
Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Disponível
em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11892.htm>. Acesso em 25/01/2016.
CNPQ. PIBIC Ensino Médio. Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio - PIBIC 477
EM. Disponível em:
< www.memoria.cnpq.br/editais/ct/2011/pibic_em.htm>. Acesso
em 25/01/2016.
FAVA-DE-MORAES, Flavio; FAVA, Marcelo. A iniciação científica:
muitas vantagens e poucos riscos. In. São Paulo em Perspectiva,
14(1), 2000.
MASSI, Luciana; QUEIROZ, Salete Linhares. Estudos sobre
Iniciação Científica no Brasil: uma revisão. In. Cadernos de
Pesquisa. v. 40, nº 39, jan./abr., 2010.
OTRANTO, Célia Regina. Criação e implantação dos institutos
federais de educação, ciência e tecnologia - IFETs. In. Revista
RETTA, Ano I, nº1, jan-jun 2010.
RAMOS, Marise Nogueira. O currículo para o ensino médio em suas
diferentes modalidades: concepções, propostas e problemas. In.
Educação & Sociedade, Campinas, v. 32, n. 116, jul.-set. 2011.
SOUZA, Zulma Ferreira de; SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de.
Iniciação Científica: uma análise da sua prática no Ensino Médio e
seus reflexos no Ensino Superior. In. Interscienceplace. ano 4, nº
17, abril/junho, 2011.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

CONSTRUIR O OLHAR CARTOGRÁFICO EM SALA DE


AULA: NOVAS CONCEPÇÔES AO MAPA NO ENSINO DE
HISTÓRIA

Maria Cristina Pastore

Cartografia: conjunto de saberes como tema gerador para


o ensino de história

Pensar o espaço urbano, a cidade e suas configurações sociais e


culturais como temas e recursos pedagógicos, permite um
movimento repleto de significados. Movimentos que expõe a
interdisciplinaridade e busca contemplar os anseios da educação na
expectativa da criação de novas metodologias aplicadas ao ensino de
Historia.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) solicita incluir temas


transversais e regionais voltados para a formação do cidadão.
Conforme registrado no PCN História, espera-se que os alunos
478 possam ampliar a compreensão da realidade, e para tal os alunos
deverão ser capazes de:

Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o


sentimento de confiança em suas capacidades afetiva,
física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e
de inserção social, para agir com perseverança na busca
de conhecimento e no exercício da cidadania;
Utilizar as diferentes linguagens, verbal, musical,
matemática, gráfica, plástica e corporal como meio para
produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar
e usufruir das produções culturais, em contextos
públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e
situações de comunicação. (PCN 1998 História, p. 07)

Refletir sobre um discurso de transformação e mudanças na


educação e no ensino em História, sair do mediano e alçar novidades
metodológicas, considera vivenciar, experimentar, redescobrir e
ousar nas atividades em sala de aula. Encontrar eixo temático ou um
tema gerador de diálogos nas diversas áreas do conhecimento tem se
apresentado como um desafio interdisciplinar. Conforme
Bittencourt:
POR UM OUTRO AMANHÃ

Os eixos temáticos ou temas geradores são indicadores


de uma série de temas selecionados de acordo com
problemáticas gerais cujos princípios, estabelecidos e
limitados pelo publico escolar ao qual se destina o
conteúdo, são norteados por pressupostos pedagógicos,
tais como faixa etária, nível escolar, tempo pedagógico
destinado à disciplina, entre outros aspectos.
(BITTENCOURT, 2004, p126)

Em um mundo no qual as inovações tecnológicas de comunicação


eletrônicas e digitais de localização como o GPS (Sistema de
Posicionamento Global) fazem parte do cotidiano, pensar no uso de
mapas em sala de aula assemelham-se as didáticas passadas.
Contudo, ao iniciar uma aula de História com a imagem do primeiro
mapa conhecido no mundo (Fig. 01), os olhares curiosos e perguntas
sobre o assunto revelam uma face envolvente no uso desta
ferramenta.

Podemos conceituar mapa como representação gráfica do social e


cultural de povos, evento, época e espacialidade, porem percebe-se
que essa definição vai além de um conceito fechado, trata-se de uma
compreensão do mundo gráfico histórico e cultural. Tema gerador e 479
atuante no campo do conhecimento interdisciplinar que auxilia a
História, a Geografia, a Ciência, a Antropologia, a Arqueologia, a
Arte, etc., o mapa instiga pesquisa, altera percepções e o imaginário.
Provocante e captador de atenção, o mapa possui a impressionante
relação de construção de conhecimento revelado através de
símbolos, legendas e cores. Uma ponte entre arte, ciência e historia.

A história da cartografia conforme DUARTE se apresenta anterior à


escrita:

Há muitos registros que comprovam que os mais


variados povos nos legaram mapas, tais como
babilônicos, egípcios, maias, esquimós, astecas, chineses
além de outros, cada qual refletindo aspectos culturais
próprios de sua sociedade. DUARTE, 2002 p 20

Os registros, as técnicas e as transformações mundiais que


graficamente encontramos nos variados mapas, direcionam ao
principio da cartografia, a comunicação e análise. A comunicação do
grafismo do mapa pode se apresentar nas cores, nos desenhos, no
suporte no qual está impresso, na leitura dos símbolos, na
compreensão espacial, promovendo possibilidades de análise e
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

compreensão de fatos. Surpreendente enigma interpretado pela


tecnologia e conhecimento humano, requer certas habilidades para
decifra-los. Registros pictográficos surgem nas paredes das cavernas
e abrigos em diversas regiões do mundo, reiterando a cartografia
como interdisciplinar e fonte histórica.

Fig.: 01 Ga-Sur 2300 a. C. Foto Google domínio publico


Fig. 02 Foto Google Domínio Público

A figura 01 mostra o mapa da Ga Sur na Suméria 2,500 AC, criado


por babilônicos, esculpido em um tablete de argila cozida, estimulam
nossa imaginação. Na figura 02, podemos observar o mapa da
cidade de Çatal Huyuk cidade da antiga Anatólia, hoje Turquia,
480 pintado nas paredes da caverna considerado o mapa mais antigo.
Também apresenta a decoração de interiores em Catal Huyuk 8.000
anos a 5.000 anos antes da ascensão de cidades-estados da Grécia.
As paredes foram pintadas com imagens de deusas e caçadores.
Estas imagens foram fornecidas visualmente em sala de aula na
tentativa de estimular o imaginário do aluno e chamar a atenção, o
que causou o efeito desejado.

A questão do reconhecimento do mapa como fonte, sugere uma


releitura na história, o compartilhamento de imagem e texto como
estratégias de rever o conteúdo explícito e implícito nos gráficos. Sua
comunicabilidade de aspectos não revelados ou descobertos remete
a um novo entendimento de mapas como fonte para pesquisas e
estudos. Portanto, abre-se uma nova perspectiva para a cartografia,
superar a critica e desenvolver uma linha de raciocínio logico
abrangente, buscando demonstrar a proficuidade dos mapas como
fonte histórica e de ensino, desta forma, é a prospecção levantada
pelos mapas.

Aplicabilidade da experiência em sala de aula

Nos dias atuais, novos conceitos encontram-se incorporados as


concepções de mapa. Conforme MENEZES, (2009, p. 250) “O ato de
POR UM OUTRO AMANHÃ

informar, esclarecer e traduzir significados de fenômenos não é


recente, ocorrendo desde os primeiros registros do homem, para
representação de seus pensamentos.” Nesse sentido procurar usar o
mapa como instrumento de produção de conhecimento, adentrando
na comunicabilidade que o mapa apresenta, sustenta relação entre
imagem e problematiza o indicativo de pertencimento como um dos
objetivos do trabalho. Busca nas origens dos registros imagéticos um
olhar contemporâneo de representatividade simbólica dos códigos
apresentados no mapa. Em uma interpretação mais contemporânea
o mapa é a narrativa poética da história, uma historia de símbolos e
identidade, cultura e tradições, vivenciadas por desenhistas,
estrategistas de guerra, ou apenas por sujeitos históricos
preocupados em demarcar um território.

Na intenção de proporcionar um olhar interdisciplinar na


cartografia como metodologia além de incentivar o aluno a
criatividade e ao registro do pertencimento patrimonial e afetivo, a
pesquisa considera o mapa como suporte de investigação para o
ensino de História.

Etapas da proposta
481
Em um primeiro momento disponibiliza-se aos alunos o texto: “O
que é um mapa? O que representa os gráficos e cores? O que são
legendas?” Produzido com palavras simples e de fácil entendimento,
apresentado de forma sucinta, continha em seu conteúdo as imagens
(Fig. 1). Logo após, apresenta-se um mapa do continente Africano,
muito colorido e com representação da agricultura, indústria e
pecuária. A proposta é aplicada na turma de 6º ano, com 26 alunos e
7º ano com 24 alunos em uma escola no Rio Grande, RS.

No segundo momento, trata-se do inicio da preparação emocional.


Para tal, uma musica ambiental de relaxamento é ouvida, solicita-se
que fiquem de olhos fechados. Solicita ao aluno que percorra o
caminho, mentalmente, da casa até a escola. Este exercício favorece
a memória e os processos cognitivos, preparando-os para a fase
seguinte. Esse procedimento depende da maturidade da turma,
sugere-se uma musica de no máximo dois minutos, pois os mais
inquietos começam a rir e brincar.

No terceiro momento, distribuem-se folhas de oficio, e solicita-se o


desenho de um mapa, deve conter o percurso realizado pelo aluno da
casa até a escola. Todo o material é considerado fonte de
informação. Permite a relação com outros processos, pensar as
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

mudanças da paisagem ao longo dos anos, na tentativa de


compreender a História de forma prazerosa e artística.

No ensino médio o procedimento inclui a quarta fase, no qual o


aluno é incentivado a encontrar nesse caminho, escultura, prédio
histórico ou monumentos e realizar a pesquisa sobre o que
encontrou perto de sua casa ou da escola. Sugere a ampliação do
conhecimento histórico e artístico do patrimônio material.

Tecendo considerações

A pesquisa em sua concepção propõe pensar a teoria e pratica


intrínsecas em um processo formativo. Desta forma, no momento, as
análises preliminares dos resultados apontam para a leitura do
sentimento de pertencimento, imensurável em sua forma subjetiva.
No entanto, visibilizado nos símbolos e códigos fornecidos pelos
desenhos dos alunos, o mapa assinala uma comunicação que pode
indicar pertencimento. Analisá-los e descobri-los prosseguem como
desafio. Buscaram-se nos teórico da educação e da psicologia as
bases metodológicas e teóricas necessárias para realizar as análises
dos desenhos relacionando-os com o estudo aqui apresentado.
482
Foram analisados 50 mapas com o intuito de identificar a hipótese
da ideia de pertencimento e criadas categorias para essas análises.

Categorias
1. Apresentam desenhos casa, prédios, ruas e a escola.
2. A existência da expressão MINHA CASA nas legendas.
3. O cuidado com a elaboração do conjunto casa/escola
4. A ampliação da visão panorâmica, incluindo outras referências
como padaria, cinema, farmácia entre outros.
5. Segue um padrão de aproximação com a realidade.

A experiência com o desenho de mapa como fonte de identificar a


materialidade de pertencimento demonstra a força que possui.
Desprezá-la seria como regredir aos estágios iniciais do desenho,
como uma criança que inicia os rabiscos. Sujeitar o sentimento de
pertencimento ao destino da subjetividade ou declará-lo
imensurável, é combater as possibilidades de investigação. Os
resultados aqui exibidos são meramente orientadores, e
preliminares, uma vez que para apresentar os resultados finais serão
necessárias as apreciações de outras experiências com turmas
diferenciadas para finalmente cruzar dados, ampliando a
compreensão do processo.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Fig. 03 Mapas criados pelos alunos (foto da autora)

A questão do reconhecimento do mapa como fonte (fig. 03), sugere


uma releitura na forma de ensinar história usando esse recurso. O
compartilhamento de imagem e texto como estratégias de rever o
conteúdo explícito e implícito nos gráficos e sua comunicabilidade
de aspectos não revelados ou descobertos remetem a um novo
entendimento de mapas como fonte para pesquisas e estudos.
Portanto, abre-se uma nova perspectiva para a cartografia, superar a
critica e desenvolver uma linha de raciocínio lógico e abrangente,
buscando demonstrar a proficuidade dos mapas como fonte
histórica e de ensino é prospecção alçadas pelo uso dos mapas em
sala de aula.
483
Como mediadores do conhecimento é responsabilidade do professor
o compartilhamento desse conhecimento, independente da idade do
aluno, pois colabora com a construção do olhar no espaço urbano.
Está implícito um aprendizado que revela conceitos fundamentais
para a compreensão de espaço, onde o aluno esta inserido.
Incentivando o aluno, em qualquer esfera educacional, perceber que
as comunidades, a sociedade, se agrupavam e formavam cidades,
tribos, grupos, desde o inicio da humanidade, promovendo assim
um reconhecimento de lugar, de pertencimento ao espaço em torno
e a inclusão. Desta forma, o professor preocupado com a formação
dos alunos, em um tempo de negligencias, oportuniza momentos de
reflexão sobre a história de cada um. Identifica que a história é
construída por cada sujeito, e o mapa reflete essa condição. Cada
aluno perceber-se participativo de sua formação, uma concepção
para a vida. Não basta ler a História, o aluno deve ser incentivado a
se sentir pertencente ao meio.

Referências

ABREU, Martha Ensino de História: conceitos, temáticas e


metodologias 2ed. Rio de Janeiro:Casa da palavra, 2009
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História:


Fundamentos e Métodos. São Paulo. Cortez, 2004, p.121.
BRASIL, Ministério de Educação e Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília:
MEC/SEF, 1998.
CASTELL, Cleusa Helena Guaita Peralta. A arte do grafismo
infantil e a construção simbólica. Rio Grande: FURG, 2003
DUARTE, Paulo Araújo. Fundamentos da Cartografia. Editora
da UFSC Florianópolis. 2002
FONSECA, Selva Guimarães História Local e fontes orais: uma
reflexão sobre saberes e praticas de ensino de História.
Revista de História oral, 2014
http://www.revista.historiaoral.org.br/index.php?journal=rho&pag
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acessado em 10.10.2014
FRANCISCHET, Mafalda Nesi, A cartografia no ensino-
aprendizagem da
geografia.http://www.bocc.ubi.pt/pag/francischett-mafalda-
representacoes-cartograficas.pdf
http://www.bocc.uff.br/_esp/autor.php?codautor=793 Acessado em
484 22.07.2014
GOMES, Maria do Carmo Andrade. Velhos mapas, novas
leituras: Revisitando a história da cartografia GEOUSP-
Espaço e Tempo. São Paulo, nº 16. 2004 pp.67-79
LUQUET, G. H. O desenho infantil. Trad. Maria Teresa Gonçalves de
Azevedo. Porto: Livraria Civilização, 1979.
MENEZES, Paulo Marcio Leal de. Cartografia histórica: um
instrumento de analise geográfica. Questões metodológicas e
novas temáticas na pesquisa geográfica/ Ana Maria S. M. Bicalho,
Paulo Cesar da Costa Gomes (org) Rio de Janeiro Publit 2009
PIAGET, Jean. O diálogo com a criança e o desenvolvimento
do raciocínio. São Paulo: Scipione, 1997.
PINSKY, Carla Bassanezi. Novos temas nas aulas de história.
São Paulo- Contexto, 2009
PEREIRA, Lais de Toledo Krüchen. O desenho infantil e a
construção da significação: um estudo de caso.
http://portal.unesco.org/culture/en/files/29712/11376608891lais-
krucken-pereira.pdf/lais-krucken-pereira.pdf acesso em 20.10.2014
POR UM OUTRO AMANHÃ

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: O PATRIMÔNIO


ARQUEOLÓGICO E O ENSINO DE HISTÓRIA

Marlon Barcelos Ferreira

Este trabalho tem como objetivo apresentar um diálogo entre


história, arqueologia e ensino e assim discorrer sobre o uso do
patrimônio arqueológico no ensino da história do Brasil. Nas últimas
décadas tivemos uma valorização das fontes históricas não escritas e
o alargamento do objeto do historiador como resultado das
inovações dos Annales, sobre a qual plasmou-se a - ainda hoje, nova
e consagrada na década de 70 - História Nova.

Assim, o professor de história para levar a cabo o seu objetivo de


analisar as inúmeras facetas do passado em sala de aula, pode se
utilizar atualmente de uma gama variada de fontes históricas para
tal intento. Não apenas se prendendo a sala de aula ou ao uso de
documentos escritos e imagens nos livros didáticos, filmes ou
mapas.
485
Destacamos aqui o uso do Patrimônio Arqueológico como forma de
apreensão do passado por parte dos alunos. Desta forma os alunos
terão uma história feita não apenas de páginas escritas e imagens,
mais de objetos e construções, no qual eles podem ter acesso direto
sobre vestígios materiais (objetos, ferramentas, construções, etc.)
que mostram como era a vida de pessoas que viveram a dezenas,
centenas e talvez milhares de anos (podendo ser uma casa antiga na
rua da escola, um museu ou um sambaqui com dois mil anos). Isto
poderá até causar estranheza em muitos alunos que só estão
acostumados a fotos, filmes e livros didáticos. Mas, causar
estranheza é um dos objetivos, pois confronta os livros e a
imaginação com o mundo real, que é palpável e atiça todos os
sentidos.

Busca-se nesse sentido compreender que preservar não é só guardar


um objeto ou espaço, preservar é tornar vivo para as pessoas aquele
passado remoto. Desta forma, a educação desempenha um papel
importante de conectar o cidadão enquanto indivíduo ao seu
passado e ao passado de sua cidade ou nação, no caso o passado do
Brasil. Afinal, o patrimônio arqueológico não são apenas vestígios do
passado, eles são parte de nossa identidade cultura e herança dos
povos que aqui habitaram.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Foi na Idade Moderna com a afirmação do conceito nacionalidade e


do Estado Nação que surgiu essa preocupação em inventariar e
preservar seus patrimônios, seu legado material e imaterial das
gerações passadas. Segundo o historiador, Haroldo Leitão Camargo
(2004, p.21), os monumentos seria a materialização da identidade
nacional. Em Portugal, Dom João V, ordenou a criação de um
inventário a fim de determinar as construções e preservá-las, na
França em 1837, os prédios históricos passaram a ser estudados e
preservados pela Comissão de Monumentos Históricos (BASTOS,
2004, p.257). O patrimônio arqueológico se enquadra como parte do
Patrimônio cultural de uma nação.

Da mesma forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino


Médio PCNEM (Brasil, 2000) recomendam o uso de fontes
primárias e sítios arqueológicos no processo educacional e ensino de
história. Da mesma forma, os sítios arqueológicos são áreas que
envolvem não apenas história ou geografia, podendo fazer parte de
um projeto maior da escola e assim funcionam muito bem em um
projeto interdisciplinar, como salienta Figueiredo:
486 Acreditamos que alguns assuntos são transversais às
diversas disciplinas e o debate em torno do patrimônio
histórico-cultural constitui um deles. Interessa tanto aos
profissionais da educação, das áreas de história, e de
geografia e por que não, da literatura. A química e a
biologia não podem ficar de fora. (2002, p 52)

Dentro desta perspectiva tivemos no Brasil a introdução na década


de 80 da metodologia que foi denominada de educação patrimonial.
Esta metodologia se coloca como uma das mais importantes
ferramentas a disposição do professor para trabalhar e se utilizar do
patrimônio arqueológico na sala de aula. As primeiras experiências
no Brasil aconteceram na década de 80, mais precisamente em 1983,
quando aconteceu o I Seminário sobre o Uso Educacional de Museus
e Monumentos, no Museu Imperial em Petrópolis no Estado do Rio
de Janeiro. Assim, foi ganhando força no Brasil a ideia da
importância da relação das pessoas com suas heranças históricas e
arqueológicas, não apenas para reforçar sua ligação com o
patrimônio com intenção preservacionista, mas também para
demonstrar seu papel ativo como cidadão e ser histórico.

Diante deste primeiro trabalho, surgiu o conceito e a metodologia de


trabalho proposta pela Educação Patrimonial, que foi primeiramente
POR UM OUTRO AMANHÃ

defendido e definida no Brasil pelas pesquisadoras Maria Horta,


Evelina Grunberg e Adriane Monteiro:

Trata-se de um processo permanente e sistemático de


trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural
(material e imaterial) como fonte primária de
conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. A
partir da experiência e do contato direto com as
evidências e manifestações da cultura, em todos os seus
múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da
Educação Patrimonial busca levar as crianças e os
adultos a um processo ativo de conhecimento,
apropriação e valorização de seu passado, capacitando-os
para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a
geração e a produção de novos conhecimentos, num
processo contínuo de criação cultural. (1999, p5)

Assim, a educação patrimonial aparece como uma importante


ferramenta metodológica nas mãos dos educadores não apenas na
intenção de reforçar a necessidade de preservação e da importância
histórica dos bens materiais e sítios arqueológicos, mas também na
construção de cidadãos conscientes do seu passado e presente. 487
Todas elas dentro desta perspectiva de olhar para o passado, mas
pensando no presente, como salienta Maria Horta, Evelina Grunberg
e Adriane Monteiro:

A Educação Patrimonial é um instrumento de


"alfabetização cultural" que possibilita ao indivíduo fazer
a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à
compreensão do universo sociocultural e da trajetória
histórico-temporal em que está inserido. Esse processo
leva ao reforço da auto-estima dos indivíduos e
comunidades e à valorização da cultura brasileira,
compreendida como múltipla e plural. (1999, p.6)

O Patrimônio arqueológico tem um papel destacado no processo de


formação da cidadania. Afinal, do ponto de vista educacional, em
uma abordagem sócio-cultural, se reconhece o conhecimento como
resultado das interações do indivíduo com o meio, concedendo ao
sujeito o papel central na produção do saber. Onde segundo Paulo
Freire, para que o homem se constitua como sujeito, é fundamental
que ele, integrado num determinado ambiente histórico, reflita
sobre ele e tome consciência de sua historicidade e da realidade
social no qual está inserido. Pois desta forma:
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Ao apropriar-se do sentido e da peculiaridade de suas


manifestações em todos os aspectos da vida diária, esses
indivíduos tendem a modificar suas atitudes em relação
aos bens, tangíveis e intangíveis, a recuperar os
sentimentos de autoestima e de cidadania. (FREIRE,
1979, p151)

A educação patrimonial não deve ser vista como uma simples ida a
um museu ou a um sítio arqueológico, na verdade o ideal é que seja
parte de um projeto pedagógico maior na qual a visita ao museu ou a
um sítio arqueológico (Sambaqui, forte, etc.) se insira dentro da
proposta pedagógico previamente planejado, pois a preparação dos
alunos é uma etapa muito importante a ser realizada em sala de
aula, mas o seu significado é o de estimular e levantar hipóteses em
torno do bem e não chegar imbuídos de respostas prontas.

Assim, previamente o professor deve elaborar um projeto elencando


os objetivos e a maneira como aquele patrimônio vai ser trabalhado
e absorvido pelos alunos. O próprio Instituto de Patrimônio
Histórico Artístico Nacional (IPHAN), órgão com competência legal
488 para tratar do patrimônio histórico e arqueológico, tem apoiado
trabalhos e incentivando o uso desta ferramenta em salsa de aula e
museus por todo o Brasil.

Conhecendo o seu patrimônio arqueológico os alunos poderão


reconhecer neles parte de seu passado, fazendo do patrimônio
arqueológico de sua região ou país, parte de sua história também.
Desta forma, a educação patrimonial se coloca como uma das mais
importantes ferramentas de preservação do patrimônio cultural
brasileiro e como proposta inovadora para o professor de história
utilizar em sala de aula fugindo assim do binômio quadro - livro.

Referências

BASTOS, Sênia. Nosso patrimônio Cultural. Revista de Turismo


Y Patrimônio Cultural. Passos: V 2 N 2. P. 257-265, 2004
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino
Médio). Brasília: MEC, 2000.
CAMARGO, Haroldo Leitão. Patrimônio Histórico e Cultural.
São Paulo: Aleph, 2004
FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Patrimônio Histórico e Cultural:
um novo campo de ação para os professores. In: GRUPO Gestor do
POR UM OUTRO AMANHÃ

Projeto de Educação Patrimonial. Reflexões e contribuições


para a Educação Patrimonial. Belo horizonte: SEE/MG (Lições
de Minas. 23), 2002
FREIRE, Paulo. Conscientização São Paulo: Cortez e Moraes.
1979
GRUNBERG, Evelina. Educação Patrimonial: Utilização dos
Bens Culturais como Recursos Educacionais. Rio de Janeiro,
2014 Disponível em
< http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo4/estudos_soci
ais/educacao_patrimonial.pdf> Acesso em 23 de Dezembro de 2014.
HORTA, M. L., GRUNBERG; E. MONTEIRO, A. Guia Básico de
Educação Patrimonial. Brasília: Museu Imperial - UNB, 1999.

489
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O QUE VOCÊ SABE SOBRE A HISTÓRIA DAS MULHERES?


CONHECIMENTOS PRÉVIOS DOS ALUNOS SOBRE
QUESTÕES DE HISTÓRIA E IDENTIDADE DA MULHER
BRASILEIRA

Matheus Henrique Marques Sussai

Apresentando a discussão

O presente texto tem como objetivo refletir sobre as respostas de um


questionário de conhecimentos prévios realizado com os alunos do
8º (B) ano do IEEL - Instituto de Educação Estadual de Londrina -
como atividade do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência) de História da UEL (Universidade Estadual de
Londrina) pelo ano letivo de 2015.

O questionário fez parte de um conjunto de seis encontros com os


alunos do 8º ano do IEEL, durante as atividades realizadas pelo
PIBID nesse colégio. O tema proposta para a aula de História era:
490 "Identidade, Alteridade e Representação: o estereótipo da mulher
brasileira a partir de propagandas de cerveja (1992-2015)". Esse que
é um subprojeto do projeto maior que se intitulou: "Brasil: de onde
viemos? Onde estamos? Para onde vamos", onde o intuito era se
trabalhar questões de identidade e tolerância sobre diversos temas
no Brasil. A partir daí, a nossa escolha foi a representação da mulher
na mídia, mais especificamente, nas propagandas de cerveja, que
ainda hoje é um produto em que a propaganda é destinada com
maior nitidez ao sexo masculino.

Partindo dos pressupostos metodológicos da historiadora Isabel


Barca, em seu modelo de "Aula-oficina" (2004, p. 131-144), o
professor de história deve mediar o contato entre os alunos e as
fontes de estudo do historiador. Dessa maneira, o aluno terá
participação ativa na construção do seu conhecimento, fugindo dos
modelos de "Aula-Conferência" e "Aula-Colóquio", onde a atenção e
o dito "foco do conhecimento" estão ligados diretamente à figura do
professor. É partindo desse modelo de "Aula-oficina" que utilizamos
durante as atividades, que surgem os questionários de
conhecimentos prévios que serão aqui analisados. Muitos
pesquisadores se debruçam sobre os instrumentos de investigação
de conhecimentos prévios, mas o que quero ressaltar, é que o nosso
produto vem devido ao modelo de aula adotado durante as
POR UM OUTRO AMANHÃ

atividades, onde aqui, nos deteremos apenas e especificamente sobre


esses questionários respondidos.

Como já dito, foram realizados seis encontros com os alunos, onde


apenas o primeiro objetivou-se o recolhimento das ideias prévias dos
alunos. Ou seja, este, aqui, é o único que nos interessa. A pesquisa
pelos conhecimentos prévios é um viés adotado para trabalho pela
área da Educação Histórica, onde se tem como relevante:

Aprofundar os níveis de compreensão do passado e do


presente a partir das ideias de senso comum, integrando
significâncias e critérios metodológicos próprios da
História, [...] numa problematização aberta à
argumentação, e no contexto de uma postura que
genuinamente contenha um sentido humano. No que
respeita à Educação Histórica formal, ela será um meio
imprescindível para operacionalizar o passado histórico
em termos de aprofundamento da orientação temporal
no presente e para o futuro. (BARCA, 2011, p. 36).

Ou seja, é o no trabalho com essas ideias de senso comum, capazes


de serem investigadas via instrumentos de recolhimento do 491
conhecimento prévio, que uma aula de história pode obter "sucesso",
ou melhor, pode conseguir alcançar seus objetivos enquanto reflexão
sobre passado/presente/futuro. É partindo do conhecimento prévio
do aluno, partindo das ideias de senso comum da sociedade em que
se está trabalhando, que uma aula de história deve ser pensada.

Agora, segue abaixo as questões presentes no questionário


respondido pelos alunos:

*1) Quais são, para você, os homens mais importantes na História do


Brasil? Por quê?
*2) Quais são, para você, as mulheres mais importantes na História
do Brasil? Por quê?
*3) O que você já viu, nas aulas de História, sobre a história das
mulheres (participações em acontecimentos históricos que você
conheça)?
*4) Você acha que existe algum tipo de desigualdade ou preconceito
sobre o papel da mulher na História, e na nossa sociedade? Se sim,
ou se não, por quê?
*5) Você acha que a História, levando em conta os conteúdos que
estuda em sala de aula, possui relação com a construção de uma
imagem do homem e da mulher? Comente.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

*6) Os papéis do homem e da mulher, na nossa sociedade, são


iguais? Eles sempre foram do jeito que são hoje? Explique.
*7) Defina o que você entende por "machismo".
*8)Defina o que você entende por "feminismo".
*9) Quais tipos de propagandas (televisivas, veiculadas na internet,
etc) são voltadas para as mulheres? E para os homens? Por que essa
diferenciação acontece?
*10) Como a mulher é representada na mídia, nas propagandas da
TV?

Agora, partimos para uma análise mais específica de algumas


respostas referentes a essas perguntas. Visto que aqui não é possível
uma exposição mais minuciosa de todos os questionários,
escolhemos algumas respostas que achamos mais representativas,
num sentido de amostragem, do âmbito geral dos questionários.

Análise e reflexão sobre as respostas dos alunos: o


conhecimento prévio e as discussões sobre história da
mulher, e a mulher na história

Foram recolhidos um total de 26 questionários respondidos, sendo


492 17 referentes a alunos do sexo masculino, e 09 do feminino. Os
alunos possuíam uma faixa estaria correspondente de 12 a 15 anos.
Para refletirmos sobre as respostas desses alunos, é importante
pensar que este questionário foi pensado em um âmbito de
continuidade do processo de aprendizagem, onde o recolhimento do
conhecimento prévio é o ponto de partida para tomar o aluno como
ativo na construção do seu conhecimento. Como nos mostra Regina
Célia Alegro (2008, p. 39), "[...] quando trata do conhecimento
prévio, Ausubel está referindo-se à situação de ancoragem, ou seja,
ao processo de integração de novos conteúdos (conceitos,
proposições) à estrutura cognitiva do sujeito". Aqui, no caso, não
veremos a continuidade deste processo de aprendizagem, uma vez
que o texto se dedica a analisar, dar uma amostra das respostas mais
características dos alunos.

Sobre as duas primeiras questões, obtivemos diversos nomes, como


por exemplo, sobre os homens: D. Pedro I, Pedro Álvares Cabral,
Machado de Assis, Pelé, Lula, e Santos Dumont. Algumas referências
indiretas como: "Quem descobriu coisas eletrônicas, porque foi um
grande avanço." (GABRIELA, 2015); "Os índios. Pois antes mesmo
de descobrirem o Brasil, eles já ocupavam o território." (ANA,
2015). Já sobre as mulheres, tivemos os seguintes nomes: Dilma,
Maria da Penha, Princesa Isabel e Maria Leopoldina. Vemos como o
POR UM OUTRO AMANHÃ

número de referências é bem menor. Chamaram-nos a atenção duas


respostas que colocaram tanto sobre a questão 1, como a 2, os
termos "Meu pai" e "Minha mãe", aludindo à cada pergunta, sobre
os homens e as mulheres mais importantes do Brasil. Isso mostra
certa capacidade de se perceber como sujeito da história, que a
história é feita de "gente como a gente" (PINSKY; PINSKY, 2003, p.
27). Ainda sobre a questão número 2, mas já fazendo alusão à
terceira, vemos muitas referências ao incêndio posto numa fábrica
onde muitas mulheres foram queimadas. Não se sabe ao certo a data
desse acontecimento famoso, mas estima-se 25 de Março de 1911. O
relevante é que ele foi utilizado para a institucionalização do "Dia
Internacional da Mulher". São essas as únicas referências que os
alunos fizeram sobre a história da mulher no Brasil (mesmo algumas
respostas não fazendo referência ao Brasil).

Na questão número 4 tivemos várias respostas que citaram o salário


menor da mulher, por exemplo: "Sim. Porque hoje em dia uma
mulher não ganha igual a um homem" (JULIA, 2015). Mas também
algumas apologias ao presente já ser melhor que o passado, onde
hoje a mulher não seria mais injustiçada: "Não porque agora
diferente do passado as mulheres tem mais independência para fazer
oque (sic.) quizer (sic.) sem a ajuda do homem" (HELOIZE, 2015). 493
Mas a resposta que mais nos chamou atenção foi: "Sim, que eu me
lembre nunca tive conteúdo em que a mulher fosse uma
protagonista" (MARCOS, 2015). Vemos, aqui, uma percepção crítica
do aluno sobre os protagonistas da História, onde este percebeu,
usando seu conhecimento prévio, que não teve contato com
conteúdos de história onde a mulher tivesse um papel principal, ou
nas suas próprias palavras, "protagonistas". As respostas da 4 e da 6
se assemelham muito, caracterizando argumentos como um passado
pior para as mulheres, e um presente com menos preconceito, mas
ainda existente.

A questão número 5 teve a maioria das respostas baseadas em


argumentos que diziam que a história mostra como as mulheres
foram prejudicadas, que não tinham direito a votos, ou àqueles que
discordaram sobre a história interferir na imagem do homem ou da
mulher. Aquela que se caracteriza como uma resposta de
amostragem refere-se a: "Sim, pois a história mostra que as
mulheres batalharam para ter a sua independência." (HELOIZE,
2015).

As perguntas 7 e 8, referentes as definições de "machismo" e


"feminismo", relevantes para a continuidade do que trabalhamos em
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

sala de aula, obtiveram, na maioria das respostas, os significados


como um sendo o contrário do outro. Ou seja, a ideia de
"Feminismo" muitas vezes veio não como se fosse uma luta pelos
direitos da mulher (apareceram poucas vezes respostas semelhantes
a isso), mas sim "[...] aquelas mulheres que também tem preconseito
(sic.) com o homem." (LUCAS, 2015). Ou, como vemos em outro
exemplo: "É quando a mulher acha que pode mais que o homem"
(MATEUS, 2015). E sobre o "Machismo", de forma geral: "é quando
o homem maltrata a mulher quando ele fas (sic.) a mulher e escrava"
(WILLIAN, 2015). Outro exemplo com a mesma base de
argumentação: "são homens orgulhosos que tem ainda muita
desigualdade com as mulheres." (LUCAS, 2015). A partir daqui,
trabalhamos a definição dos dois conceitos em sala de aula, que se
mostraram muito confusos nas respostas dos alunos, como podemos
ver.

As duas últimas questões, 9 e 10, possuíam um caráter mais


específico com o tema que trabalharíamos futuramente dentro de
sala, levando em conta informações sobre mídia brasileira,
propagandas, e etc. Muitas das respostas "não sei" que vieram para
essas perguntas, acreditamos que surgiram devido ao maior grau de
494 especificidade e complexidade dessas duas questões. Ainda assim,
argumentos interessantes surgiram sobre as propagandas e a mulher
brasileira representada pela mídia. Apontamentos certamente
vindos de olhares mais atentos e críticos, tais como, sobre a questão
9:

Para as mulheres são cosmético limpeza e etc... e para


homem são conteúdos de comstrução (sic.), futebol e
etc... porque assim "eu acho" que eles são muito
preconceituosos com isso porque uma mulher pode
limpa (sic.) uma casa bem, ser vaidosa o homem também
pode, como o homem pode arrumar uma pia, construir
uma casa a mulher também na televisão eles passa muito
preconceito nisso, dividindo as coisas. (ALESSANDRA,
2015).

A crítica à divisão que a mídia veicula os produtos devido ao gênero


se mostrou dentro do argumento dessa aluna, como no de outros
mais. Isso influenciou muito nas análises realizadas por estes nos
documentos históricos (propagandas de cervejas contemporâneas)
que foram feitos em seguida e não serão aqui trabalhados. O foco é
perceber a importância de se investigar as informações prévias
desses alunos, e objetivando o nosso tema, como isso embute em
POR UM OUTRO AMANHÃ

questões polêmicas da contemporaneidade, onde machismo e


feminismo são assuntos do cotidiano desses alunos. A construção
histórica de uma imagem de mulher e de um homem são temas que
devem ser discutidos em sala de aula, onde a disciplina da História
consegue problematizar essas questões.

Referências

ALEGRO, Regina Célia. Conhecimento prévio e aprendizagem


significativa de conceitos históricos no Ensino Médio. 2008.
239f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília, 2008.
BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In: Para uma
educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de
Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em
Educação (CIED) / Instituto de Educação e Psicologia,
Universidade do Minho, 2004, p. 131-144.
_____. O papel da Educação Histórica no desenvolvimento social.
In: CAINELLI, Marlene; SCHMIDT, Maria A. Educação
histórica: teoria e pesquisa. - Ijuí: Ed. Unijuí, 2011. p. 21-48.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma História
Prazerosa e Consequente. In: KARNAL, Leandro (org.). História 495
na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. - SP -
Contexto, 2003. p. 17-36.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O CENÁRIO EDUCACIONAL E SUAS TRANSFORMAÇÕES


DURANTE O SÉCULO XX

Munir Abboud Pompeo Camargo


Vinicius Carlos da Silva

O desenvolvimento da modernidade prometera estabilidade perante


as inseguranças humanas relacionadas ao mundo natural, tendo
como referência a política e a ciência. Contudo, após a Segunda
Guerra Mundial e os desdobramentos deste evento histórico, o
projeto racional passou a sofrer uma série de questionamentos, em
especial no que tange a sua pretensa em responder a todos os
anseios humanos.

Esse processo gerou a aquilo que é chamado de pós-modernidade,


que, como afirma Chevitarese “configura-se como uma reação
cultural, representa uma ampla perda de confiança no potencial
universal do projeto iluminista” (CHEVITARESE, 2001, p.41). Dessa
maneira, se os grandes discursos, ou metarrelatos, supostamente
496 ruíram, e a sociedade pós-moderna passou a ser permeada por uma
ciência que, a despeito de visar o acúmulo de conhecimentos como
um bem à humanidade, passou a focar apenas na eficiência de seus
estudos e práticas.

Os investimentos anteriormente destinados as universidades,


voltados ao incentivo de pesquisas que pudessem realizar
descobertas responsáveis por sanar enigmas da existência do
homem, passaram a ser empreendidos em favor da produção. Para
Marinho “Agora, o que é decisivo na circulação de um conhecimento
não é a sua capacidade de retirar alguém da ignorância e sim sua
potencialidade de melhorar a performance e o 18 desempenho de
uma dada mão-de-obra para a melhoria do processo produtivo”
(MARINHO, 2008, p.4).

O relativo processo passou também a encontrar insuficiências nos


modelos clássicos explicativos da sociedade. Assim, se antes, em
contraposição ao saber tradicional (discurso científico) se legitimava
a partir de sua condição tanto especulativa (ou filosófica) quanto
prática (ou emancipação política), que prometia a primeira, “a
humanidade como herói da liberdade” (LYOTARD, 2011, p. 58-60)
e, a segunda “que a universidade deve remeter seu material, a
ciência, à „formação espiritual e moral da nação‟”, responsável, de
POR UM OUTRO AMANHÃ

acordo com Lyotard, pela “formação de um sujeito plenamente


legitimado do saber e da sociedade” e enxergava o discurso
tradicional como “selvagem, primitivo, subdesenvolvido, alienado,
feito de opiniões e costumes, de autoridade, de preconceitos, de
ignorâncias, de ideologias” (Op. cit. 2011, p. 49), depois, como a já
dita falência da modernidade, mudanças passam a ser empreendidas
nas universidades, que passam a, não sendo mais embasadas por sua
condição especulativa e prática, sofrer um processo de erosão, já que
a ciência passa a ser vista como “um jogo de linguagem de [...] regras
próprias” (Op. cit, 2011, p. 72).

Indo de encontro ao ideal iluminista, que postulava que através da


ciência se desvendaria os mistérios que permeavam o cotidiano do
homem, a sociedade pós-industrial, portanto, passou por um
processo gradual de esvaziamento dos cofres dos centros de
pesquisas universitários, em especial os públicos, em detrimento de
investimentos em empresas ou centros de pesquisas privados,
almejando obter maiores proventos. Outro fator importantíssimo
que a falência da modernidade traria ao Ocidente seria a corrosão do
caráter legitimador das ciências tradicionais.

Dessa forma, todo o discurso educacional foi posto em xeque no 497


século XX, quebrando com uma construção histórica que se iniciou
durante o século XVIII, onde iniciou-se o processo de formação das
disciplinas dentro das instituições escolares, pautadas nas ideias
iluministas. Acreditou-se nesse período que era necessário fornecer
educação de forma ampliada para o desenvolvimento dos Estados e
da eliminação daquilo que era chamado de “crenças irracionais” ou
“incivilizadas”. Assim, iniciou-se a formação da escola
contemporânea, cujo objetivo é trabalhar o corpo detalhadamente,
exercendo uma coerção sem folga, mantendo-o no mesmo nível da
mecânica, docilizando os corpos (FOUCAULT, 1987, p.118).

Diferentemente de outros períodos da história, o controle social hoje


não é mais ligado apenas aos elementos significativos do
comportamento, mas sim à economia. Essa questão desenvolve-se
devido à necessidade de ter-se corpos utilizáveis dentro da sociedade
industrial nascente. É notório também a própria valorização da vida
e a modificação nas formas de controle através da força. É criado um
corpo de patrulhamento ostensivo (polícia) e as prisões passam da
característica punitiva para carregar uma aparentemente corretiva.

A partir do século XVIII, desenvolveu-se no mundo ocidental um


esquema de controle de comportamento, onde o adestramento dos
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

corpos tornou-se o centro das operações, fazendo-os máquinas


produtivas. Com a queda dos paradigmas da modernidade e o
desenvolvimento da pós-modernidade, a própria ideia tradicional de
educação passou a ser relativizada. Já no século XX, a dinâmica
produtiva sofreu alterações consideráveis, com especial destaque
para a forma de se pensar utilizada pelas empresas, encabeçado pelo
setor de Recursos Humanos destas. Pode-se dividir em cinco fases a
história da gestão de pessoas: em 1930 inicia-se a primeira fase,
conhecida como contábil, cuja única função era a administração dos
custos da organização empresarial. Quase correlatamente, entre
1930 e 1950, teve início a fase legal. Nela, as leis trabalhistas se
aperfeiçoaram, alterando a relação entre patrão e empregado onde o
R.H se tornou um mediador das partes. Após 1950 entra a fase
tecnicista, fazendo com que o R.H. adentrasse ao nível gerencial. O
setor responsabilizou-se pelo treinamento, recrutamento e seleção,
cargos e salários, higiene e segurança, benefícios, entre outros. De 65
até 85 tem-se a fase sindicalista. O nome vem das diversas
modificações nas relações de trabalho geradas pelos movimentos
sindicais do período. O gerente de R.H., conforme aponta Soares,
tem a função de “transformar os procedimentos burocráticos e
operacionais em responsabilidades voltadas para os indivíduos e
498 suas relações.” (SOARES, et al, 2008. p.4). A última fase, estratégica,
tendo surgido após 1985, carrega a preocupação com o funcionário
no longo prazo, assim o profissional de R.H. passa para uma
importante colocação estratégica dentro da organização.

Tendo em vista as modificações sociais e tecnológicas da


contemporaneidade, observa-se o surgimento de novas formas de
concepção do papel do R.H. dentro de uma empresa. As sociedades
de economia pós-industrial e de cultura pós-moderna carregam uma
ligação muito forte com a questão da informação, tem-se uma queda
nas fronteiras, tanto do conhecimento quanto as econômicas, alguns
autores ainda defendem que ocorre um processo de falência do
Estado moderno, o mesmo se restringindo a administração regional
de seu território. Essas inúmeras modificações sociais fizeram com
que as empresas tivessem que repensar todas as suas estratégias e
rever diversos setores, a fim de se tornem-se mais competitivas.

As empresas começaram a dar maior foco ao ambiente


informacional e a geração de conhecimento dentro da mesma. O
conhecimento se tornava assim um instrumento de mercado, cuja
finalidade era o lucro e não mais a luz ou o acrescimento do
indivíduo enquanto ser humano, ideais da educação de cunho
iluminista. Essa organização pode ser compreendida através de três
POR UM OUTRO AMANHÃ

dimensões fundamentais: infraestrutura, pessoas e tecnologia, sendo


estas compostas por diversas variáveis como estilo gerencial, visão
holística, aprendizagem, criatividade, redes, entre outras, voltadas
para a criação, captação, armazenamento, difusão e
compartilhamento do conhecimento (SOARES, et al, 2008. p. 2).

O conhecimento gerado pela empresa deve, necessariamente, estar


ligado a suas questões de produção e produtividade. O conhecimento
deve estar ligado com as necessidades da empresa, fazendo com que
a mesma carregue um diferencial competitivo. Com as modificações
causadas pela tecnologia da informação e a imensa volatilidade das
informações, as empresas necessitam a todo instante modificar-se
para adaptarem-se ao uso dessas novas tecnologias, gerindo de
forma eficiente o conhecimento, para que o mesmo chegue para os
sujeitos de forma correta, no momento mais pertinente. Além da
necessidade de controle da informação, as empresas descobriram
que com o bem estar de seus colaboradores toda a cadeia produtiva é
alavancada qualitativamente, refletindo em resultados quantitativos
de produção e lucro. Essa melhoria nas condições de trabalho,
necessidade de informação, domínio nato de tecnologia e relativa
liberdade criativa do empregado faz com que as corporações cobrem
de seu capital humano qualidades como criatividade e 499
conhecimentos tecnológicos.

Dessa forma, é cada vez mais cobrado da escola – em sua função de


criação de mão-de-obra – que faça com que o educando desenvolva
as habilidades supracitadas vinculadas a competitividade do
mercado e geração de capital, tornando o sistema escolar como um
todo em um simples instrumento de possibilidade de ganhos
financeiros. A solução talvez esteja na construção de uma nova visão
educacional, onde a ciência – e consequentemente o sistema
educacional – passe a se legitimar ao legitimar, sem pretensões ao
universalismo e levando em conta as especificidades do meio social,
educacional e regional no qual está inserido. Sem esta,
continuaremos em busca de uma verdade tida como necessária à
vida humana, pressuposto atualmente em decadência, abrindo
espaço a todos os tipos de discursos, muitas vezes antagônicos e por
vezes perigosos, como os atuais movimentos que apontam para a
defesa da intervenção militar na sociedade e na escola, viés
profundamente seletivo e acrítico as demandas atuais da nossa
sociedade e educação, em especial no ensino de história.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Referências

COSTA, Maria Lélia da Silva Torquato. Ambientes virtuais de


aprendizagem na educação a distância na pós-
modernidade. Dialógica: Revista eletrônica da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Amazonas), v. 1, p. 01-15,
2007. Disponível em
www.dialogica.ufam.edu.br/PDF/no2/ambientesvirtuais_lelia.pdf
Acesso em: jun.2015.
CHEVITARESE, Leandro Pinheiro. As „Razões‟ da Pós-
Modernidade. In: Marcus Reis Pinheiro; Noel Struchiner; Rosário
Rossano Pecoraro. (Org). Analógos: Anais da I SAF-PUC. Rio de
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Costa, Tatiana Ribeiro da. E-RH: O impacto da tecnologia para a
gestão competitiva de recursos humanos. USP, ND. Disponível em:
<http://www.ead.fea.usp.br/Tcc/trabalhos/Artigo_Tatiana%20Cost
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LIMA, Marcio. Cibereducação: Tensões, Reflexões e Desafios.
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<http://www.marcinholima.com.br/artigos/370-811-1-PB.pdf>.
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LYOTARD, Jean-François. A condição pós-Moderna. Rio de
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Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A PRÁTICA COMO PESQUISA NO ESTÁGIO:


UMA AULA SOBRE O HOLOCAUSTO

Natália da Silva Madóglio Martines


Marisa Noda

Introdução

Durante muito tempo, a experiência do Estágio Supervisionado tem


sido vista por muitos graduandos como uma mera repetição da
prática docente daqueles que estes observam em seus estágios.
Todavia, como propõem as autoras PIMENTA e LIMA (2004), esta
já não condiz mais com o objetivo a que se quer chegar ao se realizar
o estágio. Neste artigo, temos como objetivo compartilhar a
experiência de um estágio realizado a partir da ideia de um "estágio
como prática de pesquisa", em que o discente é levado a pensar a sua
prática a partir da experiência que o ambiente escolar lhe propiciará,
assim como a demanda dos alunos, sempre visando o melhor
aprendizado destes. A experiência que será descrita a seguir, refere-
502 se à regência aplicada no primeiro semestre de 2015, aos alunos do
9º A, do Colégio Estadual Durval Ramos Filho, na cidade de Andirá.
O tema foi "O Holocausto na Segunda Guerra Mundial".

O Estágio Supervisionado

Para muitos uma simples obrigação acadêmica, para outros um


momento de pensar a sua futura prática como docente. Estes são um
dos olhares que muitos graduandos, no nosso caso, da licenciatura
em História, têm a respeito do Estágio Supervisionado. Muitos o
realizaram apenas para completarem as horas necessárias. Alguns
"imitam" o que lá veem em suas regências, outros utilizam modelos
prontos e acabados. Alguns, todavia, buscam conciliar teoria e
prática e utilizá-las para aprimorarem sua prática docente.
A conciliação entre teoria e prática é necessária, todavia, muito
recusada por alunos que realizam o estágio. São comuns as falas de
que "a teoria é uma coisa, mas na prática tudo muda", ou que a
teoria de nada vale. Entretanto, como salientam as autoras
PIMENTA e LIMA (2004), a utilização de ambas auxilia na hora de
ir para a escola. Os anos que passamos aprendendo sobre
Metodologia do Ensino de História, Teorias do Ensino de História,
Didática do Ensino de História devem ser referência no como pensar
o ato de ensinar, a aprendizagem dos alunos, a escolha do conteúdo
POR UM OUTRO AMANHÃ

e a significação que este terá na vida deles. As autoras PIMENTA e


LIMA descrevem bem qual seria o objetivo do estágio:

"Propiciar ao aluno uma aproximação à realidade na qual


atuará. Assim, o estágio se afasta da compreensão até
então corrente, de que seria a parte prática do curso. As
autoras defendem uma nova postura, uma redefinição do
estágio, que deve caminhar para a reflexão, a partir da
realidade" (PIMENTA e LIMA, 2004, p. 45).

Com essa concepção, é ainda mais atraente pensar o estágio como


pesquisa e, até mesmo desenvolver uma enquanto realizamos este. A
incorporação do professor pesquisador, ou seja, aquele que
investiga, reflete e analisa a sua prática, pensando as dificuldades, os
diferentes contextos, seria o objetivo de cada graduando ao realizar o
seu estágio.

O objetivo, a nosso ver, é de encaminhar as possíveis discussões e,


até mesmo reflexões que podemos realizar a partir de uma pesquisa
feita em nosso estágio, além de, com esses dados, redirecionar
nossas práticas.
503
É claro, entretanto, que o devido cuidado deve ser tomado. As
próprias autoras, PIMENTA e LIMA (2004) "advertem sobre os
riscos de uma apropriação equivocada ou limitada deste paradigma
de formação" (PIMENTA e LIMA apud CAIMI, p. 98, 2008), nos
seguintes termos:

"Ao colocar em destaque o protagonismo do sujeito


professor nos processos de mudança e inovações, a
perspectiva do professor reflexivo e pesquisador pode
gerar a supervalorização do professor como indivíduo.
Diversos autores têm apontado os riscos de um possível
praticismo daí decorrente, para o qual bastaria a prática
para a construção do saber docente; de um possível
individualismo, fruto de uma reflexão em torno de si
própria; de uma possível hegemonia autoritária, se se
considerar que a perspectiva da reflexão é suficiente para
a resolução dos problemas da prática; além de um
possível modismo, com uma apropriação indiscriminada
e sem críticas , sem compreensão das origens e dos
contextos que a geraram, o que pode levar a banalização
da perspectiva da reflexão e da pesquisa" (PIMENTA e
LIMA apud CAIMI, p. 98-99, 2008).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O que as autoras desejam nos mostrar, segundo a visão de CAIMI


(2008), é que "uma prática pedagógica que só consegue olhar a si
própria, numa espécie de praticismo/reflexismo, [...] não
contribuem para o desenvolvimento profissional" (CAIMI, p. 99,
2008). Todavia, se bem empregada, essa prática pode auxiliar na
melhoria da ação educativa, como também, para a formação de
profissionais autônomos e reflexivos (CAIMI, 2008). Flávia Caimi
insiste que não se deve, portanto, desvencilhar teoria e prática,
pesquisa e ensino, muito menos conteúdo específico e conteúdo
pedagógico, pois estes devem estar "a serviço do eixo principal da
formação profissional" (CAIMI, p. 99, 2008).

O Ensino de História

Para tanto, levamos em consideração, na hora de refletir sobre o


ensino de História, algumas considerações acerca da condição dos
alunos. Devemos ter consciência, como sugere Jean Carlos Moreno
(2004), que estes não são como "cera mole", ou seja, uma massa
passiva que é modelada da maneira como quer o professor. Pelo
contrário, estes já trazem consigo experiências do cotidiano, pré-
conceitos, ideias formadas, etc. O que poderá ocorrer a seguir será a
504 intervenção do professor para melhorá-las. Acrescenta-se ainda a
esta concepção acima a que leva em consideração a condição do ser
"jovem" dos alunos (CAMACHO, 2004), pois muitos professores
tratam seus alunos como se estes fossem apenas alunos, e não
jovens. Tendo isso em vista, compreende-se muitos dos
comportamentos que estes portam, como a total dispersão frente a
uma aula pouco estimulante. Outra consideração de importância
fundamental para o ensino esta centrada na questão de "selecionar
conteúdo" (MORENO, 2004). Não é possível trabalhar "toda a
história" com os alunos, por isso, deve ser selecionado o que será
trabalhado de acordo com o objetivo que o professor quer atingir ao
longo do curso. Jorn Rusen também comenta em seu texto
"Aprendizagem histórica: esboço de uma teoria", a questão acerca do
conteúdo a ser ensinado. Segundo o autor:

"Não são quaisquer experiências do tempo (ou conteúdos


históricos) que podem ser apropriadas por intermédio
dos modelos de interpretação, enquanto fatores da
orientação prática e da autocompreensão. Só se pode
tratar daqueles conteúdos históricos que estejam
contidos nas experiências da vida atual, ainda antes de
sua apropriação pela aprendizagem. Devem ser
aprendidos os conteúdos históricos que atuam nas
POR UM OUTRO AMANHÃ

circunstâncias atuais da vida de cada um, antes de sua


tematização histórica expressa" (RUSEN, p. 105, 2012).

Diante dessa concepção que RUSEN nos mostra sobre quais


conteúdos se devem tratar, nós voltamos à contribuição de
MORENO (2004) que também fala sobre "atribuir o ensino de
história de sentido e de experiência". Deve haver um sentido em se
ensinar determinado conteúdo, ou o aluno detestará cada vez mais a
aula porque simplesmente ele não vê utilidade alguma em aprender
sobre o que o professor teimosamente tenta ensinar.

Deve-se empreender o conhecimento histórico tendo como objetivo


que este exerça uma função prática na vida dos alunos que seja o de
orientá-los em suas escolhas (RUSEN, 2012). Para tanto, uma boa
aula de história deveria partir de um problema do presente para se
voltar ao passado, e a partir de então, do que se pode aprender para
então fazer uma projeção para o futuro (RUSEN, 2012), fora disso,
não há sentido em se aprender História. Não para os alunos.
Também é necessário oferecer aos alunos uma "diversidade
didática" (MORENO, 2004), para que o ensino seja mais
estimulante. Uma das opções é o uso do documento histórico, pois,
segundo o autor: 505
"Todo o trabalho deve ser problematizado e a seleção
feita de acordo com nossos objetivos definidos
anteriormente, mas temos certeza que tornar as
linguagens objetos de estudo em sala de aula ajudará o
ensino de história a ser mais estimulante para todos"
(MORENO, 2004, p. 19).

A utilização do documento histórico tornou-se uma forma de o


professor motivar o aluno para o conhecimento histórico, de
estimular suas lembranças e referências sobre o passado e, tornar o
ensino menos livresco e dinâmico. Faz com que o aluno entenda o
"agora historicamente". Nessa concepção, o documento não ilustra a
aula, ele é tido como o próprio conteúdo (SCHMIDT e CAINELLI,
2009).

Além disso, utilizar um documento durante a aula faz aproximar o


aluno do fazer historiográfico, levando-o a perceber o ofício do
historiador e como que este se dá.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Regência: O Holocausto na 2ª Guerra Mundial

Uma das preocupações que nos cercaram e acabou por nos nortear
durante o estágio e, principalmente, durante a elaboração da
regência, era a identidade de quem iria receber a ação do professor
de história (CERRI, 2010). O objetivo de nossa aula era, por
conseguinte, saber qual tipo de identidade estaríamos reforçando
nos alunos, as "não razoáveis" ou as "razoáveis", como sugere CERRI
(2010). As "razoáveis" seriam aquelas que prezam pela tolerância,
compreensão, alteridade, etc. As "não razoáveis", por sua vez, são
carregadas de intolerância, individualismo, racismo, etc.
Para isso, durante o a realização da observação, 60 horas ao todo,
buscamos detectar tais identidades. Vários foram os comentários,
brincadeiras e falas racistas e preconceituosas entre os alunos.
Muitos deles, durante várias conversas, satirizavam aqueles que
tivessem "gosto por meninas negras", partidos políticos de esquerda,
religiões diferentes das suas, dentre outros.

A partir de tal diagnóstico, estruturamos nossa aula (regência) - que


a pedido da professora da turma observada, Maria Virgínia
Stefanutto, do 9º ano A, teve como tema "O Holocausto na Segunda
506 Guerra Mundial"- a partir de questões de preconceito e intolerância
presentes na atualidade. Recorremos a postagens do facebook e
twiter, de caráter racista e preconceituoso, a exemplo: "Desculpem
nordestinos, mas essa região do Brasil merecia uma bomba como em
Nagasaki, pra nunca mais nascer uma flor sequer por 70 anos". "Não
me acho uma pessoa "superior" ao povo nordestino..porque na
realidade..nordestino não é gente né?". "70% de votos para a Dilma
no Nordeste! Médicos do nordeste causem um holocausto por aí!
Temos que mudar essa realidade!".

Nosso objetivo ao mostrar tais postagens era o de que os alunos


refletissem sobre os motivos pelos quais nossa sociedade é tão
racista e preconceituosa. A partir de então, mostraríamos a eles o
que resultou determinado exemplo de racismo, preconceito e ódio ao
extremo contra o "outro", contra o "diferente": o holocausto dos
judeus, durante a Segunda Guerra Mundial.

Museu do Holocausto de Curitiba

Circe Bittencourt fala sobre a utilização dos objetos de museu como


fonte de conhecimento histórico (2004). E é por isso que
privilegiamos estes objetos em nossa aula. Para tanto, mesmo sem
condições de levar nossos alunos a este museu em Curitiba, fizemos
POR UM OUTRO AMANHÃ

o possível para que ele viesse até os alunos. A estrutura da aula, por
conta disso, relembra para aqueles que já o visitou, um tour pelo
museu. Seguimos a trajetória que o próprio museu realiza para
contar a "uma das histórias do Holocausto". Lembrando, é claro, que
o museu foi projetado pela comunidade judaica de Curitiba, dentre
os quais, alguns próprios sobreviventes do Holocausto que
conseguiram mudar-se para o Brasil, e nesse caso, viver em Curitiba.

Trazemos a seguir o conteúdo em que a aula se estruturou:

* QUEM SÃO OS JUDEUS?


* Por que estudar o HOLOCAUSTO?
* Alemanha nazista, perseguição aos judeus e marginalização
destes: 1919 - 1939;
* Judeus no pós 1ª Guerra;
* Surgimento do Partido Nacional Socialista;
* 1923: Putche de Munique;
* 1932: Hitler se torna chanceler;
* 1934: Hitler assume o poder do parlamento alemão;
* Leis de Nuremberg, 1935;
* Queima de livros, Boicote e o Kristallnacht ( 9 de novembro de
1938); 507
* PROPAGANDA NAZISTA;
* A Segunda Guerra Mundial - O começo da perseguição judaica
na Polônia - A criação dos guetos 1939 - 1941;
* O avanço da ocupação nazista na Europa Oriental - Operação
Barbarossa e o início do Assassino em massa - Junho 1941 - 1942;
* O Extermínio e a Indústria da Morte - 1942 - 1945;
* "Solução Final da Questão Judaica";
* OS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO;
* Os Justos entre as Nações - 1939 - 1945;
* OSCAR SCHINDLER;
* As Marchas da Morte 1944 - 1945;
* A evacuação dos últimos guetos e campos começou em meados
de 1944 e tornou-se mais intensa em janeiro de 1945;
* Sherith Hapleitá - Retorno à Vida 1945 - 1948;
* ATÉ QUE PONTO CHEGAMOS NO SÉCULO XX?

Com esta interrogação "Até que ponto chegamos no século XX?",


buscamos encerrar a aula instigando os alunos a refletirem sobre a
experiência que o acontecimento do Holocausto deveria ter causado
nas pessoas. Mesmo após esta grande tragédia, não alcançamos uma
consciência da grandeza de nossos atos, e acabamos por repeti-los.
Se não fosse assim, outras tragédias jamais teriam acontecido, pois
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

teríamos aprendido a lição. Entretanto, massacres continuaram, atos


de xenofobia, racismo, intolerância religiosa, indígena, dentre tantas
outras persistiram em ocorrer no século XX e agora no XXI.

Considerações finais

Buscamos compartilhar neste pequeno texto nossa experiência


durante a realização do Estágio Supervisionado, do curso de
História, da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Nele,
buscamos ter como referencial o que as autoras PIMENTA e LIMA
(2004) propuseram, que é o de ver o estágio como ambiente para se
pensar a nossa prática docente.

Após a aplicação da nossa regência, novos horizontes se abriram,


pudemos pensar o que deu certo e o que foi significante, o que
devemos mudar e o que se deve permanecer. No nosso caso, notou-
se que a aula ficou muito extensa, o que, todavia, não fez com que
fosse totalmente desmerecida. Cumpriu-se com o objetivo inicial que
era o de atuar nas identidades dos alunos (razoáveis ou não), e levá-
los a fazerem uma projeção para o futuro, com menos violência,
racismo, intolerância, ou qualquer outra coisa que diminua a
508 humanidade do meu semelhante frente as minhas escolhas. Por
hora, penso que este é também o dever do ensino de História.

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História:


fundamentos e métodos São Paulo: Cortez, 2004
CAIMI, Flávia Eloisa. Contextos discursivos sobre formação de
professores e ensino de história. IN: CAIMI, Flávia Eloisa.
Aprendendo a ser professor de história. Passo Fundo: Ed.
Universidade de Passo Fundo, 2008, p. 81 - 114.
CAMACHO, Luiza Mitiko Yshiguro. A invisibilidade da juventude na
vida escolar. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, n. 02, p. 325-343,
jul./dez. 2004
CERRI, Luis Fernando. Didática da História: uma leitura teórica
sobre a História na prática. Revista de História Regional 15(2):
264-278, Inverno, 2010.
DAYRELL, Juarez. A escola Faz as juventudes? Reflexões em
torno da socialização juvenil. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n.
100 - Especial, p. 1105 - 1128, out. 2007.
MORENO, J. C. Pensar a História. Pensar seu Ensino.
Curitiba: Faculdades Bagozzi, Mimeo, 2004.
POR UM OUTRO AMANHÃ

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. CAINELLI, Marlene. Ensinar


história. 2. Ed, São Paulo: Scipione, 2009.
PIMENTA, Selma Garrido. Estágio e docência. São Paulo: Cortez,
2004.
RUSEN, Jorn. Aprendizagem histórica: esboço de uma teoria. IN:
RUSEN, Jorn. Aprendizagem histórica: fundamentos e
paradigmas. Tradução de Peter Horst Rautmann, Caio da Costa
Pereira, Daniel Martineschen, Sibele Paulino - Curitiba: W. A.
Editores, 2012, p. 69 - 112.

509
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

POR UM ENSINO DE HISTÓRIA SONORO: MÚSICA E


HISTÓRIA NOS PCN‟S, NA SALA DE AULA, NA VIDA

Nayara Crístian Moraes

Tem-se como objetivo neste texto, acentuar a importância da música


no ensino de história na sala de aula, tendo em vista que o ato
educativo não é um ato banal ou formal, fechado, mas aberto, com
vislumbres de mudança, e as canções fazem parte da nossa
sociedade e representam diferentes pensamentos dos sujeitos que
nela se inserem, fazendo com que o ensino musical se torne cada vez
mais relevante em diferentes disciplinas, porque pode relacionar
seus conteúdos com o mundo.

É pensando nisso que os PCNs evidenciam a importância da música


na sala de aula, principalmente devido ao envolvimento dos alunos
com as músicas que ouvem no seu cotidiano:

A música sempre esteve associada às tradições e às


510 culturas de cada época. Atualmente, o desenvolvimento
tecnológico aplicado às comunicações vem modificando
consideravelmente as referências musicais das
sociedades pela possibilidade de uma escuta simultânea
de toda produção mundial através de discos,fitas, rádio,
televisão, computador, jogos eletrônicos, cinema,
publicidade, etc. Qualquer proposta de ensino que
considere essa diversidade precisa abrir espaço para o
aluno trazer música para a sala de aula, acolhendo-a,
contextualizando-a e oferecendo acesso a obras que
possam ser significativas para o seu desenvolvimento
pessoal em atividades de apreciação e produção
(BRASIL, 1998, p. 53).

No Brasil, a lei que coloca a música na sala de aula como uma norma
foi sancionada em 2008. Embora muitas vezes não tenhamos
profissionais habilitados a colocar esta exigência educacional em
prática, ou falte investimentos públicos suficientes para garantir que
a música seja de fato colocada no ensino básico, pelo menos:

A Matriz Curricular de música, especificamente, surge


em um momento crítico para a Educação Musical no
Brasil, no qual a música torna-se disciplina obrigatória
POR UM OUTRO AMANHÃ

no Ensino Básico. Sancionada em agosto de 2008, a Lei


11.769, altera o artigo 26 da LDB/96 (BRASIL,1996),
acrescentando o § 6º, que regulamenta o ensino de Arte
no Ensino Básico no Brasil. Esta modificação estabelece
que “a música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não
exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2º
deste artigo”. A obrigatoriedade do ensino de música nas
escolas, apesar de ser uma questão polêmica, traz novas
possibilidades de propostas para o ensino de música nas
escolas e reforça a necessidade da promoção de políticas
de formação continuada dos professores licenciados
nesta área (EMRICH p.2, 2012).

Contudo, temos uma conquista social e cultural na educação porque


o ensino de música na escola foi ao menos reconhecido e sua
importância na educação aparece nas matrizes curriculares, porque
se entende que este elemento artístico da cultura deve fazer parte do
aprendizado escolar. As injustiças do mundo, as mazelas sociais, a
alegria de viver, a riqueza e a pobreza, a individualidade e a
coletividade, sonhos e esperanças, podem ser expressos na música.
Então é preciso entender que o ensino musical também é um ato
educativo, tal como o da história. Para os PCN‟s. 511
É necessário procurar e repensar caminhos que nos
ajudem a desenvolver uma educação musical que
considere o mundo contemporâneo em suas
características e possibilidades culturais. Uma educação
musical que parta do conhecimento e das experiências
que o jovem traz de seu cotidiano, de seu meio
sociocultural e que saiba contribuir para humanização de
seus alunos [...] Valorizar as diversas culturas musicais,
especialmente as brasileiras, estabelecendo relações
entre a música produzida na escola, as veiculadas pelas
mídias e as que são produzidas individualmente e/ou por
grupos musicais da localidade e região; bem como
procurar a participação em eventos musicais de cultura
popular, shows, concertos, festivais, apresentações
musicais diversas, buscando enriquecer suas criações,
interpretações musicais e momentos de apreciação
musical (BRASIL, 1998, p. 79, p. 81).
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Os conteúdos musicais dentro da matriz curricular nacional e para


os PCN‟s, segundo Ana Rita Oliari Emrich (2012, p.45), seguem três
perspectivas:

1.Na perspectiva da expressão e comunicação em música, com ênfase


na improvisação, composição e interpretação, na perspectiva da
apreciação significativa em música: escuta, envolvimento e
compreensão da linguagem musical:

Experimentação, improvisação e composição a partir de


propostas da própria linguagem musical (sons, melodias,
ritmos, estilo, formas); de propostas referentes a
paisagens sonoras de distintos espaços geográficos
(bairros, ruas, cidades), épocas históricas (estação de
trem da época da “Maria Fumaça”, sonoridades das
ruas); de propostas relativas à percepção visual, tátil; de
propostas relativas a ideias e sentimentos próprios e ao
meio sociocultural, como as festas populares (BRASIL,
1998, p. 82).

2.Na perspectiva da apreciação significativa em música: escuta,


512 envolvimento e compreensão da linguagem musical:

Apreciação de músicas do próprio meio sociocultural,


nacionais e internacionais, que fazem parte do
conhecimento musical construído pela humanidade no
decorrer dos tempos e nos diferentes espaços
geográficos, estabelecendo inter-relações com as outras
Modalidades artísticas e com as demais áreas do
conhecimento (ibidem, p.84).

3.Compreensão da Música como produto cultural e histórico os PCN


(1998) propõem a:

Investigação da contribuição de compositores e


intérpretes para a transformação histórica da música e
para a cultura musical da época, correlações com outras
áreas do conhecimento e contextualizações com aspectos
histórico-geográficos, bem como conhecimento de suas
vidas e importância de respectivas obras. (ibidem, p. 86).

Ocorre que para a matriz curricular nacional de 2008, o ensino


musical está somente inserido na disciplina de educação artística.
Por mais que a disciplina seja multifacetada e tenha uma
POR UM OUTRO AMANHÃ

característica multidisciplinar, ela talvez não consiga alcançar


resultados esperados se a música também não estiver presente no
ensino de outras disciplinas como a história. O que se propõe aqui é
na verdade a ideia de que a música não está acorrentada na
educação artística, mas sim em todo contexto educacional em que o
indivíduo se insere. Afinal de contas a música está no nosso dia a
dia, em todos os lugares pois:

O fazer musical é uma espécie de ação social com


importantes conseqüências para outros tipos de ações
sociais. „Música‟ é não apenas reflexiva; ela é também
generativa tanto como sistema cultural quanto como
capacidade humana. O fazer musical e um senso de
musicalidade das pessoas são resultado da interação
interpessoal com ao menos três conjuntos de variáveis:
sons ordenados simbolicamente, instituições sociais e
uma seleção de capacidades cognitivas e sensório-
motoras disponíveis do corpo humano” (BLACKING,
1992, p. 305 apud ARROYO, 2002 p. 102).

Neste sentido, a música é mais do que um mero aprendizado porque


a vida está cheia de musicalidade. Ela se torna, portanto, um 513
instrumento social, político, cultural, educacional e historicizador:

Vale observar que as dimensões sociais, cognitivas e


psicomotoras estão integradas na experiência musical. A
aprendizagem de música não implica apenas tornar-se
tecnicamente competente, mas interiorizar
representações sociais que lhes dão sentido, como
cultura. As organizações sonoras não são neutras, mas
investidas de rede de significados (ARROYO, 1999,
p.178).

Levar a música para a sala de aula a fim de contribuir com a


formação social dos alunos também direcionar melhor o ensino da
história com uma metodologia que envolve percepção para além da
escrita. Toda música tem um contexto cultural, formando um
processo histórico que deve ser avaliado no âmbito regional,
nacional e internacional. Letras de música tratam da escravidão, do
preconceito, das etnias diferentes, das favelas, da ditadura militar,
etc. Estudar processos histórico-sociais através da música só se
torna repetitivo quando observamos o nosso objeto de pesquisa
somente por um viés, tentando separar a musicologia, história,
sociologia, letras. O tema é multifacetado, repleto de saberes. Sem
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

interdisciplinaridade seria impossível “pensar” a música, tal como se


pretende aqui, pois é com a multidisciplinaridade que se enriquece
as pesquisas voltadas para este tema, o que não impede um trabalho
de cunho historiográfico, onde o historiador traz um recorte, uma
problematização, uma metodologia, mas ao mesmo tempo dialoga
com outros saberes: “Portanto, ainda que a História, como disciplina
específica tenha muito a contribuir, o historiador deve,
necessariamente, dialogar com outras disciplinas.” (NAPOLITANO,
2002, p. 75). Para José Carlos Reis:

A história tende a abandonar as suas pretensões


cientificas e a tornar-se um ramo da estética. Ela se
aproxima da arte: da literatura, da poesia, do cinema, da
fotografia, da escultura, da música... Isso quer dizer que
a forma da história não é exterior ao seu conteúdo e
indiferente à sua época. O discurso histórico não é só
uma exposição analítica, conceitual e quantificada de
uma documentação objetivamente elaborada. A história
se apropria e ressignifica diversas linguagens. A sua
forma, a sua linguagem, é a sua mensagem (REIS, 2003,
p. 60).
514
Junto à geografia podemos pensar a geopolítica, fazendo uma
análise das músicas que falam do meio ambiente, discursando um
novo mundo ou que criticam a modernidade. Paródias que falam dos
conteúdos que objetivamos ensinar, músicas que podem ser
representadas, mas também criadas, se conseguirmos colocar
palavras adequadas em determinados ritmos. Os alunos assistem
filmes, vão ao cinema, querem usar fones de ouvidos até na sala de
aula, jogam vídeo games... por que não utilizar as músicas do
cotidiano nestes elementos midiáticos em favor do aprendizado?
Tais sons podem ligar seus conhecimentos ao conteúdo, ao
entendimento das narrativas da história, do discurso, da história
cultural, dos poderes simbólicos, e por quê não, da importância das
fontes e do fazer do historiador/professor/pesquisador.

Geralmente os licenciados em história pensam a didática sempre


voltada para alunos já adolescentes ou adultos, mas há também a
necessidade de contribuir com o aprendizado de história nas séries
inicias, no alicerce do ensino. Historiadores podem contribuir com
essa etapa, seja se envolvendo em projetos na área, ou
desenvolvendo materiais paradidáticos na colaboração com os
professores do ensino fundamental I.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Na educação infantil, as cantigas, por exemplo, ainda têm forte


presença no ensino, mas infelizmente estas canções na maioria das
vezes não são problematizadas. Qual a história de determinada
cantiga? Que imaginário as envolve? Às vezes o contexto de uma
canção pode levar crianças a instigarem seus conhecimentos,
valorizar os significados das coisas e deixar de aprender algo sem
saber porque está aprendendo. A musicalidade nas atividades pode
inclusive desenvolver melhor a coordenação motora. Pode fazer o
dia delas mais feliz, pode fazê-las esquecer de abusos, ou
compreender melhor suas dificuldades de leitura, pode leva-las a
compreender as representações do passado, a historicização do
ontem e hoje. Não à toa o gago não fica gago quando canta. Não é à
toa todos nós temos uma trilha sonora. Somos sociais e a música
consegue se apropriar de nossas aspirações e realizações.

Com este pequeno texto consideramos que o ensino da música


aliado ao ensino da história pode gerar um aprendizado diferenciado
nos alunos, aproximando-os da realidade, do mundo e afastando-os
da individualidade excessiva, do tédio de metodologias sempre
repetitivas, e da ignorância da importância sonora na vida de cada
um, tendo em vista que a todo o momento somos bombardeados por
inúmeras informações através da música. Os sons ritmados 515
significam mais do que ruídos, significam canções e poesia, histórias
de vida e apreensões de vivências que podem ser compartilhadas na
escola, na sala de aula, nas aulas de história.

Referências

ARROYO, Margarete. Mundos musicais locais e educação musical.


Em pauta, v. 13, n. 20, p. 102, 2002. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/EmPauta/article/view/8533>. Acesso em: 10
fev. 2016.
______. Representações sociais sobre práticas de ensino e
aprendizagem musical: um estudo etnográfico entre
congadeiros, professores e estudantes de música. 1999. 406 f. Tese
(Doutorado em Música) - IA/PPG-Música, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 1999.
BRASIL. Lei das Diretrizes e Bases da Educação. Brasília, DF,
1996.
______. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Arte. Brasília, DF: MEC-SEB, 1998.
EMRICH, Ana Rita Oliari. Ensino musical escolar na matriz
curricular do Estado de Goiás: elaboração e aplicação de
sequências didáticas na disciplina música. 2012. 154 f. Dissertação
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

(Mestrado em Música na Contemporaneidade) – Escola de Música e


Artes Cénicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2012.
Disponível em:
<http://mestrado.emac.ufg.br/uploads/270/original_ANA_RITA_
OLIARI_EMRICH.pdf?1337706223%20>. Acesso em: 10 fev. 2016.
NAPOLITANO, Marcos. História e Música: história cultural
da música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
REIS, José Carlos. História e teoria: historicismo,
modernidade, temporalidade e verdade. 2 ed. Rio de Janeiro:
FGV, 2003.

516
POR UM OUTRO AMANHÃ

FILMES NO ENSINO DE HISTÓRIA: O CONFRONTO


ENTRE A NARRATIVA E OS DOCUMENTOS

Paulo Roberto de Azevedo Maia

Apresentação

Ir ao cinema, assistir televisão ou ver um vídeo na internet se


tornaram partes integrantes da vida moderna. Com tantas
possibilidades de acesso a materiais midiáticos diversos, é
necessário o domínio das linguagens audiovisuais para o
desenvolvimento de jovens acostumados a consumir imagens, mas
não fazer a sua devida leitura. A escola é o espaço do
desenvolvimento de técnicas de decodificação de todos os tipos de
linguagens e os professores de história tem um papel a cumprir na
formação de leitores do audiovisual. A proposta desta comunicação é
discutir a utilização de filmes no ensino de história através da
desconstrução da narrativa cinematográfica, fazendo a integração
entre a teoria, o discurso cinematográfico e o uso de documentos.
517
A popularização do cinema na sala de aula não significou,
necessariamente, um avanço em termos pedagógicos. Os filmes
usados como ilustração de um tema ou mesmo como conhecimento
em si são estratégias que pouco contribuem para a formação crítica
do aluno, pois não geram reflexão, ao contrário, estimulam a uma
visão estática da história onde a dinâmica da aprendizagem se esgota
em verdades prontas, não representando momentos de construção
de conhecimento. Cabe ao professor de história fazer o papel de
mediador entre o aluno e o filme, demonstrando como esse é
também um produto histórico, cujas "verdades" devem ser
relativizadas já que são construções imagéticas. Explorar as questões
suscitadas pelo filme, buscando coerências com o saber histórico e
suas divergências, bem como entender as intenções autorais são
preocupações relevantes para o professor de história. Uma forma de
problematização nas aulas de história é o confronto entre as
narrativas e documentos.

Contribuições para a discussão do cinema na sala de aula

A utilização do cinema na escola enquanto veículo pedagógico não é


recente. O instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) nasceu
em 1937 no governo de Getúlio Vargas. Apesar da relação entre
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Estado e cinema ser verificada desde a década de 20, foi o primeiro


órgão estatal brasileiro voltado para o cinema aplicado ao ensino.
Chefiado por Roquete Pinto, produzia conteúdo para alimentar um
projeto de difusão cultural dentro da perspectiva de construir
uma identidade nacional correlacionada com a ciência e o
desenvolvimento industrial do País. A organização resistiu ao fim da
era Vargas e sua atuação, sob o comando de Humberto Mauro foi até
1966.

Durante os governos do regime civil-militar, o audiovisual passou a


ser uma preocupação de pesquisadores ligados a educação. Na
década de 70 foram lançados os livros Recursos audiovisuais para o
ensino (DE CASTRO; DA SILVA JR., 1975) e Meios de ensino
(GUEDES, 1979). Ambos trazem uma leitura tecnicista dos
materiais audiovisuais, explorando a utilização de forma minuciosa,
focando o antes, o durante e o depois da exibição com enfoque nos
conteúdos, mas sem problematizações.

A partir da década de 1980, com o início do processo de


redemocratização e o surgimento dos aparelhos de videocassete
(VHS), o cinema passou a fazer parte do cotidiano escolar e o filme
518 se tornou elemento integrante do universo pedagógico. As
discussões passaram a pautar o cinema como objeto de investigação
para educação bem como um instrumento didático. Publicações
como a coletânea Lições com Cinema (FALCÃO; BRUZZO, 1993),
organizada pela Fundação de Desenvolvimento da Educação do
estado de São Paulo, reuniu historiadores, biólogos e linguistas para
discutir a importância de se criar referenciais teóricos consistentes
na utilização do cinema na escola.

Uma grande contribuição para a relação cinema e ensino foi a


publicação do livro de Rosália Duarte Cinema e Educação (2002)
quando afirma que o cinema não deve ser visto apenas enquanto
recurso pedagógico, mas que a educação e o cinema são formas de
socialização que produz saberes, visões de mundo e identidades.. Ao
citar Pierre Bourdieu, afirma que o cinema ajuda na criação de uma
"competência de ver" que não está restrito ao ato de assistir filmes,
mas inserido no universo cultural dos indivíduos. (DUARTE, 2002,
p. 19)

Seguindo linha semelhante, mas com a preocupação de facilitar o


trabalho de professores de história, Marcos Napolitano lançou seu
livro Como usar o cinema na sala de aula (2003). O historiador
discute vários aspectos do problema e especifica a necessidade de
POR UM OUTRO AMANHÃ

pensar no planejamento as competências e habilidades a serem


desenvolvidas para determinar o caminho do processo.
O cinema pode ser visto de diferentes formas: como instrumento,
objeto de conhecimento, meio de comunicação e expressão do
pensamento. Ruggero Eugeni apresenta o cinema como formas de
saberes sociais, destacando que ele é, ao mesmo tempo, um "objeto"
e um "instrumento". Essa dupla dimensão permite fazer do cinema
algo que tem função em si mesmo, pois é conhecimento e pode ser
uma ponte para se alcançar outros dimensões culturais. A ideia de
objeto aponta ao estudo do cinema através da análise fílmica que
pode ser a apreciação estética baseada nas formas ou mesmo em
termos de conteúdos atingindo sua natureza ideológica. O estímulo
às discussões das várias leituras levam para uma pluralidade de
olhares díspares e até desconexos, dentro de uma lógica polissêmica
própria das obras de arte. Um conhecimento explicito na narrativa
observado de forma direta. (EUGENI, 1999, p. 43)

Desconstruindo o filme

O questionamento da obra cinematográfica deve ser feito de forma


criteriosa, afinal, a narrativa, muitas vezes, se distancia dos fatos, o
que pode ser visto como um problema de contextualização histórica 519
ou um exercício de liberdade criativa. O filme Bastardos Inglórios
de Quentin Tarantino e O que é isso Companheiro? de Bruno
Barreto apresentam narrativas que fogem do que se supõe
historicamente correto. Um deixando isso muito claro, o outro se
fazendo de relato histórico.

Bastardos inglórios exemplifica a produção cinematográfica


histórica ficcional. Um grupo de elite do exército americano,
acostumados a matar nazistas de forma cruel, composto apenas por
judeus e que planejam a morte de Hitler num cinema de um vilarejo
francês. Depois de várias histórias paralelas que integram a trama,
eles são bem sucedidos. Temos um roteiro que extrapola as
"verdades históricas" estimulando a imaginação. Não foi feito para
ser visto como verdade, mas para especular, divertindo. Não é
informativo, e visto por pessoas que conhecem o contexto histórico
do nazismo é intelectualmente estimulante e engraçado. O mesmo
filme, assistido por pessoas que não tem formação no tema, podem
fazer uma leitura equivocada, já que não possuem os pré requisitos
necessários para o bom entendimento do enredo, assumindo sua
narrativa como verdade histórica. O trabalho em sala de aula torna-
se estimulante se a leitura do filme for orientada pelo professor que
pode confrontar documentos e a própria historiografia sobre o tema
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

de tal maneira que o aluno poderá refletir sobre o quanto o diretor se


distanciou dos fatos e o quanto isso colaborou para o sucesso da
narrativa que não tem finalidades didáticas.

O filme O que é isso companheiro? de Bruno Barreto conta a história


do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick em 1969. A
liberdade poética do diretor o levou a criar uma história de livre
interpretação a partir do livro homônimo de Fernando Gabeira. A
forma como agiu, criando diálogos e situações inexistentes seria um
mero exercício especulativo, mas o que torna mais delicada a
situação foi o fato de que a grande maioria das pessoas envolvidas na
trama estavam vivas quando de seu lançamento. A reação foi de
grande proporção, com artigos surgindo na grande imprensa e,
posteriormente, a publicação do livro Versões e ficções: o seqüestro
da história (REIS, 1990) que traz críticas à obra de Bruno Barreto
feitas pelos participantes do sequestro. A narrativa do diretor pode
ser questionada a partir dos relatos daqueles que viveram a história.
Assim como o filme, os textos dos participantes do sequestro podem
ser analisados não como verdades absolutas, mas como documentos
passiveis de crítica. O confronto entre as narrativas e os relatos
enriquecem o estudo da história do período, levando a reflexão dos
520 alunos sobre a relatividade das narrativas históricas e
cinematográficas. Trata-se de uma experiência de desconstrução
histórica com a intenção de apurar o olhar dos alunos, para perceber
posicionamentos ideológicos ou mesmo posturas estéticas
conservadoras na representação da história do Brasil.
Esses dois filmes são exemplos da possibilidade de uso de filmes nas
aulas de história a partir de uma problematização através do
confronto entre narrativas e documentos, possibilitando uma
utilização mais eficaz da sétima arte no ensino de história.

Referências

DE CASTRO FERREIRA, Oscar Manuel; DA SILVA JUNIOR, Plínio


Dias; DA SILVA, Enio Longo. Recursos audiovisuais para o
ensino. São Paulo: Editora Pedagógica Universitária, 1975.
EUGENI, Ruggero. Film, sapere, società: per un'analisi
sociosemiotica del testo cinematografico. Vita e Pensiero:
Milano, 1999.
FERRO, M. O filme: uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF,
J., NORA, P. (Orgs.). História: novos objetos. Trad.: Terezinha
Marinho. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.
GUEDES, Maria Jose. Meios de ensino. São Paulo: Loyola, 1979.
POR UM OUTRO AMANHÃ

LE GOFF, J., NORA, P. (Orgs.). História: novos objetos. Trad.:


Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da
Unicamp, 1990.
Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: Ministério da
Educação, p. 538-545, 1999.
NAPOLITANO, Marcos. Cinema: experiência cultural e
escolar. Caderno de Cinema do Professor, p. 10, 2009.
____. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo:
Contexto, 2003.
REIS FILHO, Daniel Aarão. Versões e ficções: o seqüestro da
história. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1997.
RIVOLTELLA, Pier Cesare. L'audiovisivo e la formazione:
metodi per l'analisi. Cedam, Padova, 1998.
THIEL, Grace Cristiane; THIEL, Janice Cristine. Movies takes: a
magia do cinema na sala de aula. Curitiba: Aymará, 2009.

521
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

PRÁTICAS DOCENTES E A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA


CRÍTICA

Rafael Moura Hoffmann

Este trabalho foi desenvolvido com base nas práticas do estágio


supervisionado do ano de 2015, onde decidi pela utilização de
autores com caráter mais pedagógico do que uma teoria focada na
pesquisa histórica, pois se tratando de um estágio em sala de aula,
julgo importante enfatizar teorias que dão importância ao
desenvolvimento do aluno. Apesar de importante, apenas o
conhecimento científico não é suficiente para o desenvolvimento de
um bom profissional, como afirma Freire (2005).

Os saberes escolar e acadêmico são diferentes, e por muitas vezes o


que é aprendido na academia acaba se distanciando das escolas, mas
o ideal é mantê-los próximos. É de extrema importância utilizar a
metodologia e teoria aprendidas durante a graduação nas atividades
desenvolvidas na sala de aula escolar e somente com uma boa base
522 teórica o professor conseguirá organizar e administrar com
perspicácia seus conteúdos (SEFFNER, 2000).

É de grande importância a afirmação de Paulo Freire (2005, p. 21)


“não há docência sem discência”, pois sempre ao ensinar um tema
você precisa estudá-lo e aprendê-lo. Enquanto o processo de ensino
é aplicado, o professor também está recebendo conhecimento pelo
seu aluno através do seu conhecimento prévio. A troca de
informações é constante em sala de aula e o aluno também estimula
o professor nas pesquisas.

Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi


aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e
homens descobriram que era possível ensinar. Foi assim,
socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos
mulheres e homens perceberam que era possível –
depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos
de ensinar. (FREIRE, 2005, p. 23-24)

Aprender a aprender para aprender a ensinar, mesmo porque


enquanto está ensinando, nunca para de se receber conhecimento. O
bom profissional da educação deve sempre priorizar a Ética
Universal do ser humano proposta por Freire (2005). Ser justo,
POR UM OUTRO AMANHÃ

agindo sem preconceito, respeitando o conhecimento do aluno e o


que ele traz de seu meio através das suas experiências.

A ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos


comportamentos grosseiramente imorais como na
perversão hipócrita da pureza em puritanismo. A ética
de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação
discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta
ética inseparável da prática educativa, não importa se
trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que
devemos lutar. (FREIRE, 2005, p. 16)

Sempre deve ocorrer o tratamento em igualdade entre os alunos,


independente de inteligência ou qualquer outro critério. Dar mais
atenção para determinado aluno por ter um melhor desempenho em
avaliações ou participação deve ser uma prática abolida da atividade
docente. Muitas vezes medir a inteligência de um aluno pode ser
complicado, pois enquanto um aluno se destaca nas discussões orais,
outro pode ter maior desempenho em exercícios escritos. Não há
como dizer que um é mais inteligente que o outro.

Fica a cargo do professor muito do que é proferido do conteúdo, mas 523


deve haver uma conscientização na seleção dos conteúdos. Muito do
que já vem pronto vem de uma classe que está no poder, e nós
podemos filtrar o que é mais importante para o nosso aluno. É
importante manter na escola um sentimento de troca de experiência
e prazer em dar aula, pois se isso faltar tudo vira um processo
mecânico e sem interação. Dessa forma seria melhor o aluno ler um
texto por conta própria, pois o professor não teria utilidade.

Assim como o conteúdo deve ser manipulado de acordo com a


realidade escolar, o uso de diversas formas de material didático deve
ser explorado para tornar a aula mais dinâmica e agradável, tanto
para o aluno quanto para os professores. O discente deve ser
inserido no processo de construção do conhecimento histórico. Para
isso, como ponto de partida, o conhecimento do aluno tem que ser
explorado. O ideal é adaptar as metodologias de ensino de acordo
com o conhecimento prévio apresentado pelo educando, assim como
a realidade dos alunos, do local e da comunidade em que se encontra
a instituição de ensino.

O ensino teórico cronológico, usado anteriormente, não prende a


atenção do aluno. E quando a aula se torna monótona, dificilmente
haverá bom resultado no aprendizado, pois sem interesse na aula
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

não há possibilidade de adquirir o conhecimento. O ensino


cronológico, método baseado em uma construção do tempo histórico
homogêneo, com base no eurocentrismo, encontra-se superado para
alguns autores. De acordo com Turini (2004) esta visão deve ser
modificada, focando-se em eixos temáticos ao invés de cronológicos.
O ensino se torna mais lógico e é possível ligar os conteúdos,
facilitando a assimilação para os alunos e norteando a temática com
a vivência e cotidiano do aluno.

Uma discussão sobre o tema de tempo histórico foi levada aos


Parâmetros Curriculares Nacionais nos anos 90, mas causou mais
confusão do que ajudou no ensino. Ele foi relacionado na grade sem
o contexto correto e simplesmente colocado como conteúdo em sala
de aula.

É difícil fugir totalmente do eixo eurocêntrico de organização


temporal, o tema está na antiguidade, e esta antiguidade já vem do
quadripartismo europeu.

Essa premissa hoje é extremamente questionável por não


levar em conta a diversidade, a multiplicidade de tempos,
524 a especificidade de cada realidade social e cultural. Além
do mais, como frisa o autor, ao estabelecer a divisão
entre História Antiga, Medieval, Moderna e
Contemporânea, em uma perspectiva eurocêntrica, a
periodização quadripartite desconsidera, muitas vezes, a
história de povos não europeus. (TURINI, 2004, p. 98)

Outra questão relacionada ao problema com o tempo é a crença em


uma evolução linear de acordo com a temporalidade, se tornando vã
a ideia de considerar a evolução de uma sociedade pelo período em
que viveu. Na aula referente a Filosofia e Ciências, usei alguns
exemplos de outras sociedades que estavam desenvolvendo a
chamada “razão” para explicar alguns fatos religiosos. Mesmo estas
sociedades sendo consideradas primitivas em comparação a Grécia,
estavam vivendo o mesmo momento cronológico. Logo, para
melhorar o desenvolvimento dos alunos é melhor superar o ensino
teórico cronológico e trabalhar com eixos temáticos, mantendo o
tema próximo do aluno e não privilegiando nenhuma região como
superior e evoluída em comparação a outras.

Conseguindo a atenção, o trabalho vai para ensinar o aluno a


levantar problemas, desenvolver o senso crítico e não só ficar
naquele texto pronto do livro, deixar o aluno participar do processo
POR UM OUTRO AMANHÃ

do fazer a história. Em Pedagogia do Oprimido, Freire (1981) chama


a atenção para uma educação problematizadora, em que ao ensinar
não se transfere o conhecimento, mas sim compartilha-se a
experiência para construir o ser crítico, é um diálogo entre professor
e aluno.

Mostrar que o conhecimento não é um dom, é normal surgir na sala


de aula a frase: “não consigo, não dou certo em história”, isso porque
o ensino está desfalcado em algum momento, faltando trabalhar
com o próprio conhecimento do aluno e mostrar a compreensão do
processo, cair nos saberes do aluno. A construção do conhecimento é
dada por vários saberes, sendo saberes da disciplina, do aluno, da
experiência, e não apenas do professor.

Os espaços nos educam, a leitura de romances nos educa,


os objetos educam nossos corpos, os modos de lecionar
História nos educa tanto quanto o que é dito (ou
silenciado) nas aulas. (SEFFNER, 2000, p. 264).

A informação é o que o aluno tem normalmente, é o que está


presente no seu cotidiano, na internet, na televisão, etc. Mas fica nas
mãos do professor a transformação de um conteúdo para a 525
linguagem acessível do aluno, tornando a ele interessante. É preciso
ter conhecimento sobre o assunto e estar claro o que será ensinado.
O passado deve ser interrogado a partir de questões existentes no
presente, fazendo um link com problemas atuais, caso contrário o
tema pode ficar sem sentido para o aluno.

Será possível utilizar tudo que está no papel nas atividades práticas?
Em sala de aula eu tentei manter a prática da teoria, e digo que é
possível sim a aplicação do que foi citado acima. Mas devo ressaltar,
sempre que lemos um autor falando dos alunos, eles os tratam como
uma só entidade, o que é complicado porque os alunos não agem da
mesma forma, cada um tem sua personalidade específica, o que é
possível e facilmente trabalhado com tal aluno, com o outro pode ser
complicado.

Considerei de grande importância o diálogo com os discentes, dar


espaço para que eles tivessem voz nas aulas, é uma metodologia que
desenvolve muito a relação docente/discente. Tanto em conhecer o
aluno, como também para colocar em prática o que Freire (2005),
Schmidt e Cainelli (2005) afirmam.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O maior tempo de estágio em uma sala de aula são 12 aulas, o que é


um tempo curto para conhecer os alunos, que acredito ser de
fundamental importância para desenvolver ou identificar a melhor
metodologia de trabalho. Um exemplo é alguns detalhes que tive que
alterar na aplicação das aulas, ao produzir o plano de aula ainda não
tinha contato com os alunos e foram pensadas as aulas de uma
maneira, mas ao ter contato percebeu-se a necessidade de tais
alterações, e ao fim das 12 aulas se fosse aplicado uma segunda vez
haveria mais alterações pelo pouco que foi conhecido da turma.

Escrevo 12 aulas, excluindo o período de coparticipação, pois


durante estas aulas raramente se tem um contato maior com os
alunos. Há um contato muito superficial, mesmo que haja interação,
auxílio ao professor supervisor, o acadêmico ao olhar dos alunos está
apenas observando e não tem autoridade neste momento. Isto pode
prejudicar na regência, pois o primeiro contato com o aluno foi sem
autoridade.

Lembrando que cada aluno tem seu próprio perfil, utilizei a proposta
presente em Schmidt e Cainelli (2005), várias atividades focando
cada uma em um método avaliativo diferente ajudou aos alunos que
526 desenvolvem melhor em uma atividade específica. Apesar de
importante para a aprovação perante a instituição de ensino, não
vejo tanta relevância na nota em si, considero importante o
aprendizado do aluno, ele pode não conseguir expressar seu
aprendizado por métodos avaliativos específicos, tanto que deixei
em aberto muitos prazos de entrega até o último dia. Considerei
algumas questões não pelo certo ou errado da minha percepção, mas
sim pelo modo de entender que o aluno expressou, cada um tem
uma maneira particular de expressar seu conhecimento.

Assim como o aluno tem vários modos de expressar seu


aprendizado, também tem vários modos de aprender, considerando
isto levei para sala de aula diferentes materiais didáticos para
auxiliar nas aulas, o que se possível irei levar para as aulas futuras se
continuar a lecionar.

Outro ponto importante foi fazer a relação com o cotidiano do aluno,


este método gerou um aumento no interesse, assimilação e
participação dos alunos, através desta metodologia o aluno vê
sentido em aprender, aproxima a História da sua vida, ele não vê
apenas o conteúdo com aquela ideia clássica dos alunos de “para que
estudar História?”.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Após a conclusão do estágio posso afirmar que as propostas dos


autores utilizados são aplicáveis em sala de aula, muitas delas
podendo ser melhores trabalhadas em uma situação real de
docência, com mais tempo disponível. Apesar de importante e
essencial para a formação docente, ainda acredito haver muitos
problemas na estruturação dos estágios, como o que apresentei
sobre a coparticipação, a preparação dos planos de aula com muita
antecedência ao estágio, pois muito do que é pensado na construção
do material pode haver a necessidade de alterar após contato com o
aluno.

Referências

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 31.ed. São Paulo: Editora


Paz e Terra S/A, 2005;
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1981;
PINSKY, J.; PINSKY, C. B. Por uma história prazerosa e
consequente. IN: KARNAL, L. (org.) História na sala de aula:
conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005;
SCHMIDT, M. A. A formação do professor de História e o cotidiano
em sala de aula. IN: BITTENCOURT, C. (org.) O saber histórico 527
na sala de aula. 2.ed. São Paulo: Contexto, 1998;
SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo:
Editora Scipione, 2005;
SEFFNER, F. Desenhando o perfil de um bom professor/uma boa
professora de ensino de história: faça a crítica da lista de critérios
que segue, e acrescente suas opiniões. In: BUENO, André; CREMA,
Everton e ESTACHESKI, Dulceli. Tecendo Amanhãs: O ensino de
história na Atualidade. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição
Especial Sobre Ontens, 2015. Disponível em:
http://simpohis.blogspot.com.br/p/fernando-seffner.html.
Acessado em: 20/11/2015;
SEFFNER, F. Teoria, metodologia e ensino de História. In:
Questões de teoria e metodologia da História. Porto Alegre:
UFRGS, 2000. p.257-288;
TURINI, L. A. A crítica da história linear e da idéia de progresso: um
dialogo com Walter Benjamin e Edward Thompson. Educação e
Filosofia, v. 18, n. 35/36, p. 93-125, jan./dez. 2004.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O LÚDICO DIGITAL NAS AULAS DE HISTÓRIA:


APLICAÇÃO DO GAME CAESAR III COMO MATERIAL
LÚDICO NAS TURMAS DE SEXTO ANO DO CENTRO
EDUCACIONAL SÃO JOSÉ (MIRACEMA – RJ)

Ramon Mulin Lopes

O presente texto pretende relatar a experiência da utilização do


game “Caesar III” em turmas do Ensino Fundamental pelo professor
de História Ramon Mulin. O objetivo desta aplicação foi de
transformar o game em uma ferramenta de interação entre alunos,
contexto histórico e política do antigo Império Romano em um
ambiente lúdico e capaz de despertar o interesse dos alunos, uma vez
estes imersos em um cotidiano ligado às tecnologias digitais.

Considerações iniciais

O cenário das TIC‟s (Tecnologias da Informação) faz com que seja


necessária uma adaptação ao meio, visto a impossibilidade de se
528 evitar tais transformações tecnológicas, e isto não é diferente no
âmbito educacional. A educação tem buscado se moldar a essa nova
linguagem num esforço de não se tornar obsoleta frente à ampla
instigação proporcionada pelas TIC‟s.

Um grande fruto dessas mudanças é aquele que compõe a geração


dos nativos digitais (PRENSKY, 2001), que já nasceram imersos
nessa conjuntura tecnológica. Logo, torna-se um grande desafio por
parte da educação de adaptar seus métodos tradicionais de ensino
em uma linguagem apropriada ao cotidiano e às relações
interpessoais desta geração.

Vygotsky (1998) já relevava a importância das brincadeiras e dos


jogos lúdicos para a construção do saber e da visão de mundo para
as crianças e adolescentes. Esses jogos também se modificaram com
o advento dessas tecnologias. Atualmente, os jogos mais procurados
por essa geração são os jogos eletrônicos, também conhecidos como
games – sendo jogados em celulares, computadores, consoles (vídeo
games), tablets, entre outros. Por isso, “diante dessa visão sobre o
surgimento de uma nova cultura, os jogos eletrônicos não podem ser
vistos apenas como instrumentos de lazer e diversão”, mas,
sobretudo, devem ser vistos como possibilidades viáveis atuando “na
produção do conhecimento e no desenvolvimento de habilidades
POR UM OUTRO AMANHÃ

necessárias na sociedade atual” (GALDINO e NOGUEIRA, 2005, p.


2).

Entretanto, grande parte das instituições escolares parece conduzir a


educação básica de forma distante dos instrumentos tecnológicos e,
consequentemente, do cotidiano desses alunos, constituindo uma
condição de não aproveitamento dos benefícios desses recursos.
Apesar da evolução dos métodos baseados na tecnologia, a escola
ainda utiliza formas tradicionais de ensino, e em alguns casos, o uso
da tecnologia da informação é imposto, não envolvendo os alunos e
dificultando a aproximação entre professores, alunos e TIC‟s.

Nesse contexto, buscou-se em uma das aulas de História atender


essas demandas para aproximação do ambiente escolar do cotidiano
dos alunos, que se enquadram na sociedade enquanto nativos
digitais: na aplicação do conteúdo “Império Romano” foi utilizado o
game “Caesar III” como instrumento lúdico a fim mediar o processo
ensino-aprendizagem.

Considerações teóricas

A busca pela motivação dos alunos na sala de aula por parte dos 529
professores há tempos toma uma parcela importante das relações de
ensino-aprendizagem nas escolas. Pensando nisso, é possível
verificar a utilização de diversas atividades lúdicas nesse processo.

A palavra “lúdico” deriva-se do latim Ludus que significa


divertimento, escola, jogo. “A função educativa do jogo oportuniza a
aprendizagem do indivíduo: seu saber, seu conhecimento e sua
compreensão de mundo” (ROLLOF, 2010, p.1). As atividades lúdicas
nas salas de aula tem demasiada importância visto que carregam
consigo uma capacidade única de promover uma maior imersão e
motivação dos alunos no processo de aprendizagem. Percebe-se que,
no âmbito educacional, esses jogos contextualizados “tem uma
maior aceitação por parte dos estudantes, o que, em geral não ocorre
na metodologia tradicional de ensino” (GALDINO e NOGUEIRA,
2005, p.1). A ludicidade em sala de aula é ingrediente importante
para socialização, observação de comportamentos e valores
(ROLLOF, 2010, p.1). A relação jogo e educação tem grande
importância no sentido intelectual e didático, pois pode auxiliar o
estudante a estabelecer importantes conjecturas cognitivas.

A comparação geracional entre “nativos digitais” e “imigrantes


digitais” elaborada por Mark Prensky nos auxilia para uma melhor
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

compreensão de como os alunos se comportam, brincam e


aprendem atualmente. Segundo Prensky (2001, p .1) os “estudantes
de hoje são todos „falantes nativos‟ da linguagem digital dos
computadores, vídeo games e internet”, sendo estes pertencentes à
geração dos “nativos digitais”. Essa geração se diferencia dos
“imigrantes digitais” que são aqueles que não nasceram no mundo
digital, mas em alguma época de suas vidas, ficaram fascinados e
adotaram muitos ou a maioria dos aspectos da nova tecnologia
(PRENSKY, 2001, p. 2).

Tomando como fato que os alunos da atualidade fazem parte dessa


geração imersa nas redes e nos ambientes digitais, afirma-se que a
forma com que eles aprendem algo também se modifica, pois sua
visão de mundo está imersa numa linguagem nativa dessas redes e
ambientes. As escolas e professores tem a necessidade de se
adaptarem a essas tecnologias da informação para que o processo
ensino-aprendizagem bem sucedido continue a se perpetuar,
principalmente, no ambiente escolar e, sobretudo, para que esse
ambiente não venha a se tornar um local apático para os alunos
frente às suas relações interpessoais, seus interesses e às TIC‟s
(Tecnologias da Informação).
530
Severino (2001, p.150) nos lembra que:

O processo de ensino/aprendizagem não é osmótico.


Entre o ensinar e o aprender há uma relação pedagógica.
Não ocorre ensino e nem aprendizagem, se não houver
entre docente e discente uma relação de
intencionalidade, mediada pelo sentido. Por isso, o
profissional não deve deixar de investir na dinâmica
didático-pedagógica, pela qual o ensino torna-se
educativo. Como nenhuma intencionalidade atua no ar
ou pela força de vontade ou desejo, é preciso recorrer a
mediações concretas, apoiadas em meios didáticos e
metodológicos. Cabe uma referência às novas tecnologias
no desempenho do trabalho pedagógico. (SEVERINO,
2001, p. 150)

Mediante esse cenário, é necessário retomar a ideia de se estabelecer


um ambiente lúdico na sala de aula juntamente a essas tecnologias,
para que dessa forma, a linguagem da atividade esteja de acordo
com o cotidiano desses alunos em suas relações exteriores à escola.
Por isso é de suma importância a adaptação de todos os elementos
envolvidos no processo ensino-aprendizagem.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Método de aplicação e resultados

Desde o mês de agosto de 2015, dois meses após a entrada do


professor de História no Centro Educacional São José (Miracema –
RJ), tem sido estudada pelo mesmo a possibilidade de se trabalhar
um game com os alunos das turmas sexto ano. O game escolhido foi
“Caesar III”, por se tratar de um produto extremamente fiel ao
contexto histórico que se propõe e pelo fato de ser uma mídia
completamente dublada em português. Depois de muito pesquisar
sobre o game, jogar e estudar suas possibilidades enquanto
complemento de uma aula sobre o Império Romano, foi decidida sua
aplicação no dia 14 de outubro de 2015 nas duas turmas de 6º ano
do colégio.

Uma breve introdução reavaliando os alunos sobre as civilizações do


mundo antigo estudadas nos conteúdos dos bimestres anteriores foi
realizada a fim de despertar debates e rever os temas, para
posteriormente utilizar-se do game.

“Caesar III” é um jogo de estratégia onde o jogador assume a posição


de um governador de uma colônia romana com a finalidade de
fundar ali uma cidade e estabelecer um pleno desenvolvimento 531
cultural, social e econômico. Além disso, deve-se suprir as
necessidades do imperador César.

Tendo isso em vista, o professor transformou as turmas em um


grande "Conselho do Império", onde os grupos eram divididos por
setores de serviços públicos da Antiga Roma. Cada decisão tomada
deveria estar sob a luz de argumentos que elucidassem seus
objetivos para a sociedade do jogo. Nenhum passo poderia ser dado
na colônia romana do game sem os argumentos e o consenso entre
os alunos.

Os resultados da experiência foram muito além do esperado. Muito


positivo frente aos objetivos pretendidos durante a preparação dessa
aula em especial. Todos os alunos participaram ativamente e
debateram cada passo dado pela turma. Cada detalhe da cidade era
analisado pelas turmas, desde a economia, o desenvolvimento
cultural e social e até mesmo os detalhes das construções como
aquedutos, casas populares, celeiros, mercados, templos religiosos,
senado, entre outros.

Nas duas turmas trabalhadas, obtiveram-se os seguintes resultados e


conclusões:
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

1- A primeira turma atingiu pleno desenvolvimento econômico


e social, porém teve problemas graves com a infraestrutura urbana
pois não tiveram atenção com o planejamento do espaço físico da
cidade, promovendo apenas um progresso desenfreado onde a
mobilidade urbana ficou comprometida.

2- A segunda, por sua vez, não conseguiu sequer alcançar os


objetivos mais simples propostos pelo jogo, pois os choques de
opiniões entre os alunos dentro de seu "Conselho" eram
demasiadamente constantes. O estresse levou parte da turma a um
total abandono do jogo, enquanto outros vociferavam suas vontades
em observável nível de descontrole. Os alunos chegaram à conclusão
de que um governo nesse período, com disposições tão precárias, era
extremamente complexo. Posteriormente, o professor elaborou
comparações entre as atitudes da turma e a política atual de nosso
país, principalmente sobre o município onde residem.

O game colaborou com a visualização das tecnologias do império


romano, de como se dava o planejamento do comércio externo com
outras cidades romanas, do desenvolvimento da própria cidade e de
uma profunda reflexão sobre as atitudes de cada aluno no conselho.
532
“Caesar III” tem uma falha grave no que tange aos interesses dos
cidadãos e a divisão de classes sociais em sua população. O game
não considera essas variáveis. Porém, justamente por isso, optou-se
por esse jogo levando em conta de que as turmas não têm
maturidade em certos âmbitos dos estudos sociais. Dessa forma, a
adaptação e a simplificação do trabalho ao nível de turmas de 6º ano
foi considerada, pelo professor, um sucesso.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Registros fotográficos do uso do game em sala de aula

Informações sobre impostos e indústria da colônia –


acervo do autor

533

Alunos durante a aula – acervo do autor

Debate sobre as ações que deveriam ser tomadas no game


– acervo do autor
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Projeção do game em sala de aula – acervo do autor

534
Considerações Gerais do professor – acervo do autor

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POR UM OUTRO AMANHÃ

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VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. 6.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

APONTAMENTOS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE CINEMA E


ENSINO DE HISTÓRIA

Rebecca Carolline Moraes da Silva

Por muito tempo os filmes ficaram à margem da pesquisa histórica


porque os historiadores não os consideravam fontes verídicas.
Apesar de por muito tempo ter sido renegado pelos historiadores, o
filme, enquanto produção humana, pode ser tratado como
documento histórico. Kornis (1992) lembra que foi na abertura da
História para novos olhares que o filme entrou como “fonte preciosa
para a compreensão dos comportamentos, das visões de mundo, dos
valores, das identidades e das ideologias de uma sociedade ou de um
momento histórico” (KORNIS, 1992, p. 239).

A monumentalização dos documentos, como propõe Le Goff (1996),


que também pode ser aplicada aos filmes, aponta que os
monumentos têm uma característica intrínseca de se perpetuarem
no tempo voluntária ou involuntariamente, elaborando
536 inconscientemente uma roupagem de sua sociedade em
determinado tempo. Nos filmes históricos essa essência de
documento/monumento se amplifica pelo grande número de
pessoas que assistem a eles; assim, o que um filme diz de um
determinado momento histórico pode muitas vezes se tonar a
verdade histórica. Estas interpretações podem ser agravadas nos
casos em que há distorção proposital dos fatos, na má intenção de se
passar como verdade. Nesses casos, cabe ao historiador analisar e, se
for o caso, desmistificar.

"O cinema é um dos mais poderosos instrumentos


contemporâneos de monumentalização do passado, na
medida em que pode fazer dele um espetáculo em si
mesmo, com eventos, personagens, processos encenados
de maneira valorativa, laudatória e melodramática"
(NAPOLITANO, 2011, p. 276).

Ferro (1975) considera que a imagem sonora teve dificuldades em


ser aceita como documento por sua complexidade, por ter vários
elementos de composição que dizem muito sobre o que o produtor e
o diretor quiseram transmitir, como em gestos ou olhares
prolongados. Segundo Ferro (1975), podemos extrair o que o filme
testemunha, que realidade ele representa – concordância ou não
POR UM OUTRO AMANHÃ

com a ideologia representada, propaganda, denúncia, comoção


pública, entretenimento – e a função do historiador é a de encontrar
“o não-visível através do visível” (FERRO, 1975, p. 6).

Os filmes que tratam a respeito de um tema do passado são


chamados por Rosenstone (2010) de “filmes históricos”. O autor
defende que a historiografia deve estar com os olhos voltados a esse
cinema histórico, pois este chega a muitas casas pela televisão.
Atualmente, o audiovisual é muito valorizado e os filmes estão em
todas as programações das redes televisivas e também acessíveis por
meio da internet. Além disso, o autor lembra que “os filmes
históricos, mesmo quando sabemos que são representações
fantasiosas ou ideológicas, afetam a maneira como vemos o passado”
(ROSENSTONE, 2010, p. 18). Cláudio Aguiar Almeida (apud
NAPOLITANO, 2011) também dá suporte a esse discurso, dizendo
que, independentemente da qualidade estética de um filme, o
público pode identificá-lo como uma „verdade histórica‟.

A partir disso, pode-se aliar essa inserção do cinema como fonte


histórica também no contexto escolar. Na perspectiva da Educação
Histórica privilegiam-se as concepções dos alunos como agentes
diretos da aprendizagem, de modo que eles devem trabalhar como 537
formadores do próprio conhecimento (cf. BARCA, 2011). Essa
perspectiva parte da ideia da “busca por um ensino de História que
tenha mais significado para crianças e jovens alunos” (CAINELLI,
SCHMIDT, 2011, p. 11).

A necessidade de orientação do tempo está ligada ao conceito de


consciência histórica que, conforme Rüsen (2007), é a “constituição
de sentido sobre a experiência do tempo, no modo de uma memória
que vai além dos limites de sua própria vida prática” (RÜSEN, 2007,
p. 104). Desse modo, a consciência histórica dá suporte à consciência
social e, assim, contém um sentido de identidade, ou seja, pelo
conhecimento do passado o ser humano se orienta no tempo e se
identifica com seus pares em seu espaço-tempo, podendo assim
projetar suas ações futuras de maneira crítica e autônoma.

Neste sentido, a Educação Histórica possibilita a formação dos


indivíduos para lidar com as mudanças da sociedade a partir do que
Rüsen (apud BARCA, 2011) denomina como consciência histórica
genética, o que quer dizer: as informações são gradativamente
interiorizadas pelos sujeitos, tornando-se parte de sua ferramenta
mental para ser usada no dia-a-dia como forma de orientação.
Tendo isso em vista, conforme Barca (2011), fornecer aos alunos
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

uma narrativa singular da História ou uma sequência cronológica


seguindo o senso comum não supre as demandas da Educação
Histórica, pois esse tipo de conhecimento não é útil na lida com a
sociedade atual. É necessário exigir leituras críticas porém sempre
provisórias.

Ana Maria Monteiro (2013) ressalta a importância de se trabalhar


com a memória dos alunos através de uma exposição didática, esta
que envolve quem conhece, quem aprende e quem ensina. Para isso
é essencial a mediação do professor na produção de novos
significados e até na ressignificação dos saberes dos estudantes, que
sintetizam dialeticamente as novas informações com seus
conhecimentos prévios. Abud (2005), neste âmbito, diferencia
informação e formação, pois a informação é tudo o que o aluno
recebe a partir das diferentes linguagens (objetos, textos, imagens,
músicas, cinema, entre outros), é o que forma sua bagagem de
conceitos espontâneos que serão trabalhados dentro da sala de aula,
a partir da mediação do professor, atingindo a formação, que é o
objetivo do ensino. O professor deve se atentar para estas questões
no ensino de História e não ignorar o fato de que os alunos possuem
conhecimentos prévios, e que esses devem ser considerados para
538 que a aprendizagem seja prazerosa e a disciplina não se torne uma
“decoreba” e não seja “chata” – estereótipos que a História já possui
muitas vezes, em se tratando da educação básica.

Cainelli e Schmidt (2004) afirmam que o conhecimento do aluno


deve ser respeitado, o conjunto de representações que ele já
construiu sobre o mundo em que vive e que vão com ele para a sala
de aula – por isso é importante ter como ponto inicial dos trabalhos
as representações dos alunos, mas não fixar o ensino nestes
conhecimentos, já que algumas compreensões podem se apresentar
como insuficientes para explicar a realidade. Tais conhecimentos
prévios devem dar significado aos conteúdos históricos trabalhados.
Além disso, devemos ter em mente que o aluno tem a possibilidade
de efetivar suas próprias ideias sobre o mundo social, sem a
necessidade de se tornar simplesmente um receptor passivo das
informações trazidas pelo professor (cf. CAINELLI; SCHMIDT,
2004, p. 61-62).

Segundo Flávia Caimi (2008), o campo do Ensino de História


acompanhou as mudanças historiográficas da segunda metade do
século XX. Conforme esta autora, foi a partir daí que novas
linguagens foram incorporadas ao ensino e que houve a tentativa de
substituição da memorização pela reflexão histórica, além da ênfase
POR UM OUTRO AMANHÃ

na produção de conhecimento através da apropriação dos


procedimentos metodológicos da pesquisa histórica (cf. CAIMI,
2008, p. 132).

Desta maneira, conforme Pereira e Seffner (2008), ao trabalhar com


fontes é preciso deixar claro que o que está sendo trabalhado são
representações do passado, sem compromisso com a realidade,
competindo com outras representações, como pode ser percebido na
literatura, filmes ou rede televisiva. É necessário que se tenha em
mente que todas essas maneiras de representar a História podem ser
encontradas dentro de casa, o que faz com que, por exemplo, um
filme histórico produza uma memória de um passado tanto quanto
ou mais que o aprendido na aula de História (cf. PEREIRA;
SEFFNER, 2008, p. 117).

Lana Mara Siman (2004) defende o uso de mediadores culturais no


ensino de História, focalizando a ação mediadora do professor e a
ação mediada da linguagem para relacionar sujeito e objeto. Ou seja,
a autora argumenta que o professor de História deve buscar a
historicidade da fonte para mediar a construção do conhecimento,
de modo que se aliem intelecto, imaginação, intuição e sensibilidade,
evidenciando que não é possível recriar o real vivido, apenas 539
reimaginá-lo, ou representá-lo. Siman (2004) afirma que o trabalho
com os mediadores culturais é considerado a dialogia da sala de
aula, em outras palavras, considera as múltiplas vozes, as vozes dos
alunos, o que eles pensam a respeito, colocando-os como agentes do
conhecimento. Isso possibilita novos conhecimentos, pois cada
aluno traz consigo sua bagagem cultural e, no diálogo com os colegas
e com o professor, pode sintetizar um conhecimento mais crítico e
mais complexo do que poderia se o trabalho com a fonte fosse
unívoco.

O cinema, visto como um mediador cultural, pode se agregar aos


conhecimentos prévios dos alunos, desenvolvendo imagens que
permitem uma ideia de reconstrução no sentido de levar o aluno a
imaginar o não vivido diretamente. Mas, não no sentido de
ressurreição histórica como acreditavam alguns dos primeiros
teóricos sobre o uso do cinema no ensino. Nesse sentido, o papel do
professor é de ser um “orientador de um processo em que o filme se
torna objeto de reflexão e estudos” (SOUZA, 2012, p. 81).

Assim, o professor mediador trabalharia com os alunos o filme como


um documento histórico. Para isso, deve realizar observações que os
levem a pensar de forma crítica em relação ao filme. Primeiramente
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

poderia ser observado como se dá a representação, pensar nos


cenários, caracterização dos personagens, os objetos, entre outras
coisas. E para essa análise pode-se utilizar de comparações e
analogias para que os alunos partam de uma situação mais próxima,
do conhecido, para aprender o não conhecido.

Conforme Magalhães e Alface (2011), os alunos precisam ser


educados a ver o filme, é necessário ler e refletir sobre os elementos
que são apresentados, adotando uma atitude crítica, combatendo o
analfabetismo visual, ou seja, agregando ferramentas para orientar e
estimular a capacidade dos alunos de realizar análises críticas. O
professor deve propor leituras sobre o filme apresentado, ampliando
o leque de possibilidades dos alunos, com uma ponte entre emoção e
razão, formando espectadores mais exigentes e críticos.

Bittencourt (2008) aponta que não há um modelo simplificado para


o uso de filmes em sala de aula que introduza os alunos na análise
crítica. Deste modo, levando em consideração o filme como fonte
histórica, os conhecimentos prévios dos alunos e os filmes como
parte da bagagem cultural dos sujeitos envolvidos, filmes históricos
podem ser bons mediadores culturais em sala de aula, devendo o
540 professor fazer a mediação para levar os alunos a uma leitura crítica
e responsável.

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f>
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

DISCUTINDO A NOÇÃO DE VERDADE HISTÓRICA POR


MEIO DA LITERATURA: ALGUMAS REFLEXÕES A
PARTIR DO ROMANCE HISTÓRIA DO CERCO DE LISBOA
DE JOSÉ SARAMAGO

Rodrigo Conçole Lage

Introdução

O que é a verdade dentro da História? Como lidar com as diferentes


versões de um determinado fato histórico em sala de aula? Como
trabalhar com o aluno essa questão. Com o surgimento da internet e
a facilidade de acesso a informação que ela nos dá o professor que se
limitar a ser um mero reprodutor de fatos corre o risco de não
despertar o interesse dos alunos e se tornar irrelevante.
Diante desse fato o professor deveria buscar alternativas,
repensando sua atuação, não se vendo mais como um mero
reprodutor de uma determinada visão da História, mas como
alguém que pode realmente contribuir para a formação dos alunos
542 como cidadãos verdadeiramente críticos e reflexivos. Com esse
objetivo, entendemos que questionar a noção de verdade deve ser o
primeiro passo para aqueles que desejam seguir por esse caminho.

Discutindo a noção de verdade histórica

A noção de verdade é um dos pilares do ofício do historiador. Desde


a antiguidade a História está pautada na escrita de fatos reais,
daquilo que teria realmente acontecido e não naquilo que poderia ter
acontecido. Esse fato é o que distinguia a história da literatura. Em
sua Poética Aristóteles (1966, p. 50) afirma:

Pelas precedentes considerações se manifesta que não é


ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de
representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é
possível segundo a verossimilhança e a necessidade. Com
efeito, não diferem o historiador e o poeta, por
escreverem verso ou prosa (pois que bem poderiam ser
postas em verso as obras de Heródoto, e nem por isso
deixariam de ser histórias, se fossem em verso o que
eram em prosa), - diferem, sim, em que diz um as coisas
que sucederam, e outro as que poderiam suceder.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Contudo, essa ideia de verdade tem sido contestada na


contemporaneidade. Esse questionamento está baseado na
convicção de que o fato histórico não existe em si mesmo, ele é "uma
construção, um discurso elaborado por quem escreve os textos"
(ROIZ; SANTOS, 2012, p. 281).

Partindo desse fato o professor que deseja contribuir de forma eficaz


para a formação dos alunos não pode se limitar a ser o mero
reprodutor de uma determinada visão dos acontecimentos. Ele deve
procurar levar o aluno a perceber como a História é construída e
assim ser capaz de refletir a respeito desse processo de construção,
da ideologia que está por trás desse processo.

Ao mesmo tempo, acreditamos que o diálogo interdisciplinar com a


literatura pode ser uma forma eficaz de trabalhar a questão e,
juntamente, procurar despertar o interesse pela literatura,
contribuindo assim para a formação de novos leitores. Para isso,
escolhemos trabalhar com o romance „História do cerco de Lisboa‟
de José Saramago.

História do certo de Lisboa e a falsificação da História


543
Como muitos alunos, e mesmo professores, podem não conhecer o
escritor apresentaremos um breve resumo. A obra de José
Saramago, publicada em 1989, narra a história do revisor Raimundo
Benvindo Silva que, um dia, ao revisar o tratado histórico intitulado
História do Cerco de Lisboa introduz um "não", alterando assim a
versão oficial da história:

É evidente que acabou de tomar uma decisão, e que má


ela foi, com a mão firme segura a esferográfica e
acrescenta uma palavra à página, uma palavra que o
historiador não escreveu, que em nome da verdade
histórica não poderia ter escrito nunca, a palavra Não,
agora o que o livro passou a dizer é que os cruzados Não
auxiliarão os portugueses a conquistar Lisboa, assim está
escrito e portanto passou a ser verdade, ainda que
diferente, o que chamamos falso prevaleceu sobre o que
chamamos verdadeiro, tomou o seu lugar, alguém teria
de vir contar a história nova, e como (Saramago, 1989, p.
50).

Esse ato introduziu alterações em sua vida sendo que a mais


importante foi o fato da editora contratar Maria Sara como diretora
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

dos revisores. Ela vai incentivar Raimundo a escrever uma nova


versão da história a partir dessa ideia de que os cruzados não
ajudaram a reconquistar Lisboa.

Com o passar do tempo os dois vão se apaixonar e essa paixão vai ser
representada na história que Raimundo está escrevendo por meio do
romance entre o protagonista, Mogueime, e Ouroana. Em linhas
gerais, essa é a história do livro. Na seqüência iremos discutir dois
pontos a serem trabalhados no que diz respeito a questão da
falsificação da história.

Em primeiro lugar é preciso destacar o fato de o "não" introduzido


pelo revisor não foi algo inventado, mas feito baseado em fontes
históricas como, por exemplo, a carta Conquista de Lisboa aos
Mouros (1147) de Osberno: "a informação é de boa origem, diz-se
diretamente do célebre Osberno" (Saramago, 1989, p. 124).
Assim, o que temos são diferentes versões do fato e essa divergência
deve ser utilizada pelo professor para se discutir a ideia de verdade.
Incluímos nas referência uma edição da carta que pode ser acessada
na internet e trabalhada pelo professor que pode propor aos alunos
uma pesquisa para verificar até que ponto a história oficial e o relato
544 da carta são divergentes.

Outra opção, para um trabalho interdisciplinar com a literatura,


seria uma comparação do relato da carta com a nova versão da
história escrita pelo protagonista de Saramago. Esse tipo de trabalho
poderia ser realizado pelo professor de literatura em um trabalho
conjunto com o de história.

Outro fato que pode ser discutido é a questão dos excluídos da


História. Se durante muito tempo a História estava voltada para os
grandes homens e grandes feitos, deixando de lado grande parte da
humanidade, a história na contemporaneidade tem procurado
resgatar os que foram dela excluídos, apresentando assim outra
visão dos fatos, procedimento também utilizado pelo escritor:

Um outro momento da obra em que Saramago utiliza a


fonte medieval "A conquista de Santarém" é o trecho no
qual é mencionada a personagem histórica Mogueime,
que depois se tornará um dos protagonistas do livro que
Raimundo Silva escreve como versão alternativa ao cerco
de Lisboa que as fontes factuais registram. Mogueime foi
um soldado lusitano que participou da batalha em
Santarém e que, por ser mencionado na crônica de D.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Afonso Henriques, possui uma notoriedade histórica


mínima (...) (MATIAS; ROANI, p. 6-7).

Os alunos devem tomar consciência de que determinados grupos e


pessoas não foram (estão) inseridos na História. Esse tema pode ser
desdobrado pelo professor em muitas questões, tais como: Por que
isso acontece (u)? Até que ponto essa exclusão falsifica ou distorce a
História? Qual o caráter ideológico dessa exclusão? O que pode ser
feito para mudar essa situação?

Tais questionamentos podem servir de ponto de partida para a


discussão da confiabilidade dos fatos históricos. Podemos dizer que
esses são os dois principais pontos para os que desejarem trabalhar
com esse tema.

Conclusão

Como vimos, a questão da verdade na história sofreu importantes


transformações. Acreditamos que tais questionamentos não devem
ficar restritos ao âmbito historiográfico, mas devem ser levados para
as salas de aula. A partir dos questionamentos desenvolvidos ao
longo do texto o professor tem uma base a partir da qual possa 545
trabalhar com os alunos e desenvolver novas problemáticas.
Ao mesmo tempo propomos um enriquecimento do ensino da
História a partir do diálogo com a literatura. Nossa intenção ao
discutir a questão da verdade não é esgotar o assunto, mas
apresentar algumas propostas de trabalho que podem levar a outros
assuntos como, por exemplo, a questão da construção do
conhecimento ou dos usos da história. Com isso o ensino da História
poderá ser relevante não só para a formação dos alunos mas também
dos próprios professores.

Referências

ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Sousa. Porto


Alegre: Globo, 1966.
BRAWDSEY, Osberto de. A Conquista de Lisboa aos Mouros,
1147. Disponível em:
<http://www.arqnet.pt/portal/pessoais/cruzado_lisboa.html>.
Acesso em: 13 dez. 2015.
GUTERRES, Tiago da costa. „Heródoto e a noção de verdade na
historiografia grega: um breve comentário‟. Revista Historiador,
Porto Alegre, ano 04, n. 04, p. 15-22, 2011. Disponível em:
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

<http://www.historialivre.com/revistahistoriador/quatro/tiagog.pd
f>.
MATIAS, Felipe dos Santos; ROANI, Gerson Luiz. „História do cerco
de Lisboa: as fontes medievais de José Saramago e a transfiguração
literária da história‟. Revista Vertentes, São João Del-Rei, v. 32, p.
1-12, 2008. Disponível em:
<http://intranet.ufsj.edu.br/rep_sysweb/File/vertentes/Vertentes_
32/felipe_e_gerson.pd>.
ROIZ, Diogo da Silva; SANTOS, Jonas Rafael. As transferências
culturais na historiografia brasileira: leituras e
apropriações do movimento dos Annales no Brasil. Jundiaí:
Paco Editorial, 2012, 296 p.

546
POR UM OUTRO AMANHÃ

ABORDAGENS DA IMIGRAÇÃO NO ENSINO:


DESCONSTRUINDO A IMIGRAÇÃO PARA A
SUBSTITUIÇÃO DA MÃO DE OBRA ESCRAVA E
APRESENTANDO A IMIGRAÇÃO DO SÉCULO XX E XXI

Rodrigo dos Santos

O presente instiga reflexões sobre a possibilidade de percepção do


fenômeno migratório no ensino. Geralmente pensamos a imigração
com um equívoco: não identificamos outras formas de imigração ao
Brasil do que a visão cristalizada da imigração da virada do século
XIX para o XX, em que ocorreu a substituição da mão de obra
escrava para a imigrante. A autora Luca (2014) quando aborda sobre
as possibilidades nos estudos com fontes periódicas também
destaca, que em algumas vezes, a ênfase maior na imigração do
século XIX para o XX, e que esquecemos as outras formas de
imigração. Mesmo nessa imigração da substituição da mão de obra
escrava para a imigrante outro equívoco é presente, conforme
Pereira (2015) esse tipo de imigração é atrelada apenas na forma de
trabalho, no emprego da mão de obra e esquecemos que no ponto de 547
vista da elite brasileira, os imigrantes também possuíam como
função o branqueamento da população. Além disso, é relevante
destacar que Alvim (1998) demonstra que nesse período não foi
exclusiva a imigração para as fazendas de café no interior paulista
para a substituição da mão de obra, outros imigrantes foram para o
sul do país conseguindo terras para cultivar seu sustento. A
diferença entre esses dois grupos foi que os primeiros demoraram
menos tempo para chegar ao local de destino, mas não puderam
construir suas casas nas fazendas, essas em sua maioria eram
senzalas adaptadas. Enquanto os imigrantes destinados ao sul do
país, ficaram mais tempo esperando seu local desejado, mas
conseguiram a construção de suas casas, e em sua maioria, casas
com estrutura europeia.

Outra forma de imigração ao Brasil é dos denominados deslocados


ou refugiados de guerra. Alguns autores preferem a denominação de
refugiados, afirmando que o termo imigrante é uma forma de
amenizar o que esses sujeitos sofreram no contexto do pós-Segunda
Guerra Mundial. Esses imigrantes, segundo Peres (1997), por
geralmente não serem desejáveis, receberam nomenclaturas
pejorativas como: seres nefastos, neuróticos de guerra, mau ou bom
elemento e alienígena. A designação alienígena também foi
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

trabalhada por Seyferth (2008). A autora apresenta que os


imigrantes mais indesejados que os outros, os alienígenas,
geralmente foram os alemães e japoneses. Stein (2011) também
afirma a necessidade de um apagamento da designação de alemães,
especialmente nos periódicos, para uma não vinculação desses
sujeitos com o nazismo. A designação alienígena para o imigrante
também foi trabalhada por nós em outro momento (SANTOS;
ALMEIDA, SCHÖRNER, 2014).

Diante do exposto, o professor deve desenvolver a Consciência


Histórica do estudante, ou seja, A Consciência Histórica é "uma
categoria geral que não apenas [apresenta] relação com o
aprendizado e o ensino de história, mas cobre todas as formas de
pensamento histórico" (RÜSEN, 2006, p.14). Como uma forma de
desenvolver a Consciência História do estudante, o professor pode
utilizar como suporte ao trabalhar com a imigração do pós-guerra as
obras de Shephard (2008), Judt (2012) e outra deste autor
(SANTOS, 2015) que mencionam como ocorreu o processo de
deslocamento desses imigrantes. Antes do fim da guerra, a
Alemanha nazista obrigou grande parte da população de terras
ocupadas a virem para seu território trabalhar nas fábricas
548 subterrâneas de armamento. Com o fim da guerra, com os territórios
libertados pelos aliados, milhares de pessoas não tinham interesse
em voltar para casa, pois seus países foram dominados pelos
governos soviéticos. Diante dessa dificuldade, organizações
internacionais auxiliaram no deslocamento desses refugiados para
novas moradas, inclusive ao Brasil.

Uma proposta de abordagem da imigração neste contexto do pós-


Segunda Guerra Mundial foi apresentada por nós e aplicada no
Curso Pré-Vestibular UNICENTRO, numa aula ministrada pelos
professores de História e Sociologia (SANTOS; LIMA, 2015). Nessa
aula utilizamos como fonte histórica o periódico Folha do Oeste,
produzido no Município de Guarapuava-PR no período de 1937 a
1981. Esse periódico reproduz discursos políticos sobre a recepção
dos imigrantes, trazendo reportagens e matérias sobre esse fato no
período de 1946 a 1960. Essas fontes do Centro de Documentação e
Memória de Guarapuava - CEDOC/G, sob a guarda da Universidade
Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) mostram um panorama
geral da imigração para o Brasil, e apresentam os imigrantes que
escolheram o Município de Guarapuava. O destaque do jornal foi o
grupo dos Suábios do Danúbio, estabelecidos no distrito de Entre
Rios em 1951, que até os dias atuais realizam ações como forma de
"preservação cultural".
POR UM OUTRO AMANHÃ

Caso o professor não tenha acesso a um arquivo público, outra forma


de instigar os estudantes, desenvolvendo ações com fontes
históricas, e ao mesmo tempo destacar a não separação entre ensino
e pesquisa, é utilizar as fontes da Hemeroteca Nacional
(http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/).
A Hemeroteca, vinculada a Biblioteca Nacional, apresenta vários
títulos de periódicos digitalizados de todo o Brasil. O professor
também pode aproveitar as ferramentas de busca que auxiliam na
consulta da temática que pretende propor.

O arquivo online Family Search (familysearch.org) igualmente pode


ser utilizado para visualizar a imigração da virada do século XIX
para o XX, como a de meados do século XX. Essa ferramenta
disponibilizada pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias apresenta mais de 4 bilhões de nomes do mundo todo, tendo
como objetivo que as pessoas reencontrem seu antepassados, saibam
sua origem. Com relação, especificamente sobre a imigração, essa
organização digitalizou cartões de imigração do Arquivo Nacional
(Rio de Janeiro) do período de 1900 a 1965. Os cartões podem ser
fontes para o estudo da imigração, o professor pode mostrar para os
estudantes em confronto com a teoria. 549
A imigração do século XXI é outro filão para os professores de
História e Sociologia. Quem sabe ele possa fazer um contraponto
com a imigração do século XIX ou XX. Destacar que o Brasil é um
dos grandes receptores de imigrantes, mesmo que a mídia apresente
a imigração do Oriente Médio para a Europa como preponderante, o
Brasil recebe imigrantes sírios, bolivianos, haitianos, senegalenses, e
tantos outros.

Nossa intenção com esse trabalho não é desprezar a imigração do


século XIX para a substituição da mão de obra escrava pela
imigrante (e como vimos não apenas esse tipo de imigração ocorreu
neste período), mas o objetivo é mostrar que outras formas de
imigração também ocorreram e ocorrem no Brasil, sem contar ainda
os reimigrantes que podem ser objetos de outros trabalhos. Com
relação a aplicabilidade em sala de aula, não conseguimos uma
"receita de bolo" e nem pretendemos isso, o professor deve
desenvolver a Consciência Histórica dos estudantes, principalmente
a partir de reflexões críticas sobre as fontes, nesse caso,
apresentamos algumas alternativas para as fontes sobre imigração.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Referências Bibliográficas

ALVIM, Zuleika. „Imigrantes: a vida privada dos pobres do campo‟.


In: SEVCENKO, Nicolau (org). História da vida privada no
Brasil -3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
JUDT, Tony. Pós Guerra: uma história da Europa desde
1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
LUCA, Tânia Regina de. „História dos, nos e por meio dos
periódicos‟. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São
Paulo: Contexto, 2014.
PEREIRA, Márcio José. „Os imigrantes de origem alemã no Paraná:
debate sobre a presença teuta no Estado‟. In: PRIORI, Angelo;
BERTONHA, João Fábio (org.). Imigração e Colonização.
Guarapuava: Ed. da Unicentro, 2015.
PERES, Elena Pájaro. "Proverbial Hospitalidade"? A Revista de
Imigração e Colonização e o discurso oficial sobre o imigrante (1945-
1955). Acervo, v. 10, n. 2, p. 55-70, jul/dez 1997.
RÜSEN, Jörn. Didática da História: Passado, Presente e
Perspectivas a Partir do caso Alemão. Práxis Educativa. Ponta
Grossa, PR. v. 1, n. 2, 16, jul.-dez. 2006.
SANTOS, Rodrigo dos Santos. Discursos sobre imigração no
550 jornal Folha do Oeste- Guarapuava, Paraná (1946-1960).
2015. 113f. Dissertação (Mestrado em História)- Universidade
Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati. Disponível em:
<http://www2.unicentro.br/ppgh/files/2015/07/Disserta_o_de_Ro
drigo_dos_Santos_562a8c0985c01.pdf . Aceso em: 23 dez. 2015.
SANTOS, Rodrigo dos; LIMA, Luiz Felipe de. „O uso dos jornais no
ensino: uma reflexão sobre imigração pautada no jornal Fola do
Oeste e uma proposta de aplicação no Curso Pré-Vestibular
UNICENTRO‟. In: II Colóquio de Ensino de História. Anais.
Guarapuava. 2015. p. 1-9.
SANTOS, Rodrigo dos; ALMEIDA, Marisangela Lins de;
SCHÖRNER, Ancelmo. „Alienígenas do pós-guerra: percepções
sobre os displaced persons entre 1945-1960‟. In: V Colóquio
Nacional Cultura e Poder. Anais. Campo Mourão. 2015. p. 260-
280. Disponível em: <http://www.fecilcam.br/culturaepoder/wp-
content/uploads/2015/09/Anais-VColoquio.pdf>. Acesso em: 23
dez. 2015.
SEYFERTH, Giralda. „Imigrantes, estrangeiros: a trajetória de uma
categoria incomoda no campo político‟. In: 26ª Reunião
Brasileira de Antropologia. Porto Seguro-BA. Anais da 26ª
RBA. Porto Seguro-BA. 2008. p. 1-20. Disponível em:
< http://www.abant.org.br/conteudo/ANAIS/CD_Virtual_26_RBA
/mesas_redondas/trabalho>. Acesso em: 18 mar. 2015.
POR UM OUTRO AMANHÃ

SHEPHARD, Ben. A longa estrada para casa: restabelecendo


o cotidiano na Europa devastada pela guerra. São Paulo: Paz
e Terra, 2012.
STEIN, Marcos Nestor. O oitavo dia: produção de Sentidos
Identitários na Colônia Entre Rios - PR (segunda metade do
século XX). Guarapuava: UNICENTRO, 2011.

551
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

PENSANDO AS QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS PARA


ALUNOS DO CEJA

Rogério Silva de Mesquita

Introdução

A presente proposta de pesquisa tem como intuito investigar a


questão étnico-racial dentro do ambiente educacional, em particular
nas aulas de história, procurando compreender a experiência
histórica dos alunos do Centro de Educação de Jovens e Adultos
Professora Alzira de Souza Campos-CEJA/Catalão-GO quanto a esta
temática. Embora este trabalho não esteja concluído ele é de
fundamental importância para pensar estas questões enunciadas.
Minha relação e meu interesse pelo campo da Educação surgiram
desde a mais tenra idade, já nos tempos de estudante do primário.
Quando criança, a docência já me impressionava pelo conhecimento
que os professores mostravam e pela forma como percebiam o
mundo. Desse modo, os discursos, o modo de ensinar e o fato de
552 aprender "coisas" novas, todos os dias, pareciam algo deslumbrante.
Cada ano que passava mais certeza eu tinha sobre o que queria ser e
estudar futuramente.

Com o término do ensino médio entrei na universidade para o Curso


de História e durante um ano e meio o processo de formação foi
complicado, pois eu não tinha o hábito de leitura, nem o ritmo
exigido na graduação. Com o passar do tempo, através de muito
esforço, dedicação e colaboração de várias pessoas, aumentei,
consideravelmente, minhas leituras sobre os autores e a
compreensão sobre as vertentes que compõem a formação em
História.

No sexto período da graduação, tive minha primeira experiência


como docente. Fui convidado para ministrar aula de Ciências no
CEJA. Tive a oportunidade de aprender e conhecer novas culturas,
tradições, hábitos, modos de vida, dentre outras, por meio das
vivências com os alunos e a comunidade escolar dentro e fora do
ambiente educacional.

Já a formação no Curso de Psicologia foi bem distinta, pois, não era


um aluno iniciante e trazia um arcabouço teórico mais consolidado.
Muitas situações não eram novas, como o ambiente universitário e o
POR UM OUTRO AMANHÃ

dia a dia de um curso de graduação. Na graduação em Psicologia


pude perceber elementos diferentes no convívio dos alunos e
professores que doravante estavam latentes, como por exemplo, o
contato cotidiano no período de tempo integral. E isso gera
inúmeros desafios, além disso, os autores e os temas específicos da
área (que têm a subjetividade como objeto de estudo) olham para os
indivíduos com mais atenção, não que a História seja indiferente a
eles, mas a Psicologia interessa-se mais pelos sentidos de afetos,
carinhos e problemas ligados à subjetividade humana. A partir
dessas duas formações acadêmicas, alarguei meus modos de pensar
e agir e, ao mesmo tempo, surgiram novas dúvidas e indagações, a
exemplo: como lidamos como nossa herança escravagista? O Brasil é
mesmo o país da "democracia racial"? Como o é vivenciado a partir
deste escamoteamento do preconceito racial? O racismo no Brasil
manifesta-se de forma diferente nos diversos contextos regionais? É
possível perceber historicamente transformações nas manifestações
de discriminação racial?

Essas são perguntas iniciais que trago como ponto de partida para
minha pesquisa no mestrado em História. Enquanto, estudante
universitário e professor, o interesse em investigar a questão dos
processos educacionais, especialmente, aqueles referentes às 553
relações étnico-raciais, pauta-se pelo cuidado idêntico ao amor
incondicional pela Educação que vivenciei nos início da caminhada
pelo saber. Um amor expresso na minha dedicação, no desejo de
querer fazer o melhor para alunos, na preocupação e no cuidado
cotidiano com a complexa tarefa de educar. Amor segundo o
compromisso ético de ajudar a construir na escola, aquilo que ela se
propõe: produzir conhecimentos junto com os alunos. Amor,
conforme afirma Bauman (2004, p. 24): "vontade de cuidar e de
preservar o objeto cuidado". Se afirmo que esse amor é incondicional
sobre mim é porque ele me instiga a exercer a profissão de professor
com todos os paradoxos que ela tem: sofrimento e prazer, cansaço e
ânimo, vida e morte, acolhimento e repulsa, alegrias e tristezas
dentre outras. Esse processo é cheio de frustrações, riscos,
ansiedade, medos, desânimos, mas também, daquilo que Bauman
chama de humildade, pois "sem humildade e coragem não há amor"
(p. 22).

Portanto, o tema que pretendo refletir, inicialmente, será a questão


étnico-racial, que apesar de tantos problemas enfrentados,
sobretudo, o racismo fez despertar a experiência histórica destes
sujeitos. É esse amor incondicional que me move a pensar esse tema.
Nossa proposta é desenvolver, a partir de uma experiência prática de
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

pesquisa e intervenção pedagógica, um estudo sobre concepções


históricas das relações étnico-raciais presentes nas experiências
históricas dos alunos do CEJA. Com o intuito de compreender o
significado do conhecimento histórico para os alunos do CEJA. Bem
como, o lugar da questão racial no ensino de História e na vida dos
alunos do CEJA, quando esta questão é pensada numa construção
crítica e reflexiva. Concomitantemente, prende-se analisar as
possibilidades e limites do uso da metodologia da unidade temática
de investigação no Ensino de História voltado para jovens e adultos.

O ensino de história e as relações étnico raciais

O interesse pela temática surgiu em 2012 quando discuti o tema


Apartheid na África do Sul em sala de aula do CEJA. Inicialmente,
foi apresentado o filme INVICTUS que aborda a temática do racismo
na África do Sul, durante o governo de Nelson Mandela. Em seguida,
discutimos o filme dando destaque ao tema: o preconceito étnico
racial. O envolvimento dos alunos com a discussão demonstrou que
este é tema que afeta diretamente muitos seguimentos da sociedade
brasileira, em particular a classe trabalhadora.
554 Neste sentido, acho importante o estudo desta temática, pois ao
longo da história da humanidade vivemos e vivenciamos a questão
do preconceito étnico racial e no Brasil não seria diferente sendo que
a mesma ainda se encontra em plena discussão. As relações étnico
raciais continuam gerando polêmicas e conflitos quando emergem
nos debates, sejam eles dentro ou fora da instituição escolar.

Podemos afirmar que a questão da discriminação étnico-racial


aparece desde os primórdios da sociedade brasileira, logicamente, de
acordo com as peculiaridades de cada grupo social e do contexto,
mas o importante é ressaltar que as questões sobre racismo gerou
conflitos, atrocidades e extermínios fundamentados, ora por motivos
de dominação territorial, ora por motivos religiosos. Todos baseados
em fortes preconceitos raciais.

Assim, ao propormos uma pesquisa que busca compreender o lugar


da questão racial no ensino de História e na vida dos alunos do
CEJA, nos apoiamos nas discussões sobre consciência histórica
propostas por Rüsen. Ou seja, acreditamos que os alunos, de 5 anos
ou 60 anos de idade, têm um conjunto de ideias com relação a sua
história no que diz respeito ao cotidiano quando chegam na escola,
isto porque, os seus saberes históricos podem ser adquiridos em
outras instâncias que não seja a escola, exemplo disso são os veículos
POR UM OUTRO AMANHÃ

de comunicação em massa, o meio familiar, a comunidade local, o


cotidiano, dentre outros. Para Rüsen "(...) [os] processos de
aprendizagem histórica podem ocorrer em diversos e complexos
contextos da vida do ser humano" (RÜSEN, 2007, p. 91). Logo, a
escola e os professores não podem descartar ou ignorar as ideias
prévias dos alunos. Cabe, portanto, ao professor no processo de
ensino detectar tais ideias do senso comum para contribuir numa
mudança da qual as tornará melhor elaboradas, ou seja, estabelecer
uma relação entre a história ensinada e a experiência histórica dos
alunos. Segundo Schmidt:

(...) aprender é um processo dinâmico, no qual a pessoa


que aprende muda porque algo é obtido, algo é
adquirido, num insight, habilidade ou a mistura de
ambos. No aprendizado histórico a "história" é obtida
porque fatos objetivos, coisas que aconteceram no
tempo, tornam-se uma questão de conhecimento
consciente, ou seja, eles tornam-se subjetivos. Eles
começam a fazer um papel na mente de uma pessoa,
porque a aprendizagem de história é um processo de,
conscientemente, localizar fatos entre dois polos,
caracterizado como um movimento duplo, ou seja, 555
primeiramente é a aquisição de experiência no decorrer
do tempo (formulado de maneira abstrata: é o
subjetivismo do objeto); em segundo lugar é a
possibilidade do sujeito para analisar (ou seja, o
objetivismo do sujeito). Isso não significa que essa
aprendizagem seja empiricamente apresentada de uma
forma fragmentada e seca (objetiva) e simplesmente
reproduzida conscientemente - ou seja, simplesmente
objetiva. Isso não significa também que a pessoa que está
aprendendo seja simplesmente entregue ao que a
história está ensinando a ele ou ela, mas que ocorre um
movimento de autoconhecimento, o qual pode ser
expresso por meio da narrativa histórica. (SCHMIDT,
2008, p. 82-83).

Assim, o aprendizado da história possibilita que os indivíduos deem


significado às suas experiências, se localizem no tempo e
interpretem ações e proponham transformações. Essa "coerência de
orientação" surgirá quando os indivíduos realizarem a autocrítica e a
autorreflexão, necessárias "... para perceber os limites que separam
sua própria identidade da alteridade dos demais". (RUSEN, 2007, p.
109). Para Rüsen
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

As carências de orientação no tempo são transformadas


em interesses precisos no conhecimento histórico na
medida em que são interpretadas como necessidades de
uma reflexão específica sobre o passado. Essa reflexão
específica reveste o passado do caráter de "história."
(RÜSEN, 2001, p. 31).

Sendo assim, não é apenas trazer o passado para o presente, mas sim
perceber que o passado contribui para as questões do presente,
através de uma autocritica, reflexão, nisto possibilita ter um passado
com caráter histórico, quando colocamos este passado a falar,
através de um interesse em conhecer o passado historicamente,
questionando-o, perguntando-o daí surge a carência de orientação.

Considerações finais

Durante vários anos do tempo a história nos revela que a sociedade


passa por alterações em todos os âmbitos, seja político, social,
econômico ou cultural. Estas alterações também fazem com que a
escola altere seu processo educativo com o objetivo de adequar-se às
556 novas demandas sociais. Isso também é válido para a produção do
conhecimento histórico.

Para tanto, nos dias atuais as pesquisas na área de Ensino de


História vem crescendo e desenvolvendo novas teorias em todo o
mundo. Dentre elas destacamos o trabalho desenvolvido por Jörn
Rüsen em que o mesmo reaproxima a História acadêmica com a
didática da História. Para tanto, a compreensão do ensino de
história dentro do ambiente escolar, é essencial estabelecer um
entendimento das ideias, consciência histórica, formação de
identidade dos jovens acerca dos usos da história.

Torna-se pertinente salientar que os alunos já possuem


uma experiência do passado, contudo é necessário
aproximar está experiência com a compreensão da vida
humana, logo os alunos só poderão agir e transformar
seu presente a partir de uma interpretação do passado,
lógico que não há outra forma de pensar consciência
histórica, pois ela é o local em que o passado é levada a
falar - e o passado só vem a falar quando questionado; e
a questão que o faz falar origina-se da carência de
orientação da vida prática atual diante das virulentas
experiências do tempo. (RÜSEN, 2001, p. 63).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Para isso o professor tem que ser um questionador propor aos


alunos um projeto educacional em que os mesmos tenham uma
reflexão crítica, não só no que se refere ao conteúdo de história em
si, mas a sua história de vida, de tal modo que eles percebam que
fazem parte de um todo, sendo não só um reflexo deste todo, mas
que eles podem interferir, mudar, questionar este todo em que
vivem.

Neste âmbito o ensino aprendizado tende a ser capaz de


problematizar as questões presentes no dia-a-dia, as quais implicam
perguntar, questionar ou recusar o que é imposto ou visto como
natural. Isso implica, também em descontruir ideias, discursos e
práticas hegemônicas que formatam nossos modos de existência,
seja dentro ou fora dos espaços escolares.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. 2004. Amor líquido: sobre a fragilidade


dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar.
RÜSEN, Jörn. 2001. Razão Histórica. Brasília: editora UnB.
_____. 2007. Reconstrução do Passado. Brasília: editora UnB. 557
_____. 2007a. História Viva. Brasília: editora UnB.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora M. S. 2008. Perspectiva da
consciência histórica e da aprendizagem em narrativas de jovens
brasileiros. Tempos históricos, V. 12 - 1º Semestre.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A COMUNIDADE EPISTÊMICA COMO ESPAÇO DE


PRODUÇÃO DE DISCURSOS E O LIVRO DIDÁTICO DE
HISTÓRIA

Roper Pires de Carvalho Filho

Introdução

O conjunto de pesquisas sobre o livro didático, inicialmente restrito


a focalizar o papel da ideologia nos manuais didáticos e a alguns
aspectos históricos da educação brasileira tem se adensado no
período recente, incorporando análises que buscam focalizá-lo em
diferentes contextos. Ele é abordado como objeto inserido no
contexto do processo de produção capitalista, que tem na indústria
cultural uma importante fonte de recursos econômicos e de difusão
de certa noção de cultura que circula entre os diversos segmentos
sociais envolvidos na sua produção e consumo; ou ainda como texto
impresso que veicula determinadas concepções teóricas.
558 Em estudos mais recentes, o livro didático também é analisado como
material pedagógico utilizado pelo professor nas práticas que
desenvolve com o objetivo de ensinar os alunos. Nesse sentido, o
livro didático é um produto genuíno da cultura escolar, pois é um
artefato pensado e materializado para atender às finalidades
precípuas da educação escolar. Ele é incorporado às rotinas
inerentes ao trabalho pedagógico do professor, e em alguns
contextos educativos sobressai como o mais importante suporte das
suas práticas, conformando a seleção dos conteúdos e métodos de
ensino.

De acordo com Chopin (2004), o livro apresenta características


únicas que o diferenciam das obras não didáticas: ele deve atender a
uma clientela específica: a escolar. Sendo assim, o LD precisa ter
uma linguagem (textual e gráfica) compreensível a essa clientela. No
Brasil, a escolha do LD é uma atribuição do professor, com base em
uma relação fornecida pelo INEP. Portanto, para conquistar a sua
confiança quanto à utilidade desse material pedagógico para o
processo ensino-aprendizagem, as editoras lançam mão de
estratégias agressivas: visitas dos representantes comerciais às
escolas e convite aos professores para participarem de palestras e
workshops com os autores das obras didáticas (Cassiano: 2003).
Quanto aos aspectos intrínsecos ao LD, para atender
POR UM OUTRO AMANHÃ

simultaneamente ao interesse do professor e do aluno, os textos,


ilustrações, atividades e exercícios do LD são "escolarizados", isto é,
passam por um arranjo que os torne adequados às exigências dos
primeiros e com um conteúdo acessível aos últimos.
O livro didático enquanto objeto de investigação é um campo de
estudos bastante diverso quanto às perspectivas de abordagem. No
entanto, uma questão tem recebido pouca atenção na pauta das
pesquisas referentes a esse campo: refiro-me à atuação de atores não
estatais, que por meio da atuação em diferentes espaços sociais -
muitas vezes com interesses contraditórios entre si - influenciam na
produção das políticas públicas. Esses atores sociais têm em comum
a destacada participação no seu campo de atuação, mediante a
divulgação e circulação das suas ideias, discursos e ações (Beraldo e
Oliveira, 2010), compondo o que vem sendo denominado por alguns
autores de comunidade epistêmica (Ball: 2001; Lopes, 2006).
Em relação à política educacional em nível nacional, em específico
ao que se relaciona aos processos de seleção do livro didático de
História destinado às escolas públicas brasileiras, concordo com a
premissa desses autores de que a comunidade epistêmica é formada
por pesquisadores desse campo do conhecimento e por docentes que
atuam nas instituições de ensino superior voltadas à formação dos
professores dessa disciplina para a educação básica. 559
A presença marcante dessa comunidade pode ser notada
principalmente por ocasião da sua participação nas comissões do
PNLD - Plano Nacional do Livro Didático - que objetivam definir os
critérios de seleção das coleções didáticas de História que irão
compor o catálogo do Ministério da Educação, a ser submetido à
apreciação dos professores da disciplina que atuam nas redes
públicas de ensino do nível básico em todo o território nacional.
Sem desconsiderar o fato de que essa escolha movimenta enormes
recursos econômicos e envolve na mesma teia as editoras e o
governo federal - as primeiras, disputando a hegemonia do mercado,
e o segundo, atuando como principal comprador das obras didáticas,
vale afirmar que para além da esfera propriamente econômica, nos
deparamos com disputas em torno de abordagens teóricas e
questões historiográficas, que comparecem de maneira explícita ou
difusa no PNLD.

Sendo assim, cabe perguntar até que ponto os critérios estabelecidos


pela comunidade epistêmica formada pelos pesquisadores do livro
didático de História e historiadores localizados na educação superior
se articula às práticas e aos processos de reconstrução histórica pelos
professores e alunos no cotidiano escolar, questão que não será
possível responder por completo, visto não constituir o escopo dessa
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

exposição. Por ora, tomando como base o PNLD 2013, contentar-


me-ei em aclarar alguns dos critérios que ele estabelece para a
seleção das coleções didáticas destinadas aos professores e alunos
das redes públicas de ensino do país, em que enfatizo a participação
da referida comunidade epistêmica.

O PNLD: Finalidades e critérios de seleção das coleções


didáticas de História

A importância atribuída ao livro didático para o desenvolvimento


das práticas educativas pode ser medida pelo alcance do Plano
Nacional do Livro Didático, o PNLD, programa criado e mantido
pelo Ministério da Educação. Esse programa tem por objetivo prover
as escolas públicas de ensino fundamental e médio com livros
didáticos e acervos de obras literárias, obras complementares e
dicionários, sendo executado em ciclos trienais alternados. Assim, a
cada ano o FNDE adquire e distribui livros para todos os alunos de
determinada etapa de ensino e repõe e complementa os livros
reutilizáveis para outras etapas. Para evitar algum imprevisto, a
escola deve selecionar duas coleções. Assim, se a primeira opção
selecionada não puder ser adquirida pelo PNLD, a escola receberá a
560 segunda.
(fonte: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-
didatico-apresentacao).

Outro objetivo do PNLD é orientar a seleção das coleções didáticas


pelos professores, sua aquisição nas editoras e a distribuição dessas
coleções para as escolas brasileiras. Essas orientações estão em
concordância com as recomendações do Parecer CNE/CEB 11/2010,
ao definir os processos de seleção e a forma de organização dos
conteúdos no planejamento curricular:

No primeiro caso, é preciso considerar a relevância dos conteúdos


selecionados para a vida dos alunos e para a continuidade de sua
trajetória escolar. É também de fundamental importância que os
conteúdos abordados respondam às demandas de um coletivo
discente cada vez mais diverso, assegurando a igualdade de acesso
ao conhecimento socialmente produzido. Em relação à organização
dos conteúdos, é necessário superar o caráter fragmentário das áreas
do conhecimento, integrando-as em currículo que possibilite tornar
os conhecimentos abordados mais significativos para os educandos e
favorecer a participação ativa de alunos com habilidades,
experiências de vida e interesses muito diferentes (Portal do FNDE:
Guia do Livro Didático 2013, p. 8).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Na seleção do livro didático, a presença de um ator: a


comunidade epistêmica

Antes de chegar à escola, as coleções didáticas são submetidas à


seleção prévia de avaliadores contratados pelo Ministério da
Educação - MEC, a fim de garantir que essas coleções atendam aos
parâmetros mínimos estabelecidos pelo PNLD. Somente depois de
passar por esse processo e receber parecer favorável, as coleções
didáticas podem ser adquiridas pelo MEC e enviadas às escolas.
A avaliação dos livros didáticos atende a princípios e critérios
conformes à legislação vigente: assim, as coleções didáticas de
História precisam, por exemplo, contemplar aspectos relacionados à
diversidade étnico-cultural, à questão da cidadania, "à coerência e
adequação da abordagem teórico-metodológica assumida pela
coleção, no que diz respeito à proposta didático-pedagógica
explicitada e aos objetivos visados, bem como à correção e
atualização de conceitos, informações e procedimentos" (Guia do
livro didático 2013, p. 12).

Em especial, os avaliadores manifestam preocupação com as obras


didáticas que apresentam erros factuais e cronológicos ou que
tratam de modo anacrônico e voluntarista, conceitos e fontes 561
específicos à produção histórica. Em relação a esses dois últimos
aspectos, considera-se:

O anacronismo consiste em atribuir razões ou


sentimentos gerados no presente aos agentes históricos
do passado, interpretando-se, assim, a História em
função de critérios inadequados, como se os atuais
fossem válidos para todas as épocas. Trata-se, com efeito,
de distorção grave, que compromete totalmente a
compreensão do processo histórico. O voluntarismo, por
sua vez, consiste em aplicar a documentos e textos uma
teoria a priori, em função do que se quer demonstrar.
Dessa forma, a escrita da História é utilizada apenas para
confirmar as explicações já existentes na mente da
autoria, que parte de convicções estabelecidas por
motivos ideológicos, religiosos ou pseudocientíficos.
Pode, ainda, originar-se da tentativa da aplicação de
teorias explicativas, tomadas acriticamente (PNLD
2013).

Se o trabalho dos avaliadores é a condição prévia evidente para que


coleção didática chegue às escolas, outro aspecto desse trabalho
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

permanece invisível: os avaliadores das coleções didáticas de


História têm como principal campo de atuação o ensino superior
como professores dos cursos de História. Eles fazem parte da
comunidade de historiadores, que tem na Associação Nacional de
História - a ANPUH - principal veículo de divulgação da produção
científica do campo e espaço de atuação política, que repercute as
posições dos historiadores em relação às questões acadêmicas e à
História escolar.

Como foi possível observar em estudo sobre a produção das


propostas curriculares (Carvalho Filho, 2015), a participação
hegemônica desse grupo na avaliação no PNLD, busca garantir que
os conceitos, princípios e maneiras de operar a reconstrução
histórica pela ciência de referência sejam observados nas coleções
didáticas, e ajude a nortear, via manual do professor, as práticas
docentes na escola básica.

A análise dos critérios que nortearam a escolha da comissão de


avaliadores das obras de História no PNLD permite apontar duas
importantes características: a primeira é a ênfase nos vínculos
desses profissionais com pesquisas ligadas ao livro didático e ao
562 ensino de História; a segunda se refere à importância atribuída aos
professores especialistas em histórias regionais e locais, o que se
reflete na composição da comissão, formada por professores
vinculados a instituições de ensino de todas as regiões do país. O
perfil dos professores convidados para compor a equipe de
avaliadores, informada no guia do PNLD, possibilita inferir que ela é
formada por historiadores com destacada atuação acadêmica. O
critério de escolha da equipe também evidencia o crescente interesse
despertado pelo tema "ensino de História" na comunidade
acadêmica, refletido na ampliação das linhas de pesquisas sobre o
tema nos programas de pós-graduação por todo o país, no aumento
da quantidade de trabalhos e na diversidade de temas propostos nos
encontros específicos da área, além de denotar a forte presença
desses profissionais nas questões educacionais.

A atuação dos historiadores-avaliadores pode ser caracterizada como


típica de uma comunidade epistêmica (BALL, 2001; LOPES, 2006),
em que profissionais de um determinado campo do conhecimento,
mediante diversas estratégias procuram manter ou ampliar a
hegemonia desse campo. No caso em questão, está em jogo a
preservação dos saberes canônicos da ciência de referência - a
História acadêmica - nos manuais didáticos, por meio da inclusão ou
POR UM OUTRO AMANHÃ

exclusão das obras que não se conformem aos critérios definidos no


guia do PNLD.

A formulação dos critérios utilizados pelo PNLD para a seleção das


coleções didáticas, além dos aspectos abarcados pela legislação,
também tem a ver com as disputas travadas pelos historiadores em
torno do espaço da História no currículo escolar, bem como o espaço
de determinada concepção de História nesse currículo e nas coleções
didáticas. Assim, a presença de grupo de historiadores vinculados a
determinada concepção de ensino e de História, nas esferas de
decisão relacionadas às políticas curriculares, e que se estende aos
processos de avaliação das obras didáticas, expressa a hegemonia
desse grupo nas discussões do campo.

A análise dos documentos curriculares e outros documentos oficiais


evidencia a presença de sujeitos e grupos que, em diferentes
momentos, atuaram com o objetivo de influenciar as disputas em
torno das políticas curriculares para a História ensinada nas escolas.
Tais disputas envolvem processos de negociações em que está em
jogo é o status de determinados saberes e disciplinas no arranjo
curricular. Nesse contexto,
563
Os textos oficiais são espaços privilegiados de
manifestação desses embates, dentro das comunidades
disciplinares, pois atuam como legitimadores do
conhecimento a ser ensinado, contando tanto com seus
significados simbólicos quanto práticos. Essas disputas
podem se estabelecer em torno da seleção de conteúdos,
da abordagem filosófica e de outros aspectos de ordem
prática como carga horária e distribuição de recursos
(ALVES, 2011, p. 29).

O emprego da metáfora "territórios em disputa" se presta para situar


o currículo e o livro didático como espaços sociais onde se trava o
jogo de forças em torno dos sentidos e significados pelo qual
determinada abordagem se torna hegemônica na área de
conhecimento, e de como isso se reflete no contexto de produção de
textos e orientações curriculares pelo poder central. Nesse sentido,
dada a dimensão dos interesses econômicos e disputas por prestígio
no âmbito acadêmico que envolve, o PNLD é um componente
fundamental dessas disputas.

Alves (op. cit.) informa que os últimos ciclos de avaliação


promovidos pelo PNLD têm se caracterizado pelo rigor dos
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

avaliadores em relação aos aspectos teórico-metodológicos e


conceituais das obras didáticas. A "transposição" desses aspectos
para o livro didático implica, por parte dos editores e autores,
referenciar-se nas orientações dos avaliadores, e por extensão, na
política curricular oficial, da qual o PNLD é um dos principais
instrumentos.

Nesse contexto, programas de aquisição de material didático como o


PNLD, "desempenhariam simultaneamente funções relacionadas: à
formação profissional dos professores e à configuração de matrizes
curriculares" (idem, p. 31), alem da evidenciar a relação assimétrica
entre o conhecimento acadêmico e o saber docente, com o
predomínio do primeiro.

No âmbito escolar, pela importância atribuída ao livro didático no


cotidiano de trabalho dos professores, a obra selecionada influencia,
em maior ou menor grau, o contexto das práticas, em que "as
definições curriculares são incorporadas e reinterpretadas para
constituir-se tanto na materialidade da obra produzida com a
finalidade de atender ao PNLD, quanto no uso efetivo que os
professores podem fazer destes livros, em suas salas de aula" (idem,
564 p. 29).

Referências

ALVES, Irene de Barcelos. Entre regulação e persuasão: a


política curricular para o livro didático de Geografia dos
anos iniciais do Ensino Fundamental no PNLD 2010.
Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: 2011.
BALL, Stephen J. Cidadania global, consumo e política educacional.
In: SILVA, Luiz Heron. A escola cidadã no contexto da
globalização, p. 121-137. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2001.
BERALDO, Tânia Maria Lima; OLIVEIRA, Ozerina Victor.
Comunidades epistêmicas e desafios da representação nas políticas
curriculares do curso de pedagogia. Revista Teias v. 11 * n. 22 * p.
113-132 * maio/agosto 2010.
CARVALHO FILHO, Roper Pires de. Currículo e ensino de
História em uma escola da rede municipal de São Paulo:
entre prescrições e práticas. Tese de doutorado. São Paulo:
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2015.
CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. Aspectos políticos e
econômicos da circulação do livro didático de História e suas
implicações curriculares. Revista História, São Paulo, v. 23, p. 33-
48: 2004. In:
POR UM OUTRO AMANHÃ

http://www.scielo.br/pdf/his/v23n1-2/a03v2312.pdf Acesso em
11/08/2010.
CHOPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas:
sobre o estado da arte. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 30,
n. 3, p. 549-566, set/dez. 2004.
LOPES, Alice Casimiro Currículo sem Fronteiras, v.6, n.2,
pp.33-52, Jul/Dez 2006 Discursos nas políticas de currículo.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Brasil.

565
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A HISTÓRIA ORAL COMO PONTO DE PARTIDA PARA


ABORDAGEM DAS MIGRAÇÕES EM RORAIMA

Rutemara Florêncio

Introdução

Este trabalho apresenta as atividades desenvolvidas na disciplina de


História em uma escola pública da cidade de Boa Vista, Roraima no
primeiro semestre de 2015 com alunos do Ensino Médio (1º ano).
Amparado na temática "História de Roraima", a proposta
metodológica é História Oral utilizada para compreender o processo
de migração no estado. Tanto o conteúdo quanto a metodologia de
pesquisa, já fazem parte dessa disciplina desde 2013 devido a
clientela escolar ser formada por migrantes ou filhos de migrantes.

A primeira parte do trabalho foi planejada a partir do ensino e


aprendizagem da História de Roraima sobre seus diversos aspectos:
econômico, social, cultural e político tendo como autores visitados
566 Aimberê Freitas (2009), Jaci Guilherme Vieira (2003), Carla
Monteiro de Souza e Raimunda Gomes Silva (2006). Nesses autores,
encontramos as informações necessárias para organizar as aulas
para o 9º ano, pois os mesmos são pesquisadores da História
roraimense e contribuem significativamente para a construção da
identidade do estado. Assim, os conteúdos sobre História de
Roraima foram discutidos no primeiro bimestre do ano letivo 2015.

Considerando que a ocupação mais efetiva do estado de Roraima é


um fenômeno recente e inserido no contexto do que Souza e Silva (p.
17, 2006) chamam de "modernização da Amazônia", Roraima
possui, segundo o IBGE (censo de 2010), 50% dos habitantes vindos
de fora do estado e os outros 50% nascidos em Roraima, dentre os
quais estão 90% dos alunos do EM da escola. Porém, 97% desses
mesmos alunos têm suas origens relacionadas aos migrantes que
ocuparam o estado a partir do processo migratório mais intenso em
meados dos anos 1970 a 1990 conforme constatamos a partir da
análise das fichas individuais dos alunos (os 3% restantes se
declaram indígenas).

O fluxo migratório intenso tem suas motivações específicas,


principalmente na necessidade política de ocupação da região e
também na busca por uma "vida melhor" como ressaltaram alguns
POR UM OUTRO AMANHÃ

dos migrantes entrevistados pelos alunos do EM. No entanto, para


que o projeto fosse levado a cabo, instituímos uma categorização de
motivos, segundo os quais os entrevistados deveriam se encaixar
para poderem participar do projeto. A categorização serviu para que
os alunos selecionassem perfis específicos de migrantes objetivando
delimitar os assuntos que seriam abordados nas entrevistas o que
facilitaria a construção das perguntas-chave sem fuga do tema sendo
organizadas da seguinte forma: migrantes que chegaram a Roraima
por causa do garimpo de minérios; migrantes que chegaram a
Roraima por motivo de concurso público; migrantes que chegaram a
Roraima em busca de terras para atividade agrícola e pecuária e
migrantes que vieram por motivos diversos (SOUZA & SILVA,
2005).

A procura por migrantes inseridos nas categorias já citadas


obedeceu a critérios já definidos historiograficamente e que, se
constituem como motivação para a entrada intensiva de pessoas de
diversas regiões do Brasil no solo roraimense a partir da década de
1970. É importante ressaltar que entre a década de 1970 e 1980,
segundo Diniz e Santos (2006) a população de Roraima duplicou.
Esse fenômeno de crescimento demográfico teve como mote as
migrações que continuaram regularmente até a década de 1990. 567
Considerando o intenso fluxo migratório para Roraima,
principalmente da região nordeste (Barros, 1994 apud Diniz; Santos,
2006), a maioria dos alunos do 1º ano EM envolvidos no projeto se
constitui como filhos de migrantes e por isso, mencionaram a
facilidade de entrevistar pais e outros familiares. No entanto,
orientamos que focassem a busca em pessoas que não fizessem parte
do círculo familiar por considerarmos que seria mais enriquecedor,
do ponto de vista do aprendizado, o contato com outras histórias por
eles desconhecidas. Também foram orientados a buscar migrantes
que chegaram a Roraima até o ano de 2005 dando um espaço de 10
anos entre a chegada e a pesquisa, pois consideramos que esse
tempo dá ao pesquisado uma experiência maior em relação a
mudança que fez saindo de seu estado de origem e vindo para
Roraima.

Apesar dos alunos acharem que seria mais difícil encontrar pessoas
que concordassem em participar da entrevista por não terem ligação
afetiva com eles, das 20 duplas de alunos envolvidos no projeto,
cerca de 14 (catorze) duplas obtiveram êxito fora do ambiente
familiar conseguindo entrevistar pessoas não ligadas aos mesmos.
Porém, 6 (seis) duplas, não tendo encontrado pessoas fora do
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ambiente familiar, fizeram a pesquisa com seus pais e parentes


próximos.

As orientações sobre o modo de construção da pesquisa foram dadas


em três oficinas, já no primeiro bimestre sendo que a primeira foi
sobre a temática e importância da história oral como forma de se
conhecer a história social, a história de cada um que no conjunto
acaba se identificando com a história dos outros (THOMPSON,
1992).

Dessa forma, os alunos do ensino médio, ao juntarem as "memórias"


de cada migrante, poderiam no conjunto observar as semelhanças e
diferenças existentes entre elas além das representações coletivas
tanto sobre a mudança que essas pessoas experimentaram quanto
pelos motivos que os trouxeram a Roraima.

Posteriormente as outras oficinas foram sobre a escolha dos


pesquisados, a construção das perguntas, a forma de
posicionamento do pesquisador ante seu pesquisado, os recursos
utilizados para a pesquisa e a transcrição da entrevista. É importante
ressaltar que o recurso mais utilizado para a entrevista foi o celular
568 com gravador de voz e que substituiu o gravador individual.

A História Oral como metodologia de pesquisa sobre


migrações em Roraima

As fontes orais se constituem como elementos indispensáveis na


construção da narrativa histórica contemporânea já que procuram
reconstituir um tipo de "memória recente" pertencente a
entrevistados que participaram do fato ou que foram testemunhas
desse fato (ALBERTI, 1989:4). Ao serem testemunhas ou atores do
fato histórico, os entrevistados usam a oralidade como forma de
expressão para contar suas "histórias" as quais estão inseridas em
um contexto social, econômico, político e cultural. Além disso, a
memória a qual recorrem é uma memória permeada por elementos
coletivos uma vez que a pessoa está inserida em grupos sociais e com
eles dialoga, interage e troca experiências.

O uso do método da história oral permite que os indivíduos que se


constituem como fontes possam compartilhar suas vivencias e
experiências através da memória e por isso, contribuem para a
construção de uma história coletiva que pertence não apenas a ele,
mas a um grupo. Dessa forma, utilizar a história oral para construir
a história dos migrantes, possibilitou aos alunos do EM entrar em
POR UM OUTRO AMANHÃ

contato com uma história que também lhes é familiar, que faz parte
da identidade do roraimense o qual é fruto de um fenômeno
histórico: as migrações.

A abordagem do fenômeno migratório na história de Roraima


através da metodologia da história oral no EM (1º ano) permitiu aos
alunos não apenas conhecer a narrativa dos historiadores sobre a
ocupação do estado, mas a dinâmica do próprio agente histórico ao
buscarem os entrevistados e realizarem as pesquisas. A experiência
de se sentirem, por alguns momentos, como os construtores do
conhecimento histórico (guardadas as devidas limitações da ação
devido a modalidade educacional que pertencem) promoveu uma
reflexão sobre a importância da história para o entendimento da
sociedade humana onde passado e presente se relacionam
dialeticamente.

Alguns resultados da Pesquisa

Com a finalidade de compor esse trabalho, escolhemos oito


entrevistas (das 20 transcritas) feitas pelos alunos do EM 1º ano
sendo 05 mulheres e 03 homens. Antes de saírem a campo (munidos
de seus celulares com gravador) e já tendo combinado 569
antecipadamente com os indivíduos pesquisados o dia e a hora da
entrevista, os alunos do EM elaboraram dez perguntas-chave para
fazer aos seus entrevistados as quais foram corrigidas pela
professora da disciplina de História. Orientados para que o teor da
entrevista fosse direcionado a questões relacionadas à mudança de
estado, motivação da mudança e a vida em Roraima, as perguntas
que cada dupla compôs ficaram parecidas no contexto geral,
possibilitando que na análise das falas dos entrevistados pudessem
observar semelhanças entre as histórias dos migrantes.

As 20 entrevistas transcritas mostram que 50% dos entrevistados


vieram do Maranhão comprovando estudos já realizados por Diniz e
Santos (2006) que mostram esse estado como aquele que mais
cedeu população para Roraima. Em segundo lugar, o estado do Pará
é o lugar de origem dos migrantes: 5. A região sul aparece na origem
de um entrevistado, confirmando dados da PNAD 2013 que mostra
essa região como aquela que menos cede população para outros
estados. Como motivos, a questão econômica se sobressai sobre
outras em relação a 80% dos entrevistados.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Considerações Finais

Quando decidimos trabalhar a temática migração na história de


Roraima para o ensino médio e para tanto, usar como metodologia
de pesquisa a História Oral, o fizemos devido a importância que o
migrante possui para a existência desse estado. Se não fosse pelo
migrante, Roraima não teria o quantitativo populacional que tem
apesar de ser o estado com menor população do Brasil. Ao adquirir o
status de "estado" Roraima passou a ter um contingente burocrático
que serviu aos interesses de povoamento além de promover o
crescimento da região.

No contexto da região amazônica, o migrante é decisivo para a


construção histórica da mesma intensificada justamente no início do
século XX. No solo roraimense a ocupação da terra se deu tanto pela
Igreja catequizadora inicialmente quanto pelo migrante povoador de
forma mais intensa no século XX. A concessão de terras facilitou o
povoamento e arregimentou pessoas, principalmente da região
nordeste do Brasil para vir povoar essas terras longínquas e
inexploradas até então. O fato de serem nordestinos os principais
povoadores dos estados da região norte se justifica pela situação
570 econômica da região Nordeste, marcada pela seca, pela falta de
condições estruturais na economia, entre outros fatores que forçam
a migração para outras regiões do Brasil.

Ter o povoamento de Roraima como uma necessidade é algo


conhecido na história de Roraima. Lobo D´Almada, por exemplo, foi
encarregado pela Coroa Portuguesa de introduzir a pecuária na
região a fim de atrair pessoas para o local (VIEIRA, 2011:141). Para
Aimberê Freitas (2009) as fortes estiagens que assolam o agreste
nordestino foram decisivos para saída de pessoas daquela região
para Roraima, seguida pelo garimpo nos anos 1990. Atualmente
temos presenciado a chegada de agricultores do sul do Brasil
motivados pela disponibilidade de grandes extensões de terras que
estão sendo ocupadas pela produção de soja em larga escala.

Para os alunos do ensino médio é importante observarem o processo


de ocupação das terras roraimenses e a diversidade cultural que
norteia as práticas e valores da população. Conhecendo a história
local e refletindo sobre ela através da disciplina de história, poderão
exercer a cidadania, agir politicamente e respeitar a diversidade
cultural que é o âmago da sociedade roraimense.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Referências

ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de


Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1990.
ALMEIDA. Marcelo Mendes; SILVA. Paulo Rogério de Freitas. A
Distribuição Espacial da População de Boa Vista:
Diferenças Internas nas Quatro Zonas Urbanas. Trabalho
apresentado a 61º reunião da SBPC. Manaus, 2009
BALTAR. Paulo Eduardo de Andrade: A Abertura da Economia
e Emprego nos anos 90.
Disponível em
http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/1996/T96V1A17
.pdf acesso em 09/09/2015.
DINIZ. Alexandre M A; SANTOS. Reinaldo Onofre dos. Fluxos
Migratórios e Formação da Rede Urbana de Roraima.
Disponível em
http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2
006_345.pdf acesso em 08 de setembro de 2015.
FREITAS, Aimbere. História e Geografia de Roraima. Ed. LM,
7ª ed. 2009
MATOS. Júlia Silveira; SENNA. Adriana Kivanski. História Oral
como Fonte: Problemas e Métodos. Historia Rio Grande, 2 (1): 95- 571
108, 2011
THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra,
1992.
VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios
em Roraima: a disputa pela terra 1777-1980 (Tese de
Doutorado em História) UFPE, Recife, 2003.
VIEIRA, Jaci Guilherme. Resenha de SANTOS, Odair J. História
geral de Roraima. Boa Vista: Ed. UFRR, 2011. Revista, Textos e
Debates, Boa Vista, n.18, p. 139-146.
SOUZA. Carla Monteiro de; SILVA, Raimunda Gomes da. (org.)
Migrantes e Migrações em Boa Vista: Os bairros Senador
Hélio Campos, Raiar do Sol e Cauamé. 1ª ed., Ed. UFRR, Boa
Vista, 2006.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

FEMINISMO E APRENDIZAGEM DE GÊNERO NOS


MANUAIS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA

Samanta Botini dos Santos

O presente trabalho é parte do Projeto Institucional de bolsas de


Iniciação Científica (PIBIC) que tem por objetivo selecionar e
analisar manuais didáticos de História buscando compreender a
dinâmica que permeia o conflito e a importância da luta das
mulheres, utilizando do recorte histórico em dois momentos: o
século XIX e a década de 60. A pesquisa parte da preocupação da
ausência de uma narrativa que se atente a discussão de gênero e a
história das mulheres. Busca-se através da análise dos manuais
didáticos observar quais são as narrativas dentro da sala de aula e
quais as possibilidades de inserção de uma narrativa que contemple
a luta das mulheres e seus desdobramentos, para que fomente um
debate acerca do gênero.
572 O livro didático é um instrumento de trabalho do professor que
realiza o intermédio entre professor e aluno e está presente na vida
escolar há mais de dois séculos. No século XVII o livro didático veio
para atender a uma proposta de se ensinar o maior numero de
alunos ao mesmo tempo, e se tornou também auxiliar do
planejamento do professor e instrumento de controle de conteúdos,
que implicam na diminuição da subjetividade (cfme. MORENO,
2012).

Além dessa relação entre professor e aluno dentro de sala de aula, o


livro didático passou a ser estudado recentemente, estudos
considerando o livro didático como objeto histórico datam, no
Brasil, da década de 1980.

Apesar de alguns movimentos anteriores, no Brasil, é nos finais da


década de 1970 e, especialmente, no início dos anos 1980 que temos
a publicação de obras de maior impacto que se dedicaram à análise
de conteúdo dos manuais didáticos. Neste primeiro momento, o
predomínio será da crítica ideológica dos conteúdos (MORENO,
2012).

Especialmente no contexto europeu, a partir da segunda metade do


século XX, desenvolvem-se estudos críticos sobre os conteúdos
POR UM OUTRO AMANHÃ

abordados nos livros didáticos, conteúdos esses que traziam consigo


um grande teor de preconceito e visões estereotipadas sobre grupos
e populações, e devido ao contexto pós Segunda Guerra Mundial,
pode-se perceber a influência que o Estado teve, buscando evitar
qualquer manifestação que pudesse gerar sérios conflitos entre os
povos (BITTENCOURT, 2005 p.300).

Dentre as relações que envolvem o livro didático, para a realização


de sua análise, é preciso considerar diversos fatores que perpassam o
material físico já pronto. Nesse sentido, deve-se levar em
consideração na constituição do livro didático, primeiramente o
Estado, suas políticas públicas, currículos e avaliadores (como por
exemplo, o Plano Nacional do Livro Didático, que a partir do
Decreto 9.154 de 1/8/1985 estabeleceu o fluxo regular de recursos
para aquisição e distribuição de livros didáticos por todo o país)
depois a Editora, que engloba a autoria e a relação de mercado,
passando pelos professores e por último até a opinião pública,
formada por país, alunos, imprensa e poder político (cfme.
MORENO, 2012.p.727).

Além de toda essa dinâmica empreendida na elaboração dos livros


didáticos, Circe Bittencourt nos alerta para compreendermos o livro 573
didático

"como produto cultural fabricado por técnicos que


determinam seus aspectos materiais, o livro didático
caracteriza-se, nessa dimensão material, por ser uma
mercadoria ligada ao mundo editorial e à lógica da
indústria cultural do sistema capitalista"
(BITTENCOURT, 2012.p. 301).

Na dinâmica escolar, espaço onde o livro didático circula, pode-se


perceber diversas maneiras de se utilizar o manual, o que pode nos
levar a refletir sobre como esses livros didáticos são trabalhados,
mas acima de tudo como as representações que fazem parte desse
material estão implicando na vida desses alunos que os utilizam.
Portanto, analisando a trajetória do livro didático pode-se observar
que esse material é investigado por seu conteúdo, contendo suas
imagens e textos, mas também pelas suas representações.
Busca-se compreender as representações desenvolvidas no livro
didático acerca do Movimento Feminista, enquanto organização,
separados em dois momentos: o século XIX e a década de 60.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O que as pessoas dos movimentos feministas estavam questionando


era justamente que o universal, em nossa sociedade, é masculino, e
que elas não se sentiam incluídas quando eram nomeadas pelo
masculino. Assim, o que o movimento reivindicava o fazia em nome
da "Mulher", e não do "Homem", mostrando que o "homem
universal" não incluía as questões que eram específicas da "mulher".
Como exemplos podemos citar: o direito de "ter filhos quando
quiser, se quiser" -, a luta contra a violência doméstica, a
reivindicação de que as tarefas do lar deveriam ser divididas, enfim,
era em nome da "diferença", em relação ao "homem" - aqui pensado
como ser universal, masculino, que a categoria "Mulher", era
reivindicada (PEDRO, 2005 p.80).

O Movimento Feminista

Nesta classificação, o feminismo de "primeira onda" começa no


século XIX e vai até o início do século XX, com um momento de
efervescência nos debates relacionados aos direitos das mulheres no
Reino Unido e nos Estados Unidos. As mulheres que fizeram parte
desse movimento foram chamadas de "sufragettes" e lutavam não
somente pelo direito de votar, mas, paralelamente,por autonomia
574 feminina em todas as esferas sociais.O movimento do século XIX
tinha como objetivo debater quais eram as posturas adotadas por
uma mulher emancipada, tendo, como intenção formar outra
identidade feminina que se contrapusesse àquela imposta
socialmente.

A luta pelo direito ao sufrágio feminino foi uma das manifestações


coletivas que mais geraram polêmicas na época em questão.
Mulheres saindo às ruas e exigindo uma maior participação no
mundo político - território exclusivamente masculino - foi recebido
por muitos políticos e pela imprensa em geral, com risos e calúnias.
Imagens denegrindo o movimento foram tão fortes que, até hoje,
perpassam o imaginário popular quando se fala em sufragistas e
feministas. "Mulhereshomens, solteironas, velhacas, mulheres
rancorosas e sem amor, esses e outros estereótipos passaram a servir
de epítetos para descrever tais mulheres" (KARAWEJCZYK,2013).

A partir dos anos 60 entra também no cenário da análise histórica a


categoria "gênero", que permitiu que pesquisadores da área
conseguissem focar nas relações entre homens e mulheres,
analisando os momentos do passado e as tensões e os
acontecimentos foram produtores de gênero (cfme. PEDRO,2005 p
.88)
POR UM OUTRO AMANHÃ

A "segunda onda", que seria um processo de continuidade dentro do


movimento feminista, deu-se entre a década de 1960 e a década de
1980. A Segunda Onda do Movimento Feminista continua,
novamente, mais forte na Europa e nos Estados Unidos. Esse
período passa pela Guerra do Vietnã, o surgimento do Movimento
Hippie e o Maio de 68. Esses movimentos vieram para contestar a
sociedade vigente, pedir mudanças na educação e pelo fim da guerra.
O feminismo de Segunda Onda traz uma pauta diferenciada em
relação ao movimento anterior, especialmente no que diz respeito à
luta pelo direito ao corpo, ao prazer, contra o patriarcado. A pílula
anticoncepcional, surgida nessa época, contribui para que haja uma
separação da procriação e do prazer, contestando assim o papel que
durante séculos foi atribuído à mulher.

O feminismo chamado de "segunda onda" surgiu depois


da Segunda Guerra Mundial, e deu prioridade às lutas
pelo direito ao corpo, ao prazer, e contra o patriarcado -
entendido como o poder dos homens na subordinação
das mulheres (PEDRO,2005 p.77).

O feminismo nos livros didáticos, como objeto de pesquisa, 575


proporciona que a aprendizagem acerca das lutas travadas e
enfrentadas por mulheres em diferentes contextos históricos seja
produtor de conhecimento do processo de luta das mulheres.
A presente pesquisa busca, através das reflexões sobre a luta do
movimento feminista, ser um potencial gerador de empoderamento
de meninas/ mulheres. Esse empoderamento deve ser através do
reconhecimento da movimentação da população feminina a cerca
dos seus direitos e contra a subordinação imposta sob a sociedade
patriarcal.

No livro didático, objeto que faz parte do cotidiano escolar, possuir


esse movimento histórico para possibilitar a reflexão, a discussão e a
desconstrução de estereótipos. Essas reflexões contribuem para uma
educação que forma cidadãos, que convivam harmoniosamente em
sociedade compreendendo seu espaço no mundo, assim como as
possibilidades de ser um agente transformador.

Referências

BITTENCOURT, Circe. Ensino de história: fundamentos e


métodos. 4. ed São Paulo: Cortez, 2012.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

KARAWEJCZYK, M. As sufraggettes e a luta pelo voto feminino.


História, imagem e narrativas. n.17, p.1-24, Local?, out/2013.
LOURO, Guacira Lopes. A construção escolar das diferenças. In:
_______ Gênero, Sexualidade e educação: uma
perspectiva pós-estruturalista. 8ª Edição. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1997. p. 57-87.
MORENO, Jean Carlos. Limites, escolhas e expectativas: horizontes
metodológicos para análise dos livros didáticos de história.
ATÍSESES,v. 5, n. 10, p. 717-740, jul./dez. 2012.
PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria
gênero na pesquisa histórica. História. São Paulo, v. 24, n. 1, 2005.
p. 77-98.
RÜSEN, J. Aprendizagem histórica: esboço de uma teoria. In:
_____.Aprendizagem histórica: fundamentos e
paradigmas. Curitiba: W.A. Editores, 2011. p. 69-112
SCOTT, Joan. História das Mulheres. In: BURKE, Peter (Org.). A
escrita da História: novas perspectivas. Tradução de Magda
Lopes. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 65-98.
TOSCANO, Moema. Estereótipos sexuais na educação: Um
manual para o educador. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
576
POR UM OUTRO AMANHÃ

IMAGINÁRIO SOCIAL E LITERACIA NA EDUCAÇÃO


HISTÓRICA

Samara Elisana Nicareta


Valter André Jonathan Osvaldo Abbeg

A busca por explicações sobre nossa realidade complexa torna-se


impiedosa a produção de sentido, de identidade, de laços; que
permitam não apenas assentar as bases sociais, mas consolidar as
diferentes dimensões da subjetividade. Nossos dias atuais, a
crescente discussão sobre os sentidos da própria história, seus
vieses, suas abordagens, seus materiais, signos, confrontam-se com
a lógica capitalista, com a segregação de valores tradicionais, com o
contexto escolar pauperizado por políticas educacionais cada vez
mais minimalistas, Ocorre uma crescente indagação sobre os atores
sociais, suas práticas e como adquirem consciência de seus atos.
Assim, adentramos num campo de educação histórica cada vez mais
problemático, onde as batalhas são travadas no plano crítico do
próprio conhecimento histórico, da consciência histórica. Este
estudo visa contribuir com este debate ao delinear algumas 577
aproximações entre concepções do imaginário social e a perspectiva
de literacia história. Reconhecemos que...

"Os estudos desenvolvidos não são [devem ser] nem


especulativos, prescritivos, nem impressionistas. Devem
seguir uma metodologia científica e analisam
desempenhos concretos de alunos, em tarefas
cuidadosamente desenhadas, com materiais históricos e
instrumentos de inquérito." (BARCA, 2001, p.20)

Antevemos assim exigências lógicas de determinado conhecimento


histórico, não enciclopédico, uma vez que se reconhece uma ação
histórica consciente. Condizente com este pensamento, tem-se o
pressuposto do imaginário enquanto uma construção histórica
determinante das relações simbólicas, recaindo na rotina, no
cotidiano das relações sociais, implicando numa perspectiva que
ultrapassa os limites da própria história. Uma relação simbólica que
não surge numa justaposição do concreto sobre o imaginário, mas,
incide sobre as relações concretas de forma coletiva, tomando vida
própria, uma continuidade singular no tempo e no espaço.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Ao reconhecer que cada momento histórico é permeado por uma


atmosfera própria, formas de pensar e organizar a sociedade, cultura
social, política e econômica são tecidas, se entrelaçam para formar o
corpo social ou o imaginário social. Segundo Veyne: "'Imaginário'
não é um termo de psicólogo ou de antropólogo, diferentemente de
'imagem', mas um julgamento dogmático sobre certas crenças de
outrem." (1984, p.103-4). O ato de pensar sobre o passado, suas
crenças, costumes, cotidiano irrompem como julgamentos, verdades
que foram construídas sobre a égide de serem únicas, onipotentes,
numa congregação analógica. Dessa forma, essa construção sobre o
imaginário partindo da verdade se constitui como objeto histórico
concreto, se materializa nas relações sociais. Torna-se vivo e
constante nas diferentes relações cotidianas, torna-se político,
recorrente nas diferentes relações de poder.

"O domínio do imaginário não se limita a isso: a política,


queremos dizer, as práticas políticas e não apenas as
pretensas ideologias, possuem a arbitrária e a
esmagadora inércia dos programas estabelecidos; a
"parte oculta do iceberg" político da cidade antiga durou
quase tanto quanto o mito; sob a ampla roupagem
578 pseudoclássica com a qual nosso racionalismo
banalizador a envolve, teve delineamentos estranhos que
só a ela pertencem." (VEYNE, 1984, p.133)

As acepções do imaginário transcendem para a realidade,


transbordam para a política, manifestam-se nas instituições, e
torna-se imbricadas nas histórias particulares; um difuso na
memória das pessoas, este imaginário não pode ser recusado, tal
como um pressentimento secreto, substitui a verdade e a realidade,
Trata de uma acepção absoluta da verdade envolta pela
"fabulação".(VEYNE, 1984, p.130) Desta forma, as construções
imaginárias representam a realidade não de um ponto de vista, mas,
como própria aceitação da verdade. Compreendendo que a vida em
sociedade é uma constante construção histórica, uma alternância de
ideologias; um derrubar constante de verdades alcunhadas
supremas ou intransponíveis enveredam um constante diálogo
social.

Poderíamos considerar que o imaginário, a princípio não é nem bom


ou ruim, pois, evidencia uma disputa para legitimar uma verdade
que se torna hegemônica na memória e na história das pessoas. Esse
conjunto de ideias, esse imaginário conduzem e regulam o tecido
social.
POR UM OUTRO AMANHÃ

"Não existe oposição entre verdade e a ficção que apareça


como secundária e histórica; a distinção entre o
imaginário e o real não o é menos. As concepções menos
absolutas da verdade como simples idéia reguladora,
ideal da pesquisa, não podem servir de escusa à
amplitude que assumem nossos palácios de imaginação,
que têm a espontaneidade das produções naturais e não
são provavelmente nem verdadeiros nem falsos. Eles
também não são funcionais e não são todos perfeitos;
têm ao menos um valor muito raramente mencionado,
do qual não falamos senão quando não sabemos dizer
exatamente qual é o interesse de uma coisa: elas são
interessantes." (VEYNE, 1984, p.139)

Em função de um imaginário ou de visões de mundo, sociedades são


construídas ou desintegradas, as percepções não são vazias de
conteúdo ou de propósitos, o imaginário ficcional se materializa,
forma e deforma a realidade. O ambiente cultural se camufla ou faz
mimetismo dessa construção de forma espontânea, já não se sabe
mais o que é verdade ou fantasia, aquilo que está posto fora do
cotidiano, fora de uma regularidade social passa a ter um valor 579
social. Agrega formas diferenciadas de perceber a atmosfera social,
são atrativos constantes na busca pela coerência, pela verdade. Neste
sentido, são fixadas como padrão, como forma de padronizar
modelos sociais, podem ser materializadas, como nas obras de arte.
Partem de uma imagem, que está claramente materializada na
sociedade pelo autor, mesmo de forma subjetiva e passam ao ser
interpretadas, reelaboradas e revisitadas por outro interlocutor,
ganhando novo sentido, uma nova objetividade.

"As imagens estéticas não se deixam nem traduzir


validamente para conceitos, nem também são
<<reais>>; não existe nenhuma imago sem imaginário;
possuem a sua realidade no seu conteúdo histórico, não
há que hipostasiar as imagens, mesmo quando são
históricas. - As imagens estéticas não são algo de imóvel,
invariantes arcaicas: as obras de arte tornam-se imagens
por processos, que nelas se petrificam em objectividade,
falarem por si mesmos." (ADORNO, 2013, p. 103-4)

A imagem, sua simbolização conquista espaço no imaginário, pois


revê e inverte os valores da sociedade ao transmiti-los na forma
material e social. A imagem se consolida no imaginário pela sua
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

forma, seu espaço e tempo; tornam-se objetos e objetivas em si


mesma; representam o imaginário e criam seu próprio imaginário ao
se materializarem.

Entre estes "antagonismos realmente inconciliados não se deixam


conciliar mesmo no imaginário; actuam no interior da imaginação e
reproduzem-se na sua própria incoerência proporcionalmente ao
grau com que insistem na sua coerência." (ADORNO, 2013, p.193) A
materialização da imagem, representa a materialização de seu
imaginário, de seu simbolismo, confrontando os demais elementos
sociais. A imagem antes meramente estética, torna-se política,
coloca-se numa determinada posição de representar e incidir poder
sobre os outros.

Nossa percepção de mundo é moldado pelas imagens, por um


conjunto imaginário anterior a nossa existência. Formas, cores,
padrões estéticos, nuances irão compor nossa história social,
traduzindo hábitos, sentidos e costumes. Enxergamos o mundo
como um espectador, primeiro conhecemos, depois interpretamos
para posteriormente traçarmos nossas construções, portanto, nossas
interpretações, concepções, são formadas a partir do já posto,
580 conhecido. O que a princípio era mera visão abstrata ganha
contornos práticos e determinados.

"Sempre seguindo o mesmo fio imaginário, é claro que


esse espectador jamais tem, com as imagens que olha,
uma relação abstrata, "pura", separada de toda realidade
concreta. Ao contrário, a visão efetiva das imagens
realiza-se em um contexto multiplamente determinado:
contexto social, contexto institucional, contexto técnico,
contexto ideológico. É o conjunto desses fatores
"situacionais", se assim se pode dizer, fatores que
regulam a relação do espectador com a imagem, que
chamaremos de dispositivo." (AUMONT, 1993, p.15)

Constantemente e de forma efetiva, planificada as imagens formam


o universo social, determinam a institucionalização, a técnica e a
ideologia que servirá de espectro. Criam dispositivos próprios que
regulam a relação entre espectador e imagem. Imprimem
condicionantes, arquitetam ações que determinarão o tipo de
sociedade, de indivíduos e de instrumentos que servirão de
dispositivos controladores. A criação deste imaginário muitas vezes
suplanta a representação de realidade que está presente. "A noção de
impressão de realidade, a de efeito do real mostram, pelo próprio
POR UM OUTRO AMANHÃ

vocabulário, a dificuldade da questão. Em um e outro casos, trata-se


de sublinhar o fato de que, em sua relação com a imagem, o
espectador acredita ate certo ponto na realidade do mundo
imaginário representado na imagem." (AUMONT, 1993, p.112). O
idealizável, formulado inicialmente na esfera mental ultrapassa as
fronteiras do pensamento, da capacidade criativa para ganhar o
mundo exterior.

Ao formatar ou delinear seus estudos a partir de um imaginário, de


um simbolismo, o estudante busca uma significação, intervêm e
determina um universo múltiplo, articula vários elementos para
alcançar seus objetivos. Abusa das formas, conforma e deforma a
imagem proposta, pois ..."Certamente, sozinha, uma imagem não
constitui o imaginário, mas o imaginário não pode ser descrito sem
essa imagem, por mais frágil ou solitária que ela seja, sem o isto,
indestrutível, dessa imagem." (BARTHES, 2007, p.222) Assim, o
imaginário depende do contexto e do sujeito, e a partir desta relação,
"...as imagens que o sujeito encontra depois vem nutrir
dialeticamente seu imaginário: o sujeito faz funcionar, gracas a elas,
o registro identificador e o dos objetos, mas inversamente só pode
apreendê-los com base nas identificações já operadas. (AUMONT,
1993, p.119). O imaginário torna-se social, apresentável, passível de 581
análise a partir destas identificações, ultrapassando a significação
prevista ou esperada de seu criador.

Desta forma, a perspectiva do imaginário social preenche lacunas


para o aprendizado histórico, concebendo um sistema de
representações simbólicas no qual o próprio sujeito da história está
inserido. Compreendendo que...enquanto perspectiva na literacia
histórica, ao instrumentalizar o aprendizado histórico, fomentando
uma consciência e tomada de identidade por parte do estudante,
criando uma capacidade de lidar com o tempo e com os processos
históricos de forma crítica. As histórias "...não podem ser tratadas
como um acúmulo de eventos" (LEE, 2006, p.134)

Como reconhecimento da própria história e suas "Um conceito de


literacia histórica demanda ir além disso ao começar a pensar
seriamente sobre o tipo de substância que a orientação necessita e o
que as compreensões disciplinares devem sustentar naquela
orientação." (LEE, 2006, p.148). Esta substância incide sobre a
própria necessidade de reconhecer a dependência entre os processos
de significação tanto da imagem quanto do imaginário, pertinentes
ao sujeito e suas diferentes categorias. A literacia enquanto processo
educativo ganha contornos específicos no limiar da consciência
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

histórica, semelhante ao próprio conceito de letramento aproxima o


sujeito do objeto histórico, lhe fornece sentido, interpretação. A
história assim se constituí de fragmentos num sentido específico
interpretado pelo sujeito, constituí um imaginário acerca de
determinada realidade, que é social e concreto nas relações
históricas produzidas.

Mapeando a relação entre imaginário e o conceito de literacia


histórica, acreditamos ser possível, partindo de uma apropriação
histórica, uma busca por elementos identitários, de origens, a
construção de signos que estão presentes tanto no imaginário social
quanto concretizados de formas variadas, compondo e articulando
padrões, modelos ou representações que serão arquitetadas para a
formação de uma identidade, de uma certa forma de ver e
interpretar a sociedade, a História e suas relações num enlace entre
passado e futuro.

Referências

ADORNO, T.W. Teoria Estética. Lisboa: Edições 70, 2013.


AUMONT, J. A imagem. Campinas: Papirus, 1993.
582 BARTHES, R. Crítica e verdade. São Paulo: Perspectiva, 2007.
BURKE, P. A revolução francesa da historiografia: a Escola
de Annales (1929-1989). São Paulo: Editora da UNESP, 1992.
CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
CHARTIER, R. O mundo como representação. Estudos
Avançados, São Paulo, vol.5, n.11, pp. 173-191, 1991.
LE GOFF, J. História e memória. Campinas: Editora da
Unicamp, 1990.
LEE, P. Em direção a um conceito de literacia histórica. Educar,
Curitiba, Especial, p. 131-150, 2006.
RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: teoria da história:
fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001.
VEYNE, P. Acreditavam os gregos em seus mitos? São Paulo:
Editora Brasiliense, 1984.
POR UM OUTRO AMANHÃ

REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE


HISTÓRIA LOCAL

Simoniely Kovalczuk

No passado, a história foi usada para legitimar a união política da


nação, sendo a ela atribuída a importante tarefa de forjar uma
identidade comum a todos. Contudo, o suceder do tempo exigiu
novas necessidades. Atualmente, reflete Caimi (2010) historiadores,
pesquisadores de ensino e professores têm defendido uma história
que vem em contraponto ao fazer historiográfico dito tradicional. As
novas demandas de história dão a ela um papel de orientar os
sujeitos a pensarem historicamente, gerando uma consciência
histórica, dando um sentido prático a essa disciplina,
compreendendo as situações reais da vida cotidiana e do seu tempo.
É resultado de uma mudança na estrutura da história, passando a
valorizar novos sujeitos, espaços e novas temporalidades.

Dessa forma, para garantir que as novas demandas sejam sanadas, é


necessário o amadurecimento do uso da história local. O ensino de 583
história local se dá no cotidiano, no espaço próximo e traz a tona
lembranças e particularidades de sujeitos históricos que passavam
despercebidos no panorama da macro-história. Assim, optar por
esse viés não é diminuir a história, restringir as fontes, ao contrário,
é um espaço promissor, onde a história está nas notas dos jornais, na
arquitetura da Igreja, nas histórias que só existem quando
lembradas. Para o professor, a ausência de fontes escritas dificulta,
mas não limita, pois a pesquisa deve estar sempre presente na
prática educacional.

A história local costura ambientes intelectuais, ações políticas e


processos econômicos que enlaçam o local, regional, nacional e
quiçá global. Para Nikitiuk (2002), pensar um estudo sobre a
história local significa analisar uma singularidade na totalidade. Em
um movimento de dialética entre o micro e a macro-história.

Para o uso da história local do ensino da História, Schmidt e Cainelli


(2004, p.112) afirmam ser necessário observar duas questões:

Em primeiro lugar, é importante observar que uma


realidade local não contém, em si mesma, a chave de sua
própria explicação, pois os problemas culturais, políticos,
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

econômicos e sociais de uma localidade explicam-se,


também, pela relação com outras localidades, outros
países e, até mesmo, por processos históricos mais
amplos. Em segundo lugar, ao propor o ensino de
história local como indicador da construção de
identidade, não se pode esquecer de que, no atual
processo de mundialização, é importante que a
construção de identidade tenha marcos de referência
relacionais, que dever ser conhecidos e situados, como o
local, o nacional, o latino-americano, o ocidental e o
mundial.

Contudo, cabe uma ressalva, um professor formado em um curso de


pedagogia, possui a carga de conhecimento necessária para gerar
tais articulações? Para produzir conhecimento e utilizar-se das
fontes documentais transformando-os em história? Nikitiuk (2002)
afirma que não existe a necessidade de ser formado em História,
para trabalhar com tal disciplina nas séries iniciais, mas que, com
certeza, é preciso que o profissional domine as noções fundamentais
do conhecimento histórico. Na falta de cursos preparatórios nesse
sentido, percebemos a existências de profissionais diversos, que se
584 dividem entre aqueles que buscam aprimorar-se e buscar tais
saberes e outros acostumados um comodismo, que os impede de
adquirir tais procedimentos.

O ensino de história local é importantíssimo para a geração e


construção dos primeiros conceitos de consciência histórica.
Abordar a história de uma determinada localidade vem em
convergência da escrita de Anderson Fabricio Moreira Mendes, para
a revista Tema Livre, quando o mesmo afirma

Pensam a escola como um espaço de renovação, o lugar


onde tradições e ideias, possam ser discutidas e não
simplesmente reproduzidas, buscando, na realidade dos
alunos a própria experiência da classe, historicizando os
conflitos, mostrando que os estudantes, como sujeitos
ativos e não passivos de história, estão inseridos nesse
debate e podem mudar e transformar sua realidade.
(MENDES, 2002.p. 3)

Portanto, é plenamente possível que professores que não tenham


formação específica na área de história consigam ministrar os
conceitos históricos, tanto que haja interesse dos mesmos e dos
órgãos de educação, em disponibilizar cursos e conteúdos que
POR UM OUTRO AMANHÃ

facilitem essa apropriação de conhecimento histórico. Caimi (2010)


destaca que o estudo de história local permite estabelecer relações
muito profícuas com os processos de formação de identidades
sociais plurais, superando o verbalismo pouco prático das aulas de
história apenas vinculadas a temporalidades remotas, a espaços
geográficos distantes e a determinadas memórias pré-selecionadas
em um currículo que é resultante de um jogo de poder e que não
privilegia a todos. Fazendo com que muitos não se reconheçam
tampouco seus grupos de pertença. Dessa forma, o ensino de
história local faz com que possam ser desenvolvidas ações de
resistência à padronização e homogeneização cultural. Retomando a
noção de identidade e os riscos da globalização no processo de
corrosão desse marco identitário, Nikitiuk (2002) afirma

O processo de globalização hoje vivido cria um tipo de


cidadão que, segundo Marc Augê, ocupa „não lugares‟ e
tem sua identidade não mais ligada a espaços e tempos
definidos, gerando dificuldades ainda maiores no ensino
de história, pois torna esse cidadão ainda mais distante e
carente de significado e, portanto torna mais difícil a
apreensão de conceitos básicos que perpassam todo
processo de compreensão histórica: os conceitos de 585
espaço, tempo, identidade, fato histórico. (NIKITIUK,
2002, p. 3)

As atividades desenvolvidas na escola, quando reconstroem as


histórias vividas no cotidiano dos alunos, recuperam identidades
que formam o seu cotidiano significativo, levando a se ver como
parte de um processo global. “Quando esse aluno se percebe como
um „ser histórico‟, ele evita a compartimentalização gerada pelo
processo de globalização. Um dos mais eficazes para fazê-lo é por
meio do estudo do cotidiano.” (NIKITIUK, 2002, p.6). Nesse
contexto, cabe aos professores que lecionam história local, explorar
o espaço, as representações e as vivências como uma forma de ir
contra a hegemonia da história tradicional baseada nos modelos
eurocêntricos. O rompimento favorece a consciência de identidades
plurais bem como favorece a concretização de conceitos como tempo
e espaço.

As vantagens associadas ao ensino de história local são inúmeras,


contudo, o mesmo não está isento de dificuldades. Fonseca (2003)
aponta alguns percalços do estudo de história local no currículo
escolar; A primeira está diretamente vinculada ao fato de que a
cidade, o bairro, são vistos como unidades dissociadas do restante
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

do país. Percebe-se também que o ser social aparece como elemento


da população ou membro de uma comunidade abstrata; ocorre,
ainda, o excessivo destaque dado aos aspectos políticos, como
heróis, figuras políticas pertencentes às elites locais e, por último, o
fato de boa parte das fontes expostas aos professores para o ensino
desse viés historiográfico, estarem intimamente ligadas a órgãos
administrativos locais, o que faz com que o mesmo esteja
diretamente associado a interesses de grupos de poder, sendo,
portanto, um aparato ideológico.

Todo o documento escrito é manipulado, representa uma versão, tal


como nos previne Marc Bloch(s/d) e Jacques Le Goff (1977), é
preciso fazer um processo de heurística, buscando do documento
aquilo que é, de fato, real. Destaca Sérgio Buarque de Holanda

Para estudar o passado de um povo, de uma instituição,


de uma classe, não basta aceitar ao pé da letra tudo
quanto nos deixou a simples tradição escrita. É preciso
fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que
enchem o panorama da História e são muitas vezes mais
interessantes e mais importantes do que os outros, os
586 que apenas escrevem a História. (PARANÁ, 2008, p. 2)

Tal citação de Holanda vem em convergência com a importância de


se ensinar história local. Essa „multidão imensa dos figurantes
mudos‟, somos nós, que não somos Napoleão Bonaparte, Dom João
II, Princesa Isabel. Nossas ações podem não ser descritas
individualmente nos livros mas o somatório delas moldam a
sociedade e suas transformações.

Uma das formas de se dar „voz‟ a essa imensa multidão ávida por
difundir suas experiências, é adotar um método de história oral e
vinculá-lo à proposta de estudar a localidade. Isso permite que
“escapem das falhas dos documentos, uma vez que a fonte oral é
capaz de ampliar a compreensão do contexto, de revelar os silêncios
e as omissões da documentação escrita, de produzir outras
evidências, captar, registrar e preservar a memória viva” (FONSECA,
2003, p. 155). Nesse sentido, defende Samuel (1989, p. 237-239):

A história local não se escreve por si mesma, mas, como


qualquer outro tipo de projeto histórico, depende da
natureza da evidencia e do modo como é lida. Tudo pode
variar, desde a escolha do tema até o conteúdo dos
parágrafos individuais (...). O valor dos testemunhos
POR UM OUTRO AMANHÃ

depende do que o historiador lhe traz, assim como


daquilo que ele leva, da precisão das perguntas e do
contexto mais extenso de conhecimento e entendimento
do qual elas derivam. O relato vivo do passado deve ser
tratado com respeito, mas também com critica; como o
morto”

A história oral é, pois, um método de pesquisa que privilegia a


realização de entrevistas com as pessoas que participaram de, ou
testemunharam, acontecimentos, visões de mundo, como forma de
se aproximar do objeto de estudo. Trata-se, como enfatiza Alberti,
de trazer acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais,
categorias profissionais, movimentos, à luz de pessoas que dela
participaram ou testemunharam. “Entender como pessoas e grupos
experimentaram o passado torna possível questionar interpretações
generalizantes de determinados acontecimentos e conjunturas.”
(ALBERTI, 2007, p. 165).

A história oral nunca é um fim em si mesmo, ou seja, ela sozinha não


dá conta de produzir história. Como toda fonte histórica, a entrevista
de história Oral, deve ser vista como um “documento”. Deve-se, pois,
vinculá-lo a um elaborado processo de crítica documental, para que 587
o mesmo possa ter validade como fonte.

A memória é essencial a um grupo porque está atrelada à construção


de sua identidade. O tema da memória está em voga, hoje mais do
que nunca, fala-se da memória da mulher, do negro, do oprimido,
das greves do ABC, memória da Constituinte e do partido, memória
da cidade, do bairro, da empresa, da família. Talvez até da memória
nacional, tantas vezes acuada (e tantas vezes acuadora) esteja
retraída. Multiplicam-se as casas de memória, centros, arquivos,
bibliotecas, museus, coleções, publicações especializadas (até
mesmo periódicos). Os movimentos de preservação do patrimônio
cultural e de outras memórias especificas, já contam com força
política e tem reconhecimento publico. Se o antiquariato, a moda
retro, os revivals mergulham na sociedade de consumo, a memória
também tem fornecido munição para confrontos e reivindicações de
toda espécie. (MENEZES, 2000, p.9)

O direito à memória deve ser garantido a todos, que devem ter


acesso aos bens materiais e imateriais que representam a sua
história. A memória é importantíssima para a construção de uma
identidade.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Ora, é a memória dos habitantes que faz com que eles


percebam, na fisionomia da cidade, sua própria história
de vida, suas experiências sociais e lutas cotidianas. A
memória, trazida a tona pela história oral, é
imprescindível na medida em que esclarece sobre o
vinculo entre a sucessão de gerações e o tempo histórico
que as acompanha. (ÓRIA, 1998, p.139)

Além disso, o ensino de história local amplia a educação popular em


face de preservação patrimonial. Hugues de Várine destaca que cada
pessoa é dona de um patrimônio próprio, sendo, ao mesmo tempo,
coproprietário moral do patrimônio da sociedade a que pertence.
“Portanto, poderá aprender a partir de algo que „é dele‟, que
identifica como seu ou como integrando o seu meio, e que vai poder
reconhecer, aprofundar e, por fim, utilizar” (VARINE, 2002, p. 292).

Contudo, não podemos incorrer ao erro de considerar a história oral


como único viés plausível para romper com essa tendência a
homogeneização cultural. Ela é uma das possibilidades que, somada
a outras, promove o respeito à pluralidade e a retomada da
consciência de que somos seres históricos.
588
Referências

ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro,


editora FGV, 2005.
BLOCH, M. Introdução à história. 6ª ed. Portugal: Publicações
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CAINELLI, Marlene. Educação Histórica: ensinando e aprendendo
história no ensino fundamental: Texto Mesa Redonda apresentado
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História: Metodologias e Novos Horizontes, realizado na
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, no período de
28 a 31 de julho de 2008.
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Estado da Educação. Departamento de Ensino Básico, 2008.
MENEZES, Leila Medeiros de e SILVA, Maria Fátima de Souza.
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POR UM OUTRO AMANHÃ

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Circe. O saber histórico em sala de aula. São Paulo: Contexto,
1998.
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. O ensino de História Local e os
desafios da formação de consciência histórica.. In: MONTEIRO, Ana
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práticas. Rio de Janeiro: MauadX: Faperj, 2007. 187 -198
SCHMIDT, Maria auxiliadora e CAINELLI, Marlene. In Ensinar
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VARINE, Hugues de. Patrimônio e Educação Popular. Ciências e
Letras, N. 31. Porto Alegre: Faculdade Porto Alegrense de
Educação, jan/ jun, 2002.

589
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

PROFESSORES DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAS:


DIFERENTES ESPAÇOS E TEMPOS DE FORMAÇÃO

Sueli de Fátima Dias


Mario de Souza Martins

Nesse estudo que integra a pesquisa intitulada Ensino de História


nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: Relações da Formação
Continuada dos Professores, desenvolvida no curso de Pedagogia da
UNICENTRO-UAB, no ano de 2014 e 2015, propusemo-nos a
conhecer como discussões, que devem parecer mais cotidianas aos
formados em história, chegam ao professor que ministra a disciplina
para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, mas teve uma
formação inicial baseada em cursos de Pedagogia, Normal Superior
ou outra licenciatura.

Partimos indagando - como os professores de formação diversa da


área da história acompanham e participam das discussões acerca do
ensino da disciplina? E nessa problemática percebemos uma
590 oportunidade de diálogo e reflexão da prática dos docentes, dos
tempos e espaços de formação a que tem acesso a das identidades
que constroem.

O trabalho desenvolveu-se nas escolas municipais da cidade de


Apucarana - PR realizando interlocuções com professores que atuam
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da rede pública.
Selecionamos 5 dentre as 36 escolas do município estabelecendo o
critério de participação para professores que executam docência nos
Anos Iniciais e têm formação adversa da área de história. Esse
requisito ajudou a selecionar sujeitos que supostamente não tiveram
contato ou aprofundaram especificidades da docência em história na
formação inicial. Assim, interagimos com 21 professores que, na sua
maioria, desempenham atividades com 3º, 4º e 5º Ano, ministrando
todas as disciplinas como matemática, língua portuguesa, ciências,
geografia e história.

Destes, 90% fizeram o Ensino Médio profissionalizante no curso de


Formação Docente e quanto ao Ensino Superior 42% são formados
em Pedagogia, 9% em Normal Superior e 33% em outras
licenciaturas como Ciências Biológicas, Matemática e Letras, mas
há, também, pelo menos 9% formados em outros cursos acadêmicos
que não habilitam em licenciaturas, como Administração de
POR UM OUTRO AMANHÃ

Empresas, Serviço Social e Comércio Exterior. Desse universo e


diversidade de sujeitos surgiu a necessidade de distinguir a
formação de professores.

Para atuar na Escola Básica, conforme a Lei nº 9.394 de 1996, é


preciso formação específica. Para os Anos Iniciais, compreendendo a
docência do 1º ao 5º Ano aceita-se a formação em nível médio, mas
admite-se preferencialmente formação em Pedagogia ou outra
licenciatura. Já, para os Anos Finais do Ensino Fundamental e
Ensino Médio exige-se licenciatura plena em cada área exclusiva do
conhecimento.

Dentre os professores com os quais interagimos 47% afirmam que as


contribuições mais efetivas para sua atuação nas aulas de História
advêm da formação inicial. Também reafirmaram, em diversos
momentos, a carência de formação continuada na área, seja por
meio de temas e conteúdos comuns ou metodologias para a sala de
aula. Indicam que este deve ser um processo sistemático e
organizado pelas instituições a que estão ligados, garantindo assim,
maior possibilidade para acompanhamento das discussões e
reflexões da área.
591
Quanto à formação inicial, mesmo no curso de graduação específico,
conforme Fonseca (2006) as discussões acerca do ensino de História
não são unanimidade, pois muitos ingressam vislumbrando a
pesquisa como carreira profissional. No entanto, também não são
poucos os acadêmicos que, movidos por intenção ou por apelo do
mundo do trabalho, têm no magistério seu horizonte profissional.
Dessa forma, ainda há elementos da formação de professores a ser
intensificada no próprio curso de graduação e tanto quanto para os
demais cursos como Pedagogia, ou até mesmo a Formação Docente
no Ensino Médio onde a temática possivelmente não ocupa mais que
o tempo e espaço de uma disciplina.

Nesse contexto, surgem inúmeras questões para análise que se


estendem de como e com quê o professor pode ensinar até como o
aluno aprende. Zamboni (2005) destaca que há aí, uma discussão de
fronteira para as áreas da Educação e da História e, portanto, não se
define o lugar das discussões de demandas que envolvem o fazer e o
pensar do professor de história. A situação é tanto maior para os
docentes que atuam nos Anos iniciais do Ensino Fundamental. Uma
demonstração desse panorama está no desenvolvimento das
pesquisas de pós graduação. Grande parte das dissertações e teses
que abordam o ensino de história e elementos como a formação de
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

professores são executados nos Programas de Educação. São, ainda,


poucos os programas de pós graduação em história que ofertam
linhas de pesquisa relacionadas ao processo ensino aprendizagem e
docência da disciplina.

Esta situação pode ser muito positiva porque tem a faculdade de


demonstrar que o ensino de história não tem uma guarda, não está
sob a tutela de um curso ou grupo de pesquisadores. Não tem tutoria
ou apropriação de um departamento acadêmico, antes disso, pode
ser uma discussão ampla e aberta que qualifica o tratamento das
questões educacionais, como destacou Fonseca (2010) no rigor de
uma cultura complexa e plural.

Mas, para o professor que atua nos Anos Iniciais há carência de


estudos que abordem possíveis lacunas da formação inicial e que
ofereçam compreensão sistemática das questões de ensino e
aprendizagem da disciplina. Oliveira (2003, 2010) reconhece esta
realidade e considera certa dualidade entre historiadores e
pedagogos ao afirmar que

Quando historiadores são questionados em sua


592 competência pelos pedagogos (visto que as licenciaturas
em história não habilitam para o magistério nas séries
iniciais do Ensino Fundamental). Caso sejam pedagogos,
as pedras são lançadas por historiadores (visto que a
graduação em Pedagogia não aborda questões
consideradas fundamentais para os historiadores)
(OLIVEIRA, 2003, p. 264)

A autora afirma ainda que o pesquisador dessa área nos Anos


Iniciais do Ensino Fundamental e no processo de ensino e
aprendizagem como um todo, constrói-se como um "ser híbrido",
pois não existem "pesquisadores-historiadores-puros", tampouco
"pesquisadores-pedagogos-puros". Reconhece o diálogo e interação
científica como possibilidade para instrumentalizar o trabalho do
professor visto que, também "não há saberes pedagógicos sem
conteúdos específicos e, não há conteúdos específicos que possam
ser transmitidos sem os saberes pedagógicos" (OLIVEIRA, 2003, p.
264).

Os professores esperam dessa interação, pois relatam que mesmo


com o domínio de saberes advindos com a prática e trabalho com a
infância, a docência na disciplina de história exige domínios
conceituais e tratos pedagógicos com fontes e documentos que
POR UM OUTRO AMANHÃ

passam muito pela formação específica do historiador. Em nosso


estudo, 80% dos participantes apontam que a maior dificuldade que
encontram no cotidiano da disciplina é a falta de materiais, 61%
citam a falta de formação específica do professor, 42% destacam o
acúmulo de conteúdos e 33% ressaltam a dificuldade de
aprendizagem dos alunos, especialmente a partir da leitura e
interpretação de textos.

Estas dificuldades devem ser consideradas como propositoras de


programas e processos de formação continuada para os professores
que atuam nos Anos Iniciais. Para Ricci (2011), nas décadas de 1990
e 2000, iniciou-se uma construção na formação do professor, na
área de história, instrumentalizando-o nas articulações com a
Psicologia, em estudos piagetianos e elaboração de conceitos de
aprendizagem. As contribuições se deram mais no campo da
compreensão das temporalidades e causalidade histórica. Já, na
primeira década do século XXI, para a autora, percebe-se maior
preocupação com a estrutura do pensamento a ser desenvolvido nas
aulas de história, surgindo a expressão "letrar em História" (RICCI,
2011, p. 36).

As dificuldades relatadas pelos sujeitos que participaram desse 593


estudo, também se relacionam com as orientações para a
organização dos planos de ensino e trabalho docente. Estas também
vieram de um processo de transformações, pois no anseio de romper
com a divisão tradicional de conteúdos determinada pelos Estudos
Sociais (os círculos concêntricos), a partir da década de 1990,
surgiram propostas articulando as mudanças e permanências e
rompendo com o consenso de progresso contínuo da sociedade.
Porém, os professores relatam que conheceram e usaram estes
documentos e tiveram dificuldades para interpretá-los sem o apoio
da formação específica que trata do método e concepção
epistemológica da História.

Para o Estado do Paraná, o documento que norteou a ação dos


professores, em 1990, foi o Currículo Básico do Paraná. Ele
privilegiava a implantação do Ciclo Básico de Alfabetização, mas
contribuía com uma nova seleção de conteúdos de história
especificando tempo e espaço do evento histórico a ser abordado em
sala de aula. No final da década, em 1997, as orientações vieram dos
Parâmetros Curriculares Nacionais que foram amplamente
utilizados nos planos de ensino. Contribuíam com a perspectiva de
organizar a disciplina por eixos temáticos, mantendo organização
cronológica e linear dos conteúdos. Oliveira (2010, p.123) considera
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

que as principais críticas dos professores em relação aos PCNs


devem-se ao seu caráter impositivo, ao "esvaziamento do conteúdo,
ou com a dificuldade que os mesmos tiveram em elaborar um rol de
conteúdos a partir dos eixos propostos."

Os livros didáticos, especialmente os analisados e indicados pelo


Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) conforme destaca
Fonseca (2010), a partir de 1993 buscaram acompanhar tais
mudanças, mas reconhecemos que apenas a oferta de material,
ainda que, os manuais sejam sustentação e subsidiem a prática, não
suprem plenamente a carência de formação do professor.
Cainelli (2010) reconhece esta complexidade do trabalho do
professor dos Anos Iniciais em selecionar conteúdos e o quanto ele
precisa do apoio do livro didático. Enfatiza que, nas últimas décadas,
os conteúdos tradicionais têm se diversificado com a introdução de
novos objetos e temáticas de estudo como as identidades, mulheres,
crianças, religiosidade, além de questões relacionadas à estrutura do
conhecimento histórico como documentos e fontes. Esta
diversificação é parte do processo de compreensão da função da
história que, como destaca Rüsen (2001) deve apontar para a
realidade e vida cotidiana dos sujeitos.
594
É preciso apoiar e subsidiar o professor em sala de aula em formação
permanente para que seu trabalho tenha uma aprendizagem
significativa que, conforme Barca (2009) seja de diálogo entre o
evento histórico e os sujeitos que o observam, levantando hipóteses,
compreendendo diferentes perspectivas de tempo e espaço e
produzindo suas próprias narrativas. A autora, ao defender a
Educação Histórica e a formação da consciência histórica como
possibilidade de ensino e aprendizagem, parte da realidade
portuguesa e pode nos auxiliar ao considerar que as respostas
às exigências do conhecimento e de uma sociedade de informação só
poderá processar-se com professores conscientes de tais
problemáticas. (...) Precisamos de preparar professores em quadros
científicos actualizados. Seria útil que os professores experienciem a
pesquisa histórica e, com base nela, aprofundem o debate em torno
de conceitos inerentes ao saber histórico (BARCA, 2001, p.20)

Estas também são as necessidades que ressaltamos para a formação


de professores, especialmente após a interlocução que realizamos.
Os sujeitos que investigamos afirmam que consideram a disciplina
de história de fundamental importância na formação dos alunos.
Dizem se "encantar pela oportunidade de reflexão e crítica que a
POR UM OUTRO AMANHÃ

disciplina oferece (P12)" e que os estudantes também apreciam a


experiência.

Quando ouvidos, os professores unidocentes citam uma tensão


maior na tarefa de selecionar os conteúdos contemplando as
Diretrizes e os demais documentos norteadores das práticas para a
disciplina de história, que na ousadia de experimentar novas
linguagens e metodologias para a sala de aula. Sugerem propostas de
acompanhamento de seus trabalhos solicitando temáticas da história
do Estado do Paraná, da história local e do trabalho com as
identidades sociais como mulheres, crianças, idosos, indígenas
regionais e cultura africana. Assim, reconhecemos a pertinência da
formação continuada e nos apoiamos em Oliveira (2010, p. 60) ao
considerar que "o que alimenta esse discurso em torno das "lacunas"
é não termos uma concepção clara do significado, quanto à forma e
ao conteúdo, do que seja ensinar História na escola para crianças."
Os professores acreditam e esperam na contribuição da formação
continuada e organizá-la de modo significativo deve ser
responsabilidade de todas as áreas envolvidas, como a pedagogia e a
história, mas também de políticas de formação de professores que o
tratem como sujeito de direitos e saberes, entre os quais o de estudo,
trabalho e análise de sua função social. 595
Considerações finais

Nesse estudo percebemos, ainda com maior evidência, a necessidade


da formação continuada para os professores unidocentes dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, que ministram aulas de história.
Destacamos que os professores reconhecem a importância e
contribuição da disciplina na formação humana e científica daqueles
que iniciam sua vida escolar, mas sentem dificuldades na seleção de
conteúdos e no domínio de conhecimentos que, possivelmente estão
na esfera da formação específica do graduado em história.

Os professores citam a falta de material e buscam nos livros


didáticos a maior sustentação para seus trabalhos, mas com a
incorporação de novas temáticas nem sempre contempladas nos
textos tradicionais, como a história das mulheres, das crianças, da
cultura e identidade local, por exemplo, sentem certa tensão. Esta
realidade precisa ser discutida, analisada e, conforme Barca (2005,
p.23) tratar a formação de professores como responsabilidade
compartilhada.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Mesmo que os professores verbalizem seus anseios de formação em


subsídios para melhor abordar temas como a história do Estado ou
do Município, os paradigmas apontam para algo ainda mais
substancial como a formação da consciência histórica e
aprendizagem de sua construção, ou seja, aprender a pensar
historicamente.

No decurso do movimento de repensar o ensino de história acena-se


para resignificar sua função e a ação dos seus sujeitos. Assim, diante
da responsabilidade compartilhada entre a pedagogia, história e a
estrutura que deve ser oferecida por secretarias e instituições onde
se concentram os professores dos Anos Iniciais, é imprescindível
interação e objetividade para que a formação continuada seja o
alicerce de quem inicia nossos pequenos na aventura de desvendar o
mundo. É nessa circunstância que os professores acreditam ser
possível acompanhar e participar das discussões acerca do ensino de
História.

Referências

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596 (Org). Dez anos de pesquisas em ensino de História: VI
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Londrina: AtritoArt, 2005. p. 50-55.
BARCA, I. Educação histórica: uma nova área de investigação. Rev
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BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de História: fundamentos e
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CAINELLI, M. R. O que se ensina e o que se aprende em história. In:
OLIVEIRA, M.M.D. (coord). História: Ensino Fundamental.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica,
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OLIVEIRA, S. R. F. O ensino de História nas séries iniciais:
cruzando as fronteiras entre a História e a Pedagogia. In: História
POR UM OUTRO AMANHÃ

& Ensino: Revista do Laboratório de Ensino de História da


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Brasília, 2001.
SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo:
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no ensino médio. In: BERBEL, N. A. N. Metodologia da
problematização: fundamentos e aplicações. Londrina:
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ZAMBONI, E. Digressões sobre a educação e o ensino de história no
século XXI. História e Ensino. Londrina, v.11, p. 07-22, jul. 2005. 597
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

RPG, OS PROCESSOS COGNITIVOS E A COMPLEXIDADE:


METODOLOGIA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA

Sara Schneider de Bittencourt


Alexandre Silva da Silva

Introdução

Desde os primórdios das atividades Humana, passando pelos


filósofos Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes e Rousseau, as
reflexões promovidas tendo como base a compreensão do
"ambiente", do Ator Social humano e das relações sistêmicas
presente entre os mesmos se fazem constantes no processo
ensino/aprendizagem. Tendo como elementos base de tal processo a
percepção e a experimentação, pois a mesma propícia uma relação
de compreensão sistêmica funcional valorada que pode ser utilizada
na construção da práxis. Pois como apresenta Morin:

As noções de práxis, trabalho, transformação, produção


598 não são unicamente interdependentes na organização
que as comporta: transformam-se também umas nas
outras e produzem-se mutuamente, visto que a práxis
produz transformações, que produzem actuações, seres
físicos, movimento. (Morin, 1997, p152)

Neste contexto o RPG apresenta-se como metodologia de abordagem


pertinente na resolução da demanda ensino/aprendizagem, pois tem
seu fundamentos baseados em linhas de interação relacionadas por
uma narrativa de convergência, onde tal, ao mesmo tempo em que
constrói o caminho a ser "trilhado" pelo jogador, constrói também
suas ações, ocorrendo de maneira dialética e "vibrante". Pois cada
um dos jogadores deve criar seu personagem, o qual dispõe de
características especificas, complexas e interdependentes. O Jogo é
composto também pela figura do Narrador/Mestre (Mediador) o
qual desenvolve a função de mediar as relações dos jogadores no
ambiente da narrativa, propiciando as informações estruturais ricas
em detalhes para os mesmos. O que em 2008 é apresentado por
Schmit, o qual evidencia a relevância que as interações do RPG,
promove por:

Ser uma contação de histórias interativa, quantificada,


episódica e participatória, com uma quantificação dos
POR UM OUTRO AMANHÃ

atributos, habilidades e características das personagens


onde existem regras para determinar a resolução das
interações espontâneas das personagens. Além disso a
história é definida pelo resultado das ações das
personagens e as personagens dos jogadores são as
protagonistas. (SCHMIT, 2008, p, 48)

Dispondo de cinco classificações fundamentais, o Live-Action,


aventuras solo, RPG eletrônico solo, Massive multiplayer online Role
Playing Game, mais conhecido como MMORPG e o RPG de mesa,
este jogo interativo pode adequar-se as mais variadas simulações.
Dentre as quais o "RPG de mesa" será o sistema referenciado neste
trabalho, objetivando a possível compreensão e interação do aluno
com a História, mais especificamente o "período Medieval", onde o
jogo desenvolve a função de uma "ferramenta" mediadora no
processo de aprendizagem. Buscando propiciar ao discente uma
possibilidade de compreender a história através de uma abordagem
lúdica, completamente interativa, por meio de uma imersão o mais
profunda possível proveniente das práxis resolutivas das demandas
que se apresentam no decorrer da narrativa (jogo), por assimilação.
Pois como apresenta Piaget:
599
Se o ato de inteligência culmina num equilíbrio entre
assimilação e acomodação, enquanto a imitação prolonga
última por si mesma, poder-se-á dizer, inversamente,
que o jogo é essencialmente assimilar, ou assimilação
predominando sobre a acomodação. (PIAGET, 1994, p,
115).

Estando estes processos presentes com características diferenciadas


nas várias fases da vida do ator social, promovendo as mais variadas
possibilidades de interação como apresenta Piaget:

Quando interrogamos crianças de diferentes idades


sobre os principais fenômenos que as interessam
espontaneamente, obtemos respostas bem diferentes
segundo o nível dos sujeitos interrogados. Nos
pequenos, encontramos todas as espécies de concepções,
cuja importância diminui consideravelmente com a
idade: as coisas são dotadas de vida e de
intencionalidade, são capazes de movimentos próprios, e
estes movimentos destinam-se, ao mesmo tempo, a
assegurar a harmonia do mundo e servir ao homem. Nos
grandes, não encontramos nada mais que representações
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

da ordem da causalidade adulta, salvo alguns traços dos


estágios anteriores. Entre os dois, de 8 a 11 anos mais ou
menos, encontramos, pelo contrário, várias formas de
explicações intermediárias entre o animismo artificialista
dos menores e o mecanismo dos maiores; é o caso
particular de um dinamismo bastante sistemático, do
qual várias manifestações lembram a física de
Aristóteles, e que prolonga a física da criança enquanto
prepara as ligações mais racionais. (PIAGET, 1982, p,
173)

Sendo assim, se objetivamos um adulto reflexivo que disponha de


múltiplas "ferramentas" que possibilitem a resolução de um numero
de demandas cada vez mais complexas, devemos possibilitar que
"respostas bem diferentes" não sejam substituídas por uma
formatação sociocultural que perpetua simplesmente o Poder de
elites minoritárias em uma relação de exploração da maioria em
uma sistêmica não sustentável. Neste contexto, uma possibilidade
para tal se apresenta na utilização de um dos mais conhecidos
sistemas de jogo do RPG de mesa que é o Sistema D20. Sistema que
tem como seu mais conhecido representante o Dungeons and
600 Dragons (D&D) (Schick, 1991, p.19), lançado em 1974.

O D&D trabalha com uma composição básica de 6 modelos de


poliedros, ou seja, figuras geométricas formadas por vértices, arestas
e faces, são os dados de RPG, chama-se esse sistema de D20 (dado
de 20 faces, sendo os mais utilizados os D4, D6, D8, D10, D12 e D20,
o 'D' correspondendo a palavra 'dado' e o número correspondendo a
quantia de faces que ele tem, sendo assim, por exemplo o D4 é um
Dado de 4 faces). Onde a utilização de um dado de 20 lados
possibilita uma escala mais ampla numericamente, que quando
relacionada aos demais dados, traduz um número de possibilidades
elevadas que controlam as ações do jogador, com isso buscando uma
representação cada vez mais próxima do "real".

É através do lance de dados, e tendo como quesito necessário as


fichas de personagens que são montadas antes de qualquer partida,
com características já pré-definidas pelos livros de regras, como os
dois livros básicos usados para esse jogo, que são "O Livro do
Jogador", onde encontra-se todas as regras de jogo e de criação de
personagem, forma de jogar, materiais e roupas para utilizar e "O
Livro do Mestre", que é utilizado pelo narrador da história, que será
decidida se determinada jogada irá ou não ser bem sucedida, ou
seja, não dependendo apenas da intenção do jogador, mas também
POR UM OUTRO AMANHÃ

do "rolar de dados" e regras do jogo. Como é um jogo de mesa, além


dos dados, consta-se também a ficha de cada personagem, incluindo
formas físicas, conhecimentos, ofícios (o que ele faz de acordo com a
época medieval, se é um ferreiro, um rei, um camponês, um
guerreiro, etc), e sua história será montada por cada jogador
individualmente e de acordo com sua posição na aventura. A relação
de possibilidades que se apresenta constitui atividade que possibilita
múltiplas interações do discente com "autonomia" de reflexão/ação,
propiciando um número elevado de processos cognitivos por meio
das interações com as demandas.

Outro aspecto essencial para o jogo de RPG é o narrador/mestre. É


ele quem guia(media), ou seja, narra toda a história do jogo, desde o
processo de ambientação de cada jogador, quanto toda a fantástica e
detalhada descrição de cada cena ao longo da aventura, sendo assim,
a responsabilidade de montar, estruturar e organizar o ambiente do
RPG é desse indivíduo. Pode-se, portanto, confiar tal papel ao
professor, no momento em que o jogo está a ser introduzido em
ambiente educacional, e partindo do pressuposto de que é ele, o
professor é o mediador do conhecimento, o qual busca partilhar com
os dissentes de forma dialética, por meio de uma "Realidade
Virtual". Todo esse universo pode utilizar como lugar de partida para 601
a compreensão das mais variadas práxis, qualquer localização
geoespacial e temporal.

A possibilidade de uma maior interação e compreensão da História


através de tal processo lúdico pode fazer com que o indivíduo
necessite de uma gama maior de leitura e entendimento de regras,
além é claro de lhe ser essencial o estudo de inúmeros quesitos
voltados a períodos específicos da História Humana, presente. Por
exemplo, nas práxis medievais, não apenas para que a compressão
do ambiente de jogo torne-se mais eficiente, como também para que
cada personagem torne suas características únicas e impares a cada
jogador. Percebe-se que ao trabalhar esses exercícios, muitas
características acabam por tomarem "corpo" durante o processo,
desde a leitura, a escrita, a pesquisa aprofundada e a extrema
criatividade e imaginação, quanto as peculiares informações
contidas em determinada estrutura de tempo, a compreensão mais
complexa da sociedade da época até mesmo as formas de domínio e
obediência, além de estratégias. Dessa forma propiciando inúmeras
relações resolutivas para as demandas apresentadas, o que pode
possibilitar o desenvolvimento da velocidade relativa para a
resolução de demandas (raciocínio rápido) e até mesmo trabalhar
com a compreensão de certas regras cotidianas de ética e moral, já
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

que os jogadores estarão o tempo todo interagindo uns com os


outros em situações diversas, mantendo assim um convívio social
mais profundo. Pois o dissente, ao se sentir fazendo parte de tal
ambiente, pode adquirir um processo reflexivo mais claro de tempo
histórico que está inserido, de uma maneira que apenas as leituras
"conservadoras e convencionais" das bibliografias propostas em sala
de aula poderiam não suprir.

No Brasil o MEC tem incentivado a utilização do RPG no ensino em


sala de aula para distintas situações, como incentivo à linguística,
leitura, história e até mesmo geografia e química, pode-se encontrar
no perfil do professor, no site do próprio MEC, alguns dos modelos
de aula que tem surtido efeitos ao longo dos anos desde 2008.
Ocorrem também no Brasil Simpósios de Educação e RPG, o
primeiro deles foi em 2002 na cidade de São Paulo, com o título "I
Simpósio de RPG & Educação - Palavra: Transformação e
Conhecimento", realizada pela LUDUS CULTURALIS (Associação
civil sem fins lucrativos/Organização não Governamental, fundada
na cidade de São Paulo em julho de 2002, que tem como intenção
promover qualidade educacional por meios lúdicos), com apoio de
Devir Livraria (Também é a editora dos mais famosos livros de RPG,
602 como todas as linhas de Dungeons and Dragons - D&D), da Terra
média (É a loja oficial da Devir e é especializada na venda de RPGs,
card games, jogos de tabuleiros e histórias em quadrinhos.),
APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de
São Paulo) e SINPEEM (Sindicato dos Profissionais em Educação no
Ensino Municipal de São Paulo), e o último evento organizado no
Brasil, também sediado em São Paulo foi "IV Simpósio de RPG &
Educação - RPG: educação, entretenimento ou violência?" em 2006.
O Brasil é o país que está na vanguarda das discussões a respeito do
uso do RPG atrelado à educação.

Desta forma compreendemos que, tem sido de vital importância


estabelecer e retomar distintas formas educacionais de apropriação
do saber, podendo ter na ludicidade um dos elementos chave para o
processo de reflexão e de maior absorção cognitiva dos atores
sociais, por meio das experimentações. Pois mesmo sendo como
demonstrada uma metodologia que potencializa as capacidades
cognitivas dos discentes, ainda hoje, mesmo com todo o contexto
tecnológico contemporâneo de múltiplas interações, a
implementação de metodologias não formais de
ensino/aprendizagem, mais especificamente o RPG, mesmo
dispondo de algumas colaborações como as apresentadas, ainda
POR UM OUTRO AMANHÃ

compreende um número razoavelmente pequeno de


implementações.

Referências

MORIN, Edgar. O método 1. A natureza da Natureza. 3.ed.


Trad. Maria Gabriela de Bragança. Portugal: Publicações Europa-
América Ltda, 1997.
PIAGET, J. O juízo moral na criança. Tradução Elzon L. 2. ed.
São Paulo: Summus, 1994.
_____. O nascimento da inteligência na criança. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1982
SCHMIT, Wagner Luiz. RPG e Educação: Alguns
Apontamentos Teóricos. Londrina: 2008.

Referências Digitais:
http://www.rpgeduc.com/old/congressos.htm
http://portaldoprofessor.mec.gov.br/buscaGeral.html?q=rpg
http://loja.devir.com.br/anais-do-1-simposio-rpg-educac-o.html
603
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

A ALIMENTAÇÃO NA IDADE MÉDIA E SUA ABORDAGEM


EM PAINÉIS INTERATIVOS

Suellen Cristina Rodrigues de Lima

Introdução

No século XX a escrita da História passou por um processo de


mudanças significativas, que consequentemente, atingiu a
historiografia medievalista. Esse contexto de renovação permitiu a
revisão de inúmeras concepções anacrônicas relegadas à Idade
Média no âmbito historiográfico até então. Os historiadores
buscavam analisá-la sob a égide de um olhar equilibrado, que visava
compreender, e não julgar sua realidade peculiar. As produções
decorrentes dessa nova postura proporcionaram a historiografia
medievalista mais respeito e atenção tanto do meio acadêmico,
quanto da sociedade em geral. No Brasil, o interesse pela Idade
Média se tornou mais acentuado a partir da década de 1980,
principalmente através “da crescente compreensão da importância
604 que teve o período medieval na formação da sociedade ocidental”
(FRANCO JÚNIOR, 2004, p. 7).

Novas perspectivas para o ensino de História

Apesar dessa visível mudança positiva quanto ao que se pensava


sobre o período medieval, ainda se perpetua por meio dos
professores e dos livros didáticos um modelo ultrapassado de
observação do medievo, centrado na análise evolucionista e linear da
história. Os motivos que acentuam essa perpetuação de conceitos
anacrônicos durante a aula de História são inúmeros, entretanto,
gostaria de centrar a discussão na dificuldade presente nas escolas
em introduzir novas formas de discussão dos conteúdos dessa
disciplina com os discentes, tendência intensificada pela produção
acadêmica insuficiente direcionada à pesquisa na área do ensino de
História para a Educação Básica. Apesar disso, os profissionais da
educação escolar estão buscando recursos diferenciados para suprir
essa carência e provocar o interesse dos alunos pelo aprendizado. De
acordo com Paranhos:

Parcelas expressivas de profissionais, instigados pela


necessidade de produzir novas pontes de comunicação
com os alunos, passam a refletir criticamente sobre suas
POR UM OUTRO AMANHÃ

práticas educativas. Mais do que isso, como que tateando


outros caminhos, tentam incorporar ao arsenal de
recursos utilizados em classe outras linguagens para
além das habituais (PARANHOS, 1996, p.8).

Em uma realidade de carência metodológica, tanto os professores


em formação quanto àqueles que pretendem alcançar a pós-
graduação podem e devem contribuir efetivamente para a mudança
do quadro, através da proposição de abordagens diferenciadas dos
conteúdos já utilizados e conhecidos pela maioria dos alunos, bem
como, de temas ainda pouco explorados na disciplina, no que diz
respeito à análise do contexto medieval. Principalmente, quando se
percebe a dificuldade em chamar a atenção do aluno para a temática
da Idade Média, um período histórico distante do tempo em que
vivem. Fator que seria amenizado se os alunos fossem sensibilizados
para o conhecimento de que seu presente é profundamente marcado
pela herança cultural medieval.

Analisando as problemáticas existentes no cotidiano escolar somos


levados a refletir sobre o conhecimento produzido em sala de aula, e
sua possibilidade de gerar uma conscientização histórica capaz de
transpor os limites da escola, para uma utilização efetiva no presente 605
dos discentes. Mediante esse olhar, o presente trabalho apresenta
uma proposta de metodologia para a abordagem da Idade Média
através do tema da alimentação, cujo debate será feito através de
painéis interativos, que objetivam explicitar a realidade do medievo
através das práticas alimentares como reflexo sociocultural no devir
histórico. Serão utilizadas imagens como ponto de partida para a
análise do período, as iconografias serão representadas através de
cenários da mesa medieval, que demonstrarão os alimentos
característicos de cada classe social e seus significados diante da
sociedade. Um tema pouco explorado, que tem a vantagem em
chamar a atenção do aluno por ser uma realidade comum em suas
vidas.

O ensino escolar utiliza-se constantemente da palavra escrita como


forma predominante de linguagem, contudo, esse modelo de
comunicação bastante comum em nossa época, não deve ser tomado
como medida para todo e qualquer período histórico. Exatamente,
porque durante a Idade Média a maioria da população era
analfabeta, comunicando-se, predominantemente, através do
recurso oral e gestual, mas também do visual, devido a isso, a
imagética tornou-se ponto forte de comunicação entre os medievos.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O conhecimento dessa característica presente na Idade Média é


primordial para nos ajudar a compreender seu cotidiano.
Principalmente, quando percebemos que as inúmeras obras do
período são repletas de sinais e códigos que não são meramente
ilustrativos, mas, demonstram sim, parte da dinâmica real que
constituía o universo do medievo. Característica que permite ao
professor reavaliar o uso das imagens nos materiais didáticos para
além de um suporte secundário, podendo ser usado como fonte
principal de discussão nas aulas, para isso elas devem ser bem
interpretadas, a partir de um olhar que consiga ver além do que está
na superfície da imagem. Segundo Paiva:

A iconografia é tomada agora como registro histórico


realizado por meio de ícones, de imagens pintadas,
desenhadas, impressas ou imaginadas (...). São registros
com os quais os historiadores e os professores de
História devem estabelecer um diálogo contínuo. É
preciso saber indagá-los e deles escutar as respostas
(PAIVA, 2006, p.17).

606 A principal intenção ao fazer uso da iconografia no processo


pedagógico revela-se quando o aluno percebe que existem outras
formas de comunicação, que não a escrita, tão comum em seu
cotidiano.

Painéis Interativos

O trabalho em questão vem trazer a possibilidade de usar essas


imagens de maneira que o aluno interaja diretamente com o objeto
de seu conhecimento, com vias a tornar o aprendizado um processo
mais prazeroso, que em sua dinâmica consiga se fazer um método
expressivo, no qual o aluno seja levado a sair do comodismo
habitual, apenas recebendo informações, mas, impelido a pensar e
refletir criticamente sobre o que está aprendendo.

Como já dito, a proposição é interativa, pois, os alimentos presentes


nas diversas mesas do medievo não estarão apenas representados
nas obras visuais, mas, impressos em separado para que o aluno se
familiarize com cada um deles com maior facilidade. Após a aula
expositiva-dialogada sobre a temática, o professor apresentará os
painéis, que são dois, um contemplando o banquete da nobreza e
outro a refeição dos servos, exatamente, por serem as classes mais
representativas e divergentes nessa sociedade. A turma se dividirá
POR UM OUTRO AMANHÃ

em dois grupos, sendo que cada um ficará responsável por um


painel. Com a figura dos alimentos, em separado, os discentes terão
o desafio de pregá-los nos painéis correspondentes a sua utilização
pelas camadas sociais retratadas nos cenários.

Esta dinâmica assemelha-se a que é empregada nos flanelógrafos,


muito utilizados na educação infantil, mas, a diferença básica é que a
ideia em questão foi adaptada para as turmas de 7º ano, momento
em que os alunos têm a Idade Média como conteúdo do currículo de
História.

A prática cotidiana da alimentação na Idade Média representa cada


classe social. A qualidade dos alimentos ingeridos pela sociedade
representava um sinal exterior de prestígio, portanto, quanto menos
qualidade um indivíduo tivesse, menos qualidade seu alimento teria,
essa prerrogativa levou a criação de estereótipos alimentares bem
determinados, em cada produto estava evidenciado sua identificação
social.

De acordo com Montanari (2006, p. 42-44), a nobreza alimentava-se


basicamente de carne, que podia ser de animais domésticos, de caça
(em pequena quantidade), de aves, de peixes de água doce ou 607
salgada, podendo ser consumido fresco ou seco, conforme a região.
Cujo preparo era predominantemente assado, sendo recheados ou
cobertos com molhos feitos com a adição das especiarias, que por
serem muito caras eram utilizadas constantemente, com o propósito
de ostentar o luxo e a riqueza da aristocracia, em sua mesa, o pão e
as saladas funcionavam como acompanhamento para os pratos de
carne.

Os camponeses por sua vez tinham uma alimentação baseada na


ingestão de cereais, feitos sob a forma de papas e mingaus, mas,
sobretudo de pão, aproximadamente meio quilo por dia, às vezes
acompanhado de verduras e legumes que cultivavam com suas
próprias mãos. Em suas pequenas propriedades, dificilmente
criavam animais de grande porte, quando existiam eram utilizados
para o transporte, podendo ter apenas algumas ovelhas, para se
extrair leite e queijo, assim como galinhas e porcos, consumidos
somente em ocasiões especiais ou no inverno. Quando se
alimentavam de carne, à preparavam normalmente cozida, esta
forma de preparo era tipicamente popular, por se utilizar o suco da
própria carne.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Conforme Montanari (2006, p. 45) cada classe deveria seguir o


regime alimentar de acordo com seu grupo, pois, transgredindo as
regras estabelecidas, poderiam causar enormes danos a si próprios.
O rico por ter estômago delicado, habituado a fina alimentação, não
seria capaz de ingerir alimentos pesados, da mesma maneira para os
camponeses, estes não conseguiriam se adaptar aos pratos nobres da
aristocracia.

As iconografias abaixo representam alguns traços da alimentação no


período medieval, que podem ser mais bem compreendida através
da análise criteriosa das imagens.

Banquete da Nobreza: O envenenamento de um príncipe à mesa. Em


uma sala suntuosa, forrada de seda, o príncipe está isolado sobre um
estrado, sozinho e sentado sob um dossel: símbolos de sua
dignidade. Servem-lhe maior quantidade de aves e em um prato
maior que o de qualquer outro conviva: outro sinal de seu poder.

608

Imagem 1: História do grande Alexandre, séc. XV (Paris. Petit Palais,


col. Dutuit). Acesso em: 10/12/2015

Refeição Camponesa: Poucas pessoas estão sentadas à mesa


camponesa. A mulher prepara a ricota em um imenso caldeirão em
forma de sino. O vinho tinto e o pão estão sobre a mesa. Um cincho
lembra o queijo. Vaso de estanho, colher de madeira e concha de
ferro são utensílios de cozinha e de mesa prováveis nesse contexto.
Os pequenos cães dos castelos senhoriais são substituídos, aqui, pelo
enorme mastim branco e preto, guardião do lar. (Foto BNF).
POR UM OUTRO AMANHÃ

Imagem 2: Tacuinum sanitatis. Sul da Alemanha, séc. XV, segundo


um manuscrito italiano do séc. XIV (Paris, BNF, ms latim 9333, f°
60). Acesso em: 10/12/2015

Mediante a breve apresentação dessas peculiaridades medievais, fica


mais fácil compreender que a alimentação vai além da função
nutricional, possuindo função social, pois, o alimento é
representativo da pessoa que o consome, e o comer, repleto de
significados e subjetividade. Essa ideia permite dizer que é uma
atividade cultural e, portanto, capaz de refletir a identidade de um
povo. Na sociedade medieval essas características são bem
609
acentuadas, se mostrando uma ótima oportunidade para fazer um
paralelo entre essas singularidades e o tempo presente, e a vida
contemporânea dos discentes. Para que eles entendam que as
iconografias produzidas em outros tempos são, evidentemente,
frutos de uma mente artística que busca produzir uma obra
relevante, mas, também de sujeitos históricos conscientes de seu
tempo, de seu povo, de sua identidade, sendo capaz de reproduzi-la
com verossimilhança, um ato que possui uma profunda carga
ideológica.

Todo o conteúdo expresso nesta comunicação foi produzido com a


intenção de que, após uma possível explanação da ideia aqui
apresentada, o aluno tenha se sensibilizado em ter aprendido algo
que nunca se interessou em saber, pois, sempre achou que tinha e
sabia o necessário, no que tange, ao ato de comer. Que nossos jovens
sejam desejosos em possuir mais que o senso comum, e que o ensino
de História possa contribuir efetivamente com esse propósito.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Bibliografia
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média, nascimento do
ocidente. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. 205 p.
MONTANARI, Massimo. “Alimentação”. In: LE GOFF, Jacques;
SCHIMITT, Jean-Claude. (orgs). Dicionário temático do
ocidente medieval. vol. I. Bauru - SP: Edusc, 2006.
PAIVA, Eduardo França. História e Imagens - 2 ed. – Belo
Horizonte: Autêntica, 2006.
PARANHOS, Adalberto. Saber e prazer: a música como recurso
didático-pedagógico. In FRANCO, Aléxia Pádua (org). Álbum
musical para o ensino de história e geografia no 1º grau.
Uberlândia. Escola de Educação Básica/Universidade Federal de
Uberlândia, 1996.
PEREIRA, Nilton Mullet. Ensino de História, Medievalismo e
Etnocentrismo. Historiae, Rio Grande, 3 (3): 223-238, 2012.

610
POR UM OUTRO AMANHÃ

REFLEXOS DA DITADURA MILITAR NO ENSINO DE


HISTÓRIA

Thaísa Caroline Falcão

O ensino de história na ditadura militar

A ditadura militar foi o período compreendido entre 1964 a 1985, em


que os militares governaram o país, através de um golpe de estado.
Esse golpe deu-se em 31 de março de 1964. Esse momento da
história brasileira, foi caracterizado pelo autoritarismo, censura
perseguições, torturas e prisões. O país foi governado por cinco
presidentes militares, eleitos de forma indireta pelo Congresso
Nacional e com poderes praticamente ilimitados.

Nesse sentido, a ditadura significou para a história do país duras


transformações marcadas pela luta e resistência. Para legitimação
do governo era necessário mudar a ideologia vigente do país.
Tornavam-se então, necessários instrumentos de doutrinação. Nesse
sentido a educação, por meio da escola funcionaria como uma 611
grande agência de doutrinação.

Visando isso, no período em que os militares estavam no poder a


educação brasileira passou por duas reformas. Em 1968 nas
universidades, e em 1971 no ensino básico. Onde por exemplo, foram
criadas disciplinas como OSPB (Organização Social e Política do
Brasil) e Educação Moral e Cívica. No que refere-se ao ensino de
história, a disciplina passou por grandes mudanças que estão ligadas
à uma série de medidas tomadas durante o regime militar.

O ensino de História passaria por medidas restritivas, tanto no


âmbito da formação como também na atuação dos professores. Os
programas curriculares seriam reorganizados no sentido de exercer
controle ideológico e eliminar as possibilidades de resistência ao
regime autoritário. (BERTOLLETI, V. A; COELHO, J. P. P;
COELHO, M, P., 2009)

Dentro desse quadro de mudanças, na educação superior, através da


Lei 5692/71, foi estabelecido o funcionamento e organização dos
cursos de licenciatura curta. No contexto, passou-se a exigir uma
graduação rápida para atender a uma maior demanda de
professores. Essa formação curta de profissionais,
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

consequentemente resultaria em educadores menos qualificados,


autônomos e críticos.

Na onda das licenciaturas curtas, instaurou-se o curso de Estudos


Sociais, que formava professores “habilitados” na área de ciências
humanas no tempo de um ano e meio.

Essa intervenção pode ser constada particularmente em dois


aspectos: na desqualificação dos professores, sobretudo na área de
Ciências Humanas, e na reorientação dada as disciplinas afins – a
História em particular – desde a diminuição de suas cargas horárias
até a redefinição de seus conteúdos. No primeiro caso, a intervenção
deu-se através da implantação das licenciaturas curtas, com o intuito
de atender as carências do mercado, bem como a fusão da História e
da Geografia, com a criação de cursos de Estudos Sociais. A criação
dos cursos de Estudos Sociais, por sua vez, ocasionou um
empobrecimento da qualidade, formando professores pouco
aparelhados teoricamente, tanto em história, quanto em geografia
(CERRI, 2003, p. 40).

Foi instaurada em 1971, a disciplina denominada Estudos Sociais, na


612 qual abordava-se História e Geografia juntas. Essas disciplinas
somem de cena no currículo escolar, nesse período, e tornam-se
integrantes dos Estudos Sociais.

Quanto a forma de ensino, era baseada nos livros didáticos. Esses,


eram livros controlados pelo Estado, e que davam uma ênfase muito
forte na cordialidade, na perspectiva de atender aos ditames do
Estado. Tais livros didáticos passavam pelas mãos dos militares e
precisavam de um “selo” de aprovação para circular nas escolas. Dos
livros aos conteúdos e objetivos a se alcançar, tudo passava pelas
mãos do regime militar. Os professores passaram a ser dependentes
do material didático. Nos livros didáticos de História, agora Estudos
Sociais, houve a diminuição dos conteúdos, por um historiografia
focada na história econômica em detrimento da história social.

A criação dos “Guias Curriculares”, teve como objetivo nortear o


professor em sua prática cotidiana, pois no “Verdão” o professor
encontraria a sua disposição, uma listagem dos conteúdos que
“deveriam” ser trabalhados em cada série, além dos objetivos
propostos para cada assunto, uma vez que a junção de História e
Geografia em “Estudos Sociais” provocou entre os professores um
total descompasso quanto a forma de ensinar e o que ensinar, já que
POR UM OUTRO AMANHÃ

a mistura entre os conteúdos foi muito grande. (PLAZZA; PRIORI,


2008)

Não só na História, ou a Geografia, agora englobadas nos Estudos


Sociais, mas o ensino como um todo estava a serviço do governo em
vigor, sua organização de ensino servia primordialmente para
legitimar a ideologia do regime militar. Não havia a necessidade
nesse contexto de formar alunos críticos e autônomos no
conhecimento, mas sim, meros subalternos do Estado.
Passou-se a ensinar História como “apêndice” dos Estudos Sociais. A
disciplina dividia espaço com o ensino de Geografia, OSPB,
Sociologia, Antropologia e, ainda o Ensino Religioso e Educação
Moral e Cívica. Ocorrendo, uma total descaracterização das
especificidades que caracterizam as Ciências Humanas (HILSDORF,
2003).

Reflexos da ditadura militar no ensino de história: A


Escola sem Partido

Em 1985, após a anistia e o fim da censura aos meios de


comunicação, com um governo enfraquecido e o apelo da sociedade
através do movimento Diretas Já, a ditadura militar chegou ao fim. 613
Porém, seus efeitos ainda refletem em nossa sociedade.

Hoje, 52 anos após o golpe, observa-se que na educação, no que


tange especialmente a disciplina de História, ideias presentes no
regime militar ainda se fazem presente. Trata-se de uma ONG criada
em 2004, chamada Escola sem Partido, uma iniciativa que procura
combater a “contaminação político-ideológica” na educação em
escolas, colégios e universidades brasileiras. Segundo Miguel Nagib,
coordenador da associação informal:

A pretexto de transmitir aos alunos uma “visão crítica”


da realidade, um exército organizado de militantes
travestidos de professores prevalece-se da liberdade de
cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para
impingir-lhes a sua própria visão de mundo.

Essa organização basicamente, conta com pais, alunos e educadores


que simpatizam com suas ideias. No site da Escola sem Partido,
estão claros os objetivos a que o movimento se propõe:
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Lutamos:
pela descontaminação e desmonopolização política e ideológica
das escolas;
pelo respeito à integridade intelectual e moral dos estudantes;
pelo respeito ao direito dos pais de dar aos seus filhos a educação
moral que esteja de acordo com suas próprias convicções;

Esses objetivos estão organizados em contraposição a temas


transversais como política, discussões de gênero, orientação sexual,
ética, trabalho e consumo, etc. Segundo o movimento, esses temas
não deveriam ser tratados em sala de aula, pois, trazem por parte do
professor, um teor de doutrinação e “assédio ideológico”. Além do
professor, o livro didático também deveria ser investigado, pois,
constitui marcas da perspectiva adotada pelo professor em suas
aulas. Portanto os livros didáticos e paradidáticos deveriam passar
por uma análise sobre o caráter ideológico e moral que possuem.

Em março de 2015, foi apresentado pelo deputado Izalci


(PSDB/DF), o Projeto de Lei nº 867/2015 que propõe a inclusão do
Projeto Escola sem Partido entre as diretrizes e bases da educação
614 nacional. Com isso, objetiva-se que o ensino não “discipline” o aluno
a determinada orientação política ou conduta moral. Além desse
projeto de lei, outros cinco entraram em pauta em busca da
“neutralidade” na educação. Analisando o projeto, percebe-se um
discurso muito próximo ao que vivenciou-se na educação nos Anos
de Chumbo. No qual o professor não tinha o direito de liberdade de
expressão no exercício da prática docente. Em que não tinha-se a
preocupação em despertar a criticidade nos alunos, uma formação
de cidadão crítico. O uso do livro didático também era controlado
pelo Estado, desde a sua escolha. Observa-se, após 52 anos de
ditadura militar, a intenção de retirar da disciplina de História sua
identidade. E questão do porquê de se ensinar História nessas
condições.

Considerações finais

A educação brasileira já passou por várias transformações, da


ditadura militar a atualidade. Em meio às transformações o
professor continua sendo desvalorizado profissionalmente, com
salários baixos e condições precárias de estrutura para desenvolver
seu ofício.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Com a Escola sem Partido e os projetos de lei em pauta, pretende-se


tirar do docente o que foi conquistado há 30 anos atrás, no final da
ditadura militar, o direito da liberdade de expressão. Trata-se de um
retrocesso. Em que o conhecimento passa a ser transmitido de
maneira “neutra” e não construído com reflexões entre professor e
aluno. Além disso, o que é proposto é um ensino descontextualizado
da realidade, uma vez que não poderia tratar-se de temas em voga
na sociedade. Realmente parece que não é só em protestos que
vemos o desejo da volta da ditadura, esse desejo parece mais vivo em
ser implantado em nossas escolas. Contudo, vivemos em uma
sociedade democrática, e diferente de anos atrás, os professores já
mobilizaram-se contra as leis que os colocam no papel de
“alienadores”.

Como traz Paulo Freire (1987) “Ninguém educa ninguém, ninguém


educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo
mundo”. Portanto, a educação e dentro dela, especialmente, a
História não pode perder novamente sua identidade de ensinar de
forma emancipatória, tudo à todos. Sem amarras.

Referências 615
ARAUJO, Maria Paula; SANTOS, Desirree dos Santos; SILVA, Izabel
Pimentel. Ditadura militar e democracia no Brasil: história,
imagem e testemunho. 1. ed. – Rio de Janeiro: Ponteio, 2013.
BERTOLETTI, Vanessa Alves; COELHO, João Paulo Pereira;
COELHO, Marcos Pereira. Uma análise histórica do ensino de
história no Brasil: regime militar (1968-1972) e conservadorismo
pedagógico. IX Congresso Nacional de Educação –
EDUCERE, 2009.
CERRI, Luis Fernando (Org.). O ensino de História e a
ditadura militar. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1987.
HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação
brasileira. São Paulo: Thomson, 2003.
NAGIB, Miguel. Escola sem Partido.
Disponível em: http://www.escolasempartido.org/>. Acesso em 12
de fevereiro de 2016.
PLAZZA, Rosimary; PRIORI, Angelo. O ensino de história
durante a ditadura militar. Disponível em:
<http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/956-
4.pdf>. Acesso em 25 de janeiro de 2016.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

SILVA, Rebecca Carolline Moraes. O ensino de história e o período


da ditadura militar: apontamentos e leituras acerca desta temática
por professores de história. VII Congresso Internacional de
História, 2015.

616
POR UM OUTRO AMANHÃ

DESMISTIFICANDO O ISLÃ EM SALA DE AULA:


O ISLAMISMO PELA ÓTICA DO HUMANISMO

Thays Bieberbach

Para promovermos um diálogo sincero entre civilizações,


é fundamental que o Oriente seja parte ativa no debate,
não apenas objeto de estudo [...]. Um diálogo reflexivo e
preciso com o Islã ajudaria a encontrar soluções justas e
práticas para alguns dos graves problemas que atingem o
mundo atualmente. (FARAH, 2001, p. 02)

O ano de 2015 fez com que o Islamismo, voltasse a ser notícia no


mundo todo, devido ao preconceito em volta dele e as notícias
frequentes da "crise dos refugiados árabes" e o medo instaurado em
diversas nações, achando que aqueles que buscavam um novo
começo longe da guerra, estavam levando o terrorismo para seus
países.

Vivemos em uma época em que ser diferente é motivo para não ser
aceito na sociedade, e ser responsabilizado por atos de violência
617
contra si. As diferentes realidades sociais e culturais passaram a se
interagir com o passar dos anos, ela não foi feita de uma forma
única, o hibridismo cultural esteve e está presente na vida de quem
mais precisa de assistencialismo, essa relação de poder de uma
cultura sob a outra, nega justamente aqueles indivíduos que
resistem a ela e essa resistência é que pode gerar um debate e uma
nova forma de compreender o mundo, enxergando o mundo por
um outro ângulo, o daqueles que são oprimidos.

Todos nós temos uma cultura particular, estamos inseridos em uma


maior, mas a individual é construída e reconstruída o tempo todo,
somos influenciados e influenciamos o todo, nos adaptamos ao
ambiente. Não se encaixar no que a maioria acredita, nas normas
de postura, de controle, como devemos pensar, agir, falar, faz com
sejamos excluídos. Temos o direito de escolher onde nos
encaixamos melhor na cultura e precisamos ser respeitados por
isso, a comunidade deve garantir esse direito e o respeito,
combatendo o preconceito muitas vezes dentro da própria
comunidade, resumir a identidade de alguém a algo muito
pequeno, é o mesmo que desmanchá-las, não levando em conta as
suas particularidades.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Jorn Rusen (2015), fala da necessidade do humanismo na


sociedade, onde compreendemos as mudanças no mundo e
entendemos as diferentes culturas e as suas diversidades e
particularidades, diferentes formas de vida com diferentes
condições são obrigadas a se adaptarem a elas mesmas.

Isso diz respeito à responsabilidade histórica com os


compromissos que podem levar o homem a se tornar
humano, no processo de luta pelo reconhecimento da
dignidade do outro. Compromisso que não se refere
somente em manter as conquistas humanistas já
realizadas, mas democratizá-las para aqueles que, desde
séculos, ainda sofrem como vítimas de processos
desumanizadores e etnocêntricos. A necessidade de
aprender experiência históricas de sofrimento que
apresentem o outro como constituidor do "nós",
possibilita força para lutar pelos direitos à igualdade e
dignidade humanas. É fundamental que se encontre, na
relação intersubjetiva entre o eu e o outro na Didática da
História, o "rosto da humanidade". (Fronza, Schmitd,
2015 p. 9)
618
Temos que cumprir com competência o ensino de História, na
disciplina de didática da história e como a aprendizagem histórica
deverá ser organizada nas instituições. Para isso precisamos da
consciência histórica, entender o passado, compreender o presente e
esperar o futuro. Isso serve de orientação para o futuro, uma vez que
os estudantes tem que dominar seu futuro quando forem adultos
cidadãos.

A cultura é um conjunto de experiências humanas e são por meio


delas que a humanidade se manifesta, buscar a interação com os
alunos na sala de aula, partir do ambiente e de coisas conhecidas por
eles, torna o ensino de história algo mais palpável para quem até
então, não se reconhecia na história. A troca de conhecimentos entre
professor e aluno, as trocas de experiências, enriquecem o debate,
todos trazem conhecimentos acumulados socialmente e quando tem
a oportunidade de falar sobre eles, há uma mistura com o
conhecimento escolar, relacionar a vida prática dos alunos com a
educação, faz que a escola deixe de ser uma obrigação. O ensino no
Brasil, exclui regiões, etnias, sexualidade, classes, gênero.
POR UM OUTRO AMANHÃ

O que significa a história da humanidade? À primeira


vista, isso soa muito abstrato e incapaz de preencher
qualquer currículo viável para os ensino e aprendizado
históricos, Mas essa impressão é enganosa. Não defendo
uma história completamente nova, ao invés disso, meu
apelo é apenas voltado para uma nova forma e uma nova
dimensão da velha e familiar história. (Rüsen, 2015 p.
32)

A ideia é que o ensino passe a encarar o rosto da humanidade. Os


estudantes tem que compreender o que significa ser humano,
trazendo a tona o conhecimento social que eles possuem.
Atualmente no Brasil, os debates para a Base Nacional Comum, vem
demonstrando uma preocupação com debates voltados as realidades
sociais, que de voz as minorias e que as instituições comecem a se
preocupar com esses temas, pois é através deles que a educação
brasileira pode ser mudada.

A maioria das escolas da Europa, América, e aqui no Brasil, não


dedicam uma aula ao islã. Quando o presidente George W. Bush deu
o rosto árabe e islâmico ao terrorismo, os muçulmanos são
retratados como seres irracionais que precisam ser domesticados e 619
podem ser facilmente exterminados. O extremismo não é
exclusividade de muçulmanos, envolvem também cristãos, judeus,
hindus e budistas. Precisamos mostrar que o processo de
aprendizagem é intenso e o sofrimento vivido pela humanidade
necessita de um novo humanismo, o qual segundo Rusen (2015) o
ser humano é mais e melhor do que o 'ser atualmente tal ou qual
pessoa'.

Por que estudarmos o islamismo? Por que não conhecemos como


funciona a religião e quais os países que ela abrange? Por que não
pensamos no processo histórico que essas populações sofreram e
que hoje se transformou no caos e no fechamento de portões para a
entrada deles em novos países? Porque fechamos as portas da
esperança?

Entender o islã tanto como civilização e religião, compreender os


pilares e os profetas, o alcorão, o hadith, compreender os interesses
econômicos de grandes países no continente africano e asiáticos, e
as revoltas e guerras civis que surgiram em sua maioria financiadas
pelas grandes potências mundiais, compreender o processo de
colonização e descolonização das colônias, as ditaduras e a busca da
liberdade pela população. Não compreender que somos parte da
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

exclusão e de todo o sofrimento que acontece no continente


africano e asiático é negar a história, não reconhecer no outro o ser
humano, faz com que cada vez mais portões sejam fechados, o
hibridismo cultural não é fácil, é por ele que repreendemos e
julgamos o que é bom ou ruim.

Analisar o islã a partir de elementos em comum com o ocidente e


pela ótica da colonização e descolonização, para que os alunos
entendam como a situação chegou ao ponto que está e é propagada
pelos noticiários, é uma boa iniciativa para dar inicio a aula. União
da Vitória é uma cidade que tem um grande número de
descendentes árabes, turcos e que praticam o islamismo, buscamos
os alunos que já estudaram com colegas muçulmanos e de que
maneira eles interagiam.

Quando o islã entra no currículo da escola, é tratado pela ótica da


expansão do islã e sobre o profeta Maomé, as questões que fazem os
alunos e os demais terem uma ideia errônea sobre essa civilização e
religião, não são esclarecido, quando falam sobre o alcorão, falam
apenas que ele é o livro sagrado, mas não apresentam "O Alcorão e
a guerra", mostrando que eles não santificam a guerra, que para
620 eles a guerra é uma autodefesa, mas condenam a agressão e o
assassinato, no trecho “E combatei, pela causa de Deus, os que vos
combatem. Mas não sejais os primeiros a agredir. Deus não ama os
agressores” (Surata 2, versículo 190), como em outras religiões,
grupos extremistas, fazem suas próprias interpretações de
“autodefesa” para justificar o uso da violência. Não apresentam as
explorações que os países africanos e asiáticos sofreram nos séculos
XVI até o século XX e as consequências disso tudo. Quando essas
questões são deixadas de lado e é trabalhado o mais superficial o
possível com o tema, preconceitos e a desumanização do outro
surgem.

Apresentar o processo de colonização e de descolonização no


continente africano, as revoltas, a exploração, as ditaduras,
entramos em um dilema: como os países que mais deveriam lutar
pela paz no mundo, são os que mais lucram com as guerras? Como
esses mesmos países que investem nos grupos terroristas e
financiam as guerras civis, não permitem que pessoas fujam para os
seus países atrás de uma coisa: a esperança. Esse foi um dos temas
que trabalhamos ao longo do estágio e foi a que mais provocou
indignação e questionamentos entre os alunos.
POR UM OUTRO AMANHÃ

A aprendizagem vária de acordo com o conteúdo, ela não tem um


caminho e um fim, não existe um manual de como desenvolver a
consciência histórica nos alunos. Mas a experiência que tivemos ao
abordar o islamismo pelo humanismo foi bem satisfatória. O
humanismo afirma a igualdade de todos os seres humanos e que
essa igualdade pode sim levar a equidade e justiça em um mundo
cheio de injustiças e desigualdades, sejam elas sociais, políticas,
econômicas, culturais.

Referências

FARAH, P. O Islã. São Paulo: Publifolha, 2001


RÜSEN, Jörn. Humanismo e Didática da História. Editora W.
A. Curitiba, 2015.

621
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

CONCEPÇÕES DE REPÚBLICA E CIDADANIA NA ROMA


ANTIGA E NA SOCIEDADE ATUAL: ANÁLISE DE LIVROS
DIDÁTICOS CONTEMPORÂNEOS

Vinícius Augusto do Prado Furtado


Luís Ernesto Barnabé

Introdução

Em busca de uma compreensão melhor sobre como o mundo antigo


é retratado nos livros didáticos atuais, como ponto norteador,
procuramos nesta pesquisa que está em andamento identificar e
comparar conceitos da República romana, da participação popular,
da cidadania e do direito. O ponto de partida para essa pesquisa vem
das considerações de Norberto Guarinello (2014), que procura
explicar a História Antiga e a memória social, "Desde o século XIX, a
"ocidentalização de nossa História e de nossa memória foi um
projeto consciente do Estado brasileiro e de nossas elites"
(GUARINELLO, 2013 p. 7).
622
E entender como está sendo retratado o período da Roma Antiga é
de necessidade por, muitas vezes ser a formadora de pensamentos
eurocêntricos, "sem nos darmos conta, para o bem e para o mal, a
História Antiga nos ocidentaliza" Guarinello (2013, p.13), assim
podendo cair no anacronismo ou em uma história tradicional.

Mas o porquê fazer uma pesquisa de analise os livros didáticos? Eles


são responsáveis por inúmeros fatores para a busca na qual estamos
fazendo, eles acabam sendo artefatos culturais complexos, são
responsáveis por auxiliar na transmissão de conhecimento, e "se
considerarmos a quem se destinam os livros didáticos (professores,
alunos e indiretamente pais), a influência de valores da sociedade
atual, muito arraigados na população torna-se relevante"
(BARNABÉ, 2014 p. 217)

"Trata-se de ruptura com as máximas da pedagogia


humanista ilustrada de formar homens, mas que não
significa um abandono dos estudos da Antiguidade. Ao
contrário, esta está mais viva ainda, principalmente pela
busca desenfreada dos Estados nacionais europeus pela
herança clássica..." (BARNABÉ, 2014 p. 221/122)
POR UM OUTRO AMANHÃ

Um ponto que vem sendo discutido sobre os livros didáticos é a


influência que ele recebe em seu processo de construção, há muitos
meios que interferem na escrita deste, as editoras, o estado, a
sociedade, o autor, seu público e a cultura

Os livros didáticos de História não são escritos apenas a


partir da, mas na cultura e, por seguinte, no conflito, pois
o cultural e o social são indissociáveis e é inerente ao
ensino de História uma conectividade intensa às
demandas sociais, as quais reflete e refrata ao mesmo
tempo (MORENO, 2014, p. 55,)

As opiniões que surgem, implicam na escrita livro didático, algum


órgão pode vetar o "novo" conteúdo que apareceria nele, uma vez
que o livro didático é um produto.

Para efetuar a transformação de um material didático no


produto de maior consumo da cultura escolar, os
editores associaram-se ao Estado, engendrando atuações
conjuntas em suas formas de circulação. Estabeleceram-
se entre ambos tramas, por intermédio das quais o livro
didático disseminou-se no quotidiano escolar, 623
transformando-se no principal instrumento do professor
na transmissão do saber. (BITTENCOURT, 2008, p.78)

Os produtores (Autor, Estado, editora, sociedade) podem não querer


passar uma nova forma de abordagem que está no livro por um
desconhecimento que pode estar ligado a em linhagens tradicionais,
na formação mais antiga, uma vez que estaria diferente ou
contraditório ao que ele conhece, a visão tradicional ainda está
embutida na sociedade

Concepções tradicionais permanecem, em termos de


conteúdo e concepção histórica nos livros didáticos,
alimentadas por forças intrínsecas às disputas dentro do
campo, as quais nem sempre requerem o que
poderíamos chamar de capital simbólico acadêmico, em
detrimento de outros "capitais" que, por exemplo,
protegem uma editora ante a um fracasso editorial.
(BARNABÉ, 2014 p. 227)

As pesquisas feitas e o conteúdo exposto nas universidades são em


grande maioria diferentes dos passados para as escolas de educação
fundamental. Alguns autores ou editoras às vezes optam por manter
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

um sistema tradicional para que se tenha a venda certa e que


estejam nas escolas. "A meta das editoras é sempre ter um produto
de circulação nacional tornando mais favorável a equação entre o
custo de produção e o tamanho do mercado" (MORENO, 2014,
p.247).

Neste sentido, também é importante salientar que os livros didáticos


sofreram significativas transformações nos anos de 1990 em
decorrência tanto das inovações tecnológicas quanto das reformas
curriculares pelo mundo todo. Especificamente no caso brasileiro,
recentemente redemocratizado, como a atuação do Estado brasileiro
através dos princípios de universalização do Ensino, da inclusão de
etnias e minorias presentes na constituição de 1988, na LDB de
1996, nos PCNs de 1997 e no PNLD. Além da universalização, o teor
destes documentos oficiais comprova a tendência de revisão formal e
de conteúdos em diversas disciplinas. De maneira geral, democracia,
cidadania e o mundo do trabalho ganham destaque. O PCN História
(2001, p.46) afirma que uma das intenções que os conteúdos
expressam é "favorecer o conhecimento de diversas sociedades
historicamente constituídas, por meio de estudos que considerem
múltiplas temporalidades".
624
A abordagem de Roma nos livros didáticos

Serão analisados neste momento doze livros aprovados pelo PNLD


2014, destinados ao 6º ano do Ensino Fundamental:

[Livros | Título | Autor (es) | Editora]


1.Jornada.hist | Maria Luísa Vaz; Silvia Panazzo | Saraiva
2.Saber e fazer História | Gilberto Cotrim; Jaime Rodrigues |
Saraiva
3.Leituras da História | Oldimar Cardoso | Escala Educacional
4.Por Dentro da História | Pedro Santiago; Célia Serqueira; Maria
Aparecida Pontes | Escala Educacional
5.Encontros com a História | Vanise Ribeiro; Carla Anastásia |
Positivo
6.História Sociedade & Cidadania ed. Reformulada | Alfredo Boulos
Júnior | FTD
7.Projeto Araribá | Maria Raquel Apolinário | Moderna
8.Projeto Radix | Cláudio Vicentino | Scipione
9.Perspectiva História | Renato Mocellin; Rosiane de Camargo |
Brasil
10.Projeto Teláris | Gislaine Azevedo; Reginaldo Seriacopi | Ática
11.Coleção Link | Denise Mattos Mariano; Léo Stampacchio | IBEP
POR UM OUTRO AMANHÃ

Os livros didáticos têm similaridades comuns, mas outros optam por


diferentes abordagens, temas principais e secundários, o objetivo é
identificar estes pontos dos livros da tabela 1.

A análise feita nos livros didáticos tem como objetivo identificar as


relações estabelecidas pelos autores entre Roma e a atualidade
brasileira: republica, direito e cidadania.

No decorrer da identificação do material, foi possível observar


pequenos fatores similares ou diferentes, um exemplo seria a
similaridade dos livros na abordagem do significado de "a coisa
pública" em Jornadas.hist , Saber e fazer História), Encontros com a
História, Projeto Radix, Leituras da História, Perspectiva História.

Em outro caso temos a Coleção Link, com ordem temática, alguns


abordam em um capitulo especifico o Império e após falam sobre a
cultura romana, são eles: Por dentro da História, História, Sociedade
e Cultura. O livro Projeto Araribá traz a cultura e sociedade antes do
império. Leituras da História aborda com um capítulo exclusivo o
cristianismo e opta por não falar da sociedade em seu cotidiano.
625
Alguns até optam por fazer o diferente, como o caso do livro Projeto
Teláris ele encurta a abordagem tradicional das três fases políticas
para se ater a aspectos do funcionamento da sociedade romana, o
autor prefere buscar na sociedade e nas obras arquitetônicas explicar
como era o funcionamento de Roma, ao explicar por exemplo como
era o templo dos deuses ele direciona o leitor a ver como a população
se portava nos templos, suas crenças, etc.

Considerações finais

Ainda é cedo para fazer conclusões, pois o projeto está em


andamento. Dentre alguns pontos que foram notados até agora, é
que há uma quantidade menor da tradição de narrativa de feitos
políticos que os livros didáticos costumavam apresentar. Por
exemplo, destacaríamos a citação de Plutarco acerca de Tibério
Graco, somente encontrada em um exemplar (Perspectiva História).

A busca por conhecimento e entendimento do passado muitas vezes


nos remete a coincidências com o tempo atual, para não cair em um
erro grotesco, colocamos a princípio que as sociedades não são
cópias ou tem uma herança e sim que as pessoas da atualidade
buscam no passado meios para adaptar e modifica-los para montar
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

uma sociedade mais completa e melhor, a pesquisa sobre a Roma


Antiga feita nos livros didáticos, tem por "pensar sobre a História
antiga é uma maneira de pensarmos o repensarmos nosso lugar em
um mundo de rápidas transformações" GUARINELLO, 2013 p. 8)

Referências

Livros didáticos
ANASTASIA, Carla. RIBEIRO, Vanise. Encontros com a
História. Curitiba: Positivo, 2012.
APOLINÁRIO, Maria Raquel. Projeto Araribá: História. São
Paulo: Moderna, 2012.
AZEVEDO, Gislane. SERIACOPI, Reinaldo. Projeto Teláris:
História São Paulo: Ática, 2012.
BOULOS, Alfredo Júnior. História sociedade e cidadania. São
Paulo: FTD, 2012.
CARDOSO, Oldimar. Leitura da História. São Paulo: Escala
educacional, 2012.
COTRIM, Gilberto. RODRIGUES, Jaime. Saber e fazer História,
2012.
DE CAMARGO, Rosiane. MOCELLIN, Renato. Perspectiva
626 história. São Paulo: Editora do Brasil, 2012.
MARINO, Denise. STAMPACCHIO, Léo. Coleção Link: História.
São Paulo: IBEP, 2012
PANAZZO, Silvia. VAZ, Maria Luísa. Jornadas. hist. São Paulo:
Saraiva, 2012.
SANTIAGO, Pedro. CERQUEIRA, Célia. PONTES, Maria Aparecida.
Por dentro da história. São Paulo: Escala Educacional, 2012.
VICENTINO, Claudio. Projeto Radix: história. São Paulo:
Scipione, 2012.

Referências bibliográficas
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didático e saber
escolar (1810-1910) Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
GUARINELLO, Noberto Luiz. História antiga. São Paulo:
Contexto, 2013.
MORENO, Jean Carlos. Quem Somos Nós. Apropriações e
Representações sobre a (s) Identidade (s) Brasileira (s) em
Livros didáticos de História (1971-2001). Jundiaí: Paco
Editorial, 2014
BARNABÉ, Luís Ernesto. De olho no presente: História Antiga
e livros didáticos no século XXI DOI 10. 5216/o. v14i2.
30829. OPSIS, v. 14, n. 2, p. 114-132, 2014.
POR UM OUTRO AMANHÃ

O OFÍCIO DO HISTORIADOR, O ENSINO DE HISTÓRIA E


AS SUAS FERRAMENTAS

Vitor Angelo Cardozo Frasca

A história do homem sempre esteve ligada ao choque e troca de


culturas, intercâmbio de experiências. Cada civilização diferente da
outra, quanto à linguagem, as técnicas, habilidades e costumes,
tornando possível o surgimento de novas interpretações e o nascer
de novos olhares. Um grande ponto a ser enfatizado é que a história
foi, é e sempre será construída de forma rica e de forma
sumariamente importante através das diferenças.

A atualidade está "neblinada" pelos padrões considerados, onde os


humanos parecem iguais e "condenados" a ter que viver de forma
equivalente e contemplando a vida numa "cela", parafraseando a
canção interpretada por Zé Ramalho intitulada, Admirável Gado
Novo, isso parece caótico e, sobretudo medíocre, diante da
capacidade do que o homem é capaz de pensar e produzir.
Para entendermos um pouco melhor, pedimos ajuda a Adorno e 627
Horkheimer que dizem:

As coisas chegaram ao ponto em que a mentira soa como


verdade e a verdade como mentira. Cada declaração,
cada notícia, cada pensamento está preformado pelos
centros da indústria cultural. O que não traz a marca
familiar dessa preformação está, de antemão, destituído
de credibilidade (...) (ADORNO, 1993, p. 94).

Percebemos assim que os meios de comunicação de massa atuam


como uma venda nos olhos do povo, tendo como exemplo, a letra de
Televisão, canção interpretada pelos Titãs, "A televisão me deixou
burro, muito burro demais (...) agora todas coisas que eu penso, me
parecem iguais (...)".

O conteúdo, que é selecionado pelos meios de comunicação, não é de


qualidade construtiva ou não apresentam substancialmente uma
forma de estruturar ideais de melhoria e evolução na forma de
pensar, pois não se trata de sua conveniência, e sim uma defesa de
seus interesses restritos e longe dos domínios da massa,
concomitantemente com o pensar de Cohen (1963, p. 13) "Na maior
parte do tempo, [a imprensa] pode não ter êxito em dizer aos leitores
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

como pensar, mas é espantosamente exitosa em dizer aos leitores


sobre o que pensar"

Assim, como o historiador, o professor de história deve se ater às


imensuráveis realidades adquiridas com o tempo pela sociedade.
Compreender o "mundo" de seu discente na forma de entender o seu
comportamento e estar disposto a um "embate" sadio em sala de
aula, uma vez que hoje, a tecnologia está a favor de todos e abastece
o ser humano de qualquer quantidade e conteúdo. Nesse ponto
verificamos a funcionalidade do professor. O filtro, a análise e as
conclusões dialéticas, aquelas passíveis do surgimento de novas
ideias, trarão luz e promoverão o discernimento dos fatos e o que
acontece na realidade.

Nesse ponto, podemos ressaltar que, para entender esse processo se


faz necessário, o querer, o desprendimento, do que é ilusão ou do
que é imposto como verdade, assim como no mito da caverna de
Platão, mesmo que lhe apontem o que seria como verdade, como luz,
é preciso querer direcionar os olhos para outro horizonte, uma
paisagem de novas expectativas, impressões e experiências. Para tal,
também é conveniente, que o ser aprenda que lhe permitido o
628 benefício de escolher o que se quer, assim como nos enfatiza Jean
Paul Sartre, "o homem está condenado a ser livre" ou "(...) somos
nós mesmos que escolhemos nosso ser".

O grande desafio da história e da filosofia circunda nos terrenos à


margem da conformação humana, como uma fuga daquela
percepção automatizada quase sempre já pré-disposta que nos
mergulha na obviedade das coisas, dos fatos e das pessoas que os
produzem, esse efeito nos faz estagnar nas áreas do desenvolvimento
crítico e do verdadeiro conhecimento.

A busca por novas respostas deve ser incessante, a curiosidade deve


ser combustível para a alimentação de novos horizontes, com a íris
renovada a cada ângulo que se apresenta como novo. Consideramos
duas ferramentas para auxiliar o ensino de História e Filosofia em
sala de aula: uso da imagem e da música.

Durante certo período, os amantes e os envolvidos questionavam a


História e os seus colaboradores essenciais, os historiadores, sobre
as diferentes formas como ela se apresenta às pessoas. O que deve
ser compreendido é que circunda a ideia de que a história não se
transforma, mas sim que ela, sofre acréscimos de visão, tornando
algo acessível e que estava oculto sobre determinado recorte
POR UM OUTRO AMANHÃ

histórico. Devemos também considerar que todos os fatos


necessitam de análise por parte de quem os verifica, quanto à sua
intencionalidade, objetivo de produção e a imparcialidade que
corresponde à importância de sua fonte. Sabemos que imagens são
produzidas, construídas e propagadas, como menciona Burke (2004.
pg.94):

Muitos heróis menores são celebrados com estátuas em


locais públicos, de tal forma que um censo da população
de estátuas de determinada cidade como Londres ou
Paris, observado o balanço entre generais, políticos,
poetas e outros tipos sociais, pode revelar algo de
importância a respeito da cultura política local (mediado,
certamente, pelos comitês que encomendaram as
estátuas aos escultores).

Percebida esta prática, cabe a quem observa as imagens, enxergar os


reais motivos pelos quais foram feitas, os porquês e as razões de
efetivação da importância de tal imagem. "O quanto a interpretação
dessa imagem será significante para o prosseguimento deste
estudo?". "Qual o sentido de cada imagem e como esta pode tornar-
se uma evidência histórica?". "O que torna tão preponderante no que 629
consiste em reconhecermos o que houve no passado?". Utilizando-se
das imagens para tentá-lo "montá-lo como um quebra-cabeça", de
forma a ilustrar o que às vezes uma fonte textual por mais detalhista
que se verifique, não alcance tais níveis de reprodução.

Os historiadores devem ter como ferramentas, análises que


proporcionem evidência, mas para isso é necessário o
desenvolvimento de métodos de trabalho baseado nas criticas das
fontes. O fato é que, as imagens têm o seu espaço dentro da cadeia
de fontes históricas a serem analisadas, assim, tal qual a importância
equivalente aos textos literários e também aos testemunhos orais.
Sintetizando, as imagens são feitas para comunicar e trazem consigo
a possibilidade de "remontar" o passado para que possamos melhor
compreendê-lo e, desta forma, torna-lo visível o que aparentemente
parece não existir.

Pensando que a história transforma seus olhares e sua forma de


construção e não descarta o que já fora construído, realiza uma
aproximação cada vez maior com o cotidiano, uma história "vista em
seu primeiro estágio" da base social, rechaçando a importância da
vida das pessoas que aparentemente parecem ser comuns. Aqui se
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

encontram o valor das fotografias como grande ferramenta de


evidência histórica.

Sendo assim, todas as imagens que compõem determinado fato


histórico podem transmitir uma gama diferenciada de conceitos e
ideias, porque o que de fato determina a sua importância é o olhar
do historiador, qual ângulo não aparente que pode trazer a luz do
conhecimento sobre o que era desconhecido, o que é somente mera
suposição e que de fato acontece em cada ilustração, imagem,
gravura ou semelhante fonte histórica.

Sobre o monumento histórico da Estátua da Liberdade criada pelo


francês Frédéric Auguste Bartholdi, nos Estados Unidos em Nova
York em 1886, Burke (2004. pg.78) afirma:

As correntes quebradas às seus pés, um atributo


tradicional de Liberdade, revelam sua identidade, ao
passo que a luz na mão refere-se à concepção original do
escultor de "Liberdade iluminando o mundo". A
mensagem política da estátua se torna explícita para
aqueles que conseguem lê-la, pela tabuleta que ela
630 segura, onde se lê "4 de Julho de 1776". Quaisquer que
tenham sido as ideias do escultor francês, os indícios
iconográficos levam a conclusão de que a Revolução
Americana está sendo publicamente sendo celebrada,
antes que a Francesa."

Na vertente política, verificamos as formas como são retratados os


diferentes tipos de regimes que existem: os regimes comunista e
socialista priorizam pelas imagens e preferem idealizar enfoques
relacionados à defesa do trabalho, utilizando até de recursos físicos,
como os próprios trabalhadores.

Podemos dizer que o regime capitalista se apropria da imagem de


avanço e evolução baseado na capacidade de produção e consumo.
Ambas, mesclando sempre a necessidade, como a de produzir cada
vez mais em menos tempo e, consequentemente, criar a dependência
de consumo nas pessoas, como se esta fosse uma das atividades
fisiológicas do ser humano.

Quando nos deparamos, por exemplo, com o conceito do


Anarquismo, é hábito ver as pessoas equivocadamente produzirem
uma imagem de que esse trata um tipo de regime político que
represente a desorganização coletiva, uma verdadeira "bagunça
POR UM OUTRO AMANHÃ

social", quando na verdade o que esse tipo de regime apresenta é


uma proposta de um cooperativismo devidamente organizado, sem
presença do Estado e ampla liberdade religiosa, pensando sempre na
sua eficácia e no equilíbrio entre todas as partes que o compõem.

Ao me propor em realizar algo diferente nas aulas de história,


arrisquei-me utilizando a música, como ferramenta para despertar o
interesse, que em muitos é inexistente em nossa disciplina, tive
preferência em entrar munido de um instrumento não muito
utilizado em aulas comuns, afinal aquela aula tinha como
objetividade, não ser uma aula normal, justificar a importância do
tempo e da história no cotidiano das pessoas e de sua sociedade. O
violão serviu-me como ferramenta para exemplificar o tempo,
remontando os pensamentos de Santo Agostinho. O tema da aula: o
tempo. Para Agostinho, a única forma de verificarmos a existência
do tempo seria através da análise do tempo presente, presente na
alma, dividido em três partes:

Mas o que agora parece claro e manifesto é que nem o


futuro, nem o passado existem, e nem se pode dizer com
propriedade, que há três tempos: o passado, o presente e
o futuro. Talvez fosse mais certo dizer-se: há três tempos: 631
o presente do passado, o presente do presente e o
presente do futuro, porque essas três espécies de tempos
existem em nosso espírito e não as vejo em outra parte. O
presente do passado é a memória; o presente do presente
é a intuição direta; o presente do futuro é a esperança.
(AGOSTINHO, 1964, XI, 20, 1)

Ao iniciar uma das canções, percebi que até mesmo os discentes, que
preferem a "companhia" do celular, interromperam sua rotina para
ouvir e despender de sua atenção ao explicar o que estava ocorrendo:
as três passagens do tempo, propostas por Santo Agostinho, a
percepção, sendo o momento de reflexão sobre a atividade, a
expectativa de todos em saber qual música estava sendo executada e
a memória se construindo uma vez que a aula estava por seu final.
Uma vez alcançado o objetivo, a dinâmica da aula também foi
direcionada a outras turmas.

Referências bibliográficas
ADORNO, T.W., HORKHEIMER, M. Indústria Cultural: o
esclarecimento como mistificação das massas. In Dialética do
esclarecimento 2.ed. Trad. Guido Antônio de Almeida. Rio de
Janeiro: J. Zahar, 1986.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

COHEN, Bernanrd. The Press and Foreign Policy. Princeton,


NJ: Princeton University Press. 1963.
SARTRE, Jean-Paul. L'Éxistentialisme est un Humanisme.
Paris: Nagel, 1946.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem.
Tradução de Vera Maria Xavier dos Santos. Revisão técnica Daniel
Aarão Reis Filho. Bauru: Educs, 2004.
AGOSTINHO, Santo. As confissões. Trad. Frederico Ozanam
Pessoa de Barros. São Paulo: Edameris, 1964.

632
POR UM OUTRO AMANHÃ

A UTILIZAÇÃO DE QUADRINHOS NO ENSINO MÉDIO: O


APRENDIZADO DE CONCEITOS

Weber Abrahão Júnior

O texto que se segue é uma sugestão de plano de aula a ser utilizado


no Segundo Ano do Ensino Médio, como resultado de produção de
material didático para conclusão parcial de disciplina do Mestrado
Profissional em História, que estou cursando na Universidade
Federal de Goiás, Regional Catalão.

O tema escolhido foi Introdução às Revoluções Burguesas: o que é


Revolução? Isso porque o conceito de Revolução é recorrente nas
Ciências em geral, e nas Ciências Humanas em particular, e
especificamente na ciência histórica e em sua expressão didática,
como disciplina escolar. É um conceito essencial para a
compreensão dos processos históricos nas diferentes condições de
mudança social, principalmente a partir do estudo da Revolução
Francesa como marco da contemporaneidade.
633
Em Marx, nas Teses sobre Feuerbach, encontramos o enunciado
seminal para a compreensão da dinâmica social como transformação
revolucionária:

XI. Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de


diferentes maneiras; mas o que importa é transformá-lo.

A utilização de quadrinhos como recurso didático para a


compreensão de conceitos essenciais e de suas implicações para o
estudo da História é sobremaneira conhecida atualmente. Desse
modo, o aprendizado de conceitos gerais e introdutórios através dos
quadrinhos, permite ao aluno lidar de forma dinâmica com o tema,
situando-se no tempo. Para Lee e Ashby (2000), quadrinhos são
relatos e evidências para apreensão de ideias de segunda ordem:
como os jovens compreendem o passado?

Nesse sentido, a compreensão do passado presta-se para o situar-se


no presente, conforme Rüsen (2010) Se o papel da ciência histórica é
sustentar sua autoridade enquanto ciência, no debate político como
saber irrenunciável e essencial para as decisões políticas, o
pensamento histórico em dimensão didática deve ser compreendido
em um triplo sentido: a) orientação para o agir intencional; b)
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

constituição de uma identidade (para dentro); c) levar à uma práxis


(para fora). Desse modo, a questão central da didática
(compreendida como o aprendizado do pensamento histórico) é:
como o pensamento histórico pode realizar isso na prática? Porque o
aprendizado está muito além da escola, como forma elementar da
vida e modo fundamental da cultura. O que a ciência histórica
possibilita é uma formação acadêmica.

No planejamento da atividade, foram produzidas por mim três


pranchas de quadrinhos (em anexo), a serem utilizadas como
suporte de leitura e compreensão do conceito de Revolução no
contexto do tema Introdução às Revoluções Burguesas. O recurso
tecnológico para a veiculação da atividade é a apresentação de slides
(em anexo). Desse modo, a tarefa inicial dos alunos será analisar
detidamente os desenhos, a partir de orientações e sugestões
fornecidas pelo professor. A proposta de desenvolvimento da
atividade é de dois dias, sendo um para a exposição orientada dos
desenhos, e outra para a elaboração das atividades dos alunos.

O objetivo principal da atividade é levar os alunos a compreensão


das possíveis variações em torno da construção do conceito de
634 revolução, compreendendo inclusive sua elaboração no tempo
histórico. Além disso, permitir a eles a comparação entre o conceito,
suas dimensões sociológica e filosófica, bem como algumas de suas
manifestações históricas. Permitir ainda aos alunos a possibilidade
do diálogo entre o texto didático tradicional e a linguagem dos
quadrinhos. E, enfim, possibilitar aos alunos o acesso à percepção e
compreensão de imagens através da leitura orientada dos
quadrinhos.

A elaboração da atividade temática como proposta, em torno do


conceito de Revolução é recorrente no ensino de História, mormente
no Ensino Médio. Ele aparece nos diferentes processos de mudança
social, principalmente a partir da Revolução Francesa. Desse modo,
o aprendizado de conceitos gerais e introdutórios, utilizando-se os
quadrinhos, permite ao aluno lidar de forma dinâmica com o tema,
situando-o no tempo.

A primeira prancha anuncia o tema geral. Uma guilhotina se projeta


em um horizonte árido. Em seguida, a palavra “revolução” em letras
diferentes, com grafia distinta e uso do preto e branco. É preciso
atentar para as distintas possibilidades de interpretação. No último
nível, um diálogo entre um “Guy Fawkes” e Che Guevara: diferentes
POR UM OUTRO AMANHÃ

ilhas, distintas revoluções? Qual o sentido de revolução para os dois


personagens históricos?

A segunda prancha aprofunda e localiza o tema, apresentando a


guilhotina como extensão de uma árvore frondosa e arrancada pelas
raízes, e uma síntese do sentido mais contemporâneo de revolução,
vinculado à Revolução Francesa: “Mudança intensa! Profunda e
concentrada!” o desenho conduz o olhar para uma cabeça rolando,
no contexto da “solução final” jacobina. É Robespierre, que exclama:
“Radical!”.

A terceira e última prancha traz três sequências de três tirinhas cada,


como nas pranchas da seção de quadrinhos dos jornais impressos.
Aqui, após anunciar o tema e as possibilidades de interpretação do
conceito de revolução, passamos à avaliação de três processos
revolucionários distintos, a partir de marcos cronológicos bem
definidos: A Revolução Francesa, mãe e modelo das revoluções
contemporâneas, em seus primórdios (1789), e as jornadas
populares; a Revolução Russa e sua troika original, e as disputas de
poder e de sentido ao próprio processo revolucionário e suas
implicações sociais e políticas (1911; 1924; 1929); A Revolução
Cubana e o “paredão” (1959). 635
É de se observar ainda a cor de fundo dos slides, como elaborados:
são as cores da bandeira francesa, que reportam a uma série de
outras referências trípticas: liberdade, igualdade e fraternidade, por
exemplo, instigando os alunos a outros níveis e possibilidades de
leitura e compreensão dos textos e símbolos revolucionários.

O fecho da atividade consiste em avaliação, como sugerido a seguir:


1) Dividir os alunos em equipes e escolher com a turma os assuntos
de maior interesse em relação ao tema Revolução. Distribuir as
temáticas entre os alunos para pesquisa e apresentação em pequenos
seminários.
2) Para finalizar o trabalho, cada grupo deverá escrever sua
interpretação a respeito das sequências desenhadas, e
posteriormente apresentá-las para a turma, em forma de seminário.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

ANEXO – AS PRANCHAS

636

Prancha 1
POR UM OUTRO AMANHÃ

637

Prancha 2
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

638

Prancha 3
POR UM OUTRO AMANHÃ

Referências

FRONZA, Marcelo. „As histórias em quadrinhos e a educação


histórica: uma proposta de investigação sobre as ideias de
objetividade histórica dos jovens‟. In: Anais do 3º Seminário de
Educação Histórica “Desafios da Aprendizagem na
Perspectiva da Educação Histórica. Curitiba:2012, UFPR, p.
59-78.
IANNONE, Leila Rentroia; IANNONE, Roberto. O Mundo das
Histórias em Quadrinhos. São Paulo, Moderna:1994, 90 p.
LEE, Peter; ASHBY, Rosalyn. „Progression in historical
understanding among students ages 7-14‟. In: STEARNS, Perter N.;
SEIXAS, Peter; WINEBURG, Sam (eds.). Knowin, teaching and
learning History: national and international perspectives.
New York: New York University Press, 2000, p. 199-222.
MARX, Karl. Onze Teses sobre Feuerbach. In: Fundação Lauro
Campos. Disponível em http://laurocampos.org.br/2008/03/onze-
teses-sobre-feuerbach/. Acesso em 07/01/2016.
MENEZES NETO, Geraldo Magella. „Histórias em Quadrinhos no
ensino da “Pré-História”: relato de experiência‟. História &
Ensino, Londrina, v. 20, n. 1, p. 223-242, jan./jun. 2014.
MOYA, Álvaro de. A Reinvenção dos Quadrinhos. Quando o 639
gibi passou de réu a herói. São Paulo:Criativo, 2012, 98 p.
NAPOLITANO, Marcos. „A História depois do Papel‟. In: Fontes
Históricas. São Paulo: Contexto, 2006, p. 235-290.
PINSKY, Carla Bassanesi e LUCA, Tania Regina de. O Historiador
e suas Fontes. São Paulo: Contexto, 2013, p. 309-328.
RAMA, Angela; VERGUEIRO, Waldomiro (org.) Como usar as
histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto,
4 ed., 2014, 155 p.
RÜSEN, Jörn. História Viva. Teoria da História III: formas e
funções do conhecimento histórico. Brasília:UnB, 2010, 1
reimpressão.
SANTOS, R. E.; VERGUEIRO, W. Histórias em quadrinhos no
processo de aprendizado: da teoria à prática. EccoS, São
Paulo, n. 27, p. 81-95. jan./abr. 2012. 2004.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O ENSINO DE HISTÓRIA DA AMAZÔNIA NAS ESCOLAS


BÁSICAS DE SANTARÉM-PARÁ: UMA ANÁLISE A PARTIR
DA PRODUÇÃO E DO USO DOS LIVROS DIDÁTICOS EM
SALA DE AULA

Wilverson Rodrigo Silva de Melo

Este presente trabalho tem como objetivo analisar no contexto do


ensino de História da Amazônia, a abordagem de grandes temas da
literatura historiográfica brasileira oriundas da região Norte do
Brasil - tais como: a Guerra da Cabanagem, o período da borracha,
políticas indigenistas, governos ilustrados e populistas, etc. -, a
partir da produção e do uso de livros didáticos nas salas de aula das
Escolas Básica de Santarém-Pará.

Tal ponto é fulcral para a concepção de memória e história, onde um


povo que não tem memória e a não conserva acaba ficando sem sua
própria história ou pelo menos alimentando uma prolixidade em
relação a sua etnogênese (MELO 2015, p.234).
640
Partindo desta premissa é que ao longo da pesquisa e análise do
fazer pedagógico, verificou-se as dificuldades dos docentes em seu
cotidiano escolar em ministrar com clareza e domínio de conteúdo
temas de grande relevância na história e formação da sociedade
amazônida moderna, bem como na construção da identidade do
Nortista, em especial do paraense e amazonense.

Apesar de sua significância histórica e cultural, notou-se quão


diminuído e lacônico são os temas do período da borracha,
indigenismo, escravidão e da Guerra da Cabanagem no contexto do
ensino de história da Amazônia em Santarém, seja devido a forma
simplória e resumida em que estes temas estão presentes nos livros
didáticos, seja pela ignorância dos professores ou falta de
sistematização/interpretação dos conteúdos amazônicos, no sentido
de relacioná-los com a formação da sociedade e da historiografia
brasileira.

No entanto, a partir desta conjuntura, faz-se necessário analisar a


prática docente em sala de aula, bem como o uso do livro didático
pelos professores como aporte teórico e fonte de conhecimento
histórico em sala de aula.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Tardif, Lessard e Lahaye (1991, p. 227) afirmam que "para os


professores, os saberes adquiridos através da experiência
profissional constituem os fundamentos de sua competência, (pois)
é através deles que os professores julgam sua formação anterior ou
sua formação ao longo da carreira", ou seja, estes profissionais
construirão seus aportes teóricos através da sua prática docente,
pois é no cotidiano que eles darão conta das temáticas educacionais
que lhe são cobradas.

Dito isto, convém entendermos que "o fazer história e o ensinar


história" não são campos distintos do saber histórico, ambos
encontram-se imbricados e não devem se dissociar, antes devem ser
semelhantes a ação de " historiadores e poetas que têm como ofício
alguma coisa que é parte da vida de todos: destrinchar o
entrelaçamento de verdadeiro, falso e fictício que é a trama do nosso
estar no mundo" (GINZBURG, 2007, p.14). Ou seja, os professores
devem instigar os seus alunos a mergulharem no mundo da leitura
historiográfica dos temas amazônicos associando-os a história e
formação político-cultural brasileira, pois antes de ser uma história
específica e regional da Amazônia, os principais temas da
historiografia social da Amazônia pertencem a noção de unidade e 641
nacionalidade da história brasileira primeiramente.

Para além das discussões e construções das percepções do ensino de


história da Amazônia a partir da verbalização, uma sugestão teórico-
prático para os docentes trabalharem com os alunos em sala de aula,
é a análise iconográfica dos temas de história da Amazônia presentes
nos livros didáticos.

Nesse sentido, o pontapé inicial deve partir do professor que deve se


apropriar e passar a utilizar fontes imagéticas aprimorando o ensino
de história e o aproximando da teoria, possibilitando aos alunos
reflexões que desenvolvam seu poder cognitivo de investigação e
formulação de teorias. De igual modo deve contribuir para a
formação destes discentes como cidadãos críticos e conscientes e,
instigando-os a saírem da posição de admiradores de uma imagem e
passarem a ler imagens criticamente. Pois, o impacto da imagem na
imaginação histórica, segundo Haskell citado em Burke (2004, p.
16), nos leva a pensar como pinturas, estátuas, publicações e assim
por diante, nos permitem compartilhar as experiências não verbais
ou o conhecimento de culturas passadas e a maneira como estas
experiências foram apropriadas.
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Neste universo imagético em constante transformação a questão de


como estabelecer elementos de leituras das imagens apresentadas
pelos diferentes suportes e meios de comunicação, se torna
premente como afirma Molina (2011, p.2082). As significações e
repertórios interpretativos são utilizados na leitura da imagem de
formas muito variadas, entremeando e sobrepondo as linguagens
visuais e verbais.

Para Baxandall (2006, p. 01) "[...] nós não explicamos um quadro,


explicamos observações sobre um quadro" e, assim, a transposição
em linguagem textual auxilia a decifração visual, intercalando as
linguagens visual e verbal, pois a descrição não deixa de ser a
mediadora da explicação. Nesse aspecto, Melo (2014, p. 143) afirma
que "as imagens comunicam mensagens, narram histórias a partir
de um lugar, provocando reações diversas e impactando emoções,
promovendo sentidos e organizando significados em resposta ao
olhar devolvido por aquelas imagens".

Lembremos, também, que a linguagem visual não é universal. Seus


significados obedecem a um sistema de representações que se
orientam por convenções educacionais, sociais, culturais, políticas,
642 econômicas, ou seja, históricas, que implicam no exercício
estruturado de interpretação e (re)significação, pois "entre a imagem
e o que se representa, existe uma série de mediações, que não
restituem o real, mas, reconstroem, voluntária ou involuntariamente
a apreensão do real", como diz LEITE (1998, p. 41).

Segundo Maria Inês Turazzi (2011, p.14), "a prática cotidiana da


leitura, interpretação, a análise e utilização de imagens fotográficas
no ensino/aprendizagem da História, devem ser entendidas como
parte fundamental e inseparável do processo global de
desenvolvimento da capacidade física e intelectual do estudante"
com vistas à melhoria de seu rendimento escolar e á sua plena
integração social.

Nesse sentido, longe de ser um receituário em como utilizar tais


imagens no ensino de História, apontamos como possibilidade de
análise, interpretação e formas de uso de imagens nos livros
didáticos em sala de aula, a perspectiva foucaultiana de
desconstrucionismo, deslocamento analítico e perceptivo na
maturação do processo de produção de tal imagem, a partir da qual
o professor deve e pode instigar seu alunado a estabelecer um nível
de relações das imagens com outras variáveis epistêmicas,
pertencentes ou não ao sistema escriturístico.
POR UM OUTRO AMANHÃ

Visto que para Melo (2013, p. 142) "uma imagem sozinha não fala
nada, faz-se necessário construir um contexto, um problema, as
referências, para posteriormente fazer perguntas e deste modo
aprender a lê-las, pois estas imagens são indícios doutos de
significados e que arremetem para estruturas de 'micro poderes'".

Entretanto existe uma lacuna entre o "querer" e o "fazer história",


entre adentrar os meandros dos temas amazônicos - em especial a
Cabanagem - e encontrar subsídios didáticos para tal feito.
Infelizmente os livros didáticos que são utilizados em sala de aula,
em sua maioria são provenientes de autores e escritores de regiões
alheias a região Norte. Desse modo acabam por contemplar uma
"História Geral do Brasil" caracterizada por resumos históricos
regionais e, até mesmo quando os livros são temáticos e divididos
por séries, acabam por generalizar e arregimentar um discurso
lacônico sobre os principais temas de história regionais.

As dificuldades em se trabalhar os temas de História da Amazônia


nas escolas básicas de Santarém como já foi mencionado, advém
muito da questão dos livros didáticos que ainda hoje são elaborados
de uma forma generalizada para o país, não levando em 643
consideração as especificidades e/ou regionalismos. "Sobretudo,
marginalizam alguns temas em detrimento de outros, devido seu
caráter popular-revolucionário, estabelecendo uma discussão
generosa para alguns temas e preconizando o laconismo literário
sobre outros" (MELO 2015, p. 237) - neste caso em especial
destacamos a Guerra da Cabanagem, a maior revolução popular do
Brasil responsável pelo alvorecer da História Moderna Amazônica e,
contribuiu na formação da dinâmica sociocultural da região no
processo de construção de identidade do amazônida.

O caso dos temas de história da Amazônia na maioria das vezes


encapsulados nos livros didáticos enquanto História Regional não
foge a regra, pois em geral o máximo que se encontra sobre a
cabanagem, o período da borracha e a escravidão na Amazônia nos
livros didáticos de Santarém são duas laudas - com exceção de
alguns professores que no invólucro desta carência bibliográfica
produzem materiais didáticos que contemplam uma discussão
substancial dos temas históricos amazônicos.

Partindo deste víeis, é que afirmamos que o professor não deve ser
dependente do livro didático, sua formação acadêmica lhe preparou
para todas as inconstâncias que iriam surgir em sua prática docente,
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

na medida em que ele foi formado para "aprender a apreender"


sobre os arcabouços presentes no processo histórico e
historiográfico. Assim o professor pode passar a ser um construtor
de conhecimento e produtor de seu material didático contrariando o
caráter lacônico e simplista de grande parte dos livros didáticos
produzidos de forma generalizada no Brasil.

Dessa forma, importa saber que os saberes necessários ao ensino são


reelaborados e construídos pelos professores "em confronto com
suas experiências práticas, cotidianamente vivenciadas nos
contextos escolares" (PIMENTA, 1999, p. 29). E nesse confronto, há
um processo coletivo de troca de experiências entre seus pares, o que
permite que os professores a partir de uma reflexão na prática e
sobre a prática, possam constituir seus saberes necessários ao
ensino, pois ninguém nasce professor ou sai da universidade
professor é, no cotidiano escolar, na prática docente que nos
fazemos professor, o que mediante nossa autonomia, instiga-nos a
produzir materiais didáticos que facilitem ao aluno compreender em
sala de aula, o ensino de história da Amazônia associado e
contextualizado a formação da História do Brasil.
644 Referências

BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção. São Paulo:


Companhia das Letras, 2006.
BURKE, Peter. Testemunha ocular. História e Imagem. Bauru:
Edusc, 2004.
GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso,
fictício. [tradução de Rosa Freire d'Aguiar e Eduardo Brandão]. São
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LEITE, Miriam M. Texto visual e texto verbal. In: BIANCO, Bela;
LEITE, Miriam M. (Orgs.). Desafios da Imagem. Campinas:
Papirus, 1998.
MELO, Wilverson Rodrigo S. de. Como Operar com as imagens e
representações: uma análise foucaultiana. In: VIII Congresso de
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e Iniciação Científica do CEULS/ULBRA, 2013, Pesquisa,
Educação e Tecnologia (Anais) Santarém: CEULS/ULBRA, 6-8 de
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Santarém-Pará: um estudo de caso sobre a temática da Guerra da
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POR UM OUTRO AMANHÃ

Amazônia, XV Salão de Pesquisa e Iniciação Científica e II


Salão de Extensão do CEULS/ULBRA, 2015, Santarém - PA. O
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MOLINA, Ana Heloisa. Imagens como Fonte de Pesquisa sobre a
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UEM. Bianual, 2011. p. 2081-2089. ISSN: 2175-4446 (ON-LINE).
PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: identidade e
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TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude; LAHAYE, Louise. Os
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saber docente. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 4, 1991.
TURAZZI, Maria Inês. O uso da fotografia em sala de aula. Apud.
SCHNEL, Rogério. Palmeira: espaço urbano, econômico e
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http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/5- 645
4.pdf
Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

646

Uma realização

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