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Artigo Destaque dos editores

Herança digital e os conflitos entre a


sucessão legítima e os direitos
personalíssimos do de cujus
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Hannah Carvalho 14/11/2019 às 15:15

O que fazer quando os ativos digitais envolvem


aspectos da personalidade e da vida íntima do
de cujus? O novo paradigma comportamental
surgido com a era digital tem desafiado o
direito sucessório a resolver essa e outras
questões.

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Introdução

O uso cada vez mais contumaz da internet e de


instrumentos tecnológicos no cotidiano tem
levado à formação de um imenso acervo de ativos
e valores digitais, gerador de um denso patrimônio
virtual disponibilizado em sítios eletrônicos, e-
mails, aplicativos e serviços de armazenamento de
dados.

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Tal paradigma comportamental hodierno tem


desafiado o Direito Sucessório, porquanto as
novas formas de patrimônio e de herança exigem a
devida tutela do ordenamento jurídico positivo.
Diante desta defasagem legal, portanto, torna-se
imperiosa a reconfiguração da legislação pátria no
que cinge a esta seara, para que o Poder Judiciário
se adeque às demandadas surgidas com a
realidade digital que se põe.

É de se notar, pois, que as questões relativas


ao legado digital merecem regulamentação
específica. Isto porque muitos dos conteúdos do
sobredito patrimônio virtual de um indivíduo
repercutem em sua esfera íntima, não cabendo
serem apreciados sob a mesma ótica do
patrimônio puramente material, posto que
esbarram nos limites impostos pelos direitos da
personalidade.

Dessarte, considerando a colisão inevitável


entre o direito à privacidade do falecido e o direito
de suceder dos seus legítimos herdeiros, faz-se
mister analisar os caminhos cogitáveis que podem
ser trilhados, de sorte a viabilizar a
compatibilização entre a sucessão hereditária e a
tutela da intimidade do de cujus.

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Trata-se de estudo com objetivo de natureza


descritiva, cujo método de abordagem foi o
indutivo, seguindo-se a perspectiva
procedimental do sistema de pesquisa
bibliográfica. Tal pesquisa consistiu na leitura de
acervo doutrinário composto por livros, artigos
científicos e outras fontes informacionais.

Noções basilares sobre herança e


Direito Sucessório

Pode-se dizer, em linhas gerais, que o


conceito de herança está concatenado ao de
patrimônio, este entendido como uma
universalidade de direitos. Apesar desta definição
simplista, impende salientar que a noção de
patrimônio não deve ser confundida com um mero
conjunto de bens corpóreos, pois, em verdade,
abarca toda a gama de relações jurídicas
economicamente valoráveis de uma pessoa,
incluindo direitos e obrigações (GAGLIANO e
PAMPLONA FILHO, 2019).

Todavia, não integra o conceito de herança o


dito patrimônio moral, isto é, o conjunto de direitos
personalíssimos atinentes ao indivíduo, como por
exemplo o direito à vida e à honra, uma vez que não
são tais interesses jurídicos passíveis de
transmissão (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO,
2019).

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Pois bem, a herança vem a ser justamente o


patrimônio que, em virtude do falecimento do seu
titular, é transferido a determinadas pessoas
legitimadas a recebê-lo – chamadas sucessores -,
as quais substituem o de cujus na titularidade
desse acervo de bens e/ou direitos (GAGLIANO e
PAMPLONA FILHO, 2019).

Por óbvio, essa transmissão de patrimônio


causa mortis esteia-se em regras norteadoras
específicas, bem como em princípios
informadores, resultando num complexo legal que
se pode chamar de Direito das Sucessões. O
fundamento deste conjunto normativo tem
natureza constitucional, pois se alicerça no inciso
XXX do art. 5º, da CRFB/88, in verbis: “É garantido o
direito de herança” (BRASIL, 1988). Em âmbito
infraconstitucional, a seu turno, a matéria é
regulada pelo Código Civil entre os artigos 1.784 e
2.027, e pelo Código de Processo Civil nos artigos
610 a 673.

O direito brasileiro convencionou considerar a


herança como imóvel, aplicando-se-lhe as
peculiaridades relativas a essa espécie de bens, a
teor do art. 80, do Código Civil, que apregoa:
“consideram-se imóveis para os feitos legais: (...) II
– o direito à sucessão aberta” (BRASIL, 2002).

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No entanto, é somente no artigo que inaugura


o Livro das Sucessões do codex civilista que se
insculpe a regra fundamental do Direito
Sucessório, qual seja, o Droit de Saisine ou
Princípio da Saisine. Este princípio é corolário da
premissa de que inexiste direito sem o respectivo
titular, pelo que se tem que:

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança


transmite-se, desde logo, aos herdeiros
legítimos e testamentários.

Desta forma, a herança, compreendida como


acervo de bens, obrigações e direitos, transmite-
se, como um todo, imediata e indistintamente aos
herdeiros, mesmo que nos moldes de uma ficção
jurídica, enquanto se aguarda sua transferência
definitiva, a ocorrer com a partilha. Com essa
autorização à apreensão possessória de bens
pelo herdeiro vocacionado, pretende-se evitar
que “se possa dar ao acervo hereditário a natureza
de res derelicta (coisa abandonada) ou de res
nullius (coisa de ninguém)” (GAGLIANO e
PAMPLONA FILHO, 2019, p. 74).

Arremata tal entender a ilustre lição de


GONÇALVES (2012), digna de transcrição:

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“Embora não se confundam a morte com a


transmissão da herança, sendo aquela
pressuposto e causa desta, a lei, por uma
ficção, torna-as coincidentes em termos
cronológicos, presumindo que o próprio de
cujus investiu seus herdeiros no domínio e na
posse indireta de seu patrimônio, porque este
não pode restar acéfalo” (GONÇALVES, 2012,
p.28).

Assim, o Direito Sucessório serve à


necessidade, surgida com a morte de um
indivíduo, de assegurar que os centros de
interesses criados à volta do de cujus, tanto no
âmbito particular quanto no coletivo, prossigam
sem rupturas para além de sua morte, tanto quanto
seja possível (PRINZLER, 2015, p. 31 e 32).

Herança digital

As inovações tecnológicas experimentadas


pelas sociedades contemporâneas têm
modificado sobremaneira as formas de interação
social, que vêm sendo pautadas pela paulatina
democratização da comunicação e pelos novos
meios de compartilhamento e armazenamento de
dados. Tais novidades produzidas pelas
tecnologias da informação ensejaram o
surgimento de um novo tipo de patrimônio,
formado pelo acúmulo de arquivos e bens em
formato digital, muitas vezes dotados de valor
econômico.

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Assim, levando-se em conta que uma grande


parte dos bens deixados pelas próximas gerações
será intangível, torna-se imprescindível detalhar o
que vem a ser herança digital e como se imagina
devam ser as regras a orientar a sua transmissão,
de forma a sopesar os princípios aí envolvidos.

Ab initio, cumpre salientar que, não obstante a


legislação civil brasileira seja lacunosa
especificamente quanto a esta matéria, o
ordenamento jurídico posto, bem como os
princípios e instrumentos hermenêuticos que
informam o Direito possibilitam que se lide com a
herança digital a partir de uma ideia mais
abrangente de patrimônio, uma vez que é inegável
o potencial econômico que podem vir a ter sites,
músicas, filmes, livros, fotos, textos, aplicativos e
diversas outras formas de arquivos armazenados
virtualmente em computadores pessoais ou em
nuvem, em contas de redes sociais, em correio
eletrônico, em diários virtuais ou qualquer outra
plataforma de serviço online.

Nessa toada, ensina COSTA FILHO (2016) que:

Diante da ausência de qualquer disposição


que trate especificamente dos bens
armazenados virtualmente no Código Civil, a
transmissão desses bens através de herança
decorre de interpretação extensiva e
sistemática. Assim, como acontece com bens
tangíveis e demais formas incontroversas de
patrimônio, os direitos sobre bens
armazenados virtualmente advindos da
sucessão ficam, em regra, com os familiares
mais próximos do falecido (...) segundo ordem
prevista pelo Código, ou com os legatários
através de testamento (COSTA FILHO, 2016,
p.35).

Ocorre que os bens que formam o acervo


digital de um indivíduo tanto podem ter cunho
pessoal quanto econômico, quiçá ambos, sendo
impossível determinar, ainda mais na ausência de
qualquer critério objetivo, se seria realmente da
vontade do de cujus (no caso de este não haver
deixado testamento) que o acesso irrestrito a
esses bens virtuais fosse franqueado a seus
herdeiros a título de transmissão de herança.

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Senão vejamos o exemplo hipotético de um


indivíduo que mantinha perfil em determinada
rede social, o qual tinha indubitável valoração
econômica e que, com sua morte, passou a fazer
parte de sua herança digital, tendo o mesmo
destino de todos os outros bens tangíveis de seu
patrimônio. Não obstante a referida conta seja
dotada de conteúdo de caráter patrimonial, há
também uma parcela de dados que podem dizer
respeito exclusivamente à sua esfera íntima, como
mensagens privadas e fotos, e que, portanto, são
indisponíveis.

Outrossim, ainda adotando o exemplo supra,


mister ressaltar que ao mesmo tempo em que um
perfil digital carrega consigo certos aspectos da
personalidade de seu titular, é também ato de
criação humana e, por conseguinte, obra tutelada
pelo Direito Autoral, segundo POLI (apud
PRINZLER, 2015, p.48). Por essa razão, segue
também os ditames da Lei de Direitos Autorais, de
cujo art. 24 se extrai que, no evento da morte do
autor, não se transmitem aos herdeiros os direitos
morais de acesso, de retirada e de modificação da
obra, que se extinguem com o autor (BRASIL, 1998).
Isso esbarra, contudo, no direito dos herdeiros de
pleitear o acesso ou a remoção do referido perfil
do falecido sob a alegação de que sua
manutenção viola, por exemplo, o princípio da
dignidade da pessoa humana.

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Por todo o exposto, pode-se aferir que a


ausência de regulamentação da matéria torna
instáveis as relações post mortem, desvelando o
patente, e ainda não superado, conflito
principiológico entre os direitos personalíssimos à
privacidade e à vida íntima e os direitos
sucessórios e de propriedade. Ademais, o
sobredito hiato legislativo tem gerado grave
insegurança jurídica, porquanto tais arquivos
armazenados virtualmente têm suas regras de
acesso e transferência ditadas única e
exclusivamente, até o momento, pelos termos de
serviço dos provedores (COSTA FILHO, 2016,
p.36).

Projetos de Lei atinentes à matéria

É sabido que a legislação não caminha pari


passu à realidade empírica, mesmo porque são os
fatos surgidos no seio social que dão ensejo à
produção legislativa. Assim, na tentativa de
superar a referida defasagem quanto à
normatização da herança digital, foram propostos
Projetos de Lei, os quais serão brevemente
analisados a seguir.

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JEJUMINTERMITENTE
PARATODASASIDADES
IDADE:25-35 16:8 IDADE:35-45 12:12
CAFÉDAMANHA LANCHE

ALMOÇO: JANTAR:

IDADE:45-55 14:10
caronнити

DAOE:65• 12:12 DADE.55-65 16:8

O primeiro deles foi o PL 4.099, apresentado


em 20 de junho de 2012 e atualmente arquivado,
que intenta acrescentar o parágrafo único ao art.
1.788 do Código Civil de 2002, com o seguinte
teor: “Serão transmitidos aos herdeiros todos os
conteúdos de contas ou arquivos digitais de
titularidade do autor da herança” (BRASIL, 2012).
Tal proposição assim se justificou:

Têm sido levadas aos Tribunais situações


em que as famílias de pessoas falecidas
desejam obter acesso a arquivos ou contas
armazenadas em serviços de internet e as
soluções tem sido muito díspares, gerando
tratamento diferenciado e muitas vezes injustos
em situações assemelhadas. É preciso que a lei
civil trate do tema, como medida de prevenção
e pacificação de conflitos sociais. O melhor é
fazer com que o direito sucessório atinja essas
situações, regularizando e uniformizando o
tratamento, deixando claro que os herdeiros
receberão na herança o acesso e total controle
dessas contas e arquivos digitais. Cremos que a
medida aperfeiçoa e atualiza a legislação civil,
razão pela qual conclamamos os Nobres Pares a
aprovarem esta proposição (BRASIL, 2012, p.2).

Percebe-se que, ao tratar da herança digital


no âmbito da sucessão legítima, deixando ao
alvitre dos sucessores o destino do patrimônio
intangível do falecido, o legislador olvidou que não
se pode transmitir de forma automática a
titularidade do material construído em vida pelo
de cujus, uma vez que muitos dos conteúdos ali
existentes tocam à sua privacidade, à sua imagem
e a outros inúmeros direitos essenciais do morto, e
por que não, de terceiros.

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De outra banda, há o PL nº 4847/2012, apenso


ao anterior, que pretende incluir os arts. 1.797−A a
1.797−C ao Código Civil, com a seguinte dicção:

Art. 1.797−A. A herança digital defere-se


como o conteúdo intangível do falecido, tudo o
que é possível guardar ou acumular em espaço
virtual, nas condições seguintes:

I – senhas;

II – redes sociais;

III – contas da Internet;

IV – qualquer bem e serviço virtual e digital


de titularidade do falecido.

Art. 1.797−B. Se o falecido, tendo


capacidade para testar, não o tiver feito, a
herança será transmitida aos herdeiros
legítimos.

Art. 1.797−C. Cabe ao herdeiro:

I - definir o destino das contas do falecido;

a) - transformá-las em memorial, deixando


o acesso restrito a amigos confirmados e
mantendo apenas o conteúdo principal ou;

b) - apagar todos os dados do usuário ou;


SALERNITA… vs FC TORINO
c) - remover a conta do antigo usuário
18/9/2023 - 13:30
SERIE A

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