Você está na página 1de 3

CONSELHO ESTADUAL DE TRÂNSITO DE SANTA CATARINA – CETRAN/SC

PARECER Nº 67/2007
ASSUNTO: OBRIGATORIEDADE DE CONTER NO AUTO DE INFRAÇÃO DE
TRÂNSITO O RELATO SOBRE QUAL TIPO DE ORDEM EMANADA PELO AGENTE
DE TRÂNSITO FOI DESOBEDECIDA E DE QUE FORMA OCORREU A
DESOBEDIÊNCIA
CONSELHEIRO RELATOR: EDUARDO BARTNIAK FILHO

EMENTA: Para comprovar a ocorrência da infração tipificada no art. 195 do


CTB, o agente da autoridade de trânsito deve relatar no auto de infração a
ordem emanada e as circunstâncias nas quais tal determinação restou
desobedecida.

I. Consulta:

1. Versa o presente parecer, sobre a obrigatoriedade do auto de infração de


trânsito conter o relato do agente de trânsito identificando qual ordem sua teria sido
desobedecida e de que forma teria ocorrido essa desobediência, para validar a autuação pelo
ilícito do art. 195 do CTB.

II. Fundamentação técnica:

2. Reza o art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro que constitui infração


“desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus agentes:”

3. O sistema constitucional do direito administrativo funciona como uma rede


hierarquizada de princípios, regras e valores, que exige não mais o mero respeito à legalidade
estrita, mas vincula a interpretação de todos os atos administrativos ao respeito desses
princípios. A função administrativa encontra-se subordinada às finalidades constitucionais e
deve pautar suas tarefas administrativas no sentido de conferir maior concretude aos
princípios e regras constitucionais, uma vez que estes não figuram como enunciados
meramente retóricos e distantes da realidade, mas possuem juricidade.

4. O princípio da legalidade nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das


principais garantias de respeito aos direitos individuais, uma vez que a lei, ao mesmo tempo
em que os define, estabelece também os limites da autuação administrativa para que esta não
se restrinja ao exercício deles. O direito, em seu propósito de realizar a justiça, buscará
operacionalizar esses valores. Os princípios constitucionais traduzem os direitos das pessoas e
os grandes princípios da justiça.

5. Com esse breve introito passa-se então, à questão buscada no presente estudo,
que é a análise do caput do artigo 195 do CTB, sobre a obrigatoriedade em constar no Auto de
Infração de Trânsito o registro da ordem emanada do agente.

6. O § 3º do artigo 280 do ordenamento de trânsito vigente é taxativo ao imputar


uma obrigatoriedade ao agente fiscalizador, sempre que não for possível a abordagem do
1
veículo objeto do ato infracionário, em relatar o fato constatado no próprio auto de infração
para que a autoridade de trânsito possa tomar conhecimento da situação ocorrida e, desta
forma, aplicar a penalidade correspondente.

7. À semelhança do dispositivo legal supracitado, outro entendimento não teria


guarida jurídica, senão o de que o agente autuador deverá relatar no auto de infração qual fora
a ordem imposta por si, que resultou desobedecida pelo suposto infrator.

8. O tipo infracionário descrito no texto da lei trata-se de um tipo aberto, ou seja,


precisa de um procedimento administrativo que lhe molde com adequação suficiente para que
o administrado tenha a oportunidade de defesa nos termos constitucionais. Qualquer obstáculo
ou omissão nos atos da Administração Pública que cerceiem a defesa de seus administrados
serão nulos de pleno direito.

9. A par desse assunto, conforme assevera o advogado André Fachetti Lustosa no


Art.195 ("Desobedecer as ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus
agentes"), a pergunta se repete: que ordem, que comando, que sinal foi desobedecido? Como
alguém pode se defender de algo que não sabe, não reconheceu, não percebeu ou sequer lhe
foi sinalizado, se não há descrição mínima da ordem emanada do agente? Como se manifestar
contra o ato administrativo - utilizando-se do direito ao contraditório - se o autuado sequer
sabe o que teria sido (ou não) indicado a ele pelo agente ou autoridade naquela oportunidade
(que pode ter ocorrido até 30 dias antes - Art. 281, Parágrafo Único II)?

10. Pela leitura do artigo 89 do Código de Trânsito Brasileiro existe entendimento


inequívoco de que as ordens do agente prevalecem sobre os demais sinais. Da mesma forma
que se depreende do texto legal de que não é a falta de abordagem que resulta em nulidade do
ato da administração pública, mas a ausência de justificativa legal descrita no AIT que
justifique a omissão.

11. Assim, é importante ressaltar, ainda que pesem graves acusações quanto a
confecção do auto de infração de trânsito, (assunto não relevante nesta análise), existe a
necessidade da administração proceder de forma adequada e eficaz, para que desse ato,
possam se originar direitos para o Estado fiscal. Ademais, de atos falhos não se originam
direitos conforme preceitua a Súmula 473 do STF.

12. É imperioso assinalar que a subjetividade com que muitos agentes de trânsito
escrevem no auto de infração não é compatível com a administração pública e seus deveres.

13. Descrever num auto de infração simplesmente que não foi possível abordar o
veículo é ato inadmissível que precisa ser afastado da boa administração. O auto de infração é
a peça mais importante da lavratura do delito de trânsito e, portanto, deve estar devidamente
preenchido e bem relatado para que encontre amparo no manto legislativo e para que haja a
legítima outorga à administração pública do direito dever de fiscalizar, disciplinar e penalizar
quando for o caso.

14. Convém anotar que cumprirá sempre ao usuário da via pública o dever
inequívoco de obedecer às ordens do agente de trânsito desde que, logicamente ordens lícitas,
e, de outra feita, cumprirá sempre ao agente da autoridade de trânsito relatar no auto de
infração a ordem emanada e o motivo pela qual, se assim o for, restou desobedecida.

2
15. A propósito importa destacar que para que resulte em infração de
desobediência faz-se necessário que antes tenha existido uma interpelação, um chamado, um
comando. A desobediência não existe por si só, não é elemento autônomo de ação, ou seja,
para que se caracterize uma desobediência é preciso que haja precedido uma ordem e que a
partir desse feito houve a vontade deliberada do agente interpelado em não cumprir o que lhe
estava sendo imposto por autoridade competente.

16. A simples e corriqueira descrição no AIT de que o “o veículo se evadiu”, não


faz prova contra ninguém muito menos faz parte dos tipos penais.

17. Há que se pensar que o veículo pode ter se evadido por uma série de razões,
como por exemplo, ver o agente e se assustar, não ver o agente, não entender suas ordens,
enfim, trata-se de questão deveras subjetiva que depende de um relato capaz de demonstrar
para a autoridade o que, de fato, ocorreu. Sem esse procedimento não há que se imputar ao
usuário da via a infração de desobediência sob pena de grave afronta aos preceitos
constitucionais.

18. Os princípios basilares da administração pública devem se manter incólumes


para que os atos administrativos exerçam a autonomia nas suas execuções e para que não
restem danos e afrontas aos princípios fundamentais sagrados e assegurados pela democracia,
a boa política e a arte de bem governar.

III. Considerações finais

29. Resumindo, para comprovar a ocorrência da infração tipificada no art. 195 do


CTB, o agente da autoridade de trânsito deve relatar no auto de infração a ordem emanada e
as circunstâncias nas quais essa determinação restou desobedecida.

É o entendimento.

Florianópolis, 16 de outubro de 2007

Eduardo Bartniak Filho


Conselheiro representante de JOINVILLE

Parecer aprovado por unanimidade na sessão ordinária n.º 042/2007, realizada


em 16/10/2007.
Luiz Antonio de Souza
Presidente

Você também pode gostar