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Sumário
Introdução
PARTE UM – QUESTÕES METODOLÓGICAS E PROPOSTA
Capítulo I – Um prelúdio clássico: o direito existe?
1. Voegelin e o paradoxo zenônico do direito
2. O direito como participação
Capítulo II – Condições iniciais de investigação e exame de fontes
auto expressivas
1. Estratégia teórica da busca pelo conceito de direito
2. Estabilidade e Unidade
3. O problema semântico do “ser”
3.1. O conceito do “conceito”
3.2. O conceito em Frege
4. Direito e tópica
Capítulo III – Apontamentos para uma proposta
1. Método da filosofia do direito
2. Campos e o método decadialético
2.1. O que são os campos de problemas jurídicos
2.2. Crítica dos métodos
2.3. Requisitos formais da tese e procedimento de aplicação
da decadilética.
PARTE DOIS – TEORIA DECADIALÉTICA
Capítulo I – Primeiro campo
1. Campo do sujeito e do objeto
1.1. Proposta dialética a partir dos discursos prescritivos e
descritivos
1.2. O discurso prescritivo
1.3. O discurso descritivo
1.4. Descrição e prescrição na abordagem metaética
2. Conclusão – Problemas do discurso prescritivo e descritivo
Capítulo II – Segundo campo
1. Campo da oposição atualidade e virtualidade do discurso
prescritivo
1.1. Revisitando o problema da validade
1.2. Alternativas ao problema da validade
1.3. Caso-limite: a validade da Constituição dos Estados
Unidos da América
1.4. Definindo atualidade e virtualidade
1.5. Hipótese de expansão do conceito de direito
2. Conclusão - Problemas da concreção e discussão
Capítulo III – Terceiro campo
1 Campo das possibilidades reais e não reais na virtualidade
1.1. O “sentido” como possibilidade jurídica real
1.2. O lugar da tópica
1.3. A hermenêutica radical
1.4. Interpretação prescritiva
2. Conclusão - Problemas dos sentidos reais e não reais
Capítulo IV – Quarto campo
1. Campo da extensidade e intensidade na atualidade
1.1. Intensidade em Wilhelm Ostwald
1.2 Extensidade e Intensidade do direito
2. Conclusão – Problemas da concreção: ontologia e deôntica
Capítulo V – Quinto campo
1. Campo das oposições de extensidade e intensidade na
atualidade
1.1. Oposições da intensidade em Kelsen e Hohfeld
1.2. Oposições da Extensidade na teorias metaéticas de
Richard Hare e de Kurt Baier
2. Conclusão – Problemas das oposições ontológicas e oposições
deônticas
Capítulo VI – Sexto campo
1. Oposições do sujeito
1.1. O problema da mudança jurídica
1.2. Atualidade como comunicação
1.3. Oposições dos conceitos e dos valores
2. Conclusão – Problemas do discurso prescritivo: sistemas e
valores
Capítulo VII – Sétimo campo
1. Oposições da razão
1.1. Os sistemas jurídicos
1.2. Exame dos sistemas como fontes autoexpressivas
1.3. Conceptualização lógica na dogmática jurídica
2. Conclusão – Problemas das oposições do sistema: aplicação e
abstração conceitual
Capítulo VIII – Oitavo campo
1. Campo das oposições das atualizações e virtualizações
racionais-intuitivas
1.1. Sistema e Antisistemas
1.2. Sistema e valor
1.3. A atualização e virtualização dos sistemas diante dos
valores
2. Conclusão – Problemas da antinomia (virtualização e
atualização) entre sistemas e valores
Capítulo IX – Nono campo
1. Campo das oposições da intuição
1.1. Intuição como valor
1.2. O problema dos valores no direito
1.3. Segurança Jurídica como Valor
1.4. Equidade
2. Conclusão – Problemas da oposição entre os critérios de
valor de segurança jurídica e equidade.
Capítulo X – Décimo Campo
1. O variante e o invariante
1.1. A atualidade como sintonia da ordem
2. Conclusão – problemas do direito em sentido natural e
positivo
Capítulo XI - Conclusões e Teses
1. Estabilidade e Unidade
2. Pragmaticidade
3. Objetividade
Referências 210
Introdução
2. Estabilidade e Unidade
Não é sem perplexidade que o aluno de direito descobre não haver
uma resposta peremptória, ou minimamente consensual, sobre a definição de
sua disciplina. Esta situação um tanto banalizada não é merecedora de
desprezo. Deve-se incluí-la como experiência significativa da busca por um
conceito do direito[46]. Tentar responder a pergunta com base nas impressões
mais evidentes seria o primeiro passo para uma investigação empírica. Nada,
contudo, garante que o resultado corresponda a um domínio do objeto[47]. Por
isso opta-se por iniciar o trabalho com a inquirição de quais impedimentos se
colocam frente à descrição de tal objeto.
Afirmamos que estabilidade e unidade são os dois entraves nos quais
a intuição e a razão esbarram quando se busca uma verbalização direta do que
seja determinado objeto[48]. Esta verbalização seria trivial para objetos que
permitem uma conceptualização pré-analítica, ou seja, sem o ajuste lógico
interno, como é o caso de objetos imediatamente apreensíveis por meio da
mera presença visual[49]. Podemos afirmar, como regra geral, que quanto
maior a facilidade em constatar a estabilidade e a unidade de um objeto tanto
mais concreto ele se mostra[50] por permitir uma visualização instantânea de
suas semelhanças e diferenças[51]. Uma boa descrição seria aquela capaz de
revelar esta concreção, elevando a capacidade intuitiva do interlocutor ao
mostrar-lhe que certas experiências e conceitos específicos aparentemente
desconexos guardam, na verdade, um sentido partilhado[52].
Não se nega que a transição da experiência ao conteúdo comunicável
está sempre eivada de perdas, variando conforme a capacidade expressiva de
quem formula o conceito e a captação mais ou menos idêntica do
interlocutor[53]. Mas não se deve alegar consequentemente uma
impossibilidade de descrever o direito. Ainda que as dificuldades linguísticas
se imponham, há algo para além destas garantindo a referência comum a uma
experiência semelhante: a própria unidade do real, sua homogeneidade e
continuidade intrínsecas compartilhadas pelos interlocutores permitem uma
investigação ontognosiológica[54] passível de esclarecimento.
Uma definição, podemos afirmar, é um conjunto de enunciados sobre
certo objeto, tais que, por fazerem referência a uma mesma experiência
comum da realidade permitem que o objeto seja reconhecido[55]. A
dificuldade em “definir o Direito” repousa não só na ampla experiência
referenciada pelo termo como também na dificuldade permanente em
distingui-lo de outras experiências similares[56].
Em linhas gerais, podemos descrever esta dificuldade nos termos
lógicos da extensão e intensão: intensivamente, o conjunto de experiências as
quais o direito faz referência precisa tornar-se claro a luz de um conceito que
lhe confira a unidade da referência na totalidade das experiências. É o caso
dos múltiplos âmbitos focalizados pela ciência e filosofia do direito: há
teorias que tratam da interpretação, dos valores, da dogmática, das relações
com o conceito de justiça, moral, política, teorias sobre a natureza do dever-
se, teorias sociológicas e econômicas, todas elas revelando múltiplas facetas
de um mesmo objeto.
Ao mesmo tempo, no contexto extensional, este conjunto de
experiências é intuído de maneira heterogênea em decorrência da sua própria
descontinuidade enquanto objeto em relação existencial com o ser humano,
participando do direito em mais larga ou estreita medida e não raramente
confundindo-se com o que se denomina terreno das demais ciências. A
dificuldade fica evidente, por exemplo, em se tratando de leis orçamentárias
em que o jurídico e o econômico se entrelaçam, ou a forma pela qual é
possível afirmar uma natureza simultaneamente política e jurídica com a
nomeação de um Presidente da República. Busca-se, neste ponto, agrupar
elementos a partir de certa homogeneidade[57].
Há, portanto, sob estes dois pontos de vista lógicos, certa dificuldade
em afirmar a unidade do objeto a que o conceito de “direito” se refere.
Todavia, não bastasse a aparente descontinuidade com que o conceito
de direito dificulta sua apreensão, há ainda o problema quanto a sua unidade
extrínseca sob o ponto de vista cronotópico.
Afirmava Leibniz que dois objetos não podem ser indiscerníveis sem se
confundirem, ou seja, se não é possível distinguir um objeto de outro temos
de admitir tratar-se do mesmo objeto. Teríamos de tomar por consequência
que não há apenas um “direito” como objeto, mas uma multiplicidade deles,
separáveis entre si apenas pela vocação científica do método que os estuda.
Não se trata somente de diferentes ordenamentos em diferentes países, mas
também nos diferentes períodos históricos; a esse fator tempo-espaço
chamaremos de cronotópico[58].
Contudo, se operarmos esta divisão do objeto ficaremos sem saber o
que serve de suporte às suas várias partes. Neste caso, não seria lícito
suspeitar algo em meio às diferenças cujo fundamento permanece em
comum?[59] Poderíamos, de fato, arguir que há mais semelhanças do que
diferenças entre qualquer dos “direitos” se comparados entre si. A existência
cronotópica variante no tempo e no espaço confere ao objeto certa
dialeticidade: posto que não sejam os mesmos “direitos” também não
podemos dizer que não são algo semelhantes, mantendo certa constância em
diferentes tempos e espaços[60]. Em outras palavras, deve-se inicialmente
tomar por pressuposto tratar-se do mesmo objeto para verificar os elementos
de sua unidade intrínseca e verificar como as diferenças cronotópicas se
ajustam dentro desta unidade (não excluída a possibilidade de haver algo
tomado por “direito” que, ao final, se revele contraditório). A esta
coordenação das diferenças, ou seja, este padrão, podemos chamar de
estabilidade[61].
Os entraves da multiplicidade e da instabilidade terão de ser
enfrentados por meio do método proposto. Mas além do conteúdo
materialmente abrangido pela tese importa também para fins da aplicação
correta do método um rigor lógico pelo qual se verifica a resposta a ser
buscada. A pergunta “o que é” determina que sua resposta verbal inclua,
necessariamente, o verbo ser. Este verbo, no entanto, não está isento de certa
peculiaridade filosófica. O tema requer certo desenvolvimento lógico para ser
devidamente aprofundado.
3. O problema semântico do “ser”
Neste subtítulo busca-se um conceito semântico[62] para o modo como
tal pergunta deve ser respondia. A pergunta pelo “o que é” nos conduz
imediatamente a uma investigação semântica sobre o “ser”. De modo prévio,
podemos analisar um possível resultado da pergunta pelo modo como
diferentes correntes filosóficas tratam o problema do “conceito”.
4. Direito e tópica
Daremos especial atenção à abordagem de Theodor Viehweg, pois ela
indica os fundamentos desta tese e se correlaciona, como será demonstrado,
com o método decadialético. Viehweg, tendo alcançado uma intuição
originária na obra de Giambattista Vico[84] e alicerçado no texto
aristotélico[85], aponta o caráter fundamental da ‘tópica’: uma organização
segundo zonas de problemas[86]. É, portanto, uma técnica filosófica baseada
em raciocínios problemáticos[87]. Ela diverge do pensamento sistemático, tal
como fora apreciado pelos juristas a partir do século XIX, na mesma medida
em que a dialética diverge da lógica. Para prosseguir à análise da tópica,
Viehweg definirá os ‘problemas’ como “toda questão que aparentemente
permite mais de uma resposta e requer necessariamente um entendimento
preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de questão que há de levar
a sério e para a qual há que buscar uma resposta como solução”[88][89].
Evidente que, na lógica, a possibilidade de haver mais de uma resposta
conflita com seus pressupostos de não-contradição, devendo ser rechaçada
pelo sistema (seja externo ou interno). Abrindo mão de uma resposta unitária
para cada pergunta (contrariando o requisito da completude dos sistemas) a
dialética perde no grau de certeza alcançável pelos raciocínios lógicos; mas
essa aparente incerteza não pode ser vista senão como uma condição do
desenvolvimento de um raciocínio investigativo por excelência. A tópica se
identifica com o raciocínio dialético, que tem por objeto opiniões geralmente
aceitas e são a munição do combate argumentativo. Em consonância estrita
com a Tópica de Aristóteles, seus métodos incluem, além da indução e
dedução emprestadas da lógica[90], também a descoberta e a apreensão de
premissas[91]; a discriminação da plurivocidade existente nas expressões
linguísticas[92] e a discriminação das diversas determinações categoriais[93]; a
descoberta das diferenças de gêneros e espécies e de semelhança nos
diferentes gêneros[94]. Trata-se, sobretudo, da tarefa filosófica de ordenação
das perguntas: os topoi são um auxílio na obtenção de raciocínios
dialéticos[95].
O caráter problemático de certos ramos do conhecimento sugere uma
aplicação profícua dos topoi[96]. No direito, a emergência de situações
conflitantes e o aparecimento cada vez mais acelerado de circunstâncias
inusitadas diante das quais os institutos prévios se veem despreparados
autorizam a elaboração de uma tópica auxiliar cuja função de orientação é
representada por Viehweg pela comparação à “fios condutores do
pensamento”. A elaboração desta tópica, entendida como uma catalogação
dos modos de compreensão dos problemas, sejam eles gerais ou específicos
de determinado assunto, é advertida por Viehweg como propensa a
descambar na elaboração de um sistema. Desta forma, perder-se-ia a
fecundidade do método dialético de pensar por contradições. A tentação de
formular conceitos e estabelecer definições em cadeias dedutivas com as
certezas do nexo lógico deve ser aplacada a fim de se manter o caráter
problemático da tópica. A projeção de um sistema, salienta Viehweg, apenas
cria uma fissura entre o próprio sistema e o mundo dos problemas, que
permanecem inalteradamente problemáticos[97].
O autor aponta, não obstante, a possibilidade de “catálogos” de topoi,
tal como fora formulado por Aristóteles e Cícero[98]. Estes catálogos não
obedeceriam ao rigor axiomático dos sistemas, mas funcionariam como uma
“tópica de segundo grau”, uma coleção dos principais pontos de vista sobre
determinado assunto.
A tópica tem ainda a função singular de descobrir premissas – a
chamada ars inveniendi de Cícero[99]. Este método, como assinala Viehweg, é
anterior à lógica, cuja função, por sua vez, pode ser útil para elaborá-las de
maneira conclusiva e prová-las retroativamente. Contudo, conforme foi
descrito acima, este prosseguimento lógico se mantém em limites modestos
sob a pena de se distanciar demasiadamente do problema[100].
Na prática, reconhecemos a tópica em debates sobre temas cuja
conclusão permanece em aberto (aporias), ganhando assim o caráter de
problemas. As premissas buscadas surgem sob a forma de aceitações e
recusas por parte dos debatedores (ou o filósofo singularmente debatendo
consigo mesmo), que ao longo dos discursos vão joeirando aquilo que pode
ser admitido por ambos[101], e assim conduzem a investigação[102]. Poder-se-ia
objetar quanto à insegurança das conclusões potencialmente obtidas.
Contrapõe-se a isso o próprio conhecimento prévio dos debatedores sobre o
assunto, reafirmando a definição aristotélica da dialética como a “opinião dos
sábios”[103].
Os sistemas exigem uma ordenação sob um fundamento lógico. O
pensamento tópico disponibiliza, no máximo, uma catalogação descuidada
dos topoi. Ao contrário da demonstrabilidade lógica dos enunciados do
sistema, a catalogação se sustenta pelo caráter dialético. Aristóteles atribuía a
este tipo de discurso o fundamento na “aceitação dos sábios”. Tal
fundamento impõe questionar: trata-se de um discurso científico?
Remetendo a Aristóteles, ciência ( episteme ) é definida
como o conhecimento pelas causas; diferentemente da técnica
( techne ), que é um hábito de produção por reflexão razoável[104].
Por um lado, a tópica parece não ser um discurso científico por lidar com
questões insuscetíveis ao conhecimento absoluto e certo[105]: Sentimos o
desejo de começar a estabelecer, por uma parte, uma série de conceitos
fundamentais, com o fim de obter definições em cadeia ou algo parecido ao
que aprendemos no que se relaciona com uma investigação de princípios.
Com isto, não obstante, alteramos a peculiar função dos topoi. Desligamo-los
progressivamente de sua orientação para o problema quando tiramos
conclusões extensas e absolutamente corretas.
Sob pena de tomar conclusões apenas provisórias como princípios
gerais, deve-se, então, negar um estatuto científico ao pensamento tópico.
Viehweg admite duas possibilidades da ‘cientifização’ da tópica[106]: a
primeira é a tentativa de converter o estilo argumentativo em deduções
lógicas, se dirigindo aos critérios lógicos exigidos pelo discurso científico,
sua completude e unitariedade de conceitos e proposições; a segunda é fazer
da tópica não um método, mas um objeto da ciência, buscando delimita-la e
descrevê-la a partir de um enfoque científico. Em outras palavras, ou a tópica
se transformava em lógica ou se subordinava a ela.
A primeira hipótese pode ser traduzida no esforço dos juristas
oitocentistas criadores de sistemas. O trabalho deles, segundo Viehweg, foi se
colocar contra a tópica em nome dos ideais do discurso lógico, mas ao
mesmo tempo não poderiam negar que seus resultados só podiam ter sido
alcançados devido aos longos debates antigos e medievais travados a
respeitos dos conceitos e institutos jurídicos, cujo fundamento era a própria
tópica[107]. As proposições e conceitos típicos dos sistemas são também a
matéria prima com a qual o pensamento tópico se integra; a diferença está na
interrupção dos desdobramentos dedutivos possíveis que o raciocínio lógico
possibilita. Por exemplo, a positivação do direito, que em geral atua como
uma generalização lógica de determinada circunstância, é evitada no
pensamento problemático sob a pena de desvincular-se das situações
individuais presentes, distanciando-se demais de suas peculiaridades. Mesmo
a positivação, quando ocorre, se dá pela cristalização de um procedimento
argumentativo “às apalpadelas” da solução correta ao caso. Somente ao final
essa solução torna-se fonte do direito. A rigidez do direito positivo será então
mantida até que, novamente, uma situação nova exija sua modificação,
demandando novos pontos de vista do pensamento tópico.
Ao explicar como esta passagem acontece, Viehweg explica que o
catálogo dos topoi é convertido em uma ordem mais ou menos fortuita de
“conceitos básicos iniciais” ou “proposições-diretrizes” de determinado
direito. Estes conceitos e proposições deverão obedecer ao rigor lógico,
exigindo-lhes clareza e evitando suas contradições internas, ou seja, os topoi
serão preparados para elevar-se à categoria de um conjunto de axiomas[108].
No entanto, a possibilidade de um corpo rígido de axiomas dos quais
os conceitos manteriam um elo implacável, permitindo transformar
completamente a dialética dos topoi na lógica das proposições, jamais se
realizou[109]. Mesmo teoricamente, este projeto enfrentaria dificuldades das
quais se pode inferir a impossibilidade de uma remoção completa da tópica.
Em primeiro lugar, há a determinação de quais axiomas serão adotados para
compor o sistema, sugerindo aí o prenúncio de uma indagação
potencialmente dialética. Depois de consolidados em linguagem natural, a
interpretação das proposições introduzirá uma ‘tópica oculta’, da qual o
jurista não poderá se desvencilhar. Fica assim provada a persistência da
tópica, mesmo no mais alto grau de formalismo. É preciso admitir que tópica
sempre esteve presente e sua techne continua a mesma dos séculos anteriores
ao predomínio do pensamento axiomático. Segundo Viehweg, a forma de
pensamento baseada em axiomas, deve sua importância ao momento
presente, ou seja, ao modo atual como o direito é descrito. Historicamente,
todavia, os axiomas se revelam não tão imprescindíveis, ocupando
objetivamente um segundo plano[110]. O primeiro cabe à tópica.
Viehweg cederá à confabulação de uma hipótese que alcance a
eliminação da tópica, estabelecendo ad argumentandum o predomínio da
lógica dedutiva. Para tanto é imposta a gerência sobre-humana de um
legislador incumbido de conceituar cada nova situação. Os enunciados
normativos estariam dispostos com uma especificidade tal que a interpretação
se extinga sob uma estrita proibição dentro do sistema. Ainda assim,
argumenta, o problema da escolha inicial arbitrária dos axiomas será
incompatível com a exigência lógica, pois seu fundamento e critério
respondem ao problema da justiça[111]. Sua argumentação serve para reiterar
a presença inelutável da tópica, porém é ponderada diante da hipótese de
formalizar “regiões parciais” do direito[112], dentro das quais o uso da lógica
na construção dos sistemas não exclui, mas se adéqua à tópica.
O desenvolvimento do raciocínio tópico não é, portanto, incompatível
com a ideia de sistemas. Seguindo a ideia proposta por Franz Von Hippel,
Viehweg, a elaboração dos problemas correspondentes à situações
historicamente dadas sob o fundamento filosófico da tópica torna possível
elaborar correspondentes respostas a estes problemas[113]. Estas respostas
formariam um código. A dicotomia entre perguntas-respostas permite ver o
direito positivo como uma resposta derivada, por sua vez, de uma aporia
fundamental: o problema da justiça. A unidade do direito reside neste ponto
axiológico; o valor imbricado nas respostas dadas pelo sistema de direito
positivo repousa sobre esta questão fundamental[114]: É claro que todas as
partes integrantes desta busca do direito têm de permanecer necessariamente
dependentes, e que não é lícito, por isto, tentar desligá-las de sua raiz
problemática e ordená-las depois isoladas em si mesmas. Não estão, em
absoluto, em situação de desenvolver um arcabouço semelhante, a partir de si
próprias. Projeto de sistema que contrarie este ponto de vista se elimina, em
geral, por si só, e é, apesar de toda a sua beleza científica, praticamente
inutilizável.
1. Oposições da razão
A passagem do âmbito fático e particular para a generalização
conceitual antes de ser prescrita deve ser descrita. A divisão feita entre o
discurso prescritivo e descritivo permite englobar a razão jurídica prévia a
criação de leis como um processo do segundo tipo.
1.1. Os sistemas jurídicos
Optamos pela investigação dos sistemas enquanto fontes
autoexpressivas das oposições da razão no discurso descritivo. O percurso
dos sistemas na história é uma amostra de quais assuntos são discutidos pelos
juristas, ou seja, do modo como buscaram organizar o direito, aproximando-
se do que hoje podemos chamar de conceito pragmático[305].
A auto delimitação e a coerência em si mesma, tendem ao
cumprimento dos requisitos da unidade e estabilidade dos conceitos[306].
Sistemas são modelos de conceitos pragmáticos uma vez que expressam um
elevado domínio do objeto – e por isso devem ser investigados. Tal
investigação parte, como foi dito, não da qualidade em si de cada proposta,
mas da expectativa de que o resultado da tarefa de organização aponte para
um aspecto unitário e estável do direito, Não por acaso, métodos lógicos,
compreendidos como o modelo de elaboração resultante no conhecimento
apodítico, permeiam a história dos sistemas jurídicos com a nítida tarefa de
lhes conferir o máximo rigor epistemológico. O avanço chega a tal ponto em
que o rigor acaba por cindir o conteúdo jurídico sistemático separando-lhe do
plano da vida, o Lebenswelt, criando divisões bastante duvidosas como
“mundo dos fatos” e “mundo do direito”. Novas alternativas precisam ser
buscadas, afinal, as imposições sociais também se modificam ao compasso
das novas teorias: os sistemas são transformados, relativizados, combinados e
questionados. A afirmação de sua insustentabilidade conduz a proposta de
seu abandono. Com Theodor Viehweg ocorre o momento crucial no
desenvolvimento dos sistemas: há uma hesitação sobre o predomínio da
lógica como viga estruturante do pensamento jurídico. Seja negando ou
afirmando seu papel, é a partir dela que tanto as filosofias do direito quanto a
ciência jurídica haviam caminhado até a metade do século XX. Viehweg
retoma o conceito clássico da tópica para ressaltar o papel da retórica e da
dialética como imprescindíveis e anteriores à lógica.
1. O variante e o invariante
Variante e invariante são formas de constância a que um objeto está
sempre submetido. Descrevemos acima, no primeiro capítulo da Parte Um, o
modo pelo qual se dá a participação do homem – seja indivíduo, ou sociedade
– no direito. O ânimo com que foi feita a relação entre a ordem substantiva da
sociedade e a ordem jurídica, ambas entrelaçadas e coordenadas, contrasta em
algo com as expectativas reais que nos permitimos acreditar. A força de
manutenção da ordem é, sem dúvida, posta em cheque quando sociedades
juridicamente alicerçadas se mostram socialmente instáveis. Mais que isso: a
premissa de que a ordem decorra de uma suposta aclimatação ou
naturalização do comportamento previsto prescritivamente com o
comportamento de fato, unindo ambos numa mesma sintonia, parece
demasiada ingênua para os dias de hoje. É preciso, agora, esmiuçar os
mecanismos pelos quais se pode falar em “ordem” a partir de experiências
existenciais evocadas pelo fenômeno jurídico e sua inserção na sociedade.
Na investigação sobre o segundo campo, ao buscar definições para os
termos “atualidade” e “virtualidade” no direito, introduzimos a questão da
possibilidade de descumprir regras juridicamente estabelecidas – válidas,
portanto. Tal questão, todavia, remanesceu sem resposta em decorrência do
objetivo do método dialético elaborado de modo a se resignar em mapear
zonas de problemas, suspendendo momentaneamente a preocupação com
suas respostas. Foi, no entanto, esclarecido que a atualização das regras
corresponde a um salto na possibilidade de vir a se realizar, o que nos
motivou a incluir tanto o processo de criação do direito quanto seu
cumprimento e efetivação.
Referências
ALEXY, Robert, Begriff und Geltung des Rechts, 2ª ed, 2005, trad.
port. G.B.Mendes, Conceito e Validade do Direito, São Paulo, Martins
Fontes, 2010.
______. Theorie der Juristischen Argumentation, trad. port. Z.
Hutchinson, Teoria da argumentação jurídica, São Paulo, Landy, 2001.
AMADO, Garcia, Teorías de la tópica jurídica, Madri, Civitas, 1988.
BLOOM, Allan, The closing of American Mind, New York, Simon &
Schuster, 1974.
FERRAJOLI, Luigi, “The past and the future of the rule of law”, in
Pietro Costa e Danilo Zolo (orgs.), The Rule of Law – History, Theory and
Criticism, Dordrecht, Springer, 2007.
ROSS, Alf, On law and Justice, trad. Port. E. Bini, Direito e Justiça,
Bauru, Edipro, 2000.
WRIGHT, Georg Von, Deontic Logic, in Mind, New Series, vol. 60,
n. 237 (janeiro de 1951).
[1]
E. VOEGELIN, The nature of Law, trad. port. F. V. Ferreira, A natureza do
direito e outros textos jurídicos, Lisboa, Vega, 1998, p. 45 e ss.
[2]
Essa ideia não é apenas uma sugestão retórica. Ela de fato ocorre com a
mudança de significado do ius gentium no século II, nos Institutos de Caio, império do
Antoninos. Inicialmente, os juristas romanos designavam o ius gentium o direito comercial
realizado para com os estrangeiros. Na época de Cícero o termo passa a designar institutos
comuns a todas as nações, reservando o título de ius civile apenas o que havia de peculiar.
Esta divisão ainda é encontrada no Digesto (Ulp. 1 inst. D. 1, 1, 1,4). O ius gentium refletia
aquilo que a filosofia estóica preconizava como uma razão natural, comum a todos os
homens. Ver: F. DE ZULUETA, The Development of Law under Republic, in: Cambridge
Ancient History, vol.9, 1932, cap. p.806-7; e W.W. BUCKLAND, Classical Roman Law,
in: Cambridge Ancient History, vol.2, 1936, p. 869-71 apud The Collected Works of Eric
Voegelin, vol. 19, History of Political Ideas, vol. 1, Hellenism, Rome and Early
Chrystianity, University of Missouri, Columbia, 1989, p.258. Por este motivo São Tomás
dedica uma quaestio especificamente sobre o tema, v. Suma Teológica –( dir. G. C.
Galache, São Paulo, Loyola, 2001, tr. II, II, q.57, 3).
[3]
A apresentação do método comparativista nas ciências naturais surge da
necessidade de classificação das espécies, já esboçando a taxonomia retomada no século
XIX. Os detalhes são apresentados na Analytica Posteriora (II, 13; 97b5-15) e na Pars
Animalium (I, 1; 639ª15-639b5). Sobre a discussão do comparativismo em Aristóteles v. J.
FERIGOLO, Conhecimento, dialética, analogia e identidade na biologia de Aristóteles,
tese (doutorado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2012, p.289-92.
[4]
Jhering é o primeiro a descrever que, apesar desta plasticidade dos sistemas,
eles não podem distorcer certos aspectos rígidos dos institutos; embora o faça por meio de
metáforas, fica claro se tratar do que chamamos aqui de ‘sistema interno’ do direito: “Essa
precipitação das normas no sistema não é uma obra surgida da discricionariedade subjetiva,
não é uma elaboração da matéria empreendida pela ciência, mas é inerente ao próprio
direito” - (R. Von JHERING, Geist der römischen Rechts auf den verschiedenen Stufen
seiner Entwicklung, Breikopf & Härtel, Leipzig, 1852-65, 4 vol., p.42, apud. M. LOSANO,
Sistema e struttura nel diritto, volume I: Dalle origini alla Scuola Storica, 1968, trad. port.
C.A. Dastoli, Sistema e estrutura no direito, volume 1 – Das Origens à Escola Histórica,
Martins Fontes, São Paulo, 2008, p.367); em Stammler, em sua obra de 1911, retrata a
passagem do paradigma oitocentista de construção de sistemas para a descoberta dos
sistemas jurídicos, abrindo mão da busca por relações causais e orientando a ciência
jurídica para o paradigma finalístico - (R. STAMMLER, Theorie der Rechtswissenschaft
Buchhandlung des Weisenhauses, Halle und der Saale, 1911). François Gény aponta este
dado ao afirmar o que antes era tido pelo jurista como essencial (“o papel e o valor das
fontes formais”) passara a um plano subordinado, visto como, “não sendo senão modos
contingentes de expressão de uma realidade permanente, as fontes devem ficar
subordinadas a essa realidade mesma” – (F. GÉNY, Science et Technique, I, p. 41, apud M.
REALE, Teoria Tridimensional do Direito, 5ª Ed., São Paulo, Saraiva, 1994, p.6). No
entanto, somente com Hans Kelsen (1881-1973) têm-se o marco definitivo da busca pela
estrutura interna em sua Teoria Pura do Direito, o que Mario Losano chama de “arquétipo
do sistema interno” – (M. LOSANO, Sistema e Struttura nel Diritto, vol. II, Il Novecento,
2002, trad. Port. L. Lamberti, Sistema e estrutura no direito, vol.2 – O século XX, Martins
Fontes, São Paulo, 2008, p.154).
[5]
Muito embora tenhamos focado esta divisão no positivismo jurídico ela aparece
anteriormente em Phillip Heck. A “jurisprudência dos interesses” pugnava por motivações
alheias ao pensamento estritamente filosófico conceptual, ou “metajurídico”, em reação
tanto aos defensores da interpretação histórica como Bierling, como à “jurisprudência dos
conceitos” – (P. HECK, Gesetzesauslegung und Interessenjurisprudenz, 1914, trad. port. J.
Osório, Interpretação da Lei e Jurisprudência dos Interesses, São Paulo, Saraiva, 1947,
p.16 e ss.).
[6]
No caso das democracias atuais, um processo legislativo constitucional, no qual
regras são propostas e votadas por representantes da população, eleitos pelo voto de uma
maioria.
[7]
Numa análise mais apurada segundo a teoria geral do direito poderia ser
sugerido ainda mais formas de atribuir ou desprover normas de validade, indo desde a
admissão de determinado costume até a aplicação de súmulas fundamentadas em
reinterpretações constitucionalmente validadas. De nada adiantaria remetermos a validade à
legitimação pela força ou poder. Mesmo antes da organização do Estado os costumes
tinham força vinculativa enquanto tal, não devido às qualidades do sacerdote ou líder que o
impunha. Sobre o papel dos sacerdotes na aplicação do direito, v. M. VAN CREVELD,
The Rise and Decline os the State, Syndicate of the University of Cambridge, Cambridge,
1999, p.12. Devemos abandonar esta linha de investigação para os propósitos de
estabelecer a existência do direito, mas ela se conserva decisiva ao constatar os modos
como esta existência se impõe.
[8]
As definições do direito baseadas no gênero de um conjunto ou somatório de
leis ou de normas parece ser o paradigma atual. Nobert Horn, por exemplo, define como
“suma das normas gerais garantidas pelo Estado para a regulamentação da vida em comum
das pessoas, e para o apaziaguamento de conflitos inter-pessoais através da decisão” – (N.
HORN, Einführung in die Rechtswissenschaft und Rechsphilosophie, 2ª ed., trad. Ale. S.
Fabris, Introdução à ciência do direito e filosofia jurídica, Porto Alegre, Sergio Fabris,
2005, p.34).
[9]
E. VOEGELIN, A natureza do direito e outros textos jurídicos, p. 55.
[10]
“As normas de uma ordem jurídica positiva valem (são válidas) porque a
norma fundamental que forma sua regra basilar de produção é pressuposta como válida, e
não porque são eficazes; mas elas somente valem se esta ordem jurídica é eficaz, quer
dizer, enquanto esta ordem jurídica é eficaz” – (H. KELSEN, Reine Rechtslehre, 2ª ed.,
1960, trad. Port. J. B. Machado, Teoria Pura do Direito, WMF Martins Fontes, Ltda.,
2012, p. 237).
[11]
“Nós compreendemos a ordem jurídica, primeiro, como um agregado de regras
válidas e, depois, como uma série de tais agregados ligados pelo processo constitucional. A
ordem jurídica no primeiro sentido é o ponto estático numa dimensão temporal criada pelo
processo constitucional; e a ordem jurídica no segundo sentido é o continuum concebido
como uma série de pontos estáticos sobre a linha. A sucessão dos pontos estáticos nunca
correrá simultaneamente com o continuum autêntico de uma coisa que existe realmente no
tempo” - (E. VOEGELIN, A natureza do direito e outros textos jurídicos, p. 58).
[12]
G. FREGE, Schriften zur Logik und Sprachephilosophie, 1904, trad. port. de P.
Alcoforado, Sobre o conceito e o objeto in Lógica e Filosofia da Linguagem, 2ª ed, São
Paulo, Edusp, 2009, p. 114.
[13]
Voegelin expõe com a elegante truculência de praxe: “A pletora de teorias
jurídicas, a variedade desconcertante de posições existentes no nosso tempo, é causada pela
má vontade em submeter à análise as verdades parciais que podem ser extraídas em grande
número da experiência pré-analítica do “direito”. Elas são deixadas no estádio de
presunções iniciais por analisar” (E. VOEGELIN, A natureza do direito e outros textos
jurídicos, p. 59). A exigência de uma certeza “científica” inicial, um ponto arquimédico da
filosofia jurídica, reduz as expectativas de verdades a serem encontradas em reflexões do
uso cotidiano dos termos, ou da observação crua dos fenômenos. Esta exigência tem então
de ser suprida por domínios meramente conceituais, erigindo teorias em torno de figuras
como “norma de reconhecimento” ou “norma fundamental”.
[14]
Podemos somar ainda a crítica de não haver relações causais nas teorias que
buscam explicar o direito enquanto um agregado de regras válidas. Por não determinar a
causalidade, teorias positivas explicam, mas não compreendem o direito. Kelsen
admitidamente não busca estabelecer uma ciência jurídica baseada no conhecimento pelas
causas – paradigma proposto por Aristóteles e jamais interrompido – mas um estudo sobre
a interpretação dos atos jurídicos, a partir da construção de um sistema baseado no
pressuposto epistemológico da norma fundamental. Sobre a orientação epistemológica de
Kelsen na Teoria Pura do Direito Cf. S. GOYARD FABRE, Philosophie Critique et Raison
Juridique, trad. port. M. Galvão, Filosofia crítica e razão jurídica, São Paulo, Martins
Fontes, 2006, p.233. Sobre a solução kelseniana de impor uma norma hipotética, Voegelin
responde: “[Ela] confere validade jurídica à própria constituição e fecha o “sistema”
jurídico. Esta construção deve ser rejeitada por ser analiticamente sem sentido. Ela não
analisa nada mas mutila a indagação à natureza do direito. Em ciência, nós estamos
interessados no estudo da realidade, não na construção de um sistema que preclude o seu
estudo” – (E. VOEGELIN, A natureza do direito, p. 78).
[15]
Ao tratar da aplicação do direito, Max Weber afirma: “a fonte de decisões
“judiciais”, primeiramente, não está constituída por normas gerais – “normas de decisão” -
de qualquer tipo, as quais ele poderia "aplicar" ao caso concreto, ou somente o está quando
se trata de certos problemas preliminares formais. Ao contrário, o juiz, ao decretar a
garantia coativa num caso concreto e por razões concretas, cria eventualmente a vigência
empírica de uma norma geral como "direito objetivo", porque sua máxima ganha
importância, que vai além desse caso concreto - (M. WEBER, Wirtschaft und Gesellschaft:
Grundriss der verstehenden Soziologie, trad. Port. R. Barbosa, Economia e sociedade:
fundamentos de Sociologia Compreensiva, vol. 2, Brasília, UNB, 1999, p. 71).
[16]
“Uma realidade social de ações válidas imbrica-se com o direito como um
agregado de regras válidas (...) A noção de hierarquia de regras válidas deve, assim, ser
expandida num processo de criação do direito no qual regras e atos criadores de regras de
alternam. Este processo desagua, finalmente, na vasta realidade da sociedade que “tem” o
direito que é feito no processo. Mesmo esta vasta realidade para além do processo de
criação do direito em sentido técnico tem, todavia, um modo de participar do direito” (E.
VOEGELIN, A natureza do direito e outros textos jurídicos, cit., p. 59, grifo nosso). Uma
possível objeção caberia aqui. O critério de constitucionalidade das normas, remetendo-as à
análise a partir de uma norma superior, não pode ser visto como causa eficiente da criação
de novas normas. No máximo poder-se-ia dizer que o texto constitucional permite o
posterior processo legiferante, mas por sua natureza de discurso descritivo não pode ser
causa das novas leis. Reconhece-se uma indiscernível presença agente humana no processo.
[17]
K. BÜHLER, Sprachtheorie, 1934, trad. ingl. D. F. Goodwin, Theory of
language: the representational function of language, Philadelphia, John Benjamin
Publishing Co., 2011, p. 99.
[18]
T. VIEHWEG, Topik und Jurisprudenz, 1953, trad. port. T. Ferraz Jr., Tópica
e Jurisprudência, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1979, p. 21.
[19]
E.VOEGELIN, Order and History, vol. 1: Israel and the revelation, trad. Port.
C. C. Bartolotti, Ordem e história, vol. 1: Israel e a revelação, São Paulo, Loyola, 2014, p.
50.
[20]
Id. p. 51.
[21]
Têm-se aqui um ponto paradoxal, pois o Homem se vê como parte de algo que
não compreende totalmente, sem também compreender totalmente a si mesmo. Sua
participação no que Voegelin chama de “comunidade do ser”, fazendo eco à filosofia
estóica de Zenão, não pode ser completa porque nem seu conhecimento do ser nem o
conhecimento de si é completo: “A ironia socrática da ignorância se tornou o exemplo
paradigmático da consciência sobre este ponto cego no centro de todo o conhecimento
humano sobre o homem” - Ibid. p.52.
[22]
“Em seu sentido etimológico , participar é receber algo de outrem. Mas o que é
recebido é recebido não totalmente (totaliter), pois totaliter recipire seria receber em
totalidade algo (aliquid). É intuitivo que o conceito de participar implica um receber parte
de algo (áliquid) de outro (ab alio). O que participa é o participante, o qual participa do
participável (participable = o que pode ser recebido) de outro, o participado”. M.
FERREIRA DOS SANTOS, Tratado de Simbólica, São Paulo, É realizações, 2007, p. 93.
[23]
Mário Ferreira não especifica a fonte, transcrevendo a relação em latim
(quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur), ou “Tudo quanto é participado em
algo, o é, nele, segundo o modo de ser do participante, pois ninguém pode receber acima de
sua medida”, do latim “Omne quod este participarum in aliquo est eo per modum
participantes; qui nihil potest recipere ultra mensuram suam” – (M. FERREIRA DOS
SANTOS, Tratado de Simbólica, cit., p. 94-5).
[24]
A tripartição de participante, participado e objeto participável é útil na
exposição hermenêutica permitindo categorizar com clareza a relação entre sujeito e texto:
“a ideia que se tem de um texto antes (na forma de pré-conceito) e durante a sua leitura
afeta o que o próprio texto a ser interpretado é, modificando a relação original do leitor
com esse objeto de interpretação, que não é mais o mesmo, vez que sua atividade já o
alterou” – (A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, tese (titularidade), Faculdade de
Direito da USP, São Paulo, 2013, p.16). O objeto participável não permanece intacto, mas
se modifica na medida do participante. A experiência da participação torna possível
“alavancar” a própria reflexão com base na obra de arte. O Bildungsroman de Goethe é o
paroxismo da interpretação-participação quando Wilhelm Meister descobre ele mesmo
retratado, descrito, interpretado enfim, na Sociedade da Torre. A participado e participante
tornam-se um só aos olhos do leitor.
[25]
M. FERREIRA DOS SANTOS, O Um e o Múltiplo em Platão, Logos Ltda.,
São Paulo, 1958, p. 44.
[26]
ARISTÓTELES, Metafísica, trad. port. G. Reale, trad. port. M. Perine, 5ª ed.
São Paulo, 2015, p.49, trecho,990b 20 e p.665, trecho 1088a 2, b.
[27]
M. FERREIRA DOS SANTOS, O Um e o Múltiplo em Platão, p. 42.
[28]
Id. p.43.
[29]
Ibid. p.45.
[30]
Mais do que simples verbete de epistemologia, “Anamnese” é o conceito
central na filosofia da história e da consciência de Voegelin. A relação entre ambas será
dada por uma “filosofia da ordem”, um “processo através do qual encontramos a ordem de
nossa existência como seres humanos na ordem da consciência” (E. VOEGELIN,
Anamnesis, trad, port. E. Fonseca, Anamnese – Da teoria da história e da política, São
Paulo, É Realizações, 2006, p. 48). O símbolo platônico será a retomada consciente do que
foi esquecido, que “entretanto, pode ser lembrado apenas porque é um conhecimento à
maneira do oblívio, que através de sua presença no oblívio provoca o desassossego
existencial que forçará seu crescimento à maneira de conhecimento” (Id. p.49). O
pensamento não articulado é transformado em conhecimento e fixado em formas
linguísticas. A tarefa de uma filosofia política será a recordação dos símbolos articulados
da ordem e desordem na existência pessoal, social e histórica: “No mundo externo o
símbolo pode separar-se da consciência recordante, pode tornar-se opaco para a experiência
expressa; e o conhecimento recordante pode de novo afundar da presença da consciência na
latência do oblívio” (Id. p.49). O direito conta como um dos símbolos pelos quais a ordem
é recordada e o efeito de sua anamnese deve reconduzir não somente a uma prova supérflua
de sua existência, mas à intuições históricas sobre sua natureza.
[31]
Não será difícil encontrar discussões nas quais o conceito de justiça é
tenazmente objetificado para ao fim retornar resignado a um aspecto subjetivo. Aristóteles
e São Tomás parecem ter considerado a subjetividade uma propriedade natural do conceito
de justiça ao classifica-la como virtude humana - (physei dikaion em Ética a Nicômaco,
1134b18 e ss; e pelo conceito de habitus principalmente na Summa Theologica, II, II, 57-
122; e no Comentário à Ética de Aristóteles, 5; n.° 885-1108). O mesmo não se dá com
Kelsen ao disfarçar com falsa modéstia o resultado infrutífero de conceptualização da
justiça em seu ensaio sobre o tema.
[32]
M. R. BUNSON, Encyclopedia of ancient Egypt, 3ªed., Nova Iorque, Facts on
File, 2012, p. 249.
[33]
Id. p. 249.
[34]
Jan Assmann propõe a tradução “justiça conectiva” para o maat: “The
Egyptians (...) describe their concept of human fellowship-ma'at-as a gentle yoke. But they
also proceed on the assumption that ma'at cannot exist among humankind without the state
and its coercive rods (...) The state is there to enforce ma'at on earth, to guarantee the
parameters within which ma'at can be taught and remembered in the first place. Thus the
Egyptians regarded ma'at and its transmission not as something autopoietic, which would
spontaneously develop in the course of social interaction, but as a system that had to be
imposed from outside, or rather from above, and that could be maintained only by the
power of the state” – (J. ASSMANN, Agypten. Eine Sinngeschichte, Carl Hanser, Munique,
1996, trad. Ingl. A. Jenkins, The mind of Egypt: History and meaning in the Time of
Pharaohs, Metropolitan Books, Nova York, 2002, p. 127). A universalização do conceito,
todavia, parece ter se dado apenas durante a XII dinastia (1991-1783 a.C.), durante o
chamado Império Médio com a passagem da capital para Tebas e unificação das regiões
norte e sul do Nilo – (T. FERREIRA CANHÃO, A literatura egípcia do Império Médio:
espelho de uma civilização, vol 1, tese (doutoramento) Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2010, p 23).
[35]
J. ASSMANN, The mind of Egypt: History and meaning in the Time of
Pharaohs, cit., p. 131-5.
[36]
E. VOEGELIN, A Natureza do Direito, p.69.
[37]
Sobre o conceito do “justo natural” na polis grega, v. E. VOEGELIN, Das
Naturrecht in der politischen Theorie, in Sonderausgabe der österreichischen Zeitschrift für
öffentliches Recht 13, ed. F. M. Schmölz, Viena, 1963, pp. 38-51, trad. Port. E. Fonseca,
“Justo por natureza” cap. in Anamnese – Da teoria da história e da Política, p. 177-97.
[38]
“Customs are normative expectations and descriptions of the status quo,
contracts record the convention actually reached, and laws reflects the decision taken by
the community” – (C. VARGA, Theory of Laws, Budapest, Szent István Tarsulat, 2012,
p.27).
[39]
E. VOEGELIN, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, p. 70.
[40]
“Lex (Law) is also distinguished from the formely undifferentiated ius. For, in
the notion of the ius, the behavior resulting in the justum (Just) becomes the core element
of the concept; emphasis is thereby shifted from the thing itself to its recognition and
realisation. Similarly, in the notions of recht, right, droit, diritto, the behavior embodying
the rectum receives emphasis” – (C. VARGA, Theory of Law, p. 27).
[41]
Voegelin fornece um esboço histórico da chamada “jurisprudência normativa”,
aqui considerada operações racionais, em paralelo com a “jurisprudência sociológica”, aqui
incluídas nas operações intuitivas. Inicialmente parece haver um amálgama de ambas na
experiência indiferenciada da ordem na pólis helênica. Platão e Aristóteles não dissociam
os atos normativos de criação e a expectativa de garantia do bem comum. Nos estados
nacionais modernos do século XVI, a criação do direito torna-se prerrogativa dos príncipes,
mas a teoria de Bodin mantém como exigência a garantia da ordem por meio da submissão
ao direito divino e natural. No século XVII a teoria de Hobbes enfraquece o elo entre
criação normativa e substância da ordem, reduzindo esta ao “postulado de paz no interior
da comunidade”. O “secularismo e desintegração da filosofia nos séculos XIX e XX”
afiança autonomia completa a criação das normas em relação a questão da ordem. A
completa esterilização da jurisprudência normativa será feita por Kelsen, ao purificar o
direito da concepção sociológica, eliminando juntamente qualquer operação intuitiva sobre
a ordem. Como reação surgem em número e espécie variados tipos de abordagens
sociológicas de caráter pré-analítico, que também se afastam da questão da ordem: “A
indagação não avançou até o ponto em que surgem os critérios da ordem verdadeira em no
seu sentido filosófico. No seu agregado, eles refletem o mesmo estado de desintegração
filosófica que é manifesto na jurisprudência normativa. A natureza do direito como a
ordem substantiva da sociedade não se tornará objeto da análise se a indagação parar na
observação de fenômenos tais como a conduta dos juízes, as exigências dos grupos de
pressão, as ideologias dos movimentos políticos, a psicologia da conformidade ou da
delinquência, a necessidade da reforma legislativa ou judicial, etc.” – (E. VOEGELIN, A
Natureza do Direito e outros textos jurídicos, p. 71-4).
[42]
Este caminho é proposto por Hermann Kantorowicz em sua obra póstuma,
“The definition of Law”, escrita como uma introdução à Oxford History of Legal Science.
Não se deve confundir essa utilização pragmática com o que se denomina correntemente
“pragmatismo”, a doutrina que vincula a verdade de uma proposição a seu melhor fim
prático. O intuito de uma definição é, segundo afirma o autor, “ser frutífera para a ciência
de que trata”, com o efeito de “relacionar o que deve ser relacionado e separar o que deve
ser separado” delimitando um campo de “manifestações importantes e verídicas e
proporcionar um instrumento para a elaboração de classificações completas e exaustivas”.
Kantorowicz rechaça a ideia de uma definição baseada na ideia platônica de “essência”, ou,
mais grosseiramente, envolvida na disputa lexicográfica sobre determinado termo. O autor
prefere definições baseadas na liberdade inicial de selecionar características e relações que,
num segundo momento, serão foco de disputas teoréticas sobre sua pertinência ao objeto a
ser definido. Estas características e relações não serão apenas descrições possíveis do
objeto, mas devem ser perscrutadas e comprovadas analiticamente. A definição torna-se
assim tão verídica quanto fecunda, deixando de ser uma definição “nominal” para tornar-se
uma definição “real”. Uma definição não pragmática de ser humano seria “animal de dois
pés sem plumas”. Correta. Mas inútil. A partir dos apontamentos de Kantorowicz é
possível afirmar que um conceito de direito vincula-se ao domínio que a comunidade
científica tem de suas relações e características reais, não meramente terminológicas. (H.
KANTOROWICZ, The Definition of Law, 1958, trad. esp. J.M. de la Vego, La definición
del Derecho, Revista de Occidente, Madrid, 1964, p.39).
[43]
Este método é apresentado pormenorizadamente como proposta, Cf. infra,
Capítulo IV.
[44]
Apesar da excelência de sua obra, o autor é pouco conhecido no meio
acadêmico, motivo pelo qual é necessária uma breve notícia biográfica. Mário Dias
Ferreira dos Santos foi um filósofo brasileiro, nascido em Tietê, São Paulo, em 3 de janeiro
de 1907. Bacharel em direito e ciências sociais pela Faculdade de Direito de Porto Alegre,
não seguiu a carreira jurídica rumando inicialmente para o jornalismo. Além de articulista,
traduziu para a Editora Globo obras de autores como Pascal, Balzac, Amiel e Nietzsche –
este último de marcante influência em sua filosofia. Na década de 50, tornou-se dono de
suas próprias editoras (Logos S.A. e Matese Ltda.) mudando-se para a capital paulista onde
participou ativamente dos meios culturais, dirigindo cinemas, fazendo conferências, dando
palestras, escrevendo para jornais e revistas. Já nesta época, começa a escrever suas obras
filosóficas, compondo o que viria a se tornar a Enciclopédia das Ciências Filosóficas. O
teor de seu trabalho é, ao mesmo tempo, exótico e profundamente tradicional: combina
pitagorismo com Piaget, a escolástica portuguesa com o anarquismo de Proudhon,
reflexões platônicas sobre a forma com a recém-descoberta física relativística de Einstein.
Mas não se trata de mero diletante. Sua obra magna, a Filosofia Concreta, é uma sequência
original de demonstrações geométricas as quais se iniciam pela premissa de que “algo há” e
se estendem com rigor até problemas fulcrais da mente humana e do fundamento da
matéria. De especial interesse para esta tese são as seguintes obras: Filosofia e Cosmovisão,
livro “didático”, no qual o autor apresenta conceitos básicos de seu sistema, mas já
avançando para temas elaborados de física; Lógica e Dialética, que inicia pela apresentação
dos modos clássicos de silogismo e as diferentes “dialéticas” encontradas na filosofia
ocidental, terminando por oferecer seu próprio método, a decadialética; Tratado de
Simbólica, livro pioneiro no tratamento dos símbolos enquanto categorias filosóficas, cujo
fundamento pitagórico começa a surgir; Sabedoria das Leis Eternas, uma das obras finais
do autor, aqui o pitagorismo traz elementos que formam uma compreensão qualitativa dos
números, tratados como leis ontológicas. É preciso salientar que, embora de uma
exuberância e profundidade tremendas, os livros de Mário Ferreira não receberam o devido
cuidado editorial, sendo publicados quase sempre sem a revisão do autor, nem jamais
tiveram uma equipe dedicada ao estudo de sua obra. A maioria das edições contemporâneas
se limita a transcrição dos originais com algumas notas pouco elucidativas e textos
introdutórios dispensáveis. A obra de um dos maiores filósofos brasileiros permanece,
portanto, como uma espécie de relíquia mística incompreendida em seu valor e
incompreensível em seu conteúdo total. O resgate e a devida valoração de Mário Ferreira
têm sido uma tarefa solitária do filósofo Olavo de Carvalho, cuja pesquisa embasa também
esta notícia biográfica – (O. CARVALHO, Introdução in M. FERREIRA DOS SANTOS,
Sabedoria das Leis Eternas, São Paulo, É Realizações, 2001, p. 12-42).
[45]
A suspeita sempre foi de que a tópica fosse, basicamente, a dialética clássica.
Mas tal suspeita não se verificou completamente equiparada a compreensão do que é a
dialética em Viehweg. Para tanto, a presente tese ocupou boa parte de um capítulo
buscando verificar até que ponto era pertinente a relação entre os topoi e as antinomias de
Mário Ferreira.
[46]
Uma sondagem na França perguntando sobre o que é o direito para jovens
entre 11 e 18 anos revela que 40% vê o direito como ameaça de punição; 30% o relaciona
com a educação; 27% ligam o direito ao justo – (C. LOURILSKI, Que représente le droit
pour les 11-18 ans?, Le Courrier du CNRS: Les Sciences du Droit, 75, 1990, 61).
[47]
A experiência cotidiana e a atividade prática do direito, seja forense, seja
acadêmica, parece fornecer apenas um material bruto de intuições a respeito do que seja o
direito, sem todavia atribuir-lhe uma estrutura interna de coesão, que permita enfim reunir
tais intuições sob um mesmo conceito. Georges Vedel, jurista francês relata que “... há
semanas e até meses que eu “gramo’ laboriosamente sobre a questão, contudo
aparenetemente inocente ‘ O que é o direito?’ Esse estado, já pouco gloriso, agrava-se com
um sentimento de vergonha. Ouvi minha primeira aula de direto faz mais de sessenta anos;
dei meu primeiro curso em cátedra lá se vão mais de cinquenta; não parei de exercer o
ofício de jurista alternada ou simultaneamente como advogado, como professor, como
autor, como consultor e mesmo como juiz. E eis-me desconcertado como um estudante de
primeiro ano entregando uma cópia em branco, por não ter conseguido reunir migalhas de
resposta que façam escapar do zero” – (G. VEDEL, Indéfinissable mais présent, Droits, 11,
1990, 67 apud Aux confins du droit, N. ROULAND, Odile Jacob, Paris, 2003).
[48]
A rigor, os entraves são a falta de estabilidade e unidade, isto é, uma
instabilidade e uma multiplicidade. Explica-se a seguir.
[49]
Algo muito semelhante a conceptualização lógica se passa na visão humana.
Pensemos num navio zarpando de uma ilha: ela é uma miríade de formas, a areia da praia
entremeada por pedras, recobertas por limo e, ao fundo, árvores de diferentes espécies, com
cores e formatos diversos, se movimentando ao sabor do vento. Ao nos afastarmos as
formas vão ficando menores em escala, e também seus movimentos diminuem, se
aglutinando, tornando-se mais estáveis; as cores perdem suas nuances e contrastes mais
profundos suavizando-se até se conformarem numa escala homogênea de tons, cada vez
mais parecidos, até que se tornam uma cor única. A ilha toda se torna um bloco inteiriço
distinto apenas do mar. Ela se torna unitária e estável. A metáfora serve para explicar como
um conceito, repleto de conteúdos internos diferentes, é unificado como um todo
semelhante a partir de um distanciamento do observador.
[50]
A discussão sobre a possibilidade de um ‘sistema’ jurídico vai de encontro ao
que afirmamos aqui sobre o ‘conceito’. Canaris se refere aos postulados de “ordenação” e
“unidade”, coincidentes com a maioria das definições que demais juristas propuseram –(C.
W. CANARIS, Systemdenken und Systembegriff in der Jurisprudenz, 1983, trad. port. de
M. Cordeiro, Pensamento sistemático e Conceito de Sistema no Direito, Fundação Calouste
Gulbenkian, 5ª Edição, Lisboa, 2012, p.15).
[51]
Quando se abstrai o semelhante de uma maneira suficientemente segura pela
qual se estabeleça uma unidade e uma estabilidade, aí estamos diante de um conceito.
Faremos a análise do conceito em sua modalidade lógico-formal adiante, mas antecipamos
a conclusão de sua importância finalística, qual seja, a economia mental que possibilita,
congregando em um só termo todas as operações abstrativas que denotam as semelhanças
de determinado objeto. Ao criar conceitos estamos conduzindo as diferenças às
semelhanças, o individual ao geral, combinando razão e intuição em seu caráter
antinômico. O caminho inverso do conceito é a definição. Se tomarmos os conceitos e
dentro deles buscarmos o diferente, i.e., o individualizável, estaremos delimitando os
objetos, tracejando conceitos menores dentro de outros mais amplos. Não se pode,
portanto, deixar de estabelecer uma diferença essencial entre conceito e definição. Um
conceito de direito seria aquele que congregasse um número suficiente de semelhanças
coordenadas entre si, com as quais poderíamos, apenas a posteriori, delimitar o direito
dentro de um gênero – a ética, os sistemas sociais, a justiça, a linguagem... – nos
aproximando de uma definição - (M. FERREIRA DOS SANTOS, Filosofia e Cosmovisão,
2ª ed., São Paulo, Logos, 1955, p.150).
[52]
Os conceitos, quando organizados, resultam em uma classificação que
engendra outros conceitos mais amplos tratando, sobretudo, de comparações entre suas
extensões. Quando a extensão de dois conceitos distintos é plenamente equivalente, ou
seja, o que se aplica a um é o mesmo que se aplica ao outro, estamos novamente diante da
definição. É o caso, por exemplo, da maneira clássica pela qual se busca o gênero próximo
e a diferença específica - (M. FERREIRA DOS SANTOS, Filosofia e Cosmovisão, p. 155-
60).
[53]
Esta condição de insuficiência na transmissão de informações pode ser
explicada por várias vias. Em especial, a linguagem cotidiana não trás em si a exatidão
sobre quais expressões são sentenças e quais sentenças são afirmáveis, o que leva a Alfred
Tarski dizer que lhes falta uma “estrutura especificada”. A. TARSKI, The Semantic
Conception of Truth, 1944, trad. Port. C. Braida, A concepção semântica da verdade, São
Paulo, Unesp, 2007, p. 168.
[54]
Ontognosiologia é o termo utilizado por Miguel Reale para a dualidade
intrínseca do estudo do direito partindo tanto de seu objeto (onto) quanto das condições
subjetivas necessárias para seu conhecimento (gnose). M. REALE, Filosofia do Direito,
20ª ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p.49).
[55]
A questão do reconhecimento dos objetos e sua relação com a verdade
produzida sobre eles é tratada contemporaneamente sob as categorias de “truthbearers” e
“truthmakers”. A primeira trata do conteúdo que “carrega” a verdade, incluindo, por
exemplo, as proposições, enunciados, figuras mentais, etc. A segunda trata dos
“constituintes” da verdade, incluindo aí fatos, estados de coisas, etc. Sobre o assunto, v. M.
GLANZBERG, "Truth", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2016 Edition),
Edward N. Zalta (ed.), disponível em
https://plato.stanford.edu/archives/win2016/entries/truth/ (acessado em fevereiro de 2016).
[56]
Cita-se, a título de exemplo, Herbert Hart em sua obra The concept of Law,
buscando identificar as relações entre direito, coerção e moral para nelas sustentar sua
proposta de conceito. Veremos adiante que a estratégia pensada por Hart se assemelha,
possivelmente de forma inadvertida, ao recurso tópico de buscar inicialmente perguntas
que podem ser feitas a respeito do objeto para descobrir seu real significado – (H. HART,
The concept of Law, 1962, trad. port. A. R. Mendes, O Conceito de Direito, 6ª ed., Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, p.18 e ss); também Hans Kelsen inicia sua obra com
três capítulos dedicados à diferenciação analítica, tomando por elementos específicos do
direito seu uso enquanto técnica social, a coercitividade e as relações de imputação – (H.
KELSEN, Teoria Pura do Direito, pp. 1-113).
[57]
Foi o objetivo do positivismo jurídico resolver a questão buscando um fundo
comum dentre os diversos ramos do direito, meio pelo qual se estabeleceria uma Teoria
Geral. Tal meta é corolário do positivismo filosófico, cuja ambição admitida é a de um
saber filosófico que congregue horizontalmente as diversas ciências, isto é, um saber
unificado semelhante a uma enciclopédia. Sobre o contexto teórico do período, destaca o
filósofo Miguel Reale: “A suposta correspondência entre a infra-estrutura social e o sistema
de normas vigentes levava, por conseguinte, o jurista a concentrar a sua atenção nos
elementos conceituais ou lógico-formais, não havendo razões para se distinguir entre
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito, à qual se acabou dando o nome equívoco de
“Enciclopédia Jurídica”. Quando, porém, logo no fim do século passado, começou-se a
perceber que havia poderosas razões de conflito entre os fatos e os códigos, pode-se dizer
que cessou, como por encanto, “o sono dogmático” dos “técnicos do direito” e as
cogitações filosófico-jurídicas reconquistaram a perdida autonomia” – (M. REALE, Teoria
Tridimensional do Direito, cit., p.5). Naturalmente tal pretensão poderia ser acusada de
uma redução do saber filosófico ao saber científico. Desde o período de maior divulgação
alcançado pelo idealismo absoluto, a filosofia passava por um período de descrédito, ainda
mais quando posta em confronto com os espetáculos técnicos que a ciência moderna
alcançava no decorrer do século XIX. Não surpreende que houvesse uma investida
científica nos moldes do positivismo, buscando um entremeio de contemplação e técnica,
com o fito de estabilizar o objeto e formular uma teoria a seu respeito.
[58]
O termo é utilizado abundantemente por Mário Ferreira dos Santos em suas
obras, motivo pelo qual o adotamos buscando adequar aspectos terminológicos da tese com
seu conteúdo metodológico.
[59]
A tribo dos toradjas nas Celeber, arquipélago próximo de Bornéu, realiza um
rito conciliação no qual os cônjuges devem inicialmente falar perante uma assembleia da
aldeia, expressando tudo aquilo que não amam para que não se pense mais em divórcio. Se
a conciliação fracassa, há dois tipos de divórcio. A “má ruptura” exige a prova de uma falta
durante o casamento, e é malvista pela tribo. No “divórcio de ouro” não é feita nenhuma
pergunta sobre os motivos e os cônjuges se separam pacificamente, deixando a partilha dos
bens aos cuidados da assembleia. O fundamento da separação consensual parece ser o
mesmo intuito de pacificação social encontrado nas sociedades estatais – (J. KOUBI, En
quête d’harmonie. Le divorce chez les Toradja, Droit et Cultures, 15-6, 1988, 5-45 apud N.
ROULAND, Nos confins do direito, p.17).
[60]
O chamado “cânon da unidade” enquanto princípio hermenêutico que
pressupõe a unidade do sistema jurídica em nada poderia nos ajudar neste momento. Em
que pese o valor intrasistemático, ele nada garante em termos da busca por uma “natureza”
do direito, tema o qual aprofundaremos na Parte Dois. Outros pressupostos, como o
surgimento histórico comum ou a internacionalização do direito, apenas destacam o fato de
tratar-se hoje de múltiplos objetos semelhantes, mas não oferecem nenhuma garantia lógica
de sua unidade.
[61]
O culminar da obra de Goffredo Telles Junior não é outro senão a busca pela
estabilidade, aquele conhecimento que revela a existência por trás do ser contraposto às
vicissitudes do não-ser: Uma coisa existe quando ela continua como ela própria, embora
tudo se movimente e mude, dentro dela e em volta dela. Só existe, em verdade, o que não
muda, isto é, o que continua. O que não muda, o que continua, durante certo tempo. A
existência é atributo do que perdura e permanece. Ela pressupõe a estabilidade”. G.
TELLES JUNIOR, Direito Quântico, Juarez de Oliveira, São Paulo, 2006, p. 194.
[62]
Entende-se a semântica como as relações entre significados dentro da
linguagem. No caso, a investigação do significado da noção de “conceito” e a denotação do
verbo “ser” aplicada ao substantivo “direito” não devem pressupor que esta tarefa, por si,
revolva a questão da presente tese, resultando feericamente numa definição.
[63]
Para a discussão aprofundada e crítica das três correntes, v. E. MARGOLIS -
S. LAURENCE, “Concepts”, The Standford Encyclopedia od Phylosophy, 2006,
disponível em http://plato.stanford.edu/entries/concepts/ (acessado em fevereiro de 2016).
[64]
Esta corrente segundo a qual o pensamento é formado por representações
mentais semelhantes à linguagem é conhecida por ‘language of thought hypothesis”, cf. J.
FODOR, Concepts: Where Cognitive Science went wrong, Nova York, Oxford University,
1998. Embora o título seja provocativo, este paradigma é dado como “padrão” na
neurociência, cf. S. PINKER, The Language Instinct, The New Science of Language and
Mind, Londres, Penguin, 1994; P. CARRUTHERS, The Architecture of the Mind: Massive
Modalarity and the Flexibility of Thought, Nova York, Oxford University, 2006; E.
MARGOLIS e S. LAURENCE, Concepts: Core Readings, Cambridge, MIT, 1999.
[65]
Leibniz, respondendo à teoria de John Locke, busca moderar este total
alheamento do sujeito por meio de sua Lei da Continuidade, afirmando que o objeto e a
reprodução do mesmo não podem ser completamente semelhantes, pois onde quer que se
procure há “pequenas percepções” separando gradativamente um e outro. Além disso,
deveria haver algo inato sujeito, como Ser, Unidade, Substância, Duração, Mudança, Ação,
Percepção, etc – (G. W. LEIBNIZ, Novos Ensaios sobre o entendimento humano, Nova
Cultural, São Paulo, 1988, p.10).
[66]
L. WITTGENSTEIN, Philosophical Investigations, 3ª ed., G.E.M., Anscombe,
Blackwell, 1958. Crítica semelhante é feita por Michael Dummet ao questionar a
possibilidade de explicar o conhecimento com uma linguagem que, de antemão, já possui
os símbolos cognitivos deste conhecimento. O esquema de linguagem/metalinguagem
inaugurado por A. Tarski indicaria que a linguagem que explica o conhecimento deve ser
necessariamente mais “rica” do que a linguagem-objeto. A consequência seria absurda:
seria necessário um conhecimento “maior” do que o conhecimento humano para explica-lo
– (M. DUMMET, Seas of Language, Oxford, Oxford University, 1993; A. TARSKI, The
Semantic Conception of Truth, 1944, trad. Port. C. Braida, A concepção semântica da
verdade, São Paulo, Unesp, 2007)
[67]
Com o intuito pragmático de uma definição, Joseph Raz formula quais seriam
as tarefas envolvidas na busca por este conceito: 1-Estabelecer condições para o
conhecimento envolvido no completo domínio de um conceito, que é o conhecimento de
todas as características essenciais da coisa da qual é um conceito. Esta primeira tarefa
determina de que coisa o conceito é um conceito. Não se pressupõe, aqui, alcançar-se um
conhecimento total do objeto, tarefa em muitos casos impossível, mas as condições para tal
conhecimento, o que é diferente. É bastante plausível dizer que, por exemplo, o
conhecimento da gramática, em sua totalidade, depende da condição inicial de se ter acesso
a um determinado corpo linguístico com uma lógica intrínseca. 2-Explicar a compreensão
envolvida no completo domínio do conceito. A compreensão deriva da atividade humana a
partir de tais condições anteriormente estipuladas, envolvendo, por conseguinte, o exame
do próprio conhecimento humano. É uma tarefa estritamente ligada a epistemologia. 3-
Explicar as condições para a obtenção mínima de um conceito, i.e., aquelas propriedades
essenciais e não essenciais daquilo para o qual o conceito é um conceito, conhecimento de
quais dessas propriedades são necessárias para que uma pessoa tenha o conceito,
independentemente do quanto incompleto possa ser seu domínio do conceito. O que Raz
chama de “obtenção mínima de um conceito” deixa claro a concepção filosófica de que não
é preciso alcançar o conhecimento completo das características para se ter um conceito do
objeto, como ocorre cotidianamente com a grande parte dos conceitos. Deixa aberta a
possibilidade de pessoas conhecerem conceitos ainda que não sejam capazes de expor um
conhecimento completo de suas características. 4-Explicar as capacidades requeridas para a
obtenção mínima de um conceito. Novamente, aqui, a obtenção mínima de um conceito
que permita seu uso. Raz salienta que a capacidade de compreensão não se restringe a
habilidades verbais - (J.RAZ, “Can be a theory of Law?”, 2005, trad. esp. R. S. Brigido,
“Puede haber una teoría del derecho?” in “Uma discusión sobre la teoría del derecho”
Madrid, Marcial Pons, 2007, p. 49-56).
[68]
Uma linha contemporânea se pensamento aplica o pensamento fregeano
apenas ao equiparar sua noção de sentido com os “conceitos”. O filósofo alemão, todavia,
não fazia esta equiparação. Para a discussão dos conceitos como “fregean senses”, v. C.
PEACOCKE, A Study of Concepts, Cambridge, MIT, 1992; E. ZALTA, Fregean Senses,
Modes of Presentation, and Concepts in Philosophical Perspectives, 15, p.335-59. As
críticas aos paradigmas anteriores são fundadas em contraexemplos de conceitos cuja
representação e habilidade não se conformam à realidade, como a identidade de “Eric
Blair” e “George Orwell”, o mesmo nome para um só referente e ainda assim há um
“ganho cognitivo” ao equiparar ambos. Pode haver, além disso, conceitos sem
representação mental exata, como “fótons”, ou cuja habilidade nos seja desconhecida.
[69]
G. FREGE, Über Begriff und Gegenstand, 1892, trad. port. de P. Alcoforado,
Sobre o conceito e o objeto, in Lógica e Filosofia da Linguagem, São Paulo, Edusp, 2009,
p. 111-129.
[70]
G. FREGE, Was ist eine Funktion?, 1904, trad. port. de P. Alcoforado, Que é
uma função in Lógica e Filosofia da Linguagem, São Paulo, Edusp, 2009, p. 96.
[71]
Embora utilizado por Frege em sentido lógico, o termo “saturar” (sättingen)
guarda semelhança com seu uso na química, ou seja, saturar uma solução significa
completar o solvente com o máximo de soluto possível, sem aumento do volume. De
maneira similar, a descrição do fenômeno o “completa”, por assim dizer, até um limite
máximo alcançado na correspondência plena de todas suas propriedades.
[72]
A reversibilidade do objeto e predicado tem o mesmo valor lógico do
conectivo bicondicional. A ambiguidade representaria uma inadequação do predicado, seja
por limitação ou excesso, o que demonstra a invalidade do conceito. Equivale ao que
Aristóteles afirma nos Tópicossobreaspropriedades: “‘Propriedade’ é um predicável que
não explicita a essência de uma coisa, mas que lhe pertence em exclusivo e pode ser
predicado convertivelmente acerca da coisa” – (ARISTÓTELES, Tópicos, trad. port. L.
Condinho, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2007, trecho 102ª, p.239)
[73]
Naturalmente, a sentença de O. W. Holmes deve ser contextualizada e seu
sentido aprofundado. Utiliza-se aqui sua célebre frase apenas ilustrativamente.
[74]
J. CARBONNIER, Droit civil – Introduction, Paris, PUF, 1988, p.35.
[75]
A respeito da discussão linguística e histórica a cerca do papel fundamental
dos artigos definidos como “sementes” do pensamento abstrativo, logo, racional e
científico, cf. B. SNELL, Die Entdeckung des Geistes. Studien zur Entstehung des
europäischen Denkens bei den Griechen, 1946, trad. ingl. T. G. Rosenmeyer, The
Discovery of the mind - The greek origins of european thought, Cambridge, Harvard
University, 1953, p. 227-29. Em Frege, o uso do artigo definido funcionará como teste
prático na verificação do conceito como tal.
[76]
Cumpre salientar que o conceito/função é necessariamente incompleto,
insaturado, ou seja, dependem do argumento/objeto para existirem. A conclusão é que não
se pode prescindir de nenhum dos aspectos do direito, tomado enquanto objeto, se
quisermos buscar seu conceito. Qualquer redução à sociologia, psicologia ou mesmo ao
formalismo está de antemão condenado.
[77]
G. FREGE, Sobre o conceito e o objeto in Lógica e Filosofia da Linguagem, p.
114.
[78]
Em sentido semelhante, Canaris descreve a correspondência entre sistemas de
conhecimento e sistemas do objeto de conhecimento, e a necessária correspondência entre
ambos – (C. W. CANARIS, Pensamento sistemático e Conceito de Sistema no Direito,
p.13).
[79]
É o caso de Alexy, ao tratar do conceito de direito tomando por parâmetros
três elementos: a legalidade, a eficácia social e a correção material. Este tipo de elaboração
teórica já toma por pressuposto que esses elementos sejam constitutivos do objeto. Os três
elementos funcionam como critérios dentro de outras teorias (positivistas, jusnaturalistas e
jusracionalistas), as quais Alexy apenas generaliza e ao final combina com outros critérios
para chegar a uma definição – (R. ALEXY, Begriff und Geltung des Rechts, 2ª ed, 2005,
trad. port. G.B.Mendes, Conceito e Validade do Direito, São Paulo, Martins Fontes, 2010,
p.15, 151-55). É exatamente o que se busca evitar nesta tese: um conceito sobre conceitos.
Embora a estratégia de estabilização e unificação do conceito seja semelhante ela difere no
fazer referência às fontes autoexpressiva no que elas representam do objeto. O conceito
trazido por cada fonte só pode ter papel secundário.
[80]
Afirma Gerhart Husserl que: “Diversamente de outros produtos humanos – por
exemplo, de um objeto físico -, a norma jurídica, desde o momento que existe, que está aí,
não é de modo nenhum independente do comportamento dos homens a que diz respeito” E
em seguida: “(...) a norma jurídica insere-se no tempo histórico. O tempo não está imóvel, e
a norma jurídica acompanha-o por assim dizer no seu movimento” (G. HUSSERL, Recht
um Zeit, 1955, p. 23 apud K. LARENZ, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 1991, trad.
port. de J. Lamego, Metodologia da Ciência do Direito, Calouste Gulbenkian, 3ª ed,
Lisboa, 1997, p. 152-57). Este filósofo, seguindo a escola fenomenológica de seu pai,
buscava estabelecer uma região ontológica do direito, assim como se afirmava possível nas
demais ciências. Sua estratégia foi “a elaboração de um sistema de puros conceitos
fundamentais e supra-temporais, que formam uma região de possibilidades apriorísticas do
direito”. Vai no sentido da busca por núcleos de sentido que guardem algo de
transcendental, que superem, por assim dizer, as divergências históricas dos diferentes
sistemas jurídicos. É uma tentativa que qualificamos aqui por transcender aos elementos
cronotópicos. A tensão fundamental inerente a um conceito de direito é, portanto, entre sua
universalidade (seja ela lógica, como Gerhart Husserl buscou por meio dos conceitos, seja
ontológica, como propõem algumas corrente éticas) e seu aspecto positivo, determinável no
tempo e no espaço. Tal aspecto positivo tende a esta universalidade buscando capta-la
plenamente. Partindo do pressuposto de que se trata ontologicamente do mesmo objeto
presente enquanto experiência universal na realidade poder-se-á discernir nos diversos
conceitos já formulados um fundo de convergência, uma estrutura a qual todos os autores
partilham, uma mesma referência. No entanto, tomamos como suposição inicial de que não
será a universalidade lógica dos conceitos que abrirá possibilidade para a determinação
deste fundo de convergência, mas a experiência real e concreta baseada num conjunto
estável de problemas. (G. HUSSERL, Rechtskraft uns Rechtsgeltung, apud. J. de SOUZA
BRITO, Fenomenologia do direito e teoria egológica, Lisboa, Instituto Superior de
Ciências Sociais e Política Ultramarina, 1963, p. 31).
[81]
Sobre esta estratégia decididamente ruim, v. o comentário de Alf Ross sobre
um investigador do xadrez que busque aprender suas regras apenas assistindo as partidas –
(A. ROSS, On law and Justice, trad. Port. E. Bini, Direito e Justiça, Bauru, Edipro, 2000,
p.24-8).
[82]
“Ante a multiplicidade dos objetos do conhecimento e das conquistas feitas, é
natural que o nosso espírito, por seu processo eminentemente racional, deseje dar à
filosofia, uma unidade, torná-la, enfim, a ciência da unidade, a máxima unificação de todo
o nosso conhecimento” – (M. FERREIRA DOS SANTOS, Filosofia e Cosmovisão, p.
113). No mesmo sentido: “A filosofia é ambas as coisas: visão de si e visão do mundo”, e
adiante: “Em conclusão, portanto, podemos dizer que a filosofia é a tentativa do espírito
humano de atingir uma visão de mundo mediante a auto-reflexão sobre suas funções
valorativas teóricas e práticas” – (J. HESSEN, Erkenntnistheorie, 1924, trad. port. de J. V.
G. Cuter, Teoria do Conhecimento, 1ª ed., Martins Fontes, São Paulo, 2000, p.8-9).
[83]
A investigação da “opinião dos sábios” é a justificativa inicial de Aristóteles
nos Tópicos. A dialética seria a propedêutica da filosofia, mas também deve-se avaliar o
que elas tem de convincentes “por si mesmas” (Tópicos, I, 1, 100ª29-30; Refutações
Sofísiticas: 2, 165b3-4; Primeiros Analíticos: I, 1, 24b1-3). Por isso Oswaldo Porchat
afirma que a dialética é “prova e exame” das coisas conhecidas pela filosofia – (O.
PORCHAT, Ciência e Dialética em Aristóteles, São Paulo, Fundação Editora da Unesp,
2001, p.360).
[84]
Viehweg encontrou no filósofo italiano Giambattista Vico a exposição de uma
dualidade que permeia o pensamento ocidental: a retórica e a crítica. A antiguidade,
argumenta Vico, foi dominada pela retórica, o modo de pensar que partia de um senso
comum, i. e., o antigo conceito romano (sensus communis) das tradições da vida civil e
social. Este modo de pensar devia, segundo ele, ser retomado como uma forma de melhor
ensinar, motivo pelo qual o texto do italiano chama-se “De nostri temporis studiorum
ratione” (O caráter dos estudos do nosso tempo). A tradição da retórica baseada no senso
comum era ameaçada pelo desenvolvimento do cartesianismo, no qual Vico via um método
privado das virtudes que a retórica dispunha. O método da modernidade é a crítica, cujo
ponto de partida é um primum vero, um fundamento indeclinável sobre o qual se engendra
todo edifício teórico de determinada teoria. A estrutura de tal teoria é a própria lógica, que
entrelaça as premissas silogisticamente. A constatação inicial sobre a forma mentis dos
juristas desde o jusracionalismo liga-se, portanto, a esta descrição feita por Vico. Numa
preocupação primordialmente educacional e didática dos jovens da época, o italiano passa a
aludir aos benefícios da retórica, tomando parte nela, ao descrevê-la como uma trama de
pontos de vista (topoi) que “proporciona sabedoria, desperta a fantasia e a memória” e
ensina a pensar aderindo apenas provisoriamente a certas opiniões que podem, sem
prejuízo de uma coerência intrínseca, serem posteriormente atacadas. No fundo, esta
distinção tem por base a teoria do conhecimento de Vico, a qual toma por criteriologia da
verdade aquilo que pode ser reconduzido à criação humana, isto é, somente aquilo que o
homem criou pode ser conhecido completamente por ele, afastando as pretensões de uma
cadeia dedutiva que abarque todo o universo – (B. CROCE, La filosofia di Giambattista
Vico, 1866, trad. ingl. R. G. Collingwood, The philosophy of Giambattista Vico, Londres,
Howard Latimer, 1913, p. 21-36). Assim, uma vez resignado ao conhecimento de sua
própria obra, nada impede que a especulação sobre a obra do Criador tenha por objetivo, no
máximo, conclusões verossímeis, bem ao modo do pensamento retórico. Vico então
complementa o modo de pensar “crítico” adicionando-lhe a antiga “tópica” – a arte de
encontrar argumentos, que desenvolve o sentido para o que é convincente. A educação dos
jovens não poderia se iniciar pelo pensamento crítico sem antes possuir um conteúdo
sedimentado de conhecimentos plausíveis, obtidos criativamente pela tópica. Há na
retórica, além disso, uma abertura para o desenvolvimento ético: tomar decisões práticas
exige a subsunção do universal ao particular, no qual são tomadas por universais o
conjunto das virtudes éticas gregas ou o sensus communis romano. Ainda nos moldes do
que Aristóteles se referia como phronesis, a decisão prática de agir depende de
circunstâncias variadas as quais não se submetem a um conhecimento de tipo téorico.
Gadamer, em comentário ao sensus communis, descreve que este saber tão aclamado pela
Antiguidade era, além de um modo de se pensar e argumentar, a chave para compreensão
da unidade comunitária humana: “Vico acredita que o que dá diretriz à vontade humana
não é a universalidade abstrata da razão, mas a universalidade concreta representada pela
comunidade de um grupo, de um povo, de uma nação, do conjunto da espécie humana. O
desenvolvimento desse senso comum é, por isso, de decisiva importância para a vida” (H.
G. GADAMER, Wahrheit und methode, 1960, trad. por. F. P. Meurer, Verdade e método,
5. Ed. vol. 1, Petrópolis, Vozes, 2008, p. 57-8). Este conhecimento seria, por certo,
relacionado a virtude da prudência como meio capaz de manter a vida em sociedade. Não
escapa a Habermas que o procedimento tópico, baseado no senso comum, garante mais
solidez do que a ciência experimental poderia almejar no terreno das ciências sociais: “Em
sua polêmica contra a filosofia social de seu tempo, Vico antecipou uma tendência que se
impôs apenas hoje. A incerteza da ação cresce quanto mais estritamente se escolhe nessa
dimensão os critérios para a verificação científica”(J. HABERMAS, Theorie und práxis,
1963, trad. port. R. Melo, Teoria e praxis, São Paulo, Unesp, 2011, p. 88-9).Viehweg
compreende a necessidade de retomar então o caminho que o modo de pensar apontado por
Vico, que o jurista alemão identifica como a ‘tópica’, percorreu desde seu surgimento na
Antiguidade. O faz, no entanto, sem pretensão historiográfica, mas tendo em vista os
fundamentos da teoria que pretende estabelecer. Buscaremos, aqui, oferecer dados
suficientes para a investigação e fundamentação da tópica, que mais tarde nos servirá como
fundamento do pensamento por problemas – (T. VIEHWEG, Topik und Jurisprudenz,
1953, trad. port. T. Ferraz Jr., Tópica e Jurisprudência, Brasília, Editora Universidade de
Brasília, 1979, p. 21).
[85]
O raciocínio dialético em Aristóteles surge, segundo Viehweg, como uma
consequência de questões retóricas, as quais, diferentemente da lógica, não possuem o
caráter apodítico. Giovanni Reale aponta os Analíticos primeiros, livro no qual a lógica
aristotélica é apresentada, como uma espécie de centro de gravidade ao redor dos quais
orbitam os Tópicos, os silogismos dialéticos; segundo ele, a primazia da descoberta dos
silogismos por Aristóteles era consequência de uma reflexão a partir dos procedimentos
iniciados pelos sofistas, bem como utilizado por Sócrates – (G. REALE, Introduzione a
Aristotele, 1975, trad. port. E. Aguiar, Introdução a Aristóteles, Rio de Janeiro,
Contraponto, 1ª edição, 2012, p. 155). A retórica aparece como mera atribuição prática,
como um manual para o orador, seguindo mais ou menos a mesma destinação que a Poética
recebeu em relação aos escritores literários – (D. ROSS, Aristotle, 6ª ed. Nova York,
Routledge – Taylor and Francis Group, 1995, p.284-304). Um tanto contrariamente à
hipótese de predomínio da lógica no pensamento aristotélico, Eric Weil ressalta que apesar
do filósofo ter inventado os silogismos como forma de dedução apodítica ele raramente os
utiliza em suas obras, preferindo a dialética como meio de investigação dos princípios;
estes surgem por um aclaramento da discussão propiciado pelo confronto de hipóteses
contrárias (E. WEIL, La place de la logique dans la pensée aristotélicienne, Revue de
Métaphysique et de Morale, 56 ed., Ano n.3, 1951, pp. 283-315).
[86]
T. VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência, cit., p. 33.
[87]
Em texto introdutório, Tércio Sampaio Ferraz Júnior diz que a tópica não é um
método, mas “um estilo, (...) não é um conjunto de princípios e avaliação da evidência,
cânones para julgar a adequação de explicações propostas, critérios para selecionar
hipóteses, mas um modo de pensar por problemas, a partir deles e em direção deles” - (T.
SAMPAIO FERRAZ JR. Introdução in T. VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência, cit., p.3).
[88]
T. VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência, cit., p. 34.
[89]
A definição de “problema” apresentada por Viehweg é talvez o ponto mais
criticado de sua teoria. Garcia Amado, em crítica à definição escreve: “la noción de
problema es excesivamente vaga pues “la mera concesión de importancia prioritaria al
pensamiento de problemas no basta de por sí para caracterizar de forma unívoca ni
excesivamente original uma dirección metodológica o una teoría del derecho (…) uma
caracterización que debería estar dotada de una mayor especificidad de la que supone la
identificación de problema con toda cuestión que admita más de una respuesta, como
hemos visto que lo entiende Viehweg” – (G. AMADO, Teorías de la tópica jurídica,
Madri, Civitas, 1988, p. 114).
[90]
Em Aristóteles, a indução e dedução encontram-se em Tópicos, I, 12, 105ª –
(ARISÓTELES, Tópicos, p. 250).
[91]
A descoberta é direcionada para “lugares”, a título de premissas, que sejam
verdadeiros ou aceitos pelo conhecimento geral – (ARISTÓTELES, Tópicos, VIII,1, 155b,
p.465).
[92]
ARISTÓTELES, Tópicos, I,1, 102ª, p.238.; Id. I,1, 150b, p.256.
[93]
As categorias surgem como gêneros superiores, dentro dos quais os
predicáveis podem ser enquadrados. A contraposição entre sistemas e retórica poderia ser
objetada neste ponto. É difícil discordar que a organização sucinta e suficiente das dez
categorias (essência, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, estado, ação,
paixão) e a relação destas com os quatro predicáveis (propriedade, acidente, gênero,
definição) não torna os Tópicos um sistema – (ARISTÓTELES, Tópicos, I,1, 103b, p.244).
[94]
ARISTÓTELES, Tópicos, I,1, 107ª, p.258.
[95]
Aristóteles descreve o termo “problema dialético” como “”uma tomada de
posição que leva a decidir entre escolha e rejeição, ou entre verdade e conhecimento,
tomada quer por si mesma, quer como auxiliar na procura da solução de outras questões
similares; trata-se de questões acerca da qual as pessoas, ou não têm opinião definida, ou a
maioria pensa de maneira oposta aos conhecedores, ou estes de maneira oposta à maioria,
ou mesmo uns em oposição a outros” – (ARISTÓTELES, Tópicos, I,1, 104b, p.248).
[96]
O próprio Aristóteles estabelece uma limitação ao uso da dialética. Sua
utilidade aparece quando o interlocutor “está em dificuldade em chegar a uma conclusão,
sem que mereça qualquer censura, ou careça de afinar os sentidos”. Como exemplo de
problemas censuráveis, o filósofo apresenta o problema de honrar os deuses. A afinação
dos sentidos bastaria para problemas cuja evidência esteja na percepção, como o branco da
neve (ARISTÓTELES, Tópicos, I,1, 105a, p.250). Fica claro, desde o início, que a dialética
aristotélica na qual Viehweg se baseia nada tem de polêmica, tampouco serve de
confirmação para problemas triviais. Sua finalidade parece estritamente prática, com uma
preocupação eminentemente voltada aos resultados “verdadeiros”. Sobre a discussão da
verdade a partir da dialética v. O. PORCHAT, Conhecimento e Dialética em Aristóteles,
p.374-395).
[97]
T. VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência., p. 79-83.
[98]
Viehweg cita ainda, a título de exemplo, a Lógica de Port Royal (1662) e um
obscuro livro chamado “Tópica ou Ciência da Invenção” escrito em 1816 por Christian
August Lebrecht Kastner. Interessante notar alguns dos topoi reunidos por este último
livro: etimologia, sinonímia, homonímia, definição, gênero, espécie, diferença, qualidade,
índole, todo, parte, causa, fim, testemunhos, exemplos. (T. VIEHWEG, Tópica e
Jurisprudência., p. 37).
[99]
A obra de Aristóteles viria a interessar a Cícero. O filósofo estoico lhe daria
uma releitura facilitada de modo a atender os objetivos práticos dos debates, especialmente
jurídico. É importante notar a distinção entre os dois. Em Aristóteles trata-se da descrição
de um procedimento de investigação filosófica, virtualmente aplicável a qualquer ramo do
conhecimento; na obra ciceroniana a tópica ganha uma aplicação voltada ao terreno
retórico, cujo objetivo é menos uma perquirição isenta da verdade do que um
convencimento do interlocutor. O próprio termo ‘retórica’ ganharia proeminência sobre a
chamada dialética no sentido Aristóteles lhe atribuía. A confusão se tornaria ainda maior
com a designação dada às artes liberales romanas: ‘retórica’ mantinha o sentido da disputa
pelo convencimento, mas por ‘dialética’ entendia-se o modelo formal de silogismos
apresentado na tradição grega como ‘analítica’. A Idade Média aderiu ao modo de pensar
pela tópica, elegendo os escritos de Cícero o grande modelo das glosas e comentários do
baixo medievo. A recusa à sistematização foi o destaque do período: optando pela tópica o
direito romano era discutido e modificado à luz de situações inéditas, preparando o terreno
para o direito comum – (T. VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência., p. 65). O trivium da
Idade Média retornaria ao termo ‘lógica’ para designar o raciocínio axiomático. A
‘dialética’, por sua vez, exaurida do conteúdo que passava para a lógica, só reapareceria em
sentido já distante daquele utilizado por Aristóteles, como atesta este trecho em Santo
Agostinho: “[A dialética] proporciona a metodologia para ensinar e aprender; por ela a
própria razão se mostra e se revela o que é, o que deseja o que pode. Dá certeza do saber;
somente ela não apelnas quer, mas também pode fazer com que tenhamos conhecimentos”
– (AGOSTINHO, Da ordem, cit., p. 237).
[100]
T. VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência., p. 42-3.
[101]
A “aceitação” da contraparte no diálogo é um ponto sobre o qual a crítica de
Canaris acusa a tópica de “impraticável” para a ciência jurídica. As premissas não estão
disponíveis para aceitação ou recusa pois constituem o direito objetivo e, portanto, não
careceriam de legitimação por via do “parceiro na conversa” – (C. W. CANARIS,
Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, 5ª ed., cit., p.255-6).
[102]
Um modelo esquemático, o de investigação tópica, formulado e utilizado por
São Tomás de Aquino, nos fornecerá um exemplo deste modo de pensar: 1—urutum –
fixação do problema; 2—videtur quod – pontos de vista próximos ;3—sed contra – pontos
de vista contrários; 4—respondeo dicendum – solução. Quase idêntico, nota Viehweg, é o
esquema dos comentários jurídicos de Bartolo: 1- quarietur na – fixação do problema; 2
—et videtur quod – pontos de vista próximos; 3—in contrarium facit – pontos de vista
contrários; 4—ad solutionem quaestionis – solução – (T. VIEHWEG, Tópica e
Jurisprudência., p. 66).
[103]
“Quando o raciocínio resulta de proposições primordiais ou verdadeiras ou de
princípios cognitivos derivados de proposições primordiais e verdadeiras, diz-se que temos
uma demonstração; ao raciocínio obtido a partir de proposições geralmente aceites
(plausíveis, fundadas na opinião comum) chama-se silogismo dialético” –
(ARISTÓTELES, Tópicos, 100b, p. 233).
[104]
Para Viehweg, o ius civile, por exemplo, se situaria como uma técnica, não
uma ciência. O modo de pensar lógico-dedutivo dos sistemas existia na Antiguidade,
notadamente no terreno da matemática euclidiana, contudo, segundo o autor, não era esta
mentalidade predominante do jurista romano, que “coloca um problema e trata de encontrar
argumentos. Vê-se, por isso, necessitado de uma techne adequada. Pressupõem
irrefletidamente um nexo que não pretende demonstrar, porém dentro do qual se move.
Esta é a postura fundamental da tópica”. A ‘demonstração’ cede lugar aos argumentos ditos
inventivos. A busca de premissas, com apoio nos pontos de vista já provados, é uma
abertura investigativa que pressupõe deparar-se adiante com o inusitado e, por assim dizer,
‘inventar’ a solução. Por isso, completa Viehweg, o trabalho do jurista não se limita a uma
aceitação do estabelecido – dito ‘dogmático’ -, mas como algo em constante renovação e
reconstrução – (T. VIEHWEG, Id., p. 55).
[105]
T. VIEHWEG, Id., p. 39.
[106]
T. VIEHWEG, Ibid., p. 40-44.
[107]
T. VIEHWEG, Ibid., p. 87-90.
[108]
Viehweg chama de este conjunto de ‘sistema Z’, mas estabelece critérios de
completude e compatibilidade que nos permitem inequivocamente chamar de “axiomas”,
mantendo a terminologia adotada por Losano na obra “Sistema e estrutura do direito”.
[109]
T. VIEHWEG, Id. p. 78.
[110]
A vinculatividade normativa baseada em dispositivos válidos ficou um longo
período praticamente extinta na Alta Idade Média, só retornando devido ao alcance
filosófico da doutrina tomista ao reabilitar o papel da criação legislativa enquanto fonte
predominante no pensamento jurídico. Sobre o século XII, afirma Villey: “É legítimo
confiar a uma classe de peritos, de sábios e, no que se refere aos detalhes, de “prudentes”, a
tarefa de ler a natureza e de procurar extrair dela as normas que contém em seu seio: e
essas normas valerão por si mesmas, devido a natureza que elas exprimem (jus natura),
simplesmente porque traduzem, de maneira mais ou menos adequada, a ordem contida na
natureza, sem que precisem, para gozar de autoridade, de nenhuma ordem do estado”. O
Corpus Iuris Canonici foi a primeira obra a tirar proveito da inovação, com a incorporação
da legislação canônica pelo papa Bonifácio VIII – (M. VILLEY, La Formation de la
pensée juridique moderne, trad. port. C. Berliner, A formação do pensamento jurídico
moderno, 2ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 2009, p. 188). Em Santo Agostinho, a
deliberação sobre obediência às leis positivas injustas ainda aparece como difícil
conclusão, sustentada teologicamente com a prevalência da cidade divina – (op. cit., p. 86-
91).
[111]
Esta seria a prova “ad absurdum” por meio da qual seria possível objetar a
crítica de “insuficiência” da tópica diante da validade. Novamente Canaris criticará o
procedimento tópico como avesso à estabilidade das normas, garantida pelo requisito da
validade. Uma lei “vale” independentemente da “opinião dos sábios”, da “maioria” ou do
“sensos communis”. Por isso a tópica “desconhece, no fundamental, a essência da Ciência
do Direito” – (Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema da Ciência do Direito, cit., p.
260). Canaris, todavia, ignora que a própria deliberação legislativa é, em si, um
procedimento evidentemente tópico. Viehweg tem clara consciência da tópica legislativa
como prova sua argumentação “ad absurdum” do legislador incumbido de legislar para
cada caso específico, criando um sistema dedutivo pleno. Inadmissível, portanto, a crítica
de Canaris que “Viehweg (...) não distingue, de modo reconhecível, entre a atividade do
legislador e a do juiz, de tal modo que fica com a impressão de que as suas considerações
se mantêm, primacialmente, ligadas à primeira” – (op, cit., p. 261-2).
[112]
T. VIEHWEG, Id., p. 84-5.
[113]
A ideia inicial do pensamento problemático baseado na distinção de Nicolai
Hartmann é rastreada por Canaris na obra de Max Salomon. Foi objetivo de Salomon criar
um sistema invulnerável mudanças propondo um conjunto de axiomas sob a forma de
problemas permanentes, sobre os quais haveria correspondentes respostas transigentes a
depender das circunstâncias históricas – (M. SALOMON, Grundlegung zur
Rechtsphilosophie, 2ª ed., 1925, apud C. W. CANARIS, Pensamento sistemático e conceito
de sistema na ciência do direito, 5ª ed., cit., p. 45). O prórpio Canaris objeta contra o
desenvolvimento de tal sistema afirmando nada torna lícito concluir que somatório de
perguntas resulta numa unidade interna – requisito, aliás, qualquer sistema lógico. Além
disso, a formulação de perguntas requer uma cognição prévia sobre o assunto sobre a qual
dizem respeito e, portanto, segundo Canaris, a formulação de um sistema de problemas
pressupõe uma definição prévia do que seja o direito. Max Salomon trabalha o problema da
autonomia da vontade justamente de um ponto de vista do direito privado, ou seja, as
perguntas são formuladas, mas as respostas já são em grande medida conhecidas. Canaris
atenta para o efeito positivo de um sistema assim construído permitir que “sub-questões”
apareçam, possibilitando, agora sim, novas investigações antes desconhecidas sobre o
tema. Na esteira do que foi dito acerca da tópica, é necessário salientar que Canaris não
percebe estar tratando em sua refutação justamente daquilo que Viehweg alertou sobre a
consequência da elaboração de problemas em torno de um tema, como fora consagrado na
antiguidade pelo uso da retórica. Canaris nota o efeito “inventivo” acarretado pela
formulação de perguntas, mas prefere ater-se à nuance lógica do encadeamento axiomático
de perguntas, respostas, subperguntas e subrespostas – (C. W. CANARIS, op., cit., p. 48).
[114]
T. VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência, cit.,p. 91.
[115]
A teoria do direito parece estar sempre um passo atrás da produção filosófica
atual. Villey atribui essa “defasagem” à “rotina dos juristas, que, por não terem de cultvar
eles mesmo a filosofia, geralmente só recebem seus ensinamentos com atraso e por canais
indiscretos, deformam-nos e os endurecem, e nunca os obedecem tão bem como quando
deixaram de ser professados por filósofos” – (M.VILLEY, A formação do pensamento
jurídico moderno, 2ª ed., cit., p. 173).
[116]
E. VOEGELIN, Structures in Consciousness, York University, Toronto,
1978, in Voegelin Reseach News, Vol. 2, n. 3, 1996, p.3.
[117]
“Quien se acerca, em cambio, a um sistema jurídico com el metodo
positivista de la observación de lós hechos y de su conexión causal, verá cómo el objeto de
su estúdio se le escapa de entre lãs manos, y cómo em lugar del Derecho le aparecerá el
“mecanismo jurídico”, es decir, el acontecer externo y visible que tiene lugar em la
realización del derecho: em lugar de la ciência del Derecho, tendremos la “sociologia
jurídica” – H. WELZEL, Naturrecht um Materiale Gerechtigkeit,1962, trad. esp. F. G.
Vicén, Introducion a La Filosofia Del Derecho, 2ª ed., Aguilar S. A. de Ediciones, Madri,
1971, p. 193.
[118]
“Lo notable (...) para el espiritu peculiar del positivismo es la psicologización
absoluta de lós contenidos espituales de significación para la materia jurídica – H.
WELZEL, Introducion a La Filosofia Del Derecho, p. 192.
[119]
O problema não escapa a Canaris: “No entanto concluir, sem mais, pela
existência da unidade do Direito, a partir da natureza científica da jurisprudência ou do
postulado metodológico do entendimento unitário, conduz a uma petitio principii” – (C. W.
CANARIS, Pensamento sistemático e Conceito de Sistema no Direito, p.15).
[120]
O debate sobre ciência natural e a delimitação de seu objeto pode ser ainda
complementado por Nicolai Hartmann e o chamado “fundo metafísico” das ciências: a
precisão e a certeza dos enunciados científicos são decorrência da aplicação matemática,
esta toma os objetos apenas por suas quantidades supondo a mensurabilidade unívoca dos
mesmos, incapaz que é de determinar a categorias que os determinam, tarefa
eminentemente metafísica. Assim, não pode a física determinar o que é o tempo ou o
espaço, nem a química definir o que é matéria ou mesmo a matemática definir o que é
número sem recorrer a um método mais elevado - (N. HARTMANN, Zur Grundlegung der
Ontologie, 1934, trad. esp. J. Gaos, Ontologia, Tomo I – Fundamentos, Fondo de Cultura
Economica, México, 1965, pp.7-8).
[121]
Em mesmo sentido, Radbruch defende que o conceito de direito pode ser
colhido pela ciência jurídica, mas apaenas a filosofia do direito pode fundamentá-lo. A
indução deveria ser preterida diante da possibilidade de uma dedução da ideia (Idee) do
direito. Esta seria, por sua vez, a própria ideia de Justiça – (G. RADBRUCH,
Rechtsphilosophie, trad. port. L. Cabral de Moncada, 6ª ed., Coleção STVDIVM: temas
filosóficos, jurídicos e sociais, Armênio Amado ed., Coimbra, 1997, p. 85).
[122]
Pode-se encontrar a distinção dos subconjuntos de maneira menos próxima à
teoria dos sistemas na explicação de Tércio Sampaio Ferraz Jr. com os chamados “objetos-
modelo” equivalentes ao subconjunto A e os “modelos teóricos” equivalentes ao
subconjunto T de teoremas. No entanto, para ele, os “objetos-modelo” extravasam o
enunciado jurídico das normas atingindo também as condutas e conflitos humanos. Cf. T.
S. FERRAZ Jr., Ciência do Direito, São Paulo, Atlas, 2ªed. 2012, p. 105.
[123]
É interessante notar que Kant, antes de qualquer positivismo, tenha realizado
uma espécie de “marco” na ciência do direito ao se adiantar na ideia de que sua
cientificidade deveria ser pressuposta, e aí então perguntar o que a justifica.. E. KANT,
Philosopfie des Rechts, 1995, p.836 apud C. W. CANARIS, Pensamento sistemático e
Conceito de Sistema no Direito, p.71. Ainda hoje se pode verificar a imorredoura e
constante busca positivista pela conciliação de ciência e filosofia, sujeitando esta aos
pressupostos da primeira com vistas a alcançar os mesmos resultados.
[124]
Wilhelm Ostwald, ao tratar da “determinidade” dos objetos físicos, já alertava
a impossibilidade de prever com perfeita exatidão sequer a trajetória de uma pedra, se
restringindo a almejar um modelo do lançamento horizontal o qual, desprezando inúmeras
variáveis, chega a uma expectativa provável tanto mais exata quanto maior o número de
variáveis levadas em conta. Alerta que se isto é assim para um fato isolado com um número
limitado de interferências quiçá para um dado experimental que envolva o ser humano –
(W. OSTWALD, Bücher der Naturwissechaft, 1900, trad. ing. T. Seltzer, Natural
Philosophy, Henry Holt and Company, New York, 1910, p.31).
[125]
Stammler parece contemplar a questão de maneira similar ao abordar o
conceito de Direto como “uma pura maneira ou modo condicionante para a ordenação da
consciência volitiva, e da qual depende toda a possibilidade de qualificar como jurídica
certa questão”. R. STAMMLER, Theorie der Rechtswissenschaft, 1923, apud K. LARENZ
– Metodologia da ciência do direito, p.152
[126]
A técnica da indução surgia como possibilidade de ser aplicada do mesmo
modo como obtivera êxito nas ciências da natureza, fazendo surgir o que se chamaria
“ciências do espírito”. A primeira aparição deste termo encontra-se numa tradução da
Lógica de John Stuart Mill com o sentido de uma aplicação do mesmo método indutivo das
ciências da natureza para fenômenos e processos individuais. Por trás disso há a confiança
que a regularidade e uniformidade dos objetos estudados pela primeira se repetiriam na
segunda, tornando assim lícito supor que cada fato tomado individualmente é nada mais
que um caso de uma regra geral. Abrir-se-ia mão das antigas formulações metafísicas em
busca de causas e efeitos, para limitar o procedimento à verificação das regularidades. Algo
disso é verdadeiro: podemos apontar contribuições que foram alcançadas por métodos
basicamente indutivos, como a corrente behaviorista da psicologia. Mas nem tudo parece se
conformar às expectativas da equiparação por meio do método. Abrindo caminho para sua
concepção hermenêutica das ciências do espírito, Gadamer aponta: “A experiência do
mundo sócio-histórico não se eleva ao nível de ciência pelo processo indutivo das ciências
da natureza. O que quer que signifique ciência aqui, e mesmo que em todo conhecimento
histórico esteja incluído o emprego da experiência genérica no respectivo objeto de
pesquisa, o conhecimento histórico não aspira tomar o fenômeno concreto como caso de
uma regra geral. O caso individual não se limita a confirmar a legalidade, a partir da qual,
em sentido prático, se poderia fazer previsões. Seu ideal é, antes, compreender o próprio
fenômeno na sua concreção singular histórica – (H. G. GADAMER, Verdade e método,
p.38-9).
[127]
Ou, nas vertentes escandinavas e americanas, a experiência se sujeita a uma
descrição pragmática para servir de objeto à análise linguística. O que dá no mesmo: é uma
experiência abstraída de variáveis concretas, apta apenas para a análise de tipo indicado. É
uma experiência sem experiência.
[128]
Na exposição de Lourival Vilanova: “Mas, no fundo, a teoria geral do direito
é positivismo, um aspecto particular do positivismo como teoria filosófica: o positivismo
jurídico. Por isso, os mesmos caracteres gerais do positivismo vamos encontrar no
positivismo jurídico. O princípio fundamental de sujeição ao dado, de limitar o alcance do
conhecimento ao fenômeno, ao que é objeto de experiência, repercute na ciência do direito,
como a exigência de estabelecer, para o conhecimento jurídico, o fenômeno jurídico, o fato
jurídico em sua pureza objetiva. (...) O fenômeno é o direito positivo, cujos limites não é
lícito ultrapassar. (...) Uma consequência necessária do positivismo é a negação da
metafísica” – (L. VILANOVA, Conceito de direito, in Escritos Jurídicos e Filosóficos, São
Paulo, Axis Mundi, 2003, p. 22.
[129]
H. KELSEN, Teoria Pura do Direito, 2ª ed., p.2.
[130]
Nesse sentido, a crítica de Welzel: “Os conceitos científicos não são
construções diferentes de um material idêntico, valorativamente neutro, mas reproduções
de fragmentos parcelares de um ser ôntico complexo, que é em si mesmo, imanente,
portador de uma legalidade estrutural e valores diferenciados, e não receptor passivo de
valores e estruturas produzidos pela ciência” – (H. WELZEL, Naturalismus und
Wertphilosophie im Strafrecht, 1935, apud K. LARENZ – Metodologia da ciência do
direito, p.152).
[131]
O método cartesiano resultava de uma dúvida metódica da qual só escapava o
próprio cogito, excluindo, portanto, as circunstâncias históricas e valorativas como
possíveis alicerces das ciências. Ocorre que a passagem da existência do sujeito pensante
para os demais fundamentos de um conhecimento apodítico da realidade só é assegurado,
em Descartes, por meio do pressuposto da onibenevolência divina. É de se notar aqui o
salto argumentativo (coisa que escolástico algum acataria) que de forma alguma assegura
uma certeza imediata da realidade.
[132]
Admite-o, Kelsen: “No cerne da sua filosofia [referindo-se a Kant] eu via –
com ou sem razão – a ideia do sujeito que constrói o objeto no seu processo de
conhecimento. Minha autoconsciência permanentemente ferida pela escola e faminta por
satisfação encontrou evidentemente nessa interpretação subjetivista de Kant, na ideia do Eu
como o centro do mundo, a expressão filosófica adequada” – (H. KELSEN, Hans Kelsen
im Selbstzeugnis, trad. port. G. N. Dias et. al., Autobiografia de Hans Kelsen, 2ªed., Rio de
Janeiro, Forense Universitária, 2011, p. 38-9).
[133]
ARISTOTELES, Ética a Nicomaco, trad. port. A. Castro Caeiro, São Paulo,
Atlas, 2009, p. 20, trecho I, 1095ª14.
[134]
H. KELSEN, Teoria Pura do direito, 2ª ed., pp. 215-306.
[135]
Viehweg define os problemas como “toda questão que aparentemente permite
mais de uma resposta e requer necessariamente um entendimento preliminar, de acordo
com o qual toma o aspecto de questão que há de levar a sério e para a qual há que buscar
uma resposta como solução” - (T. VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência, p. 34).
[136]
B. LONERGAN, Method in Theology, 1971, trad. port. H. Langone, Método
em Teologia, É Realizações, São Paulo 2012, p. 18.
[137]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Filosofia Concreta, É Realizações, São
Paulo, 2009, p.55.
[138]
Mario não aplica a decadialética à análise do direito. Suas considerações
sobre o tema estão elencadas de modo breve em Sociologia Fundamental e Ética
Fundamental. O autor aponta brevemente, em duas páginas, aspectos introdutórios do
tema, como o conceito de lei, as relações de direito e força, de direito com
desenvolvimento histórico do povo (em compasso com Savigny), o tema da
responsabilidade e das sanções – (M. FERREIRA DOS SANTOS, Sociologia Fundamental
e Ética Fundamental, 2ª ed., São Paulo, Logos, 1959, pp.239-41).
[139]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Logica e Dialética, 4ª ed., São Paulo, Logos,
1959, pp.237-51.
[140]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Métodos Lógicos e Dialéticos, v. III, 3ª ed.,
São Paulo, Logos Ltda, 1963, pp.149-65.
[141]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Lógica e Dialética, cit., p.241.
[142]
Sobre a discussão sobre os termos “necessidade” e “universalidade” na obra
aristotélica, em especial nos Analíticos Primeiros, v. O. PORCHAT, Ciência e Dialética
em Aristóteles, cit., p. 35-55.
[143]
O procedimento de elencar zonas de problemas, conforme buscamos
demonstrar, faz parte da tradição iniciada por Aristóteles (v. Tópicos, I, 4-11), Vico e
Viehweg. Em Aristóteles, especificamente, o “problema” (προβλήματα) é definido como
“um objeto de pesquisa que contribui seja para escolher e evitar seja para a verdade e
conhecimento”, Oswaldo Porchat comenta ser esta uma questão de ordem prática ou
teórica, ética ou “física” (O. PORCHAT, Ciência e Dialética em Aristóteles, cit., p.363, n.
157).
[144]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Lógica e Dialética, cit., p.243.
[145]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Lógica e Dialética, cit., p.244-9.
[146]
Sujeito e objeto, em tese, seriam categorias totais do conhecimento humano,
retomando o termo “ontognsoiologia” aplicado por Miguel Reale – (M. REALE, Filosofia
do Direito, 20ª ed., cit., p. 49).
[147]
O tema do ato e potência é aprofundado na obra “Sabedoria do Ser e do
Nada”, de Mário Ferreira, v. M. FERREIRA DOS SANTOS, Sabedoria do Ser e do Nada,
1ª ed., São Paulo, Matese, 1968, p. 153-226.
[148]
“Intensidade” e “Extensidade” são termos que Mário Ferreira empresta das
ciências naturais e aponta sua congruência descritiva em diversos filósofos, com destaque à
Descartes e Kant, passando para a ciência moderna em Macquome Rankine e Wilhem
Ostwald, v. Filosofia e Cosmovisão, cit., p. 165-178.
[149]
“Razão” e “Intuição” são tratados de maneira propedêutica em Filosofia e
Cosmovisão, cit., p.147-164.
[150]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Lógica e Dialética, cit., p.245.
[151]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Lógica e Dialética, p.247.
[152]
Tal erro é apontado por H. Kantorowicz na obra de K. Bergbohm: “El único
jurista que percibió este fallo en las discusiones habituales sobre el concepto de derecho
declaró que estaba preparado para avanzar en el mismo circulo, porque era algo
“absolutamente” inevitable” v. H. KANTOROWICZ, La definición del Derecho, p.36.
[153]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Lógica e Dialética, p.249.
[154]
É oportuna a distinção de Johannes Hessen entre objetividade e validade
universal, esta última decorrência exclusiva de pressupostos lógicos, das chamadas “leis do
pensamento”. A primeira, mais tangível na prática, decorre da evidência pessoalmente
vivida, válida não só para experienciais de caráter emocional como para o pensamento
conceitual também: “Objetividade e validade universal devem, portanto, ser muito bem
distinguidas. Muitas das objeções contra a intuição e o conhecimento intuitivo são feitas
exatamente em função da incapacidade de distinguir entre a objetividade e a validade
universal do conhecimento” - (J. HESSEN, Teoria do conhecimento, p.125).
[155]
É o caso da metafísica, cujo objeto não pode ser formalmente descrito sem
limita-la inadequadamente. O meio apreensível de seu campo de estudos pode senão ser
simbolizado por um círculo, isto é, aquilo que não tem começo nem fim.
[156]
É mérito de Hans Kelsen ter elaborado a útil distinção entre Rechstnorm
(norma jurídica) e Rechstgesezt (proposição jurídica). Esta última com o significado de
“juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem que, de conformidade com o sentido de uma
ordem jurídica – nacional ou internacional – dada ao conhecimento jurídico, sob certas
condições ou pressupostos fixados por esse ordenamento, devem intervir certas
consequências pelo mesmo ordenamento determinadas”. O discurso descritivo é mantido
sob os limites do método kelseniano, isto é, só interessa a consequência jurídica pré-
estipulada e a constatação de validade. Mas ainda assim a distinção revela a ruptura entre o
discurso prescritivo e descritivo no direito. (H. KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 80,
98-99).
[157]
Lord Kelvin definia como “Any space at every point of which there is a finite
magnetic force is called a field of magnetic force’ (…) ”. W. THOMPSON, “On the theory
of magnetic induction in a crystalline and non-crystalline substances”, Philosophical
Magazine 1, 1851, p. 179 apud E. McMULLIN, The Origins of the Field Concept in
Physics in “Physics in Perspective”, n.4, p.13-39, Birkhäuser Verlag, Basiléia, 2002, p. 13.
Interessante notar que, mesmo sendo um crítico do positivismo da virada do século XIX,
Mário Ferreira não abria mão de um profundo interesse pelas ciências naturais e sua
possível aplicação na filosofia. Tal uso de um termo da física não é diletantismo: em
Filosofia e Consmovisão vemos nos capítulos finais uma explicação filosófica da então
recém descoberta teoria da relatividade.
[158]
“The region in which a particular condition prevails, especially one in which
a force or influence is effective regardless of the presence or absence of a material
médium” – (Oxford Living Dictionaries, disponível em
https://en.oxforddictionaries.com/definition/field. Acesso 25 de fevereiro de 2017).
[159]
T. VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência, p. 92.
[160]
De modo bastante semelhante ao método aqui proposto, Robert Alexy baseia
sua investigação sobre o conceito de direito numa sumarização de diferentes propostas
formando um “quadro conceitual”, no qual são elencadas combinações possíveis para cada
tipo de problema suscitado a partir da vinculação do direito À moral. São eles: conceitos de
direito isentos e não isentos de validade; sistemas normativos e procedimentais;
perspectivas do observador e participante; conexões classificadoras e qualificadoras. Cada
uma dessas distinções poderia ser considerada uma antinomia dialética no plano teórico do
direito, fazendo surgir campos de problemas, nos quais Alexy apoia sua análise – (R.
ALEXY, Conceito e Validade do Direito, pp. 28-34).
[161]
Sobre as considerações iniciais fenomenológicas, e separação entre sujeito e
objeto v. J. HESSEN. Teoria do Conhecimento, cit., p. 19-29
[162]
Mário Ferreira estabelece a distinção gnosiológica inicial de sujeito e objeto
como o “Eu” oposto ao “Não-Eu”. Mas esta distinção é logo criticada como errônea: o
antagonismo antinômico dos dois entes estabelece que um não pode existir sem o outro, “A
negação do objeto seria a posição solipsista, de Berkeley, que nega a existência do objeto
para afirmar apenas as do sujeito” – (Filosofia e Cosmovisão, cit., p. 73). Do ponto de vista
lógico, o objeto é descrito por Mário como os elementos descobertos pelo homem sob uma
certa ordem e regularidade em seus pensamentos, o que possibilitava descobrir suas
relações, regras e constantes – (Lógica e Dialética, cit., p. 15)
[163]
A possibilidade do “Eu” e do “Não-Eu” existentes autonomamente resulta no
que Mário Ferreira chama de “dualismo antagônico” (em oposição à “antinômico”). A
problemática envolveria, a princípio, a divisão estanque dos entes. A separação entre “Eu”
e “Não-Eu” traria a dificuldade de “desdobrar o próprio Eu em seu objeto, como quando o
Eu conhece a si mesmo” – (Filosofia e Cosmovisão, cit., p. 75).
[164]
A relação entre ambos é descrita por Mário Ferreira como uma
“compenetração”, através de “múltiplas trocas entre organismo humano e meio ambiente”
– (Filosofia e Cosmovisão, cit., p. 75). A problemática da compenetração serve a grande
parte do conhecimento humano: psicologia, ontologia, sociologia, economia, direito, etc.
[165]
Frege soube impor os limites do objeto da seguinte maneira: “E só se pode
dizer sucintamente o seguinte: um objeto é tudo aquilo que não é função [logo, que não é
conceito], tudo aquilo cuja expressão não contém um lugar vazio”. Sua distinção busca
demarcar o objeto distintamente da relação deste e o sujeito, a contraexemplo de Lalande,
que define o objeto como tudo aquilo que pode ser sujeito de um juízo; Frege vê o objeto
como o conteúdo determinado dentro dos conceitos - estes, por definição, indeterminados –
(G. FREGE, Sobre o conceito e o objeto in Lógica e Filosofia da Linguagem, p. 114 e ss).
[166]
Cumpre salientar uma possível objeção aqui: a gramática, ao submeter seu
conteúdo às mesmas regras, possibilitando que qualquer substantivo venha a ser sujeito ou
objeto, poderia ser arguida como pressuposto a priori do que se está afirmando. De fato,
coincidência há. Mas sendo a gramática eminentemente uma estrutura lógica de formulação
dos juízos também ela não poderia deixar de enquadrar-se no que se afirmou quanto à
fenomenologia entendendo-se que também ela é condicionada a determinados princípios
ontológicos. Realmente, não poderia ser de outra forma: uma gramática que não permitisse
a alteridade de sujeito e objeto se limitaria formidavelmente.
[167]
A fim de evitar confusões utilizaremos o termo “objeto conceptual” quando
nos referirmos ao direito enquanto objeto em seu caráter lógico. Este é o conteúdo real que
o conceito busca apreender e transformar em um esquema abstrato de relações (função).
[168]
L. VILANOVA, As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo, 4ª
edição, Noeses, São Paulo, 2010, p.54.
[169]
“Se os elementos são proposições, sua composição interior obedece a leis de
formação ou de construção. O legislador pode selecionar fatos para sobre eles incidir as
hipóteses, pode optar por estes ou aqueles conteúdos sociais e valorativos, mas não pode
construir a hipótese sem a estrutura (sintática) e sem a função que lhe pertence por ser a
estrutura de uma hipótese” – (L. VILANOVA, As Estruturas Lógicas e o Sistema do
Direito Positivo, p.54).
[170]
O subconjunto de axiomas e teoremas é tratado na obra sobre sistemas de
Mário Losano sob o título de subconjunto A e subconjunto T, respectivamente. De modo
geral, sistemas são definidos como uma totalidade de elementos coordenados a partir de
princípios. Esta definição torna-se mais detalhada e rígida por meio da lógica de Tadeusz
Kotarbinski, filósofo polonês, cuja proposta de teoria geral dos sistemas envolve dois
subconjuntos: “A” de axiomas e “T” de teoremas. Subconjunto A e subconjunto T se
articulam por meio dos requisitos apresentados a seguir assegurando a estrutura (no sentido
técnico de nexo lógico válido entre as proposições) do sistema. Vale dizer que são
requisitos de natureza lógica, condizente ao teor do que se busca explicitar no termo
“sistema externo”, mas válidos para qualquer ordem de conhecimentos científicos. Vistos
pelo ponto de vista jurídico, o subconjunto A são as próprias normas jurídicas vinculadas
ao caráter axiomático, isto é, das quais não se exige uma proposição anterior para garantir-
lhes a validade . O subconjunto T são os teoremas a respeito dos axiomas; vistos do ponto
de vista jurídico são as proposições científicas confiadas ao trabalho do jurista– (M.
LOSANO, Sistema e estrutura do direito, vol. 1, cit., p. 250-264).
[171]
A validade lógica não supõe a validade jurídica. Trata-se de diferentes
estratos de linguagem, cada um com uma valência própria.
[172]
Explica-se esta escolha pelo fundamento dos axiomas se enquadrarem
naquilo que Mario Ferreira entende por conceitos: a reunião de dados semelhantes,
abstraídos formalmente de suas diferenças e enunciados genericamente. Tem a ver também
com a concepção fregeana, tomando as regras por enunciados os quais apresentam um
conjunto fático de hipóteses abstrativamente consideradas e, portanto, indeterminadas ou
insaturadas, que se completam pela eficácia; na analogia com a função matemática
teríamos por objeto (ou argumento da função) o fato particular presente, que se relaciona
com o enunciado descritivo da regra, cujo “valor de verdade” é atestado na aplicação do
direito e o desencadear de seus efeitos. Por ser uma operação lógica importa dizer que o
objeto conceitual permanece intacto; como a distinção engloba todos os aspectos
preliminares sem que divida efetivamente o objeto pode-se afirmar que há, por trás de
todas as nuances e vicissitudes da transformação do direito, uma unidade. Não significa
que a aplicação das regras prescinde do elemento humano, pelo contrário, é este aspecto
que atesta seu caráter dialético, como demonstraremos adiante; o importante aqui é o
desenvolvimento tético das normas jurídicas, como proposições basilares da ciência
jurídica constituindo seu objeto material.
[173]
Mário Ferreira sintetiza este pressuposto: “No conhecimento, não há objeto
sem sujeito. Portanto, podemos colocar-nos em uma dessas duas posições: 1) existência do
sujeito e do objeto; 2) existência do sujeito apenas. A partir destas posições iniciais serão
explanadas as quatro vertentes do problema do conhecimento: 1) respostas empíricas; 2)
respostas dos racionalistas-aprioristas; 3) reposta de Kant, ou criticista; 4) resposta dos
místicos, por meio da intuição imediata – (Filosofia e Cosmovisão, cit., p. 76-78). O
aprofundamento de cada resposta é feito na obra Teoria do Conhecimento (Gnoseologia e
Critériologia), 3ª ed., São Paulo, Logos, 1958, p. 41-109).
[174]
Fontes auto expressivas ilustram esta circunstância: o espírito do povo é uma
crença de Savigny, assim como a irrenunciável liberdade humana o é para Puchta e não
seria difícil enumerar um viés subjetivo indelével a cada um dos que os sucederam. Esta
subjetividade esteve amplificada na criação de sistemas externos, em construções até certo
ponto plásticas sobre um mesmo material das fontes romanas. Jhering é o primeiro a
atentar que, apesar desta plasticidade dos sistemas, eles não podem distorcer certos
aspectos rígidos dos institutos; embora o faça por meio de metáforas, fica claro se tratar de
uma estrutura rígida do direito: “Essa precipitação das normas no sistema não é uma obra
surgida da discricionariedade subjetiva, não é uma elaboração da matéria empreendida pela
ciência, mas é inerente ao próprio direito” – (R. Von JHERING, Geist der römischen
Rechts auf den verschiedenen Stufen seiner Entwicklung, Breikopf & Härtel, Leipzig,
1852-65, 4 vol., p.42, apud. M. LOSANO, Sistema e Estrutura do Direito, vol. 1, p.367).
[175]
Um trecho de Radbruch relata a experiência ainda confusa do valor por trás
dos discursos descritivos e prescritivos. Há uma doutrina com valor de lei, e uma lei tão
carente de eficácia quanto uma doutrina: “A Idade Média não distinguia ainda entre os
‘livros de direito’, que anotam os preceitos jurídicos já válidos por força do costume e só
eram válidos se o fizessem corretamente, e ‘códigos de leis’, que são a própria fonte de
validade de seus preceitos e por isso necessitam de validade incondicional; o
Sachsenspiegel, concepção jurídica privada de Eike Von Repgow (por volta de 1225), foi
capaz de obter quase autoridade incondicional de um código de leis; a Carolina (código
penal do imperador Carlos V para o Reich alemão, 1532) mal conseguia a obediência de
um livro de direito” – (G. RADBRUCH, Einführung in die Rechtswissenschaft, 1987, trad.
port. V. Barkow, Introdução à ciência do direito, São Paulo, Martins Fontes, 2011, p. 28).
[176]
Um dos problemas evocados nesta relação é, por exemplo, o que Losano
chama de “inversão” do sistema externo. A atividade descrita como dogmática havia aos
poucos se transformado em construtivista, buscando uma maleabilidade dos institutos com
vistas à adaptação às exigências práticas, assim como um sentido filosófico de fundo que
justificasse a organização da matéria. Em Kelsen, o paradigma do sistema interno se
consolida tomando os pontos de relevância primordiais da ciência jurídica: a) validade da
norma e b) os meios pelos quais ela pode ser aplicada. O importante aqui é notar que a
descrição do sistema como união dos dois subconjuntos continua aceitável: o discurso a
respeito dos axiomas apenas passa a tratá-los sob um viés diferente, chegando ao ponto de
questioná-los em sua validade. Ainda que se pudesse objetar que axiomas são, por
definição, indiscutíveis, teríamos de admitir que essa conclusão a respeito de seu status só é
alcançada após a discussão chegar a um termo. Aprofundaremos esta discussão no campo
seguinte.
[177]
Esta dicotomia é o que está por trás da distinção entre normas e proposições
jurídicas em Kelsen. As primeiras, enquanto enunciados hipotéticos tem valor
intrinsicamente descritivo, ao passo que as normas, enquanto “mandamentos”, fazem parte
da função apelativa da linguagem e são, portanto, um discurso prescritivo. Tal distinção
parece ter sido um pioneirismo de Kelsen. O autor esclarece que a ciência jurídica alemã
utilizava os termos (Rechtsnorm e Rechtssatz) como sinônimos até então. – (H. KELSEN,
Teoria Pura do Direito, p.80-81). Dicotomia semelhante é proposta por Alf Ross. O autor
dinamarquês utiliza a metáfora do xadrez, cujas regras primárias correspondem aos
movimentos básicos de cada peça, e regras de teoria do xadrez, que estipulam quais
movimentos levam a uma estratégia bem-sucedida para vencer o jogo. As primeiras seriam
prescritivas (diretivas, na terminologia do autor) e as segundas descritivas – (A. ROSS,
Direito e Justiça, p.34-44).
[178]
Ao afirmar a distinção entre norma e proposição jurídica, Kelsen poderá em
seguida afirmar a preocupação singular da ciência jurídica em verificar os nexos de
imputação nas normas, criando para isso enunciados na forma de proposição. O intento
aparentemente afastaria considerações do nível fático, nível do “ser”, a respeito das
normas, isto é, os efeitos sociais, morais, históricos nelas contidos. É cabível a crítica de
Mario Losano, segundo o qual o estabelecimento deste método para as ciências jurídicas
acaba por ser uma imposição de Kelsen e, por consequência, uma normatização da ciência.
Forçoso admitir um sentido nitidamente ideológico. (M. LOSANO, Sistema e estrutura do
direito, vol. 1, p. 321 e ss). Este sentido ideológico também é apresentado por Voegelin ao
tratar do papel de Kelsen enquanto professor. Sua imposição metodológica neokantiana
transformava a Staatlehre (teoria política) em Rechtslehre (teoria do direito), e tudo para
além do sistema lógico de normas não poderia mais fazer parte da Staatlehre – (E.
VOEGELIN, Autobiographical Reflections, University of Missouri Press, Columbia 2001,
p. 45).
[179]
A antinomia fica, ainda, especialmente clara quando exposta nos
ordenamentos jurídicos da common law, nos quais o discurso prescritivo não é produzido
exclusivamente sob a forma dos enunciados hipotéticos (Se A, então B deve ser). Wesley
Hohfeld, enuncia já em 1917 uma tipologia de conceitos que descreveria os cases a partir
da natureza do ato envolvido, incluindo right, no-right, privilege, duty, power, disability,
immunity, liability - (W. HOHFELD, Fundamental legal conceptions as applied in judicial
reasoning, Faculty Scholarship Series. Paper 1917, 4378, disponível em
http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/4378. Tais modalidades são abstrações
conceituais descritivas do conteúdo fático que, por seu papel no sistema da common law,
tem valor prescritivo. Analisaremos a riqueza de relações apresentadas por Hohfeld nas
oposições da intensidade. No mesmo sentido, Hart dedica boa parte de sua crítica a John
Austin para esclarecer a diversidade de prescrições possíveis além do “comando” – (H.
HART, O Conceito de Direito, p. 33-53).
[180]
Mesmo se nos ativermos ao segmento condicionado pela maior exigência de
imparcialidade no conhecimento jurídico, isto é, a Jurisprudência (entendida enquanto
ciência sobre o Direito ocupada sob o aspecto normativo das decisões), constata-se que a
influência de seus resultados é admitida e, além disso, necessária; de modo que Larenz
afirma: “Certamente que haveremos de ver que os seus enunciados não deixam de ter
influência sobre o conteúdo daquilo a que se referem, ou seja, das normas jurídicas. E
assim distingue-se das hoje denominadas, as mais das vezes, ciências científicas, que
partem da independência do objeto de conhecimento face ao sujeito cognoscente e atêm-se
sempre a este ponto de partida” – (K. LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito,
p.270).
[181]
Lourival Vilanova define os enunciados de linguagem prescritiva como
aqueles cuja finalidade é alterar a circunstância, e cujo destinatário é o homem e sua
conduta no universo social - (L. VILANOVA, As Estruturas Lógicas e o Sistema do
Direito Positivo, 4ª edição, Noeses, São Paulo, 2010, p.4). Veremos adiante até onde
podemos expandir e restringir o conceito de “discurso prescritivo” no direito para
estabelecer sua virtualidade.
[182]
Vilanova define o dever como um “functor”, “um operador diferencial das
linguagens normativas, um de cujos subdomínios é o do direito”, “um modal específico das
proposições normativas”, por meio do qual a lógica deôntica se diferencia das demais. Seu
distanciamento de outros functores como “necessariamente” ou “possivelmente”, típicos da
lógica alética, permite diferenciar as teorias do direito que afirmam o fenômeno a partir de
uma previsibilidade das decisões judiciais ou do comportamento psicológico e social de
seus interlocutores social - (L. VILANOVA, As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito
Positivo, p.35-6).
[183]
K. LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, cit., p.352-3.
[184]
Diferenças relevantes precisam ser incluídas na forma de uma nova
proposição, seja ela ampliativa, restritiva ou remissiva. Neste caso, são semelhanças entre
as diferenças que permitem uma abstração cognitiva dos elementos da situação fática.
Nesse sentido, ver, por exemplo, o art. 425 do Código Civil Brasileiro que dispõe sobre a
possibilidade de contratos atípicos. Há aí uma proposição que só se torna compreensível se
relacionada sistematicamente com as demais normas sobre contratos (remetendo a uma
disciplina geral dos contratos). A partir daí é possível vislumbrar um conjunto de
possibilidades extras que a lei declara; tal efeito só é possível tendo em vista um conjunto
tão estável de semelhanças constantes nos contratos a ponto de a legislação permitir que
algumas diferenças dispositivas – a depender da vontade das partes – sejam válidas
(ampliando o rol inicial de contratos típicos).
[185]
Sobre a formalização da linguagem, Lourival Vilanova nota a relação entre a
irredutibilidade fenomenológica da divisão entre mundo ôntico e deôntico: “... as estruturas
lógicas estão encobertas pelas referências conceptuais a fatos-do-mundo (eventos e
condutas) que o sistema jurídico trouxe para seu universo. Num texto legislativo não
percebemos as formas lógicas como tais. Por mais que generalize, com a linguagem do
direito alcanço tipos. Há tipos gerais no direito. A tipificação generalizadora prossegue na
ciência jurídica. Um desses tipos é o conceito de negócio jurídico. Generalizando mais,
alcanço a estrutura relação jurídica” - (L. VILANOVA, As Estruturas Lógicas e o Sistema
do Direito Positivo, cit., p.30).
[186]
G. RADBRUCH, Introdução à ciência do direito, cit., p. 26-28.
[187]
C. M. da S. PEREIRA, Instituições de direito civil, vol. 1, 26ª ed. Rio de
Janeiro, Forense, 2012, p. 53.
[188]
Villey atribui o ressurgimento da doutrina ao retorno das ideias aristotélicas
por meio da filosofia tomista: “Creio encontrar os fundamentos desse método de fabricação
do direito na teologia tomista, na revalorização da teoria dita do direito natural clássico,
devida a Aristóteles, acolhida no mundo jurídico romano, onde ela confirmou a ação
criadora dos jurisprudentes. Sustento que a existência dessa fonte de regras de direito é
solidária não só com o direito natural, mas também com a metafísica que funda o direito
natural (...)”– (M. VILLEY, Formação do pensamento jurídico moderno, cit., p.184-8)
[189]
A. J. ARNAULD, Les origines doctrinales du Code civil français, Paris,
LGDJ, 1969 apud M. VILLEY, Id. p. 184).
[190]
Kelsen aponta este fenômeno ao elencar dentre as possibilidades de
interpretação não autêntica do direito a obediência às leis por parte dos integrantes da
sociedade, ainda que não pertencentes à chamada “comunidade jurídica”. Para seguir as
leis é pressuposto algum nível de interpretação – (H. KELSEN, Teoria Pura do Direito, p.
387-391).
[191]
“The answer is that linguistic messages there are two closely interlocked
fundamental processes which we can and must distinguish in order to understand what is
going on. In intercourse using language there is first pointing: things and processes are
indicated. That demonstratio; I prefer the Greek word deixis. Second, there is also
representing in linguistic intercourse. Objects and states of affairs are given a formulation
in language and are symbolized by words that designate them in the symbolic field of
language”. K. BÜHLER, Theory of language: the representational function of language, p.
99.
[192]
K. BÜHLER, Theory of language, p.34.
[193]
Distinção semelhante é feita para fundamentar a teoria do “direito vigente”
em Alf Ross, separando expressões linguísticas em asserções, exclamações e diretivas –
(A. ROSS, Direito e Justiça, p.43).
[194]
C. STEVENSON, Ethics and Language, New Haven, Yale University Press,
1944, p.202-27
[195]
R. ALEXY, Theorie der Juristischen Argumentation, trad. port. Z.
Hutchinson, Teoria da argumentação jurídica, São Paulo, Landy, 2001, p. 53-4.
[196]
“We have military orders (parade-ground and otherwise), architects'
specifications, instructions for cooking omelets or operating vacuum cleaners, pieces of
advice, requests, entreaties, and countless other sorts of sentence, many of whose functions
shade into one another. The distinction between these various kinds of sentence would
provide a nice logician with material for many articles in the philosophical periodicals; but
in a work of this character it is necessary to be bold. I shall therefore follow the
grammarians and use the single term 'command' to cover all these sorts of thing that
sentences in the imperative mood express, and within the class of commands make only
some very broad distinctions” – (R. M. HARE, The Language of Morals, Transcribed into
hypertext by Andrew Chrucky, July 2005, disponível em
http://www.ditext.com/hare/lm1.html. Acessado em julho de 2016).
[197]
R. M. HARE, Freedom and Reason, Oxford, Claredon Papers, 1963, p.2.
[198]
É a crítica que Larenz faz ao posicionamento de J. Esser quanto à dogmática,
(K. LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, cit., p. 312-14).
[199]
O termo “movimento” aparece conotativamente devido a dificuldade
insuperável em se aplicar categorias genéricas aos conceitos metafísicos. A explicação
deverá aprofundar-lhes o sentido.
[200]
G. LUMIA, Lineamenti di teoria e ideologia del diritto, trad. port. D.
Agostinetti, Elementos de teoria e ideologia do direito, São Paulo, Martins Fontes, 2003, p.
23-37.
[201]
Seria uma visão que renovasse, portanto, o modo pelo qual se concebem as
regras (e o direito, de modo geral) como independente da situação cronotópica posterior ao
surgimento das instituições. Prova disso está no fato de que a ideia de instituição enquanto
garantidora da aplicação de regras requer naturalmente que regras existam anteriormente e
independentemente; sendo assim, portanto, não podem as últimas ser definidas pelas
primeiras.
[202]
A distinção entre regras e normas é usada na terminologia da dogmática
alemã no sentido de distinguir entre o “dever-ser” jurídico e não jurídico - (K. LARENZ,
Metodologia da Ciência do Direito, p. 262). No mesmo sentido, v. a discussão sobre a
diferença de hábitos comportamentais e regras em H.HART, O Conceito de Direito, p. 23-
26.
[203]
Não se busca aqui repudiar as teorias que ofereceram explicações do direito
enquanto um sistema interno, investigando suas possibilidades e condições lógicas
intrínsecas no que se intitula usualmente “Teoria Geral do Direito”. É esta, todavia, uma
investigação que extrapola os limites concebidos metodologicamente por aquela disciplina
do conhecimento jurídico, sem – insistimos – necessariamente repudiar suas colocações.
[204]
Bodin elabora uma hierarquia de formas legais encabeçada por (a) atos
privados de cidadãos não podem derrogar as ordens dos magistrados; (b) ordens dos
magistrados não podem derrogar os costumes; (c) o costume não pode derrogar as leis do
príncipe; (d) as leis do príncipe não podem derrogar a lei natural e divina – J. BODIN,
Republique, p. 146, apud E. VOEGELIN, The Collected Works of Eric Voegelin, v. 23,
History of Political Ideas, V, Religion and Rise of Modernity, trad. port. E. Fonseca,
História das Ideias Políticas: Religião e ascensão da modernidade, São Paulo, É
Realizações, 2016, p. 304.
[205]
A hierarquia legal pressupunha uma hierarquia de pessoas: (a) Deus; (b) o
príncipe soberano; (c) o magistrado, sujeito às ordens do príncipe; (d) os cidadãos privados
dentro da competência dos magistrados – J. BODIN, République, cit., p.351.
[206]
E. BALDWIN, The Duty of Rejoicing under Calamities ans Afflictions, New
York, Hugh Gaine, 1776, p. 21-2 apud S.M. GRANT, A Concise History of United States,
trad. port. J.I. Mendes Neto, História Concisa dos Estados Unidos da América, São Paulo,
Edipro, 2014, p. 151.
[207]
“ ...to meet at Philadelphia on the second Monday in May next, to take into
consideration the situation of the United States, to devise such further provisions as shall
appear to them necessary to render the constitution of the federal government adequate to
the exigencies of the Union....", Carta de William Grayson para James Madison, 22 de
março de 1786, G. BANCROFT, History of formation of the Constitution, apud A.
McLAUGHLIN, A Constitutional history of the United States, 1936, 1936, New York,
Simon Publications, 2001, p. 258.
[208]
O artigo XIII expressa esta expectativa: “And the Articles of this
Confederation shall be inviolably observed by every State, and the Union shall be
perpetual; nor shall any alteration at any time hereafter be made in any of them; unless such
alteration be agreed to in a Congress of the United States, and be afterwards confirmed by
the legislatures of every State”.
[209]
S. M. GRANT, História Concisa dos Estados Unidos da América, p. 172.
[210]
E. VOEGELIN, A Natureza do direito, p. 84.
[211]
Vilanova, na esteira do pensamento kelseniano, afirma que a revolução só é
jurídica quando da renovação da Constituição, do contrário ocorre apenas um golpe-de-
estado (“revolução” no sentido político) no qual se substituem os titulares dos cargos, ainda
que ilegalmente, cargos estes já previamente delineados pelo texto constitucional – (L.
VILANOVA, Teoria jurídica da revolução, Separata do anuário de mestrado, Faculdade de
Direito do Recife, ano II e III, n. 2 e 3, 1979, p. 5).
[212]
Vilanova, in verbis, argumentando sobre a hipótese de uma norma
constitucional que previsse a juridicidade da revolução – o que, como vimos, foi o caso,
posto que desrespeitando o critério estabelecido – salienta que “... a norma que previsse a
juridicidade da revolução não estaria a salvo da destruição de sua validade, pois a
eficacidade atinge o todo do ordenamento. E uma norma isolada não tem validade se não
tem validade o todo do ordenamento. Ser válida é pertencer a um ordenamento válido e
eficaz” – (L. VILANOVA, Teoria jurídica da revolução, p. 8).
[213]
Em suma, no sentido atribuído por Herbert Hart às “regras secundárias” – (H.
HART, O Conceito de Direito, p. 89-101).
[214]
O exemplo mais nítido do direito brasileiro talvez seja o “Esboço de Código
Civil” elaborado por Teixeira de Freitas a pedido do Imperador D. Pedro II. Embora não
tenha entrado em vigor, a obra teve influência sobre o Código de Civil de 1916, e serviu de
modelo para outras codificações da América Latina.
[215]
J. RAZ, Pude haber una teoría del derecho?, p. 61.
[216]
Muito espirituosamente, Kantorowicz cita a passagem de Hamlet no qual o
príncipe indaga o coveiro se quem vai ser enterrado. Este lhe responde que não é para um
homem, tampouco uma mulher, mas: “Uma pessoa que foi uma mulher, senhor, mas que,
descanse em paz, é um morto”. Não sendo a regra vinculante, pode a ciência jurídica
enterra-la no túmulo de Ofélia? (H. KANTOROWICZ, The Definition of Law, p.49).
[217]
O discurso descritivo tem suas atualizações e virtualizações próprias a serem
desenvolvidas nos campos posteriores.
[218]
“Assim, na chamada subsunção, apenas a obtenção das premissas é decisiva:
quando a “premissa maior” e a “premissa menor” sejam suficientemente concretizadas e
ordenadas entres si – e para isso a lógica formal não é essencial – está concluída a tarefa
própria dos juristas; a conclusão final surge agora, por assim dizer, de modo automático
(...)” – (C. W. CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do
direito, 5ª ed., cit., p.33).
[219]
H. G. GADAMER, Warheit und Methode, trad. Port. F. Meurer, Verdade e
Método, 9ª ed., Petrópolis, Vozes, 2008, p. 243.
[220]
F. D. SCHLEIERMACHER, Werke, I, 7, 146s., apud H. G. GADAMER,
Verdade e método, cit., p. 261.
[221]
F. D. SCHLEIERMACHER, Werke, 7,33, apud H. G. GADAMER, Verdade
e método, cit., p.263.
[222]
O. M. CARPEAUX, História concisa da literatura alemã, 1ª ed., Barueri,
Faro, 2013, p.89.
[223]
O. M. CARPEAUX, História concisa da literatura alemã, cit., p.90.
[224]
F. SCHLEGEL, Fragmente, 1798, trad. Ingl. P. Firchow, Londres, University
of Minnesota, 1991, p.48.
[225]
A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, São Paulo, tese (Professor
Titular junto ao Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito, da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo), 2013, p. 20.
[226]
O. M. CARPEAUX, História concisa da literatura alemã, 1ª ed., p.92.
[227]
Carpeaux expõe duas propostas explicativas interessantes. A primeira, a
teoria etnocultural de Joseph Nadler, ressalta a origem de colonização eslava da Alemanha
oriental, de onde provém os irmãos Schlegel, Schleirmacher, Tieck e Novalis. “É uma terra
que não conhece a herança clássica e católica da Renânia e do Sul. É a terra que produziu a
Reforma, os místicos, o Barroco, o irracionalismo. Seu Romantismo é a reação contra a
Alemanha “antiga”, de tradições católicas e latinas. A teoria, contudo, não explica a
evolução posterior do romantismo católico e medievalista de Heidelberg e Viena. Para essa
evolução, a teoria biocultural de Petersen, baseia-se em três gerações: os irracionalistas de
Viena; os medievalistas de Heidelberg; e o Biedermeier – (O. M. CARPEAUX, História
concisa da literatura alemã, 1ª ed., p.89-90).
[228]
A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, cit., p. 36.
[229]
O suporte viria da teoria de Friz Schreier, apenas chancelada por Hans
Kelsen. O conflito inerente ao processo interpretativo jurídico é tratado como a conciliação
entre a decisão valorativa do caso concreto frente à abstração do conceito positivado.
Schreier demonstra a inexistência de critérios para determinar a superioridade de uma
abordagem hermenêutica sobre as demais. Diante disso reconhece-se que a escolha final do
intérprete não é regulada positivamente. Escolhe-se, afinal, entre um nomos conservador ou
progressista – cf. F. SCHREIER, Die Interpretation der Gesetze und Rechtsgeschäfte,
Viena, 1928, p. III apud A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, cit., p. 69.
[230]
A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, cit., p. 75.
[231]
A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, cit., p. 74.
[232]
A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, cit., p. 74.
[233]
É o que nota Solon, na esteria de Savigny, Ascarelli e Fritz Schreier, ao
apontar a inelutabilidade da norma enquanto texto, só se revelando no momento em que o
problema aparece, isto é, no caso concreto: “Apenas quando estamos diante de um caso
jurídico concreto é que podemos falar em normas jurídicas, para que depois, logo em
seguida, o sistema normativo seja dissolvido novamente em texto (...) A aplicação somente
é válida para o caso jurídico a que se refere. Esta a problematicidade de um ato criador
realmente livre, que se reconhece incapaz de atar o futuro!” – (A. SOLON, Hermenêutica
Jurídica Radical, cit., p. 78-9).
[234]
Contra a opinião de Emilio Betti de que o significado deve ser obtido da
própria norma jurídica e não artificialmente a partir do intérprete, Solon destaca a
incongruência diante da “realidade da vivência do direito”, e afirma “não se pautar em
diagnóstico acurado do funcionamento do direito”. A acusação, por fim, de uma
hermenêutica lida “como simples sustentação ideológica” e, enfim, “conservadora” é
criticável. A irreflexibilidade da lei e a negação da disponibilidade em interpretar ou
reconhecer o papel do intérprete pode legitimar posturas tanto conservadoras quanto
progressistas. Soa demasiado otimista que essa interpretação, entendida como “contínua
criação humana”, seja interpretada de forma “democrática”, “por simples maioria”, o que
parece estar na consciência do autor no momento em que classifica o nomos insular como
“potencialmente redentor” (destaque nosso) – (A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical,
cit., p. 80-1, 100). O conservadorismo só parece ligado a uma interpretação irreflexiva no
caso do texto bíblico segundo a Tradição e Magistério da Igreja Católica, indiferente a
qualquer democracia e maioria. Nada de revolucionário, portanto. É justamente o que
sustenta a ortodoxia, desde São Irineu de Lyon, contra todos os desvios heréticos e
protestantes.
[235]
K. LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, p.283.
[236]
Tal hipótese é investigada por Canaris, v. C. W. CANARIS, Pensamento
sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, 5ª ed., cit., p. 66-76.
[237]
R. ALEXY, Theorie der Juristischen Argumentation, trad. port. Z. H. Shild,
Teoria da Argumentação Jurídica, São Paulo, Landy, 2001, p.21.
[238]
H. KELSEN, Teoria Pura do Direito, cit., p.4.
[239]
H. KELSEN, Teoria Pura do Direito ,cit., p.4.
[240]
H. KELSEN, Teoria Pura do Direito, cit., p.4.
[241]
Não é, por certo, um número ilimitado. Prova disso é, por exemplo, a recusa
de aplicação de alguns institutos arguindo-se pela não “recepção” constitucional.
[242]
H. KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 390 e ss.
[243]
Conforme dispusemos sobre o método utilizado nesta tese, as teorias de
diversos autores são encaradas como fontes autoexpressivas do direito e meio pelo qual
esperamos encontrar os campos de problemas que fornecerão, ao final, uma descrição do
direito enquanto tal. Não se trata de criticar Kelsen, portanto. Mas um possível
questionamento pode ser feito quanto ao papel da ciência jurídica no que diz respeito à
intepretação, conforme a Teoria Pura do Direito sugere. Uma vez que cabe ao cientista do
direito revelar “todas as significações possíveis, mesmo aquelas politicamente
indesejáveis” imediatamente instaura-se a discussão a respeito de quais significações são
possíveis ou não e, por estar num terreno alheio à consideração da simples validade, esta
discussão será necessariamente valorativa. O que impediria, por exemplo, que um texto
legal tivesse elencado sua forma irônica como possibilidade de sentido? Lembremos que o
viés positivista e neokantiano de Kelsen obriga-o a afastar os valores da ciência. O direito
enquanto objeto parece insistentemente se rebelar contra a aplicação da metodologia da
Teoria Pura, se adequando melhor às teorias que o encaram sob o ponto de vista dialético-
discursivo combinando-se com a abordagem sistemática.
[244]
Novamente, “não-reais” tem sentido diverso de impossível, hipótese na qual o
sentido impossível não seria nem mesmo trazido a lume na discussão concreta, nem
tampouco apareceria como resíduo do processo interpretativo que culminou na aderência a
certo sentido.
[245]
T. VIEHWEG, Tópica e jurisprudência, p. 82.
[246]
É a conclusão a que chega o precursor de Viehweg, Nicolai Hartmann: “o
modo de pensar sistemático parte do todo. A concepção é, aqui, o primórdio e mantém-se
dominante. Segundo este ponto de vista aqui não se procura; antes de mais, inclui-se. E a
partir dela são escolhidos os problemas. Os conteúdos problemáticos que não coincidem
com o ponto de vista são eliminados. Eles surgem como questões falsamente colocadas.
(...) O modo de pensar aporético [i. e., por problemas] processa-se, em tudo, inversamente.
(...) Ele não duvida de que há sistema e isso talvez seja dominante, latente no seu próprio
pensamento. Por isso ele é certamente seu, mesmo quando não o saiba” – (N.
HARTMANN, Diesseis von Idealismus und Realismus, Kantstudien, vol. XXXIX (1924),
163 e ss., apud C. W. CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência
jurídica, 5ª ed., cit., p. 247).
[247]
T. VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência., p. 83.
[248]
Relegando a esta propriedade um papel de menor relevo, Canaris enquadra-a
no capítulo de “possibilidades remanescentes da tópica” – (C. W. CANARIS, Pensamento
Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência Jurídica, 5ª ed., cit., p. 269). Para Canaris só
pode intervir a tópica no caso de inexistência valorativa a partir do direito objetivo.
Somente aí seria lícito recorrer à “opinião da maioria ou dos sábios”, traduzida no direito
atual por “os valores e as intuições jurídicas, culturais e sociais dominantes na comunidade
jurídica em causa (...)” – (C. W. CANARIS, op. cit., 270).
[249]
T.VIEHWEG, Tópica e Jurispudência., p.83.
[250]
Canaris encaixa a tópica nas “lacunas da lei, para cuja interpretação o Cireito
positivo não compreenda valorações” e nas “cláusulas gerais carecidas de preenchimento
com valorações”. É o caso dos exemplos no “cuidado necessário no tráfego” (§ 276 BGB:
“Atua com culpa quem não observe o cuidado necessário no tráfego”) – (C. W. CANARIS,
Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência Jurídica, 5ª ed., cit., p. 271-2).
[251]
Estes elementos serão matéria do campo seguinte. Podemos, a título de
exemplo, mencionar como elementos intrajurídicos o que Teubner chamou de “controle de
correção”, ou seja, o preenchimento das pautas a partir de princípios e valores
constitucionais – (G. TEUBNER, Standards und Direktiven in Generalklausen, 1971,
Berlin, Athenäum, p. 91).
[252]
A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, cit., p. 83.
[253]
A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, cit., p. 83.
[254]
R. COVER, The Supreme Court, 1982 Term – Foreword: nomos and
narrative. HeinOnline, Harvard Law Review, v. 97, n.4, 1983-1984, Yale Faculty
Scholarchip Series. Paper 2705, disp. em
<digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/2705/>, apud A. SOLON, Hermenêutica Jurídica
Radical, cit., p. 84.
[255]
A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, cit., p. 84.
[256]
Cover: “Legal meaning is a challenging enrichment of social life, a potentical
restraint on arbitrary power and violence. We ought to stop circumscribing the nomos; we
ought to invite new worlds” – (R. COVER, The Supreme Court, 1982 Term – Foreword:
nomos and narrative, cit., p.68).
[257]
“(...) Hegel, grande pensador do amor, do perdão e da reconciliação, cravou
no final da história que tudo é perdoável, menos os crimes contra o Espírito Objetivo, a
saber, menos os crimes que negam o próprio poder reconciliador do perdão. A tortura não
se pode perdoar” – (A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, cit., p. 90). A analogia
tem por reflexo a passagem do Evangelho de São Matheus: “Por isso, eu vos digo: todo
pecado e toda blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito
não lhes será perdoada” - (Mateus 12, 31); “Digo-vos ainda: Todo aquele que me confessar
diante dos homens, também o Filho do homem o confessará perante os anjos de Deus; mas
o que me negar diante dos homens, será negado perante os anjos de Deus. Todo aquele que
proferir uma palavra contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; mas o que
blasfemar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado” – (Lucas, 12:8-10); “Qualquer,
porém, que blasfemar contra o Espírito Santo, nunca obterá perdão, mas será réu do eterno
juízo” – (Marcos, 3:29). É de se ressaltar que Solon tenha negado pertinência da analogia
entre Brasil e Atenas, mas não entre Hegel e o Evangelho. É certo que a interpretação, ou
nomos, do Evangelho segundo a Tradição e o Magistério da Igreja Católica não admite a
analogia com a aplicação política do preceito. A “blasfêmia contra o Espírito Santo” é
interpretada por São Tomás, à luz de Santo Agostinho como a “impenitência final”, quando
alguém “persevera no pecado mortal até a morte”, não apenas por palavras, mas “também
pela palavra do coração e das obras” - (T. AQUINO, Suma Teológica, cit., II, II,14, I,
p.199). A impenitência é requisito deste pecado, pois suas espécies são todas caracterizadas
pela “rejeição ou desprezo dos meios que podem impedir o homem de fixar sua escolha no
pecado”, a saber: a desesperança, presunção, impenitência, obstinação, impugnação da
verdade conhecida e a inveja da graça fraterna - (T. AQUINO, Suma Teológica, cit., II, II,
14, II, p. 200). A explanação pormenorizada do pecado por São Tomás torna não apenas
incoerente, mas impossível qualquer analogia com a justificativa política para negar o
perdão no caso da Anistia. É possível que outros argumentos possam contrariar a decisão
mantendo a tese acerca do nomos progressista em face do conservadorismo da lex proferida
no STF, mas tal como foi colocado resta saber se faltava ao próprio Hegel conhecimento de
teologia moral ou se construiu um sistema gnóstico propositadamente.
[258]
A. SOLON, Hermenêutica Jurídica Radical, cit., p. 91.
[259]
T. VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência, p. 82-3.
[260]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Filosofia e Cosmovisão, cit., p. 164.
[261]
O mesmo itinerário é seguido por Mário Ferreira, v. Filosofia e Cosmovisão,
p. 166 e ss.
[262]
Mayer publicou seu trabalho sobre a conservação da energia em 1867,
Ostwald escreve em 1910. Há nesta lei uma peculiar circunstância de simultaneidade de
descobertas, como observa Thomas Kuhn: T. KUHN, The essencial tension, 1977, trad.
Port. M. A. Penna-Forte, A tensão essencial, São Paulo, Unesp, 2009, p.89-127.
[263]
W. OSTWALD, Natural Philosophy, Nova York, Henry and Holt Company,
1910, p. 141.
[264]
R. DELTETE, Philosophy of Chemistry, Oxford, Elsevier, 2012, p. 106.
[265]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Filosofia e Cosmovisão, p. 166.
[266]
Sobre a história da lógica deôntica v. o capítulo de Simo Knuuttila, History of
Deontic Logic in R. HILPINEN, New Studies in Deontic Logic: Norms, Actions and the
Foundations of Ethics, Dordrecht (Holanda), D. Reidel Publishing Company, 1981,
pp.225-263. Vale notar que Jeremy Bentham fez uso de uma “deontology” para silogismos
morais.
[267]
E. MALLY, Grundgesetze des Sollens. Elemente der Logik des Willens, Graz:
Leuschner & Lubensky. Reimpresso in Ernst Mally: Logische Schriften. Großes
Logikfragment—Grundgesetze des Sollens, K. Wolf, P. Weingartner (eds.), Dordrecht,
Reidel, 1971, pp. 227–324.
[268]
G. H. Von WRIGHT, Deontic Logic, in Mind, New Series, vol. 60, n. 237
(janeiro de 1951), pp. 1-15.
[269]
“(The word act) is sometimes used for what might be called act qualifying
properties, e.g. theft. But it is also used for the individual cases wich fall under these
properties, e.g. the individual thefts. (...0 The individual cases that fall under theft, murder,
smoking, etc. we shall call act-individuals. It is of acts and not of act-individuals that
deontic words are predicated – (G. H. Von WRIGHT, Deontic Logic, cit., p. 2).
[270]
As operações deônticas de Von Wright foram posteriormente desenvolvidas,
assim como a operações aléticas. A chamada Standard Logic Semantics (SDL) trabalha
atualmente com 5 estados normativos: “it is obligatory that (OB); it is permissible that
(PE); it is impermissible that (IM); it is omissible that (OM); it is optional that (OP). As
relações possíveis podem então ser reduzidas apenas ao aspecto obrigacional: PEp ↔ OBp;
IMp ↔ OB~p; OMp ↔ ~OBp; OPp ↔ (~OBp & OBp). Esta possibilidade descritiva de
todas relações jurídicas possíveis sob o único operador da obrigação parece sugerir certo
acerto das teorias imperativistas. Será também a posição kelseniana, v. infra. Sobre a SDL
v. P. McNAMARA, Deontic Logic in The Stanford Encyclopedia of Philosophy
(Winter 2014 Edition), Edward N. Zalta (ed.), disponível em
https://plato.stanford.edu/archives/win2014/entries/logic-deontic/, acesso em setembro de
2017.
[271]
Art. 1º - Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
[272]
K. BÜHLER, Theory of language, cit., p. 99.
[273]
S. DANTAS, Programa de Direito Civil, Editora Rio, Rio de Janeiro, 1977,
p. 169.
[274]
BRASIL, Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 - Define a situação jurídica
do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6815.htm. Acesso em setembro de 2017.
[275]
O direito português fez aproximações do conceito subjetivo aos animais,
passando a integra-los extensivamente em algumas relações – (PORTUGAL, Lei n.º 8/2017
- Estabelece um estatuto jurídico dos animais, alterando o Código Civil, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, o Código de Processo Civil, aprovado
pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
400/82, de 23 de setembro, disponível em < https://dre.pt/home/-
/dre/106549655/details/maximized>. Acesso em setembro de 2017.
[276]
H. KELSEN, Teoria Pura do Direito, cit., p. 330.
[277]
L.RACASÉNS SICHES, Introducción al Estudio del Derecho, México,
Porrua, 1970, p. 33.
[278]
Em Wildelband: “(...) the moral law cannot be related to the various duties as
a generic idea is to its species; indeed, if there were such relation of all moral precepts to a
supreme principle, we should have to determine it, not by logical, but by a teleological
subordination – a subordination of means to the common end” – (W. WILDELBAND,
Einleitung in die Philosophie, 1914, trad. Ingl. Joseph McCab, An Introduction to
philosophy, T. Fisher Unwin Ltda., Londres, 1921, p.224). Em Georg Simmel: “O empero
el ser no recibe una certeza particular, sino que es él mismo una certeza, obtiene presencia
en algo que no es ser, sea ello el mismo no ser, sea el pensamiento que se enfrenta como
opuesto al ser, o sea el contenido particular de la cosa singular, que es pues todavía otra
cosa que el mero ser, sea ello el devenir que, como forma fundamental del universo, no está
comprendido bajo el concepto ser” – (G. SIMMEL, Hauptprobleme der Philosophie, 1910,
trad. Esp. S. Molinari e E. Schultzen, Problemas fundamentales de la filosofía Ediciones
Espuela de Plata, Madrid, 2006, p.64).
[279]
W. HOHFELD, Fundamental legal conceptions as applied in judicial
reasoning, cit., p.1.
[280]
R. ALEXY, Teoria da Argumentação moral, p. 67.
[281]
Trata-se de operar seguindo o modus tollens: Se P então Q, e Não Q, Logo
Não P, ou (p>q), q, p.
[282]
“A complete justification of a decision should consist of a complete account
of it’s effects, together with a complete account of the principles which it observed, and the
effects of observing those principles – for, of course, it is the effects (what observing them
in fact consists in) which give content to principles too. Thus, if pressed to justify a
decision completely, we have to give a complete specifications of the ways of life of which
it is a part”. R. M. HARE, The Language of Morals, p.69, apud R. ALEXY, Teoria da
Argumentação Jurídica, p. 69.
[283]
R. ALEXY, Teoria da Argumentação Jurídica, p. 89.
[284]
R. ALEXY, Teoria da Argumentação Jurídica, cit., p.90.
[285]
De 2000 a 2010, o país criou 75.517 leis, somando legislações ordinárias e
complementares estaduais e federais, além de decretos federais. São 6.865 leis por ano - o
que significa que foram criadas 18 leis a cada dia, desde 2000 – (notícia de GLOBO,
disponível em https://oglobo.globo.com/politica/brasil-faz-18-leis-por-dia-a-maioria-vai-
para-lixo-2873389, acesso em setembro de 2017) Cabe aqui uma comparação com o
paradoxo do Navio de Teseu. Plutarco relata que o navio utilizado por Teseu na viagem à
Creta foi preservado durante muitos anos, permanecendo exposto como símbolo da vitória
do herói. Com o tempo, fora necessário que os atenienses trocassem diversas partes do
navio para que ele não apodrecesse, suscitando daí a questão a respeito de até quanto se
poderia substituir do navio sem que este não se transformasse em outro navio.
[286]
E. VOEGELIN, A Natureza do Direito, cit., p. 45.
[287]
E. VOEGELIN, A Natureza do Direito, cit., p. 96.
[288]
Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 - Lei de Introdução às
normas do Direito Brasileiro, art 3º: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que
não a conhece”. O enunciado é particularmente interessante por se parecer mais com uma
descrição do que com um apelo prescritivo.
[289]
As tensões são enquadradas por Eric Voegelin numa ambiguidade
identificada pelo filósofo no uso do termo “direito”: ele significa ora o agregado de regras e
atos de criação e aplicação de normas (em estrita consonância com a doutrina de Kelsen) e
ora como o sentido da ordem substantiva da sociedade – (E. VOEGELIN, A Natureza do
Direito, p. 77).
[290]
É irresistível a particular adequação que a dimensão da atualidade e
virtualidade tem em relação ao tridimensionalismo jurídico. Uma vez concebida a ordem
como os valores, o homem e a sociedade como o âmbito fático e o discurso prescritivo
como as normas fica claro a extensidade que as três dimensões da fórmula Reale possuem
ao se adaptarem constantemente a teorias novas – (M. REALE, Teoria Tridimensional do
Direito, 5ª Ed., cit., passim).
[291]
K. LARENZ, Metodologia da ciência do direito, p. 280.
[292]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Filosofia e Cosmovisão, cit., p.197.
[293]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Filosofia e Cosmovisão, cit., p.149.
[294]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Filosofia e Cosmovisão, cit., p.191.
[295]
J. HESSEN, Teoria do conhecimento, cit., p. 97-109.
[296]
M. G. MORENTE, Lecciones preliminares de filosofía, Madri, Encuentro,
1938, p. 54-60.
[297]
Fragmento 54 – “Harmonia invisível à visível superior”; frag. 123 – “A
natureza ama esconder-se” – (HERÁCLITO DE ÉFESO, Fragmentos, ed. J. Cavalcante de
Souza, Os pré-socráticos: fragmentos, doxografia e comentários, 4ª ed. in Coleção Os
Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1989, p. 56; 63)
[298]
Frag. 64 – “De todas as coisa o raio fulgurante dirige o curso” –
(HERÁCLITO DE ÉFESO, Fragmentos, cit., p. 56).
[299]
Frag. 45 – “Limites da alma não os encontrarias, todo caminho percorrendo;
tão profundo logos ela tem”; frag. 112 – “Pensar sensatamente (é) virtude máxima e
sabedoria é dizer (coisas) verídicas e fazer segundo (a) natureza, escutando”; frag. 115 –
“De alma é (um) logos que a si próprio aumenta”; frag. 116 – “A todos os homens é
compartilhado o conhecer-se a si mesmo e pensar sensatamente” – (HERÁCLITO DE
ÉFESO, Fragmentos, cit., p. 53; 62).
[300]
Frag. 94 – “Pois Hélios não transpassará as medidas; senão as Erínias, servas
da Justiça, descobrirão” – (HERÁCLITO DE ÉFESO, Fragmentos, cit., p. 60).
[301]
Frag. 114 – “(Os) que falam com inteligência (nóôi) é necessário que se
fortaleçam com o comum de todos, tal como com a lei a cidade, e muito mais fortemente;
pois alimentam-se todas as leis humanas de uma só, a divina; pois, domina tão longe
quanto quer, e é suficiente para todas (as coisas) e ainda sobra” - (HERÁCLITO DE
ÉFESO, Fragmentos, cit., p. 62).
[302]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Filosofia e Cosmovisão, cit., p.164 e ss.
[303]
Mário Ferreira não cai na confusão denunciada por Frege a respeito da
impossibilidade de haver “conceitos sobre conceitos”. A razão, segundo Mário, opera sobre
eles de modo simbólico, ou seja, reduzindo-os a um esquema próximo ao objeto. Cf.
Tratado de Simbólica, É Realizações, São Paulo, 2009, p.39.
[304]
Canaris, em comentário aos recursos lógico-argumentativos de Ulrich Klug,
aponta o “círculo de semelhança” como critérios teleológicos aplicados aos “processos de
conclusão” jurídicos, como a analogia, a redução teleológica, o argumentum ad contrarium,
o argumentum a fortiori, e o argumentum ad absurdum – (C. W. CANARIS, Pensamento
sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, 5ª ed., cit., p. 70).
[305]
A evolução semântica do conceito de sistema perpassa a dificuldade pela qual
se buscou delimitar a organização própria da atividade humana em relação àquela ordem
disposta na própria natureza das coisas. Se por um lado buscou-se desenhar grandes
esquemas de compreensão, não se abriu mão de alegar que esta compreensão fosse mero
reflexo de uma organização subjacente à cognição do construtor de sistemas. Surge a
questão: a ordem dos sistemas reflete uma ordem imanente às coisas ou a razão humana
lhes imprime este significado, persuadindo o homem a ver no mundo o que, na verdade só
existe nele mesmo? Este dualismo tem evidente caráter de um polemos na história do
sistema; nada obstante, foi possível reunir as duas concepções em uma distinção do
conceito, mantendo suspensa a discussão em torno de qual polo (sujeito ou objeto) emana a
ordem constatada. Têm-se então sistemas externos representando a ordem subjetiva,
formulados com base em proposições que buscam descrever e organizar a realidade,
predominantes no século XIX; os sistemas internos surgem na transição para o século XX
como propostas de sistemas ínsitos na matéria estudada, cuja estrutura deriva da realidade
mesma, tendo por causa final sua funcionalidade. Transpondo a classificação aos sistemas
jurídicos, Mario Losano atribui as qualificações de sistema externo de uma “estrutura como
terminus ad quem”, ou seja, aquele no qual a atividade do jurista termina por organizar e
conferir sistematicidade, facilitando a compreensão e a aprendizagem ao reunir a matéria
jurídica sob alguns grupamentos delimitados; e sistema interno no sentido de “estrutura
como terminus ad quo”, da qual a atividade do jurista parte para chegar às conclusões,
necessariamente um ordenamento positivo com a potencialidade de resolução de conflitos,
no qual são verificadas condições internas de seu funcionamento. (M. LOSANO, Sistema e
estrutura no direito, volume 1 – Das Origens à Escola Histórica, cit., p.3-5).
[306]
Losano aponta mais dois requisitos não fundamentais: a independência e a
necessidade. Os sistemas lógicos exigem que axiomas sejam independentes, prescindindo
de uma proposição prévia que lhes garanta validade. É o caso, por exemplo, do conceito de
ponto em geometria, do qual nada poderia ser colocado “antes”. No direito este requisito
seria inaplicável se tomássemos as normas como independentes de proposição prévia, uma
vez que abundam exemplos de normas subordinadas a outras normas. No entanto, Losano
interpreta de forma a adequar a exigência de independência como uma delimitação nítida
entre o conteúdo normativo do subconjunto A e o conteúdo científico do subconjunto T. É
a delimitação clássica do “mundo do ser” e “mundo do dever-ser”, no qual o discurso a
respeito do objeto não se confunde com o objeto mesmo. A necessidade trata de uma
relação biunívoca entre o subconjunto A e o subconjunto T, na qual cada axioma é
explicado por uma proposição específica – (M. LOSANO, Sistema e estrutura do direito,
vol. 1,, p.250-264).
[307]
M. LOSANO, Sistema e estrutura no direito, vol. 1, p. 10.
[308]
Donde se destaca a tese de Werner Jaeger, na qual a construção grega da
ordem das coisas é a base sobre da cultura ocidental. W. JAEGER, Praise of Law, in
Interpretations of Modern Legal Philosophies in Essays in Honor of Roscoe Pound, New
York, 1947, pp. 352-75, apud M. LOSANO, Sistema e estrutura no direito, Vol.2, p. 14.
[309]
Em outros casos é a busca por uma criteriologia própria das ciências naturais
que vem a reboque da busca de sistematização. Sobretudo na filosofia continental dos
séculos XVII e XVIII, com Malebranche, Leibniz, e Christian Wolff a ideia de sistema se
confunde com a própria realização da filosofia. A influência do raciocínio matemático
justificava a tarefa de construção de conjuntos enunciativos complexos, mas com tal ordem
que pudessem fincar raízes em uns poucos princípios axiomáticos, à maneira da geometria
euclidiana. Sobretudo em Wolff, a demonstrabilidade das proposições se torna meio
precípuo pelo qual a filosofia deverá avançar. É deste filósofo alemão a distinção entre
sistema e pseudo-sistema, este último considerado apenas pelo valor didático já que, ao
contrário do verdadeiro sistema, não possui uma estrutura lógica plena na qual proposições
posteriores se fundam nas antecedentes.
[310]
Neste tratado consta que o autor “divide e ordena a obra por grupos de
normas e categorias. É o primeiro jurista que esboça com traços firmes as instituições
jurídicas” – (R. SOHM, Institutionem: Geschichte und System des römischen Privatrechts,
München-leipzig, Duncker und Humblot, 1923, 160).
[311]
M. LOSANO, Sistema e estrutura no direito, Vol. 1, p.3-5
[312]
F. SCHULTZ, Prinzipien des Römischen Rechts, 1934, trad. ingl. M. Wolff,
Principles of Roman Law, Oxford, Clarendon, 1936, p.41.
[313]
Não apenas o Digesto, mas também o Organon aristotélico e algumas obras
de Platão retomavam a importância da cultura clássica num ambiente composto
predominantemente pela filosofia de Santo Agostinho e juridicamente pelo Decreto de
Graciano. Sobre a formação da ciência jurídica europeia no século XI v. F. WIEACKER,
Privatrechtsgeschichte der Neuzeit unter besonderer Berücksichtigung der Deutschen
Entwicklung, 2ª ed. rev., Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1967, trad ale. A.
Hespanha, História do Direito Privado Moderno, 3ª ed., Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 2004, p. 38 e ss.
[314]
Ari Marcelo Solon conjetura a respeito do método da arte gótica também
embasar as glosas jurídicas medievais, as quais, assim como as summae, também tinham
por fim uma solução conciliadora de posições a primeira vista contraditórias – (A. SOLON,
Os caminhos da filosofia e da ciência do direito: conexão alemã no devir da justiça,
Curitiba, Editora Prismas, 2015, p. 55).
[315]
A Suma Teológica de São Tomás tinha um propósito didático, de organização
do conhecimento teologal da época, mas marcado pelo influxo do Órganon de Aristóteles e
das obras latinas e árabes. No meio protestante, já no início do século XVII, Bartholomaeus
Keckermann, se inspira nas obras de Lutero e Melanchton e redige a primeira obra teologal
em língua alemã na qual há preocupação em definir o termo sistema – (M. LOSANO,
Sistema e Estrutura do Direito, p. 76).
[316]
Principalmente Carl Leonhard Reinhold, tomando o conceito de
representação como sucedâneo ao da autodeterminação humana – (C. L. REINHOLD,
Über das Fundament des philosophischen Wissens, J.M. Mauke, Jena, 1791, pp. 68 e ss.
apud M. LOSANO, Sistema e estrutura do direito, vol 1, p. 136).
[317]
No início do século XIX surgem as primeiras elaborações de histórias
universais. A ausência de um estado nacional alemão impedia que histórias nacionais
fossem desenvolvidas; ao mesmo tempo a concepção de unidade e universalidade do antigo
Sacro Império Romano Germânico, dissolvido em 1806 em consequência das Guerras
Napoleônicas, ainda era de recente lembrança. Uma história universal necessitava de um
método que a distinguisse de um mero agregado de narrativas, espalhadas por povos
diversos, desencontradas no sentido e no tempo; era indispensável, portanto, que, de modo
muito similar à ideia de sistema, uma história universal se fundasse sobre certa ordem e se
regesse por critérios formais – (M. LOSANO, Sistema e Estrutura do Direito, p.142).
[318]
Em 1814, os argumentos suscitados por Thibaut e Savigny na polêmica
acerca da codificação do direito alemão ainda se ligavam à possibilidade de reconhecer
princípios jurídicos a partir da experiência histórica, conforme havia sido levantado desde a
possibilidade de uma história universal, por Hegel. A busca por uma razão que permeia a
história é um tema fecundo da filosofia idealista do século XIX, com ecos ao longo do
século XX; no direito, o projeto de uma história universal de determinado instituto é
iniciado por Edouard Gans, investigando o direito hereditário em diferentes povos (E.
GANS, Das Erbrecht in seiner welhistorischen Entwickelung. Eine Abhandlung der
Universalrechtsgeschichte, Maurerschen Buchhandlung, 1824, apud M. LOSANO, Sistema
e Estrutura do direito, vol. 1, p. 163.)
[319]
Este é, de modo geral, o plano de fundo filosófico, notavelmente influenciado
por Hegel, que remete a uma unidade nos estudos comparatistas; segundo assinala Coing:
“Aquilo que mais se lhe aproxima é, talvez, a sistemática das vastas exposições
comparatista: de fato, toda comparação jurídica trabalha, mesmo que não o admita, com um
sistema supra-positivo e em certa medida universal” (H. COING, Grunzüge der
Rechsphilosophie, 1993, 5ª ed., pp. 293 apud M. LOSANO, Sistema e Estrutura do direito,
vol.1, p. 192). Os sistemas universais da história em compasso com o direito são vistos em
Jakob Burckhardt sob o protesto contra uma tarefa desmedida e inabarcável, derradeira
ilusão da totalidade da cultura sob o domínio humano. Repreendendo os hegelianos,
afirma: “Nós não fomos iniciados aos fins da eterna sabedoria, e não os conhecemos. Esta
audaz antecipação de um plano mundial conduz a erros a partir de premissas errôneas” (J.
BURCKHARDT, Weltgeschichtliche Betrachtungen,1905, trad. port. L. G. Ribeiro,
Reflexões sobre a história, Zahar, Rio de Janeiro, 1961, p. 11).
[320]
F. WIEACKER, História do Direito Privado Moderno, 3ª ed., p. 397 e ss
[321]
Este paradigma sugere o motivo pelo qual tanto se preocuparam os juristas
alemães com o problemas das “lacunas”. O distanciamento das situações fáticas romanas
daquelas do século XIX exigiam uma integração baseada nas fontes ao invés de
simplesmente criarem uma norma nova – (M. LOSANO, Sistema e Estrutura do direito,
vol.1, p. 230 e ss.)
[322]
“A legislação deve, primeiramente, estar separada em seus elementos
particulares, e depois ser apresentada na relação verdadeira segundo seu espírito, e só
então, o sistema, assim descoberto, poderá ser colocado nos períodos particulares
determinados, segundo uma ordem histórica”, F. K. Von SAVIGNY, Methodenlehre der
Rechtswissenschaft, 1851, trad. port. H. Marenco, Metodologia jurídica, Campinas,
Edicamp, 2001, p.7.
[323]
No século XVIII, Johann Heinrich Lambert lança mão do conceito de
“Nettigkeit” (inspirada no francês, netteté, precisão, clareza) explicitando a preocupação
com o rigor terminológico aliado a um método expositivo de fácil apreensão – (M.
LOSANO, Sistema e Estrutura do Direito, p.116-27). Platão já evocava esta beleza
revelada nas ideias percebida graças a um certo amadurecimento filosófico: “Passando daí
a contemplação da beleza dos costumes e das leis, compreenderá que a beleza é uma só em
todos os casos, para concluir, afinal, pelo nenhum valor da beleza corpórea” – (PLATÃO,
O Banquete, trad. port. C.A.Nunes, Belém, Editora UFPA, 2011, p.169).
[324]
G. F. PUCHTA, Cursus der Institutionen, 1875, Leipzig, Drud und Berlag
und Breitopf und Härtel, p. VII-XIV.
[325]
K. LARENZ, Metodologia da ciência do direito, p. 25.
[326]
François Gény aponta este dado ao afirmar o que antes era tido pelo jurista
como essencial (“o papel e o valor das fontes formais”) passara a um plano subordinado,
visto como, “não sendo senão modos contingentes de expressão de uma realidade
permanente, as fontes devem ficar subordinadas a essa realidade mesma” (F. GÉNY,
Science et Technique, I, p. 41, apud M. REALE, Teoria Tridimensional do Direito, cit.,
p.6).
[327]
Com Hans Kelsen têm-se o marco definitivo da busca pela estrutura interna
em sua Teoria Pura do Direito, o que Mario Losano chama de “arquétipo do sistema
interno”. Não cabe aqui tratar das possíveis críticas do sistema kelseniano; faremos
referência aos pontos de contato com este trabalho oportunamente. A obra requer especial
atenção na linha de continuidade dos sistemas uma vez que, depois dela, ciência e filosofia
jurídica se distanciam e esta última passa a ocupar uma autoridade claramente inferior à
primeira. É com Kelsen que as normas jurídicas (Rechtsnorm) e as proposições jurídicas
(Rechtssatz) se tornam suficientemente distintas para podermos, por meio delas, distinguir
entre o discurso prescritivo do direito positivo e o discurso descritivo da ciência jurídica.
De modo semelhante, a distinção entre o “ser” (Sein) e “dever-ser” (Sollen) é apresentada a
partir da sociologia de Georg Simmel. A própria renúncia de Kelsen em aprofundar-se
numa explicação do conceito de “dever-ser” é correlata à ideia simmeliana da
impossibilidade de descrição do Sollen sem que se retome o Sein, criando assim uma
armadilha conceitual a qualquer hipótese explicativa. Segundo Simmel, o Sollen é
anteriormente lógico ao Sein, motivo pelo qual sua explicação conceitual se enquadraria
como um adentrar no mundo do ser, fenômeno que não poderia jamais se concretizar. O
sociólogo fica adstrito, então, a tentativa de transmitir o sentido do “dever-ser” como uma
gradação entre o não-ser e o ser, a qual só pode ser explicado se reconduzido a outro
“dever-ser”, assim sucessivamente. A correspondência com o escalonamento normativo
culminando numa problemática norma fundamental é uma flagrante indicação da influência
de Simmel para Hans Kelsen (G. SIMMEL, Einleitung in die Moralwissenschaft. Eine
Kritik der ethischen Grundbegriffe, Besser, Berlin, 1892, vol. 1, p.8, apud M. LOSANO,
Sistema e estrutura do direito, vol. 2, p. 116).
[328]
A recorrência de figuras de linguagem arquitetônicas nas teorias atestam esta
representação; Kant intitula uma das partes da Crítica da Razão Pura de Architectonic der
reinen Vernunft.
[329]
É assim que Rudolf Stammler (1856-1938), representante da Escola de
Marburgo, se posiciona ao buscar um conceito universal de direito, posto como estrutura
transcendental alheia a contingências históricas e positivas (M. REALE, Filosofia do
Direito, p. cit., 289). Tal conceito é norteado por uma ideia de Direito que coincide com a
ideia de justiça – daí o termo pelo qual sua teoria é destacada: o Direito justo. Sua obra de
1911 já sinaliza a passagem do paradigma oitocentista da construção para a descoberta dos
sistemas jurídicos, marcando a postura investigativa direcionada ao sistema interno (R.
STAMMLER, Theorie der Rechtswissenschaft Buchhandlung des Weisenhauses, Halle und
der Saale, 1911).
[330]
Kelsen considera a atividade da ciência jurídica uma “produção” no sentido
da teoria gnoseológica de Kant, ou seja, um aparato ordenador do caos externo produtor de
um “sistema unitário e isento de contradições, isto é, uma ordem jurídica” – (H. KELSEN,
Teoria Pura do direito, cit., p. 82).
[331]
O positivismo (não apenas jurídico, mas já consolidado em diversos matizes)
aparecia aí como alternativa, soerguendo-se por trás das críticas ao idealismo como um
conhecimento de ordem distinta, podendo ser concebido como algo não-filosófico, mas
científico. Justamente neste momento a filosofia do direito, uma vez anteriormente
consumada pela positividade, era ela agora superada pelo conhecimento positivo-
dogmático: tinha início a abordagem sistêmica de uma ciência do direito. Neste novo
quadro desenhava-se uma cisão (um rapto?) da filosofia do direito pela contraparte
científica: os anteriores problemas filosóficos – a validade, a legitimidade, a justiça
enquanto valor moral – ficavam agora sob o encargo de uma ciência da direito com
elaborações epistemológicas e metodológicas próprias. A Teoria Geral do Direito
suplantava a posição da filosofia na reflexão de alto nível na matéria, norteando os sistemas
jurídicos a partir da formulação de conceitos fundamentais próprios e indo fundo à
investigação sobre o teor interno da estrutura dos sistemas. A título de exemplo, Alf Ross
descreve a filosofia como “[um] método, e este método é análise lógica. A filosofia é a
lógica da ciência e seu objeto é a linguagem da ciência (...). O objeto da filosofia do direito
não é o direito, nem qualquer parte os aspecto deste, mas sim a ciência do direito” – (A.
ROSS, On law and justice, 1958, trad. port. E. Bini, Direito e Justiça, Edipro, 2000, p.49-
50). Cabe uma crítica a este posicionamento: no instante seguinte que o Sr. Ross afirma
que a filosofia do direito tem por objeto a ciência do direito alguém poderia indagar o
porquê. E então, no curso da explicação, estaria o Sr. Ross fazendo o que, senão uma
filosofia do direito desvinculada de qualquer ciência?
[332]
Hoje a ideia geral de sistemas é frequentemente associada à cibernética e à
teoria do controle. Há uma diversidade de modelos aplicáveis a diferentes regiões do
conhecimento, dentre os quais podemos citar a Teoria dos jogos para análises baseadas em
decisões racionais com aplicabilidade na economia e na política, Teoria da informação no
sentido da expectativa da informação como medida de organização do sistema, Teoria dos
autômatos cujo modelo geral é a máquina de Turing, explorando a capacidade de simulação
de uma complexidade ser expressa em um número finito de operações lógicas, entre outras.
O paroxismo vem com a Teoria Geral dos Sistemas postulada sob a possibilidade de
conceitos, modelos e princípios lógico-matemáticos comuns aplicáveis a diferentes ciências
empíricas. Não se deixando levar pela tentação de meras analogias entre conhecimentos
distintos, a Teoria Geral dos Sistemas busca o isomorfismo, ou seja, a aplicação de
abstrações conceituais a diferentes fenômenos - (L. VON BERTALANFFY, General
system theory: foundations, development, applications, 1967, trad. port. F. M. Guimarães,
Teoria geral dos sistemas, Vozes, Petrópolis, 2ª ed. revista, 2006, p. 37).
[333]
No Brasil, o positivismo jurídico teve suas influências mais bem delineadas
do que na Europa. A influência da sociologia de Auguste Comte, do monismo
evolucionista Ernst Haeckel, Ludwig Noiré e Herbert Spencer será nítida na obra dos
juristas de meados do século XIX. As investigações tendiam, como na Europa, para
aproximar o direito de uma ciência nos moldes do conhecimento biológico, não abrindo
mão de certo transplante metodológico da indução, como é possível intuir de Pedro Lessa:
“O filósofo que indutivamente sobe de generalização em generalização é obrigado a
reconhecer que toda legislação em qualquer país e em qualquer período histórico, repousa
em princípios fundamentais, necessários, sempre os mesmos” (P. LESSA, Estudos de
Philosophia do Direito, 2ª Ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1916, p. 24 apud A. L.
MACHADO NETO, História das Ideias Jurídicas no Brasil, São Paulo, Grijalbo, 1969, p.
66). A Escola de Recife, na pessoa de seu mais ilustre representante, Tobias Barreto,
também seguiria o empenho de submeter a filosofia à ciência, como deixa claro o autor em
Introdução do Estudo do Direito: “... fazer o direito entrar na corrente da ciência moderna,
resumindo debaixo desta rubrica, os achados mais plausíveis da antropologia darwínica”
(T. BARRETO, Obras Completas, vol. II, Aracajú, Editora do Estado de Sergipe, 1926, p.
127 apud. A. L. MACHADO NETO, História das Ideias Jurídicas no Brasil, p. 84). Mas
uma vez tomado o campo de estudo da filosofia por um discurso pretensamente científico,
permanecia a mesma expectativa do discurso; substituindo-se a certeza axiomática do
racionalismo pela certeza indutivista do cientificismo, mantinha-se a peculiar forma mentis
do século XIX de em tudo buscar uma sistematização rígida, firmada em pressupostos
lógicos.
[334]
Canaris deduz desta exigência axiológica o pressuposto de unidade do
sistema jurídico. É este princípio, segundo ele, que assegura a tarefa de evitar contradições
do ponto de vista lógico, realizando a tendência generalizadora da ciência jurídica. No
plano dogmático, é o princípio da igualdade está por trás da busca por segurança jurídica,
que nada mais é do que a homogeneidade das decisões adequada à heterogeneidade das
situações fáticas – (C. W. CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na
ciência do direito, 5ª ed., cit., p.18 e ss).
[335]
Este modelo simplificado de conceptualização jurídica apenas esboça o
problema da criação de conceitos. A jurisprudência alemã teve modelos mais sofisticados
como a diferenciação feita por Stammler entre conceitos jurídicos “puros”, tais como
formas a priori de conhecimento, e conceitos jurídicos “condicionados”, estabelecidos
historicamente. O conceito de direito orienta uma “construção unitária dos conceitos
jurídicos supra e infra ordenados” na qual “os conceitos superiores se apresentem como
determinações que, por seu turno, estão condicionadas pelos conceitos jurídicos
fundamentais puros”. Enfim, toda “matéria condicionada de estabelecimento humano de
fins” deve “ascender com segurança ao conceito central do Direito” – (R. STAMMLER,
Theorie der Rechtswissenchaft, p.272 apud K. LARENZ, Metodologia da Ciência do
Direito, cit., p.119 e ss).
[336]
Afirmando a segurança jurídica como valor essencial do direito ligado aos
sistemas externos, v. K. LARENZ, Metodologia da ciência do direito, p. 622; C.W.
CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, 5ª ed., cit.,
p. 26.
[337]
Em mesmo sentido, Humberto Ávila traz a questão da previsibilidade do
resultado das normas a partir de seu conteúdo: “(...) para assegurar o maior número de
interesses, e para fazê-lo de forma isonômica e com flexibilidade, o Estado institui normas
gerais e abstratas com elevado grau de indeterminação. Quanto maior é a abstração e a
generalidade das normas, mais fácil é a sua compreensão, porém menos previsível é o seu
conteúdo, pela falta de elementos concretos relativamente ao que é permitido, proibido ou
obrigatório” – (Teoria da Segurança Jurídica, 4ª ed. rev. ampl. atual., São Paulo,
Malheiros, 2016, p.62).
[338]
“O esforço para introduzir elementos mais concretos com a finalidade de
aumentar o caráter orientador do direito, exige, porém, a edição de regras com mais
detalhes e com mais exceções. Isso faz com que a legislação se afaste do paradigma
legislativo de instituir leis gerais e abstratas em favor de leis particulares e concretas” – (H.
ÁVILA, Teoria da Segurança Jurídica, 4ª ed., cit,. p. 62). Em mesmo sentido, v. L.
FERRAJOLI, “The past and the future of the rule of law”, in Pietro Costa e Danilo Zolo
(orgs.), The Rule of Law – History, Theory and Criticism, Dordrecht, Springer, 2007, p.
337; E. GARCÍA de ENTERRÍA, Justicia y seguridad jurídica en un mundo de leyes
desbocadas, Madrid, Civitas, 1999, p. 50.
[339]
Críticas semelhantes foram formuladas por Viehweg, v. Tópica e
Jurisprudência, p. 79.
[340]
K. LARENZ, Metodologia da ciência do direito, p. 646.
[341]
E. VOEGELIN, The Collected Works of Eric Voegelin, v. 23, History of
Political Ideas, v. II, The Middle Agesto Aquinas (1975), trad. port. M. Castro Henriques,
História das Ideias Políticas, v. II, Idade Média até Tomás de Aquino, São Paulo, É
Realizações, 2012, p. 190 e ss.
[342]
E. VOEGELIN, História das Ideias Políticas, v. II, Idade Média a São
Tomás, cit., p. 192.
[343]
E. VOEGELIN, História das Ideias Políticas, v. II, Idade Média a São
Tomás, cit., p. 193.
[344]
F. WIEACKER, História do Direito Privado Moderno, 3ª ed., cit., p. 52.
[345]
T. SAMPAIO FERRAZ JR., Introdução ao Estudo do Direito: Técnica,
Decisão, Dominação, São Paulo, Atlas, 1991, p. 85.
[346]
H. COING, Geschichte und Bedeutung des Systemgedankens in der
Rechtswissenschaft. Rede beim Antritt des Rektorats, Vittorio Klostermann, Frankfurt a.
M., 1956, p. 39.
[347]
E. EHRLICH, Grundlegung der Soziologie des Rechts, Vierte Auflage,
durchgesehen und herausgegeben von Mafred Rehbinder, Duncker & Humblot, Berlin,
1989, p. 439 apud M. LOSANO, Sistema e Estrutura do direito, v. II, cit., p.172.
[348]
E. EHRLICH, Die juristische Logik, Mohr, Tübingen, 1929, p. 259 apud M.
LOSANO, op. cit., p.174.
[349]
R. POUND, An Introduction to the Philosohpy of Law, New Haven, Yale
University Press, 1922.
[350]
K. LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 5ª ed., cit., p.319.
[351]
P. HECK, Interpretação da lei e Jurisprudência dos Interesses, cit., p.9-11.
Losano comenta que o termo “interesse” acaba com causar confusão na teoria, servindo ao
mesmo tempo para designar desejos e aspirações das partes como os critérios utilizados
para a resolução da lide pelo juiz. Por exemplo, o interesse é tanto a “boa-fé” do
proprietário adquirente, quanto à “exigência de certeza nos tráficos”. Confunde-se o
instrumento de medida com o resultado da medição. Heck esclarece adiante o uso na
segunda acepção, isto é, a norma emanada num “juízo de valor causal” (kausaler
Werturteil) – (P. HECK, op. cit., p. 96).
[352]
H. KANTOROWICZ, "Some Rationalism about Realism", in: Yale Law
Journal, XLIII, 1933-34, p. 1240.
[353]
H. KANTOROWICZ, "Some Rationalism about Realism", cit., p. 1241.
[354]
H. STOLL, Begriff uns Konstruktion in der Lehre der Interessenjurisprudenz,
in Heinrich Stoll (Hrsg.), Festgabe für Philipp Heck, Max Rümelin und Arthur Benno
Schmidt, Mohr, Tübingen, 1931, pp. 60-117 apud M. LOSANO, Sistema e Estrutura do
direito, v. II, cit., p. 245.
[355]
J. ESSER, Wert und Bedeutung der Rechtsfiktionen. Kritisches zum Technik
der Gesestzgebung und zur bisheringen Dogmatik des Privatrechts, Klostermann,
Frankfurt, 1940, p. 211 apud M. LOSANO, Sistema e Estrutura do Direito, cit., p. 245.
[356]
N. HARTMANN, Grundzüge einer Metaphysik der Erkenntnis, De Gruyter,
Berlin-Leipzig, 1921, pp; XII-389.
[357]
E. KAUFMANN, Kritik der neukantianischen Rechtsphilosophie. Eine
Betrachtung über die Beziehungen zwichen Philosophie uns Rechtswissenschaft, Mohr,
Tübingen, 1921, pp. I-102.
[358]
R. SMEND, Verfassung und Verfassungrecht, Duncker &Humblot,
München-Leipzig, 1928, pp.178.
[359]
H. WESTERMANN, Wesen und Grezen der richterlichen
Streitentscheideung im Zivilrecht, Aschendorff, Münster, 1955, pp.40.
[360]
H. WESTERMANN, Wesen und Grezen der richterlichen
Streitentscheideung im Zivilrecht, cit. p. 17.
[361]
B. CARDOZO, The Nature of Judicial Process, Yale University Press, New
Haven 1921, pp.180.
[362]
M. LOSANO, Sistema e Estrutura do Direito, v. II, cit., p.260.
[363]
R. ZIPPELIUS, Wertungsprobleme im System der Grundrechte, Beck,
München, 1962, p. 196; Das Wesen des Rechts. Eine Einführung in die Rechtsphilosophie,
4ª ed. Beck, München, 1978, pp. XII-224. apud M. LOSANO, Sistema e Estrutura do
Direito, v. II, cit., p. 257.
[364]
W. WILBURG, Entwicklung eines beweglichen Systems im bürgerlichen
Recht, Rede, gehalten bei der Inauguration als Rector Magnificus der Karl-Franzens-
Universität in Graz am 22. November 1950, Kienreich, Graz, 1950, p.26 apud M.
LOSANO, Sistema e Estrutura do Direito, v. II, cit., p.271.
[365]
H. COING, Grundzüge der Rechtsphilosophie, 5ª ed., trad. port. S. Fabris,
Elementos Fundamentais da Filosofia do Direito, Porto Alegre, Sergio Fabris, 2005, p.
293.
[366]
H. COING, Elementos Fundamentais da Filosofia do Direito, 5ª ed., cit., p.
293 e ss.
[367]
C. W. CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência
do direito, 5ª ed., cit., p.18.
[368]
C. PERELMAN - O. TYTECA, Traité de L1argumentation, trad. port. M.
Prado Galvão, Tratado de argumentação: a nova retórica, 2ª ed., São Paulo, Martins
Fontes, 2005.
[369]
S. TOULMIN - R. RIEKE - A. JANIK, An introduction to reasoning, 2ª ed.,
Nova York, Macmillan, 1984.
[370]
L. RECASÉNS SICHES, Nueva filosofia de la interpretación del derecho, 3ª
ed., México, Editorial Porrúa, 1980.
[371]
Castanheira Neves aponta este predomínio como um legado, posto que tardio,
da filosofia dos séculos XVII e XVIII, período no qual o racionalismo alçava seus voos
mais altos. O “direito natural” havia sido formulado até então sob uma dupla intenção.
Primeiro, havia a expectativa de uma compreensão essencial e absoluta do direito por meio
de uma filosofia reveladora de seus fundamentos ontológicos. No caso da filosofia clássica,
esta primeira intenção filosófica embasaria a busca por um espelhamento entre o direito e
uma metafísica; na filosofia cristã aproximar-se-ia de uma teologia; e na filosofia moderna
partiria de pressupostos antropológicos – a “natureza do homem”. Sendo tanto a metafísica,
quando a teologia, quanto a antropologia, formas de saber radicadas em pressupostos
absolutos – quais sejam, o ser enquanto ser, a presença divina e a natureza do homem – a
consequência direta de um direito nelas radicado seria uma intenção de compreender
absolutamente as relações humanas. Veremos o jusracionalismo participar igualmente desta
crença em seu poder de compreensão absoluta e inequívoca. A segunda intenção, em
corolário da primeira, era de uma normatividade válida em si mesma, pois decorrente de
fundamentos indeclináveis. Esta intenção normativa se traduziria sob duas vertentes
filosoficamente contrapostas. Primeiro haveria o “direito natural” como um direito
absoluto, que não concorre com o direito positivo reconhecidamente mutável a partir de
circunstâncias históricas e sociais. O direito natural por ser “natural” no sentido da filosofia
clássica (physikon dikaion) era, por assim dizer, o justo que dizia respeito às coisas
essenciais, ao passo que o direito positivo tinha sua razão de ser em regulações
convencionáveis. Já na passagem para a filosofia moderna o “natural” do direito receberia
o influxo do racionalismo axiomático-demonstrativo como fonte única de obtenção e,
portanto, de formulação de um “direito ideal” – (A. CASTANHEIRA NEVES, A crise
actual da filosofia do direito no contexto da crise global da filosofia – tópicos para a
possibilidade de uma reflexiva reabilitação, Coimbra, Coimbra Editora, Boletim da
Faculdade de Direito – Universidade de Coimbra, 2003, p.23-7).
[372]
O termo ‘forma mentis’ tem sentido técnico, utilizado aqui como
representação de certa mentalidade típica de determinado período histórico. É um sentido
bastante usual e necessário quando se busca traçar a história das ideias dentro de
determinada disciplina. Warat utiliza o conceito de “senso comum teórico dos juristas”
para designar uma “constelação de representações, imagens, pré-conceitos, crenças,
ficções, hábitos de censura enunciativa, metáforas, estereótipos e normas éticas que
governam e disciplinam anonimamente seus atos de decisão e enunciação” (L. A.
WARAT, Introdução Geral ao direito, vol. 1, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor,
1994, p. 13 e ss.). De modo mais específico, o sentido aqui buscado se relaciona ao que
Eric Voegelin chama de “structures of consciousness”: “For this custom represented by
“isms”, I want to use the term “egophanic” symbolisms. Now, that does not mean that is na
“ism” today is na egophanic case. But the “ism” itself is a stratum in philosophizing that
indicates the subjective position of a truth to be found authotitatively; so that, you might
say, you get the formulation of an “ism” as new language prison that engenders (or enfolds)
you and prevents your contact with reality. So this conception of an “ism” as an ultimate
insight concerning the truth is a modern development, and it represents what I call a
“structure in consciousness”. (E. VOEGELIN, Structures in Consciousness”, palestra
proferida na York University, Toronto, 1978, in Voegelin Reseach News, Vol. 2, n. 3,
1996, p.3).
[373]
Larenz, em comentário ao tipo de sistema que fora o grande símbolo do
logicismo jurídico, afirma que “poucos juristas (...) são capazes de libertar-se do fascínio
exercido pelo sistema conceptual-abstrato. Deslumbrados pelo conceito cientificista de
ciência, recearam abandonar, conjuntamente com o sistema conceptual-abstrato, a
pretensão de cientificidade da Jurisprudência” (K. LARENZ – Metodologia da Ciência do
Direito, p. 624). Muitas causas explicativas podem ser apontadas para a consolidação deste
paradigma do predomínio lógico: o positivismo científico e filosófico, a influência do
neokantismo, os desdobramentos da filosofia da linguagem, a ascensão da teoria dos
sistemas... Tais causas – em que pese não se poder, aqui, investigar em que medida foram
individualmente contributivas para a ciência jurídica – são, no todo, permeadas pela mesma
confiança inspirada no discurso lógico, aproximando-lhe em tom de equivalência do que se
poderia chamar de “discurso científico”.
[374]
H. RICKERT, Die Grenzen der naturwissenchaftlichen Begriffbildung, p. 236
apud K. LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, cit. p.127.
[375]
H. RICKERT, op. cit., p 246. apud K. LARENZ, op. cit. p.128.
[376]
H. RICKERT, Kulturwissenchaft und Naturwissenschaft, 7ª ed., 1926, p. 107,
apud K. LARENZ, op.cit., p.130.
[377]
E. LASK, Rechtsphilosophie, 1905, apud K. LARENZ, op.cit., p.131.
[378]
E. LASK, op. cit. p. 313 apud k. LARENZ, op. cit., p. 132.
[379]
A solução de Lask será prosseguir a distinção kantiana de “forma” e
“matéria” no direito. Um acontecimento fático, como uma família, é tratado inicialmente
como um “fator-norma”, sobre o qual recai a “norma”. Essa passagem empobrece o sentido
do fato, pois o viver em família possui elementos desprezados pela normatização. Há um
“apoderamento” do fato material pela comunidade jurídica, passando a constituir um
“artefato” jurídico. Contudo fica pressuposto um valor não atribuído pela comunidade
jurídica, mas pela “vontade da comunidade”, um valor que emana da própria regulação da
relação conjugal e constituição familiar (a autonomia da vontade, p. ex.). Uma segunda
passagem lhe confere significação jurídica, enquadrando-se em elemento descritivo de uma
ciência do direito, uma “forma teórica”. A noção de sistema de Emil Lask se distingue,
portanto, dos princípios de hierarquização encontrados em Kelsen e Puchta, não
culminando em uma norma ou um conceito fundamental, mas uma “vontade fundamental”
da comunidade. A diversificação de atos de vontade (do legislador, do juiz, dos
contraentes) implicaria uma multiplicidade de positividades e, portanto, uma pluralidade de
sistemas. Sobre a concepção de sistema em Emil Lask, v. T. S. FERRAZ Jr., Concepção de
sistema jurídico no pensamento de Emil Lask, 1975, disponível em <
http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/107>. Acesso em
setembro de 2017.
[380]
M. FERREIRA DOS SANTOS, Filosofia e Cosmovisão, p. 249.
[381]
“O ser vivo, como corpo (soma), está imerso na concreção. Mas, quando
atinge o estágio complexo em que se manifestam os reflexos, estes já exigem uma análise.
O reflexo é um esquema, e os reflexos condicionados e incondicionados também são
verdadeiros esquemas” – (M. FERREIRA DOS SANTOS, Noologia Geral, 2ª ed., São
Paulo, Logos Ltda., 1956, p. 115).
[382]
“A assimilação aqui já é diferente e fundamentalmente psicológica, pois o
estímulo provoca uma resposta. A diferença de potencial actua como sinal para o reflexo,
portanto o reflexo assimila o sinal do estímulo, e não o incorpora (...) A intuição
secundária, já sensível, por meio dos sentidos, a qual se dá quando da formação da medula
espinhal. E, consequentemente, no desenvolvimento da vida, uma intuição terciária e uma
quaternária (...)” – (M. FERREIRA DOS SANTOS, op. cit., p.115).
[383]
“(...) intuição terciária, quando da formação do sistema cérebro-espinhal.
Sensibilidade analítico-sintética, com formação de esquemas de esquemas, pois o esquemas
analíticos seriam assimilados a esquemas maiores que os conteriam. Essa acção
sintetizadora já implica um esquema de um esquema, com suas assimilações, que seriam
fundamentais para a compreensão da inteligência (...)” – (M. FERREIRA DOS SANTOS,
op. cit., p. 115).
[384]
“(...) intuição quaternária, intelectual, com distinção do semelhante e do
diferente, própria dos seres mais desenvolvidos e que, no homem, torna-se capaz de
estruturar o processo operatório da razão como órgão classificador” – (M. FERREIRA
DOS SANTOS, op. cit., p. 115).
[385]
M. FERREIRA DOS SANTOS, op. cit., p.152.
[386]
M. FERREIRA DOS SANTOS, op. cit., p.152.
[387]
M. FERREIRA DOS SANTOS, op. cit., p.263
[388]
Para uma explicação sobre cada uma das intuições em Nicolai Hartmann v. J.
M. ADEODATO, Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (em
contraposição à Ontologia de Nicolai Hartmann), 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 190.
[389]
B. LONERGAN, Método em Teologia, cit., p. 50.
[390]
B. LONERGAN, op., cit., p. 53.
[391]
B. LONERGAN, op., cit., p. 54.
[392]
M. WEBER, Gesammlte politische Schriften, p. 22; Gesammelte Aufsätze zur
Wissenschaftslehre, p. 208 apud L. STRAUSS, Natural Right and History, 1953, trad. port.
B.C. Simões, Direito Natural e História, 1ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 2014, p.47.
[393]
L. STRAUSS, op. cit., p. 47.
[394]
Adiante, Strauss explana a teoria ética de Weber na qual é revelada a
equiparação dos valores contanto sejam escolhidos “com todo o coração, toda a alma e
todo o poder” (Wissenschaftlehre, pp.455, 466-9, 546). A indiferença seria repudiável para
Weber, afirma Strauss, justo a indiferença inicialmente tomada por premissa científica
diante dos valores nas ciências sociais – (L. STRAUSS, op. cit., p.56).
[395]
“(...) took whatever came to hand” – (A. BLOOM, The closing of American
Mind, New York, Simon & Schuster, 1974, p. 210).
[396]
“ A religion must, it seems, be invented for the sole purpose of defending
capitalism, whereas the earliest philosophers associated with it thought that religion must,
at least, be weakened in order to establish it” – (A. BLOOM, op. cit., p. 210).
[397] “
Social scientists simply did not see that their new tools were based on
thought that did not accept the orthodox dichotomies, that not only were the European
thinkers looking for something akin to religious actors on the political scene but that the
new mind itself, or the self, had at least as much in common with Pascal's outlook as it did
with that of Descartes or Locke” – (A. BLOOM, op. cit., p. 215).
[398]
“The sacred—as the central phenomenon of the self, unrecognizable to
scientific consciousness and trampled underfoot by ignorant passers-by who had lost the
religious instinct—was, from the outset of the value teaching, taken seriously by thinkers in
Germany. That was because they understood what "value" really means. It has taken the
softening of all convictions and the blurring of all distinctions for the sacred to be thought
to be undangerous and to come into its own here” – (A. BLOOM, op. cit., p. 271).
[399]
Um manual brasileiro de introdução ao estudo do direito define valor a partir
de necessidades subjetivas: “A ideia de valor está vinculada às necessidades humanas. Só
se atribui valor a algo, na medida em que este pode atender a alguma necessidade. Assim, a
necessidade gera o valor; este coloca o homem em ação, que por sua vez vai produzir
algum resultado prático: a obtenção de algum objeto natural ou cultural, ou a mentalização
e vivência espiritual de objeto ideal ou metafísico” – (P. NADER, Introdução ao Estudo do
Direito, 39ª ed., rev. at., Rio de Janeiro, Forense Ltda., 2017, p. 66).
[400]
Os “valores supremos” no preâmbulo da Constituição (exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justiça) podem remeter historicamente a fundamentos religiosos, mas estão “limpos” de
qualquer teor transcendente e parecem ter sido chamados valores apenas pela falta de um
gênero próximo capaz de reunir satisfatoriamente suas peculiaridades.
[401]
O “subjetivismo ingênuo” que acompanhou a segunda metade do século XX
é criticado no âmbito jurídico por Andrei Marmor e Joseph Raz, v. A. MARMOR, Positive
Law and Objective Values, New York, Oxford Press, 2001, pp. 160-84; J. RAZ, Value,
Respect, and Attachment, Cambridge, Cambridge Press, 2001, passim.
[402]
G. RADBRUCH, Rechtsphilosophie, trad. port., L. C. de Moncada, Filosofia
do Direito, 6ª ed., reimp, Coimbra, 1997, p.45.
[403]
G. RADBRUCH, op. cit., p.46.
[404]
G. RADBRUCH, op. cit., 85 e ss.
[405]
Benjamin Cardozo é citado textualmente por Radbruch ao tratar do
condicionamento material da Ideia como similar ao “growth of the Law”. De fato, a
similitude fica clara já nas primeiras páginas de Cardozo: “Tha law of our days faces a
twofold need. The first is the need of some restatement that will bring certainty and order
of wilderness of precedent. The second, is the need of a philosophy that will mediate
between the confliting claims of stability and progress, and supply a principle of growth” –
B. CARDOZO, The Growth of Law, New Haven, Yale University Press, 1924, p.1.
[406]
O problema parece se acentuar ao lidar-se com direito processual,
especialmente o direito civil. O caráter formal das leis criadas para lidar com uma gama
numerosas de lides trás o desafio inerente de valorações na aplicação ao caso concreto. É o
que nota Ovídio Baptista da Sivla, v. Da função à estrutura in Revista de Processo: RePro,
v. 33, n. 158, p. 9-19, abr. 2008.
[407]
O problema é abordado por Karl Larenz, v. Metodologia e Ciência do
Direito, 5ª ed., p.167.
[408]
Andrei Marmor aponta a necessidade lógica de conformação dos valores aos
casos: Se admitisse que (1) causar dor desnecessária é errado e que (2) chutar o cachorro é
causar dor desnecessária, torna-se objetivamente verdadeiro o enunciado valorativo que
chutar o cachorro é errado – Positive Law and Objective Values, cit., p.162.
[409]
K. LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 5ª ed., p. 167-8.
[410]
W. BRÜGGER, “Gewährleistung – ein absoluter Wert? Gedenken zum
Bestimmtheitsefordernis zivilrechtlicher Tatsbestände”, in Gotthard Paulus et ali (orgs.),
FS für Karl Larenz, Münster, Beck, 1973, p. 202.
[411]
A. ARNAULD, Rechtssicherheit, Tübingen, Mohr Siebeck, 2006, p.9.
[412]
F. C. von SAVIGNY, System des heutingen Römischen Rechts, 2ª ed. V.1,
Berlin, Veit und Comp., 1840, p. 322 (reimp: Aalen, Scientia, 1981).
[413]
J. MEYER, Conversations-Lexicon, Zweite Abteilung, v.8, palavra
“Segurança”.
[414]
R. von MOHL, “Die Geschichte und Literatur der Staatswissenschaften”, in
Monographien dargestellt, v.1, Erlangen, 1855.
[415]
C. E. A. von HOLLEUFFER, Rechtssicherheit, unabhängige Jutiz,
ministerielle Cabinets-Justiz im Fürstenthum Schawrzburg-Sonderhausen, Dessau, 1864, p.
101.
[416]
De onde a jocosa afirmação de Racine e Siiriainen que a “segurança jurídica
que parece fazer corpo com o sistema jurídico não foi jamais definida com precisão, o que
é o cúmulo para uma noção que põe uma exigência de certeza!” – J. B. RACINE – F.
SIIRIAINEN, “Sécurité juridique et Droit Économique. Propos introductifs”, in Laurence
Boy, Jean Baptiste Racine e Fabrice Siiriainen (orgs.), Securité juridique et Droit
Économique, Bruxelles, Larcier, 2008, p.13, apud H. ÁVILA, Teoria da segurança
jurídica, cit., p. 75.
[417]
“(...) a segurança jurídica é um ‘elemento’ integrante de uma definição;
portanto, uma proposição metalinguística relativa ao Direito como fenômeno histórico. (...)
a segurança jurídica, quando analisada sob essa perspectiva [de uma definição], não é
norma, mas sim um conceito ou um elemento de um conceito. Sob esse viés, ela é definida
como uma ideia ‘supraordenadora’ (übergeordneter Idee) ou um ‘sobreconceito’
(Überbegriff). Note-se que, nesse aspecto, a segurança jurídica é um elemento da
metalinguagem doutrinária, e não uma norma sobre a qual ela verte” – (H. ÁVILA, Teoria
da segurança jurídica, cit., p. 125). Sobre a ideia de sobreconceito v. A. von ARNAULD,
Rechtssiccherheit, Tubinguen, Mohr Siebeck, 2006, p.7.
[418]
H. ÁVILA, Teoria da segurança jurídica, cit., p.76,
[419]
H. ÁVILA, op. cit., pp. 269-72.
[420]
H. ÁVILA, op. cit., p. 286.
[421]
N. MacCORMICK, “Rhetoric and Rule of Law”, in David Dyzenhaus (org.),
Recrafiting the Rule of Law – The Limits of Legal Order, Oxford, Hart, 1999, pp. 165-66.
[422]
N. LUHMANN, Vertrauen – Ein Mechanismus der Reduktion sozialer
Komplexität, 4ª ed., Suttgart, Lucius & Lucius, 2000, p. 27.
[423]
G. RADBRUCH, Rechtsphilosophie. Studienausgabe, 2ª ed., Heidelberg, C.
F. Müller, 2003 (1932), p. 73.
[424]
L. FULLER, Anatomy of Law, Connecticut, Greenwood, 1968, p. 73.
[425]
M. REALE, “Prefácio”, in Theophilo Cavalcanti Filho, O problema da
segurança no direito, São Paulo, RT, 1964, p. VI.
[426]
M. RÜMELIN, Die Rechtssicherheit, Tübingen, Mohr Siebeck, 1924, pp. 9-
10, 12-13 apud. H. ÁVILA, op. cit., p.195.
[427]
H. ÁVILA, op. cit., p. 198.
[428]
É o que argumenta Hayek: ‘is to limit coercion by the power of the state to
instances where it is explicitly required by general abstract rules which have been
announced beforehand and which [are] applied equally to all people, and refer to
circumstances known to them’ – (F. A. HAYEK, The Constitution of Liberty, Oxford,
Clarendon, 1961, p. 280).
[429]
Ávila ressalta uma defesa do General Göring, político e líder do NSDAP,
sobre o serviço da segurança jurídica perante a “comunidade do povo”, v. H. GÖRING,
“Die Rechscicherheit als Grundlage der Volksgemeinschaft”, in Hans Frank (org.),
Schriften der Akademie für Deutsches Rechts, Hamburg, Hanseatische Verlagsanstalt,
1935, p. 6 apud H. ÁVILA, op. cit., p. 197.
[430]
H. ÁVILA, op. cit., p. 198.
[431]
H. ÁVILA, op. cit., p. 199.
[432]
Radbruch explicita a convergência dos dois critérios: “Que o direito seja
seguro, que ele não seja aqui e agora de um jeito, amanhã e lá interpretado e aplicado de
outro jeito, é ao mesmo tempo uma exigência da justiça” – (G. RADBRUCH,
“Gesetzliches Unrecht und übergesetzliches Recht”, Anhang 3, in Rechtsphilosophie.
Studienausgabe, 2ª ed., Heidelberg, C. F, Müller, 2003 (1932), p. 216 apud H. ÁVILA, op.
cit., p. 676).
[433]
Há ainda a concepção da segurança jurídica que “engloba” a justiça ao
englobar “prescrições relativas à própria aceitabilidade moral das noras”, concepção que
Ávila empresta de Aleksander Peczenick, v. On Law and Reason, Dodrecht, Kluwer, 1989,
p. 31, apud H. ÁVILA, op. cit., p. 677.
[434]
H. ÁVILA, op. cit., p. 678.
[435]
H. ÁVILA, op. cit., p.679.
[436]
“Ratio politica quam nunc vocant de Statu (olim aequitas et epieikeia)
transgreditur legibus, scripto vel você promulgatae; literam, sed non sensum et finem” – C.
BESOLD apud H. MÜNKLER, In Namen des Staates, Frankfurt/M., 1987, p. 169 apud K.
GÜNTHER, Der Sinn für Angemessenheit: Anwendungsdiskurse in Moral und Recht,
Surkamp Verlag Frankfurt am Main, 1988, trad. port. C. Molz, Teoria da Argumentação no
Direito e na Moral: Justificação e Aplicação, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2011, p. 237.
[437]
K. GÜNTHER, op. cit., p. 237.
[438]
Günther faz menção a uma passagem em que Carl Schmitt recorre ao
argumento da equidade em situações críticas de estados de emergência: “Nele (no
promulgador destes decretos) assoma à luz do dia, por meio de todas as ficções e
obnubilações normativistas, a verdade simples das ciências do Direito: normas só são
válidas para as situações normais e a pressuposta normalidade da situação é, em termos do
Direito positivo, parte constitutiva da sua ‘validade’ – (C. SCHMITT, “Legalität und
Legitimität”, 1932, in Verfassungsrechtliche Aufsätze, 2ª ed, Berlim, 1973, p. 263 e ss apud
K. GÜNTHER, op. cit., p. 238.
[439]
ARISTÓTELES, Etíca a Nicômaco, cit., 1108ª6.
[440]
ARISTÓTELES, op. cit., 1130ª23; 1130b2.
[441]
ARISTÓTELES, op. cit., 1129ª34; 1130b9; 1131ª10.
[442]
ARISTÓTELES, op. cit., 1108ª7; 1129b6; 1131b11; 1133ª9.
[443]
ARISTÓTELES, op. cit., 1130b2; 1133ª9.
[444]
ARISTÓTELES, op. cit., 1129b26.
[445]
ARISTÓTELES, op. cit., 1129ª6.
[446]
ARISTÓTELES, op. cit., 1130b30.
[447]
ARISTÓTELES, op. cit., 1133ª14.
[448]
Alguns autores dispensam a classificação da equidade no quadro na virtude
para considera-la diferente “in genus”, v. A. H. CHROUST, “Aristotle’s Conception of
Equity (Epieikeia)” in Notre Dame Law Review, v. 18, issue 2, article 3, 1942, disponível
em <htp://scholarship.law.nd.edu/ndlr/vol18/iss2/3>. Acesso em setembro de 2017.
[449]
ARISTÓTELES, op. cit., p. 1137b11.
[450]
ARISTÓTELES, op. cit.,1137b8.
[451]
ARISTÓTELES, op. cit., 1137b 14-19, 28-32.
[452]
T. AQUINO, Suma Teológica, II-II, q. 120, 1.
[453]
T. AQUINO, Suma Teológica, II-II, q. 120, 2
[454]
L. KOHLBERG, "Moral stages and moralization: The cognitive-
developmental approach". Moral Development and Behavior: Theory, Research and Social
Issues, Holt, NY: Rinehart and Winston, 1976
[455]
K. GÜNTHER, op. cit., p.238.
[456]
H. G. GADAMER, Verdade e método, cit., 473.
[457]
No Código de Processo Civil de 2015, o art. 140, dispõe: “o juiz só decidirá
por equidade nos casos previstos em lei”. A legislação parece colocar uma salvaguarda ao
arbítrio do juiz afastando a equidade. Isto resulta, possivelmente, da má compreensão do
conceito conforme ressaltado por Recasaens Siches, segundo o qual a equidade não é
“corregir la ley” mas “intrepertala razonablemente” – (L. RECASAENS SICHES, Tratado
General de Filosofia del Derecho, Mexico, Porrua, 1978, p. 654). Em todo caso, trata-se
aqui de discurso prescritivo, em seu terceiro campo, não interessando nesta parte da
exposição.
[458]
K. GÜNTHER, op. cit., p. 238.
[459]
K. GÜNTHER, op. cit., p. 238.
[460]
M. VILLEY, Formação do pensamento jurídico moderno, cit., p. 63.
[461]
AGOSTINHO, Cidade de Deus, cit., IV, 3.
[462]
AGOSTINHO, op. cit., IV, 4.
[463]
AGOSTINHO, op. cit., XIX, 21.
[464]
AGOSTINHO, op. cit., V, 19; V, 21; II, 19; Confissões, III, 8, 15.
[465]
AGOSTINHO, op. cit., XIX, 62.
[466]
M. VILLEY, Formação do pensamento jurídico moderno, cit, p. 93.
[467]
AGOSTINHO, De Ordine (~391), trad port. A. Belmonte, A Ordem, coleção
Patrística, v. 24, São Paulo, 2008, p. 218, tr. II, 22.
[468]
“A consumação final dar-se-à quando será perfeitamente formado pela gnose
todo o elemento pneumático, isto é, os homens pneumáticos que possuem o conhecimento
perfeito de Deus e foram iniciados nos mistérios de Acamot. Afirmam que eles são estes
homens” – IRINEU (Bispo) de LYON, Élencos kaí anatropè tês pseudonúmou gnóseos
(Adversus haereses), (180 d.C), trad. port. L. Costa, Contra as Heresias, col Patrística, v. 4,
São Paulo, Paulus, 2013, p. 47, trecho I, 5.6.
[469]
H. KELSEN, Autobiografia, cit., p. 29.
[470]
Um processo radicalmente distinto de apontamento da ordem por meio do
direito pode ser a separação de terras entre grupos distintos, acontecimento marcante para
Carl Schmitt, da criação simultânea do direito de propriedade (na divisão interna) e do
direito público (em relação a demais grupos). O nomos da terra seria menos uma “lei” do
que uma demarcação de pastoreio, do grego nemein – C. SCHMITT, Der Nomos der Erde
im Völkerrecht des Jus Publicum europaeum, 1997, trad. port. A. F. Sá, B. Ferreira, J. M.
Arruda e P. H. V. B. Castelo Branco, O nomos da Terra no direito das gentes do jus
publicum europaeum, Rio de Janeiro, Contraponto, 2014, pp. 37-38.
[471]
E. VOEGELIN, Ordem e História: Israel e a Revelação, cit., p. 27.
[472]
Em artigo expositivo do livro de Eric Voegelin, The nature of Law, escreve
Lee Trepanier: As participatory creatures in all of these aspects of being, humans exist in a
state of tension between the existential order of society and the true substantive order of
being. Society thus seeks its moral substance in an order of which it partakes but ultimately
is not a part – L. TREPANIER, Eric Voegelin on the Law as a Means and as an End for
True Substantive Order, 2016, disponível em https://voegelinview.com/eric-voegelin-law-
means-end-true-substantive-order/#. Acesso em setembro de 2017.
[473]
Aristóteles estabelece a concreção da busca pela ordem pelos filósofos que
“discutem sobre a natureza” como um passo adiante de seus antecessores “que discutem
sobre os deuses” – (ARISTÓTELES, Metafísica, 981b27-9, 982b18; Ética a Nicômaco,
1117b33-5). Também v. PLATÃO, Leis, 891c2-7, 896ª5-3.
[474]
Voegelin classifica de três tipos de direito nas ordens presentes na história do
ocidente: 1) o direito no contexto das sociedades cosmológicas, inspirado em periodismos
naturais e articulado sob a forma de mitos; 2) o direito no contexto de sociedades que
vivenciaram a revelação ou o salto da razão, nas quais os mitos são articulados em formas
de transcendência e filosofia; 3) o direito em sociedades nas quais a revelação e a razão
estão presentes simultaneamente como autoridades da ordem– (E. VOEGELIN, op. cit., p.
128).
[475]
Uma proposta similar, posto que partindo de uma investigação de natureza
sociológica, pode ser verificada em Niklas Luhmann ao traduzir essas possibilidades
explicativas da ordem em expectativas do homem enquanto participante no procedimento,
o que gera, segundo o autor a “disposição generalizada para aceitar decisões de conteúdo
ainda indeterminado, dentro de certos limites de tolerância”. Tal disposição teria, por
conseguinte, um efeito positivo na sociedade, ainda que paire sobre esta explicação a
suspeita de se estar construindo um arcabouço teórico sofisticado que no fundo aponta
apenas para a ilusão de se estar seguindo regras por um mecanismo psicológico. Tal
mecanismo não é explicado sociologicamente por Luhmann, em virtude do próprio método
da disciplina. N. LUHMANN, Legitimation durch Verfahren, trad. port. M. C. Côrte-Real,
Legitimação pelo Procedimento, Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1980, passim.
[476]
ARISTÓTELES, Polítics, trad. ingl. H. Rackham, London, Harvard
University Press, 1959, passim.
[477]
A. VERDROSS, Abendländische Rechtsphilosophie: Ihre Grundlagen und
Hauptprobleme im geschichtlicher Schau (1958), trad. esp. M. de la Cueva, La Filosofia
del Derecho Occidental: la vision panorâmica de sus fundamentos y principales
problemas, Ciudad del Mexico, Centro de Estudios Filosóficos, 1962, pp.54-68.
[478]
E. VOEGELIN, A Natureza do Direito e outros escritos jurídicos, cit., p.94.
[479]
O símbolo reaparece em Santo Agostinho, no trecho intitulado “Para
compreender que nada acontece fora da ordem divina, faz-se necessário seguir uma
disciplina racional”, e esclarece “Esta disciplina é a própria lei de Deuz que, permanecendo
sempre fixa e inabalável nele, quase se inscreve nas almas sábias para que tanto melhor
saibam viver e tanto mais sublime e mais perfeitamente a contemplem com sua inteligência
e com maior empenho a guardem em sua vida” – (AGOSTINHO, Da Ordem, cit., p. 222,
tr. II, VIII, 25.
[480]
E. VOEGELIN, op. cit., 124-5.
[481]
E. VOEGELIN, op. cit., 126.
[482]
Se estes parâmetros de exame crítico do dever ontológico só se dão
casuisticamente, em sociedades concretas e distintas, Voegelin tira daí uma consequência é
brutal: não há história do direito em sentido estrito. O direito se interessa pela regulação da
conduta humana sob condições concretas as quais só podem ser descritas historicamente de
modo indireto, pelas instituições que participaram da história da existência humana em
sociedade – (E. VOEGELIN, op. cit., p.127).
[483]
Ao responder sobre a incongruência de um direito natural diante da
mutalibidade humana, diz São Tomás: “Ora, a natureza humana é mutável. Por isso, o que
é natural ao homem pode falhar algumas vezes” [Natura autem hominis est mutabilis. Et
ideo id quod naturale est homini potest aliquando deficere] – T. AQUINO, Suma
Teológica, II-II, q.57, 2,2.
[484]
Ao responder sobre a justiça no direito positivo, São Tomás: “(...) deve-se
dizer que a vontade humana, por uma convenção comum, pode tornar justa uma coisa entre
aquelas que em nada se oponham à justiça natural” [(...)dicendum quod voluntas humana
ex communi condicto potest aliquid facere iustum in his quase secundum se non habent
aliquam repugnantiam ad naturalem iustitiam] – T. AQUINO, op. cit., id.; ao tratar da
competência para promulgar leis, afirma “Deve dizer-se que a lei própria, primeiro e
principalmente, visa a ordenação para o bem comum. Ora, ordenar algo para o bem comum
compete a toda multidão ou a alguém a quem cabe geria fazendo vezes de toda a multidão”
– (T. AQUINO, op. cit., II-II, q. 90, III) e Aristóteles “o justo legal é aquilo que antes não
importava ser de um ou de outro modo; porém, importa, sim, depois de estabelecido”.
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V. supra, Parte Um, capítulo III, 2, 2.3, “Requisitos formais da tese”.