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2° Semestre de 2005
ARTIGOS
Trindade:umdogmadeConstantino?
Rodrigo P. Silva, doutor em Teologia
UmapessoamaravilhosachamadaEspíritosanto
José Carlos Ramos, D.Min.
Fratemalmente,
Amin A. Rodor
Editor de Pczroz4§z.cz
REFERÊNCIAS
[ Além de Sabélio e Noeto, Praxeas foi um dos expoentes desta heresia, a ponto de Tertuliano afirmar que ele
"prestou dois serviços ao diabo: colocou em fuga o Paracleto e crucificou o Pai" (uma em vez que para o
monarquianismo não há distinção entre as pessoas da Trindade, o Pai é quem foi crucificado, heresia conhecida
como patripassionismo). Veja Adversus Praxeas 1, (Ante Nicene Fathers [Wm. Eerdmans Publishing Co.1976],
3 :597). 0 tratado de Tertuliano, Advc7i§zts P7icz)ícas' (conti.a Praxeas), é significante, porque antecipa a linguagem
trinitariana que seria reconhecida séculos depois.
2Woodrow Whidden, Jerry Moon e John W. Reeve, A rri.#ddde (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
2003), dispom'vel no site www.cpb.com.br, ou lojas do SELS.
7
A Trindade
nas Escrituras
Gerhard Pfandl, Ph.D.
Diretor associado do Biblical Research Institute da Associação Geral da IASD, Silver Spring, Ma-
ryland, EUA
um plural majestático é ler no antigo texto “Eis que o homem se tornou como um de
hebraico um conceito moderno, desconsi- nós” (Gn 3:22). E, algum tempo depois,
derando que os reis de Israel e de Judá são quando os homens começaram a construir
todos tratados no singular no texto bíblico.5 a torre de Babel, disse o Senhor: “Desça-
Além disso, Knight ressalta que as palavras mos e confundamos ali a sua linguagem”
hebraicas para “água” e “céu” são ambas (Gn 11:7). Vez após outra a pluralidade da
plurais. Os gramáticos têm denominado Divindade é enfatizada.
este fenômeno de plural quantitativo. A
Em sua famosa visão do trono divino,
água pode aparecer em forma de pequenas
Isaías ouve o Senhor indagando: “A quem
gotas ou grandes oceanos. Esta diversidade
enviarei, e quem há de ir por nós?” (Is 6:8).
quantitativa em unidade, diz Knight, é uma
Aqui vemos Deus utilizando o singular
maneira adequada de compreender o plural
e o plural na mesma sentença. Muitos
‘Elohim. Também explica por que o subs-
eruditos modernos tomam isto como uma
tantivo singular ‘Adonai é escrito como
referência ao concílio celestial. Mas Deus
um plural.6
alguma vez convocou Suas criaturas para
Lemos em Gênesis 1:26: “Também conselho? Em Isaías 40:13 e 14 Ele parece
disse [singular] Deus: Façamos [plu- refutar esta mesma noção. Ele não precisa
ral] o homem à nossa [plural] imagem, aconselhar-Se com Suas criaturas, nem
conforme a nossa [plural] semelhança.” mesmo com os seres celestiais. Portanto,
Moisés não está usando um verbo plural este plural, embora não prove a Trindade,
com ‘Elohim, mas Deus, em sua fala, usa sugere que há uma pluralidade de seres
um verbo plural e pronomes plurais com nAquele que fala.
referência a Si mesmo. Alguns intérpretes
crêem que Deus aqui está falando aos (4) O Anjo do Senhor
anjos. No entanto, segundo as Escrituras,
os anjos não participaram da Criação. A A expressão “Anjo do Senhor” aparece
melhor explicação, portanto, é a de que já cinqüenta e oito vezes no Antigo Testa-
no primeiro capítulo de Gênesis há uma mento, e “o anjo de Deus”, onze vezes. A
indicação de uma pluralidade de pessoas palavra hebraica mal’ak (anjo) significa
na própria Divindade. simplesmente “mensageiro”. Portanto, se
o “Anjo do Senhor” é um mensageiro do
Senhor, ele deve ser distinto do próprio Se-
(2) Gênesis 2:24 nhor. No entanto, em vários textos o “Anjo
De acordo com Gênesis 2:24, o homem do Senhor” é também chamado “Deus” ou
e a mulher devem tornar-se “uma só [heb. “Senhor” (Gn 16:7-13; Nm 22:31-38; Jz
‘echad] carne”, uma união de duas pessoas 2:1-4; 6:22). Os Pais da Igreja O identifica-
distintas, individuais. Em Deuteronômio vam com o Logos pré-encarnado. Eruditos
6:4, a mesma palavra é empregada para modernos O têm visto como um ser que
Deus: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, representa a Deus, como o próprio Deus,
é o único [‘echad] Senhor.” Diz Millard J. ou alguma força externa de Deus. Eruditos
Erickson: “Parece que aqui algo está sendo conservadores geralmente concordam que
afirmado acerca da natureza de Deus – Ele “esse ‘mensageiro’ deve ser visto como
é um organismo, isto é, uma unidade de uma manifestação especial da existência
partes distintas.”7 Moisés poderia ter usado ou essência do próprio Deus.”8 Se isto está
a palavra yachid (somente um, singular) em correto, temos aqui outro indicador da plu-
Deuteronômio 6:4, mas o Espírito Santo ralidade de pessoas na Divindade.
preferiu que assim não fosse.
A Trindade no Novo Testamento
(3) Outros textos que expressam uma
Nas Escrituras a verdade é progressi-
pluralidade
va. Quando chegamos, portanto, ao Novo
Disse Deus após a queda do homem: Testamento, encontramos um quadro mais
A Trindade nas Escrituras / 9
esclarece que Jesus não cobiçou, ou não dando a bendita esperança e o glorioso apa-
tentou roubar a “igualdade com Deus”. recimento do nosso grande Deus e Salvador
Ao contrário, Ele não tentou apegar-Se à Jesus Cristo” (NKJV [New King James Ver-
igualdade com Deus que Ele possuía de sion]). A KJV traduz esta passagem como
modo intrínseco. Em outras palavras, Ele “o glorioso aparecimento do grande Deus e
não tentou reter pela força Sua igualdade nosso Salvador Jesus Cristo”, apresentando
com Deus, mas “tratou-a como uma oca- os santos à espera do Pai e do Filho. Conquan-
sião para renunciar a cada vantagem ou to esta tradução seja possível, a NKJV deve
privilégio que desse modo Lhe pudesse ter ser preferida pelas seguintes razões: (1) Os
vindo, como uma oportunidade para auto- dois substantivos “Deus” e “Salvador” estão
empobrecimento e sacrifício de Si mesmo ligados por um só artigo, indicando que, por
sem reservas.”14 Este é o significado de “a via de regra, os dois substantivos são duas
si mesmo se esvaziou”. Sua igualdade com designações para um único objeto. (2) Todo
Deus era algo que Ele possuía de maneira o Novo Testamento aguarda a segunda vinda
intrínseca; e alguém que é igual a Deus de Cristo. (3) O contexto do verso 14 fala
deve ser Deus. Por conseguinte, Filipenses somente de Cristo. (4) Esta interpretação está
2:5-7 “é uma passagem que exige para sua em harmonia com outras passagens tais como
compreensão a idéia de que Jesus era divino João 20:28; Romanos 9:5; Hebreus 1:8; 2
no mais pleno sentido.”15 Pedro 1:1. O texto de Tito 2:13 é, portanto, é
uma asserção explícita à divindade de Cristo.
(4) Colossenses 2:9
“Porquanto, nele habita, corporalmente
O testemunho da divindade de Cris-
[gr. somatikôs], toda a plenitude [pleroma] to no Antigo Testamento
da Divindade.” A palavra pleroma tem Não somente é Jesus chamado Deus
o significado básico de “plenitude, cum- no Novo Testamento, mas Ele é também
primento”. No Antigo Testamento, ela se chamado Senhor e Deus em citações do
refere repetidamente à terra e “toda a sua Antigo Testamento onde a palavra hebraica
plenitude” (Sl 24:1; cf. 50:12; 89:11; 96:11; é Yahweh ou Elohim.
98:7), que é citada em 1 Coríntios 1:26,
28. No grego secular, pleroma se referia
ao pleno complemento da tripulação de (1) Mateus 3:3
um navio ou à quantidade necessária para “Voz do que clama no deserto: Preparai
completar uma transação financeira. Em o caminho do Senhor.” Segundo o verso 1,
Colossenses 1:19 e 2:9, Paulo usa a palavra este texto de Isaías se refere a João Batista,
para descrever a soma total de cada função que foi o precursor de Jesus. Em Isaías
da divindade.16 Essa plenitude habita em 40:3, a palavra para Senhor é Yahweh.
Cristo “corporalmente”; isto é, mesmo Portanto , “o Senhor” cujo caminho João
durante Sua encarnação, Cristo reteve to- devia preparar não era nenhum outro senão
dos os atributos essenciais da divindade, o próprio Yahweh.
embora não os utilizasse em Seu próprio
proveito. A plenitude da Divindade (2) Romanos 10:13
fez sua habitação em Sua humanidade sem
consumi-la ou deificá-la, ou mudar quaisquer de
“Porque: Todo aquele que invocar o
suas propriedades essenciais... Via-se facilmente nome do Senhor será salvo.” O contex-
que a Divindade habitava naquela humanidade to (vs. 6-12) deixa claro que Paulo está
(ou natureza humana), pois lampejos de Sua glória pensando em Cristo quando se refere ao
brilhavam freqüentemente através de sua cobertura “nome do Senhor”. O texto é uma citação
terrestre.17 de Joel 2:32 onde a palavra para Senhor no
hebraico é, outra vez, Yahweh.
(5) Tito 2:13
Paulo descreve os santos como “aguar- (3) Romanos 14:10
12 / Parousia - 2º semestre de 2005
Neste texto, Paulo relembra a seus lei- Jesus nunca afirmou diretamente Sua
tores que “todos havemos de comparecer divindade; todavia, Seu ensino estava
ante o tribunal de Cristo” (Versão Almeida permeado de conceitos trinitarianos. De
Revista e Corrigida). Ele, então, adiciona acordo com a idéia hebraica de filiação (ou
uma citação de Isaías 45:23 que diz: “Pela seja, tudo que o pai é, o filho é também),
minha vida, diz o Senhor, todo joelho Jesus afirmou ser o Filho de Deus (Mt
se dobrará diante de mim, e toda língua 9:27; 24:36; Lc 10:22; Jo 9:35-37; 11:4).
confessará a Deus.” Em Isaías o que fala Os judeus entenderam que pela reivindi-
é Yahweh; no livro de Romanos, o mesmo cação de ser o Filho de Deus Ele estava
texto é aplicado a Cristo. reivindicando igualdade com Deus: “Por
isso, pois, os judeus ainda mais procura-
(4) Hebreus 1:8, 9 vam matá-lo, porque não somente violava
o sábado, mas também dizia que Deus era
“O teu trono, ó Deus, é para todo o sem- seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus”
pre... Deus, o teu Deus te ungiu.” Neste (Jo 5:18; cf. 10:33).
capítulo, sete textos do Antigo Testamento
são usados para apoiar o argumento de que Repetidamente, Jesus afirmou possuir o
Cristo é superior aos anjos. O quinto texto, que propriamente só pertence a Deus. “Ele
citado nos versos 8 e 9, vem do Salmo 45:6, falou dos anjos de Deus (Lc 12:8-9; 15:10)
7, no qual um rei da casa de Davi é tratado como Seus anjos (Mt 13:41). Ele considerava
como “Deus”. Trata-se de uma hipérbole o reino de Deus (Mt 12:28; 19:14, 24; 21:31,
poética – como é, às vezes, encontrada em 34) e os eleitos de Deus (Mc 13:20) como Sua
cortes orientais – ou está esse texto apontando propriedade.”19 Em Lucas 5:20, Jesus per-
para uma outra pessoa além do príncipe do doou os pecados ao paralítico, e os judeus,
Antigo Testamento da casa de Davi? baseados em Isaías 43:25, argüiram cor-
retamente: “Quem pode perdoar pecados,
Para os poetas e profetas hebreus, um senão Deus?” Destarte, estava implícita
príncipe da casa de Davi era o vice-regente na ação de Jesus de perdoar a pretensão
do Deus de Israel; ele pertencia a uma de ser Deus.
dinastia à qual Deus havia feito promes-
sas especiais ligadas à realização de Seu A divindade de Cristo é também indi-
propósito no mundo. Além disso, o que era cada pelo Seu uso do tempo presente em
apenas parcialmente verdade de qualquer Sua resposta aos judeus: “Antes que Abraão
um dos governantes históricos da linha- existisse [genesthai], Eu Sou [ego eimi]”
gem de Davi, ou mesmo do próprio Davi, (Jo 8:58). Usando os termos genesthai
seria realizado em sua plenitude quando (“nasceu” ou “se tornou”) e ego eimi (Eu
aparecesse o Filho de Davi em quem todas Sou), Jesus contrasta Sua existência eter-
as promessas e ideais associados com a na com o início histórico da existência de
dinastia seriam incorporados. E agora, fi- Abraão. É a eternidade do ser, e não sim-
nalmente, o Messias havia surgido. Em um plesmente a preexistência antes de Abraão,
sentido mais amplo do que era possível para que é expressa aqui. Ao menos os judeus
Davi ou qualquer dos seus sucessores nos entenderam isto desse modo; perceberam
dias antigos, esse Messias pode ser tratado que Jesus reivindicava ser Yahweh, o Eu
não meramente como Filho de Deus (verso Sou da sarça ardente (Êx 3:14), e pegaram
5) mas realmente como Deus, pois Ele é o em pedras para matá-Lo (8:59).
Messias da linhagem de Davi e também o Finalmente, o fato de que Jesus acei-
resplendor da glória de Deus e a própria tava a adoração de outros é evidência de
imagem de Sua substância.18 que Ele mesmo reconhecia Sua divinda-
Todas estas passagens indicam que de. Após Jesus ter vindo aos discípulos
Cristo, Deus e Yahweh são um. andando sobre a água, eles “o adoraram”
(Mt 14:33). O cego cuja vista foi res-
taurada depois de lavar-se no tanque de
Jesus e a sua consciência Siloé “o adorou” (Jo 9:38). Depois da
de Si mesmo ressurreição, os discípulos foram para a
A Trindade nas Escrituras / 13
Referências 9
Erickson, 1:338.
10
Alguns comentaristas crêem que por trás da
1
Artigo traduzido do original em inglês por fórmula está a linguagem das transferências de
Francisco Alves de Pontes. Salvo indicação diversa, dinheiro da era helenística, de sorte que a fórmula
os textos bíblicos utilizados na tradução são extraídos expressa figurativamente que a pessoa batizada é
da Versão Almeida Revista e Atualizada. “transferida” para a conta do Senhor e assim se torna
2
W. Grudem, Teologia Sistemática (São Paulo: Sua propriedade. Outros interpretam “nome” como
Vida Nova, 2002), 165. “autoridade”. Destarte, alguém é batizado pela auto-
3
Louis Berkhof, Systematic Theology (Eerd- ridade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
mans, 1994), 88. 11
Grudem, 230.
4
Ibid. 12
Arthur W. Pink, Exposition of the Gospel of
5
G. A. F. Knight , A Biblical Approach to the John (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1945), 22.
Doctrine of the Trinity (Edinburgh, 1953), 20. 13
W. Poehlmann, “Morfê”, Exegetical Dictio-
6
Ibid. nary of the New Testament, 3 vols., eds. H. Balz e
7
Millard J. Erickson, Christian Theology (Grand G. Schneider (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1981),
Rapids, MI: Baker, 1983), 1:329. 2:443.
8
G. Ch. Aalders, Genesis (Grand Rapids, MI: 14
F. F. Bruce, Philippians, NIBC (Peabody, MA:
Zondervan, 1981), 300.
A Trindade nas Escrituras / 17
O debate adventista
sobre a Trindade
Jerry Moon, Ph.D.
Diretor do Departamento de História Eclesiástica do Seminário Teológico Adventista, Andrews
University, Berrien Springs, Michigan; editor da Andrews University Seminary Studies.
Resumo: Este artigo descreve o desen- importantes pontos de partida, ele preparou
volvimento da compreensão adventista da o cenário para que outros investigadores
doutrina da Trindade ao longo de mais de levem adiante sua obra.
um século e meio de história. O autor divide Desde então, vários autores têm aceita-
esse desenvolvimento em seis períodos, do aspectos destes dois grandes pontos de
nos quais são mencionadas as respectivas debate. Russell Holt, em 1969, baseado na
contribuições literárias mais significativas tese de Gane, adicionou outra significativa
sobre o assunto. Especial atenção também evidência concernente a Tiago White, J. N.
é dada à superação do antitrini-tarianismo Andrews, A. C. Bourdeau, D. T. Bourdeau,
inicial e ao ressurgimento contemporâneo R. F. Cottrell, A. T. Jones, W. W. Prescott, J.
desta teoria entre grupos dissidentes do Edson White e M. L. Andreasen. Concluin-
adventismo. do, Holt afirmou que até 1890 o “campo era
Abstract: This article describes de dominado por” antitrinitarianos; de 1890 a
development os the Seventh-day Adventist 1900, “o rumo da denominação foi decidido
understanding of the doctrine of the Trinity por declarações de Ellen G. White”, e durante
over more then a century and a half of his- o período de 1900 a 1930 morreram muitos
tory. The author divides that development dos principais antitrinitarianos, de sorte que
in six phases, in which the respective most por volta de 1931 o trinitarianismo “havia
important literary contributions on the triunfado e se tornado o ponto de vista oficial
subject are mentioned. Special attention denominacional.” Assim, Holt aproximou
is given to the supperation of early anti- a trajetória histórica da presente pesquisa,
Trinitarianism and its contemporary reape- embora o tamanho de sua tese não permitisse
arence among Adven-tist offshut groups. tratamento em profundidade.3
Dois anos depois, L. E. Froom, em
Introdução Moviment of Destiny, apresentou um início
mais antigo de trinitarianismo, afirmando
Quarenta anos se passaram desde que que E. J. Waggoner, já no ano de 1888, tinha
Erwin R. Gane demonstrou que a maioria se tornado essencialmente trinitariano ou,
dos líderes entre os primeiros adventistas no mínimo, “anti-ariano”, mas somente
do sétimo dia defendiam uma teologia por “súplica especial” poderia ele sustentar
antitrinitariana.1 Ele também apresentou este aspecto de sua hipótese.4 Contudo,
forte evidëncia para uma segunda hipótese: Moviment of Destiny apresenta um exame
que a co-fundadora Ellen G. White era uma mais detalhado das fontes primárias sobre
exceção à opinião da maioria. “Ela era”, trinitarianismo e antitrinitarianismo no
asseverou, “uma monoteísta trinitariana”.2 movimento adventista do que pode ser
Gane não tentou reconstruir a história da encontrado em qualquer outro lugar. Pela
mudança desde a rejeição até à aceitação magnitude, sua obra dá uma importante
do trinitarianismo, mas tratou amplamente contribuição para a história da teologia
da atuação de Ellen White na mudança adventista da Divindade.
teológica. Documentando, porém, dois
20 / Parousia - 2º semestre de 2005
Em 1996, Merlin Burt contribuiu com Merlin Burt. Entretanto, nenhum desses
detalhes e necessária profundidade para a lidam extensamente com os problemas
compreensão da doutrina na primeira me- trinitarianos durante a crise de Kellogg9 ou
tade do século vinte.5 Woodrow Whidden o período a partir de 1980.10
ampliou a discussão teológica sistemática
unindo os avanços em soteriologia e a nova Predominância antitrinitariana
abertura ao trinitarianismo durante a década
de 1888-1898.6 (1846-1888)
Todas estas contribuições basicamente De cerca de 1846 a 1888, a maioria dos
comprovam a tese original de Gane. Como adventistas rejeitava o conceito da Trindade
resultado, sua afirmação de que muitos – ao menos como eles o entendiam. Todos os
dos principais pioneiros do adventismo principais escritores foram antitrinitarianos,
do sétimo dia eram antitrinitarianos em embora a literatura contenha referências
sua teologia, tornou-se história adventista ocasionais a membros que mantinham opi-
aceita. Em 2003, porém, o significado dessa niões trinitarianas. Ambrose C. Spicer, pai
história para a fé e prática passou a ser mais de William Ambrose Spicer, Presidente da
calorosamente debatido do que nunca. Por Associação Geral, tinha sido um ministro
um lado, alguns adventistas têm envolvido batista do sétimo dia antes da sua conversão
o antitrinitarianismo dos pioneiros em uma ao Adventismo em 1874. Evidentemente, ele
teoria de conspiração ecumênica, alegan- continuou trinitariano, porque W. A. Spicer
do que os dirigentes adventistas traíram a relatou a A. W. Spalding que seu pai “ficou
“verdade” original por amor às relações tão ofendido ante a atmosfera antitrinitariana
públicas, como um meio de desfazer a ima- de Battle Creek que deixou de pregar.”11
gem sectária da denominação.7 Por outro S. B. Whitney tinha sido trinitariano, mas
lado, a questão sobre se a crença em Deus no processo de sua doutrinação como ad-
como uma Trindade é realmente bíblica ventista em 1861, tornou-se um convicto
recebe força adicional do fato de que alguns antitrinitariano. Sua experiência evidencia
teólogos contemporâneos da mais vasta que no mínimo alguns ministros ensinavam
comunidade protestante estão aceitando o antitrinitarianismo como um elemento es-
novamente o questionamento histórico do sencial da instrução dos novos conversos.12
trinitarianismo tradicional.8 R. F. Cottrell, por outro lado, escreveu na
Review que, embora ele não acreditasse na
A finalidade deste artigo é examinar o Trindade, jamais “tinha pregado contra ela”
processo de mudança na opinião adven- ou escrito anteriormente sobre isto.13 Uma
tista da Trindade, a fim de descobrir o que terceira partícula de evidência de que nem
motivou as alterações, e também se elas todos concordavam com o antitrinitaria-
resultaram de uma crescente compreensão nismo foi a observação de D. T. Bourdeau
bíblica ou se foram impulsionadas pelo em 1890: “Embora afirmemos ser crentes e
desejo de sermos vistos como ortodoxos adoradores de um só Deus, tenho pensado
pela mais ampla comunidade cristã. que há tantos deuses entre nós como exis-
O desenvolvimento da doutrina da tem concepções da Divindade.”14
Divindade no adventismo do sétimo dia Aqueles que rejeitavam a doutrina tradi-
pode ser dividido em seis períodos: (1) Pre- cional da Trindade dos credos cristãos eram
dominância antitrinitariana (1846-1888); crentes sinceros no testemunho bíblico
(2) Insatisfação com o antitrinitarianismo concernente à eternidade de Deus o Pai, à
(1888-1898); (3) Mudança de paradigma divindade de Jesus Cristo “como Criador,
(1898-1913); (4) Declínio do antitrinita- Redentor e Mediador” e à “importância do
rianismo (1913-1946); (5) Predominância Espírito Santo.”15 Conquanto alguns, muito
trinitariana (1946-1980); e Tensões renova- cedo na história adventista, sustentassem
das (1980 até o presente). Os três primeiros que Cristo fora criado,16 era amplamente
períodos foram discutidos por Gane, Holt aceito por volta de 1888 que Ele tinha
e Froom, e o período de 1888-1957, por preexistido “em tempos tão remotos nos
O debate adventista sobre a Trindade / 21
dias da eternidade que para a compreensão adventistas para a rejeição da Trindade era a
finita Ele era “praticamente sem princípio”. concepção errônea que tornava o Pai e o Fi-
Seja qual for o princípio que possa estar lho idênticos. Já notamos o testemunho de
envolvido, não foi por “criação”.17 Além Bates: “Com respeito à Trindade, concluí
disso, eles não estavam inicialmente con- que me era impossível crer que o Senhor
victos de que o Espírito Santo fosse uma Jesus Cristo, o Filho do Pai, era também o
Pessoa divina individual e não meramente Deus Todo-poderoso, o Pai, um e o mesmo
uma expressão para a presença, poder ou ser.”22 D. W. Hull, J. N. Loughborough, S.
influência divina. B. Whitney e D. M Canright partilhavam
desta opinião.23 O conceito de que o Pai e
“Com respeito à trindade, concluí que o Filho são idênticos aproxima-se de uma
me era impossível crer que o Senhor Jesus antiga heresia chamada Monarquianismo
Cristo, o Filho do Pai, fosse também o Deus Modalista, ou Sabelianismo (de Sabélio,
Todo-poderoso, o Pai, um e o mesmo ser”, um dos seus proponentes do terceiro sé-
escreveu José Bates concernentemente à culo). Os modalistas “afirmavam que na
sua conversão em 1827. Disse ele ao seu Divindade a única diferenciação era uma
pai: “Se você puder me convencer de que mera sucessão de modos ou operações.” Os
somos um neste sentido, de que você é meu modalistas negavam a triunidade de Deus e
pai, e eu seu filho; e também que eu sou seu asseveravam que Pai, Filho e Espírito Santo
pai, e você meu filho, então eu posso crer não são personalidades separadas.24
na trindade.” Por causa desta diferença,
ele preferiu unir-se à Conexão Cristã em Uma terceira e oposta objeção à doutri-
vez de à Igreja Congregacional de seus na da Trindade baseava-se na compreensão
pais.18 Alguém poderia ser tentado a des- equivocada de que ela ensina a existência
cartar a afirmação de Bates como simples de três Deuses. “Se Pai, Filho e Espírito
ignorância do significado de Trindade, mas Santo são cada um de per si Deus, seriam
havia então, e permanece ainda hoje, uma três Deuses”, escreveu Loughborough em
variedade de pontos de vista reivindicando 1861.25
o termo “Trindade”. Cottrell observou em
1869 que havia “uma multidão de opiniões” Uma quarta opinião era que a crença na
sobre a Trindade, “todas elas ortodoxas, eu Trindade diminuiria o valor da expiação.26
suponho, desde que havia um assentimento Eles arrazoavam que como “o Deus sempre
nominal à doutrina.”19 vivo e auto-existente” não pode morrer,
então se Cristo tivesse existência própria
Os primeiros adventistas apresentavam como Deus, Ele não poderia ter morrido
no mínimo seis motivos para sua rejeição do no Calvário. Se apenas a humanidade
termo “Trindade”. O primeiro era que eles morreu, então Seu sacrifício era meramente
não viam evidência bíblica para três pessoas um sacrifício humano, inadequado para a
em uma Divindade. Isto não era uma nova redenção.27 Destarte, a fim de proteger a
objeção.20 Em sua forma mais simples, o realidade de Sua morte na cruz, os primei-
conceito de Trindade é o resultado de afir- ros adventistas achavam que eles tinham
mar, pela autoridade das Escrituras, tanto a de negar que Cristo, em Sua preexistência,
“unidade” quanto a “triunidade” de Deus, a possuía divina imortalidade. Conquanto
despeito da incapacidade humana de com- este raciocínio pudesse ter parecido lógico
preender plenamente a Realidade pessoal e a alguns, suas premissas básicas foram
divina para a qual esses termos apontam. A terminantemente rejeitadas por Ellen White
maneira como isto pode ser explicado tem em 1897. Ela declarou que quando Jesus
sido o objeto de muita reflexão e especu- morreu na cruz, “a divindade não morreu.
lação através dos séculos. A influência da A humanidade morreu.”28 Sua influência
filosofia grega sobre o desenvolvimento sobre os leitores adventistas, e a confiança
doutrinal da história cristã primitiva e me- destes na fonte de sua informação era tal
dieval é bem conhecido.21 que as implicações de tal pronunciamen-
to não podiam ser ignoradas, dando aos
O segundo motivo dado pelos primeiros
22 / Parousia - 2º semestre de 2005
eruditos adventistas mais um motivo para 10:17]; Ele possui imortalidade inerente a
reavaliar seu paradigma básico concernente Si mesmo.” Waggoner insistiu na “Divina
à Divindade. unidade do Pai e do Filho” e afirmou que
Cristo é “por natureza, da própria substân-
Quinto, o fato de que Cristo é chamado
cia de Deus, e tendo vida em Si mesmo,
“Filho de Deus” e “o princípio da criação de
Ele é adequadamente chamado Jeová, o
Deus” (Ap 3:14) era cogitado para provar
Deus vivo” (Jr 23:36), “que está em uma
que Ele devia ser de origem mais recente
igualdade com Deus (Fp 2:6, ARV), “tendo
do que Deus o Pai.29
todos os atributos de Deus.”34. Waggoner
Sexto, argumentava-se que “há várias não era ainda plenamente trinitariano, mas
expressões concernentes ao Espírito San- ele via claramente que uma concepção mais
to que indicavam que ele [sic] não podia exaltada da obra de redenção realizada por
adequadamente ser considerado como uma Cristo exigia uma concepção mais alta do
pessoa, tais como sendo ‘derramado’ no Seu ser como Divindade. “O fato de que
coração [Rm 5:5], e ‘derramarei sobre toda Cristo é uma parte da Deidade, possuindo
a carne’ [Jl 2:28].”30 Estes argumentos, po- todos os atributos da Divindade, sendo
rém, dependiam de dar uma interpretação igual ao Pai em todos os aspectos, como
muito literal a expressões que podiam tam- Criador e Legislador, é a única força que
bém ser vistas como figuras de linguagem. há na expiação... Cristo morreu ‘para levar-
Estes argumentos faziam sentido dentro de nos a Deus’ (1Pe 3:18); mas se Lhe faltava
um paradigma totalmente antitrinitariano, um jota de ser igual a Deus, não poderia
mas quando esse paradigma foi posto em levar-nos a Ele.”35 A força deste raciocínio
dúvida, estes pontos foram reconhecidos leva inevitavelmente ao reconhecimento
como sendo capazes de se ajustarem a uma da plena igualdade de Cristo também em
ou outra interpretação. preexistência.
Nenhum destes é uma objeção válida ao Desse modo, a dinâmica da justiça pela
conceito básico trinitariano de um Deus em fé e suas conseqüências para a doutrina
três Pessoas.31 No entanto, todos eles eram de Deus provê o contexto histórico para o
baseados em textos bíblicos. Finalmente os provocante comentário de D. T. Bourdeau
adventistas mudaram seu ponto de vista da de que “embora afirmemos ser crentes e
Divindade porque chegaram a uma compre- adoradores de um só Deus, tenho pensa-
ensão diferente dos textos bíblicos. do que há tantos deuses entre nós como
existem concepções da Divindade.” 36 Tal
Insatisfação com o antitrinitaria- observação de um evangelista e missio-
nário altamente respeitado parece indicar
nismo (1888-1898)
que a confiança coletiva no paradigma
O enfoque em “Cristo nossa justiça”, antitrinitariano estava mostrando algumas
dado pela sessão da Conferência Geral de rupturas. Outra evidência de que isto era
1888, e a conseqüente exaltação da cruz de assim apareceu dois anos depois, em 1892,
Cristo, pôs seriamente em dúvida se uma quando a Pacific Press publicou um pan-
divindade derivada, subordinada, podia fleto intitulado The Bible Doctrine of the
adequadamente esclarecer o poder salvador Trinity (A Doutrina Bíblica da Trindade),
de Cristo. E. J. Waggoner insistiu na neces- de Samuel T. Spear. O panfleto corrigia
sidade de “apresentar a legítima posição de dois conceitos equivocados prevalecentes
Cristo em igualdade com o Pai, a fim de que da doutrina da Trindade, mostrando que
Seu poder para redimir pudesse ser melhor ela “não é um sistema de triteísmo, ou a
apreciado.”32 Conquanto por volta de 1890 doutrina de três Deuses, mas é a doutrina
Waggoner ainda não tivesse compreen- de um Deus subsistindo e agindo em três
dido plenamente a infinitamente eterna pessoas, com a qualificação de que o termo
preexistência de Cristo,33 ele argumentava ‘pessoa’... quando usado nesta relação,
convincentemente que Cristo não era cria- não deve ser compreendido em qualquer
do, que “Ele tem ‘vida em Si mesmo’ [Jo sentido que o tornaria incompatível com a
O debate adventista sobre a Trindade / 23
Trindade:
um dogma de Constantino?
Rodrio P. Silva, doutor em Teologia
Professor de Novo Testamento no Salt, Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP
se sujeitavam. Por que, então, no caso da encontrar neste período inicial nenhuma
Trindade, dependeria do apoio episcopal da defesa à idéia de um Deus Triúno. Pelo
Igreja? Bastava-lhe um anúncio imperial e contrário, o ensinamento da época deverá
o dogma estaria oficializado. Esta questão ser bem diferente, afirmando que Cristo é
não parece ter sido avaliada por nenhum apenas um segundo ser existente depois
dos artigos até agora apresentados. do Pai, e o Espírito Santo uma emanação
impessoal de ambos.
Seguindo no mesmo viés de Meier e do
“irmão X”, Ricardo Nicotra também advo- Em seguida a este excurso pelos Pais
ga que este período de “paganização” [sic] da Igreja, apresentaremos brevemente uma
do cristianismo foi o berço da trindade, e análise dos elementos que motivaram o
ainda acentua que é “importante lembrar Sínodo Niceno. É importante verificar qual
que o Concílio de Nicéia não estabeleceu a real atuação de Constantino em todo o
apenas os fundamentos para a doutrina da processo. Ademais, um balanço desapaixo-
Trindade. Outras decisões foram tomadas nado do evento revelará que conseqüências,
pelos bispos da igreja católica em 325.”7 de fato, Nicéia trouxe para a Igreja, pois,
Estas decisões, conforme exemplifica o pelo que se percebe nalguns autores, há a
autor, envolviam a transferência do dia tendência de se atribuir ao encontro ele-
de descanso semanal do sábado para o mentos de apostasia que não fizeram parte
domingo. de sua pauta.9
Não se trata, portanto, de um artigo
Embora este último autor, citando uma
bíblico-exegético, mas de uma pesquisa
fonte da Internet (Wikipedia), cometa um
de cunho histórico. Logo, não se deve es-
erro de natureza histórica ao vincular o
tranhar a ausência de textos bíblicos neste
domingo a Nicéia – pois é sabido que o
estudo. As bases bíblicas da Trindade são
decreto dominical de Constantino data de
apresentadas noutros artigos e se mostram
quatro anos antes do Concílio (321 d.C.)8
excelentes. A discordância de alguns
– sua conclusão deve ser analisada para ser
não autoriza concluir que tais bases não
bem compreendida. Para ele, uma vez que
existam. Afinal, muitos também negam a
Constantino convocou a reunião, conclui-
validade do sábado no Novo Testamento,
se que o mesmo homem que promulgou a
embora os adventistas há mais de um sécu-
primeira lei dominical foi o “pai do dogma
lo venham evidenciando a solidez bíblica
da Trindade”. Isto, é claro, deduzindo como
deste ensinamento.
certa a idéia de que tal doutrina teria seu
início em Nicéia. Se for assim, a crença em
um Deus Triúno seria tão herética quanto a Pais da Igreja
guarda do domingo, pois viriam da mesma Em relação ao recurso que se faz
fonte apóstata. aos Pais da Igreja que viveram antes de
Nicéia,10 percebe-se que existe uma apro-
O objetivo, portanto, deste artigo é ximação por demais piedosa por parte de
avaliar a procedência histórica de tal afir- autores católicos e outra mais cautelosa
mação. Ou seja, seria a Trindade um dogma por parte de autores protestantes. É que o
de Constantino? Suas origens se devem ao catolicismo sempre aceitou a tradição pós-
Concílio de Nicéia? bíblica como legítima fonte de doutrinas,11
Para responder a estas perguntas, é ne- o que eleva os Pais da Igreja à categoria de
cessário que recorramos aos escritos dos “ autores inspirados”, cuja função norte-
primeiros pensadores cristãos que viveram adora era a mesma atribuída aos escritores
entre o segundo e o terceiro século, isto é, bíblicos.12 Já o protestantismo com seu
imediatamente depois do período apostóli- ideal de sola scriptura preferiu ver nos es-
co e antes do Concílio. A lógica é simples: critos dos Pais apenas uma loca probantia
se o argumento antitrinitariano estiver da teologia sistemática, ou seja, estudá-los
certo, ou seja, se a Trindade é mesmo uma como testemunhas históricas do comporta-
doutrina constantiniana, não devemos mento progressivo de uma doutrina através
Trindade: um dogma de Constantino? / 33
dos tempos e não como fonte autoritativa continua sendo a Bíblia. Quaisquer escritos
de uma crença.13 posteriores servirão apenas para facilitar a
compreensão do que está no Santo Livro e
Com estes elementos em mente, é impor-
não para produzir novas crenças.
tante desdobrar alguns esclarecimentos em
relação às citações patrísticas que, a seguir, 5) O valor testemunhal destes escritores
serão feitas. Uma abordagem adventista des- está representado profeticamente na carta
tes escritores compreenderá que: apocalíptica à Igreja de Esmirna (Ap 2:8-11),
pois foi neste período que eles viveram.
1) Os Pais da Igreja testemunham o
Note que nenhuma repreensão é apresenta-
modo como o cristianismo primitivo, antes
da em relação aos cristãos daquele tempo.
de sofrer qualquer influência do catolicismo
Pelo contrário, sua fé é elogiada com muito
medieval, entendia certas passagens das
vigor, pois muitos deles tiveram que assinar
Escrituras. Assim, podem oferecer uma
seu testemunho com o próprio sangue de
visão mais desanuviada das doutrinas apos-
seu martírio.
tólicas, pois alguns deles, como Clemente
de Roma e Policarpo, conheceram pessoal- 6) É importante repetir que o proposto
mente os apóstolos e receberam aprovação neste artigo não é endossar indiscrimi-
destes como líderes da Igreja. nadamente toda doutrina dos Pais da Igreja,
mas verificar, pelo seu testemunho, se a
2) Embora não se possa dizer que hou-
Trindade era crida na Igreja pré-nicena ou
vesse uma perfeita “unanimidade de pen-
se, como dizem alguns, seria fruto apenas
samento” neste período, é possível afirmar
do Concílio ocorrido no quarto século.
que eles já tinham bem nítida a diferença
entre ensino apostólico (ortodoxia) 14 e
os movimentos heréticos, especialmente Trindade antes de Nicéia
aqueles oriundos de Marcion e do gnosti-
cismo.15 Elementos básicos da fé como a Uso do termo “Trindade”
filiação divina de Cristo, sua encarnação, o
juízo final e outros já estavam firmemente Uma verificação no index geral da Ante-
estabelecidos desde os tempos antigos. Nicene Fathers e da Sources Chrétiennes17
que formam a coleção de todos os escritores
3) Devido ao caráter historicamente
cristãos mais antigos (inclusive os anterio-
inicial de seus tratados, é importante que
res a Nicéia) nos mostra que muito antes
o leitor não busque em seus argumentos a
do Concílio, a crença na Trindade já havia
nomenclatura teológica própria dos tem-
sido sistematizada entre os cristãos. Aliás,
pos pós-nicenos. Termos que mais tarde
o próprio termo latino “Trindade” foi usado
passaram a ser técnicos na teologia não
em 212 d.C. por Tertuliano, 113 anos antes
possuíam ainda aquele tratamento unânime
de Nicéia! Falando da Igreja de Deus, ele
e cuidadoso que se exigirá de um tratado
menciona o Espírito “no qual está a Trinda-
teológico contemporâneo. Hypostasis, por
de de uma Divindade: Pai, Filho e Espírito
exemplo, era um termo usado por alguns
Santo” (in quo est trinitas unius diuinitatis,
escritores para referir-se à pessoa, enquanto
Pater et Filius et Spiritus sanctus)18 .
outros o empregavam como sinônimo de
substância.16 O mesmo se dá com seus con- A tradução latina da obra de Orígenes
ceitos que por estarem numa sistematização também menciona o termo ao considerar
inicial não abarcarão todos os detalhes de que “o batismo de salvação não está com-
uma discussão que lhes é posterior. pleto a não ser [que seja exercido] pela au-
toridade da excelentíssima Trindade de to-
4) A despeito de seu grande valor tes-
dos eles, que é constituída do Pai, do Filho
temunhal, os Pais da Igreja não devem
e do Espírito Santo. Assim, temos ajuntado
ser usados como fonte de doutrina. Na
o nome do Espírito Santo ao Deus eterno
verdade nenhum deles reclamou para si
e ao seu único Filho”.19 Tal comentário
inspiração divina ou se declarou profeta.
torna-se relevante se entendermos que,
A fonte básica e única da fé cristã era e
talvez já nesse tempo, houvesse alguma
34 / Parousia - 2º semestre de 2005
o arianismo porque estes, certamente, ti- só Senhor Jesus cristo, o Filho de Deus gerado pelo
nham mais recursos políticos que Atanásio Pai, unigênito, isto é, da substância do Pai, Deus
e Alexandre. Tanto o é que, embora os de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus
arianos fossem derrotados no Concílio, verdadeiro, gerado não feito, de uma só substância
com o Pai, pelo qual foram feitas todas as coisas,
os partidários de Eusébio de Nicomédia
as que estão no céu e as que estão na Terra; o qual,
empreenderam uma verdadeira campanha, por nós homens e por nossa salvação, desceu, e se
após Nicéia, para derrotar Atanásio e res- encarnou e se fez homem e sofreu e ressuscitou ao
taurar Ário ao poder. terceiro dia, subiu ao céu, e novamente deve vir e
O mais surpreendente é que, protegido no Espírito Santo.
pelo imperador, Ário começou, de fato, a
reconquistar seu poder que perdera e a in- Segue-se a esta confissão os juízos
fluenciar a política da igreja. Eusébio, por emitidos em relação a alguns ensinos
sua vez, convenceu Constantino a enviar heréticos:
Atanásio para o desterro e recolocar Ário E a quantos dizem: “Ele era quando não era” e
em seu lugar como bispo de Alexandria – o “antes de nascer, Ele não era” ou que “foi feito do
que quase aconteceu, não fosse o faleci- não existente”; bem como a quantos alegam ser o
mento de Ário na noite anterior à cerimônia Filho de Deus “de outra substância ou essência” ou
de sua investidura, em 336 d.C. Assim, o “feito” ou “mutável” ou “alterável” a todos estes a
igreja católica e apostólica anatematiza.43
plano era que o imperador convocasse um
novo Concílio corrigindo Nicéia e desse
ganho de causa aos arianos. Conclusão
Sob tais circunstâncias, a fé trinitária Como se vê, a despeito das insatisfações
parecia, se não oficialmente renegada, de alguns, prevaleceu em Nicéia a idéia
praticamente condenada, principalmen- de formular um texto enxuto, sem muitas
te depois que Constantino declarou seu explicações e que agradasse ao máximo a
desejo de ser batizado por Eusébio de todas as correntes. Se houve, portanto, uma
Nicomédia num ritual antitrinitariano. A atmosfera política por detrás do documento
chamada fé nicena só não chegou ao fim, conciliar, esta foi a da neutralidade – des-
porque Constantino acabou morrendo em viar a questão para evitar mais divisões.
22 de maio de 337, poucos dias depois Constantino, é bom lembrar, havia acabado
de ser batizado. de vencer Licínio na luta pelo poder e sua
Dois últimos aspectos ainda precisam prioridade era manter o império unido. Um
ser esclarecidos: a grande discussão do cisma no cristianismo não seria bem-vindo
Concílio de Nicéia não era a Trindade em naquele contexto. Daí o tom neutro sobre
primeiro lugar, mas a natureza de Cristo um assunto que, em princípio, geraria mui-
em relação ao Pai. Foi somente no credo tas controvérsias.
de Atanásio, produzido posteriormente, que No fim das reuniões, restou aos arianos
o assunto “Trindade” apareceu de modo o incômodo maior, pois, apesar das tenta-
mais claro. Além disto, é importante notar tivas de neutralidade, o documento acabou
que o credo niceno não diz nada quanto ecoando uma antiga tradição apostólica que
ao Espírito Santo ser ou não uma pessoa. apresentava a Cristo como consubstancial
A literatura antitrinitária se confunde na ao Pai. E o mais curioso é que Eusébio e a
seqüência histórica apresentando como maioria dos arianos assinaram o documento
“Credo Ciceno” o que na verdade seria o em concórdia com seu conteúdo. Apenas
Credo Niceno-Constantinopolitano de 381, Ário e dois amigos se recusaram a fazê-lo.
proclamado depois da morte de Constan-
tino.42 O sentido exato destas assinaturas é
difícil precisar. Contudo, vê-se como infun-
A Confissão Nicena de 325 se apresenta dada a declaração de que Constantino seria
da seguinte maneira: o Pai da doutrina trinitária usada para atrair
Cremos em um só Deus, Pai onipotente, cria- o politeísmo para a Igreja. Pelo contrário,
dor de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um
38 / Parousia - 2º semestre de 2005
Rees Flora, A Critical Analysis of Walter Bauer’s veja Ch. Monier, Où en est la question d’Ignace
Theory of Early Christian Orthodoxy and Heresy, d’Antioche? Bilan d’un siècle de recherches 1870-
PhD Dissertation (Louisville: Southern Baptist 1988, in Aufstieg und Niedergang der römischen Welt
Theological Seminary, 1972). [Hildergard Temporini e W. Haase, organizadores]
16
Compare, por exemplo, o uso do termo em (Berlim e Nova Iorque: Walter de Gruyter & Co.,
Dionísio de Alexandria (Fragmentos extensos V, 15) 1993), II. 27.1, 359-484.
e Dionísio de Roma (Contra os sabelianos 1). 25
Justino, I Apologia, VI.
17
A. Roberts., e J. Donaldson, [eds] Ante-Nicene 26
Atenágoras, Súplica pelos Cristãos, X.
Fathers (New York: Charles Scribner’s Sons, 1913), 27
Idem, XI.
esta coleção antiga traz uma tradução em inglês dos 28
Idem, XXIII
textos patrísticos. H. Lubac, J. Danielou, et. alli, 29
Ireneu, Contra Heresias, V, XI, 2
Sources Chrétiennes (Paris: les édition du Cerf, 30
Idem, IV, XX, 2 e 3.
1941), esta é a mais importante coleção de textos 31
Hipólito: Fragmentos de Comentários, 10
dos Pais da Igreja. Ela traz o texto original em (ANF, vol. V, 174.)
grego, latim, copta etc. ladeado de uma tradução 32
Hipólito, Contra Noeto, 14.
para o francês. Além disto apresenta as variantes 33
W. Walker, História da Igreja Cristã (Rio de
que possam existir entre um e outro manuscrito. Janeiro: JUERP/ASTE, 1980), 105.
Salvo indicações em contrário, vamos seguir aqui a 34
Cipriano, Epístolas, LXXII, 5.
numeração da Ante Nicene Fathers. 35
Idem.
18
Tertuliano, Sobre a Modéstia, XXI. 36
Bárbara Aland, et. alli., [eds], The Greek
19
Orígenes, Dos Princípios, I, 3,2. O original New Testament, Forth Revised Edition (Stutgart:
grego perdeu-se; o que nos resta são pequenas Deutsche Bibelgesellschaft /United Bible Societies,
citações e uma tradução latina feita por Rufino. 2001), 819.
Assim, é possível que Orígenes tenha utilizado o 37
Cipriano, Tratados, I, 6
termo TriadoV que veremos nos textos de Teófilo 38
E. G. White, Ibid., p. 580.
de Antioquia. 39
Idem, p. 56.
20
Teófilo, A Autólico, XV 40
Bernard Lohse, A Fé Cristã Através dos Tem-
21
Clemente, I Epístola aos Coríntios, XLVI. pos (São Leopoldo, RS: Sinodal, 1981), 57.
22
Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, 41
Uma reprodução da carta de Constantino pode
III, 36, 5-11. ser encontrada em Eusébio de Cesaréia, Vida de
23
Inácio, Epístola aos Tralianos, VII, (recensão Constantino, II, 64-72.
curta). 42
Um exemplo está no livro de Ricardo Nicotra,
24
Idem, (recensão longa). Para uma revisão bi- 88.
bliográfica do debate acerca das recensões textuais 43
O texto original em grego com uma antiga
de Inácio, com acentuada defesa da recensão longa, versão latina encontra-se em Henrique Dezinger e
Clemente Bannwart, Enchiridion Symbolorum – de-
finitionum et declarationum de rebus fidei et morum
Friburgo: Herder and Co., 1922, , p. 29 [credo 54].
41
Resumo: O Espírito Santo é revelado do Filho, o Pai, fazendo com que a reve-
nas Escrituras como uma Pessoa divina lação de ambos se efetive na consciência
semelhante ao Pai e ao Filho e, ao mesmo humana. Que exemplo de abnegação!
tempo, distinta de ambos. Mas grupos No quarto Evangelho, o Espírito executa
dissidentes do adventismo insistem que o pelo menos sete atividades, todas em exal-
Espírito Santo não passa de mera energia tação a Jesus:
despesonalizada proveniente de Deus. Em
resposta a essa teoria, o presente artigo (1) Ensinar, e
provê um estudo bíblico-exegético sobre a (2) Fazer lembrar tudo o que Jesus
natureza da terceira Pessoa da Divindade. disse - João 14:26
O autor também procura restaurar o sentido
original de algumas citações dos escritos (3) Dar testemunho de Jesus – João
de Ellen G. White distorcidas pelos anti- 15:26
trinitarianos. (4) Convencer do pecado, porque o
Abstract: The Holy Spirit is revealed mundo não crê em Jesus; da justiça, porque
in the Scriptures as a divine Person like the Ele foi para o Pai; e do juízo, porque Sata-
Father and the Son but, at the same time, nás foi julgado e derrotado – João 16:8
distinct to both. However, Adventist offshut (5) Guiar a toda a verdade, e Jesus é a
groups insist that the Holy Spirit is only a verdade (14:6) – João 16:13
mere despersonalized energy from God. In
response to this theory, the present article (6) Declarar ou anunciar o que Jesus,
provides a biblical-exegetical study on the da parte do Pai, Lhe entrega – João 16:13,
third Person of the Godhead. The author 14, 15
also tries to restaure the original meaning (7) Glorificar a Jesus – João 16:14
of some quotations from the writings of
O Apocalipse refere-se a Ele como os sete
Ellen G. White that have being distorted
Espíritos de Deus (Ap 1:4, 5; 4:5). Sete é o
by anti-Trinitarians.
número da plenitude. O Espírito alcança a ple-
nitude nesta atividade cristocêntrica sétupla.
Introdução
Isso é tão fundamental para o plano da
Dos membros da Trindade, o terceiro redenção, que, sem o operar do Espírito, se-
é Aquele de Quem há menos informações ria como se Jesus nunca tivesse encarnado
objetivas, precisas, que definam o seu e Deus nunca tivesse Se manifestado. Ele
próprio Ser. O Filho Se tornou um de nós. habilita o homem a entender a salvação e
Sua manifestação foi visível, material, em responder positivamente a ela. Sem Ele,
nosso nível. O Pai foi por Ele revelado. Mas a Igreja não poderia cumprir Sua missão
o Espírito permanece um tanto imperceptí- e estaríamos fadados a permanecer neste
vel, à parte, despretensioso, operando sem mundo indefinidamente.
autoprojeção, não Se impondo, não falando
“de Si mesmo” (Jo 16:13). E no próprio ato
do desprendimento, Ele cumpre a divina
Objeto de especulação
obra que O faz conhecido. É parte de Sua Talvez o fato de existir pouca informação
glória exaltar e glorificar o Filho e, através sobre o Espírito Santo faça com que uma
42 / Parousia - 2º semestre de 2005
conceituação sobre Ele se torne mais sus- bulosa influência imanente do Pai. Não é algo
ceptível de especulação. Nos dias de Ellen impessoal, vagamente reconhecido, apenas um
G. White havia aqueles que afirmavam que invisível princípio de vida... Jesus foi a personali-
o Espírito era uma “luz derramada” e “uma dade mais influente e marcante neste velho mundo,
e o Espírito Santo foi designado para preencher
chuva caída”. Ela considerou essas idéias
Sua vaga. Nada a não ser uma Pessoa poderia
como de cunho espiritualista, ou espiritista, substituir Aquela maravilhosa Pessoa. Nenhuma
e as condenou por rebaixarem a Deus.1 simples influência seria suficiente.”4
Igualmente afrontoso é tomá-Lo por
criatura. Há os que acreditam que Ele e Para substituir uma Pessoa maravilhosa
Gabriel se equivalem. A inspiração nega só outra Pessoa maravilhosa.
isso fazendo clara distinção entre ambos
no registro das palavras deste anjo a Maria: Espírito de Deus, Espírito de Cris-
“Descerá sobre ti o Espírito Santo...” (Lc to, e o gênero neutro de Pneuma
1:35). Gabriel não poderia estar falando de
si mesmo. E Ellen G. White assegura que o Dissidentes se valem do fato de a Bíblia
seguidor de Jesus pode sentir-se confiante identificar o Espírito Santo como Espírito de
e seguro no conflito “contra as hostes es- Deus ou de Cristo (1Jo 4:2; 1Co 3:16; Gl 4:6;
pirituais da maldade”, porque “mais que 1Pe 1:11, entre outros textos), para afirmar
anjos estão nas fileiras. O Espírito Santo, que o Espírito Santo é algo inerente a Deus,
o representante do Capitão do exército do tal como a Sua energia, virtude, fôlego,
Senhor, desce para dirigir a batalha.”2 Re- glória, etc., e que, portanto, ao ser enviado,
baixar o Espírito Santo à categoria de anjo “parte de dentro (do interior) do Pai”.5
é, na realidade, minimizar a Deus, algo Ricardo Nicotra e Jairo de Carvalho,
muito a gosto de Satanás. como exemplos, presumem que o verbo
Outra forma especulativa no tratamento ekporeúomai, empregado em João 15:26
de tão sublime tema é despojar o Espírito (um dos textos que registram a promessa
de Sua personalidade. Entre os que negam do envio do Espírito), e vertido como “pro-
a Trindade, é comum a afirmação de que ceder” na Almeida Revista e Atualizada,
Ele é apenas uma influência ou energia – significa originalmente sair, ou partir, ou
o poder de Deus. Esta idéia é tão antiga vir de dentro de, do interior de.6 Não se
quanto o século terceiro, quando Paulo de sabe de onde eles copiaram esta idéia, mas
Samosata, monarquista/adocionista e bispo o que temos aqui é uma dedução apressada
de Antioquia entre 260 e 272, a difundiu. e temerária. Quando tão somente ekpore-
No tempo da Reforma, Lélio Socino e seu úomai é registrado, não é feita referência
sobrinho Fausto, ambos antitrinitaristas, ao ponto de partida do movimento que ele
propagaram a teoria. expressa; nesse aspecto, o verbo significa
simplesmente sair, partir, encaminhar-se,
Não há como negar que este conceito re- conduzir-se, proceder, etc. (no sentido de
baixa o valor do Espírito Santo para a Igreja. ida e de vinda), tal como aparece em algu-
L. E. Froom a isto se refere quando afirma que mas passagens, como Lucas 3:7, que fala
negar a personalidade do Espírito não é de multidões que “saíam para serem batiza-
mera questão técnica, acadêmica ou simplesmente das” (saíam de onde?), ou Atos 9:28, infor-
teórica. É de suprema importância e do mais eleva- mando que, estando Paulo em Jerusalám,
do valor prático. Se Ele é uma Pessoa divina e O entrava e saía com toda a liberdade (entrava
consideramos como influência impessoal, estamos e saía sem sair de Jerusalém, isto é, ele se
roubando desta Pessoa divina a deferência, honra e movimentava livremente na cidade).
amor que Lhe são devidos. E mais: Se o Espírito é
mera influência ou poder, podemos então procurar Às vezes, o sentido de procedência de
apropriar-nos dEle e usá-Lo.3 ekporeúomai está implícito, mas normal-
mente ele é dependente da preposição que
Continua Froom: rege o ponto de origem explícito na frase.
Não, o Espírito Santo não é uma tênue, ne- Por esta razão, é totalmente supérfluo se
Uma pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo / 43
valer de outros textos em que este verbo é Assim, a preposição é importante para
empregado aparentemente com o signifi- se estabelecer o ponto de origem do mo-
cado aludido pelos dissidentes, se, nesses vimento expressado por ekporeúomai. Em
textos, a preposição é distintamente outra. João 15:26, a preposição é pará, também
Três exemplos alegados por Nicotra, com “de, desde”, mas com a acepção de posi-
as referidas preposições aqui italizadas, são ção, colocação, etc. (cf. à nossa palavra
como seguem: paralelo). Segundo Robertson, uma das
maiores autoridades no estudo do koiné, o
(1) “Nem só de pão viverá o homem,
grego popular do Novo Testamento, pará
mas de toda a palavra que procede da boca
significa “ao lado de”, “junto com”.10 Em
de Deus” (Mt 4:4);
outras palavras, o Espírito Santo procede de
(2) “O que sai do homem, isso é o que onde o Pai está, não do íntimo dEle.
o contamina” (Mc 7:20); e
Assim, o verbo ekporeúomai, para ter
(3) “Então vi sair da boca do dragão, da o significado requerido por Nicotra e Car-
boca da besta...” (Ap 16:13).7 valho na aplicação que fazem ao Espírito
O original de (3) não consigna verbo Santo, teria que, no mínimo, estar ligado
algum, e é levado em conta apenas na à preposição ek, ou, então, apó, como na
pretensão do dissidente, razão porque construção “saía de Jericó” em Marcos
desconsideramos esse exemplo. Obser- 10:46. E este não é o caso em João 15:26.
vamos, então, que em (1), a preposição Portanto, a fórmula “Espírito de Deus”,
é diá cujo sentido principal é através de; ou “de Cristo”, indica procedência e não
qualquer palavra, normalmente, é emitida inerência, e implica que a obra do Espírito
através da boca, daí procedendo. Alegar Santo é executada em subordinação ao Pai
que antes que uma palavra seja dita ela se e ao Filho. Parte desta obra é a represen-
formulou na mente, o que pode até ser um tação vicária de Ambos neste mundo. De
fato,8 e que, portanto, significa “sair de fato, Jesus prometeu aos discípulos que,
dentro”, é impor ao verbo um sentido que juntamente com o Pai, retornaria para eles
ele, por si só, não reúne. É a preposição que na pessoa do Espírito Santo (Jo 14:16-18,
se liga ao ponto de onde parte o movimento 23).
que poderá dar esse significado.9
Outro expediente utilizado pelos que
Por exemplo, em (2), a preposição é ek, rejeitam a personalidade do Espírito Santo
“de, desde”, e pode implicar o sentido “de é o gênero neutro do grego pneuma, espíri-
dentro de”, como o emprego de ésôten, “de to. “A Bíblia não empregaria uma palavra
dentro”, em Marcos 7:21 e 23 demonstra. neutra para identificar uma personalidade,”
Dizemos que pode, porque nem sempre é dizem. Contra esta hipótese se verifica que
isto o que ocorre, ainda que seja empregada o termo é usado em referência a entidades
a preposição ek. Exemplos: “Do trono [ek reconhecidamente pessoais. “São todos eles
tou thrónou] saem relâmpagos, vozes tro- espíritos ministradores...”, afirma o escritor
vões...” (Ap 4:5), e “rio da água da vida... sagrado acerca dos anjos (Hb 1:14).
que sai do trono [ek tou thrónou] de Deus”
(22:1) não significam necessariamente que
os relâmpagos, vozes, trovões e o rio saem Especulação na ordem do dia
de dentro do trono. Condenando as especulações, o Espírito
Ademais, se o sentido original de ek- de Profecia adverte: “A natureza do Espírito
poreúomai fosse mesmo “vir de dentro”, Santo é um mistério. Os homens não a podem
como querem os dissidentes, seria uma des- explicar, porque o Senhor não revelou. Com
necessária redundância Marcos 7:21 e 23 fantasiosos pontos de vista, pode-se reunir
registrar ésôthen ekporeúetai, “procedem passagens das Escrituras e dar-lhes um signi-
de dentro”; seria o mesmo que dizer em ficado humano; mas a aceitação desses pontos
português: sair para fora, entrar para dentro, de vista não fortalecerá a Igreja. Com relação
subir para cima e descer para baixo. a tais mistérios – demasiado profundos para o
44 / Parousia - 2º semestre de 2005
entendimento humano – o silêncio é ouro.”11 simples analogia empregada por Paulo (ver
1Co 2:11) numa realidade substancial que
Quanto a esse assunto (natureza do
toma o homem por modelo. Mas se isto é o
Espírito Santo), está na ordem do dia o
que Espírito de Deus significa, é inevitável
que Ellen White classifica de “fantasiosos
a idéia de que o antropomorfismo divino,
pontos de vista”. Dissidentes oportunistas
longe de ser um engano,15 é um conceito
e aventureiros, com “comichões nos ou-
correto: o homem é a padronização de Deus
vidos” (2Tm 4:3), imaginam ser crime de
– como é com ele, assim é com Deus!!! Mas
apostasia a aceitação da divindade do Espí-
vejamos: não importando se o homem tem
rito Santo, e, inescrupulosamente, intentam
fôlego porque respira ou respira porque
arrancar das páginas sagradas alguma no-
tem fôlego, uma questão aqui pertinente
ção que lhes satisfaça as divagações; com
é: Deus respira? (bem, esse seria o caso se
isto, acabam preterindo o criterioso ensino
Ele tivesse fôlego como o homem). Tem
bíblico e do Espírito de Profecia sobre tão
Ele um sistema respiratório que inclui, por
sublime tema, por arrazoados fantasistas e
exemplo, pulmões? Há no céu uma camada
inconseqüentes que, no mínimo, denigrem
atmosférica para suprir a respiração dos que
o caráter sacratíssimo deste Ser. E isso,
ali habitam?
sim, é crime. E o que é pior: julgam-se os
portadores da verdade, enquanto o povo de (2) ...é o próprio Senhor,16 no sentido de
Deus, em sua totalidade, está errado. que o Espírito Santo equivale ou a Cristo,
ou ao Pai, ou a ambos. Este raciocínio des-
Não obstante, o que acontecia no tempo
camba para uma variação de outra heresia;
de Ellen G. White, e que mereceu sua vee-
seria um sabelianismo17 dicotômico.
mente censura, está literalmente ocorrendo
hoje, pois tal como a serva do Senhor de- (3) ...é isto.18 O dissidente Jairo Carva-
nunciou, os atuais dissidentes igualmente lho afirma que é “um total desprezo chamar
reúnem um punhado de “passagens bíbli- mesmo um ser humano de ‘isto’”, quanto
cas”, arbitrariamente catadas aqui e ali e, mais Deus, o que para ele é “uma prova
sem o mínimo respeito às mais elementares de que o Espírito Santo não pode ser um
regras hermenêuticas, colocam-nas numa Deus”,19 já que, como ele supõe, Atos 2:33
cadeia temática ilegítima que as obriga a O identifica como “isto”. Mas nesse caso,
afirmar aquilo que eles pretendem. O resul- não importando o que ou quem Ele seja, o
tado é uma interpretação barata, superficial, Espírito Santo é, segundo esse raciocínio,
abusiva, tendenciosa, sem o necessário inferior ao próprio homem, pois “isto”,
respaldo de pesquisa séria e responsável, o que não é cabível a este, é próprio para o
que, inevitavelmente, conduz a conclusões Espírito Santo.
confusas e contraditórias; ora o Espírito é
definido em termos de pessoalidade, ora Pena que o Sr. Carvalho não tenha
em termos de abstração. percebido que o demonstrativo neutro
não se aplica à pessoa do Espírito Santo
Para se confirmar esse fato, basta uma propriamente, mas ao efeito poderoso da
olhadela em publicações produzidas por Sua operação, o milagre que todos teste-
separatistas. Algumas colocações aí feitas munharam! O texto diz: “Exaltado, pois,
quanto ao Espírito Santo são de estarrecer à destra de Deus, tendo recebido do Pai a
mesmo o leitor casual. “Entre outras, cada promessa do Espírito Santo, derramou isto
qual mais descomunalmente absurdas,”12 que vedes e ouvis.” Por um lado, “Espírito
são feitas as seguintes declarações: Santo”, o assunto da promessa, e “isto”, o
O Espírito Santo... que foi derramado, não se correspondem
necessariamente; por outro lado, segundo
(1) ...é o sopro, o fôlego de Deus,13 o discurso de Pedro à multidão atônita, o
no sentido de que da mesma forma que o “isto” foi referido como aquilo que “vedes
homem tem fôlego (isto é, espírito) Deus e ouvis”. O que eles viam e ouviam? Era o
também tem fôlego (isto é, espírito).14 Em Espírito Santo ou era a Sua operação? Bem,
outras palavras, a teoria transforma uma ali estava um grupo de iletrados galileus fa-
Uma pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo / 45
lando, nos vários idiomas representados, as Espírito Santo, o qual é a glória de Deus.25
grandezas de Deus (vs. 6-8, 11 e 12), e isto Mas quantos Espíritos Santos existem? A
eles estavam muito bem vendo e ouvindo; Bíblia diz que é apenas um (Ef 4:4). Para
em outras palavras, eles testemunhavam Carvalho, entretanto, qualquer anjo fiel
o poder do Espírito em exercício, e era pode ser um Espírito Santo; Gabriel é a ter-
exatamente o poder do Espírito, e não Sua ceira pessoa da Divindade (que ele insiste
pessoa, que fora derramado. em dizer que é “a partir da Divindade”),26 e
deve ser distinguida do Espírito Santo. Mas
Com efeito, Atos não afirma que Deus
a inspiração afirma que ambos, a terceira
derramou o Seu Espírito, mas do Seu Es-
pessoa e o Espírito Santo, são o mesmo
pírito (ver 2:17). Em 10:45, é o “dom do
ser: “O príncipe da potestade do mal só
Espírito” que “foi derramado.” À luz de 1
pode ser mantido em sujeição pelo poder
Coríntios 12, o Espírito Santo é tanto dom
de Deus na terceira pessoa da Divindade,27
como doador. Derramar significa conceder
o Espírito Santo.”28
generosamente, e refere-se fundamental-
mente aos recursos do Espírito. Dias antes, (7) ...é a glória de Deus.29 Aqui o dissi-
Jesus havia prometido isso aos discípulos; dente se aproximou consideravelmente de
receberiam poder ao descer sobre eles o uma das abstrações espíritas condenadas
Espírito (At 1:8). É a Pessoa quem desce; por Ellen G. White; havia em seu tempo
é o poder que é “derramado”. O que acon- aqueles que diziam que o Espírito Santo
teceu com a igreja primitiva foi a repetição era uma “luz derramada”.30 Mas o mais
do que já acontecera com Jesus (10:38). deplorável é consignado ao final das colo-
Neste texto, o Espírito é distinto de poder, cações de Carvalho: como o Espírito Santo
e vice-versa. De fato, ao ser batizado, o é meramente a glória divina, então mesmo
Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma o “pior inimigo de Deus”, Satanás, tem o
de pomba (Mt 3:16), e o resultado foi um Espírito Santo, pois ele “ainda possui um
poderoso ministério. O senso de derrama- pouco da glória que recebeu de Deus.”31
mento transparece no relato de Marcos, que Simplesmente estarrecedor!
afirma que “os céus rasgaram-se” (1:10),
É espantoso como determinados elemen-
enquanto o de pessoalidade é notado em
tos, como fruto de seus devaneios, chegam
Lucas, ao afirmar que o Espírito veio em
ao extremo de nescidades como esta; isto é
“forma corpórea” (3:22).
sacrilégio de elevada ordem, diante da qual
Houve, portanto, uma compreensão as palavras de Jesus soam oportunas: “...a
equivocada de Atos 2:33 por parte do Sr. blasfêmia contra o Espírito não será perdoa-
Carvalho. O demonstrativo isto se refere da. ... Se alguém falar contra o Espírito Santo,
antes à conseqüência da manifestação do não lhe será isso perdoado, nem neste mundo
Espírito, que à Sua pessoa. nem no porvir... visto que é réu de pecado
eterno”(Mt 12:31, 32; Mc 3:29). Dizer que
(4) ...é a mente de Deus.20 Mas a Bíblia
o Espírito Santo é a glória de Deus, que o
diz que o próprio Espírito tem mente (Rm
próprio diabo ainda retém e emprega em sua
8:27); seria correto falar em mente da
obra de engano, como o Sr. Carvalho afirma,
mente?
é, na realidade, dizer que o Espírito Santo é
(5) ...é o dedo de Deus.21 Nesse caso, o um instrumento nas mãos do diabo para a
Espírito Santo seria uma pequena parte d[o operação do mal e serviço do pecado!!! Na
corpo d]e Deus. E aí pergunta-se: “Deus esperança de, quem sabe, despertar um pouco
tem corpo?” a consciência do dissidente, pergunto: “O
(6) ...é qualquer anjo fiel22 com especial Espírito Santo continua ainda glorificando a
menção primeiramente a Lúcifer,23 então Cristo, como João 16:14 afirma que é uma de
a Gabriel, quando aquele que se tornou Suas tarefas, quando Ele é usado pelo diabo
Satanás foi expulso do céu.24 Na verdade, em sua obra satânica?”
o autor confundiu a verdade afirmando que
Gabriel é um Espírito Santo, mas não o Um Ser pessoal e divino
46 / Parousia - 2º semestre de 2005
Impugnadas as lucubrações meramente (4) Pode-se mentir a Ele (At 5:3). Men-
humanas quanto ao Espírito Santo, obser- te-se a uma pessoa e não a uma energia, a
vemos agora o que a revelação tem a dizer uma luz, ou à glória.
sobre tão excelso tema.
(5) Pode-se-Lhe resistir (At 7:51). É
Quando Ellen G. White afirma que “a possível cumprir o papel de um resistor
natureza do Espírito Santo é um mistério”,32 (componente que impede, ou atenua, o flu-
não significa que nada podemos aprender xo da corrente elétrica) para com o Espírito
sobre Ele. Aquilo que a revelação nos trans- Santo? Sim, e isto o pecador faz quando,
mite não é especulação; é a realidade que diante do apelo divino, prefere permanecer
temos o dever de, pela fé, aceitar. no erro. Mas tal não significa que o Espírito
Santo não seja uma pessoa, pois não é ape-
Dois pontos sobre o Espírito Santo es-
nas a uma energia que se resiste. Pessoas
tão devidamente assentados nas páginas
também podem ser resistidas, incluindo
sagradas: Ele é uma pessoa, e é Deus.
Deus (11:17). O texto fala de se resistir às
“O Espírito Santo tem personalidade, do
claras evidências da verdade, apresentadas
contrário não poderia testificar ao nosso
pelo Espírito Santo.
espírito e com nosso espírito que somos
filhos de Deus. Deve ser uma pessoa di- (6) Pode-se guerrear contra Ele (Gl
vina, do contrário não poderia perscrutar 5:17). O que é uma intensificação de re-
os segredos que jazem ocultos na mente sistência ao Espírito Santo.
de Deus.”33
(7) Pode-se ultrajá-Lo (Hb 10:29).
Como é possível ultrajar uma energia, o
A Personalidade do Espírito Santo sopro, a glória? Ultrajar se liga naturalmen-
te ao sentido de afrontar, insultar, difamar,
A personalidade do Espírito Santo é injuriar, ofender, deprimir, vilipendiar,
claramente inferida do testemunho bíbli- desacatar, vituperar, envergonhar. Como se
co. As seguintes referências não deixam pode fazer tudo isso a uma abstração?
dúvida a respeito:
(8) Pode-se blasfemar contra Ele como
(1) Ele é citado entre pessoas: “Pois se blasfema contra o Filho (Mt 12:31). É
pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não possível blasfemar contra o sopro, contra
vos impor maior encargo...” (At 15:28). uma energia? Blasfema-se contra uma
Além disso, Ele aparece na fórmula batis- pessoa, como é caso de Jesus aqui.
mal junto ao Pai e ao Filho (Mt 28:19); seria
redundância Jesus mencionar o Espírito (9) Ele executa específicas funções
Santo, tendo já mencionado o Pai, fosse próprias, não de uma abstração, mas de
Ele a mera energia dEste, ou Seu sopro, uma pessoa:
ou Sua glória; também não faria sentido • sonda, perscruta a Deus – 1Co 2:10
Jesus ordenar o batismo em nome de uma
Pessoa, o Pai, de outra Pessoa, o Filho, e • concede dons para a edificação da
agora em nome de uma energia, ou sopro, Igreja – 1Co 12:8, 12
ou glória, o Espírito.34 • manifesta-Se nesses dons –1Co 12:7
(2) Pode e deve ser mantida comunhão (em outras palavras, ao conceder dons à
com Ele (Fp 2:1; 2Co 13:14). Não se man- Igreja o Espírito Se dá a ela)
tém comunhão com uma energia, nem com • contende com pecadores – Gn 6:3
um sopro, ou glória.
• ordena sobre itens relevantes para a
(3) Não é mero poder, mas tem poder obra e o povo de Deus – At 8:39; 10:19,
(Rm 15:19). Seria outra redundância a Bí- 20
blia falar do poder do Espírito Santo, fosse
Ele mero poder; seria “o poder do poder”, • envia pessoas no processo do cumpri-
o que é um contra-senso, da mesma forma mento de alguma missão – At 10:19, 20
que “mente da mente” visto acima. • ensina o que uma vez ouviu – Jo 16:13
Uma pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo / 47
(ouvir não é próprio de uma energia), ver e é afetado por elas. Afeta-nos Deus? Na-
também 14:26; 1Co 2:13 turalmente. Podemos afetá-Lo? Bem, Sua
tristeza e alegria, misericórdia e justiça,
• revela, especialmente pelo exercício
interesse por nós e condescendência, amor
profético – At 1:16; 2Pe 1:21; 1Tm 4:1
e ira indicam que sim. Deus é afetado por
• testifica através da intuição na cons- Suas criaturas porque antes de mera consci-
ciência, bem como com o testemunho da ência das coisas, Ele tem auto-consciência;
Igreja – Rm 8:16; At 5:32; Ap 22:17 esta é o traço fundamental da personalidade
• move o agente humano na captação da porque é a capacidade que uma pessoa tem
revelação divina – 1Pd 1:21 de referir a si mesma a consciência de qual-
quer coisa ou experiência pela qual passa.
• incute novas realidades ainda não Isso não acontece com um animal, porque
percebidas – Hb 9:8 ele não pode distinguir entre o ego pessoal
• indica a correta compreensão do que e a momentânea sensação que experimenta.
é revelado – 1Pd 1:11 Por não ser um ente pessoal, ele não con-
segue formar uma noção objetiva de seus
• guia os filhos de Deus - Rm 8:14, sentimentos e das ações que estes geram,
inclusive na busca de “toda a verdade” – e aplicá-los a si mesmo. O ser humano, ao
Jo 16:13 contrário, torna-se, por exemplo, conscien-
• assiste nas fraquezas – Rm 8:26 te de erros cometidos, reconhece-os como
tais, e chega à auto-consciência da culpa.
• intercede corrigindo nossas orações Isso porque é um ser pessoal, dotado de
– Rm 8:26 mente e razão.
• produz frutos na vida dos que se sub- Aplicando isso a Deus, dizemos que
metem a Ele – Gl 5:22, 23
Sua auto-consciência é prova irretorquível
• lava e renova, o que resulta em sal- de Sua personalidade. Isaías 55:8 fala de
vação – Tt 3:5. Em João 3:5, 6 este ato Seus pensamentos. Ele pensa porque tem
é referido por Jesus em termos do novo mente, e ter mente O faz pessoal. Então,
nascimento quando nos é afirmado que também o
Espírito Santo tem mente, não podemos
• escreve a lei de Deus nas tábuas do
senão concordar que Ele é, de fato, um ser
coração – 2Co 3:3
pessoal. Se assim é, perguntamos: afeta Ele
• santifica – 2Ts 2:13; 1Pd 1:2 a cada um de nós? Por suposto que sim.35
• sela os que são de Deus – Ef 1:13 Afetamos igualmente a Ele? Claro, pois a
Bíblia fala da tristeza (Ef 4:30), do anseio
(10) Ele possui mente (Rm 8:27). O (Tg 4:5), da alegria (1Ts 1:6), da vontade
termo grego, traduzido “mente” neste texto (1Co 12:11), do amor (Rm 15:30), e até do
em algumas versões, é phrónema (alguma ciúme (Tg 4:5) do Espírito Santo.
coisa que se tem em mente, que passa pela (11) Além disso, o Novo Testamento
mente, o pensamento), em contraste com emprega fartamente pronomes pessoais gre-
nous (a mente como sede da consciência, da gos em referência ao Espírito Santo. Apenas
reflexão, da percepção, do entendimento, em João 14-16 isso ocorre 24 vezes, e Ele
do julgamento crítico e da determinação). próprio faz referência a Si com o pronome
O importante é que phrónema pressupõe a pessoal: “Disse o Espírito [a Pedro]: Estão
existência de nous. Apenas um ser pessoal aí dois homens que te procuram; levanta-te,
é dotado de nous, e pode exercer phrónema. pois, desce e vai com eles nada duvidando;
O Espírito Santo é um ser pensante, o que porque Eu os enviei” (At 10:19, 20).
implica inteligência e consciência. Ele não
pode ser menos que uma pessoa. (12) Finalmente, a palavra inconteste
de Jesus não deixa qualquer margem para
Mas o que é uma entidade pessoal? É dúvida no que respeita à personalidade do
aquela que afeta outras entidades pessoais Espírito Santo. “Eu rogarei ao Pai,” prome-
48 / Parousia - 2º semestre de 2005
teu Ele à Igreja, “e Ele vos dará outro Con- não fosse Deus.
solador, o Espírito Santo” (Jo 14:16, 26).
E quanto a Jesus? Reconheceu Ele a di-
Chamando-O “Consolador”, Jesus evocou
vindade do Espírito Santo? Bem, deixemos
Sua personalidade. O original parákletos
mais uma vez que Ele fale. Ele prometeu
(etimologicamente chamado para estar ao
“outro Consolador” (Jo 14:16). “Outro”
lado de), é masculino e aplica-se à pessoa
pressupõe um Consolador prévio, o próprio
que apóia, conforta, orienta, defende, etc.,
Jesus, também identificado como Parák-
o que uma abstração não faz.
letos (1Jo 2:1). Dois termos gregos são
vertidos “outro” em nossas Bíblias: állos
A Divindade do Espírito Santo e héteros, o primeiro, empregado aqui,
Um estudo mais atento da Palavra de significando “outro da mesma espécie”,
Deus, e, acima de tudo, desprovido de idéias enquanto o segundo “outro de natureza
pré-concebidas, atesta naturalmente a divin- diferente”. O prometido Consolador é Al-
dade do Espírito Santo. Pode Ele ser menos guém tão divino quanto Jesus. Fosse Ele
que Deus, se possui os atributos exclusiva- Gabriel, como querem os dissidentes, teria
mente divinos de Eternidade (Hb 9:14), que ser classificado héteros, e não állos.
Onisciência (1Co 2:10 e 11) e Onipresença Mas, qual a qualidade da divindade de
(Sl 139:7)? Quem menos que Deus pode Jesus? A Bíblia e o Espírito de Profecia não
criar e comunicar vida (Jó 33:4), convencer deixam por menos: Ele é tão divino quanto
do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16:8), o Pai, e é um com Este desde toda a eterni-
regenerar (Tt 3:5), santificar (2Ts 2:13; 1Pe dade (Jo 1:1; 10:30). “Cristo era Deus em
1:2), escrever Sua lei nas tábuas do coração essência e no mais alto sentido. Ele esteve
(2Co 3:3), ressuscitar (Rm 8:11), e selar o com Deus desde toda a eternidade...”36 Se
crente para o dia da redenção (Ef 4:30)? assim é com o primeiro Consolador, não
Como um ser menor que Deus pode será diferente com o segundo. O mesmo
perscrutá-Lo? (1Co 2:10). Como pode Espírito de Profecia confirma esse fato:
a blasfêmia contra o Espírito Santo não “O Consolador que Cristo prometeu enviar
ser perdoada, enquanto que aquela contra depois de ascender ao Céu, é o Espírito em
Jesus pode (Mt 12:31)? Porventura, pecar toda a plenitude da Divindade, tornando
contra uma coisa, ou uma criatura, é algo manifesto o poder da graça divina a todos
mais sério que pecar contra Deus? E como quantos recebem e crêem em Cristo como
é possível que, segundo a fórmula batismal um Salvador pessoal.”37 “Toda a plenitude
(28:19), alguém deva ser batizado em nome da divindade” é precisamente o que Colos-
do Pai (que é Deus), do Filho (que também sences 2:9 afirma residir corporalmente em
é Deus), e do Espírito Santo (que seria uma Cristo. De fato, o Espírito Santo é o segun-
coisa ou uma criatura, como supõem os do Consolador, da mesmíssima natureza
antitrinitaristas)? do primeiro.
Além disso, é-nos afirmado que, no É-nos afirmado ainda: “Precisamos re-
próprio ato de mentirem ao Espírito Santo, conhecer que o Espírito Santo, que é uma
Ananias e Safira mentiram “a Deus” (At pessoa, como o próprio Deus, está andando
5:4). Nesse mesmo sentido de correspon- por estes terrenos.”38 Pode ainda haver
dência, Paulo primeiramente declara que dúvida que, à luz da inspiração, o Espírito
somos santuário “de Deus, e que o Espí- Santo seja uma pessoa, e seja Deus?
rito de Deus habita em” nós (1Co 3:16;
ver também 6:19), para então afirmar que Um com o Pai e um com o Filho
“somos santuário do Deus vivente”, e que
é o próprio Deus que habita em nós (2Co Um último ponto referente à divindade
6:16, 17). Percebemos claramente aqui que do Espírito Santo se faz necessário. Pela
o Espírito Santo habitando no coração é doutrina da Trindade entendemos que Jesus
Deus se fazendo aí presente. Isso não seria é um com o Pai porque possui a mesma
possível se Ele mesmo, o Espírito Santo, natureza divina dEle. São distintos como
Uma pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo / 49
Pessoas, mas iguais em Divindade. Isto dificuldade para se entender o que Ellen G.
resulta em que onde Um está pessoalmente, White quis dizer quando declarou:
ali o Outro estará essencialmente. Enquanto
Impedido por Sua humanidade, Cristo não
o Filho estava pessoalmente na Terra, o
poderia estar em todos os lugares pessoalmente;
Pai estava essencialmente aqui (embora então foi para benefício deles que Ele deveria
pessoalmente continuasse no Céu), pois deixá-la, ir para o Pai, e enviar o Espírito Santo
Jesus afirmou: “Não estou só, porque o Pai para ser Seu sucessor na Terra. O Espírito é Ele
está comigo” (Jo 16:32). Da mesma forma, mesmo, despojado da personalidade humana e
enquanto O Pai estava pessoalmente no independente dela. Ele Se representaria como
Céu, Jesus estava essencialmente ali, pois estando presente em todos os lugares por Seu
disse a Nicodemos muito antes da ascen- Espírito, como onipresente.41
são: “Ninguém subiu ao Céu, senão Aquele
que de lá desceu, o Filho do homem que Como ela afirma, o Espírito Santo reu-
está no Céu” (3:13).39 nindo, a exemplo de Jesus, a plenitude da
divindade, é o sucessor de Cristo, e pode tão
Devemos crer que é exatamente isso o perfeitamente representá-Lo neste mundo,
que ocorre em relação ao Espírito Santo? A que se torna uma bendita realidade a presen-
resposta é “sim!”, pois, como vimos, Ele é ça essencial dEle aqui, isto é, “Ele mesmo,”
állos, isto é, da mesma natureza divina de Cristo, “despojado da personalidade humana
Jesus. É por isso que o Salvador, imedia- e independente dela... como estando presen-
tamente após prometer a vinda do “outro te [com Seu povo] em todos os lugares por
Consolador” que estaria não apenas “com”, Seu Espírito, como onipresente.” “O Senhor
mas “nos” discípulos (Jo 14:16, 17), pôde Jesus age através do Espírito Santo, pois é
também assegurar-lhes que, por este Con- Seu representante.”42
solador, Ele, Jesus, voltaria para eles (v. 18)
e, com o Pai, faria neles morada (v. 23). Isto Quão surpreendentemente fascinante é
porque o Espírito Santo é igual a Jesus e ao o plano de Deus e Seu trato com os peca-
Pai em divindade. Assim, onde Ele estiver, dores! Enaltecido seja o Seu nome.
Pai e Filho também estarão. É por esta
razão que Jesus declarou ser vantajoso aos Conclusão
discípulos que voltasse ao Céu, pois assim
lhes enviaria o Espírito (Jo 16:7), e, através Que pessoa maravilhosa é o Espírito San-
dEle, estaria em todo o tempo com toda a to! Que humildade, que interesse, que desve-
Sua comunidade de seguidores. lo! Ele nos ama a ponto de instar conosco a
que sejamos salvos. Ele está disposto a aplicar
O Espírito Santo é o representante de Cristo, em nossa vida a obra redentora da cruz em
mas despojado da personalidade humana, e dela toda a Sua extensão. A exemplo do Pai e do
independente. Limitado pela humanidade, Cristo Filho, Ele anseia por nossa presença no reino
não poderia estar em toda a parte em pessoa. Era,
de Deus. Já Lhe agradecemos por isso?
portanto, do interesse deles [os discípulos] que
fosse para o Pai, e enviasse o Espírito como Seu De fato, Ele é um precioso amigo. Se
sucessor na Terra. Ninguém poderia ter então O resistirmos, magoá-Lo-emos, e Ele
vantagem devido a sua situação ou seu contato poderá se afastar triste e pesaroso por
pessoal como Cristo. Pelo Espírito, o Salvador nossa indelicadeza e apego a idéias que O
seria acessível a todos. Nesse sentido, estaria mais desmerecem, e que resultarão finalmente
perto deles do que se não subisse ao alto.40
em nossa ruína eterna. Mas se O valori-
zarmos como Ele merece, e O acolhermos
Com isto em mente, não há qualquer
em nossa vida, Ele tomará posse do nosso
ser, far-nos-á crescer em semelhança com
Jesus, até que coloquemos nossos pés na
cidade celestial.
“Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endu-
reçais os vossos corações” (Hb 4:7).
50 / Parousia - 2º semestre de 2005
Review and Herald, 5 de abril de 1906, 8. Evangelio”, Theologika VII, 2 (1993) 93: 112-127,
37
Evangelismo, 615 (itálicos supridos). principalmente 117-121.
38
Ibid., 616. 40
O Desejado de Todas as Nações, 669. Ênfase
39
Quanto à genuinidade da fórmula “que está suprida.
no céu” em João 3:13, ver José C. Ramos, “La 41
Manuscrito 14, 23 e 24. Ênfase suprida.
Revelación de Dios em JesuCristo en el Cuarto 42
Ellen G. White, “Our Battle with Evil”, Review
and Herald, 10 de fevereiro de 1903, 8.
53
O Espírito-parákletos
no quarto evangelho
Amin A. Rodor, Th.D.
Professor de Teologia Sistemática e diretor do Salt, Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP
R esumo : Este artigo trata do título é aplicado uma vez a Jesus (1Jo 2:1), que
grego parákletos no quarto evangelho, atri- atua como um intercessor/advocatus junto
buído, como é bíblica e historicamente evi- ao Pai, na corte celestial. Em cinco outras
dente, ao Espírito Santo, a terceira pessoa passagens, no quarto evangelho, contudo,
da Trindade. O autor enfatiza que, embora parákletos como um título é aplicado a
o parákletos seja o dom da nova era, Ele alguém que: (a) não é Jesus; (b) não é
possui profundas raízes bíblicas. Atenção primariamente um intercessor; e (c) não
especial é dada ao paralelismo entre Jesus exerce sua função no céu, junto ao Pai. A
e o “outro parákletos”, sugerindo que Este tradição cristã, desde tempos primitivos,1
representa o “retorno” de Jesus para os Seus e com boas razões, identificou o parákletos
discípulos, a fim de permanecer com eles, no Evangelho de João, como sendo o Espí-
conforme havia prometido. O parákletos rito Santo, a terceira pessoa da Trindade.2
é o verdadeiro elo entre a Igreja e Jesus Considerando-se as objeções recentes
desde o Pentecostes até a “consumação do ao ensino bíblico quanto à personalidade
século”. Por meio do parákletos, Jesus é do Espírito Santo e à Trindade,3 o estudo
reinterpretado e feito contemporâneo para deste tema no quarto evangelho é crucial,
as sucessivas gerações de cristãos. levando-se em conta que o Evangelho de
Abstract: This article deals with the João, provavelmente o último livro do
Greek title parákletos in the fourth gos- Novo Testamento a ser escrito, representa
pel, attributed, as biblical and historically o mais alto desenvolvimento teológico
evident, to the Holy Spirit, the third Person das Escrituras,4 e, nas palavras de Vincent
of the Trinity. The author emphasizes that, Taylor, “o clímax e coroa da revelação
even though the parákletos is the gift of bíblica a respeito do Espírito Santo”.5 Não
the new age, He has deep biblical roots. seria difícil, portanto, estabelecer que o
Special attention is given to the parallelism estudo do tema no evangelho joanino é de
between Jesus and the “other parákletos,” fundamental importância para se verificar
suggesting that He represents the “return” como os cristãos, no final do primeiro sé-
of Jesus to His disciples, in order to abide culo, entenderam e consideraram o Espírito
with them, as He had promised. The parák- Santo.
letos is the true link between the Church Como observado por Raymond E.
and Jesus from the Pentecost till “the end of Brown, reconhecida autoridade no quarto
the world.” Through the parákletos Jesus is evangelho, as cinco passagens em que o
reinterpreted and made contemporary to the parákletos é mencionado no evangelho de
successive generations of Christians. João (Jo 14:15-17, 26; 15:26-27; 16: 7-11,
12-14), podem ser organizadas em quatro
Introdução grupos:
A palavra grega parákletos*, na literatu- (1) A vinda do parákletos e Seu rela-
ra bíblica, é exclusiva do Novo Testamento, cionamento com o Pai: O parákletos virá,
e ocorre de forma restrita, apenas nos es- mas apenas quando Jesus partir (Jo 15:26;
critos joaninos. Como um epíteto, o termo 16:7,8, 13). Ele procede do Pai (Jo 15:26).
54 / Parousia - 2º semestre de 2005
disso, ao parákletos são atribuídos prono- base para a tradução de parákletos, fosse
mes pessoais. João torna a personalidade encontrada, provavelmente saberíamos o
do Espírito mais evidente, atribuindo a Ele significado primário do termo. Contudo,
o título masculino parákletos e referindo- até o momento, os mais minuciosos estudos
se ao Espírito-parákletos com pronomes não conseguiram produzir um candidato
pessoais (ékeinos e autós).15 semítico verdadeiramente aceitável.18 De
fato, como Brown observa, “Esta busca
(3) Com relação às funções do parákle-
para um equivalente hebraico pode ser em
tos, fica também evidente que Ele vem para
vão,”19 provavelmente porque tanto no
os discípulos e habita com eles, guiando-os,
hebraico quanto no aramaico, a palavra
ensinando a respeito de Jesus: Devemos
foi transliterada do grego.20 Além disto,
observar, contudo, que João O retrata como
como indicado por Johannes Behn, no seu
o Espírito Santo, como já sugerido, numa
clássico estudo do termo, no Theological
função específica: como a presença pessoal
Dictionary of the New Testament, o uso
de Jesus com os cristãos, durante o período
joanino do termo parákletos não se ajusta
de Sua ausência.
facilmente à história da palavra em fontes
(4) A respeito do relacionamento do seculares.
parákletos com o mundo, é óbvio que Ele
Concluímos, então, que, embora os
é hostil ao mundo, colocando este em jul-
antecedentes históricos, religiosos e lin-
gamento por seu pecado de descrença. O
güísticos do termo parákletos possam ser
mundo não O pode receber, porque não O
considerados importantes para se determi-
vê nem O conhece (Jo 14:17).
nar o seu significado no Novo Testamento,
as decisões quanto a tal significado serão
O parákletos joanino consideravelmente subjetivas e de valor
Do estudo quanto à identidade do limitado, ao mesmo tempo que limitador.
parákletos no quarto evangelho, algumas O significado de parákletos tem sido tra-
questões emergem naturalmente: Se Ele duzido por uma variedade de palavras21
realmente é o Espírito Santo, como mantido tais como “Consolador,” “Advogado,”
pelos cristãos e claramente indicado pelo “Ajudador,” 22 “Espírito de Verdade,”
próprio João: “Mas aquele Consolador, o “Amigo,” etc. No entanto, deve-se observar
Espírito Santo, que o Pai enviará em meu que nenhuma destas traduções consegue
nome”16 (Jo 14:26), por que é este título capturar de forma plena a complexidade
atribuído ao Espírito? Quais aspectos par- das funções atribuídas ao parákletos no
ticulares das funções do Espírito Santo são quarto evangelho.
atribuídas ao parákletos? Além disto, por Se, a palavra parákletos usada por
que o título é encontrado exclusivamente João em seu evangelho não parece ser
no evangelho joanino? Para estas questões uma tradução direta de um título hebraico
cruciais voltaremos nossa atenção, mais específico, nem tem ela sua origem em um
tarde, neste estudo. Nesta seção concentra- título no grego secular, talvez isto sugira
remos a atenção nos aspectos lingüísticos que foi o uso cristão que deu ao termo
do termo. uma conotação exclusiva a ele e, portanto,
O background histórico e o significado o seu significado é melhor decidido pelo
lingüístico do termo parákletos no Evan- contexto do que por deduções léxicas. O
gelho de João têm sido buscados em uma que é, portanto, o parákletos? Gerard Man-
variedade de fontes e alternativas,17 e seria ley Hopkins está provavelmente correto
desnecessário repeti-los aqui. Esforços têm em sua resposta, lembrando que o termo
sido feitos, por exemplo, na tentativa de se é freqüentemente traduzido por Consola-
encontrar um equivalente semítico para o dor, mas o parákletos faz muito mais do
título grego. Tais tentativas parecem en- que consolar. A palavra é grega, não possui
fatizar a convicção de que se uma palavra um equivalente exato em nossa língua. É
hebraica ou aramaica, que tenha servido de esclarecedor ter em mente que Jerônimo,
56 / Parousia - 2º semestre de 2005
Mas esta é uma união dramática desempe- não podem ser desconsiderados em nossa
nhada em um drama de dois níveis, de tal forma discussão, e de fato, respondem à questão
que ela cria uma crise epistemológica. O mundo,
suscitada anteriormente neste artigo, quan-
certamente, vê apenas um nível deste drama.33
to à razão pela qual João atribui o título
parákletos ao Espírito. O primeiro pro-
O mundo, devemos acrescentar, pode
blema tem a ver com a dificuldade criada
“ver” a tradição histórica de Jesus de Naza-
pela iminente morte da última testemunha
ré, uma figura do passado, cuja identidade
ocular, que constituía o último elo visível
pode ser debatida num formato midráshico,
entre a Igreja no final do primeiro século e
sem, contudo, perceber a atuação do Para-
Jesus de Nazaré.36 Como deveria a igreja
cleto, a qual torna Jesus contemporâneo e
reagir em face desta nova situação, quando
presente nos atos e palavras dos discípulos
o último vínculo com Jesus parecia estar
(Jo 14:17).
sendo cortado? Como enfrentar o perigo
Como observado acima, daquilo que dela mesma tornar-se uma instituição
João diz do parákletos em seu evangelho, auto-suficiente, desconectada de Cristo? O
é esta íntima relação entre Ele e Jesus que conceito do Espírito-parákletos responde a
emerge como o aspecto dominante. Não é esta questão. Se as testemunhas oculares,
de surpreender que alguns intérpretes che- como o próprio discípulo amado, haviam
guem a identificar o Espírito-parákletos, dado seu testemunho e guiado a Igreja,
como o “alter ego de Jesus”34 ou “o outro isto não fôra primariamente por causa da
Jesus.”35 Devemos observar, por um lado, conexão direta com Jesus. Uma vez que
que aquilo que o parákletos ensina ou reve- eles próprios não O haviam entendido (Jo
la não constitui algo novo. Ele relembra aos 14:9).
discípulos aquilo que Jesus havia ensinado.
Portanto, o testemunho apostólico não
Ele testemunha em favor de Jesus e O glori-
é válido porque estes apóstolos houvessem
fica, tendo com Jesus a mesma relação que
estado com Jesus, ou mesmo dependido da
Este tivera com o Pai. Assim como Jesus
compreensão que eles haviam tido dEle.
não falou de Si, mas apenas aquilo que o
A validade do testemunho deles depen-
Pai o ensinara (Jo 5:28). Da mesma forma
deu primariamente do parákletos, o qual
que Jesus glorificara o Pai (Jo 12:28, 14:13,
tomou, depois da ressurreição, o lugar de
17:14), o parákletos dá testemunho dEle,
Jesus, para que os discípulos pudessem
e O glorifica. Por outro lado, contudo, o
ser ensinados e relembrados de tudo o
gênio da obra do parákletos, como já su-
que Jesus ensinara. Os apóstolos foram
gerido, é que Ele não meramente repete ou
habilitados a testemunhar e interpretar
reencena Jesus. O parákletos reinterpreta
Jesus, precisamente porque eles haviam
Jesus, torna-O presente e permanentemente
recebido o parákletos. Este permanece
atual na Igreja. Jesus e a glória manifesta
com todos aqueles que amam a Jesus (Jo
em Seu ministério, morte e ressurreição,
14:17), mesmo depois do desaparecimento
não representam um período ideal no pas-
das testemunhas oculares. Assim, a morte
sado, quando o reino de Deus irrompeu
do último apóstolo não quebra a corrente
entre os homens, um período para o qual
entre Cristo e a Igreja, porque o parákletos,
seus discípulos olham com uma aura de
que havia ensinado aos primeiros apósto-
saudosismo. O parákletos não é apenas
los, continua com a Igreja, para guiá-la
um intérprete de Jesus, mas Aquele que O
em toda a verdade, e permanece com as
reatualiza e reinterpreta para cada geração,
contínuas gerações de discípulos. O parák-
tornando-O sempre atual, relevante e con-
letos é o verdadeiro vínculo entre a Igreja
temporâneo, não importando as mudanças
e Jesus Cristo. João enfatiza que a função
e variáveis do contexto.
de ensino do parákletos não envolve nada
Como R. Brown sugere, o quadro novo, como observado acima; entretanto,
joanino do Espírito-parákletos responde isto não significa mera repetição. O papel
a dois problemas importantes na própria do Espírito-parákletos é reinterpretativo,
composição do quarto evangelho, que tornando Jesus contemporâneo para as
60 / Parousia - 2º semestre de 2005
quando tomadas em conjunto, tais passa- uma pessoa. Uma pessoa distinta, mais ex-
gens são também consistentes com outras plicitamente afirmada no evangelho de João
referências ao Espírito nos evangelhos do que em qualquer outro lugar do Novo
sinóticos e livro de Atos. Particularmente Testamento. Uma pessoa distinta do Pai,
Mateus 10:20 (“visto que não sois vós quem pois, como vimos, Ele é enviado pelo Pai
falais, mas o Espírito do vosso Pai é quem (Jo 14:26), e como a lógica básica exige,
fala em vós”), e Marcos 13:11 (“Quando, ninguém envia-se a si mesmo; dado pelo
pois, vos levarem e vos entregarem, não vos Pai (14:16) e procedendo do Pai (Jo 15:26).
preocupeis com o que haveis de dizer, mas Distinto do Filho, pois Ele é enviado “em
o que vos for concedido naquela hora, isso nome do Filho”(Jo 14:26), enviado pelo Fi-
falai; porque não sois vós os que falais, mas lho (Jo 15:26), recebendo o que é do Filho
o Espírito Santo”), identificam a ajuda que (Jo 16:14), e é um “outro parákletos” (Jo
seria dada aos discípulos quando eles teste- 14:16). Não há também qualquer dificulda-
munhassem de Jesus em contexto forense, de real quanto à Sua personalidade. Ele não
e fizerem sua defesa em corte, em termos é meramente um dom impessoal ou poder
idênticos à ação do parákletos descrita no abstrato, um fôlego, nem é Ele uma metá-
quarto evangelho. fora a respeito de Jesus. Ele é uma pessoa
Sobretudo, este artigo, de certa forma, real, tão real quanto o próprio Cristo, cuja
concentrou-se no relacionamento entre presença na vida da Igreja, era e continua
Jesus e o parákletos, pois é precisamente sendo, tão crucial e crítica, a ponto de o
aqui que descobrimos a chave para o caráter próprio Jesus afirmar, com Sua fórmula de
crucial da missão dEle no evangelho joani- introduzir questões solenes: “Mas eu vos
no, respondendo questões cruciais enfren- digo a verdade: convém que Eu vá, porque,
tadas no final do primeiro século, mas com se Eu não for, o Consolador [parákletos]
projeções para toda a era cristã, até o final não virá para vós outros” (Jo 16:7).
dos tempos. Não é, portanto, acidental que O que poderia ser mais importante para
a primeira passagem contendo a promessa os discípulos do que a presença de Cristo
de Jesus quanto ao parákletos (Jo 14:16), com eles? Difícil como isto possa parecer,
seja seguida imediatamente pelo verso no aqui Jesus ensina claramente que a vinda
qual Cristo afirma: “Não vos deixarei ór- do parákletos era mais vantajosa para Seus
fãos, voltarei para vós outros” (v. 17-18). seguidores no período pós-cruz e ressurrei-
Jesus “retorna” para os discípulos por meio ção, do que a presença dEle mesmo. Assim,
do Espírito-parákletos, que é enviado para contrariamente às teorias antitrinitarianas,
permanecer com eles, depois que Jesus antigas e modernas, em relação ao Espírito
parte. Isto constitui a contribuição joanina Santo, não estamos diante de uma questão
quanto ao Espírito Santo: o parákletos superficial, uma luxúria interessante, mas
continua, no período pós-ressurreição, dispensável e de importância secundária,
reatualizando a presença de Jesus com e sujeita às especulações infundadas de
na Igreja, por meio da era cristã, até o fim teologias precárias. A crucial importância
dos tempos. É precisamente a presença do do Espírito Santo para a Igreja pode ser
Espírito-parákletos que impede que a Igreja percebida quando deixamos os evangelhos
se torne órfã, desconectada do seu divino e entramos no livro de Atos, e testemu-
fundador. É precisamente Ele que impede nhamos aí a realização daquilo que Jesus
que os cristãos se tornem poços de água profetizara do parákletos. Aqui entramos
estagnada. num novo mundo e sentimos o sopro de
O que é então o parákletos nas passa- uma brisa nova. Nas palavras de J. Ritchie
gens do quarto evangelho? Ele é o Espírito Smith, “em uma única hora, o Espírito
Santo, investido da função específica de operou nos discípulos a transformação que
continuar a presença de Cristo com os três anos de comunhão com Jesus não tinha
Seus discípulos. Ele não é meramente a efetuado”41. Seria, então, incompreensível
operação do poder divino no homem. Ele é que Jesus tivesse dito: “É para a vossa van-
62 / Parousia - 2º semestre de 2005
tagem que Eu vá...”? Seria incompreensível lógica fraca e razão finita, não dizemos,
por que o Espírito Santo seja vital para a irracionalmente, que cremos em três deu-
Igreja hoje, como foi no passado? Ou, seria ses e um deus, ou, em três pessoas e uma
difícil entender por que Satanás está tão pessoa, mas, logicamente, afirmamos que a
ativo, confundindo cristãos e obscurecendo Bíblia ensina um único verdadeiro Deus em
a compreensão deles sobre a pessoa e obra três Pessoas divinas: Pai, Filho e o Espírito
do Espírito Santo? Santo. Somos exortados a crer no que Deus
Finalmente, os cristãos não crêem na nos revela em Sua Palavra, mesmo que não
Trindade em função de qualquer dogma possamos entender isto plenamente, aqui e
inventado pela tradição ou concílios da agora. Assim, se por um lado não ousamos
Igreja. Da mesma maneira que eles não crer mais do que aquilo que nos foi reve-
descrêem dela porque vozes confusas e lado, por outro lado, não nos atrevemos
mal-informadas surgem com “fogo estra- a aceitar menos do que aquilo que nos é
nho” no altar do Senhor. Além de nossa ensinado nas Escrituras. Nossa consciência
está cativa e sujeita à Palavra.
lina seja obviamente mais abrangente, prevalece a [Edinburgh, 1906], 90). Por outro lado, A.T. Robert-
compreensão de que “João é o Everest do estudo son, indiscutível autoridade no grego do NT, argu-
do Novo Testamento, tanto exegeticamente como menta com base na leitura de alguns manuscritos (por
teologicamente.” W. Boyd Hunt, “John’s Doctrine exemplo, Aleph B Vulg), que tou theou refere-se a
of the Spirit,” Soutthwestern Journal of Theology, Jesus, chamado aqui, como em outras partes do Novo
7/8, 1966, 45. A. M. Hunter defende a mesma idéia Testamento, de “Deus,” que derramou o Seu sangue
ao afirmar que nas mãos de João o evangelho é pelo Seu rebanho (Robertson, Introduction to Textual
reexpresso para satisfazer as necessidades de uma Cristicism of the N. T. A.[Nashville, Broadman Press,
comunidade espiritual mais ampla. “[João] buscou 1930], 189); veja, ainda, Robertson, Word Pictures in
uma [nova] categoria para expressar o significado do the New Testament, Vol. III, The Act of the Apostles
evangelho para todos os homens, judeus e gregos”. (Nashvile: Broadman Press, 1931), 353. Nas páginas
Introducing New Testament Theology (Naperville: 20 e 21 do seu “Eu e o Pai Somos Um”, Nicotra, com
SCM Book Clook, 1957), 150. Veja também C.K. o seu curioso método de perguntas circulares, capaz
Barrett, The Gospel According to St. John (Phi- de “provar” absolutamente qualquer coisa, indaga
ladelphia: The Westminster Press, 1978), 32, 49. quem é o Consolador. Citando então 2 Coríntios
Por outro lado, embora cristologia seja a ênfase 1:3 e 4, onde o apóstolo Paulo fala do “Deus de
primária do quarto evangelho, sua peneumatologia toda consolação, que nos conforta em toda a nossa
é reconhecidamente um dos seus maiores temas e tribulação,” ele conclui que Deus, o Pai é o Conso-
“uma das mais distintivas características do [quarto] lador. O argumento de Nicotra seria cômico, se não
evangelho” (ver Hunter, 25). De fato, o cristinaismo fosse trágico. Para dizer o mínimo, parece que para
“de acordo com João é interpretado em termos do Nicotra a Bíblia foi escrita em português. Embora
Espírito” (Hunt, 46). Paulo afirme que Deus, aparentemente em referência
5
Vincent Taylor, et. al., The Doctrine of the Holy ao Pai, nos consola, ele não está dizendo que o Pai
Spirit (London: The Epworth Press, 1938), 66. seja o parákletos, um título técnico, utilizado apenas
6
Raymond E. Brown, The Gospel According to no quarto evangelho para alguém que não é o Filho
John XIII-XXI (New York: Doubleday & Company, e também não é o Pai (veja acima, p. 53 e 54), e
1979), 1135. é claramente indentificado como sendo o Espírito
7
Na compreensão truncada de Nicotra, o Espíri- Santo (Jo 14:26). Além disto, devemos observar,
to Santo/Paracleto é ora confundido com Deus o Pai, ainda, que a tradução “Consolador” não esgota o rico
ora com Deus o Filho. O que realmente surpreende, significado do parákletos joanino e da complexidade
contudo, é a natureza precária dos argumentos. Ver, de Suas funções (veja abaixo). Finalmente, em Atos
por exemplo, sua interpretação de Atos 20:28 (“Eu e 9:31, é o Espírito Santo quem conforta.
o Pai Somos Um”, p. 19): “Atendei por vós e por todo 8
Como geralmente indicado, allos significa
o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu outro do mesmo tipo. C. K. Barret observa que,
bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual tomada adjetivamente, allov ou parákleton, pode
ele comprou com o seu próprio sangue.” Dando sua ser traduzido: Ele dará: (a) outro Paracleto, ou (b)
interpretação, Nicotra arremata: “No texto acima, outra pessoa para ser um Paracleto (ver Barret, The
Deus, através de Sua Palavra, está afirmando que o Gospel According to St. John, 461)
Espírito Santo comprou a igreja com o seu proprio 9
A palavra traduzida em português por “advo-
sangue. Sabemos que quem comprou a igreja com gado”, é derivada do latim advocatus, considerada
o Seu próprio sangue foi Jesus. Assim, não é difícil um dos equivalentes do termo grego parákletos (veja
perceber que Deus está chamando Jesus de Espírito Johannes Behen, Parakleto, Theologiacal Dictionary
Santo.” Fantástico, não fosse o caráter grosseiro do of the New Testament [Grand Rapids, MI, Eerdmans
argumento. No primeiro nível, o erro da conclusão 1979], 801). O texto de 1 João 2:1, no qual Jesus é
de Nicotra se explica por confusão gramatical, pura apresentado como exercendo um mistério interces-
e simples, ou, pior ainda, por má interpretação básica sor, como advogado, junto ao Pai, no céu, reflete, evi-
de leitura de textos. O pronome pessoal ele (que dentemente, um contexto legal. Para ampla discussão
“comprou com o seu próprio sangue”), não se refere sobre o significado de parákletos em 1 João 2:1, ver
ao Espírito Santo (na primeira parte da frase), mas a I. Howard Marshal, The International Comentary
Deus (aquele a quem pertence a Igreja), na cláusula on the New Testament: The Epistles of John (Grand
imediatamente anterior. Não fosse a apologia que Rapids, MI: Eerdmans), 118. F. F. Bruce observa que
Nicotra faz da ignorância para a leitura da Bíblia em 1 João 2:1, a “advocacia de Jesus é exercida na
(ver “Eu e o Pai Somos Um”, p. 9-13), ele poderia corte celestial.... [em João 14:16-17] está implícito
ter facilmente evitado este absurdo (ver F. F. Bruce que Ele [Jesus] tinha sido o advogado ou o parákletos
The Book of Acts [Grand Rapids, MI: Eerdmans, dos discípulos na Terra. Isto Ele inha sido realmente,
1980], 416, nota 59). Bruce discute o grego deste enquanto estivera com eles: Ele tinha sido o ajudador
texto, concluindo que a melhor leitura seria “por e o defensor deles, Aquele em cuja guia e apoio eles
meio do sangue do Seu próprio [idiou] filho.” Veja poderiam descansar; mas agora Jesus estava para
em suporte, J. H. Moulton, Grammar of NT Greek, I deixá-los. Ele havia estado com eles por um curto
64 / Parousia - 2º semestre de 2005
período de tempo, mas o ‘outro parákletos’... estaria mental, alvo, aspiração, busca” (Willian F. Arndt e
com eles permanentemente e não apenas com eles, F. Wilbur Gingrich, A Greek-English Lexicon of the
mas neles” F. F. Bruce, The Gospel of John (Grand New Testament and Other Early Christian Literatu-
Rapids, MI: Eerdmans, 1983), 302. re [Chicago: The University Press, 1957], 874). E
10
F. F. Bruce. 302. Ellen White, em vários textos, evidentemente, uma mera força não tem um “modo
concorre com esta noção de pensar, disposição mental, alvo,” ou “aspiração.”
11
Uma indicação da unidade de ação entre as No livro de Atos, em inúmeras referências, o Espírito
pessoas da divindade, Pai e Filho, é vista em João Santo é descrito em termos que indicam ser Ele uma
15:26, onde é o próprio Jesus quem envia o parák- pessoa: que fala (1:16, 8:29), proíbe (16:6), pensa
letos. O texto não deve ser visto como contrário (15:28); indica (20:28); envia (13:4); testemunha
a 14:26. Aqueles familiarizados, contudo, com a (5:32); arrebata (8:39); impede (16:7); contra Ele se
teologia medieval se lembrarão como a controvérsia mente (5:3); tenta (5:9); Ele pode ser resistido (7:5).
filioque proveu o ambiente para a divisão entre o A estas citações do livro de Atos podem ser acres-
cristianismo ocidental e oriental, em 1054. centadas incontáveis outras do Novo Testamento em
12
Tertuliano. Against Praxeas xxv, vii-ix, em geral. E, francamente, se a linguagem tem qualquer
Ante-Nicene Fathers, 3:621, 603-604. significado, é impossível compreender como tais
13
Ibid. Aqueles que defendem a insustentável evidências podem ser desconsideradas.
teoria de que Trindade é um dogma de Constantino, 15
Ékeinos em João 14:26, 15:26; 16:8 e 14;
posterior a Nicéia, deveriam melhor se familiarizar autós em 16:7.
com a história do Cristianismo. Referências à Trin- 16
Como indicado pela autoridade de Barret, esta
dade são abundantes em fontes insuspeitas, mais de é a leitura da “maioria dos manuscritos” embora
dois séculos antes do Concílio de Nicéia. Sugerimos alguns manuscritos omitam tó agion (ver Barret,
a leitura de alguns volumes: o reconhecido, J. N. 467).
Kelly, Early Cristian Doctrines (New York: Harper 17
Um exaustivo estudo sobre o termo parákle-
& Row, 1978), e Stanley M. Burgess, The Spirit & tos, do ponto de vista lingüístico e histórico, aparece
the Church: Antiquity (Peabody, Massachusetts: em Gerhard Kittel, ed., Theological Dictionary of
1984); Edmund J. Fortman, The Triune God, A His- the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
torical Study of the doctrine of the Trinity (Grand 1979), vol. V, 800-814. Ver também, M. Miguéns, El
Rapids: Baker, 1982); e ainda o recente, Roger E. Paráclito (Jerusalém, 1963); Para bibliografia exaus-
Olson e Christopher A. Hall, The Trinity, (Grand tiva no tópico, veja Barret, The Gospel According to
Rapids, MI: Eerdmans, 2002). Estas obras focalizam John, 462. Veja, ainda, sobre a palavra parákletos de
o testemunho do cristianismo primitivo quanto à vários autores, Journal of the theologial Society, new
pessoa e obra do Espírito Santo, a partir do final do series I (1950): 7-15; J. G. Davies, idem, 4 (1953):
primeiro século. 35-38; G. Bornkam, idem, 68-89, 90-103.
14
Como geralmente reconhecido, os três atribu- 18
O. Betz, por exemplo, examina uma série de
tos primários da personalidade são: mente/intelecto, palavras usadas em Qumran para descrever pessoas
emoções e vontade. Mera “força” ou “influência” ou com funções semelhantes àquelas do parákletos no
ruach/pneuma em sentido de fôlego, não possui estes quarto evangelho, sem, contudo, estabelecer que
atributos. Claramente em João, bem como em uma qualquer destas palavras representem um equivalente
outra enorme variedade de textos das Escrituras, o real. Der Paraklet (Leidenm, 1963), 137, citado por
Espírito Santo exibe tais atributos. A “mente” do Es- J. Louis Martyn, History & Theology in the Fourth
pírito Santo, por exemplo, é claramente mencionada Gospel (Nashville: Abingdon, 1979), 144. Para al-
em 1 Cor. 2:10 “...porque o Espírito a todas as coisas guns intérpretes, o termo grego foi transliterado para
perscruta, até mesmo as profundezas de Deus.” A o hebraico e aramaico (Veja Barret, 462)
palavra grega traduzida aqui por “perscruta” significa 19
R. Brown, The Gospel According to John,
“cuidadosa investigação, exame minucioso.” O Es- 1136.
pírito, com Sua mente investiga as coisas de Deus, e 20
Para bibliografia neste ponto veja Barret,
as torna conhecidas por revelação (o mesmo verbo é ibid., 462
usado em João 5:39, “examinai as Escrituras...” como 21
Para C.K. Barret, o significado de parákletos
uma atividade possível apenas a pessoas). Devemos no Evangelho de João é melhor configurado consi-
observar que em Romanos 8:27 direta referência é derando-se o uso de parakalein e outras palavras
feita à mente do Espírito: “E aquele que sonda os cognatas no Novo Testamento (The Gospel of John,
corações sabe qual é a mente do Espírito...” Aqui é 462). Encontramos, assim, uma considerável varie-
Deus o Pai quem perscruta a mente do Espírito. No- dade de significados atribuídos ao parákletos. (1)
vamente o mesmo verbo é utilizado. Como observa o Como forma passiva de parakalein, em seu sentido
altamente respeitado Arndt e Gingrich, em Lexicon of elementar (“chamar para o lado de”), significando
the New Testament, a palavra traduzida por “mente” “alguém que é chamado ao lado para ajudar;” assim,
neste verso significa, “modo de pensar, disposição um advogado, como no famoso texto de Tetuliano,
O Espírito-parákletos no quarto evangelho / 65
responder com a mais absoluta confiança: a passagem o Espírito não tem realidade concreta porque ruach/
é encontrada em cada Manuscrito Grego existente, pneuma no homem significa apenas o seu folêgo/
quer uncial ou cursivo e cada versão existente que vento, Nicotra será forçado a admitir que Deus o
contenha esta porção de Mateus.” (Alfred Plummer, Pai não tem realidade concreta, uma vez que as
Exegetical Commentary on the Gospel According to Escrituras afirmam que “Deus é espírito [pneuma]”
St. Matthew [Grand Rapids, MI: Baker, ed. 1982], (Jo 4:24). O mesmo é verdade em ralação aos anjos
431). Plummer avança para desacreditar toda a teoria claramente identificados como “espíritos [pneumata]
criada em torno da forma como Eusébio de Cesareia ministradores” (Hb 1:14). O que dizer dos espíritos
utilizou o famoso texto de Mateus (ibid., 432). [pveumatwv] malignos/imundos, na enorme quan-
27
Ver 1 Coríntios 12:4-6 (“O Espirito é o mes- tidade de textos bíblicos? (ex.: 1Sm 16:14-15; 1Rs
mo... O Senhor é o mesmo... Deus é o mesmo;” Estas 22:23; Mt 10:1; Mc 1:23-27; 5:2-20; Lc 7:21, etc.).
são reproduções fiéis do grego. Como em Mateus há Ou será que eles também não têm realidade concreta,
um paralelismo triúno de três substantivos, tal parale- porque são descritos como ruach e pneuma? Nicotra e
lismo seria destruído e perderia o seu sentido, se dois seus seguidores deveriam considerar que as palavras,
dos nomes são pessoas e o outro, um mero fôlego/ em qualquer língua, particularmente no hebraico e no
força/influência. Em 2 Coríntios 13:13 encontramos grego, podem ter significados diferentes, dependendo
o que tem sido chamado de bênção trinitariana: a do seu contexto. A estatística torna evidente que a pa-
imerecida graça do Senhor Jesus, e o amor de Deus lavra “espírito” (ruach) aparece 389 vezes no Antigo
e a comunhão do Espírito Santo. Como em Mateus Testamento. Em 113 destes casos, o termo significa
e 1 Coríntios, mencionados acima, o artigo está vento, 136 vezes ele designa o Espírito de Deus, e
presente antes de cada nome. Paulo tem em vista três em 116 casos ele significa o espírito/fôlego do ho-
entidades distintas. Além disto, cada artigo está na mem; 10 vezes ruach se refere a animais, 3 vezes a
forma genitiva singular – tou, embora o substantivo ídolos (Ver Herman Brandt, O Espírito Santo [São
“espírito” seja neutro (masculino e neutro são idên- Leopoldo, RS: Sinodal, 1985], 124). Esta diversidade
ticos, no genitivo singular). Veja Robert H. Coutess, de usos, sugere, de início, cautela na interpretação de
72-73. O mesmo modelo trinitariano encontramos na “ruach”; do contrário, o termo pode ser reduzido a
introdução da carta aos Efésios (Ef 1:3, 5, 13). Para uma mera dimensão antropológica, obscurecendo o
uma introdução à Trindade em Paulo, veja Edmund fato de que, por sua natureza complexa, ruach deve
J. Fortman, The Triune God, 16 em diante; ver, ainda, ser visto, como indicado por H.W. Wolff, como uma
Alasdair I. C. Heron, The Holy Spirit, (Philadxelphia: “noção teo-antropológica” (H.W. Wolff, Antropolo-
The Westminstr Press, 1983), 44-ss. gia do Antigo Testamento [São Paulo, SP: Loyola,
28
Os primeiros discípulos eram tanto arautos das 1975], 52). Para uma significativa discussão sobre
boas novas como testemunhas delas, e isto não por a variedade de significados das palavras ruach e
iniciativa própria. Mas testemuhas sob a direção da pneuma, veja Alasdair I. C. Heron, The Holy Spirit,
Testemunha Divina, o Espírito Santo. Comunicado (Philadelphia: The Westminster Press, 1983), 3-38.
por Deus a todos os que obedecem o evangelho. 31
Embora Jesus tenha se tornado um parákletos
“Nestas palavras temos a marca da consciência no céu, indo para o Pai, depois da Sua ascensão,
apostólica de serem possuídos e habitados pelo como indicado em 1 João 2:1, as funções do Espírito-
Espírito, de tal forma que eles foram o Seu órgão parákletos são paralelas em cada detalhe em relação
de expressão,” afirma F. F. Bruce, The Book of Acts, ao ministério terreno dEle [Jesus]. Este segundo
32. Bruce, então, faz neste contexto, a conexão com paracleto faz precisamente o que Jesus fez (ensi-
João 15:26 e 27: “Quando, porém, vier o Paracleto, nando, testemunhando contra o mundo, guiando, e
que eu vos enviarei da parte do Pai, O Espírito da ajudando os discípulos). A conclusão de que Jesus
verdade que dele procede, esse dará testemunho de foi o “primeiro Paracleto” em seu ministério terreno
mim, e vós também testemunhareis, porque estais parece inevitável.
comigo desde o princípio.” 32
Brown, 128.
29
R Brown, 1.140. 33
Martyn, History & Theology in the Fourth
30
Nicotra tenta justificar seu antitrinitarianismo Gospel, 150.
afirmando que o Espírito (ruach/pneuma), é apenas o 34
Ver F. F. Bruce, The Gospel of John, 302.
fôlego de Deus, como no caso do homem e, portanto, 35
Ver Herschel H. Hobbs, “Word Studies in the
impessoal (ver “Eu e o Pai Somos Um”). Além do Gospel of John”, em Soutwestern Journal of Theo-
caráter precário deste tipo de teologia, que busca logy, 37 (1985), 78.
explicar Deus a partir do homem, revertendo ao ab- 36
Alguns eruditos bíblicos mantêm que um dos
surdo de tentar “criar Deus à imagem e semelhança propósitos do quarto evangelho foi demonstrar a
do homem”, (como no famoso dito de L. Feuerbach, verdadeira conexão entre a vida da Igreja no final do
“O homem criou Deus segundo a sua imagem”, ainda primeiro século com o já distante Cristo. Eles consi-
hoje muito estimado pela propaganda ateísta), tal deram o evangelho como uma tentativa de neutralizar
teologia não passa num teste simples de lógica. Se o perigo de a igreja tornar-se, em si mesma, um tipo
O Espírito-parákletos no quarto evangelho / 67
de salvador, suficiente em si própria. Assim, o quarto Em outras palavras o parákletos não foi privilégio
evangelho busca enfatizar a necessidade de fé em apenas dos doze ou da igreja apostólica. Aqueles são
Jesus, e demonstrar através de atos simbólicos, que apenas modelos, tipos, daquilo que cada discípulo de
a Igreja está diretamente relacionada com o Senhor. Cristo, através da era cristã, deve ser. O parákletos
Daí, concluímos, a ênfase no parákletos, como o não é, ainda, privilégio exclusivo de qualquer grupo
verdadeiro vínculo entre a vida da Igreja e Jesus. dentro da Igreja. Em 1 João 2:20, 27, o apóstolo
37
O ato do parákletos de “relembrar” (upo- amplia a função de ensino do Espírito Santo: “E vós
mimvnskeiv), aos discípulos, participa no caráter possuís unção que vem do Santo e todos tendes co-
da avamvnsis bíblica, isto é, a reinterpretação de nhecimento... a unção que dEle recebestes permanece
maneira viva. O próprio Evangelho de João pode em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos
ser considerado um perfeito exemplo de como ensine, mas com a sua unção vos ensina a respeito
Ele exerceu Seu ministério de guiar os homens de todas as coisas...”
na verdade das palavras e atos de Jesus. O quarto 38
O elemento de ligação entre João 21:18-23 e os
evangelho representa a melhor demonstração da propósitos da composição do quarto evangelho foi
ação do parákletos, uma vez que aí, João é guiado a trazido à minha atenção por Wilson Paroschi.
reintepretar os desdobramentos e profundas impli- 39
Brown, 1.131.
cações das palavras e atos de Jesus, em um período 40
White, 20 Marnuscript Release, 324.
já consideravelmente distante do ministério histórico 41
J.Ritchie Smith, The Holy Spirit in the Gospels
de Jesus. Desta forma, o evangelho joanino é o me- (New York: The Macmillan Company, 1926), 298.
lhor exemplo, ou mesmo o exemplo ideal, do papel Smith foi um professor em Princeton, particularmen-
do parákletos. Ao mesmo tempo, devemos ter em te interessado na teologia joanina. Seu livro pode
mente que a obra do parákletos não está confinada parecer antigo, mas sua compreensão é equilibrada
ou restrita ao testemunho do discípulo amado, ou a e judiciosa.
qualquer outra das testemunhas primitivas de Cristo.
69
longo dos dois anos seguintes a igreja local inauguraram a nave da nova igreja com
reembolsou esse valor. capacidade para 100 pessoas, com o nome
de “Igreja Cristã Bíblica Adventista”, com
Insatisfeito com o valor doado pela As-
sede no Jardim Vera Cruz. Em setembro
sociação local, Ricardo pesquisou o Livro
de 2005 o grupo contava com aproxima-
de Praxes da Divisão Sul-Americana9 e
damente 50 membros, mas a mudança de
começou a questionar os relatórios finan-
Nicotra para os Estados Unidos acabou
ceiros da Associação local e a estrutura ad-
enfraquecendo o grupo.
ministrativa da igreja em geral, por meio de
artigos na Internet e chats adventistas. Por Em 2002, as idéias antitrinitarianas
causa das suas críticas, foram convocadas passaram a ser propagadas mais enfati-
duas reuniões para tratar do assunto, uma camente no Brasil pela Internet. No ano
na Igreja de São João Clímaco e outra na seguinte (2003), o grupo dissidente que já
sede da Associação Paulistana. Na segunda se reunia na casa do sr. Mário começou a
reunião estiveram presentes os pastores Le- discutir se deveria ou não tomar alguma
onício Lisboa, departamental de Mordomia posição sobre o assunto. No final daquele
(hoje também chamado de Ministério da ano, Nicotra começou a pesquisar mais
Fidelidade); Jetro Ferreira da Silva, secre- detidamente o tema, e passou a aceitar tais
tário Ministerial; e Valter da Silva Araújo, idéias. Já em 2004 ele publicou o livro
pastor distrital. Nicotra solicitou um rela- “Eu e o Pai Somos Um”, cujo conteúdo é
tório simplificado das entradas e saídas da o objeto básico da análise crítica provida
Associação, mas não foi atendido, o que no presente artigo.
gerou mais críticas de sua parte.
Entre 1998 e 1999, Nicotra fundou o Relevância do tema
Movimento de Obreiros Voluntários Ad- O livro “Eu e o Pai Somos Um” reflete
ventistas (Mova) que arrecadava doações a compreensão de Ricardo Nicotra sobre
de membros da Igreja Adventista para Deus, com especial ênfase em sua interpre-
financiar obreiros bíblicos. Ele canalizava tação do inter-relacionamento entre o “Pai”
o seu próprio dízimo para o referido mo- (pessoa), o “Filho” (pessoa) e o “Espírito
vimento, que continuaria apenas até abril Santo” (apenas espírito). Sem questionar-
de 2000. O nome de Ricardo Nicotra foi mos ainda a validade dessa interpretação,
removido do rol de membros da Igreja de podemos dizer que o tema sobre o qual o
São João Clímaco em 11 de dezembro de autor escolheu dissertar é de suprema rele-
1999, época em que Valter da Silva Araújo vância teológica, histórica e escatológica.
ainda era o pastor distrital. Nicotra ficou Da perspectiva teológica, devemos reco-
aguardando a comunicação por escrito da nhecer que o conhecimento experiencial
igreja sobre sua exclusão, mas isso não de Deus é não apenas o mais importante
ocorreu. Ele solicitou então sua readmissão conhecimento que seres humanos podem
como membro, com direito a uma reunião obter (Pv 9:10), mas também a própria
plenária com a igreja local para expor sua condição para a vida eterna (Jo 17:3). No
defesa. Isso não lhe foi concedido, mas ele entanto, como um dos pilares da fé cristã,
a continuou freqüentando até 2001. o assunto da natureza de Deus deve ser
Em 14 de julho de 2001 ele começou tratado com o máximo de reverência e de
a freqüentar reuniões na casa de Mário cuidado possíveis, permitindo que a razão
Ângelo Fragnan, no Jardim Vera Cruz, São e a lógica humana se curvem diante da
Paulo, com um grupo de aproximadamente revelação divina.
20 ex-membros da Igreja do Parque São Já a importância histórica deriva do fato
Rafael, São Paulo. Em julho de 2003, esse de este ter sido o tema central de muitos
novo grupo comprou um terreno para a debates teológicos dos primeiros séculos
construção de uma igreja e, em julho de da Era Cristã. O assunto mereceu atenção
2004, começou a congregar no prédio especial também dos adventistas do sétimo
ainda inacabado. Em 16 de julho de 2005 dia entre o final do século 19 e o início do
72 / Parousia - 2º semestre de 2005
século 20. A despeito de toda a literatura o livro “Eu e o Pai Somos Um”.
já produzida sobre o assunto, esta é, sem
dúvida, uma questão cíclica que tem sido Uso de fontes
debatida em outros momentos da história
cristã, e que ressurgiu em anos recentes Fundamental para se entender um livro
também em alguns círculos adventistas. controvertido como o “Eu e o Pai Somos
Como parte dos debates teológicos con- Um” é a identificação crítica das fontes
temporâneos, o tema merece ser analisado bibliográficas usadas pelo autor. Essa
em mais profundidade, de modo a prover identificação permite que se tenha uma
respostas convincentes a todos aqueles que noção mais precisa e acurada, não apenas
sincera e honestamente indagam a respeito do grau de atualização e familiaridade bi-
da razão de nossa fé (cf. 1Pe 3:15). bliográfica do autor, mas também das obras
que ele reconhece como mais autoritativas
Em face à relevância teológica e histó- e abalizadas na área. Deve-se reconhecer,
rica da doutrina de Deus, é de se esperar no entanto, que alguns autores adventistas,
que ela assuma também uma importância mesmo crendo em Ellen G. White, evitam
escatológica nos conflitos finais entre a mencionar seus escritos ao público não ad-
verdade e o erro, que se intensificarão ventista, a fim de minimizar preconceitos.
antes da segunda vinda de Cristo (ver 1Tm Mas como o livro “Eu e o Pai Somos Um”
4:3, 4). A pergunta básica nesses conflitos tem circulado basicamente entre pessoas
é: Quem é digno de adoração? – a besta adventistas e ex-adventistas, cremos que
ou Deus (Ap 13:12; 14:7, 9-12)? Não é de essa precaução não se aplica a ele.
surpreender, portanto, que nestes últimos
dias Satanás procurará confundir a mente É provável que no processo de pesquisa,
dos “próprios eleitos” a respeito da natu- Nicotra tenha consultado outras fontes não
reza de Deus (cf. Mt 24:24). Além disso, mencionas explicitamente em seu livro.
como o assim chamado “alfa da apostasia” Mas, além de diferentes versões do texto
envolvia a negação da personalidade de bíblico, o autor se limita a citar, quase que
Deus através da teoria panteísta de John H. exclusivamente, obras de referência geral
Kellogg,10 não seria possível que o “ômega como o Código de Processo Penal12 (p. 42);
da apostasia”11 representasse a negação a Encyclopaedia Britannica, 11ª edição13
da personalidade de pelo menos um dos (p. 49); a Encyclopaedia of Religions, de
membros da Divindade (neste caso a do M. A. Canney14 (p. 49); a New International
Espírito Santo)? Não seria de se esperar Encyclopaedia15 (p. 49); a Encyclo-paedia
que, numa época da história em que a Igreja of Religion and Ethics, editada por James
mais precisa do poder do Espírito Santo Hastings16 (p. 49, 53); os comentários de
por meio da “chuva serôdia” (Jr 5:24; Os rodapé da Bíblia de Jerusalém17 (p. 50); a
6:3; Jl 2:23), os poderes do mal tentariam Gramática Elementar da Língua Hebraica,
levar as pessoas a questionar a própria de Hollenberg & Budde18 (p. 62); a enci-
personalidade do Espírito Santo a fim de clopédia Wikipedia da Internet19 (p. 87); e
neutralizar a Sua obra? o Catecismo do Católico de Hoje20 (p. 88-
89). A única obra adventista mencionada é
Seja como for, a doutrina de Deus é o livro O Terceiro Milênio e as Profecias do
demasiadamente importante para ser consi- Apocalipse, de Alejandro Bullón21 (p. 50).
derada uma questão de mera “interpretação Nicotra reconhece também como autorida-
pessoal”, ou de “ponto de vista particular”, des confiáveis, em suas respectivas áreas,
ou mesmo de “consciência individual”. o antigo historiador eclesiástico Eusébio
Este assunto precisa ser bem compreen- de Cesaréia (p. 52-53)22 ; um “estudioso
dido pelos filhos de Deus, para não serem inglês” chamado A. Ploughman (p. 53); e
levados pelos assoladores vendavais de o teólogo George Howard, que é dito ter
falsas doutrinas que soprariam nos últimos concluído o “seu Ph.D.” no Hebrew Union
dias (Ef 4:14). É com esta preocupação em College (p. 54).
mente que passamos a analisar criticamente Ao tratar de um tema tão significativo
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 73
como a natureza de Deus, seria de se espe- dessa expressão de Mateus já havia sido
rar que Nicotra citasse pelo menos algumas confirmada anteriormente, por exemplo,
obras clássicas de Teologia Sistemática23 pelo Didaquê, bem como por Clemente,
e outras mais específicas sobre a doutrina o Pastor de Hermas, Irineu, Tertuliano de
de Deus, 24 mas todas acabaram sendo Cartago, Hipólito de Roma, e Orígenes de
desconsideradas. Nem mesmo aparecem Alexandria.29 Mas como tais informações
quaisquer alusões a obras fundamentais da não ajudam a construir o argumento de
literatura adventista sobre o assunto como, “Eu e o Pai Somos Um”, Nicotra preferiu
por exemplo, os capítulos 2-5 do livro Nisto continuar ignorando-as.
Cremos (disponível em língua portuguesa
Tendenciosa parcialidade no uso de
desde 1989)25 ; o capítulo “Doctrine of
fontes é evidente também na forma como
God”, do livro Handbook of Seventh-day
Nicotra escolheu de Eusébio de Cesaréia
Adventist Theology (2000)26 ; o livro Un-
apenas o que favorece a sua teoria anti-
derstanding the Trinity (2001), de Max
trinitariana (ver pp. 52-53), desconhe-
Hatton27 ; e o próprio livro A Trindade,28 já
cendo completamente o que a contradiz.
mencionado. É digno de nota que Nicotra
Por exemplo, em nenhum momento os
também não cita uma única vez os escritos
leitores de “Eu e o Pai Somos Um” são
de Ellen G. White sobre o assunto.
informados a respeito da existência do
Diante disso, alguns leitores de “Eu e Credo de Cesaréia, escrito por Eusébio e
o Pai Somos Um” poderão indagar: Des- por ele apresentado diante do Concílio de
conhece o autor a literatura básica sobre a Nicéia.30 Nesse credo Eusébio não apenas
doutrina de Deus, ou seria ele suficiente- nomeia explicitamente ao Pai, ao Filho e
mente tendencioso a ponto de ignorá-la? ao Espírito Santo, mas também confirma a
E mais, estaria ele já tão distante do pen- autenticidade de Mateus 28:19:
samento adventista contemporâneo que
Cremos em um Deus o Pai Onipotente, Criador
nem mais considera confiável a literatura
de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um
denominacional, incluindo os escritos de Senhor Jesus Cristo, o Verbo de Deus, Deus de
Ellen G. White? É curioso observarmos Deus, Luz de Luz, Vida de Vida, e Filho unigênito,
que, ao mesmo tempo em que Nicotra tenta o primogênito de toda criação, gerado de Deus
convencer seus leitores de que os teólogos o Pai antes de todas as eras, por quem todas as
adventistas não são confiáveis (p. 6, 68, 69), coisas foram feitas; que pela nossa salvação foi
ele cita de forma elogiosa teólogos não-ad- feito carne e habitou entre os homens; e sofreu;
ventistas para justificar suas teorias (p. 54). e ressuscitou no terceiro dia; e ascendeu ao Pai;
Com isso, ele tenta distanciar seus leitores e virá outra vez em glória, para julgar vivos e
do pensamento teológico adventista. mortos.
[Cremos] também em um Espírito Santo.
Mas, além de desconhecer inúmeras Cremos que cada um deles é e existe, o Pai
fontes teológicas abalizadas, o autor de “Eu verdadeiramente Pai, e o Filho verdadeiramente
e o Pai Somos Um” também demonstra Filho, e o Espírito Santo verdadeiramente Espírito
sérias inconsistências na forma como usou Santo; como nosso Senhor, ao enviar seus discípu-
los a pregar, disse: “Ide, portanto, fazei discípulos
os próprios documentos históricos dos pri-
de todas as nações, batizando-os em nome do Pai,
meiros séculos da era cristã. Por exemplo, e do Filho, e do Espírito Santo”.31
ao focalizar sua atenção tardiamente em
Eusébio de Cesaréia como sugerindo que O mesmo Eusébio, tão laureado por Ni-
a expressão “batizando-os em nome do cotra, é descrito por Ellen G. White como
Pai e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt o “amigo íntimo e adulador de Constanti-
28:19) não fazia parte do texto original de no” que “propôs a alegação de que Cristo
Mateus, Nicotra acabou ignorando vários transferira o sábado para o domingo”. Esse
outros documentos patrísticos anteriores, argumento, “infundado como era, serviu
que comprovam a autenticidade da ex- para incentivar os homens a desprezarem
pressão. Lamentavelmente, Nicotra não o sábado do Senhor”.32 O próprio Eusébio
informa seus leitores que a autenticidade chegou a escrever uma obra sobre a vida
de Constantino, na qual afirma que “Deus
74 / Parousia - 2º semestre de 2005
honrou a Constantino” por ser este “um po- não comprova. Quais seriam esses “ma-
deroso luzeiro e o mais eloqüente arauto da nuscritos anteriores e mais fidedignos”?
genuína piedade”.33 No Concílio de Nicéia Se a expressão “batizando-os em nome
(325), Eusébio demonstrou considerável do Pai e do Filho e do Espírito Santo” é
instabilidade teológica entre o arianismo e espúria e mesmo herética, como sugerido
a ortodoxia.34 A admissão de que “no final por Nicotra, por que Ellen G. White a citou
de sua vida, após o Concílio de Nicéia”, muitas vezes em seus escritos?36 Será que
Eusébio passou a incorporar em seus Eusébio de Cesaréia e o próprio Nicotra
escritos a própria fórmula trinitariana de seriam mais esclarecidos e confiáveis nesse
Mateus 28:19 (p. 53) confirma a inconsis- particular do que a voz profética de Deus
tência desse historiador. Em realidade, de para os últimos dias, através dos escritos
acordo com Benjamin J. Hubbard, “Eusé- de Ellen G. White?
bio tinha o hábito de citar as Escrituras de
forma inexata”.35 Mas, a despeito de tudo Outro problema no uso de fontes ocorre
isso, Nicotra ainda o considera como “de na p. 50, onde aparece uma citação de O Ter-
boa reputação no tocante à sua precisão” ceiro Milênio e as Profecias do Apocalipse,
(p. 52). de Alejandro Bullón. Nicotra transcreve a
citação da seguinte forma: “Naquele perí-
A fragilidade documental de “Eu odo, a Igreja cristã passou a ter conflitos
e o Pai Somos Um” transparece também internos por causa de doutrinas entranhas
em várias outras ocasiões. Por exemplo, que pretendiam misturar-se às verdades
na p. 49 do livro, o autor assevera de bíblicas. Entre as doutrinas em conflito,
forma dogmática: “... Mateus 28:19 tem podemos mencionar: o pecado original, a
sua autenticidade questionada. A história trindade, a natureza de Cristo, o papel da
demonstra que na era apostólica batizava- virgem Maria, o celibato e a autoridade
se apenas em nome de Jesus, sendo que da Igreja” (grifo acrescido por Nicotra).
batismos em nome do Pai, do Filho e do É evidente que Bullón menciona como
Espírito Santo só foram realizados muitos “doutrinas em conflito” algumas doutrinas
anos após a morte dos apóstolos. Vejamos biblicamente aceitáveis e outras, espúrias.
o que as enciclopédias dizem a respeito...” Mas a maneira como Nicotra grifou o texto
Sinceramente, enciclopédias são fontes acaba induzindo o leitor desatento a crer
secundárias, úteis para quem deseja co- que o próprio Bullón considera a doutrina
meçar a estudar determinado assunto, mas da “trindade” como uma das “doutrinas
jamais deveriam ser usadas em substituição estranhas que pretendiam misturar-se às
a uma análise acurada das próprias fontes verdades bíblicas. Que Nicotra creia desta
primárias existentes, como o próprio autor forma, é mais que evidente em “Eu e o
sugere nas páginas 51-52 do seu livro. Só Pai Somos Um”; mas sugerir que Bullón
que, depois de afirmar que as “citações de esteja qualificando a Trindade como uma
versos bíblicos feitas por autores antigos doutrina estranha e antibíblica só é possível
são de grande valor para a crítica literária” quando se lê a referida citação de forma
(p. 52), Nicotra menciona apenas a Eusébio tendenciosa.
de Cesaréia, desconhecendo todos os “au-
tores antigos” que o precederam. Será que Existem também outras dificuldades
“de grande valor” para Nicotra são apenas de precisão no uso das fontes. Um exem-
aqueles autores que concordam com as plo é a alegação de que o Evangelho de
suas idéias? Mateus tenha sido escrito em aramaico,
sem nem ao menos citar qualquer fonte
Na página 53, Nicotra assevera ca- mais sólida sobre o assunto (p. 42). Na
tegoricamente que Eusébio de Cesaréia página 53, alusão é feita a Ploughman, sem
“baseou seus escritos em manuscritos identificar explicitamente a fonte de onde
anteriores e mais fidedignos do que os que a informação foi extraída. Na página 54
temos hoje”. Lamentavelmente, Nicotra é mencionado que em 1960 a Sociedade
declara mais uma vez algo que ele mesmo Bíblica Britânica e Estrangeira publicou
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 75
um Novo Testamento grego, mas nenhuma própria essência do livro, seja que “a Pa-
fonte é apresentada que identifique a proce- lavra de Deus apresenta duas pessoas que
dência dessa informação. Já na página 88 possuem atributos divinos”, e que “a dou-
aparece uma citação atribuída equivoca- trina da trindade carece de embasamento
damente ao “Credo de Nicéia” (325 d.C.), bíblico quando afirma que o Espírito Santo
quando ela é, em realidade, uma versão é a terceira pessoa de uma tríade divina” (p.
condensada do posterior Credo Niceno- 28). Como todo o conteúdo do livro gravita
Constantinopolitano (381 d.C.).37 em torno dessa pressuposição, a doutrina
clássica da Trindade ou Tri-unidade é redu-
É lamentável que o livro “Eu e o Pai zida a uma espécie de “Bindade” ou Duo-
Somos Um” seja parcial e tendencioso no unidade. Diante dessa proposta, alguns
uso de fontes extra-bíblicas. Mas o as- leitores poderão indagar se Nicotra não
sunto se torna bem mais comprometedor estaria sendo motivado mais pelo ditado
ao se descobrir que o mesmo problema popular “um é pouco; dois é bom; três é
de parcialidade transparece também no demais”, do que por uma acurada exegese
uso de textos bíblicos. Os adventistas do do texto bíblico!
sétimo dia sempre enfatizaram o princípio
Outra pressuposição básica é que o con-
protestante da tota Scriptura, que leva em
ceito de “pessoa” só pode ser compreendi-
consideração a totalidade das Escrituras.
do dentro dos limites da pessoa humana.
Em contraste, Nicotra se vale de um uso
Nicotra argumenta que, como o espírito
seletivo da Bíblia, em que alguns textos são
do ser humano não existe separadamente
usados em substituição a outros, fazendo
do próprio ser humano, também o Espírito
com que importantes passagens bíblicas
Santo, chamado na Bíblia de “Espírito
sejam desconsideradas. Um exemplo típico
de Deus” e o “Espírito de Cristo” (Rm
é a maneira como o referido autor usa os
8:9), não pode existir como uma “pessoa”
textos que falam no batismo em “nome
distinta do Pai e do Filho (p. 10-27, 59).
de Jesus” (At 2:38; 8:16; 10:48; 19:5; Rm
Para o mesmo autor, “uma pessoa deve ter
6:3; Gl 3:27) para desfazer a relevância
corpo e espírito”. Como a Bíblia “não fala
de Mateus 28:19 (pp. 45-49). Como se
que o Espírito Santo tem um corpo” e nem
isso não bastasse, ele não se constrange
que Ele “tem um espírito” que poderia ser
em desfazer o princípio da sola Scriptura
chamado de “o Espírito do Espírito Santo”,
(exclusividade das Escrituras) ao estudar
conseqüentemente, “o Espírito Santo não é
o texto de Mateus 28:19 à luz de Eusébio,
uma pessoa, mas sim o próprio Espírito do
Encyclopaedia Britannica, enciclopédia
Pai e o Espírito de Cristo” (p. 107).
Wikipedia e outras fontes secundárias (p.
49, 52-53, 87). Para Nicotra, é irrelevante Por mais lógica e persuasiva que possa
o fato de não existir nenhum manuscrito pretender ser, essa forma de argumentação
grego (ou mesmo aramaico!) antigo que possui sérias implicações. Primeiro, ela
apresente resquícios de supostas supressões sugere uma compreensão antropocêntrica
ou variantes textuais em Mateus 28:19.38 de Deus, na qual a natureza do ser humano
finito se transforma no referencial para se
Mas a seletividade e a fragilidade entender a natureza do Ser Divino infini-
bibliográficas de Nicotra podem ser to. Não resta a menor dúvida de que o ser
mais facilmente compreendidas ao se humano foi criado originalmente à imagem
considerar as pressuposições básicas que e semelhança de Deus (Gn 1:26, 27), mas
sustentam o conteúdo do livro “Eu e o jamais podemos dizer que Deus é seme-
Pai Somos Um”. lhante ao ser humano, pois isso acabaria
divinizando o ser humano ou humanizando
Pressuposições do autor a Deus.39 Mas, além disso, a argumentação
Existem várias pressuposições básicas de Nicotra também nega a pluralidade de
que fundamentam o conteúdo do livro “Eu significados dos termos hebraico ruach40
e o Pai Somos Um” de Ricardo Nicotra. e grego pneuma41 , traduzidos como “es-
Talvez a mais importante, que sumariza a pírito” nas Escrituras, dando a impressão
76 / Parousia - 2º semestre de 2005
que o sentido desses termos é sempre o que o seu objetivo era “alcançar os judeus
mesmo, independente de se referirem ao convencendo-os de que Jesus Cristo era o
ser humano ou a Deus. Messias descrito pelos profetas do Antigo
Testamento” (p. 42), e que o texto original
Nicotra afirma também que a doutrina aramaico de Mateus 28:19 não continha
da Trindade está completamente ausente a expressão “batizando-os em nome do
no Antigo Testamento (p. 68), e que, no Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (p.
Novo Testamento, ela recebe apoio apenas 42-56). A teoria de que Mateus tenha sido
aparente de alguns poucos textos bíblicos escrito originalmente em aramaico (dialeto
espúrios e/ou mal interpretados (pp. 48, hebraico) é baseada na alusão que Eusébio
75). Esse tipo de alegação é característico de Cesaréia faz à seguinte declaração de
daqueles que desconhecem, consciente Papias: “Mateus escreveu os oráculos
ou inconscientemente, os textos bíblicos [grego logia] em língua hebraica, e cada
usados nas exposições teológicas sobre o um os interpretava como podia.”45 Para se
assunto, acima mencionadas.42 A tentativa aceitar essa teoria, é necessário interpretar
de apenas rotular tais exposições (p. 68-69) o termo logia como uma alusão ao próprio
e então ignorá-las completamente é inacei- Evangelho de Mateus, e assumir que o
tável em qualquer pesquisa séria de alguém “hebraico” mencionado por Eusébio não
que pretenda ser honesto para com “as inú- seja realmente hebraico e sim aramaico.
meras evidências bíblicas” sobre a “obra e No entanto, é importante ter-se em mente
natureza” do Espírito Santo (p. 67). que (1) até hoje não foi encontrado ne-
Além disso, para Nicotra, a crença no nhum fragmento hebraico ou aramaico
Espírito Santo como “uma pessoa divina” desse evangelho; (2) “o grego de Mateus
não passa de uma mera teoria satânica. não apresenta qualquer indício de ter sido
Ele não se constrange em afirmar que “o traduzido do aramaico”; e (3) “existem
inimigo busca confundir nossa adoração abundantes evidências de que o grego de
criando mais uma pessoa divina cujo nome Mateus é dependente de Marcos”.46
é Espírito Santo, quando na verdade o Es- Já a teoria de que a expressão “bati-
pírito Santo é um atributo do Pai e do Filho zando-os em nome do Pai, e do Filho, e do
que nós podemos receber, mas não um deus Espírito Santo” não fazia parte do suposto
que devamos adorar ou louvar” (p. 95). texto aramaico de Mateus 28:19 não passa
Com esse tipo de arrazoado Nicotra acaba de mera teoria especulativa inferida tam-
sugerindo que todas as evidências bíblicas bém dos escritos de Eusébio de Cesaréia,
da personalidade do Espírito Santo e as sem nenhum manuscrito bíblico, quer em
declarações explícitas de Ellen G. White aramaico ou em grego, para a substanciar.
que falam do Espírito Santo como uma É interessante notarmos que mesmo as
“pessoa” (inglês person) e uma “pessoa antitrinitarianas Testemunhas de Jeová pre-
divina” (inglês divine person), distinta do servam o texto em sua Tradução do Novo
Pai e do Filho,43 são de origem satânica! Mundo das Escrituras Sagradas, onde a
A alegação de que o termo person (em in- referida expressão é vertida da seguinte
glês) tem um sentido diferente da palavra forma: “batizando-as em o nome do Pai,
pessoa (em português) não é convincente e do Filho, e do espírito santo”.47 Se a ex-
para quem conhece bem ambas as línguas. pressão não fosse autêntica, essa tradução
Para os verdadeiros adventistas do sétimo certamente a omitiria.
dia continua plenamente válido o seguinte
conselho inspirado de Ellen White: “Pre- Merece ser salientada ainda a pressupo-
cisamos reconhecer que o Espírito Santo sição de que, segundo Nicotra, a doutrina da
... é tanto uma pessoa como o próprio Trindade é uma teoria herética imposta ao
Deus”.44 cristianismo pelo Concílio de Nicéia (325
d.C.). Conseqüentemente, Nicotra relê as
Nicotra também argumenta que Mateus Escrituras como se nelas não existissem
foi escrito originalmente em aramaico, por- quaisquer evidências genuínas que supor-
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 77
tassem essa doutrina, pois, em sua opinião, contenta apenas em demonstrar a coerên-
ela é parte do processo pós-apostólico de cia bíblica de seus postulados, mas chega
“paganização do cristianismo” (p. 89). Se mesmo a discursar como um confiável
esse fosse realmente o caso, por que então porta-voz de Deus para uma comunidade
Ellen G. White não incluiu essa doutrina em pretensa apostasia.
entre os falsos ensinos pós-apostólicos e
Valendo-se desses recursos apologéticos,
medievais mencionados em seus livros
Ricardo Nicotra questiona subliminarmente
Spiritual Gifts, vol. 1 (1858)48 ; The Spirit
a credibilidade dos “acadêmicos da reli-
of Prophecy, vol. 4 (1884)49 ; e O Grande
gião” e dos assim chamados “doutores em
Conflito (1888; edição revisada de 1911)50?
divindade”, que é um título honorífico não
Por que essa “importante” questão não foi
recebido por nenhum dos atuais teólogos
tratada explicitamente em nenhum dos
adventistas brasileiros.51 Já no “Prefácio”
seus demais escritos? Será que Nicotra,
(p. 6) de sua obra, ele argumenta:
em resposta a essas perguntas, preferiria
assumir que Ellen G. White tenha supri- Apelo a todos os crentes sinceros que se
mido tendenciosamente a verdade sobre o desprendam de idéias pré-concebidas e dogmas
assunto ou, então, que ela haja permitido arraigados a fim de receber da Palavra de Deus um
conhecimento progressivo de Deus. ...
indevidamente que a liderança da Igreja
O conhecimento progressivo de Deus é pos-
Adventista do Sétimo Dia “adulterasse” sível! Mas para avançarmos, temos que estar dis-
todos esses escritos? Seja qual for a prefe- postos a deixar muitos conceitos já arraigados para
rência de Nicotra, a única resposta correta trás. Através da leitura deste livro você perceberá
a estas indagações é que Ellen G. White que a verdade bíblica é simples e fácil de ser com-
não incluiu a doutrina da Trindade entre os preendida, não é exclusividade dos acadêmicos da
falsos ensinos pós-apostólicos e medievais religião e dos doutores em divindade. Até mesmo
simplesmente porque ela cria nessa doutri- pessoas simples, sem educação formal, podem co-
na, e jamais a qualificou pejorativamente nhecer esse maravilhoso Deus que não é um Deus
como Nicotra e seus seguidores o fazem. misterioso e complicado, mas um Deus simples
que tem prazer em revelar-se aos seus filhos mais
As pressuposições anteriores são indis- humildes.
pensáveis para se entender a argumentação
que Nicotra usa em seu livro “Eu e o Pai Na “Introdução” (p. 8), Nicotra ironiza
Somos Um”. Mas, somadas a elas, existem outra vez: “Afinal de contas, há pastores
também alguns recursos retóricos que o e professores de religião com mestrado e
autor usa para convencer seus leitores de doutorado, experts em divindade. Eles não
que as idéias dele são bem mais confiáveis podem estar errados, podem?” Posterior-
e fidedignas do que as da Igreja Adventista mente em sua discussão (p. 68 e 69), ele
do Sétimo Dia, de cuja denominação ele já volta a insinuar desdenhosamente: “talvez
foi membro. o argumento mais sofrível utilizado pelos
doutores em divindade trinitarianos esteja
relacionado com...”, e mesmo ironicamen-
Recursos retóricos te: “os doutos teólogos pretendem sugerir
Algumas pessoas sem formação teológi- que...” Alguns leitores poderão indagar:
ca buscam espaço e reconhecimento nessa Até que ponto o rompimento de Nicotra
área, questionando de forma generalizada a com a organização adventista e sua lide-
idoneidade e a credibilidade dos teólogos. rança administrativa acabou gerando um
Maior êxito é conseguido quando o ques- efeito dominó, levando-o a questionar
tionador assume uma postura irônica para também a liderança teológica da denomi-
com seus antagonistas, e apela de forma nação? Seja como for, essa é uma questão
populista para que outras pessoas sem pessoal, não pertinente ao propósito da
formação teológica (mas “sinceras”!) tam- presente análise crítica.
bém rompam com a “tradição” teológica
predominante. O argumento se torna quase É certo que mestrados e doutorados
irresistível quando o questionador não se não tornam qualquer ser humano infalível.
Mas a forma irônica e pejorativa como
78 / Parousia - 2º semestre de 2005
essas expressões são usadas por Nicotra por aqueles que estão dispostos “a deixar
acaba rotulando negativamente os teólo- muitos conceitos já arraigados para trás” (p.
gos que não aceitam seus pressupostos. 6). Por sua vez, “o humilde é flexível” e “não
Desta forma, o leitor é vacinado subli- se apega a conceitos pré-estabelecidos”.
minarmente contra quaisquer respostas À primeira vista, esses conceitos parecem
teológicas que questionem os postulados neutros e aceitáveis; mas, depois de observar
de “Eu e o Pai Somos Um”. Rotu-lações como Nicotra os usa ao longo do seu livro,
pejorativas, como as que aparecem nesse li- percebe-se que eles são fundamentais para
vro, são normalmente usadas pelos críticos o seu discurso antitrinitariano. Com eles, o
como um complemento retórico para suprir autor sugere que as pessoas que não rom-
a carência de argumentos academicamente pem com a doutrina da Trindade não são
convincentes. É curioso ver também como humildes, nem possuem um “conhecimento
Nicotra, ao mesmo tempo em que critica progressivo de Deus”.
genera-lizadamente os teólogos, usa pala-
É certo que toda a tradição antibíblica
vras hebraicas (p. 12-15, 62, 68-69, etc.) e
é inaceitável (ver Mt 15:6, 9, 13). Mas
gregas (p. 16-27, 70-85, etc.), e reproduz
igualmente inaceitável é romper com os
textos bíblicos nessas línguas (p. 22, 23,
grandes componentes da “fé que uma vez
38, 55), como se fosse um especialista na
por todas foi entregue aos santos” (Jd 3).
área teológica e com mais conhecimentos
A igreja primitiva apegava-se a conceitos
que os demais teólogos.
preconcebidos chamados de “doutrina dos
Valendo-se de uma espécie de apologia apóstolos” (At 2:42). Paulo insta com os
da ignorância e da instabilidade doutriná- cristãos a que não aceitem outro “evan-
ria, Nicotra procura gerar uma dicotomia gelho que vá além do que vos temos pre-
artificial entre teólogos (orgulhosamente gado” (Gl 1:8, 9; cf. Rm 1:1-6). A própria
equivocados) e leigos (humildemente cor- mensagem de salvação é denominada no
retos) que predisponha o leitor a aceitar sua livro do Apocalipse de “evangelho eterno”
“teologia leiga” como mais honesta e con- (Ap 14:6). Por outro lado, a teoria de que
fiável do que o pensamento acadêmico da toda a tradição religiosa é má e deve ser
denominação (p. 6, 8-9). Ao mesmo tempo abandonada acaba suscitando uma geração
em que o estudo é tido como importante (p. de cristãos sem raízes e descomprome-
9), os estudiosos são considerados como tidos. Alguém poderia usar facilmente o
irrelevantes; pois, se o indivíduo estudar o argumento de que o humilde, que “não se
bastante para se tornar um teólogo, ele pas- apega a conceitos pré-estabelecidos”, deve
sa a ser desprezível para Nicotra (p. 6, 8). romper também com a tradição adventista
Mas é importante notarmos que mesmo o da observância do sábado!
preconceito deste para com os teólogos não Mas, além das pressuposições básicas
é plenamente consistente, pois, com base na e dos recursos retóricos, é indispensável
sua conveniência apologética, ele os polari- que se identifiquem também os princípios
za entre os que prestam (p. 53-54) e os que de interpretação sugeridos pelo autor. Es-
não prestam (p. 68-69). A dicotomia entre pecial atenção deve ser dada, não apenas
teólogos e leigos tende a desaparecer da à validade dos princípios enunciados, mas
mente daqueles que reconhecem que Paulo também ao grau de coerência demonstrada
e os grandes reformadores do século 16 pelo autor no uso desses princípios em sua
eram teólogos por excelência, com sólidos interpretação do texto bíblico.
princípios de interpretação bíblica.
Outro importante recurso retórico usado Princípios de interpretação
por Nicotra é a forma como ele define e Nicotra não fornece em “Eu e o Pai
aplica em seu livro os conceitos de “co- Somos Um” uma exposição sistemática
nhecimento progressivo de Deus” e de dos princípios de interpretação bíblica por
“humildade”. Para ele, o “conhecimento ele utilizados, mas prefere mencioná-los
progressivo de Deus” só pode ser alcançado esparsamente, enunciando alguns deles
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 79
onde julga mais oportuno. Vários princí- dizer que “é incontestável que o verso 14
pios mencionados são válidos e oportunos. refere-se ao Pai, pois este é quem glorifica
Mas deve-se levar em consideração o fato o Filho”. Mas o fato de o Filho glorificar o
de que a mera enunciação de princípios Pai (Jo 17:4) e o Pai glorificar o Filho (Jo
corretos de interpretação não garante que 8:54; 17:1, 5) não exclui a possibilidade de
estes tenham sido aplicados corretamente o Espírito Santo também glorificar o Filho,
no próprio processo de interpretação bí- como confirmado em João 16:14, onde o
blica. Falando a respeito dos princípios próprio Cristo se refere ao Espírito Santo
advogados por Agostinho, Bernard Ramm nos seguintes termos: “Ele me glorificará.”
declara que “dificilmente existe uma regra A interpretação de Nicotra contradiz dire-
por ele estabelecida que ele mesmo não tamente a seguinte declaração de Ellen G.
violasse freqüentemente.”52 Cremos que White: “O Salvador veio glorificar o Pai
o mesmo problema interpretativo também pela demonstração de Seu amor; assim o
ocorre em “Eu e o Pai Somos Um”. Espírito havia de glorificar a Cristo, reve-
lando ao mundo a Sua graça.”53
Uma das mais significativas declarações
hermenêuticas do livro aparece na página A idéia de “analisar outros textos bíbli-
41, onde Nicotra afirma que “o melhor cos que abordam o mesmo assunto” (p. 41)
conselho para evitar erros doutrinários” é: também é indispensável, só que Nicotra, ao
(1) “analisar o texto controvertido dentro tentar implementar esse princípio, acaba
do seu contexto”; (2) “analisar outros textos incorrendo em graves problemas interpre-
bíblicos que abordam o mesmo assunto”; e tativos. Para resolver as tensões entre textos
(3) “quando possível, recorrer ao original aparentemente contraditórios, Nicotra se
hebraico ou grego para desfazer dúvidas vale freqüentemente da abordagem dicotô-
remanescentes”. Esses princípios gerais são mica do either/or (ou isso, ou aquilo), que
pertinentes e devem ser usados no estudo o leva a enfatizar o conteúdo dos textos que
das Escrituras, mas Nicotra não os aplica mais lhe são úteis em sua interpretação, e a
consistentemente em sua própria interpre- desconhecer aqueles que não se enquadram
tação do texto bíblico. em seu sistema interpretativo. Por exemplo,
A análise adequada do contexto é funda- entre os textos do Novo Testamento que
mental para se compreender um texto, e Ni- descrevem pessoas sendo batizadas em
cotra chega mesmo a afirmar que “analisar nome de Jesus (At 2:38; 8:16; 10:48; 19:5;
o verso dentro do contexto é a chave para Rm 6:3; Gl 3:27), por um lado, e o texto
chegarmos” a uma “conclusão” correta (p. que ordena o batismo “em nome do Pai, e
73). Mas as análises contextuais realizadas do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28:19),
por Nicotra nem sempre são tão confiáveis por outro, Nicotra fica com os primeiros
como aparentam ser. Por exemplo, nas pá- e simplesmente nega a autenticidade do
ginas 83-85 de “Eu e o Pai Somos Um”, ele último (p. 45-55). Ele tenta justificar sua
se propõe a elucidar contextualmente o sig- postura dicotômica com a imagem de uma
nificado de João 16:14, onde aparecem as “Balança das Evidências” (p. 48), suge-
seguintes palavras de Cristo: “Ele me glo- rindo que a maior quantidade de textos é
rificará, porque há de receber do que é meu determinante para a interpretação. Como
e vo-lo há de anunciar”. O pronome “Ele” num dos pratos da balança aparece “apenas
(grego ekeînos) refere-se nesse verso ao um verso ‘em nome do Pai, do Filho e do
“Espírito da verdade” mencionado no verso Espírito Santo’”, e no outro aparecem “36
anterior (v. 13), que é o seu antecedente versos ‘em nome de Jesus’’, a conclusão
natural. Só que Nicotra, para confirmar sua de Nicotra é que o batismo “em nome de
teoria antitrinitariana, não se constrange Jesus” é a única fórmula batismal aceitável
em desconhecer esse antecedente natural, para os cristãos. A ênfase quantitativa desse
impondo ao referido pronome um antece- autor transparece também na expressão “o
dente artificial que vem depois do próprio mais importante é destacar a quantidade de
pronome, ou seja, o “Pai” do verso seguinte referências...” (p. 100).
(v. 15). O referido autor chega mesmo a Esse método de interpretação, por
80 / Parousia - 2º semestre de 2005
mais lógico que possa parecer para quem mico” daquele que se vale desse recurso.
gosta de matemática e estatística, é ina- Devemos ressaltar, no entanto, que não é
ceitável para aqueles que buscam uma nossa intenção questionar aqui o interesse
harmonia geral nas Escrituras, em vez de de Nicotra pelas línguas nas quais a Bíblia
simplesmente selecionar delas as porções foi originalmente escrita. Mas o uso que ele
que mais lhes convêm. Se aplicássemos o faz delas deixa muito a desejar.
mesmo método a outros assuntos bíblicos,
Um exemplo claro dessa deficiência é a
acabaríamos mutilando inevitavelmente o
forma reducionista e parcial como Nicotra
equilíbrio temático das Escrituras. Talvez
entende o termo hebraico ruach (“espírito”)
considerássemos como muito importante o
(p. 12-16). Mas essa questão é tratada à
assunto da idolatria, porque os profetas do
frente mais detalhadamente. Outro exem-
Antigo Testamento falaram muito sobre
plo é a forma como esse autor interpreta o
ele, e menosprezaríamos a profecia das
substantivo grego parákletos (Confortador)
“duas mil e trezentas tardes e manhãs”,
(p. 70-85). Cristo prometeu que rogaria ao
por ser mencionada apenas em Daniel
Pai para que Este enviasse “outro Conso-
8:14. Também a cerimônia do lava-pés
lador”, distinto de Ambos (Jo 14:16, 26).
(Jo 13:1-20) e as três mensagens angélicas
Crendo que esse “outro Consolador” deve
(Ap 14:6-12), por serem mencionadas ape-
ser o próprio Cristo, Nicotra mais uma vez
nas uma única vez na Bíblia, se tornariam
argumenta que não se pode defender uma
irrelevantes para nós.
doutrina baseada “em um verso” ou “uma
Outro sério problema da interpretação única palavra” (p. 75). Conseqüentemente,
de Nicotra é que a experiência pessoal ou os textos de João 14:16 e 26 perdem seus
coletiva da igreja apostólica acaba se tor- significados naturais, e acabam tendo que
nando mais normativa do que as próprias assumir o sentido artificial que Nicotra
ordenanças de Cristo. Se meia dúzia de lhes atribui. Como em 1 João 2:1 o mesmo
textos afirma que pessoas foram batizadas termo parákletos é usado para Cristo como
em nome de Jesus (At 2:38; 8:16; 10:48; “Advogado”, todas as referências ao mes-
19:5; Rm 6:3; Gl 3:27), então a ordenança mo termo grego encontradas no Evangelho
do batismo “em nome do Pai, e do Filho, de João são tidas como se referindo, não
e do Espírito Santo” (Mt 28:19) pode ser ao Espírito Santo, mas ao próprio Cristo.
considerada espúria. Se “toda a doutrina Esse tipo de raciocínio acaba negando a
deve ser obtida da pura Palavra de Deus, assim chamada “fluidez dos símbolos”, ou
não de escritos de homens, por mais fide- polissemia, onde um mesmo símbolo (ou
dignos que eles sejam” (p. 53), por que nome) pode significar diferentes entidades
Nicotra prefere usar Eusébio de Cesaréia em diferentes contextos. Um exemplo disso
(p. 52-54) em vez do testemunho unânime é o termo “leão”, que simboliza na Bíblia
da crítica textual (p. 50-51) em favor da o próprio animal (Jz 14:5-9; Dn 6:7-27), o
autenticidade de Mateus 28:19? Império Babilônico (Dn 7:4; cf. 2:37, 38),
Satanás (1Pe 5:8) e Cristo (Ap 5:5). Se
Já o conselho de que devemos, “quando
usássemos a interpretação generalizadora
possível, recorrer ao original hebraico ou
de Nicotra, teríamos sérias dificuldades
grego para desfazer dúvidas remanescen-
em entender a riqueza de significados de
tes” (p. 41) é oportuno para aqueles que
muitos termos bíblicos.
conhecem bem essas línguas e são honestos
no uso delas. Em muitos casos, porém, o Nicotra também se vale das línguas
apelo às línguas originais, por pessoas sem originais para neutralizar o argumento de
um conhecimento abalizado delas, não pas- que o nome “Espírito Santo” é um nome
sa de uma forma sofisticada de revestir teo- próprio, grafado nas Escrituras com iniciais
rias pessoais com uma pretensa roupagem maiúsculas. Ele argumenta nas páginas 21-
acadêmica. Como a maioria dos leitores 22 do seu livro que
não conhece as línguas originais, eles são
induzidos a crer no discurso “mais acadê- os manuscritos mais antigo do Novo Testamento
são alguns fragmentos de papiro escritos em uncial.
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 81
O padrão uncial utilizava-se de letras maiúsculas conveniente lembrar que nenhuma doutrina
apenas. Este padrão continuou sendo utilizado bíblica pode ser estabelecida com base em
nos pergaminhos até o século XI, quando a escrita apenas um verso”.
minúscula começou a ser adotada. Fica claro que
escrever “Espírito Santo” com iniciais maiúsculas Em relação à expressão “outro Con-
é uma convenção adotada posteriormente. solador” (Jo 14:16), Nicotra (p. 75) usa
novamente o mesmo argumento:
À primeira vista, Nicotra parece invali- Defender uma doutrina baseado em um verso é
dar quaisquer discussões sobre maiúsculas algo muito perigoso, principalmente se o contexto
e minúsculas em relação ao texto bíblico. não for analisado apropriadamente e se outras
Só que, logo depois de afirmar que os passagens sobre o assunto não forem consultadas.
manuscritos mais antigos eram escritos Mas o mais perigoso é basear um argumento sobre
com todas as letras maiúsculas, Nicotra uma única palavra. E o risco de cometer um erro
reproduz uma versão mais recente do aumenta quando esta palavra está inserida entre
texto grego de Atos 13:9 para demonstrar elementos simbólicos, como é o caso do verso 16
[de João 14].
que o nome Paulo (grego Paûlos) aparece
grafado com o “P” maiúsculo, mas o nome
Quem insiste em tomar a sério o conte-
“espírito” (grego pneûma) aparece com
údo de qualquer desses textos (Mt 28:19 e
“p” minúsculo (p. 22). Com base em uma
Jo 14:16) acaba sendo rotulado por Nicotra
versão grega de 1 Coríntios 2:11 onde o
como alguém que se aproveita “de alguns
“espírito” do homem e o “espírito” de Deus
pontos isolados para impor seus ensinos” e
são grafados igualmente em minúsculas,
alguém que ignora a “regra geral”, apegan-
Nicotra conclui que “não há porque inter-
do-se “fortemente nas exceções” (p. 40).
pretar que o espírito de Deus é uma outra
Como já mencionado, é certo que toda uma
pessoa e o espírito do homem não é uma
doutrina não pode ser construída baseada
outra pessoa” (p. 23-24). Ora, se os manus-
apenas em um verso bíblico; mas, por outro
critos mais antigos eram escritos com todas
lado, é igualmente perigoso construir uma
as letras maiúsculas, que sentido teria esse
doutrina desconsiderando-se textos bíblicos.
argumento de maiúsculas e minúsculas?
Os adventistas do sétimo dia seguem o prin-
Por que Nicotra ainda insiste em mostrar
cípio da tota Scriptura, ou seja, da analogia
que nos manuscritos gregos posteriores a
das Escrituras. Em contraste, para Nicotra,
palavra “espírito” aparece em Atos 13:9 e
textos bíblicos podem ser rejeitados, ou
1 Coríntios 2:11 com inicial minúscula?
pelo menos reinterpretados, toda vez que
Não é de surpreender que Nicotra mais uma
discordarem dos postulados antitrinitaria-
vez usa determinado argumento, quando
nos por ele advogados. Com esse critério,
lhe é conveniente, e o rejeita, quando não
a razão humana acaba se sobrepondo ine-
favorece suas teorias pessoais.
gavelmente à revelação divina.
Outro princípio básico usado por Nicotra As considerações anteriores são su-
é de que não se pode basear uma doutrina em ficientes para se ter uma idéia geral das
um só texto bíblico. Só que ele usa esse prin- inconsistências hermenêuticas encontradas
cípio para minimizar, como já mencionado, a no livro “Eu e o Pai Somos Um”. Vários
força de alguns textos claros das Escrituras. assuntos diferentes acabaram sendo men-
Na tentativa a desfazer a declaração trinitaria- cionados tangencialmente ao longo da
na de Mateus 28:19, ele argumenta na página discussão. Mas cremos ser conveniente
48 de seu livro que “não podemos estabele- abordar um pouco mais detidamente alguns
cer uma conclusão definitiva com relação a assuntos tratados no livro.
uma doutrina ou prática basendo-se apenas
em um verso da Bíblia”. Já na páginas 54 Interpretações pessoais
ele volta a insistir que a autenticidade de
Mateus 28:19 “é bastante questionável e, O livro “Eu e o Pai Somos Um” apre-
portanto, não deve ser utilizado para pro- senta uma releitura antitrinitariana de vários
var qualquer doutrina. Ademais, é sempre temas bíblicos. A natureza mais sintética do
82 / Parousia - 2º semestre de 2005
presente texto não permite que analisemos século 16 trazia essa expressão, e que ela
todos eles. Mesmo assim, consideraremos não passava de mera anotação marginal de
criticamente ainda algumas idéias adicio- Cipriano, bispo de Cartago, que Prisciliano
nais relacionadas com a preservação das acabou acrescentando à Vulgata Latina.54
Escrituras, o conceito bíblico de mistério, a Em 1957 o Seventh-day Adventist Bible
teoria da Bindade, o Filho gerado, a emana- Commentary confirmou que “evidências
ção do Espírito divino, o parákletos divino, textuais atestam a omissão da passagem”.55
o trono do Espírito Santo e a autenticidade Em 1986, Pedro Apolinário acrescentou
de Mateus 28:19. que “a Crítica Textual, através de notáveis
comentaristas e insignes exegetas têm
A preservação das Escrituras provado que [essas palavras] não são de
autoria do apóstolo João”.56 É interessante
Se alguém que ainda não leu o livro “Eu
notarmos que uma pesquisa no CD-ROM
e o Pai Somos Um” o abrisse casualmente
The Complete Published Ellen G. White
na página 41, com certeza se impressionaria
Writings (versão 3.0) não revela qualquer
com a atitude respeitosa de Nicotra para
referência de Ellen G. White ao texto de 1
com as Escrituras, expressa na seguinte
João 5:7-8.57 Mas, em contraste, no mesmo
declaração: “Acreditamos plenamente que
CD-ROM aparece cerca de 168 vezes a
Deus preservou sua Palavra ao longo dos
expressão de Mateus 28:19 “batizando-os
séculos e que não houve perda de sua essên-
em nome do Pai, e do Filho e do Espírito
cia”. Já na página 38 somos assegurados de
Santo”.58 Portanto, Mateus 28:19 não pode
que “podemos confiar na Palavra de Deus
ser considerado uma interpolação seme-
pois ela mantém a verdade original sem
lhante à de 1 João 5:7-8.
perda de essência” (p. 38). Mas um estudo
mais atento do conteúdo do livro revela que Como adventistas do sétimo dia, não
Nicotra possui sérias ressalvas ao conceito podemos aceitar a teoria de Nicotra a res-
da preservação do conteúdo das Escrituras peito de supostas adulterações heréticas
ao longo dos séculos. Enquanto que os cris- do texto bíblico em suas línguas originais.
tãos em geral admitem que Deus permitiu Essa teoria representa um sério desrespeito
apenas algumas interpolações não heréticas para com as Escrituras Sagradas, e acaba
ao texto bíblico, Nicotra fala enfaticamente minando a confiabilidade da Palavra de
a respeito de “adulterações” heréticas do Deus. Somos advertidos por Ellen G.
próprio texto bíblico em suas línguas ori- White: “Se não quisermos construir nos-
ginais. Segundo ele, “textos bíblicos foram sas esperanças celestiais sobre um falso
adulterados em favor da teoria trinitariana” fundamento, precisamos aceitar a Bíblia
e “alterações foram feitas para ‘beneficiar’ como se lê e crer que o Senhor quer dizer
algumas doutrinas pagãs” (p. 38). o que diz”.59
Nicotra menciona que nos manus-
critos gregos antigos não aparece a in- O conceito bíblico de mistério
terpolação trinitariana de 1 João 5:7-8,
que na versão Almeida Revista e Corri- A compreensão cristã da Trindade como
gida foi vertida como “no céu: o Pai, a um “mistério” é vista por Nicotra como
Palavra e o Espírito Santo; e estes três mera invenção de teólogos que não conse-
são um. E três são os que testificam na guem explicar a Trindade. Na página 5 do
terra”. Esse detalhe pode surpreender seu livro ele diz:
àqueles que nunca estudaram o texto, Na interpretação dos trinitarianos (assim cha-
mas é mais do que óbvio para os que mados quem crê na teoria da Santíssima Trindade)
conhecem a literatura adventista sobre este ensino é um mistério! Por que um mistério?
o assunto. Por exemplo, já em 1949 Como tais ensinos carecem de uma base mais
Walter Schubert esclareceu na revista sólida e contêm contradições internas de difícil
conciliação, seus defensores também ensinam que
O Pregador Adventista (precursora de O
há um grande mistério por trás destes fatos e que ao
Ministério Adventista e atual Ministério) ser humano não é dado compreender os mistérios
que nenhum manuscrito grego anterior ao
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 83
o Espírito Santo dentro do conceito de e o Espírito Santo somos um” (p. 29), e
apenas duas Pessoas divinas. não apenas “Eu e o Pai somos um” (Jo
10:30). As saudações das cartas de Paulo
Os cristãos em geral crêem na existência que mencionam apenas o Pai e o Filho são
de uma unidade essencial entre os membros usadas para comprovar que o Espírito Santo
da Divindade, ou seja, que Pai, Filho e não existe como Pessoa distinta (p. 30-32).
Espírito Santo são um em natureza e pro- Por que Nicotra não menciona também as
pósito. Mas Nicotra sugere uma unidade bênçãos finais dessas mesmas cartas? Será
pneumática pela qual “o Pai e seu Filho que essas não lhe interessam porque entre
Jesus compartilham o mesmo pneuma, qual elas se encontra 2 Coríntios 13:13 onde é
seja, o Espírito Santo” (p. 24), e “por essa dito: “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o
razão são um” (p. 26). Assumindo que o amor de Deus, e a comunhão do Espírito
Espírito Santo não passa de um “atributo Santo sejam com todos vós”?
intrínseco” do Ser divino (p. 30), Nicotra
não teme afirmar que “não há diferença Nicotra tenta resolver alguns problemas
entre Espírito de Deus, Espírito de Cristo e interpretativos com a sua teoria da Bindade,
Espírito Santo” (p. 24). Ele chega mesmo a mas ela acaba gerando problemas ainda
propor a fórmula: “Espírito de Cristo = Es- mais graves, com os quais não se deparam
pírito de Deus = Espírito Santo” (p. 27). aqueles que crêem, como Ellen G. White,
que o Espírito Santo “é tanto uma pessoa
Agora, se o Espírito Santo é um mero como o próprio Deus”.62
“atributo intrínseco” do próprio Deus,
que “não pode ser separado dEle” (p. 24), Filho gerado
como poderia esse Espírito ser enviado
pelo Pai em nome de Cristo (Jo 14:26; cf. O livro “Eu e o Pai Somos Um” apre-
14:16; Is 48:16) sem ser distinto de ambos? senta também uma compreensão ariana de
Se o Espírito Santo é o mesmo Espírito de Cristo, ou seja, que “Jesus foi gerado por
Cristo, como explicar o texto que diz que Deus”. Essa geração é apresentada, não
Maria “achou-se grávida pelo Espírito San- como se referindo à encarnação de Cristo
to” (Mt 1:18, 20)? Quando a Bíblia afirma (Mt 1:18:25; Lc 1:26-38; 2:1-7; Jo 1:14; Gl
que Jesus era “cheio do Espírito Santo” 4:4), e sim, como uma pretensa origem de
(Lc 4:1), estaria ela dizendo que Jesus Se Cristo antes que todas as coisas viessem à
encontrava cheio de Si mesmo? E quando existência. Qualquer indagação quanto ao
Jesus foi levado “pelo mesmo Espírito” ao tempo em que ela teria ocorrido é descar-
deserto para ser tentado pelo diabo (Lc 4:1; tada por Nicotra com a seguinte afirmação:
cf. Mt 4:1; Mc 1:12, 13), teria o próprio “A questão do tempo da geração de Cristo
Jesus Se autoconduzido ao deserto para é tão absurdo quanto uma possível questão
se expor às tentações?61 Se nesses casos do local da geração de Cristo, sendo ele
o Espírito não era o Espírito de Cristo, e gerado com o atributo da onipresença” (p.
sim o Espírito de Deus, então teríamos que 105). Em resposta à pergunta: “Houve um
admitir que ambos os Espíritos são distintos tempo em que Cristo não tenha existido?”,
um do outro, o que conspira contra a teoria Nicotra alega simplesmente que essa ques-
de que “não há diferença entre Espírito de tão “não faz qualquer sentido”, pois “Cristo
Deus, Espírito de Cristo e Espírito Santo” é o ‘Pai da Eternidade’ [Is 9:6], é o Criador
(p. 24). do Tempo” (p. 105). Mas esse argumento
não resolve a questão, pois permanece
Para manter sua teoria da Bindade di- a teoria de que, antes que o tempo fosse
vina, Nicotra se vale de alguns textos que criado, Cristo foi gerado pelo Pai.
mencionam apenas o Pai e o Filho para
sugerir, de forma generalizante, que, se tais Não há como negar o fato de que a cris-
textos não mencionam o Espírito Santo, tologia de Nicotra está fundamentada na
então Este não existe como Pessoa. Por noção ariana de um “semi-Deus” gerado
exemplo, esse autor crê que, se a Trindade pelo Pai. Para não inferiorizar a Cristo,
existisse, então Jesus teria dito “Eu, o Pai Nicotra teria que admitir que Cristo é ple-
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 85
namente coeterno com o Pai, sem jamais a Cristo também em João 1:14, 18; 3:16,
ter sido gerado por Ele. Mas Nicotra pre- 18. Nicotra parece desconhecer o fato de
fere resolver a questão valendo-se de uma que monogenés é um termo composto de
analogia artificial entre a origem de Eva mónos (único) e gínomai (espécie), e não
e a origem de Cristo. O autor argumenta de gennáo (gerar). Isso é confirmado pelo
que, como “Eva foi gerada de Adão” e fato do sufixo genés ser grafado apenas com
“tem a mesma natureza humana de Adão”, um “n” em vez de dois.63 Por conseguinte, o
“Jesus Cristo, por ter sido gerado de Deus, termo mono-genés não significa necessaria-
é tão divino quanto o Pai” (p. 104). Neste mente o único gerado, mas também o “úni-
ponto, Nicotra se esquece que Eva não co da espécie”, alguém que é “singular”.
foi gerada de Adão. Ela veio à existência É nesse sentido que Hebreus 11:17 chama
por um ato criador direto de Deus, trans- a Isaque de “unigênito”, como filho “sin-
formando uma costela de Adão em uma gular” da promessa, sendo ele o segundo
mulher (Gn 2:21, 22). À primeira vista, filho de Abraão (ver Gn 16:1-16; 21:1-7).
essa analogia parece confirmar que Cristo, A Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB)
mesmo gerado, pode ter os mesmos atribu- traduz corretamente 1 João 4:9 como “Deus
tos do Pai; mas ela não resolve a questão enviou seu Filho único ao mundo”.
da eternidade de Cristo. Enquanto o Pai
sempre existiu, o Filho acaba sendo visto Em Isaías 9:6 Cristo é chamado de “Deus
como havendo tido um início, mesmo que Forte, Pai da Eternidade”. Mesmo que Nico-
esse início tenha sido antes do tempo e da tra coloque a pretensa geração de Cristo antes
eternidade. do tempo e da eternidade, ela continua em
direto antagonismo com a declaração de
Endosso para a teoria de que Cristo Ellen White de que “em Cristo há vida ori-
tenha sido gerado por Deus antes que o ginal, não emprestada, não derivada”.64
tempo viesse à existência é buscado em
Hebreus 5:5 e 1 João 4:9. Em Hebreus 5:5 A emanação do Espírito divino
aparece a expressão do Salmo 2:7: “Tu és
meu Filho, eu hoje te gerei”. O verbo “ge- Um dos componentes básicos da teoria
rar” é usado nesses textos, não no sentido antitrinitariana de Nicotra é a noção de
de uma pretensa origem do Filho antes da que o Espírito Santo não é um Ser pessoal,
eternidade, como pretendem alguns, e sim, mas apenas “um abributo que não pode ser
de entronização como Rei sobre as nações separado” de Deus (p. 24), e que deve ser
(Sl 2:6-9) e de inauguração como sacerdote entendido como a “mente” de Deus (p. 15-
“segundo a ordem de Melquisedeque” 16). Só que essa teoria acaba conflitando
(Hb 5:5, 6). Que o prometido Messias com o ensino bíblico que fala a respeito da
exerceria simultaneamente os ofícios real “mente do Espírito” (Rm 8:27). Se o Espí-
e sacerdotal é evidente em Zacarias 6:13: rito Santo fosse apenas a “mente” de Deus,
“Ele mesmo edificará o templo do Senhor como poderia o próprio Espírito Santo ter
e será revestido de glória; assentar-se-á no “mente”? Teríamos então que acreditar
seu trono, e dominará, e será sacerdote no na existência de uma mente da mente? Se
seu trono; e reinará perfeita união entre am- confrontado com o texto de Romanos 8:26
bos os ofícios.” Nicotra poderia ter evitado e 27, talvez Nicotra preferisse desconversar
distorcer o sentido do verbo “gerar” se tão o assunto alegando simplesmente, como em
somente houvesse dado mais atenção ao outras ocasiões, que não podemos construir
contexto bíblico no qual o verbo é usado uma doutrina baseada em um único texto
nos textos acima mencionados. bíblico (p. 48-49, 54, 75). Seja como for, os
leitores que procuram viver “de toda pala-
Por sua vez, na versão Almeida Revista vra que procede da boca de Deus” (Mt 4:4;
e Atualizada de 1 João 4:9 é dito que Deus cf. Ap 22:18, 19) certamente apreciariam
enviou “o seu Filho unigênito ao mundo”. encontrar em “Eu e o Pai Somos Um” uma
O adjetivo grego monogenés (aqui traduzi- explicação convincente do que significa a
do como “unigênito”) é usado em relação “mente do Espírito”.
86 / Parousia - 2º semestre de 2005
te dessa afirmação, não há como evitar a meridiana” interpretativa que Nicotra alega
pergunta: Se a analogia entre o espírito do ter encontrado, a ponto de asseverar que
homem e o Espírito de Deus (p. 10-27) é “não há mais dúvidas” (p. 85), não parece
válida, por que o Espírito de Deus emana, tão clara assim.
e o do homem, não?
James Robertson, em sua obra Ensinos
Por mais sincero e honesto que Ri- de Jesus, declara de forma convincente:
cardo Nicotra pretenda ter sido em seu Do ensino de Jesus, não resta a menor dúvida
estudo (p. 6), cremos que a sua teoria que o outro Paracleto é uma pessoa. A cada passo
da emanação divina reflete bem mais de Jesus fala desta maneira: “Ele vos ensinará todas
perto a filosofia de Plotino (205-270) e de as coisas”; “Ele me glorificará”. Personalidade
Schelling (1775-1854) do que o conceito está implicada no título “Paracleto”, o qual, em
bíblico. Esses filósofos consideravam a algumas versões, é traduzido impropriamente
“emanação” como um “processo no qual “Confortador”. A palavra significa “um que é cha-
mado para ficar ao nosso lado, especialmente em
a divindade suprema irradia, emite ou
ocasiões de dificuldade e conflito”. É, portanto, a
propaga sua própria substância, criando palavra que designa um advogado, e é assim usada
o universo, uma extensão de sua natureza a respeito de Jesus mesmo, em 1 João 2:1, onde
divina, de maneira processual, contínua e lemos: “Nós temos um Paracleto (advogado) com
permanente”.65 Nicotra certamente não iria o Pai, Jesus Cristo, o justo.” Como, porém, a pala-
tão longe como esses filósofos na definição vra significa “um que, em qualquer circunstância,
de referido termo, mas as implicações pela sua presença, dá força”, ela pode ser traduzida
lógicas da teoria dele não diferem muito também por Ajudador, Consolador, Encorajador.
desse conceito filosófico, pois a suposta Ela designa alguém que, em comunhão conosco,
emanação teria que realizar a ampla obra nos sustenta no dever e nos conforta na tristeza.
atribuída nas Escrituras ao Espírito Santo. Mas, à vista da ênfase com que Jesus representa
o Paracleto tomando parte com os discípulos na
Por contraste, os adventistas do sétimo dia
luta contra um mundo hostil, ela pode bem ser
crêem que o Espírito Santo possui uma traduzida ainda por Socorredor e Campeão. Na
personalidade distinta do Pai e do Filho, ante-visão que Jesus nos dá, tão distintamente,
diferindo radicalmente da mera emanação da hostilidade do mundo, em João 15:18-17:11, e
divina proposta por Nicotra. no conflito contra o mundo, e no testemunho que
os seus discípulos teriam de dar, o Paracleto surge
O parákletos divino como um Campeão, cuja intervenção na luta seria
decisiva. “Quando o Paracleto vier ... dará teste-
Boa parte dos argumentos que Nicotra munho de mim”. “Quando ele vier, convencerá o
usa para reinterpretar o parákletos divino mundo de pecado, de justiça e de Juízo; de pecado,
no Evangelho de João, como sendo exclusi- porque não crêem em mim; de justiça, porque vou
vamente Cristo, já foram mencionados sob para o Pai, e não me vereis mais; de juízo, por-
que o príncipe deste mundo está julgado.” (João
o intertítulo “Princípios de Interpretação”,
16:8-11). A intervenção do Paracleto é “robusta e
do presente artigo. Como o termo parák- enérgica”; é mais do que animar e confortar. Está
letos é usado para Cristo em 1 João 2:1, implicada também, no ensino de Jesus, que o outro
Nicotra se sente na liberdade de afirmar, Paracleto é uma pessoa divina. Jesus não poderia
desconhecendo os diferentes contextos dizer que era melhor que Ele fosse, se o seu subs-
do Evangelho de João, que todos os usos tituto fosse menos do que divino. Nem poderia ter
do termo naquele evangelho também se dito que “ao que disser alguma palavra contra o
referem apenas a Cristo (p. 70-85). Mas, Filho do Homem, isso lhe será perdoado; porém,
se o Consolador fosse o próprio Cristo, ao que falar contra o Espírito Santo, não lhe será
como interpretar a seguinte declaração de perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro”
Cristo: “convém-vos que eu vá, porque, se (Mat. 12:32). Também não poderia ter juntado “o
Pai, o Filho e o Espírito Santo”, como o faz na
eu não for, o Consolador não virá para vós
fórmula do batismo (Mat. 28:19), se todos os três
outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” não fossem divinos.66
(Jo 16:7)? E como explicar que o mesmo
Consolador viria com a missão de glorificar Cremos, portanto, que a interpretação
a Cristo (Jo 16:14)? A pretensa “clareza
88 / Parousia - 2º semestre de 2005
nos lábios de Jesus elas seriam um anacronismo; no que Levertoff chama de “a maior conclusão que
que a igreja primitiva na verdade não as empregou qualquer livro poderia ter”, que, o que quer que o
como fórmula batismal até o século segundo; e futuro lhes reserve[,] Ele estará com eles no Espírito
que Eusébio de Cesaréia, ao citar esta passagem, que lhes enviará da parte do Pai, sempre, até o fim
muitas vezes omite ou altera estas palavras. Por do mundo (VA), isto é, conforme o significado do
outro lado, as palavras se acham em todos os grego, heos tes sunteleias tou aionos, “até à consu-
MSS existentes; e é difícil ver por que o evange- mação da era presente” (RA: até à consumação do
lista as teria inserido se na ocasião em que estava século), quando terá início a nova era, inaugurada
escrevendo não faziam parte da liturgia da igreja. pelo retorno do Senhor em glória.68
Também é difícil supor que, se Eusébio tivesse
realmente sabido de MSS que omitiam estas pa- As considerações anteriores confir-
lavras, não sobrevivesse algum traço da influência
mam nossa convicção de que (1) Deus
destes MSS na tradição textual. Ademais, bem
pode ser que a verdadeira explicação por que a
preservou a Bíblia em suas línguas origi-
igreja primitiva não ministrou logo o batismo no nais, evitando que nela fossem acrescidas
nome tríplice seja que as palavras de 28:19 não quaisquer interpolações heréticas; (2) a
foram ditas originalmente por nosso Senhor com a natureza do Espírito Santo é um misté-
intenção de serem uma fórmula batismal. Ele não rio que pode ser entendido apenas até
estava dando instruções sobre as palavras a serem onde Deus julgou conveniente revelar
de fato usadas no ofício do batismo, mas, como nas Escrituras; (3) a teoria da Bindade
já se sugeriu, estava indicando que, pelo batismo, é parcial e não corresponde à revelação
a pessoa batizada passaria a ser possessão do Pai, bíblica de Deus como uma Tri-unidade;
do Filho e do Espírito Santo. Há boa evidência de (4) Deus o Filho é co-eterno com o Pai,
que o idiotismo grego, eis to onoma (“para dentro
jamais tendo um início, mesmo antes do
do nome”, não “no nome”) poderia comunicar
este significado. Além disso, parece que o batismo
tempo ou da eternidade; (5) o Espírito
que o Cristo ressurreto está aqui ensinando os Santo é uma Pessoa e não meramente uma
seus discípulos a praticarem não era uma simples emanação despersonalizada de Deus; (6)
restauração do batismo de João para arrependi- o parákletos divino no Evangelho de João
mento, nem a continuação do batismo praticado é o Espírito Santo, e não Cristo, como em
por Ele e seus discípulos antes, no seu ministério. 1 João 2:1; (7) a palavra “trono” na Bíblia
Era essencialmente o novo sacramento, pelo qual possui uma conotação funcional que jamais
homens e mulheres haviam de submeter-se à in- deveria ser usada para negar a existência do
fluência do Trino Deus para serem usados em seu Espírito Santo como um Ser distinto do Pai
serviço. As palavras, em nome do Pai e do Filho e e do Filho; e (8) a expressão “batizando-os
do Espírito Santo são, pois, enfáticas e essenciais
em nome do Pai, e do Filho e do Espírito
ao texto. Sem elas, a referência ao batismo seria
indeterminada e convencional.
Santo” em Mateus 28:19 deve ser conside-
Tampouco o fato de ser um tanto surpreendente rada como autêntica, e seu conteúdo, como
ver as três Pessoas da Trindade mencionadas por um resumo adequado dos próprios ensinos
Jesus é um insuperável argumento contra a histo- de Cristo.
ricidade das palavras. Ele falara constantemente
do “Pai”; em [Mateus] 11.27 e em 24.36, e muitas Considerações finais
vezes no quarto evangelho, Ele é apresentado fa-
lando de Si como “o Filho”; e muitas vezes fizera O presente artigo fornece uma análise
referência ao “Espírito” que seria “o outro Conso- crítica das idéias e conceitos básicos de
lador” quando findasse o seu ministério terreno. “Eu e o Pai Somos Um”. Mesmo em face
Quão, natural, é pois, que em sua comissão final a de tudo o que foi dito, é bem provável
seus discípulos, desse, nas palavras de Swete, “um que os antitrinitarianos simplesmente
magnífico sumário de todo o seu disperso ensino desconheçam todos os argumentos acima
sobre o Pai, o Espírito, e as suas próprias relações apresentados, e busquem questiúnculas não
com ambos ... não o dando como um dogma a ser
abordadas no presente estudo, para dizer
pregado, mas comunicando uma vida de comunhão,
de consagração, de divina plenitude e poder”! E
que suas idéias não foram respondidas a
quão estreitamente esta “comunicação” se liga às contento. Não é de surpreender também que
fortalecedoras palavras com que o evangelho termi- rotulações e ataques pessoais sejam usados
na! O Cristo ressurreto garante aos seus seguidores, como um mecanismo de autodefesa, na
tentativa de neutralizar o conteúdo deste ar-
90 / Parousia - 2º semestre de 2005
tigo. Sugerimos, porém, que o leitor jamais possui um sólido fundamento bíblico,
permita que recursos retóricos ofusquem a e que Joroslav Pelikan está correto em
objetividade de uma clara análise concei- afirmar que essa doutrina “foi apenas
tual do texto bíblico, comparando e con- confirmada, e não inventada, em Nicéia”.69
trastando o conteúdo do livro “Eu e o Pai Algumas pessoas podem descrer da perso-
Somos Um” com a presente análise crítica. nalidade do Espírito Santo e até mesmo ne-
Cada cristão deveria seguir o exemplo dos gar a Sua existência como um Ser distinto
bereanos, que examinavam “as Escrituras do Pai e do Filho. Mas para os adventistas
todos os dias para ver se as coisas eram, de do sétimo dia a aceitação do Espírito Santo
fato, assim” (At 17:11). como uma “pessoa divina” é uma questão
de fidelidade ao texto inspirado.70 Num momento
A compreensão da natureza de Deus em em que a igreja mais precisa do poder do Espírito Santo para finalizar
geral, e do Espírito Santo em particular, é a pregação do “evangelho eterno” no mundo (Ap 14:6), não podemos
demasiadamente importante e sagrada para permitir que pessoas dividam as comunidades adventistas com idéias
alimentarmos idéias especulativas a respei- espúrias sobre a natureza e obra do Espírito Santo.
to. Nicotra asseverou, de forma pertinente,
que “blasfemar contra o Espírito Santo é
desprezar as inúmeras evidências bíblicas
sobre sua obra e natureza. É se agarrar a
conceitos pré-estabelecidos desprezando
a luz que emana da Palavra de Deus” (p.
67). Nicotra poderia ter evitado muitos
constrangimentos desnecessários, hou-
vesse ele tão somente colocado em prática
em “Eu e o Pai Somos Um” esse sábio
conselho. Sua maior falha foi, sem dúvida,
aventurar-se em estudos demasiadamente
profundos para a lógica humana (ver Rm
11:33), sem princípios hermenêuticos su-
ficientemente sólidos, e sem aplicá-los de
modo consistente.
Cremos que a doutrina da Trindade
Referências 4
Alberto R. Timm, “A History of Seventh-day
1
O conteúdo da presente resenha crítica reflete Adventist Views of Biblical and Prophetic Inspiration
idéias compartilhadas por uma comissão avaliadora (1844-2000)”, Journal of the Adventist Theological
composta pelos seguintes professores do Curso de Society 10/1-2 (1999): 486-499.
Teologia do Unasp, Campus Engenheiro Coelho: 5
Woodrow Whidden, Jerry Moon e John W.
Alberto R. Timm (relator), Amin A. Rodor, Emilson Reeve, The Trinity: Understanding God’s Love, His
dos Reis, José Carlos Ramos, José Miranda Rocha, Plan of Salvation, and Christian Relationships (Ha-
Natanael B. P. Moraes, Reinaldo W. Siqueira, Ro- gerstown, MD: Review and Herald, 2002).
drigo P. Silva, Ruben Aguilar dos Santos e Wilson 6
Whidden, Moon e Reeve, A Trindade.
L. Paroschi. 7
Ricardo Nicotra, “Eu e o Pai Somos Um”. E o
2
Douglas S. Huffman e Eric L. Johnson, eds., Espírito Santo? Não faz parte da Trindade?, 2ª ed.
God under Fire: Modern Scholarship Reinvents God (São Paulo: Ministério Bíblico Cristão, 2004).
(Grand Rapids, MI: Zondervan, 2002). 8
As informações biográficas e históricas contidas
3
Para um estudo mais detalhado do antitrinita- no subtítulo “Antecedentes históricos” foram forne-
rianismo dos pioneiros adventistas, ver Woodrow cidas por Fabiano Ramos Medes, aluno do 3º ano do
Whidden, Jerry Moon e John W. Reeve, A Trindade: Curso de Teologia do Unasp – Campus Engenheiro
como entender os mistérios da pessoa de Deus na Coelho, com base em entrevista pessoal por ele rea-
Bíblia e na história do cristianismo (Tatuí, SP: Casa lizada com Ricardo Nicotra no dia 5 de setembro de
Publicadora Brasileira, 2003), 217-230. 2005, em São Paulo, SP.
9
Livro de Praxes da Divisão Sul-Americana
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 91
(Brasília, DF: Divisão Sul-Americana, 1993). Rapids, MI: Baker, 1995); idem, Making Sense of
10
Ver Lewis R. Walton, Ômega (São Paulo: the Trinity: 3 Crucial Questions (Grand Rapids, MI:
Instituto Adventista de Ensino, s.d.), 5-65; idem, Baker, 2000).
Omega II: God’s Church at the Brink (Glennville, 25
Nisto Cremos: 27 ensinos bíblicos dos adven-
CA: Lewis R. Walton, 1995), 5-120. tistas do sétimo dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora
11
Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, 2ª Brasileira, 1989), 31-98.
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1985), 1:193-208. Raoul Dederen, ed., Handbook of Seventh-day Ad-
12
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13
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tannica, 11ª ed., 29 vols. (Nova York: Encyclopaedia 27
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14
Maurice A. Canney, An Encyclopaedia of House, 2001).
Religions (Londres e Nova York: G. Routledge & 28
Whidden, Moon e Reeve, Trindade.
Sons / E. P. Dutton & Co., 1921). 29
Alusões às declarações desses autores, confir-
15
Frank M. Colby e Talcott Williams, eds., The mando a autenticidade de Mateus 28:19, podem ser
New International Encyclopaedia, 2ª ed., 24 vols. encontradas em José Carlos Ramos, “Mateus 28:19
(Nova York: Dodd, Mead and Co., 1917). – falso ou autêntico?”, Revista Adventista (Brasil),
16
James Hastings, ed., Encyclopaedia of Religion maio de 2005, 10-11; Rodrigo P. Silva, “Trindade:
and Ethics, 12 vols. (Nova York: Charles Scribner’s um dogma de Constantino?” Revista Adventista
Sons, 1922). (Brasil), julho de 2005, 14-16.
17
A Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Paulinas, 30
A noção de que o Credo de Cesaréia, escrito
1981). por Eusébio, tenha servido de base para a elaboração
18
Hollenberg e Budde, Gramática Elementar do Credo Niceno é contestada por J. N. D. Kelly em
da Língua Hebraica, 5ª ed. (São Leopoldo, RS: sua obra Early Christian Creeds, 3ª ed. (Harlow, In-
Sinodal, 1985). glaterra: Longman, 1972), 181-230. De acordo com
19
Wikipedia: The Free Encyclopedia, em http:// Kelley, o Credo de Cesaréia é autêntico e foi escrito,
en.wikipedia.org. provavelmente com a “terminação mais longa”, por
20
Catecismo do Católico de Hoje, 28ª ed. (Apa- Eusébio (ibid., 182), e apresentado por ele diante
recida, SP: Editora Santuário, 2002). do Concílio de Nicéia com o propósito de “livrar-se
21
Alejandro Bullón, O Terceiro Milênio e as Pro- das nódoas de heresia [ariana] e obter, desta forma,
fecias do Apocalipse: como viver sem medo do futuro sua reabilitação teológica” (ibid., 226). Ver também
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1998). Jaroslav Pelikan, The Christian Tradition: A History
22
Uma clássica exposição antitrinitariana das of the Development of Doctrine (Chicago: University
alusões de Eusébio de Cesaréia a Mateus 28:19 foi of Chicago Press, 1971), 1:201-202.
provida por Fred. C. Conybeare, “The Eusebian 31
Philip Schaff, ed., The Creeds of Christendom
form of the Text Matth. 28, 19,” Zeitschrift für die (Grand Rapids, MI: Baker, 1990), 2:29-30.
neutestamentliche Wissenschaft und die Kunde des 32
Ellen G. White, O Grande Conflito entre Cristo
Urchristentums (1901): 275-288. e Satanás, 41ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Bra-
23
Ver, por exemplo, Augustus H. Strong, Sys- sileira, 2001), 574. Philip Schaff, em sua History of
tematic Theology (Valley Forge, PA: Judson Press, the Christian Church (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1907), 243-352; Charles Hudge, Systematic Theology 1910), 2:866, também qualifica o bispo Eusébio
(Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995), 1:366-534; de Cesaréia de “amigo e elogiador” do imperador
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Benjamin J. Hubbard, The Matthean Redaction
92 / Parousia - 2º semestre de 2005