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SELO CAROLINA MARIA DE JESUS

Docente: Maria da Conceição Olimpio de Almeida

CEMEI Professora Marli de Fátima Alves

Fase 5 A (crianças na faixa etária entre 4 e 5 anos)

O ano de 2023 é muito significativo para a temática étnico racial,


comemoramos duas décadas de implementação da Lei nº 10.639. Lei,
considerada um marco na educação brasileira, pois através dela o ensino de
história e cultura africana e afro-brasileira tornou-se obrigatório, além de
colocar o Dia da Consciência Negra como data prevista no calendário escolar,
configurando assim um corolário dos esforços do Movimento Negro na
efetivação de uma política educacional que resgatasse o lugar dos povos
negros na formação histórica e cultural de nosso país.

A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, na qual inicia-se a


escolarização da criança, conforme o Art. 29 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB); tendo como finalidade é o desenvolvimento integral
da criança em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade.

Nessa etapa integra-se o educar e o cuidar, vislumbrando o desenvolvimento


integral da criança, fator que implica no desafio de extrapolar os conteúdos
didáticos e enveredar por um currículo que colabore na formação, desde os
primeiros anos de escolaridade, de cidadãos críticos e conscientes.

Construir um currículo para diversidade, em detrimento do currículo para


hegemonia, implicou numa primeira etapa, em uma transformação pessoal a
partir da busca de um repertório cultural que fora negado historicamente pelo
racismo estrutural. Apropriar-se deste processo, sobretudo, compreendendo-o,
fomentou uma ideia de que as ações deveriam ser para além de viver o
cotidiano e dar-lhe significado, ou seja as “ações deveriam ser extraordinárias”.
Equívoco hoje superado, que ao longo do processo foi se ressignificando,
conduzindo a uma segunda etapa, na qual o olhar cuidadoso, balizado pelo
conhecimento teórico, agora robusto, percebeu-se que se fazia desnecessário
“reinventar a roda”.

Na educação infantil, a construção da autoimagem acontece a partir das


relações estabelecidas socialmente. Sendo a escola nesse contexto, um
ambiente farto de experenciações, as quais podem promover o reconhecimento
das diversidades, aceitando-as e respeitando-as à medida que acontece
coletivamente e são observadas com intencionalidade pelo professor. Sendo a
construção da identidade negra entre tantas possíveis de serem construídas
por este grupo étnico/racial (MACEDO, 2003).

Assim, percebeu-se que a arte na sua forma mais ampla, se constitui interesse
natural das crianças e desperta questionamentos e/ou oferece modelos
afirmativos para a construção da identidade afrodescendente, se constituindo
forte elemento de combate ao racismo. Tendo em vista, que comportamentos
racistas são constantemente reproduzidos no convívio coletivo e se repete no
ambiente escolar cotidianamente, posto que está forjado nas relações de poder
do nosso país (RIBEIRO, 2019).

Desdobramento

Norteado pelo currículo da diversidade e atento as necessidades e


curiosidades das crianças, as atividades pedagógicas são organizadas em:
tempos, espaços, relações e experiências que permitam a observação de
“quem somos e qual o lugar que ocupamos no mundo”. Processo esse,
desencadeado pela literatura que desperte essa compreensão a partir da
interação com os conhecimentos do corpo humano, priorizando a preocupação
de “nos olhar” para além dos aspectos físicos.
Figura 1 – Exploração Grande Livro Corpo Humano

Figura 2 – Exploração protótipo corpo humano

As rodas de conversas possibilitam a observação e discussão coletiva dos


posicionamentos diante das situações corriqueiras e de conflitos muito comuns
entre as crianças e, principalmente, das ideias coletivas no entorno das
imagens exploradas. A literatura que retrata diferentes culturas é inserida
conforme os conflitos e discussões observadas, estimulando o olhar para
outras culturas e formas de ser.

É notável a inevitável inquietação da transmissão de sentimentos com outros


órgãos do corpo. Nosso corpo fala e tem muitas formas de expressão.
Importante para as crianças construírem essa percepção. Momento propício
para exploração das artes plásticas, principalmente aquelas afeitas a
desmistificação da ideia de beleza determinada pelos estereótipos
hegemônicos.
Figura 3 – Explorando o livro Crianças
de todo o mundo.

Ainda falando de arte, a exploração de diferentes gêneros musicais populares,


acontece na exploração dos ritmos, na batida do tambor, entre elas: a capoeira
e o maculelê, na construção de instrumentos com material reciclado na
exploração dos sons produzidos pelo corpo. Observando as sensações
provocadas pelas melodias e letras e explorando as palavras herdadas da
diáspora africana.

Ainda falando de artes plásticas, exploramos de diferentes autorretratos,


compostos em movimentos artísticos, em tempos e lugares variados,
oferecendo paralelos de observação da composição para a construção do
próprio autorretrato. As máscaras africanas constituem elementos
interessantes, pela sua significação e influência na arte, sendo está uma
atividade de grande interesse pelas crianças.

Figura 4 – Explorando
possibilidades de construção do
retrato/cores/formas
A construção do autorretrato acontece em diferentes etapas e com diferentes
técnicas (colagem, pintura, escultura) para garantir o diálogo e exploração no
entorno. Ressalto neste contexto a descoberta coletiva das nossas “cores”, a
partir dos questionamentos planejados desse interlocutor, ao observar uma
concepção muito presente na infância - “cor de pele”, (a cor salmão como a cor
de pele universal). Consciência abalada no confronto com a realidade e com a
ficção oferecida pelas obras.

Figura 5 –
Observando
As crianças adoram trocar roupa,
vestir e despir as bonecas, aspecto
que propício para a exploração das
vestimentas das diásporas. Assim,
com base em conhecimentos que
nos mostram que as crianças
adoram imitar os adultos,
construímos roupas e acessórios a
partir de apreciação de fotos e
documentários que abordam o
assunto.

Figura 7 e 8 – Confecção de roupas e


acessórios inspirados na diáspora.
Figura 9 – Desfile da criação com fundo
musical de música africana
Não é esperado, que essa seja uma conclusão adquirida nesse momento da
infância, mas sabemos que o processo de construção e desconstrução é
paulatino e precisa de investimento contínuo e principalmente de muitos
momentos. Para Nilma Lino Gomes,

“construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que,


historicamente, ensina ao negro, desde muito cedo, que para ser aceito
é preciso negar-se a si mesmo, é um desafio enfrentado pelos negros
brasileiros” (GOMES,2003).

Nesse sentido, a autora pondera que “a escola precisa se articular, entre o


individual e o social, entre o passado e o presente, entre a memória e a
história”, prerrogativa irrefutável nas proposições pedagógicas que almeja um
pertencimento e identidade com bases numa autoestima elevada. Assim,
exploramos e apreciamos obras e feitos de referenciais sociais de diferentes
áreas, entre eles: Mestre Didi (artes plásticas), Rebeca Andrade (do esporte).
Pensando que a construção da identidade de afro descentes, muito presente
no grupo, acontece na exploração do conhecimento sobre o continente africano
e sua cultura, e sobretudo, a herança africana presente na cultura brasileira.

Figura 9 – Explorando a obra o


escritor

e escultor baiano Mestre Didi.


Figura 10 – Apreciação conquistas de
Rebeca Andrade

No mundial de ginástica Olímpica.

A família chegou neste contexto a partir dos relatos de brincadeiras da infância,


posto que existe na comunidade muitos nordestinos e seus descendentes,
portadores de uma cultura marcada pela colonização, mas que ainda
conservam traços dos ancestrais africanos principalmente, na brincadeira, na
alimentação na fala. Ação necessária, pois com o advento do celular, muitas
crianças perderam a oportunidade de brincar com os adultos e compartilhar
esses fatores culturais. Os relatos chegaram por vídeos e áudios que causaram
muito entusiasmo no grupo. Colocar um link familia

Importante ressaltar as leituras, discussões e atividades acerca das


“experiências com o corpo e o cabelo crespo”, posto que ainda fundamentados
em Nilma Lino Gomes, a escola aparece em depoimentos de sua pesquisa,
“como o espaço no qual se desenvolve um tenso processo de construção
negra”. Elencamos aqui três exemplares em consonância com o propósito de
desfazer os equívocos e despertar a estima para as formas de cultivar um bom
relacionamento com o cabelo e o corpo negro. São eles: Amor de cabelo de
Matwell A.Cerry; As tranças de Bintou de Sylviane e Meu crespo é de rainha de
Bell Hooks, entre outros não menos importantes, aliados a exploração de
imagens de negros de representação positiva nessa construção, como já
registrado em exemplos acima.

Esse processo acontece socialmente na contemporaneidade, despertando o


povo negro para percepção do empoderamento que é “considerar o corpo
como um suporte de identidade negra e o cabelo crespo como um forte ícone
identitário (GOMES, 2003).

Para encerrar esse recorte, segue as imagens de atividades, desdobramento


das rodas de conversas e da interação com objetos da cultura africana
presentes nas lendas e mitos afro-brasileiros contemplados em sala de aula:
modelagem com argila, exploração de elementos: capulana, tambor com
grafismos e utensílio de barro.

Figura 11 – Modelagem com argila a partir da

observação de escultura étnica

Figura 12 – Contação das lendas da

Mitologia Afro brasileira

Figura 13 – exploração material da cultura presente nas lendas.


Figura 14 – Diferentes padrões de beleza

Resultado

Ao final de breve relato, permanece a certeza de que o processo de construção


da identidade é longo, de muita sensibilidade e estudo, o qual pela importância
na qualidade de vida se constitui imprescindível.

Em cada parte do caminho descortina-se um pouco de quem somos e o que


buscamos: Confiança para descobrir nossas potencialidades! Reafirmando que
resgatar a cultura e história perdidas, de forma respeitosa e suave, é o
caminho. Possível apenas na construção coletiva entre: crianças, docentes,
famílias e comunidade, recobrando a voz do “Griô” perdida historicamente.

Ser professor nunca foi uma tarefa fácil, de Educação Infantil então, nem se
fala! Como dizem por aí: “construímos a roda com o carro em movimento”.
Estamos envolvidos em tantos processos de construção, que às vezes nem
nos damos conta de que somos engrenagens de construções políticas, sociais,
pessoais. Precisamos estar atentos para não se perder na inutilidade!

As ações pedagógicas foram marcadas por atividades que foram se somando


ao longo do processo, construído conjuntamente, de maneira compatível a
modalidade de educação público-alvo. Na qual só acontece de forma prática e
significativa, onde a arte na sua maior expressão, atende os anseios, posto que
carrega consigo as marcas de cada época da Humanidade, o que a torna
significativa.

Ao final, o presente é uma grande tela, construída coletivamente, pela pintura,


pelas texturas, linhas, marcas, formas e sobretudo, conteúdo, palavras e
sonoridade, com espaços e pautas para a construção de uma história livre de
racismo.

Referências

Barborini Robert. O Grande Livro do Corpo Humano. Ed. Impala – São Paulo
- SP. 2008.
Cherry, Matthew A. Amor de cabelo. 5ª Ed. – Rio de Janeiro: Galerinha
Record,
2022.
Diouf, Sylviane A. As tranças de Bintou, 2ª Ed. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
Gomes, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de
professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo.
Educação e pesquisa, São Paulo, v.29. n.1, p. 167-182, jan./jun. 2003.
Hooks Bell. Meu crepo é de rainha. Ed. Boitatá. SP, 2018.
Junião. Meu Pai Vai Me Btuscar, na Escola. Ed. Zit. São Paulo – SP, 2003.
Kinderley, Anabel, Kindersley, Barnab. Crianças como você. Ed. Ática. São
Paulo, SP- 2020.
Ribeiro Djamila. Pequeno Manual Antirracista. Ed. Companhia das Letras.
São
Paulo - SP – 2019.

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