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2° Semestre de 2005

A Trindade nas Escrituras


mtorial

ARTIGOS

A Trindade nas Escrituras


Gerhard Pfandl, Ph.D.

0 debate adventista sobre a Trindade


Jerry Moon, Ph.D.

Trindade:umdogmadeConstantino?
Rodrigo P. Silva, doutor em Teologia

UmapessoamaravilhosachamadaEspíritosanto
José Carlos Ramos, D.Min.

0 Espi'rito-pczrcíkJefo§ no quarto evangelho


Amín A. Rodor, Th.D.

Resenha cn'tica do livro "Ez/ c o P¢z. Somo§ Z/m "


Alberto R. Tírrm, Ph.D.
EDITORIAL

0 desenvolvimento histórico da doutrina trinitariana cÇ>rresponde a um extraordinário,


rico e complexo capítulo da teologia cristã, que deveria, por sua importância e significado,
merecer dos cristãos apropriada consideração. A exemplo de outios ensinos biblicos, tais
como a encamação e a ressurreição de Jesus, a Trindade é uma daquelas verdades das
Escrituras que só poderiam ter sua origem a partir da revelação divina. Em outras palavras,
uma vez que o ensino trinitariano transcende tudo aquilo que conhecemos no reino natural,
ou mesmo que podemos conceber,'ele não poderia ter sido inventado ou simplesmente for-
mulado no nível humano.
Foi a partir daquilo que está claramente implícito nas Escrituras sobre o Deus triúno, que
os cristãos do segundo ao quarto século, em confronto com desvios da ortodoxia, foram
forçados gradualmente na direção da forinulação explícita da doutrina da Trindade. Tal for-
mulação emergiu progressivamente no calor do conffonto, particulamiente, com duas here-
sias dentro da lgreja: monarquianismo e arianismo. 0 monarquianismo] (do tipo modalista),
como sugerido no próprio temo (govemo de um), afirmava a unidade de Deus, mas negava
que o Filho e o Espírito Santo sejam pessoas reais e distintas do Pai (estes seriam apenas
mocJo§ de expressão do Pai). Os arianos, por outro lado, negavam que o Filho sejam pleno
Deus, considerando-O apenas uma criatura, um semi-deus, além de negarem a personalida-
de do Espírito Santo. Contudo, devemos ]embrar, cz Ãc7ic§z.cz c' mõc czci oríodoLrz.cz. 0 confron-
to com as distorções dos seus ensinos forçou os cristãos a repensarem sua fé e a buscarem
formas de melhor expor aquilo que antes era aceito, mas ainda não fomalmente descrito.
Foi precisamente no contexto de tais controvérsias que os cristãos aprenderam a desenvol-
ver, a partir das Escrituras, uma linguagem que claramente comunicasse o conteúdo da
ortodoxia a respeito da divindade. O#sz.cz, ri}po§fczsc§ (no grego), sztb§Íczfz.cz e per§o#cz§ (no
latim) foram temos utilizados para definir o cristianismo biblico trinitariano, isto é, que Dezts
existe em uma substâncía (ousia) e três pessoas (hypostases). Tz\1 terrrirLohog±zL £o±
gradativamente integrada à consciência cristã na fomulação do mistério -de Deus.
Contudo, na área das doutrinas, é verdade comprovada que a ``história se repete". No
pen'odo medieval, o unitarianismo ressugiu, merecendo dos refomiadores enérgica oposi-
ção. No pen'odo fomativo da lgreja Adventista, a teoria antitrinitariana é encontrada entre
alguns dos pioneiros, que, antes de adotarem o mi]erismo, haviam pertencido ao grupo
unitariano, conhecido como Co#c:x:Ôo Crz.§ÍÕ. Observamos, porém, se desenvolver no
adventismo o mesmo modelo da lgreja primitiva: a fomulação gradual da doutrina trinitariana.
A influência de Ellen G. White foi fundamental para purificar o adventismo do peso morto do
unitarianismo. Sua voz e pena foram instrumentos incansáveis em favor da Trindade biblica.
0 livro A rrz.#dczdc, de Woodrow Whidden, Jerry Moon e John W. Reeve, publicado em
língua portuguesa, em 2003, pela Casa Publicadora Brasileira, constitui uma boa introdução
para o tópico, e sua ]eitura deveria ser uma prioridade para a lucidez da fé adventista.2
Em tempos recentes, na periferia do adventismo do sétimo dia no Brasil, a rieresia
antitrinitariana tem ressurgido e sido divulgada com fervor missionário, por meio de folhetos,
folhetins, sites de intemet e livros, perturbando, sobretudo, cristãos adventistas mal infoma-
dos a respeito da fé bil)1ica. Não é a solidez dos argumentos unitarianos (que historicamente
foram desacreditados, vez após vez, pela ortodoxia), como você poderá ,comprovar nesta
edição de Pczrozó§z.c!, que toma a ação da heresia antitrinitaria perigosa. E precisamente a
fraqueza e o despreparo nesta área crucial do ensino das Escrituras que tomam os cristãos
vulneráveis aos precários e desinfomados argumentos antitrinitarianos. 0 despreparo de
6 / PARousiA - 2° SEMESTRE DE 2005

sua audiência é o único trunfo da distorção unitariana contemporânea. Em si mesmo, o


unitarianismo não passa de um patético colecionador de derrotas.
Colocamos em suas mãos, em fé, este número de Pa7ioz4Lsz.cz, na esperança de que ele
seja um estímulo e desafio à sua compreensão sobre a pessoa e obra do Espírito Santo, vitais
à experiência da lgreja a esta altura da História. Voltamos nesta edição ao fomato temático,
pela natureza da necessidade. Você encontrará nesta edição de Pciroz/§z.cz, seis artigos
esclarecedores, cobrindo as áreas bil)lica, histórica e apologética, deixando evidente a fragi-
lidade da tese antitrinitariana. Leia, anote e estude este conteúdo disponível. Não passe por
alto as notas de rodapé, pois elas se provarão uma fonte extraordinária de infomações e
esclarecimento. Ao estudar este tema, lembre-se: mais envolvimento, mais aprendizado! E,
finalmente, esperamos que você seja desafiado a partilhar estes conhecimentos com sua
comunidade de fé e amigos. Antecipamos, ainda, quç a próxima edição de PczroLisz.ci conterá
a segunda parte do mesmo tópico, focalizando a Trindade nos escritos de Ellen G. White,
como resposta às noções distorcidas e inven'dicas a respeito do testemunho e a posição da
voz profética aos adventistas com relação a este tema.

Que o amor de Deus que nos recebe,


A imerecida graça de Jesus que nos transfoma,
E a comunhão do Espírito Santo que nos une,

se manifestem supremos em sua vida.

Fratemalmente,

Amin A. Rodor
Editor de Pczroz4§z.cz

REFERÊNCIAS
[ Além de Sabélio e Noeto, Praxeas foi um dos expoentes desta heresia, a ponto de Tertuliano afirmar que ele
"prestou dois serviços ao diabo: colocou em fuga o Paracleto e crucificou o Pai" (uma em vez que para o
monarquianismo não há distinção entre as pessoas da Trindade, o Pai é quem foi crucificado, heresia conhecida
como patripassionismo). Veja Adversus Praxeas 1, (Ante Nicene Fathers [Wm. Eerdmans Publishing Co.1976],
3 :597). 0 tratado de Tertuliano, Advc7i§zts P7icz)ícas' (conti.a Praxeas), é significante, porque antecipa a linguagem
trinitariana que seria reconhecida séculos depois.
2Woodrow Whidden, Jerry Moon e John W. Reeve, A rri.#ddde (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
2003), dispom'vel no site www.cpb.com.br, ou lojas do SELS.
7

A Trindade
nas Escrituras
Gerhard Pfandl, Ph.D.
Diretor associado do Biblical Research Institute da Associação Geral da IASD, Silver Spring, Ma-
ryland, EUA

Resumo: O presente artigo provê uma “especialmente quando refletimos sobre a


investigação das evidências bíblicas que relação das três pessoas com a divina es-
apóiam a doutrina da Trindade. Várias re- sência [...] todas as analogias falham e nos
ferências, tanto do Antigo quanto do Novo tornamos plenamente cônscios do fato de
Testamento, são consideradas em seus res- que a Trindade é um mistério muito além do
pectivos contextos linguísticos hebraicos e/ nosso entendimento. É a incompreensível
ou gregos. O autor aponta, ainda, os erros glória da Divindade.”3 Portanto, procede-
mais comuns na interpretação de alguns mos melhor em admitir que “o homem não
desses textos. pode compreendê-la e torná-la inteligível.
É inteligível em algumas de suas relações e
Abstract: The present article provides
modos de manifestações, mas ininteligível
an investigation of the biblical evidences
em sua natureza essencial.”4
supporting the doctrine of the Trinity. Many
passages from both the Old and the New Precisamos conscientizar-nos de que
Testaments are considered within their podemos atingir apenas uma compreensão
original Hebrew and/or Greek linguistic parcial do que é a Trindade. Ao ouvirmos
settings. The author points out also the most a Palavra de Deus, certos elementos da
common mistakes in the interpretation of Trindade se tornarão claros, enquanto ou-
some of thoses texts. tros permanecerão um mistério. “As coisas
encobertas pertencem ao Senhor, nosso
Introdução Deus, porém as reveladas nos pertencem,
a nós e a nossos filhos, para sempre, para
Embora a palavra Trindade (do lat. que cumpramos todas as palavras desta lei”
trinitas, “tri-unidade” ou “tri-unicidade”) (Dt 29:29).
não se encontre na Bíblia (tampouco a
palavra “encarnação”), o ensinamento que A Trindade no Antigo Testamento
ela descreve está claramente contido nas
Escrituras. 1 Brevemente definida, a dou- Várias passagens do Antigo Testamento
trina da Trindade compreende o conceito sugerem ou mesmo implicam que Deus
de que “Deus existe eternamente como existe em mais do que uma pessoa, não
três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo; necessariamente em uma Trindade, mas ao
cada pessoa é plenamente Deus; e há um menos em uma relação binária.
só Deus.”2
O próprio Deus é um mistério – quanto (1) Gênesis 1
mais a encarnação ou a Trindade! Contudo, No relato da Criação em Gênesis 1, a pa-
embora não sejamos capazes de compre- lavra hebraica para Deus é ‘Elohim, a forma
ender logicamente os vários aspectos da plural de ‘Eloha. Geralmente, este plural
Trindade, precisamos tentar entender o tem sido interpretado como um plural
melhor possível o ensino escriturístico a ela majestático, em vez de uma pluralidade.
concernente. Todas as tentativas para expli- Todavia, G. A. F. Knight tem argumentado
car a Trindade não atingirão o seu objetivo, corretamente que tomar esta forma como
8 / Parousia - 2º semestre de 2005

um plural majestático é ler no antigo texto “Eis que o homem se tornou como um de
hebraico um conceito moderno, desconsi- nós” (Gn 3:22). E, algum tempo depois,
derando que os reis de Israel e de Judá são quando os homens começaram a construir
todos tratados no singular no texto bíblico.5 a torre de Babel, disse o Senhor: “Desça-
Além disso, Knight ressalta que as palavras mos e confundamos ali a sua linguagem”
hebraicas para “água” e “céu” são ambas (Gn 11:7). Vez após outra a pluralidade da
plurais. Os gramáticos têm denominado Divindade é enfatizada.
este fenômeno de plural quantitativo. A
Em sua famosa visão do trono divino,
água pode aparecer em forma de pequenas
Isaías ouve o Senhor indagando: “A quem
gotas ou grandes oceanos. Esta diversidade
enviarei, e quem há de ir por nós?” (Is 6:8).
quantitativa em unidade, diz Knight, é uma
Aqui vemos Deus utilizando o singular
maneira adequada de compreender o plural
e o plural na mesma sentença. Muitos
‘Elohim. Também explica por que o subs-
eruditos modernos tomam isto como uma
tantivo singular ‘Adonai é escrito como
referência ao concílio celestial. Mas Deus
um plural.6
alguma vez convocou Suas criaturas para
Lemos em Gênesis 1:26: “Também conselho? Em Isaías 40:13 e 14 Ele parece
disse [singular] Deus: Façamos [plu- refutar esta mesma noção. Ele não precisa
ral] o homem à nossa [plural] imagem, aconselhar-Se com Suas criaturas, nem
conforme a nossa [plural] semelhança.” mesmo com os seres celestiais. Portanto,
Moisés não está usando um verbo plural este plural, embora não prove a Trindade,
com ‘Elohim, mas Deus, em sua fala, usa sugere que há uma pluralidade de seres
um verbo plural e pronomes plurais com nAquele que fala.
referência a Si mesmo. Alguns intérpretes
crêem que Deus aqui está falando aos (4) O Anjo do Senhor
anjos. No entanto, segundo as Escrituras,
os anjos não participaram da Criação. A A expressão “Anjo do Senhor” aparece
melhor explicação, portanto, é a de que já cinqüenta e oito vezes no Antigo Testa-
no primeiro capítulo de Gênesis há uma mento, e “o anjo de Deus”, onze vezes. A
indicação de uma pluralidade de pessoas palavra hebraica mal’ak (anjo) significa
na própria Divindade. simplesmente “mensageiro”. Portanto, se
o “Anjo do Senhor” é um mensageiro do
Senhor, ele deve ser distinto do próprio Se-
(2) Gênesis 2:24 nhor. No entanto, em vários textos o “Anjo
De acordo com Gênesis 2:24, o homem do Senhor” é também chamado “Deus” ou
e a mulher devem tornar-se “uma só [heb. “Senhor” (Gn 16:7-13; Nm 22:31-38; Jz
‘echad] carne”, uma união de duas pessoas 2:1-4; 6:22). Os Pais da Igreja O identifica-
distintas, individuais. Em Deuteronômio vam com o Logos pré-encarnado. Eruditos
6:4, a mesma palavra é empregada para modernos O têm visto como um ser que
Deus: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, representa a Deus, como o próprio Deus,
é o único [‘echad] Senhor.” Diz Millard J. ou alguma força externa de Deus. Eruditos
Erickson: “Parece que aqui algo está sendo conservadores geralmente concordam que
afirmado acerca da natureza de Deus – Ele “esse ‘mensageiro’ deve ser visto como
é um organismo, isto é, uma unidade de uma manifestação especial da existência
partes distintas.”7 Moisés poderia ter usado ou essência do próprio Deus.”8 Se isto está
a palavra yachid (somente um, singular) em correto, temos aqui outro indicador da plu-
Deuteronômio 6:4, mas o Espírito Santo ralidade de pessoas na Divindade.
preferiu que assim não fosse.
A Trindade no Novo Testamento
(3) Outros textos que expressam uma
Nas Escrituras a verdade é progressi-
pluralidade
va. Quando chegamos, portanto, ao Novo
Disse Deus após a queda do homem: Testamento, encontramos um quadro mais
A Trindade nas Escrituras / 9

explícito da natureza trinitária de Deus. O Na mentalidade semítica ou oriental,


próprio fato de se dizer de Deus que Ele é porém, eles enfatizam igualdade ou iden-
amor (1Jo 4:8) implica em que deve existir tidade de natureza. Desse modo, quando
uma pluralidade dentro da Divindade, uma as Escrituras falam do “Filho” de Deus,
vez que o amor só pode existir em uma elas afirmam Sua divindade.
relação entre seres diferentes.
(b) No final do Seu ministério, Jesus
disse aos Seus discípulos que eles deveriam
(1) No Evangelho de Mateus ir e fazer “discípulos de todas as nações,
(a) No batismo de Jesus encontramos os batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e
três membros da Divindade em atividade do Espírito Santo” (Mt 28:19). Neste, que é
ao mesmo tempo: o rito introdutório de cada crente na religião
cristã, a doutrina da Trindade é claramen-
Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que te ensinada. Primeiro, notamos que “em
se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus nome” (gr. eis to onoma) é singular, não
descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma
plural (“nos nomes”). Ser batizado em
voz dos céus, que dizia: Este é o meu Filho amado,
em quem me comprazo. (Mt 3:16-17)
nome das três pessoas da Trindade significa
identificar-se a si próprio com tudo o que a
O relato do batismo de Jesus é uma Trindade representa; confiar-se ou entregar-
notável manifestação da doutrina da Trin- se ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.10
dade – ali estava Cristo em forma humana, Segundo, a união destes três nomes indica
visível a todos; o Espírito Santo descendo que o Filho e o Espírito Santo são iguais
sobre Cristo em forma corpórea, como uma ao Pai. Seria um tanto estranho, para não
pomba; e a voz do Pai falou do céu: “Este é o dizer blasfemo, unir o nome do Deus eter-
meu Filho amado, em quem me comprazo.” no a um ser criado (quer tenha sido criado
Em João 10:30, Cristo reclama igualdade na eternidade ou em algum momento do
com o Pai, e, em Atos 5:3, o Espírito Santo tempo), e a uma força ou poder impessoal
é identificado como Deus. Portanto, é difícil, nesta fórmula batismal.
se não impossível, explicar a cena do batis- Quando o Espírito Santo é posto na mesma
mo de Cristo de qualquer outra forma a não expressão e no mesmo nível que as outras duas
ser admitir que há três pessoas na natureza pessoas, é difícil evitar a conclusão de que o Es-
ou essência divina. pírito Santo é também visto como uma pessoa e
de igual posição que o Pai e o Filho.11
No batismo de Jesus, o Pai O chamou
de “meu Filho amado”. A filiação de Jesus,
porém, não é ontológica, mas funcional. (2) Nos escritos de Paulo
No plano da salvação, cada membro da
Paulo e os demais escritores do Novo
Trindade aceitou uma função específica. É
Testamento geralmente usam a palavra
uma função com a finalidade de atingir um
“Deus” ao se referirem ao Pai, “Senhor”
objetivo específico, não uma mudança de
quando se referem ao Filho, e “Espírito”
essência ou condição. Millard J. Erickson
referindo-se ao Espírito Santo. Em 1 Co-
explica isto deste modo:
ríntios 12:4-6, Paulo se refere aos três no
O Filho não Se tornou menos do que o Pai mesmo texto:
durante Sua encarnação terrestre, mas subordinou-
Se funcionalmente à vontade do Pai. Igualmente, o Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o
Espírito Santo está agora subordinado ao ministério mesmo. E também há diversidade nos serviços,
do Filho (veja João 14-16), bem como à vontade do mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de
Pai, mas isto não implica em que Ele é menos do realizações, mas o mesmo Deus é quem opera
que são Eles.9 tudo em todos.

Os termos “Pai” e “Filho”, no pensa- Semelhantemente, em 2 Coríntios


mento ocidental, trazem consigo as idéias 13:13, ele enumera as três pessoas da
de origem, dependência e subordinação. Trindade:
10 / Parousia - 2º semestre de 2005

A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de (2) João 20:28


Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com
todos vós. “Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu
e Deus meu!” Esta é a única ocasião nos
Conquanto não possamos dizer que Evangelhos em que alguém diz a Cristo
estes textos sejam uma enunciação formal “Deus meu” (ho Theós mou). Quando
da Trindade, estas passagens e outras seme- Tomé viu o Cristo ressurreto, o duvidoso
lhantes (p. ex., Efésios 4:4-6) são de caráter foi transformado num adorador. É signi-
distintamente trinitariano. Foi a Igreja em ficativo que nem Cristo, na ocasião em
tempos posteriores quem elaborou os deta- que isto ocorreu, nem João ao escrever
lhes da Trindade, mas eles construíram sobre o Evangelho, tenham desaprovado o que
os fundamentos dos escritores bíblicos. Tomé disse. Ao contrário, tanto quanto se
referia a João, esse episódio constituiu um
ponto importante em sua narração, pois ele
A divindade de Cristo imediatamente diz ao leitor:
Um elemento decisivo na doutrina Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos
da Trindade é a divindade de Cristo. Sendo muitos outros sinais que não estão escritos neste li-
que a doutrina da Trindade ensina que há vro. Estes, porém, foram registados para que creiais
um Deus em três pessoas, e que cada uma que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que,
dessas pessoas é plenamente Deus, torna- crendo, tenhais vida em seu nome. (20:30, 31)
se importante verificar o que as Escrituras
ensinam acerca da divindade de Cristo. O que João está dizendo, portanto, é
que “este livro foi escrito para persuadir
A divindade de Cristo no as pessoas a imitarem Tomé, que chamou
Jesus de ‘Senhor meu e Deus meu’”.
Novo Testamento
Há várias passagens no Novo Testa- (3) Filipenses 2:5-7
mento que afirmam claramente a plena
divindade de Cristo: Apesar de esta passagem ter sido escrita
para ilustrar a humildade, ela é um dos tex-
tos fundamentais do Novo Testamento para
(1) João 1:1-3, 14 apoiar a divindade de Cristo. “Tende em
“No princípio era o Verbo, e o Verbo es- vós o mesmo sentimento que houve tam-
tava com Deus, e o Verbo era Deus.” A frase bém em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo
introdutória “no princípio” (sem o artigo) em forma [gr. morfê] de Deus, não julgou
nos leva de volta ao início do tempo. Se o como usurpação [harpagmós] o ser igual a
Verbo era “no princípio”, então Ele mesmo Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assu-
era sem princípio, que é outra maneira de mindo a forma [morfê] de servo, tornando-
dizer que Ele era eterno. se em semelhança de homens.”
“O Verbo estava com Deus” nos diz que Morfê (“forma” ou “aparência visível”)
o Verbo é uma pessoa ou personalidade descreve a natureza genuína de uma coisa,
distinta. O Verbo não estava “em” (gr. en) sua essência. “Não se refere a qualquer
Deus, mas “com” (pros) Deus. forma mutável, mas à forma específica da
“E o Verbo era Deus”, ou, mais lieteral- qual dependem identidade e condição.”13
mente: “e Deus era o Verbo.” O Verbo não Morfê contrasta com skéma (2:7), que tam-
era uma emanação de Deus, mas o próprio bém significa “forma”, mas no sentido de
Deus. Conquanto o verso 1 não nos diga aparência superficial em vez de essência.
quem é o Verbo, o verso 14 claramente O O substantivo harpagmós aparece somente
identifica com Cristo. “Uma afirmação neste texto do Novo Testamento; o verbo
mais enfática e inequívoca da absoluta correspondente significa “roubar, tomar
Divindade do Senhor Jesus Cristo é im- à força”. No grego secular o substantivo
possível de conceber.”12 significa “roubo”. Todavia, o contexto
A Trindade nas Escrituras / 11

esclarece que Jesus não cobiçou, ou não dando a bendita esperança e o glorioso apa-
tentou roubar a “igualdade com Deus”. recimento do nosso grande Deus e Salvador
Ao contrário, Ele não tentou apegar-Se à Jesus Cristo” (NKJV [New King James Ver-
igualdade com Deus que Ele possuía de sion]). A KJV traduz esta passagem como
modo intrínseco. Em outras palavras, Ele “o glorioso aparecimento do grande Deus e
não tentou reter pela força Sua igualdade nosso Salvador Jesus Cristo”, apresentando
com Deus, mas “tratou-a como uma oca- os santos à espera do Pai e do Filho. Conquan-
sião para renunciar a cada vantagem ou to esta tradução seja possível, a NKJV deve
privilégio que desse modo Lhe pudesse ter ser preferida pelas seguintes razões: (1) Os
vindo, como uma oportunidade para auto- dois substantivos “Deus” e “Salvador” estão
empobrecimento e sacrifício de Si mesmo ligados por um só artigo, indicando que, por
sem reservas.”14 Este é o significado de “a via de regra, os dois substantivos são duas
si mesmo se esvaziou”. Sua igualdade com designações para um único objeto. (2) Todo
Deus era algo que Ele possuía de maneira o Novo Testamento aguarda a segunda vinda
intrínseca; e alguém que é igual a Deus de Cristo. (3) O contexto do verso 14 fala
deve ser Deus. Por conseguinte, Filipenses somente de Cristo. (4) Esta interpretação está
2:5-7 “é uma passagem que exige para sua em harmonia com outras passagens tais como
compreensão a idéia de que Jesus era divino João 20:28; Romanos 9:5; Hebreus 1:8; 2
no mais pleno sentido.”15 Pedro 1:1. O texto de Tito 2:13 é, portanto, é
uma asserção explícita à divindade de Cristo.
(4) Colossenses 2:9
“Porquanto, nele habita, corporalmente
O testemunho da divindade de Cris-
[gr. somatikôs], toda a plenitude [pleroma] to no Antigo Testamento
da Divindade.” A palavra pleroma tem Não somente é Jesus chamado Deus
o significado básico de “plenitude, cum- no Novo Testamento, mas Ele é também
primento”. No Antigo Testamento, ela se chamado Senhor e Deus em citações do
refere repetidamente à terra e “toda a sua Antigo Testamento onde a palavra hebraica
plenitude” (Sl 24:1; cf. 50:12; 89:11; 96:11; é Yahweh ou Elohim.
98:7), que é citada em 1 Coríntios 1:26,
28. No grego secular, pleroma se referia
ao pleno complemento da tripulação de (1) Mateus 3:3
um navio ou à quantidade necessária para “Voz do que clama no deserto: Preparai
completar uma transação financeira. Em o caminho do Senhor.” Segundo o verso 1,
Colossenses 1:19 e 2:9, Paulo usa a palavra este texto de Isaías se refere a João Batista,
para descrever a soma total de cada função que foi o precursor de Jesus. Em Isaías
da divindade.16 Essa plenitude habita em 40:3, a palavra para Senhor é Yahweh.
Cristo “corporalmente”; isto é, mesmo Portanto , “o Senhor” cujo caminho João
durante Sua encarnação, Cristo reteve to- devia preparar não era nenhum outro senão
dos os atributos essenciais da divindade, o próprio Yahweh.
embora não os utilizasse em Seu próprio
proveito. A plenitude da Divindade (2) Romanos 10:13
fez sua habitação em Sua humanidade sem
consumi-la ou deificá-la, ou mudar quaisquer de
“Porque: Todo aquele que invocar o
suas propriedades essenciais... Via-se facilmente nome do Senhor será salvo.” O contex-
que a Divindade habitava naquela humanidade to (vs. 6-12) deixa claro que Paulo está
(ou natureza humana), pois lampejos de Sua glória pensando em Cristo quando se refere ao
brilhavam freqüentemente através de sua cobertura “nome do Senhor”. O texto é uma citação
terrestre.17 de Joel 2:32 onde a palavra para Senhor no
hebraico é, outra vez, Yahweh.
(5) Tito 2:13
Paulo descreve os santos como “aguar- (3) Romanos 14:10
12 / Parousia - 2º semestre de 2005

Neste texto, Paulo relembra a seus lei- Jesus nunca afirmou diretamente Sua
tores que “todos havemos de comparecer divindade; todavia, Seu ensino estava
ante o tribunal de Cristo” (Versão Almeida permeado de conceitos trinitarianos. De
Revista e Corrigida). Ele, então, adiciona acordo com a idéia hebraica de filiação (ou
uma citação de Isaías 45:23 que diz: “Pela seja, tudo que o pai é, o filho é também),
minha vida, diz o Senhor, todo joelho Jesus afirmou ser o Filho de Deus (Mt
se dobrará diante de mim, e toda língua 9:27; 24:36; Lc 10:22; Jo 9:35-37; 11:4).
confessará a Deus.” Em Isaías o que fala Os judeus entenderam que pela reivindi-
é Yahweh; no livro de Romanos, o mesmo cação de ser o Filho de Deus Ele estava
texto é aplicado a Cristo. reivindicando igualdade com Deus: “Por
isso, pois, os judeus ainda mais procura-
(4) Hebreus 1:8, 9 vam matá-lo, porque não somente violava
o sábado, mas também dizia que Deus era
“O teu trono, ó Deus, é para todo o sem- seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus”
pre... Deus, o teu Deus te ungiu.” Neste (Jo 5:18; cf. 10:33).
capítulo, sete textos do Antigo Testamento
são usados para apoiar o argumento de que Repetidamente, Jesus afirmou possuir o
Cristo é superior aos anjos. O quinto texto, que propriamente só pertence a Deus. “Ele
citado nos versos 8 e 9, vem do Salmo 45:6, falou dos anjos de Deus (Lc 12:8-9; 15:10)
7, no qual um rei da casa de Davi é tratado como Seus anjos (Mt 13:41). Ele considerava
como “Deus”. Trata-se de uma hipérbole o reino de Deus (Mt 12:28; 19:14, 24; 21:31,
poética – como é, às vezes, encontrada em 34) e os eleitos de Deus (Mc 13:20) como Sua
cortes orientais – ou está esse texto apontando propriedade.”19 Em Lucas 5:20, Jesus per-
para uma outra pessoa além do príncipe do doou os pecados ao paralítico, e os judeus,
Antigo Testamento da casa de Davi? baseados em Isaías 43:25, argüiram cor-
retamente: “Quem pode perdoar pecados,
Para os poetas e profetas hebreus, um senão Deus?” Destarte, estava implícita
príncipe da casa de Davi era o vice-regente na ação de Jesus de perdoar a pretensão
do Deus de Israel; ele pertencia a uma de ser Deus.
dinastia à qual Deus havia feito promes-
sas especiais ligadas à realização de Seu A divindade de Cristo é também indi-
propósito no mundo. Além disso, o que era cada pelo Seu uso do tempo presente em
apenas parcialmente verdade de qualquer Sua resposta aos judeus: “Antes que Abraão
um dos governantes históricos da linha- existisse [genesthai], Eu Sou [ego eimi]”
gem de Davi, ou mesmo do próprio Davi, (Jo 8:58). Usando os termos genesthai
seria realizado em sua plenitude quando (“nasceu” ou “se tornou”) e ego eimi (Eu
aparecesse o Filho de Davi em quem todas Sou), Jesus contrasta Sua existência eter-
as promessas e ideais associados com a na com o início histórico da existência de
dinastia seriam incorporados. E agora, fi- Abraão. É a eternidade do ser, e não sim-
nalmente, o Messias havia surgido. Em um plesmente a preexistência antes de Abraão,
sentido mais amplo do que era possível para que é expressa aqui. Ao menos os judeus
Davi ou qualquer dos seus sucessores nos entenderam isto desse modo; perceberam
dias antigos, esse Messias pode ser tratado que Jesus reivindicava ser Yahweh, o Eu
não meramente como Filho de Deus (verso Sou da sarça ardente (Êx 3:14), e pegaram
5) mas realmente como Deus, pois Ele é o em pedras para matá-Lo (8:59).
Messias da linhagem de Davi e também o Finalmente, o fato de que Jesus acei-
resplendor da glória de Deus e a própria tava a adoração de outros é evidência de
imagem de Sua substância.18 que Ele mesmo reconhecia Sua divinda-
Todas estas passagens indicam que de. Após Jesus ter vindo aos discípulos
Cristo, Deus e Yahweh são um. andando sobre a água, eles “o adoraram”
(Mt 14:33). O cego cuja vista foi res-
taurada depois de lavar-se no tanque de
Jesus e a sua consciência Siloé “o adorou” (Jo 9:38). Depois da
de Si mesmo ressurreição, os discípulos foram para a
A Trindade nas Escrituras / 13

Galiléia, onde Jesus lhes apareceu e eles “misericórdia e verdade” se encontrando,


“o adoraram” (Mt 28:17). “justiça e paz” se beijando, e a “verdade”
brotando da terra. No Salmo 96:12, “o
Reiteradamente Jesus aceitou a ado-
campo” está alegre, e “todas as árvores do
ração como algo perfeitamente correto.
bosque” se regozijam “na presença do Se-
Ele, desse modo, demonstrou direta pretensão
nhor.” (Veja também 1 Cr 16:33; Is 52:9;
à divindade.
Ap 20:13-14). Esta espécie de linguagem
não deve ser interpretada literalmente. “A
Textos difíceis20 personificação é um artifício literário e
Os antitrinitarianos usam vários textos poético que serve para criar atmosfera,
bíblicos para apoiar sua alegação de que e para avivar idéias abstratas e objetos
Jesus foi “gerado” em algum tempo da inanimados, representando-os como se
eternidade (quer dizer, Ele teve um prin- fossem seres humanos.”21
cípio e, portanto, não é absolutamente (b) A personificação do divino atributo
igual a Deus). da sabedoria como uma mulher inicia-se no
capítulo 1. “Grita na rua a Sabedoria, nas
(1) Apocalipse 3:14 praças levanta a voz” (1:20). No capítulo 3
nos é dito: “Mais preciosa é do que pérolas”
“Jesus, o princípio da criação de Deus.”
e “todas as suas veredas” são “paz” (3:15,
Alega-se que Jesus foi criado em algum
17). No capítulo 7, ela é chamada de “irmã”
momento no passado, que Ele foi a primeira
(7:4), e, no capítulo 8, a sabedoria habita
obra de Deus.
com a prudência, outra persofinicação
Resposta: (8:12). A sabedoria personificada é também
(a) A palavra grega arquê pode ser o assunto de Provérbios 9:1-5. A aplicação
traduzida por “princípio”, “ponto de ori- destas passagens a Jesus requer um méto-
gem”, “primeira causa” ou “governante”. do alegórico de interpretação bíblica que
O próprio Pai é chamado “princípio” em conduz a pontos de vista incompatíveis
Apocalipse 21:6. com outras passagens. Foi esta espécie de
hermenêutica que levou os Reformadores
(b) O mesmo título é usado para Jesus a rejeitar o método alegórico de interpre-
em Apocalipse 22:13. Conquanto a pala- tação. Também deve-se notar que nenhum
vra arquê possa ter um sentido passivo, verso desta passagem é citado no Novo
que faria de Jesus o primeiro ser criado, o Testamento.
sentido ativo da palavra torna-O a primeira
causa (ou causa primária), agente motor, ou (c) Provérbios 8:22-31 contém imagem
o Criador. Que Jesus não é o primeiro ser poética que precisa ser cuidadosamente in-
criado, mas o próprio Criador, é o testemu- terpretada. A primeira frase do verso 22 pode
nho de outros textos do Novo Testamento ser traduzida por: “O Senhor me possuía”
(veja Jo 1:3; Cl 1:16; Hb 1:2). (KJV, NIV); “O Senhor me criou” (RSV,
NEB); ou “O Senhor me gerou” (NAB).
O significado básico do verbo qanah é
(2) Provérbios 8:22-31 “comprar, adquirir”, donde vem “possuir”;
“Eu fui gerada.” Afirma-se que esta mas as duas outras traduções são possíveis.
passagem, se refere a Jesus e ensina que Ao lado de qanah, duas outras palavras
Jesus nasceu ou foi criado. se referem à origem da sabedoria: nasak
(“estabelecer”; 8:23), e chil (“nascer”; 8:24,
Resposta: 25). O pensamento básico desta passagem
(a) O contexto fala acerca da “sabe- é sempre o mesmo: a sabedoria estava com
doria”, não de Jesus. A personificação Deus antes do início da Criação. Quer Deus
da sabedoria é um artifício literário a tenha criado ou quer ela tenha sido gerada
que ocorre também noutras partes das ou simplesmente possuída, não é o ponto
Escrituras. No Salmo 85:10-13 temos focal. O que é fundamental não é a maneira
de sua origem, mas, antes, sua antigüidade
14 / Parousia - 2º semestre de 2005

e precedência dentro da Criação de Deus. primogênito de entre os mortos.” Embora


Sendo que a linguagem é poética e meta- Ele não fosse cronologicamente o primeiro
fórica, não deve ser usada para estabelecer (Moisés e outros O haviam precedido), Ele
coisa alguma concernente à suposta origem é o preeminente.
de Cristo.
(4) João 1:1-3
Ellen White às vezes aplicou Provér-
“No princípio era o Verbo, e o Verbo
bios 8 homileticamente a Cristo, mas ela
estava com Deus, e o Verbo era Deus.”
usou o texto para sugerir Sua preexistên-
Alega-se que há uma distinção entre Deus
cia eterna. Antes de citar Provérbios 8
o Pai, que é o Deus, e Jesus, que é apenas
ela diz: “Cristo era, essencialmente e no
um deus. O termo grego para Deus (theós) é
mais alto sentido, Deus. Estava Ele com
encontrado com o artigo ‘o (ho), “o Deus”,
Deus desde toda a eternidade, Deus sobre
ou sem o artigo, “um deus” ou “Deus”.
todos, bendito para todo o sempre.”22
Em João 1:1-3 o Pai é chamado ho theós,
(3) Colossenses 1:15 ao passo que o Filho é chamado theós.
Justifica isto a alegação de que o Pai é o
“Jesus, o primogênito.” Sendo que Jesus Deus Todo-poderoso, enquanto que o Filho
é chamado o “primogênito” (prototokos), é apenas um deus?
argumenta-se que Ele deve ter tido um
princípio. Resposta:
Resposta: (a) O termo theós sem o artigo é fre-
qüentemente usado também para o Pai, até
(a) A expressão prototokos (“primo- no mesmo capítulo (veja Jo 1:6, 13, 18; Lc
gênito”) neste texto é um título, não uma 2:14; At 5:39; 1Ts 2:5; 1Jo 4:12 e 2Jo 9).
definição de Sua condição biológica. De Jesus é também “o Deus” (Hb 1:8-9; Jo
acordo com 1:16, tudo foi criado por Je- 20:28). Em outras palavras, o uso do termo
sus. Portanto, Ele não pode ter criado a Si Deus – com ou sem o artigo – não pode ser
mesmo. usado para fazer uma distinção entre Deus
(b) O termo “primogênito” tinha um o Pai e Deus o Filho. Deus o Pai é theós e
significado especial para os hebreus. Em ho theós, e assim também é o Filho.
geral, o primogênito era o líder de um grupo
de pessoas ou de uma tribo, o sacerdote da Muitas vezes, a ausência do artigo em
família, e o que recebia duas vezes mais da grego denota qualidade especial e não
herança do que seus irmãos. Ele tinha certos deve ser traduzido com o artigo indefi-
privilégios bem como responsabilidades. nido “um”.
Às vezes, porém, o fato de que alguém era (b) Se João tivesse usado o artigo defi-
o primogênito não importava aos olhos de nido cada vez que ocorre theós, ele estaria
Deus. Por exemplo, embora Davi fosse o afirmando que há apenas uma pessoa divi-
filho mais novo, Deus o chamou de “meu na. O Pai seria o Filho. Diz João 1:1: “No
primogênito” (Sl 89:20, 27). A segunda li- princípio era o Verbo, e o Verbo estava
nha do paralelismo no verso 27, nos diz que com ho theós, e o Verbo era théos. Se João
isto significava que ele deveria se tornar o rei tivesse usado apenas ho theós, ele estaria
mais exaltado. Veja também a experiência dizendo: “No princípio era o Verbo, e o
de Jacó (Gn 25:25-26 e Êx 4:22) e Efraim Verbo estava com ho theós, e o Verbo era
(Gn 41-50-52 e Jr 31:9). Nestes casos, o ho theós. De acordo com João 1:14, o Verbo
elemento tempo “primeiro” foi apagado. é Jesus. Portanto, substituindo “Verbo” por
Era importante apenas a posição especial e “Jesus” obtemos a sentença: “No princípio
a dignidade da pessoa chamada o “primogê- era Jesus, e Jesus estava com ho theós, e
nito”. No caso de Jesus, este termo também Jesus era ho theós.” Ho theós se refere cla-
se refere à Sua exaltada posição e não a um ramente ao Pai. O texto modificado diria:
momento do tempo no qual Ele nasceu. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava
Em Colossenses 1:18, Cristo é chamado “o com o Pai, e o Verbo era o Pai.” Isso está
A Trindade nas Escrituras / 15

teologicamente errado. Falando acerca das (6) Mateus 14:33


duas pessoas da Divindade, João não tinha
“Tu és o Filho de Deus.” Pode o tí-
outra escolha senão usar uma vez ho theós e
tulo “Filho de Deus” ser compreendido
na próxima vez theós. Portanto, a ausência
literalmente?
do artigo no segundo caso não pode ser
usada para argumentar contra a igualdade Resposta:
entre o Pai e o Filho. (a) Esse título é um título messiânico.
(veja Sl 2:7; At 13:33; Hb 1:5). Enfatiza a
(5) João 1:14, 18; 3:16, 18; 1 João 4:9 divindade de Cristo. Jesus usou este título
“O Filho unigênito (monoguenês).” muito raramente para Si mesmo (somente
Sugere-se que a palavra monoguenês apon- em João, p. ex., Jo 11:4). É um dos muitos
ta para uma geração literal de Jesus. títulos que Jesus possuía. Na tentativa de
compreender o que Jesus é, todos eles
Resposta: precisam ser investigados a fim de se obter
(a) A palavra monoguenês significa uma visão coerente. Que o título “Filho
“único, único de uma espécie, singular”. de Deus” enfatiza a divindade de Cristo
Ocorre nove vezes no Novo Testamento. é evidente de João 10:29-36. Isso é ainda
Encontra-se três vezes em Lucas (7:12; mais apoiado pelo fato de que o Filho é a
8:42; 9:38), onde sempre se refere a um imagem exata de Deus, sendo igual a Deus
único filho. É encontrada cinco vezes nos (Cl 1:15; Hb 1:3; Fp 2:6).
escritos de João (Jo 1:14, 18; 3:16, 18; 1 (b) A palavra “filho” tem uma ampla
Jo 4:9) como uma designação da relação extensão de significados na língua original.
de Jesus com Deus. Ocorre somente uma Portanto, não é possível reduzi-la aos estrei-
vez em Hebreus 11:17, onde Isaque é tos limites da língua inglesa (ou portuguesa)
chamado o filho monoguenês de Abraão. e defini-la de uma maneira puramente literal.
Isaque não era o filho único de Abraão, A filiação de Jesus é atestada em conexão
mas era o filho singular, invulgar, o único com o Seu nascimento (Lc 1:35), batismo
filho da promessa. A ênfase não é sobre (Lc 3:22), transfiguração (Lc 9:35) e res-
o nascimento, mas sobre a singularidade surreição (At 13:32-33). A Bíblia silencia
do filho. Portanto, a tradução “único” ou quanto à questão sobre se este título descreve
“singular” deve ser preferida. A tradução a relação eterna entre Pai e Filho. Em qual-
“unigênito” pode ter se originado com os quer caso, as Escrituras atribuem existência
primeiros Pais da Igreja e se encontra na eterna a Jesus (Is 6:6; Ap 1:17, 18).
Vulgata. A última, por sua vez, influenciou
traduções posteriores. Durante Sua encarnação, Jesus subor-
dinou-Se voluntariamente ao Pai, sendo
O termo normal para gerado é gennao, o Filho de Deus. Isto incluía a entrega
que se encontra em Hebreus 1:5 e pode das prerrogativas, mas não a natureza da
apontar para a ressurreição ou encarnação divindade. O Senhor ressurreto, sendo
de Cristo. entronizado como rei e sacerdote, também
Na LXX (Septuaginta) o termo mono- aceita voluntariamente a prioridade do Pai,
guenês é a tradução do hebraico yachid, mas Ele e o Pai são – segundo as Escrituras
que significa “único, singular” ou “amado” – ambos Deus, personalidades coeternas e
(cf. Mc 1:11, em conexão com o batismo coiguais de uma só Divindade.
de Cristo).
Não está claro se monoguenês se refere
O Espírito Santo como a terceira
apenas ao Senhor histórico e ressurreto pessoa da Trindade
ou também ao Senhor preexistente. É Que o Espírito Santo é uma pessoa
de interesse notar, porém, que nem em divina, igual ao Pai e ao Filho em poder,
1:1-14, nem em 8:58, nem no capítulo 17, substância e glória, manifesta-se através
João usa o termo “Filho” para o Senhor das Escrituras.
preexistente.
16 / Parousia - 2º semestre de 2005

O Espírito Santo como ser pessoal (a) Mateus 28:19 “...batizando-os em


nome do Pai, e do Filho, e do Espírito San-
Alguns têm indagado se o Espírito
to.” Este texto coloca o Espírito Santo em
Santo é uma pessoa distinta ou apenas o
um nível igual ao do Pai e do Filho.
“poder” ou a “força” de Deus. Há vários
versos onde o Espírito Santo é mencionado (b) Pedro disse a Ananias que, mentindo
junto com o Pai e o Filho (Mt 28:19; 1Co ao Espírito Santo, ele havia mentido não
12:4-6; 2Co 13:13). Uma vez que o Pai e o “aos homens, mas a Deus” (At 5:3-4).
Filho são pessoas, isto indica que o Espírito (c) O Espírito Santo é onipotente. Ele
Santo deve ser também uma pessoa. distribui dons espirituais “a cada um indivi-
Freqüentemente, o pronome mascu- dualmente como lhe apraz” (1Co 12:11). Ele
lino “ele” é usado com referência ao é onipresente. Habitará com o Seu povo “para
Espírito Santo (Jo 14:26; 15:26; 16:13, sempre” (Jo 14:6). Ninguém pode furtar-se à
14) apesar do fato de que a palavra para Sua influência (Sl 139:7-10). Ele é também
Espírito em grego (pneuma) é neutra e onisciente, “porque o Espírito a todas as cousas
não masculina. perscruta, até mesmo as profundezas de Deus”
e “as cousas de Deus ninguém as conhece,
A palavra “conselheiro” ou “consola-
senão o Espírito de Deus” (1Co 2:10, 11).23
dor” (parakletos) uniformemente se refere
a uma pessoa, não a uma força. (d) Ellen White cria firmemente na
personalidade do Espírito Santo. “Precisa-
É dito que o Espírito Santo fala (At
mos reconhecer que o Espírito Santo, que
8:29), ensina (Jo 14:26), dá testemunho
é tanto uma pessoa como o próprio Deus,
(Jo 15:26), intercede em favor de outros
está andando por esses terrenos.”24
(Rm 8:26-27), distribui dons a outros (1Co
12:11), e proíbe ou permite certas coisas
(At 16:6-7). De acordo com Efésios 4:30, Conclusão
o Espírito Santo pode ser também entriste-
cido pelas pessoas. Todas estas atividades Embora com a doutrina da Trindade
são características de uma pessoa, não de haja certas dificuldades textuais e con-
uma força. ceituais, nosso estudo do Antigo e do
Novo Testamento tem produzido algumas
possíveis respostas. Temos visto que a
O Espírito Santo como Deus Divindade existe em uma pluralidade, que
Vários textos das Escrituras descrevem Jesus é Deus, coexistente com o Pai desde
o Espírito Santo como Deus: a eternidade, e que o Espírito Santo é a

Referências 9
Erickson, 1:338.
10
Alguns comentaristas crêem que por trás da
1
Artigo traduzido do original em inglês por fórmula está a linguagem das transferências de
Francisco Alves de Pontes. Salvo indicação diversa, dinheiro da era helenística, de sorte que a fórmula
os textos bíblicos utilizados na tradução são extraídos expressa figurativamente que a pessoa batizada é
da Versão Almeida Revista e Atualizada. “transferida” para a conta do Senhor e assim se torna
2
W. Grudem, Teologia Sistemática (São Paulo: Sua propriedade. Outros interpretam “nome” como
Vida Nova, 2002), 165. “autoridade”. Destarte, alguém é batizado pela auto-
3
Louis Berkhof, Systematic Theology (Eerd- ridade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
mans, 1994), 88. 11
Grudem, 230.
4
Ibid. 12
Arthur W. Pink, Exposition of the Gospel of
5
G. A. F. Knight , A Biblical Approach to the John (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1945), 22.
Doctrine of the Trinity (Edinburgh, 1953), 20. 13
W. Poehlmann, “Morfê”, Exegetical Dictio-
6
Ibid. nary of the New Testament, 3 vols., eds. H. Balz e
7
Millard J. Erickson, Christian Theology (Grand G. Schneider (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1981),
Rapids, MI: Baker, 1983), 1:329. 2:443.
8
G. Ch. Aalders, Genesis (Grand Rapids, MI: 14
F. F. Bruce, Philippians, NIBC (Peabody, MA:
Zondervan, 1981), 300.
A Trindade nas Escrituras / 17

Hendrickson, 1989), 69. bridge Greek Testament Commentary [Cambridge,


15
Leon Morris, The Lord from Heaven: A Study 1957], 166).
of the New Testament Teaching in the Deity and 17
John Eadie, Colossians, Classic Commentary
Humanity of Jesus (Grand Rapids, MI: Eerdmans, Library (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1957),
1958), 74. 145.
16
Alguns comentaristas definem pleroma em 18
F. F. Bruce, Hebrews, NICNT (Grand Rapids,
função do pensamento gnóstico, pelo qual pleroma MI: Eerdmans,. 1964), 19, 20.
significa o novo éon (ou emanação gnóstica) que 19
Erickson, 326.
encarnou-se no Redentor (Kaeseman, Essays on New 20
Sou grato ao meu colega Ekkehardt Mueller
Testament Themes [Londres, 1964], 158). C. F. D. pelo material deste parágrafo.
Moule, porém, tem ressaltado que pleroma era uma 21
Kenneth T. Aitken, Proverbs (Westminster
palavra tão comum na LXX que seria preciso forte Press, 1986), 85.
evidência para levar alguém a procurar em uma fonte 22
Mensagens Escolhidas, 1:247.
externa seu significado primário em um escritor tão 23
Nisto Cremos: 27 ensinos bíblicos dos adven-
imergido no Antigo Testamento como Paulo (The tistas do sétimo dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Epistles to the Colossians and to Philemon, Cam- Brasileira, 1988), 90.
24
Evangelismo, 616.
19

O debate adventista
sobre a Trindade
Jerry Moon, Ph.D.
Diretor do Departamento de História Eclesiástica do Seminário Teológico Adventista, Andrews
University, Berrien Springs, Michigan; editor da Andrews University Seminary Studies.

Resumo: Este artigo descreve o desen- importantes pontos de partida, ele preparou
volvimento da compreensão adventista da o cenário para que outros investigadores
doutrina da Trindade ao longo de mais de levem adiante sua obra.
um século e meio de história. O autor divide Desde então, vários autores têm aceita-
esse desenvolvimento em seis períodos, do aspectos destes dois grandes pontos de
nos quais são mencionadas as respectivas debate. Russell Holt, em 1969, baseado na
contribuições literárias mais significativas tese de Gane, adicionou outra significativa
sobre o assunto. Especial atenção também evidência concernente a Tiago White, J. N.
é dada à superação do antitrini-tarianismo Andrews, A. C. Bourdeau, D. T. Bourdeau,
inicial e ao ressurgimento contemporâneo R. F. Cottrell, A. T. Jones, W. W. Prescott, J.
desta teoria entre grupos dissidentes do Edson White e M. L. Andreasen. Concluin-
adventismo. do, Holt afirmou que até 1890 o “campo era
Abstract: This article describes de dominado por” antitrinitarianos; de 1890 a
development os the Seventh-day Adventist 1900, “o rumo da denominação foi decidido
understanding of the doctrine of the Trinity por declarações de Ellen G. White”, e durante
over more then a century and a half of his- o período de 1900 a 1930 morreram muitos
tory. The author divides that development dos principais antitrinitarianos, de sorte que
in six phases, in which the respective most por volta de 1931 o trinitarianismo “havia
important literary contributions on the triunfado e se tornado o ponto de vista oficial
subject are mentioned. Special attention denominacional.” Assim, Holt aproximou
is given to the supperation of early anti- a trajetória histórica da presente pesquisa,
Trinitarianism and its contemporary reape- embora o tamanho de sua tese não permitisse
arence among Adven-tist offshut groups. tratamento em profundidade.3
Dois anos depois, L. E. Froom, em
Introdução Moviment of Destiny, apresentou um início
mais antigo de trinitarianismo, afirmando
Quarenta anos se passaram desde que que E. J. Waggoner, já no ano de 1888, tinha
Erwin R. Gane demonstrou que a maioria se tornado essencialmente trinitariano ou,
dos líderes entre os primeiros adventistas no mínimo, “anti-ariano”, mas somente
do sétimo dia defendiam uma teologia por “súplica especial” poderia ele sustentar
antitrinitariana.1 Ele também apresentou este aspecto de sua hipótese.4 Contudo,
forte evidëncia para uma segunda hipótese: Moviment of Destiny apresenta um exame
que a co-fundadora Ellen G. White era uma mais detalhado das fontes primárias sobre
exceção à opinião da maioria. “Ela era”, trinitarianismo e antitrinitarianismo no
asseverou, “uma monoteísta trinitariana”.2 movimento adventista do que pode ser
Gane não tentou reconstruir a história da encontrado em qualquer outro lugar. Pela
mudança desde a rejeição até à aceitação magnitude, sua obra dá uma importante
do trinitarianismo, mas tratou amplamente contribuição para a história da teologia
da atuação de Ellen White na mudança adventista da Divindade.
teológica. Documentando, porém, dois
20 / Parousia - 2º semestre de 2005

Em 1996, Merlin Burt contribuiu com Merlin Burt. Entretanto, nenhum desses
detalhes e necessária profundidade para a lidam extensamente com os problemas
compreensão da doutrina na primeira me- trinitarianos durante a crise de Kellogg9 ou
tade do século vinte.5 Woodrow Whidden o período a partir de 1980.10
ampliou a discussão teológica sistemática
unindo os avanços em soteriologia e a nova Predominância antitrinitariana
abertura ao trinitarianismo durante a década
de 1888-1898.6 (1846-1888)
Todas estas contribuições basicamente De cerca de 1846 a 1888, a maioria dos
comprovam a tese original de Gane. Como adventistas rejeitava o conceito da Trindade
resultado, sua afirmação de que muitos – ao menos como eles o entendiam. Todos os
dos principais pioneiros do adventismo principais escritores foram antitrinitarianos,
do sétimo dia eram antitrinitarianos em embora a literatura contenha referências
sua teologia, tornou-se história adventista ocasionais a membros que mantinham opi-
aceita. Em 2003, porém, o significado dessa niões trinitarianas. Ambrose C. Spicer, pai
história para a fé e prática passou a ser mais de William Ambrose Spicer, Presidente da
calorosamente debatido do que nunca. Por Associação Geral, tinha sido um ministro
um lado, alguns adventistas têm envolvido batista do sétimo dia antes da sua conversão
o antitrinitarianismo dos pioneiros em uma ao Adventismo em 1874. Evidentemente, ele
teoria de conspiração ecumênica, alegan- continuou trinitariano, porque W. A. Spicer
do que os dirigentes adventistas traíram a relatou a A. W. Spalding que seu pai “ficou
“verdade” original por amor às relações tão ofendido ante a atmosfera antitrinitariana
públicas, como um meio de desfazer a ima- de Battle Creek que deixou de pregar.”11
gem sectária da denominação.7 Por outro S. B. Whitney tinha sido trinitariano, mas
lado, a questão sobre se a crença em Deus no processo de sua doutrinação como ad-
como uma Trindade é realmente bíblica ventista em 1861, tornou-se um convicto
recebe força adicional do fato de que alguns antitrinitariano. Sua experiência evidencia
teólogos contemporâneos da mais vasta que no mínimo alguns ministros ensinavam
comunidade protestante estão aceitando o antitrinitarianismo como um elemento es-
novamente o questionamento histórico do sencial da instrução dos novos conversos.12
trinitarianismo tradicional.8 R. F. Cottrell, por outro lado, escreveu na
Review que, embora ele não acreditasse na
A finalidade deste artigo é examinar o Trindade, jamais “tinha pregado contra ela”
processo de mudança na opinião adven- ou escrito anteriormente sobre isto.13 Uma
tista da Trindade, a fim de descobrir o que terceira partícula de evidência de que nem
motivou as alterações, e também se elas todos concordavam com o antitrinitaria-
resultaram de uma crescente compreensão nismo foi a observação de D. T. Bourdeau
bíblica ou se foram impulsionadas pelo em 1890: “Embora afirmemos ser crentes e
desejo de sermos vistos como ortodoxos adoradores de um só Deus, tenho pensado
pela mais ampla comunidade cristã. que há tantos deuses entre nós como exis-
O desenvolvimento da doutrina da tem concepções da Divindade.”14
Divindade no adventismo do sétimo dia Aqueles que rejeitavam a doutrina tradi-
pode ser dividido em seis períodos: (1) Pre- cional da Trindade dos credos cristãos eram
dominância antitrinitariana (1846-1888); crentes sinceros no testemunho bíblico
(2) Insatisfação com o antitrinitarianismo concernente à eternidade de Deus o Pai, à
(1888-1898); (3) Mudança de paradigma divindade de Jesus Cristo “como Criador,
(1898-1913); (4) Declínio do antitrinita- Redentor e Mediador” e à “importância do
rianismo (1913-1946); (5) Predominância Espírito Santo.”15 Conquanto alguns, muito
trinitariana (1946-1980); e Tensões renova- cedo na história adventista, sustentassem
das (1980 até o presente). Os três primeiros que Cristo fora criado,16 era amplamente
períodos foram discutidos por Gane, Holt aceito por volta de 1888 que Ele tinha
e Froom, e o período de 1888-1957, por preexistido “em tempos tão remotos nos
O debate adventista sobre a Trindade / 21

dias da eternidade que para a compreensão adventistas para a rejeição da Trindade era a
finita Ele era “praticamente sem princípio”. concepção errônea que tornava o Pai e o Fi-
Seja qual for o princípio que possa estar lho idênticos. Já notamos o testemunho de
envolvido, não foi por “criação”.17 Além Bates: “Com respeito à Trindade, concluí
disso, eles não estavam inicialmente con- que me era impossível crer que o Senhor
victos de que o Espírito Santo fosse uma Jesus Cristo, o Filho do Pai, era também o
Pessoa divina individual e não meramente Deus Todo-poderoso, o Pai, um e o mesmo
uma expressão para a presença, poder ou ser.”22 D. W. Hull, J. N. Loughborough, S.
influência divina. B. Whitney e D. M Canright partilhavam
desta opinião.23 O conceito de que o Pai e
“Com respeito à trindade, concluí que o Filho são idênticos aproxima-se de uma
me era impossível crer que o Senhor Jesus antiga heresia chamada Monarquianismo
Cristo, o Filho do Pai, fosse também o Deus Modalista, ou Sabelianismo (de Sabélio,
Todo-poderoso, o Pai, um e o mesmo ser”, um dos seus proponentes do terceiro sé-
escreveu José Bates concernentemente à culo). Os modalistas “afirmavam que na
sua conversão em 1827. Disse ele ao seu Divindade a única diferenciação era uma
pai: “Se você puder me convencer de que mera sucessão de modos ou operações.” Os
somos um neste sentido, de que você é meu modalistas negavam a triunidade de Deus e
pai, e eu seu filho; e também que eu sou seu asseveravam que Pai, Filho e Espírito Santo
pai, e você meu filho, então eu posso crer não são personalidades separadas.24
na trindade.” Por causa desta diferença,
ele preferiu unir-se à Conexão Cristã em Uma terceira e oposta objeção à doutri-
vez de à Igreja Congregacional de seus na da Trindade baseava-se na compreensão
pais.18 Alguém poderia ser tentado a des- equivocada de que ela ensina a existência
cartar a afirmação de Bates como simples de três Deuses. “Se Pai, Filho e Espírito
ignorância do significado de Trindade, mas Santo são cada um de per si Deus, seriam
havia então, e permanece ainda hoje, uma três Deuses”, escreveu Loughborough em
variedade de pontos de vista reivindicando 1861.25
o termo “Trindade”. Cottrell observou em
1869 que havia “uma multidão de opiniões” Uma quarta opinião era que a crença na
sobre a Trindade, “todas elas ortodoxas, eu Trindade diminuiria o valor da expiação.26
suponho, desde que havia um assentimento Eles arrazoavam que como “o Deus sempre
nominal à doutrina.”19 vivo e auto-existente” não pode morrer,
então se Cristo tivesse existência própria
Os primeiros adventistas apresentavam como Deus, Ele não poderia ter morrido
no mínimo seis motivos para sua rejeição do no Calvário. Se apenas a humanidade
termo “Trindade”. O primeiro era que eles morreu, então Seu sacrifício era meramente
não viam evidência bíblica para três pessoas um sacrifício humano, inadequado para a
em uma Divindade. Isto não era uma nova redenção.27 Destarte, a fim de proteger a
objeção.20 Em sua forma mais simples, o realidade de Sua morte na cruz, os primei-
conceito de Trindade é o resultado de afir- ros adventistas achavam que eles tinham
mar, pela autoridade das Escrituras, tanto a de negar que Cristo, em Sua preexistência,
“unidade” quanto a “triunidade” de Deus, a possuía divina imortalidade. Conquanto
despeito da incapacidade humana de com- este raciocínio pudesse ter parecido lógico
preender plenamente a Realidade pessoal e a alguns, suas premissas básicas foram
divina para a qual esses termos apontam. A terminantemente rejeitadas por Ellen White
maneira como isto pode ser explicado tem em 1897. Ela declarou que quando Jesus
sido o objeto de muita reflexão e especu- morreu na cruz, “a divindade não morreu.
lação através dos séculos. A influência da A humanidade morreu.”28 Sua influência
filosofia grega sobre o desenvolvimento sobre os leitores adventistas, e a confiança
doutrinal da história cristã primitiva e me- destes na fonte de sua informação era tal
dieval é bem conhecido.21 que as implicações de tal pronunciamen-
to não podiam ser ignoradas, dando aos
O segundo motivo dado pelos primeiros
22 / Parousia - 2º semestre de 2005

eruditos adventistas mais um motivo para 10:17]; Ele possui imortalidade inerente a
reavaliar seu paradigma básico concernente Si mesmo.” Waggoner insistiu na “Divina
à Divindade. unidade do Pai e do Filho” e afirmou que
Cristo é “por natureza, da própria substân-
Quinto, o fato de que Cristo é chamado
cia de Deus, e tendo vida em Si mesmo,
“Filho de Deus” e “o princípio da criação de
Ele é adequadamente chamado Jeová, o
Deus” (Ap 3:14) era cogitado para provar
Deus vivo” (Jr 23:36), “que está em uma
que Ele devia ser de origem mais recente
igualdade com Deus (Fp 2:6, ARV), “tendo
do que Deus o Pai.29
todos os atributos de Deus.”34. Waggoner
Sexto, argumentava-se que “há várias não era ainda plenamente trinitariano, mas
expressões concernentes ao Espírito San- ele via claramente que uma concepção mais
to que indicavam que ele [sic] não podia exaltada da obra de redenção realizada por
adequadamente ser considerado como uma Cristo exigia uma concepção mais alta do
pessoa, tais como sendo ‘derramado’ no Seu ser como Divindade. “O fato de que
coração [Rm 5:5], e ‘derramarei sobre toda Cristo é uma parte da Deidade, possuindo
a carne’ [Jl 2:28].”30 Estes argumentos, po- todos os atributos da Divindade, sendo
rém, dependiam de dar uma interpretação igual ao Pai em todos os aspectos, como
muito literal a expressões que podiam tam- Criador e Legislador, é a única força que
bém ser vistas como figuras de linguagem. há na expiação... Cristo morreu ‘para levar-
Estes argumentos faziam sentido dentro de nos a Deus’ (1Pe 3:18); mas se Lhe faltava
um paradigma totalmente antitrinitariano, um jota de ser igual a Deus, não poderia
mas quando esse paradigma foi posto em levar-nos a Ele.”35 A força deste raciocínio
dúvida, estes pontos foram reconhecidos leva inevitavelmente ao reconhecimento
como sendo capazes de se ajustarem a uma da plena igualdade de Cristo também em
ou outra interpretação. preexistência.
Nenhum destes é uma objeção válida ao Desse modo, a dinâmica da justiça pela
conceito básico trinitariano de um Deus em fé e suas conseqüências para a doutrina
três Pessoas.31 No entanto, todos eles eram de Deus provê o contexto histórico para o
baseados em textos bíblicos. Finalmente os provocante comentário de D. T. Bourdeau
adventistas mudaram seu ponto de vista da de que “embora afirmemos ser crentes e
Divindade porque chegaram a uma compre- adoradores de um só Deus, tenho pensa-
ensão diferente dos textos bíblicos. do que há tantos deuses entre nós como
existem concepções da Divindade.” 36 Tal
Insatisfação com o antitrinitaria- observação de um evangelista e missio-
nário altamente respeitado parece indicar
nismo (1888-1898)
que a confiança coletiva no paradigma
O enfoque em “Cristo nossa justiça”, antitrinitariano estava mostrando algumas
dado pela sessão da Conferência Geral de rupturas. Outra evidência de que isto era
1888, e a conseqüente exaltação da cruz de assim apareceu dois anos depois, em 1892,
Cristo, pôs seriamente em dúvida se uma quando a Pacific Press publicou um pan-
divindade derivada, subordinada, podia fleto intitulado The Bible Doctrine of the
adequadamente esclarecer o poder salvador Trinity (A Doutrina Bíblica da Trindade),
de Cristo. E. J. Waggoner insistiu na neces- de Samuel T. Spear. O panfleto corrigia
sidade de “apresentar a legítima posição de dois conceitos equivocados prevalecentes
Cristo em igualdade com o Pai, a fim de que da doutrina da Trindade, mostrando que
Seu poder para redimir pudesse ser melhor ela “não é um sistema de triteísmo, ou a
apreciado.”32 Conquanto por volta de 1890 doutrina de três Deuses, mas é a doutrina
Waggoner ainda não tivesse compreen- de um Deus subsistindo e agindo em três
dido plenamente a infinitamente eterna pessoas, com a qualificação de que o termo
preexistência de Cristo,33 ele argumentava ‘pessoa’... quando usado nesta relação,
convincentemente que Cristo não era cria- não deve ser compreendido em qualquer
do, que “Ele tem ‘vida em Si mesmo’ [Jo sentido que o tornaria incompatível com a
O debate adventista sobre a Trindade / 23

unidade da Divindade.”37 dias da eternidade o Senhor Jesus Cristo


era um com o Pai” (ênfase suprida). To-
Em 1898, Uriah Smith preparou Looking davia, mesmo isto não foi suficientemente
Unto Jesus, a mais compreensiva e cuida- inequívoco para esclarecer o seu ponto de
dosamente matizada exposição do ponto de vista no tocante à divindade de Jesus, pois
vista não trinitariano entre os adventistas. como temos visto, outros tinham usado
Smith repudiou enfaticamente sua opinião linguagem semelhante sem crer na infi-
anterior de que Cristo tinha sido criado, nitamente eterna preexistência de Cristo.
mas ainda mantinha que “somente Deus Posteriormente no livro, escrevendo sobre
[o Pai] é sem princípio. Na época mais an- a ressurreição de Lázaro, ela citou as pa-
tiga quanto um princípio poderia ser – um lavras de Cristo: “Eu sou a ressurreição e
período tão remoto que para mentes finitas a vida”, e fez, em seguida, um comentário
é essencialmente eternidade –, apareceu de sete palavras que começaria a mudar a
o Verbo.” Através de algum meio não maré da teologia antitrinitariana entre os
claramente revelado nas Escrituras, Cristo adventistas: “Em Cristo há vida original,
fora “gerado”, ou “por algum impulso ou não emprestada, não derivada” (ênfase
processo divino, não criação”, Cristo fora suprida).40 Em última análise, Cristo não
trazido à existência pelo Pai. Em um pará- derivava Sua vida divina do Pai. Como
grafo Smith surpreendentemente se apro- um homem sobre a Terra, Ele subordinou
xima de uma declaração trinitariana: “Esta Sua vontade à vontade do Pai (Jo 5:19,
união entre o Pai e o Filho não diminui a 30), mas como Deus auto-existente, Ele
nenhum dos dois, mas fortalece a ambos. tinha poder para depor Sua vida e tornar a
Por meio dela, em conexão com o Espírito tomá-la. Desse modo, comentando sobre
Santo, temos toda a Divindade.”38 Mas a ressurreição de Cristo, outra vez Ellen
esse vagaroso esforço em direção de uma White asseverou Sua plena divindade e
compreensão mais ampla foi eclipsado pe- igualdade com o Pai, declarando: “O Sal-
las ousadas declarações de O Desejado de vador saiu do sepulcro pela vida que havia
Todas as Nações, publicado no mesmo ano. em Si mesmo.”41
O livro O Desejado de Todas as Nações
produziu uma mudança de paradigma nas Essas declarações vieram como um
percepções adventistas da Divindade. choque para a liderança da Igreja. M. L.
Andreasen, que havia se tornado adven-
tista apenas quatro anos antes, na idade de
Mudança de paradigma (1898-1913) 18 anos, e que eventualmente lecionaria no
O período de 1898-1913 testemunhou seminário norte-americano da Igreja, afir-
uma quase completa inversão do pensa- mou que o novo conceito era tão diferente
mento adventista sobre a Trindade. Digo da compreensão anterior que alguns líderes
quase porque essa mudança de paradigma preeminentes duvidaram sobre se Ellen
não levou à unanimidade sobre o assunto. White realmente o havia escrito. Depois
Como documentou Merlin Burt, alguns que Andreasen ingressou no ministério em
líderes pensantes que tendiam para a “velha 1902, ele fez uma viagem especial ao lar de
opinião” permaneceram vocais, mas com Ellen White na Califórnia para investigar o
influência decrescente, por muitos anos.39 assunto por si mesmo. Ellen White o rece-
beu e deu-lhe “acesso aos manuscritos”. Ele
Contudo, a publicação de O Desejado havia levado consigo “várias citações” para
de Todas as Nações, de Ellen White, em “ver se elas estavam no original do próprio
1898, tornou-se a linha divisória para manuscrito dela. Ele relembrou: “Eu estava
a compreensão adventista da Trindade. certo de que a Irmã White jamais tinha
Começando com o primeiro parágrafo do escrito: ‘Em Cristo há vida original, não
livro, ela pôs em dúvida a opinião dominan- emprestada, não derivada.’ Mas agora eu
te dos primeiros adventistas concernente à descobri em seu próprio manuscrito preci-
relação de Cristo com o Pai. Declarava sua samente como ele tinha sido publicado. E
terceira sentença do Capítulo 1: “Desde os assim era com outras declarações. Ao exa-
24 / Parousia - 2º semestre de 2005

minar, descobri que elas eram as próprias e bíblica da Trindade.45


expressões da Irmã White.”42
Evidência de que ao menos uma porção da
O Desejado de Todas as Nações con- liderança da Igreja reconheceu as declarações
tinha declarações igualmente inflexíveis de O Desejado de Todas as Nações como
concernentes à divindade do Espírito San- removendo as objeções a uma doutrina bí-
to. Empregava repetidamente o pronome blica da Trindade é um sumário das crenças
pessoal “ele” ao referir-se ao Espírito adventistas publicado por F. M. Wilcox
Santo, culminando com a impressionante na Review and Herald, em 1913. Wilcox,
declaração: “O Espírito Santo... ia ser dado editor do mais influente periódico denomi-
como agente de regeneração, sem o qual nacional, escreveu que “os adventistas do
o sacrifício de Cristo de nenhum proveito sétimo dia crêem 1) Na Trindade divina.
teria sido... Ao pecado só se poderia resistir Essa Trindade consiste do eterno Pai,... do
e vencer por meio da poderosa operação da Senhor Jesus Cristo,... [e] do Espírito San-
terceira pessoa da Trindade, a qual viria, to, a terceira pessoa da Divindade.”46
não com energia modificada, mas na ple-
nitude do divino poder” (ênfase suprida).43 Declínio do antitrinitarianismo
[O texto em inglês diz: Third Person of the (1913-1946)
Godhead – Terceira Pessoa da Divindade.
A palavra Trinity (Trindade) não existe A despeito da declaração de Wilcox na
nos escritos de E. G. White. – Nota do Review (ou talvez por cauda dela), o debate
Tradutor]. sobre a Trindade intensificou-se nas primei-
ras décadas do século vinte. Na Conferên-
Estas e outras declarações similares cia Bíblica de 1919, a eternidade de Cristo
levaram alguns a um novo exame da e Sua relação com o Pai foram os principais
evidência bíblica acerca da Divindade. e não resolvidos assuntos do debate. Curio-
Outros, descrendo que tivessem esta- samente, em vista da declaração de Ellen
do em erro por tantos anos, estudaram White, em O Desejado de Todas as Nações,
para sustentar os velhos argumentos. O de que a vida de Cristo era “não derivada”,
testemunho de Ellen White, porém, cha- até mesmo W. W. Prescott, o mais notável
mando a atenção para as Escrituras cujo proponente de uma opinião trinitariana na
significado tinha sido negligenciado, 44 conferência, defendia que a existência de
criou uma mudança de paradigma que Cristo era sob certos aspectos “derivada”
não poderia ser revertida. Ao se voltarem do Pai.47 Isto pode constituir evidência de
os adventistas para as Escrituras para ver que a liderança não estava contente em
“se estas coisas eram assim” (Atos 17:11), simplesmente aceitar o pronunciamento de
chegaram finalmente a um crescente con- Ellen White sem examiná-lo por si mesmos
senso de que o conceito básico da Trinda- nas Escrituras. Ou talvez, mostre a cons-
de era uma verdade bíblica a ser aceita e ciente ou inconsciente reflexão de Prescott
abraçada. sobre fontes clássicas trinitarianas.48
Conquanto O Desejado de Todas as Na- A polarização do Cristianismo america-
ções pusesse em movimento uma mudança no entre modernismo e fundamentalismo
de paradigma no tocante à compreensão nas primeiras duas décadas do século 20
adventista da Divindade, ele não era a últi- tendia a aproximar os adventistas de uma
ma palavra de Ellen White sobre o assunto. posição trinitariana, sendo que em tantas
Posteriormente, durante a crise de Kellogg outras áreas – como evolução, crença no
de 1902-1907, ela usou repetidamente ex- sobrenatural, nascimento virginal de Cristo,
pressões como “três pessoas vivas do trio milagres, ressurreição literal – os adventis-
celestial”, embora continuasse mantendo tas estavam em oposição aos modernistas e
a unidade essencial da Divindade. Assim, simpatizavam com os fundamentalistas.49
ela afirmou a pluralidade e a unidade, a
triunidade e a unicidade, os elementos Em 1930, a Associação Geral dos
fundamentais de uma compreensão simples Adventistas do Sétimo Dia recebeu uma
solicitação de sua Divisão Africana de
O debate adventista sobre a Trindade / 25

que “uma declaração de fé dos adven- tem sido amplamente documentada em


tistas fosse impressa no Year Book para outra parte.57 Questions on Doctrine des-
ajudar “os oficiais do governo e outros a pertou uma tempestade de controvérsia
compreender melhor a nossa obra.” Em por certas declarações sobre cristologia
resposta, a Comissão da Associação Geral e a expiação, mas sua clara afirmação da
apontou uma subcomissão (que consistia “Trindade celestial”58 permaneceu virtual-
de M. E. Kern, secretário associado da mente incontestada – talvez porque M. L.
Associação Geral; F. M. Wilcox, editor da Andreasen, o principal crítico do livro em
Review and Herald; E. R. Palmer, gerente outras áreas era um trinitariano convicto.59
da Review and Herald; e C. H. Watson, A palavra final de Froom foi seu livro de
presidente da Associação Geral) a fim 700 páginas Movement of Destiny publi-
de preparar uma declaração das crenças cado em 1971. Apesar dos “exemplos de
adventistas.50 Wilcox, como o principal defesa especial” e problemas de preconcei-
escritor entre eles, esboçou uma declaração tos históricos que “diminuem um pouco a
de 22 pontos, que foi subseqüentemente obra como história confiável”,60 ele todavia
publicada no SDA Year Book de 1931.51 O documenta inteiramente o movimento da
segundo ponto falava da “Divindade, ou teologia adventista em direção de um con-
Trindade”, e o terceiro afirmava “que Jesus senso bíblico trinitariano.
Cristo é verdadeiro Deus”, um eco do credo O clímax desta fase de desenvolvimento
niceno. Para que ninguém pense que os doutrinal foi uma nova declaração de cren-
adventistas pretendiam formar um credo, ças fundamentais, votada pela assembléia
“nenhuma aprovação formal ou oficial” da Associação Geral de 1980 em Dallas. A
foi procurada para a declaração. Quinze nova declaração de vinte e sete “Crenças
anos mais tarde, quando a declaração havia Fundamentais”, como a declaração de
obtido aceitação geral, a assembléia da 1931, afirmava explicitamente a crença na
Associação Geral de 1946 a tornou oficial, Trindade. A afirmação vinha no segundo
votando que “nenhuma revisão desta De- artigo da declaração (em seguida a um
claração de Crenças Fundamentais, como preâmbulo e um primeiro artigo sobre a
aparece agora no Manual da Igreja, deve inspiração e autoridade das Escrituras). “2.
ser feita em qualquer tempo exceto em uma A Trindade[.] Há um só Deus: Pai, Filho e
assembléia da Associação Geral.”52 Isto Espírito Santo, uma unidade de três Pessoas
assinalou o primeiro endosso oficial de uma coeternas.”61 O artigo 4 afirma que “Deus
opinião trinitariana pela Igreja, embora “o o eterno Filho encarnou-Se em Cristo
último dos bem conhecidos expositores” Jesus... Para sempre verdadeiro Deus, Ele
continuasse a “defender a ‘velha’ opinião” tornou-Se também verdadeiro homem.”62
até a sua morte em 1968.53 O artigo 5 declara que “Deus o eterno
Espírito estava ativo com o Pai e o Filho
Predominância trinitariana na Criação, encarnação e redenção”, e foi
(1946-1980) “enviado pelo Pai e o Filho para estar sem-
pre com Seus filhos.”63 Em vários pontos, a
Desde a aposentadoria de F. M. Wilcox declaração ecoa a terminologia dos credos
em 194454 até à publicação de Movement clássicos trinitarianos, até mesmo incluindo
of Destiny em 1971,55 L. E. Froom foi o a cláusula do Filioquê com referência ao
mais visível campeão do trinitarianismo Espírito Santo.64
entre os adventistas do sétimo dia. Seu livro
The Coming of the Comforter (A Vinda do Uma breve recapitulação das declarações
Consolador) foi sem precedentes entre os de fé adventistas pode esclarecer o significa-
adventistas (exceto em algumas passagens do do voto de 1980. A primeira Declaração
de Ellen White) em sua exposição sistemá- de Princípios Fundamentais Ensinados e
tica da personalidade do Espírito Santo e Praticados pelos Adventistas do Sétimo Dia
da natureza trinitariana da Divindade.56 A (1872) foi a obra de Uriah Smith.65 Seus
importante atuação de Froom no preparo dois primeiros artigos tratam do Pai, Filho
da obra de 1957, Questions on Doctrine, e Espírito Santo.
26 / Parousia - 2º semestre de 2005

-I- acima), foi reproduzido sem mudança na


Que há um só Deus, um ser pessoal e espiritu- declaração de 1889. O artigo II da decla-
al, o criador de todas as coisas, onipotente, onis- ração de 1889 tem algumas modificações
ciente e eterno, infinito em sabedoria, santidade, na linguagem acerca da obra de Cristo,
justiça, bondade, verdade e misericórdia; imutável
mas nenhuma mudança substancial em sua
e presente em toda parte pelo seu representante,
o Espírito Santo (Sl 139:7).
referência à pessoa de Cristo.71 Uma vez
que esses artigos aderem estritamente à ter-
- II - minologia bíblica, podem ser interpretados
Que há um só Senhor Jesus Cristo, o Filho do favoravelmente tanto por antitrinitarianos
Eterno Pai, por meio de quem Deus criou todas quanto por trinitarianos.
as coisas, e por meio de quem elas consistem;
que ele tomou sobre si a natureza da semente de
A terceira declaração de “Crenças
Abraão para a redenção de nossa raça caída; que Fundamentais dos Adventistas do Sétimo
ele habitou entre os homens cheio de graça e de Dia”,72 preparada sob a direção de uma
verdade, viveu como nosso exemplo, morreu como comissão, foi realmente escrita por F. M.
nosso sacrifício, ressurgiu para nossa justificação, Wilcox, editor da Review and Herald.73
ascendeu às alturas para ser nosso único mediador Quinze anos mais tarde, em 1946, ela
no santuário do céu, onde, com o seu próprio san- tornou-se a primeira declaração a ter o en-
gue faz expiação por nossos pecados.66 dosso oficial de uma sessão da Associação
Geral.74 Declara o artigo 2:
É notável que embora não haja nenhu-
Que a Divindade, ou Trindade, consiste do Pai
ma referência ao termo Trindade, não há
Eterno, um Ser pessoal, espiritual, onipotente, oni-
qualquer manifestação polêmica contra presente, onisciente, infinito em sabedoria e amor;
uma posição trinitariana. Smith estava se o Senhor Jesus Cristo, o Filho do Eterno Pai, por
esforçando claramente para aderir tanto intermédio de quem todas as coisas foram criadas
quanto possível à linguagem bíblica. A e através de quem a salvação das hostes redimidas
declaração representava um consenso na será realizada; o Espírito Santo, a terceira pessoa
época, mas, em harmonia com sua explícita da Divindade, o grande poder regenerador na obra
desaprovação no preâmbulo de qualquer de redenção (Mt 28:19).75
declaração de credo,67 nunca lhe foi dada
a aprovação oficial. Destarte, a declaração votada em
Dallas em 1980 foi a quarta declaração
A segunda declaração de “Princípios de crenças fundamentais dos adventistas
Fundamentais” (1889), também de Uriah do sétimo dia, mas apenas a segunda a ser
Smith,68 é igualmente uma declaração de votada oficialmente por uma assembléia
consenso que evita estimular quaisquer da Associação Geral. Poder-se-ia esperar
pontos de discordância. Como acontece que a adoção oficial da explicitamente
com a declaração de 1872, o preâmbulo trinitariana declaração de Dallas trouxesse
mantém “nenhum credo senão a Bíblia”, e encerramento ao debate de um século, mas
além disso afirma que “as seguintes pro- ela demonstrou ser a precursora de tensões
posições podem ser compreendidas como renovadas.
um sumário das principais características
de sua [dos adventistas do sétimo dia] fé
religiosa, sobre a qual existe, tanto quanto Tensões renovadas e prosseguimen-
sabemos, inteira unanimidade em todo to do debate (1980 ao presente)
o corpo de crentes” (ênfase suprida). 69 O período de 1980 até o presente tem
Evidentemente, Smith não considerava os sido caracterizado por renovado debate
excelentes pontos da doutrina da Divindade ao longo de um espectro de idéias desde
como tendo destaque entre as “principais as reacionárias às contemporâneas. Logo
características” da fé adventista naquele depois da declaração de Dallas – e talvez
tempo, porque dificilmente ele poderia ter em reação a ela – vozes das “extremida-
deixado de perceber que havia certos desa- des” da Igreja começaram a defender que
cordos de pouca importância relacionados as antigas opiniões dos pioneiros estavam
com a Trindade.70 O artigo I de 1872 (citado
O debate adventista sobre a Trindade / 27

corretas, que as declarações aparentemente não da filosofia grega.81


trinitarianas de Ellen White tinham sido
No mais recente Handbook of Seventh-
mal-interpretadas e que a declaração de
day Adventist Theology (2000), editado por
Dallas representava apostasia das crenças
Dederen, Canale foi o autor de um artigo
bíblicas dos pioneiros.76 Alguns, em apa-
magistral sobre as descobertas de sua con-
rente ignorância do voto de 1946, criam
tínua obra no que tange à doutrina de Deus.
que a declaração de Dallas era a primeira
Novamente, Canale faz explicitamente a
declaração de fé adventista oficialmente vo-
diferenciação entre uma doutrina de Deus
tada, e portanto, que sua própria existência
baseada nas pressuposições filosóficas
era uma aberração do modelo histórico.77
gregas e uma baseada nos pressupostos
Citações das fontes primárias, extraídas
bíblicos, 82 defendendo fortemente sua
do seu contexto histórico e reacondiciona-
opinião de que somente através de uma
das em plausíveis teorias conspiratórias,
disposição de “partir da concepção filosó-
mostravam-se bastante convincentes para
fica de Deus como atemporal” e “abraçar
muitos.78
a concepção histórica de Deus conforme
Um incremento mais substancial era a apresentada na Bíblia”, pode alguém des-
incessante investigação para articular uma cobrir um ponto de vista realmente bíblico
doutrina bíblica da Trindade, claramente da Trindade.83
diferenciada das pressuposições filosóficas
A terceira linha de raciocínio procura
gregas que envolviam as tradicionais de-
localizar o trinitarianismo adventista no
clarações dos credos. Raoul Dederen havia
contexto da teologia sistemática contem-
apresentado em 1970 uma breve exposi-
porânea. Aprovando o descontentamento
ção da Divindade do Antigo e do Novo
de Canale com a teologia clássica, mas
Testamento.79 Ele rejeitava a “Trindade
conduzindo a crítica em uma direção dife-
do pensamento especulativo” que criava
rente, estava a obra The Reign of God, de
filosóficas “distinções dentro da Divindade
Richard Rice (1985). Rice afirmava que
para o que não havia base definível dentro
a Trindade estava implícita, embora não
do conhecimento revelado de Deus.” Em
explícita, nas Escrituras.84 Fritz Guy, em
vez disso, ele defendia o exemplo dos após-
Thinking Theologically (1999), concorda
tolos: “Rejeitando os termos da mitologia
que “as formulações tradicionais” da dou-
grega ou da metafísica, eles expressavam
trina da Trindade “não são inteiramente
suas convicções em uma despretenciosa
satisfatórias.”85 Ele deprecia uma perce-
confissão de fé trinitariana, a doutrina de
bida tendência em direção do triteísmo86
um só Deus subsistindo e agindo em três
e favorece a atualização da linguagem
pessoas.”80
para torná-la mais “funcional e do gênero
Edificando sobre esta linha de raciocí- neutro.”87 O livro de Guy, porém, não é
nio, Fernando Canale, aluno de Dederen, uma exposição sistemática da doutrina de
apresentou em 1983 uma crítica radical Deus ou da Trindade, e os leitores devem
das pressuposições filosóficas gregas acautelar-se de ler demasiado em breves
destacando o que Dederen havia classi- referências ilustrativas. A forma como suas
ficado como “pensamento especulativo”. sugestões finalmente afetarão a discussão
A tese doutoral de Canale, A Criticism ainda está para ser vista.
of Theological Reason, afirmava que a
teologia católica romana e a teologia clás- Conclusão
sica protestante tiravam seus mais básicos
pressupostos acerca da natureza de Deus, O longo processo de mudança desde
tempo e existência, de uma “estrutura” a rejeição inicial do trinitarianismo dos
provida pela filosofia aristotélica. Canale credos pelos primeiros adventistas até à
afirmava que para a teologia cristã tornar-se sua eventual aceitação de uma doutrina da
realmente bíblica, ela deveria derivar seus Trindade poderia ser corretamente chama-
“pressupostos primordiais” das Escrituras, da de uma busca por uma Trindade bíblica.
28 / Parousia - 2º semestre de 2005

Eles não eram tão preconceituosos contra eles a rejeitaram.


as fórmulas tradicionais, mas estavam
decididos a seguir à risca sua doutrina Finalmente, porém, eles se convence-
o mais perto possível das Escrituras. A ram de que o conceito básico de um só Deus
fim de basear suas crenças somente nas em três pessoas era realmente encontrado
Escrituras e privar a tradição de exercer nas Escrituras. Um artigo a ser publicado
qualquer autoridade teológica, eles acha- na próxima edição de Parousia considerará
vam metodologicamente essencial rejeitar mais detalhadamente a atuação de Ellen
toda doutrina não claramente fundamen- White neste processo.
tada apenas nas Escrituras. Sendo que a
doutrina tradicional da Trindade continha
claramente elementos não escriturísticos,

Referências ser publicado na próxima edição de Parousia.


10
Veja Fernando L. Canale, “Doctrine of God,”
1
Artigo traduzido do original em inglês por Fran- em Handbook of Seventh-day Adventist Theology,
cisco Alves de Pontes. Salvo indicação diversa, os ed. Raoul Dederen, Commentary Reference Series,
textos bíblicos utilizados na tradução são extraídos vol. 12 (Hagerstown, MD: Review and Herald,
da Versão Almeida Revista e Atualizada. 2000), 117-118, 126, 128-129, 132, 138-140, 145,
2
Erwin R. Gane, “The Arian or Anti-Trinitarian 148-150.
Views Presented in Seventh-day Adventist Literature 11
A. W. Spalding para H. C. Lacey, 2 de junho
and the Ellen G. White Answer” (dissertação de de 1947, Adventist Heritage Center, Andrews Uni-
mestrado, Andrews University, 1963). versity.
3
Russel Holt, “The Doctrine of the Trinity in the 12
Seymour B. Whitney, “Both Sides,” Review
Seventh-day Adventist Denomination: Its Rejection and Herald, 25 de fevereiro e 4 de março de 1862,
and Acceptance” (Monografia, Seventh-day Adven- 101-103, 109-111.
tist Theological Seminary, 1969), 25. 13
R. F. Cottrell, “The Doctrine of the Trinity,”
4
LeRoy Edwin Froom, Movement of Destiny Review and Herald, 1º de junho de 1869.
(Washington, DC: Review and Herald, 1971), 14
D. T. Bourdeau, “We May Partake of the Full-
279. Uma resenha crítica contemporânea chama o ness of the Father and the Son,” Review and Herald,
argumento de Froom a esta altura de um exemplo 18 de novembro de 1890, 707.
de “defesa especial” (C. Mervyn Maxwell, resenha 15
Gane, 109.
crítica de Movement of Destiny por LeRoy Edwin 16
E.g., Uriah Smith, Thoughts, Critical and
Froom, in AUSS 10 [janeiro de 1972]: 121). Practical on the Book of Revelation (Battle Creek,
5
Merlin Burt, “Demise of Semi-Arianism and MI: Seventh-day Adventist Publishing Association,
Anti-Trinitarianism in Adventist Theology, 1888- 1865), 59. Posteriormente ele repudiou esta opinião
1957” (monografia, Andrews University, 1996). El- (idem, Looking Unto Jesus [Battle Creek: Review
len G. White Research Center, Andrews University. and Herald, 1898], 12, 17).
A dissertação de Burt estende alguns elementos da 17
E. J. Waggoner, Christ and His Righteousness
história até 1968. (Oakland, CA: Pacific Press, 1890), 21-22; cf. Uriah
6
Woodrow W. Whidden, “Salvation Pilgrimage: Smith, Looking Unto Jesus, 12, 17.
The Adventist Journey into Justification by Faith and 18
Joseph Bates, The Autobiography of Elder
Trinitarianism,” Ministry, abril de 1998, 5-7. Joseph Bates (Battle Creek, MI: SDA Publishing
7
David Clayton, “The Omega of Deadly Here- Association, 1868), 205.
sies,” s.e., s.d. [ca. 2000], nos arquivos do autor. Cf. 19
Cottrell, The Doctrine of the Trinity.
Idem, “Some Facts Concerning the Omega Heresie,” 20
Os nomes de Ário, Serveto e Socino vêm à
www.restorationministry.com/open face/ html/2000/ mente. Deuteronômio 6:4 ensina claramente que
open face/2000.html; acessado em 10 de março Deus é um, mas embora o escritor pudesse ter usado
de 2003. Veja também Bob Deiner e outros em nn. o termo yakid para denotar um solitário “um”, o
76-78 abaixo. termo escolhido foi o hebraico ‘ekad, que denota um
8
Veja e.g., Anthony F. Buzzard e Charles F. composto “um” ou um de um grupo, em contraste
Hunting, The Doctrine of the Trinity, Christianity’s com um solitário ou enfático “um”. A mesma palavra,
Self-Inflicted Wound (Bethesda, MD: Christian Uni- ‘ekad, é usada em Gênesis 2:24 para a unidade de
versities Press, 1998). marido e mulher, que se tornam “um”, mas dentro
9
Veja Froom, 349-356. A aceitação do trinitaria- desta unidade, ainda retêm sua individualidade
nismo por J. H. Kellogg será explorada em artigo a (Woodrow Whidden, “The Strongest Bible Eviden-
O debate adventista sobre a Trindade / 29

ce for the Trinity,” in The Trinity: Understanding 38


Smith, Looking Unto Jesus, 3, 10, 17, esp.
God’s Love, His Plan of Salvation, and Christian 13.
Relationships, Woodrow Whidden, Jerry Moon e 39
De acordo com Burt, 54, o último dos adven-
John Reeve [Hagerstown, MD: Review and Herald, tistas antitrinitarianos dos “velhos tempos” morreu
2002], 33-34). Uma extensa discussão da evidência em 1968. Uma nova geração de neo-antitrinitarianos
bíblica está além do escopo deste artigo, mas basta surgiria na década de 1980 (veja abaixo).
dizer que o Antigo e o Novo Testamento contêm 40
E. G. White, O Desejado de Todas as Nações,
indicações de que o Único Deus não é meramente 22ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
solitário, e o Novo Testamento explicitamente se 2003), 530.
refere ao Pai, Filho e Espírito Santo (veja, por ex., 41
Ibid., 785, veja também os próximos dois
Mt 28:19, 2Co 13:13) (ibid., 21-117). parágrafos.
21
Veja Jerry Moon, “The Trinity in the Re- 42
M. L. Andreasen, “The Spirit of Prophecy,”
formation Era: Four Viewpoints,” in The Trinity: palestra em Loma Linda, Califórnia, 30 de novem-
Understanding God’s Love, His Plan of Salvation, bro de 1948, Adventist Heritage Center, Andrews
and Christian Relationships, 166-181. University, 3-4.
22
Bates, 205. 43
White, O Desejado de Todas as Nações,
23
Gane, 104. 669-671.
24
F. L. Cross, ed., Oxford Dictionary of the 44
Textos bíblicos citados por Ellen White
Christian Church, 2d ed. (Oxford: Oxford Univer- apoiando vários aspectos de uma opinião trinitaria-
sity Press, 1983), “Monarchianism” (veja também na inclusive Rm 8:16 (Evangelismo, 3ª ed [Tatuí,
“Modalism” e “Sabellianism”). SP: Casa Publicadora Brasileira, 1999], 617); 1Co
25
J. N. Loughborough, “Questions for Bro. Lou- 2:10-14 (ibid.); Jo 16:7-14 (ibid., 616); Jo 14:16-18,
ghborough,” Advent Review and Sabbath Herald de 26; 16:8, 12-14 (O Desejado de Todas as Nações,
5 de novembro de 1861, 184. 669-671); e Cl 2:9 (Evangelismo, 614).
26
Gane, 105. 45
Estas declarações e seu contexto na crise de
27
J. H. Waggoner, The Atonement [Oakland, CA: Kellogg serão tratados com mais detalhes em artigo
Pacific Press, 1884), 173. Smith faz uma argumenta- a ser publicado na próxima edição de Parousia.
ção semelhante em Looking Unto Jesus, 23. 46
[F. M. Wilcox], “The Message for Today,”
28
E. G. White, Manuscrito 131, 1897, citado Review and Herald, 9 de outubro de 1913, 21. Sou
em SDA Bible Commentary, ed. Francis D. Nichol grato a Bill Fagal do Centro de Pesquisa Ellen White
(Washington, DC: Review and Herald, 1954), da Andrews University por me chamar a atenção
5:1113. Posteriormente ela escreveu outra vez: “A para esta fonte.
humanidade morreu: a divindade não morreu” (idem, 47
W. W. Prescott, “The Person of Christ,” apre-
“The Risen Savior,” Youth’s Instructor, 4 de agosto sentação de 2 de julho de 1919 in “Bible Conference
de 1898, parágrafo 1). Papers 1-8, 1-19 de julho de 1919” [paginação
29
Uriah Smith, Thoughts on the Book of Daniel contínua, p. 69; 2 de julho, sessão da tarde, p. 20],
and the Revelation (Battle Creek, MI: Review and Adventist Heritage Center, Andrews University; veja
Herald, 1882), 487; idem, Looking Unto Jesus, 10. também Burt, 25-27.
30
Uriah Smith, “In the Question Chair,” Review 48
A geração do Filho pelo Pai é uma formulação
and Herald, 23 de março de 1897, 188. agostiniana (Oxford Dictionary of the Christian
31
O termo “pessoa”, conforme aplicado a Church, “Trinity, Doctrine of the.” Cf. W. W. Pres-
Deus indica um ser com personalidade, intelecto cott, The Doctrine of Christ: A Series of Bible Studies
e vontade. Dessemelhantes dos múltiplos deuses for Use in Colleges and Seminaries (Washington,
do politeísmo, as três pessoas da Divindade bíblica DC: Review and Herald, 1920), 3, 20-21; veja tam-
são profundamente “um em propósito, em mente, bém Burt, 30-33.
em caráter, mas não em pessoa.” Assim, a despeito 49
Prescott, 33.
de sua individualidade, eles nunca estão divididos, 50
“General Conference Committee Minutes”,
nunca em conflito, e deste modo não constituem três 29 de dez. De 1930, 195, Adventist Heritage Center,
deuses, mas um só Deus. Andrews University.
32
Waggoner, 19. 51
Froom, 413-414.
33
Ibid., 21-22. 52
“Fifteen Meeting,” General Conference Report
34
Ibid., 22-23, 25. Nº 8, Review and Herald, 14 de junho de 1946, 197.
35
Ibid., 44. Froom, 419, atribui esse voto à sessão de 1950. Ele,
36
Bourdeau, 707. evidentemente, leu sua fonte com muita pressa; a
37
Samuel T. Spear, “The Bible Doctrine of the sessão de 1950 apenas reiterou o voto da sessão
Trinity, Bible Students,” Library, nº 90 (março de de 1946 (“Fifteen Meeting,” General Conference
1892), 3-14, reimpresso de New York Independent, Report Nº 10, Review and Herald, 23 de julho de
14 de novembro de 1889. 1950, 230).
30 / Parousia - 2º semestre de 2005
53
Burt, 54. 69
Ibid., 147.
54
Wilcox foi editor da Review and Herald (atu- 70
A declaração de D. T. Bourdeau, atestando que
almente Adventist Review), o periódico geral da havia entre os adventistas do sétimo dia “muitas...
Igreja dos Adventistas do Sétimo Dia, de 1911 a 1944 concepções da Divindade”, apareceu na Review and
(SDA Encyclopedia [Hagerstown, MD: Review and Herald, da qual Smith era o editor, somente um ano
Herald, 1996], “Wilcox, Francis McClellan”). mais tarde.
55
Veja nota 3, acima. 71
A única mudança na parte que se referia à
56
LeRoy Edwin Froom, The Coming of the pessoa de Cristo foi a substituição do pronome “ele”
Comforter, ed.rev. (Washington, DC: Review and [sic] pelo nome pessoal “Deus” na primeira sentença.
Herald, 1949), 37-57. Cf. E. G. White, Special Tes- Diz a declaração de 1889: “Há um só Senhor Jesus
timonies, Series B, nº 7 (1905), 62-63. Cristo, o Filho do Eterno Pai, aquele por quem ele
57
[L. E. Froom, W. E. Read e R. A. Anderson,] criou todas as coisas” (“Fundamental Principles,”
Seventh-day Adventists Answer Questions on Doctri- Seventh-day Adventist Year Book [1889], 147).
ne (Washington, DC: Review and Herald, 1957); cf. 72
“Fundamental Beliefs of Seventh-day Adven-
T. E. Unruh, “The Seventh-day Adventist Evangeli- tists,” Seventh-day Adventist Year Book, (Washing-
cal Conferences of 1955-1956,” Adventist Heritage ton, DC: Review and Herald, 1931), 377-380.
Nº 4 (Fourth Quarter 1977), 35-46; e Jerry Moon, 73
Para detalhes do processo, veja Froom, 413-
“M. L. Andreasen, L. E. Froom, and the Controversy 415.
over Questions on Doctrine” (monografia, Andrew 74
“Fifteen Meeting,” General Conference
University, 1988). Report Nº 8, Review and Herald, 14 de junho de
58
Froom, Read e Anderson, 36-37, 645-646. 1946, 197.
59
M. L. Andreasen, “Christ, the Express Image 75
“Fundamental Beliefs of Seventh-day Adven-
of God,” Review and Herald, 17 de outubro de 1946, tists,” Seventh-day Adventist Year Book, (1931),
8; veja também Burt, 43. 377.
60
Maxwell, 119-122. 76
“The Doctrine of the Trinityin Adventist
61
Manual da Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora History,” Liberty Review [5250] Johnstown Road,
Brasileira, 2003), 9. Mt. Vernon, Ohio], outubro de 1989, 4-5, 7-8. Cf.
62
Ibid., 33. Lynnford Beachy, “Adventist Review Perpetuates
63
Ibid. the Omega,” Old Paths Smyrna Gospel Ministries,
64
Veja Oxford Dictionary of the Christian Chur- HC64, Box 128-B, Welch, WV; website www.smyr-
ch, “Filioque.” na.org], vol. 8, nº. 7, julho de 1999, 1-14.
65
Uriah Smith, A Declaration of the Fundamen- 77
“The Doctrine of the Trinity in Adventist His-
tal Principles Taught and Practiced by the Seventh- tory,” Liberty Review, outubro de 1989, 7.
day Adventists (Battle Creek, MI: SDA Publishing 78
Veja esp. Clayton, ref. nº 6 acima; e Bob
Association, 1872), 1. Diener, The Alpha and the Omega (Creal Springs,
66
Ibid., 2-3. IL: Bible Truth Productions, n.d. [ca. 1998], vide-
67
O parágrafo inicial de Smith declara: “Ao ocassete.
apresentar ao público esta sinopse de nossa fé, de- 79
Raoul Dederen, “Reflections on the Doctrine
sejamos que seja distintamente compreendido que of the Trinity,”AUSS 8 (1970) 1-22.
não temos nenhum artigo de fé, credo ou disciplina, 80
Ibid., 13, 21.
além da Bíblia. Não apresentamos isto como tendo 81
Fernando Luis Canale, A Criticism of The-
qualquer autoridade sobre nosso povo, nem é desti- ological Reason: Time and Timelessness as Pri-
nada a assegurar uniformidade entre ele, como um mordial Presuppositions, Andrews University
sistema de fé, mas é uma breve declaração do que é Seminary Doctoral Dissertation Series, vol. 10
e tem sido, com grande unanimidade, mantida por (Berrien Springs, MI: Andrews University Press,
ele. Com freqüência achamos necessário responder a 1983), 359; 402, nº 1.
indagações sobre este assunto... Nosso único objetivo 82
Canale, “Doctrine of God,” 105-159; veja
é satisfazer a esta necessidade” (ibid., 1). esp. 117-118, 126, 128-129, 132, 138-140, 145,
68
“Fundamental Principles,” SDA Year Book, 148-150.
(Battle Creek, MI: SDA Publishing Association, 83
Ibid., 150.
1889), 147-151. 84
Richard Rice, The Reign of God, 2ª ed. (Ber-
rien Springs, MI: Andrews University Press, 1985),
60-61.
85
Fritz Guy, Thinking Theologically: Adventist
Christianity and the Interpretation of Faith (Berrien
Springs, MI: Andrews University Press, 1999), 130;
veja também 70, 88, 151, e suas notas.
86
Ibid., 70.
87
Ibid., 151.
31

Trindade:
um dogma de Constantino?
Rodrio P. Silva, doutor em Teologia
Professor de Novo Testamento no Salt, Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP

Resumo: Grupos antitrinitarianos dis- no qual participaram 318 bispos, no ano


sidentes do adventismo têm alegado que 325 da era cristã”.1 .
a doutrina da Trindade foi formulada no Suas considerações acerca do encon-
Concílio de Nicéia (325 d.C.), sob a influ- tro chegam ao ponto de sustentar que “a
ência do imperador romano Constantino. formulação do dogma contra Ário mar-
O presente artigo demonstra a existência cou oficialmente o surgimento da Besta
de várias alusões à Trindade já nos escritos do Apocalipse”.2 Tal afirmação destoa
dos Pais da Igreja pré-nicenos. O autor ana- fortemente de todas as interpretações do
lisa o significado histórico daquele evento e adventismo histórico,3 inclusive de Ellen
seus antecedentes teológicos, bem como o White,4 que viam nesta besta uma alusão
real papel de Constantino no processo. não a Constantino, mas ao papado, espe-
A bstract : Adventist offshut anti- cialmente a partir do quarto século.
Trinitarian groups have claimed that the Embora com Constantino a Igreja en-
doctrine of the Trinity was formulated at frente um profundo processo de apostasia,
the Council of Nicea (A.D. 325), under é importante lembrar que as nuances profé-
the influnce of the Roman emperor Cons- ticas de Apocalipse 13 aludem a um período
tantine. The present article demonstrates posterior que se inicia com a supremacia
the existence of several allusions to the papal e o início dos 1.260 anos em 538 d.C.
Trinity in the writings of the ante-Nicean Constantino não foi um papa. Mesmo que
Church Fathers. The author analyzes the tenha agido como líder da Igreja nalgum
historical meaning of that event and its momento, nunca arvorou para si o título
theological antecedents, as well as the real de Pontifex Maximus do cristianismo.
role of Constantine in that process. Ademais, o bispo de Roma não possuía no
quarto século o poder político-absolutista
Introdução que faria do papado a maior autoridade
Entre os vários ataques produzidos por no mundo ocidental. Logo, seria estranho
movimentos antitrinitarianos está o argu- vincular Constantino à imagem da Besta
mento histórico de que a Trindade é fruto de Apocalipse 13.5
do Concílio de Nicéia e constitui, portanto, Munido da referência a um site que
um dogma de Constantino. Tal alegação promove o ateísmo, outro escritor que se
pode ser encontrada tanto em sites da In- denomina “irmão X” também se valeu da
ternet quanto nos materiais publicados por contundente afirmação de que “com Cons-
grupos dissidentes do adventismo. tantino começa a criação da Trindade”.6
Em matéria veiculada pelo site www. Ele ainda acrescenta que o voto dos bis-
adventistas.com, Ennis Meier declarou que pos a favor da posição trinitariana se deu
“o Concílio de Nicéia deu origem à crença por pressão do imperador, que precisava
em três deuses. A crença na trindade de do respaldo conciliar. Ora, o estranho é
pessoas Divinas não teve origem na Bíblia, que Constantino não se valia de “votos”
mas no Concílio ou Sínodo de Nicéia, o para fazer cumprir seus desígnios. Apenas
primeiro concílio ecumênico da história, expedia um decreto (como o fez no edito
de Milão e no decreto dominical) e todos
32 / Parousia - 2º semestre de 2005

se sujeitavam. Por que, então, no caso da encontrar neste período inicial nenhuma
Trindade, dependeria do apoio episcopal da defesa à idéia de um Deus Triúno. Pelo
Igreja? Bastava-lhe um anúncio imperial e contrário, o ensinamento da época deverá
o dogma estaria oficializado. Esta questão ser bem diferente, afirmando que Cristo é
não parece ter sido avaliada por nenhum apenas um segundo ser existente depois
dos artigos até agora apresentados. do Pai, e o Espírito Santo uma emanação
impessoal de ambos.
Seguindo no mesmo viés de Meier e do
“irmão X”, Ricardo Nicotra também advo- Em seguida a este excurso pelos Pais
ga que este período de “paganização” [sic] da Igreja, apresentaremos brevemente uma
do cristianismo foi o berço da trindade, e análise dos elementos que motivaram o
ainda acentua que é “importante lembrar Sínodo Niceno. É importante verificar qual
que o Concílio de Nicéia não estabeleceu a real atuação de Constantino em todo o
apenas os fundamentos para a doutrina da processo. Ademais, um balanço desapaixo-
Trindade. Outras decisões foram tomadas nado do evento revelará que conseqüências,
pelos bispos da igreja católica em 325.”7 de fato, Nicéia trouxe para a Igreja, pois,
Estas decisões, conforme exemplifica o pelo que se percebe nalguns autores, há a
autor, envolviam a transferência do dia tendência de se atribuir ao encontro ele-
de descanso semanal do sábado para o mentos de apostasia que não fizeram parte
domingo. de sua pauta.9
Não se trata, portanto, de um artigo
Embora este último autor, citando uma
bíblico-exegético, mas de uma pesquisa
fonte da Internet (Wikipedia), cometa um
de cunho histórico. Logo, não se deve es-
erro de natureza histórica ao vincular o
tranhar a ausência de textos bíblicos neste
domingo a Nicéia – pois é sabido que o
estudo. As bases bíblicas da Trindade são
decreto dominical de Constantino data de
apresentadas noutros artigos e se mostram
quatro anos antes do Concílio (321 d.C.)8
excelentes. A discordância de alguns
– sua conclusão deve ser analisada para ser
não autoriza concluir que tais bases não
bem compreendida. Para ele, uma vez que
existam. Afinal, muitos também negam a
Constantino convocou a reunião, conclui-
validade do sábado no Novo Testamento,
se que o mesmo homem que promulgou a
embora os adventistas há mais de um sécu-
primeira lei dominical foi o “pai do dogma
lo venham evidenciando a solidez bíblica
da Trindade”. Isto, é claro, deduzindo como
deste ensinamento.
certa a idéia de que tal doutrina teria seu
início em Nicéia. Se for assim, a crença em
um Deus Triúno seria tão herética quanto a Pais da Igreja
guarda do domingo, pois viriam da mesma Em relação ao recurso que se faz
fonte apóstata. aos Pais da Igreja que viveram antes de
Nicéia,10 percebe-se que existe uma apro-
O objetivo, portanto, deste artigo é ximação por demais piedosa por parte de
avaliar a procedência histórica de tal afir- autores católicos e outra mais cautelosa
mação. Ou seja, seria a Trindade um dogma por parte de autores protestantes. É que o
de Constantino? Suas origens se devem ao catolicismo sempre aceitou a tradição pós-
Concílio de Nicéia? bíblica como legítima fonte de doutrinas,11
Para responder a estas perguntas, é ne- o que eleva os Pais da Igreja à categoria de
cessário que recorramos aos escritos dos “ autores inspirados”, cuja função norte-
primeiros pensadores cristãos que viveram adora era a mesma atribuída aos escritores
entre o segundo e o terceiro século, isto é, bíblicos.12 Já o protestantismo com seu
imediatamente depois do período apostóli- ideal de sola scriptura preferiu ver nos es-
co e antes do Concílio. A lógica é simples: critos dos Pais apenas uma loca probantia
se o argumento antitrinitariano estiver da teologia sistemática, ou seja, estudá-los
certo, ou seja, se a Trindade é mesmo uma como testemunhas históricas do comporta-
doutrina constantiniana, não devemos mento progressivo de uma doutrina através
Trindade: um dogma de Constantino? / 33

dos tempos e não como fonte autoritativa continua sendo a Bíblia. Quaisquer escritos
de uma crença.13 posteriores servirão apenas para facilitar a
compreensão do que está no Santo Livro e
Com estes elementos em mente, é impor-
não para produzir novas crenças.
tante desdobrar alguns esclarecimentos em
relação às citações patrísticas que, a seguir, 5) O valor testemunhal destes escritores
serão feitas. Uma abordagem adventista des- está representado profeticamente na carta
tes escritores compreenderá que: apocalíptica à Igreja de Esmirna (Ap 2:8-11),
pois foi neste período que eles viveram.
1) Os Pais da Igreja testemunham o
Note que nenhuma repreensão é apresenta-
modo como o cristianismo primitivo, antes
da em relação aos cristãos daquele tempo.
de sofrer qualquer influência do catolicismo
Pelo contrário, sua fé é elogiada com muito
medieval, entendia certas passagens das
vigor, pois muitos deles tiveram que assinar
Escrituras. Assim, podem oferecer uma
seu testemunho com o próprio sangue de
visão mais desanuviada das doutrinas apos-
seu martírio.
tólicas, pois alguns deles, como Clemente
de Roma e Policarpo, conheceram pessoal- 6) É importante repetir que o proposto
mente os apóstolos e receberam aprovação neste artigo não é endossar indiscrimi-
destes como líderes da Igreja. nadamente toda doutrina dos Pais da Igreja,
mas verificar, pelo seu testemunho, se a
2) Embora não se possa dizer que hou-
Trindade era crida na Igreja pré-nicena ou
vesse uma perfeita “unanimidade de pen-
se, como dizem alguns, seria fruto apenas
samento” neste período, é possível afirmar
do Concílio ocorrido no quarto século.
que eles já tinham bem nítida a diferença
entre ensino apostólico (ortodoxia) 14 e
os movimentos heréticos, especialmente Trindade antes de Nicéia
aqueles oriundos de Marcion e do gnosti-
cismo.15 Elementos básicos da fé como a Uso do termo “Trindade”
filiação divina de Cristo, sua encarnação, o
juízo final e outros já estavam firmemente Uma verificação no index geral da Ante-
estabelecidos desde os tempos antigos. Nicene Fathers e da Sources Chrétiennes17
que formam a coleção de todos os escritores
3) Devido ao caráter historicamente
cristãos mais antigos (inclusive os anterio-
inicial de seus tratados, é importante que
res a Nicéia) nos mostra que muito antes
o leitor não busque em seus argumentos a
do Concílio, a crença na Trindade já havia
nomenclatura teológica própria dos tem-
sido sistematizada entre os cristãos. Aliás,
pos pós-nicenos. Termos que mais tarde
o próprio termo latino “Trindade” foi usado
passaram a ser técnicos na teologia não
em 212 d.C. por Tertuliano, 113 anos antes
possuíam ainda aquele tratamento unânime
de Nicéia! Falando da Igreja de Deus, ele
e cuidadoso que se exigirá de um tratado
menciona o Espírito “no qual está a Trinda-
teológico contemporâneo. Hypostasis, por
de de uma Divindade: Pai, Filho e Espírito
exemplo, era um termo usado por alguns
Santo” (in quo est trinitas unius diuinitatis,
escritores para referir-se à pessoa, enquanto
Pater et Filius et Spiritus sanctus)18 .
outros o empregavam como sinônimo de
substância.16 O mesmo se dá com seus con- A tradução latina da obra de Orígenes
ceitos que por estarem numa sistematização também menciona o termo ao considerar
inicial não abarcarão todos os detalhes de que “o batismo de salvação não está com-
uma discussão que lhes é posterior. pleto a não ser [que seja exercido] pela au-
toridade da excelentíssima Trindade de to-
4) A despeito de seu grande valor tes-
dos eles, que é constituída do Pai, do Filho
temunhal, os Pais da Igreja não devem
e do Espírito Santo. Assim, temos ajuntado
ser usados como fonte de doutrina. Na
o nome do Espírito Santo ao Deus eterno
verdade nenhum deles reclamou para si
e ao seu único Filho”.19 Tal comentário
inspiração divina ou se declarou profeta.
torna-se relevante se entendermos que,
A fonte básica e única da fé cristã era e
talvez já nesse tempo, houvesse alguma
34 / Parousia - 2º semestre de 2005

controvérsia quanto à fórmula batismal e expressar com continuidades e diferenças


a genuinidade de Mateus 28:19. a doutrina da encarnação numa linguagem
compreensível aos efésios influenciados
Teófilo, escrevendo quase meio século
pela doutrina de Heráclito.
antes de Tertuliano e Orígenes, usa a ex-
pressão Triados, que certamente seria uma
equivalência semântica de trinitas ou seu Conceitos patrísticos sobre a
original em grego. Note a comparação po- Trindade
ética que ele usa ao relacionar a Trindade
ao primeiro capítulo de Gênesis: “os três Clemente de Roma, que viveu no fim
dias que estão antes dos três luminares [da do primeiro século, escreveu por volta do
Criação] são tipos da Trindade (Triados) ano 96 uma carta de conforto aos cristãos
de Deus”.20 de Corinto, que estavam sendo persegui-
dos por Domiciano (o mesmo imperador
Levando-se em consideração que Teó- que deportou João para a ilha de Patmos).
filo fala de “tipos da Trindade”, é razoável Ao falar da união da Igreja ele diz: “Não
supor que ele não esteja falando de algo temos nós [todos] um único Deus e um
novo ou criando um neologismo. A ex- único Cristo? E não há um único Espírito
pressão textual supõe o uso de um termo já da Graça derramado sobre nós?”21 Embora
conhecido entre os leitores. Logo, não seria este não seja um texto de “defesa” da Trin-
estranho imaginar que o mesmo vocábulo dade, chama-nos a atenção sua “linguagem
aparecesse em outros escritos do mesmo trinitariana” que subentende uma idéia
período que se encontram perdidos em triúna de Deus. Outros autores são ainda
nossos dias. mais claros em sua exposição.
Assim, retrocede para cerca de um sécu- Inácio († 105 d.C.), que foi o segundo
lo e meio antes de Nicéia o uso técnico do sucessor de Pedro como pastor em An-
termo Trindade, legitimamente reconheci- tioquia, 22 também ensinava a doutrina
do na literatura cristã. Mas talvez alguém da Trindade. Mártir durante o reinado de
pergunte: por que este termo não aparece Trajano, ele escreveu uma epístola aos cris-
na Bíblia? Para responder a esta questão é tãos da Trália, dizendo-lhes que, a despeito
preciso compreender que, a partir do século do sofrimento, continuassem “em íntima
segundo, o centro missiológico da Igreja união com Jesus Cristo, o nosso Deus”23
transferiu-se em definitivo do ambiente – o que acentua a idéia da divindade de
judeu-palestino para o mundo greco-ro- Cristo. Num outro manuscrito, onde uma
mano. O trabalho iniciado por Paulo entre versão mais longa é preservada, o mesmo
os gentios vê-se finalmente estabilizado autor adverte os irmãos contra aqueles que
no ambiente gentílico e começa a gravitar ensinavam doutrinas contrárias à fé dos
em torno de questões que não haviam sido apóstolos. Entre seus ensinos equivocados
levantadas no ambiente judaico. estaria a idéia de que “o Espírito Santo não
A Igreja viu-se, então, obrigada a ex- existe” e que “o Pai, o Filho e o Espírito
pressar sua fé de um modo compreensível Santo seriam a mesma pessoa”.24
para aqueles que não vinham de uma Justino, cognominado “o Mártir”, foi
cultura vétero-testamentária, mas tinham outro que escreveu várias apologias em fa-
seu pensamento regido pelos conceitos vor do Cristianismo e contra a supremacia
da filosofia grega. Questões ontológicas da filosofia grega. Num de seus textos, con-
antes não sistematizadas começaram a cluído por volta de 160 d.C., ele diz: “Já que
invadir os círculos cristãos e, deste modo, somos considerados ateus, nós admitimos
os escritores tiveram de cunhar termos nosso ateísmo em relação a estes [vários]
helenísticos para tornar inteligível a fé do tipos de deuses [do politeísmo]. Mas, no
Novo Testamento. Contudo, tal exercício que diz respeito ao verdadeiro Deus, o Pai
não significava de modo nenhum uma apos- da justiça e temperança ..., ao Filho, ... e
tasia do ensino apostólico. O próprio João ao Espírito Profético, [saibam que] nós os
usou o conceito filosófico do logos para adoramos e reverenciamos.”25
Trindade: um dogma de Constantino? / 35

Atenágoras, também respondendo à lavras de W. Walker, “um dos primeiros


acusação de serem os cristãos chamados antipapas” da história.33 Ele foi veemente
de ateus por não aceitarem o politeísmo em sua oposição a Calixto, bispo de Roma,
pagão, escreveu em 175 d.C.: “Ora, quem que já naqueles idos pretendia a centraliza-
não ficaria perplexo em ouvir chamar de ção do poder. Calixto chegou a disciplinar
ateus pessoas que pregam de Deus o Pai, Hipólito por sua teologia acerca do Logos
de Deus o Filho e do Espírito Santo e que divino, o que demonstra que seus conceitos
declaram serem um no poder, mas distintos trinitarianos provinham de sua consciência,
na ordem?”26 Noutra passagem ele ainda e não de uma imposição arbitrária do bispo
diz: “Os cristãos reconhecem a Deus e de Roma.
a seu Logos. Eles também reconhecem
Cripriano ( † 250 d.C.), que também
o tipo de unicidade que o Filho tem com
cita como válida a fórmula batismal
o Pai e que tipo de comunhão o Pai tem
mateana,34 explicando que “ele [o evan-
com o Filho. Ademais, eles sabem o que
gelista] sugere aqui a Trindade, na qual as
é o Espírito e que a unidade é [formada]
nações foram batizadas”.35
destes três: O Espírito, o Filho e o Pai”.27
“Nós reconhecemos um Deus, um Filho e Embora a crítica textual coloque como
um Espírito Santo, os quais são unidos na espúrio o texto de 1 João 5:7,36 é digno de
essência.”28 nota que Cipriano parece fazer referência
a esta interpolação quando diz: “O Senhor
Ireneu de Lion é outro importante autor
disse: ‘Eu e o Pai somos um’ e novamente
deste período. Convertido na adolescência,
está escrito acerca do pai do Filho e do Es-
ele foi discípulo de Policarpo que, por sua
pírito Santo: ‘e estes três são um’”.37 É claro
vez, foi discípulo do apóstolo João. Sua
que tal citação, indireta, não é suficiente
principal obra, intitulada Contra heresias,
para qualificar como digna a interpolação
dispõe de cinco volumes e foi escrita por
da comma joanina. Não obstante, é possível
volta de 177 d.C. Respondendo às idéias
assumir que esta interpolação ou parte dela
gnósticas de seu tempo, ele toma o cuidado
já fosse conhecida pelos pais latinos bem
de diferenciar, por exemplo, o “fôlego [es-
antes de Nicéia.
pírito] de vida” dados às criaturas em geral,
do “Espírito Santo”, que é Deus habitando
com o crente.29 O que aconteceu em Nicéia?
Explicando ainda que Deus é diferente
dos homens, Ireneu fala da Palavra e da Antecedentes teológicos
Sabedoria do Criador como sendo duas Por volta de 325 d.C. a igreja estava di-
pessoas divinas unidas a uma terceira (o vidida por uma polêmica teológica iniciada
Pai) numa única divindade.30 no Egito. Um grupo liderado por Ário e
Hipólito (c. 205 d.C.), autor do mais an- Eusébio de Nicomédia, ensinava que Cristo
tigo comentário de Daniel de que dispomos, era um semi-deus “semelhante”, porém não
disse que “a Terra é movida por estes três: totalmente igual, ao Pai. Outro, liderado
o Pai, o Filho e o Espírito Santo”.31 Noutra por Alexandre, ex-bispo de Ário, e por
passagem, após citar a fórmula batismal Atanásio, via nisto uma aproximação muito
em nome do Pai, do Filho e do Espírito, perigosa com o gnosticismo divulgado no
ele demonstra que já no seu tempo havia Egito. Eles lembravam que a confissão mais
os que negavam esta doutrina, pois diz: antiga dos cristãos dizia que Cristo está em
“qualquer um que omitir um destes três, pé de igualdade com Pai. Já um terceiro
falha em glorificar a Deus de um modo grupo liderado por Eusébio de Cesaréia
perfeito. Pois é por meio desta Trindade (um adulador de Constantino, segundo
(Triados) que o Pai é glorificado.”32 Ellen White38 ), via com neutralidade a
questão e preferia propor com urgência uma
Sendo o último teólogo de peso a es- declaração que abarcasse os dois lados.
crever em grego e não em latim, Hipólito
merece um destaque por ter sido, nas pa- Para entender as bases do ensino ariano
36 / Parousia - 2º semestre de 2005

e da preocupação de Atanásio quanto a este Convocação conciliar


tipo de abordagem, é importante compreen-
Enquanto o cristianismo apostólico
der a sedução intelectual da filosofia grega
era a democratização do mistério de Deus
sobre a teologia do quarto século. Ellen
– conceito herdado do judaísmo – o gnos-
White comenta de modo muito apropriado
ticismo era a sofisticação do mistério, pois
que “mesmo antes do estabelecimento do
o seu entendimento não advinha de uma
papado, os ensinos filosóficos pagãos ha-
revelação mas da compreensão racional
viam recebido atenção e exercido influência
dos iniciados que não tinham dificuldades
na igreja”.39
intelectuais para explicá-lo. Para eles, o
O que era para ser apenas uma abor- que fugia à compreensão racional não era
dagem da fé para o mundo greco-romano doutrina de Deus e isso estava causando
tornou-se uma sobreposição do helenismo uma preocupante divisão no cristianismo
sobre a teologia cristã. Embevecidos pela do Egito e de Antioquia (cidade natal de
cultura grega, Ário e seus discípulos não Ário). Por isso, Alexandre e Atanásio escre-
conseguiram escapar à sedução da filo- veram cartas a Roma pedindo um encontro
sofia gnóstica tão disseminada entre os que pusesse termo à questão.
alexandrinos. Para estes, o maior problema
Eusébio e seus seguidores também
da existência humana estava no dualismo
queriam a todo custo pôr fim à disputa,
idealizado por Platão e aprofundado por
não porque estivessem preocupados com
correntes posteriores. Era um pressuposto
a ortodoxia da doutrina, mas porque te-
inquestionável acreditar que o espírito (na-
miam que uma divisão, àquela altura dos
turalmente bom) e a matéria (naturalmente
acontecimentos, fizesse a Igreja perder os
má) jamais coexistiam em sintonia. Se as-
privilégios que Constantino estava pro-
sim o fosse, o primeiro seria contaminado
movendo.
pelo último.
O próprio imperador, ao contrário do
Portanto, o desafio agora era adequar
que muitos pensam, não tinha interesse
doutrinas judaico-cristãs a este universo
algum em “promulgar” uma doutrina tri-
de idéias que não admitia a matéria como
nitária para a Igreja. Já fizemos menção no
criação direta de um Deus-Espírito, nem a
início de que, se este fosse o seu intento,
encarnação como uma realidade tangível.
não precisaria convocar um Concílio para
Se Deus houvesse criado o mundo ou se
endossar o seu desejo. Bastava-lhe repetir
encarnado de verdade, sua divindade esta-
o ato de quatro anos antes, quando pro-
ria seriamente comprometida – pensavam
mulgou o decreto dominical, e assinar um
os gnósticos.
edito ordenando a todos que adorassem ao
Assim, modelos alternativos foram Deus-Triúno.
criados para acomodar a doutrina cristã a Ademais, Constantino nem possuía
este padrão filosófico. Um destes pode ser conhecimento suficiente para se posicionar
visto nos manuscritos coptas (sahidico) diante da controvérsia que ocupava a teolo-
encontrados por James Bruce, em 1769. gia grega.40 Uma carta por ele enviada por
Para resolver o problema da existência da meio do bispo Hósio de Córdova confirma
matéria que não poderia ser atribuída a um seu desconhecimento doutrinário a este
Deus-Espírito, eles diziam que o Altíssimo respeito. Ali ele afirma que o problema
criou um deus menor que exerceu o papel que os bispos estavam discutindo acerca
de artífice (demiurgo) para a criação do da natureza de Cristo era “uma questão
mundo. Assim, a matéria veio à existência sem proveito”.41
sem que Deus se contaminasse criando-a
Foram os próprios bispos que o con-
diretamente com as mãos. Cristo era este
venceram a convocar o Concílio para
artífice que hoje se faz presente no mundo
resolver a questão e o partido trinitariano
através do espírito (pneuma) que é sua
de Alexandre era, sem dúvida, o mais
energia impessoal. O conhecimento disto
fraco de todos. Chega a ser um milagre
(gnosis) é o que salva a humanidade.
que o texto de Nicéia não tenha favorecido
Trindade: um dogma de Constantino? / 37

o arianismo porque estes, certamente, ti- só Senhor Jesus cristo, o Filho de Deus gerado pelo
nham mais recursos políticos que Atanásio Pai, unigênito, isto é, da substância do Pai, Deus
e Alexandre. Tanto o é que, embora os de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus
arianos fossem derrotados no Concílio, verdadeiro, gerado não feito, de uma só substância
com o Pai, pelo qual foram feitas todas as coisas,
os partidários de Eusébio de Nicomédia
as que estão no céu e as que estão na Terra; o qual,
empreenderam uma verdadeira campanha, por nós homens e por nossa salvação, desceu, e se
após Nicéia, para derrotar Atanásio e res- encarnou e se fez homem e sofreu e ressuscitou ao
taurar Ário ao poder. terceiro dia, subiu ao céu, e novamente deve vir e
O mais surpreendente é que, protegido no Espírito Santo.
pelo imperador, Ário começou, de fato, a
reconquistar seu poder que perdera e a in- Segue-se a esta confissão os juízos
fluenciar a política da igreja. Eusébio, por emitidos em relação a alguns ensinos
sua vez, convenceu Constantino a enviar heréticos:
Atanásio para o desterro e recolocar Ário E a quantos dizem: “Ele era quando não era” e
em seu lugar como bispo de Alexandria – o “antes de nascer, Ele não era” ou que “foi feito do
que quase aconteceu, não fosse o faleci- não existente”; bem como a quantos alegam ser o
mento de Ário na noite anterior à cerimônia Filho de Deus “de outra substância ou essência” ou
de sua investidura, em 336 d.C. Assim, o “feito” ou “mutável” ou “alterável” a todos estes a
igreja católica e apostólica anatematiza.43
plano era que o imperador convocasse um
novo Concílio corrigindo Nicéia e desse
ganho de causa aos arianos. Conclusão
Sob tais circunstâncias, a fé trinitária Como se vê, a despeito das insatisfações
parecia, se não oficialmente renegada, de alguns, prevaleceu em Nicéia a idéia
praticamente condenada, principalmen- de formular um texto enxuto, sem muitas
te depois que Constantino declarou seu explicações e que agradasse ao máximo a
desejo de ser batizado por Eusébio de todas as correntes. Se houve, portanto, uma
Nicomédia num ritual antitrinitariano. A atmosfera política por detrás do documento
chamada fé nicena só não chegou ao fim, conciliar, esta foi a da neutralidade – des-
porque Constantino acabou morrendo em viar a questão para evitar mais divisões.
22 de maio de 337, poucos dias depois Constantino, é bom lembrar, havia acabado
de ser batizado. de vencer Licínio na luta pelo poder e sua
Dois últimos aspectos ainda precisam prioridade era manter o império unido. Um
ser esclarecidos: a grande discussão do cisma no cristianismo não seria bem-vindo
Concílio de Nicéia não era a Trindade em naquele contexto. Daí o tom neutro sobre
primeiro lugar, mas a natureza de Cristo um assunto que, em princípio, geraria mui-
em relação ao Pai. Foi somente no credo tas controvérsias.
de Atanásio, produzido posteriormente, que No fim das reuniões, restou aos arianos
o assunto “Trindade” apareceu de modo o incômodo maior, pois, apesar das tenta-
mais claro. Além disto, é importante notar tivas de neutralidade, o documento acabou
que o credo niceno não diz nada quanto ecoando uma antiga tradição apostólica que
ao Espírito Santo ser ou não uma pessoa. apresentava a Cristo como consubstancial
A literatura antitrinitária se confunde na ao Pai. E o mais curioso é que Eusébio e a
seqüência histórica apresentando como maioria dos arianos assinaram o documento
“Credo Ciceno” o que na verdade seria o em concórdia com seu conteúdo. Apenas
Credo Niceno-Constantinopolitano de 381, Ário e dois amigos se recusaram a fazê-lo.
proclamado depois da morte de Constan-
tino.42 O sentido exato destas assinaturas é
difícil precisar. Contudo, vê-se como infun-
A Confissão Nicena de 325 se apresenta dada a declaração de que Constantino seria
da seguinte maneira: o Pai da doutrina trinitária usada para atrair
Cremos em um só Deus, Pai onipotente, cria- o politeísmo para a Igreja. Pelo contrário,
dor de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um
38 / Parousia - 2º semestre de 2005

vinha de Ário e Eusébio a tentativa de assemelhava muito ao “demiurgo”, ou deus


trazer uma doutrina politeísta para dentro menor do gnosticismo alexandrino. Em
do cristianismo, pois estes apresentavam Nicéia, em todo o caso, a Igreja pelo menos
a Cristo como um “segundo” deus, menor não tentou penetrar o mistério de Deus ou
que o Pai, mas igualmente divino e que se descrevê-lo como o fez Ário imbuído pela

Referências Paoline, 1979), 1772.


12
Esta equiparação com a Bíblia não é sempre
1
Ennis Meier, “O Concílio de Nicéia, origem explícita, na literatura católica, mas é facilmente
da crença em três deuses”. Disponível em <http:// detectada nas entrelinhas do discurso. É que o cato-
www.adventistas.com/artigos/html>. Acesso em 13 licismo, especialmente aquele posterior ao Vaticano
de janeiro de 2004. II, parece ter compreendido a impopularidade teoló-
2
Ennis Meier, “História: como Constantino gica de tal afirmação diante do mundo protestante.
tornou-se o pai do dogma católico da Trindade”. A primeira redação da Constituição dogmática Dei
Disponível em <http://www.adventistas.com/arti- Verbum, que mantinha ainda a concepção católica
gos/html>. Acesso em 13 de janeiro de 2004. Grifo de duas fontes de revelação (Bíblia e Tradição)
acrescentado. recebeu uma severa intervenção do bispo belga De
3
Urias Smith, Daniel and Revelation – The Res- Smedt que convenceu o comitê a reformular com-
ponse of History to the Voice of Prophecy A Verse by pletamente o texto original. Ele declarou: “Segundo
Verse Study of These Important Books of the Bible o nosso parecer, o esquema atual falha notadamente
(Mountain View, CA: Pacific Press, 1918), 558ss.; em seu caráter ecumênico. Ele não representa
Stephen N. Haskell, The Story of the Seer of Patmos progresso para o encontro com não católicos, mas
(Nashville, TN: Southern Publishing Association, um empecilho; muito mais: é prejudicial.” Citado
1977), 228-230. Haskell ainda estabelece o fato de por João Batista Libânio, Teologia da Revelação a
que a Besta papal de Apocalipse 13 é uma institução partir da Modernidade (São Paulo: Loyola, 1992),
que deveria surgir após a divisão de Roma em dez 386. Para uma discussão pré-conciliar sobre esta
reinos, o que aconteceu apenas em 476 d.C. questão veja: Pierre Benoit, L’actualité dês pères de
4
Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP: l’Eglise (Neuchâtel: Éditions Delachaux et Niestlé
Casa Publicadora Brasileira, 1996), 52, 438 e 439. S.A., 1961), 10-15; F. Cayré, Patrologie et Histoire
5
Sobre a importância da data de 538 d.C. para o de la Theologie (Paris: Desclée & Cie, 1953), 3-7;
entendimento adventista da profecia, ver A. Timm, J. Quasten, Iniciation aux peres de l’Eglise (Paris:
“A Importância das datas de 508 e 538 d.C. para a Ed. Du Cerf, 1955), 4-8.
supremacia papal”, in Parousia (2005:1), 7-18. 13
Reynold Seeberg, Manual de Historia de las
6
Irmão X, “Cristianismo é ridicularizado pelos Doctrinas (Buenos Aires: Casa Bautista de Publi-
ateus por causa da crença na Trindade”. Disponível caciones, 1967), 1: 29-37; J. N. D. Kelly, Early
em <http://www.arquivoxiasd.com.br/ateu.htm>, Christian Doctrines (Londres: A&C Black, 1977),
acesso em 22 de setembro de 2005. 21-37.
7
Ricardo Nicotra, “Eu e o Pai Somos Um” (São 14
Embora este termo seja tardio (século XV),
Paulo: Ministério Bíblico Cristão, 2004), 89. seu conceito já está presente nos primeiros escritos
8
O decreto dominical constantiniano foi promul- apologéticos do cristianismo. Cf. David W. Bercot,
gado em março de 321. Seu texto pode ser encontrado [ed.], A Dictionary of Early Christian Beliefs (Pea-
no Codex Justinianus, Corpus Júris Civilis Codicis body, MA: Hendrickson Publishers, 2003), xiii.
Líber 3, tit. 12, parágrafo 3. 15
Walter Bauer foi o pioneiro a chamar a atenção
9
Além do já mencionado erro de Nicotra, que para a falta de unidade doutrinária nos primeiros
atribui ao Concílio a mudança do sábado para o do- séculos do cristianismo (Orthodoxy and Heresy in
mingo (vide nota 7), autores como Dan Brown (autor Earliest Christianity, eds. Robert A. Kraft, Gehard
do best seler O Código Da Vinci) sugerem que foi o Krodel [Philadelphia: Fortress Press, 1971]). Mas
Concílio de Nicéia que determinou o Cânon escri- hoje reconhece-se que, embora seu insight esteja
turístico, de modo que a Bíblia que temos hoje seria correto, houve um exagero em suas conclusões. Ele
composta de acordo com o decreto constantiniano e chega a afirmar que “os hereges eram maioria em
não conforme um real desígnio de Deus. relação aos ortodoxos” (p. 194). A tendência atual,
10
O título “pais da Igreja” será aqui usado em conforme observa J. R. Flora – que fez uma tese sobre
seu sentido técnico, conforme a adoção dos estudos o trabalho de Bauer, é que, a despeito da diversidade,
de patrística e não no sentido católico de guardiões havia uma unidade de pensamento nalguns pontos
absolutos da ortodoxia cristã. centrais que permitia configurar o que constituía
11
F. Ardusso, “Tradizione”, in: G. Barbaglio, pensamento cristão ou ensino dissidente. Cf. Jerry
S. Dianich, Nuovo Dizionario di Teologia (Roma:
Trindade: um dogma de Constantino? / 39

Rees Flora, A Critical Analysis of Walter Bauer’s veja Ch. Monier, Où en est la question d’Ignace
Theory of Early Christian Orthodoxy and Heresy, d’Antioche? Bilan d’un siècle de recherches 1870-
PhD Dissertation (Louisville: Southern Baptist 1988, in Aufstieg und Niedergang der römischen Welt
Theological Seminary, 1972). [Hildergard Temporini e W. Haase, organizadores]
16
Compare, por exemplo, o uso do termo em (Berlim e Nova Iorque: Walter de Gruyter & Co.,
Dionísio de Alexandria (Fragmentos extensos V, 15) 1993), II. 27.1, 359-484.
e Dionísio de Roma (Contra os sabelianos 1). 25
Justino, I Apologia, VI.
17
A. Roberts., e J. Donaldson, [eds] Ante-Nicene 26
Atenágoras, Súplica pelos Cristãos, X.
Fathers (New York: Charles Scribner’s Sons, 1913), 27
Idem, XI.
esta coleção antiga traz uma tradução em inglês dos 28
Idem, XXIII
textos patrísticos. H. Lubac, J. Danielou, et. alli, 29
Ireneu, Contra Heresias, V, XI, 2
Sources Chrétiennes (Paris: les édition du Cerf, 30
Idem, IV, XX, 2 e 3.
1941), esta é a mais importante coleção de textos 31
Hipólito: Fragmentos de Comentários, 10
dos Pais da Igreja. Ela traz o texto original em (ANF, vol. V, 174.)
grego, latim, copta etc. ladeado de uma tradução 32
Hipólito, Contra Noeto, 14.
para o francês. Além disto apresenta as variantes 33
W. Walker, História da Igreja Cristã (Rio de
que possam existir entre um e outro manuscrito. Janeiro: JUERP/ASTE, 1980), 105.
Salvo indicações em contrário, vamos seguir aqui a 34
Cipriano, Epístolas, LXXII, 5.
numeração da Ante Nicene Fathers. 35
Idem.
18
Tertuliano, Sobre a Modéstia, XXI. 36
Bárbara Aland, et. alli., [eds], The Greek
19
Orígenes, Dos Princípios, I, 3,2. O original New Testament, Forth Revised Edition (Stutgart:
grego perdeu-se; o que nos resta são pequenas Deutsche Bibelgesellschaft /United Bible Societies,
citações e uma tradução latina feita por Rufino. 2001), 819.
Assim, é possível que Orígenes tenha utilizado o 37
Cipriano, Tratados, I, 6
termo TriadoV que veremos nos textos de Teófilo 38
E. G. White, Ibid., p. 580.
de Antioquia. 39
Idem, p. 56.
20
Teófilo, A Autólico, XV 40
Bernard Lohse, A Fé Cristã Através dos Tem-
21
Clemente, I Epístola aos Coríntios, XLVI. pos (São Leopoldo, RS: Sinodal, 1981), 57.
22
Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, 41
Uma reprodução da carta de Constantino pode
III, 36, 5-11. ser encontrada em Eusébio de Cesaréia, Vida de
23
Inácio, Epístola aos Tralianos, VII, (recensão Constantino, II, 64-72.
curta). 42
Um exemplo está no livro de Ricardo Nicotra,
24
Idem, (recensão longa). Para uma revisão bi- 88.
bliográfica do debate acerca das recensões textuais 43
O texto original em grego com uma antiga
de Inácio, com acentuada defesa da recensão longa, versão latina encontra-se em Henrique Dezinger e
Clemente Bannwart, Enchiridion Symbolorum – de-
finitionum et declarationum de rebus fidei et morum
Friburgo: Herder and Co., 1922, , p. 29 [credo 54].
41

Uma pessoa maravilhosa


chamada Espírito Santo
José Carlos Ramos, D.Min.
Professor de Daniel e Apocalipse no Salt, Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP

Resumo: O Espírito Santo é revelado do Filho, o Pai, fazendo com que a reve-
nas Escrituras como uma Pessoa divina lação de ambos se efetive na consciência
semelhante ao Pai e ao Filho e, ao mesmo humana. Que exemplo de abnegação!
tempo, distinta de ambos. Mas grupos No quarto Evangelho, o Espírito executa
dissidentes do adventismo insistem que o pelo menos sete atividades, todas em exal-
Espírito Santo não passa de mera energia tação a Jesus:
despesonalizada proveniente de Deus. Em
resposta a essa teoria, o presente artigo (1) Ensinar, e
provê um estudo bíblico-exegético sobre a (2) Fazer lembrar tudo o que Jesus
natureza da terceira Pessoa da Divindade. disse - João 14:26
O autor também procura restaurar o sentido
original de algumas citações dos escritos (3) Dar testemunho de Jesus – João
de Ellen G. White distorcidas pelos anti- 15:26
trinitarianos. (4) Convencer do pecado, porque o
Abstract: The Holy Spirit is revealed mundo não crê em Jesus; da justiça, porque
in the Scriptures as a divine Person like the Ele foi para o Pai; e do juízo, porque Sata-
Father and the Son but, at the same time, nás foi julgado e derrotado – João 16:8
distinct to both. However, Adventist offshut (5) Guiar a toda a verdade, e Jesus é a
groups insist that the Holy Spirit is only a verdade (14:6) – João 16:13
mere despersonalized energy from God. In
response to this theory, the present article (6) Declarar ou anunciar o que Jesus,
provides a biblical-exegetical study on the da parte do Pai, Lhe entrega – João 16:13,
third Person of the Godhead. The author 14, 15
also tries to restaure the original meaning (7) Glorificar a Jesus – João 16:14
of some quotations from the writings of
O Apocalipse refere-se a Ele como os sete
Ellen G. White that have being distorted
Espíritos de Deus (Ap 1:4, 5; 4:5). Sete é o
by anti-Trinitarians.
número da plenitude. O Espírito alcança a ple-
nitude nesta atividade cristocêntrica sétupla.
Introdução
Isso é tão fundamental para o plano da
Dos membros da Trindade, o terceiro redenção, que, sem o operar do Espírito, se-
é Aquele de Quem há menos informações ria como se Jesus nunca tivesse encarnado
objetivas, precisas, que definam o seu e Deus nunca tivesse Se manifestado. Ele
próprio Ser. O Filho Se tornou um de nós. habilita o homem a entender a salvação e
Sua manifestação foi visível, material, em responder positivamente a ela. Sem Ele,
nosso nível. O Pai foi por Ele revelado. Mas a Igreja não poderia cumprir Sua missão
o Espírito permanece um tanto imperceptí- e estaríamos fadados a permanecer neste
vel, à parte, despretensioso, operando sem mundo indefinidamente.
autoprojeção, não Se impondo, não falando
“de Si mesmo” (Jo 16:13). E no próprio ato
do desprendimento, Ele cumpre a divina
Objeto de especulação
obra que O faz conhecido. É parte de Sua Talvez o fato de existir pouca informação
glória exaltar e glorificar o Filho e, através sobre o Espírito Santo faça com que uma
42 / Parousia - 2º semestre de 2005

conceituação sobre Ele se torne mais sus- bulosa influência imanente do Pai. Não é algo
ceptível de especulação. Nos dias de Ellen impessoal, vagamente reconhecido, apenas um
G. White havia aqueles que afirmavam que invisível princípio de vida... Jesus foi a personali-
o Espírito era uma “luz derramada” e “uma dade mais influente e marcante neste velho mundo,
e o Espírito Santo foi designado para preencher
chuva caída”. Ela considerou essas idéias
Sua vaga. Nada a não ser uma Pessoa poderia
como de cunho espiritualista, ou espiritista, substituir Aquela maravilhosa Pessoa. Nenhuma
e as condenou por rebaixarem a Deus.1 simples influência seria suficiente.”4
Igualmente afrontoso é tomá-Lo por
criatura. Há os que acreditam que Ele e Para substituir uma Pessoa maravilhosa
Gabriel se equivalem. A inspiração nega só outra Pessoa maravilhosa.
isso fazendo clara distinção entre ambos
no registro das palavras deste anjo a Maria: Espírito de Deus, Espírito de Cris-
“Descerá sobre ti o Espírito Santo...” (Lc to, e o gênero neutro de Pneuma
1:35). Gabriel não poderia estar falando de
si mesmo. E Ellen G. White assegura que o Dissidentes se valem do fato de a Bíblia
seguidor de Jesus pode sentir-se confiante identificar o Espírito Santo como Espírito de
e seguro no conflito “contra as hostes es- Deus ou de Cristo (1Jo 4:2; 1Co 3:16; Gl 4:6;
pirituais da maldade”, porque “mais que 1Pe 1:11, entre outros textos), para afirmar
anjos estão nas fileiras. O Espírito Santo, que o Espírito Santo é algo inerente a Deus,
o representante do Capitão do exército do tal como a Sua energia, virtude, fôlego,
Senhor, desce para dirigir a batalha.”2 Re- glória, etc., e que, portanto, ao ser enviado,
baixar o Espírito Santo à categoria de anjo “parte de dentro (do interior) do Pai”.5
é, na realidade, minimizar a Deus, algo Ricardo Nicotra e Jairo de Carvalho,
muito a gosto de Satanás. como exemplos, presumem que o verbo
Outra forma especulativa no tratamento ekporeúomai, empregado em João 15:26
de tão sublime tema é despojar o Espírito (um dos textos que registram a promessa
de Sua personalidade. Entre os que negam do envio do Espírito), e vertido como “pro-
a Trindade, é comum a afirmação de que ceder” na Almeida Revista e Atualizada,
Ele é apenas uma influência ou energia – significa originalmente sair, ou partir, ou
o poder de Deus. Esta idéia é tão antiga vir de dentro de, do interior de.6 Não se
quanto o século terceiro, quando Paulo de sabe de onde eles copiaram esta idéia, mas
Samosata, monarquista/adocionista e bispo o que temos aqui é uma dedução apressada
de Antioquia entre 260 e 272, a difundiu. e temerária. Quando tão somente ekpore-
No tempo da Reforma, Lélio Socino e seu úomai é registrado, não é feita referência
sobrinho Fausto, ambos antitrinitaristas, ao ponto de partida do movimento que ele
propagaram a teoria. expressa; nesse aspecto, o verbo significa
simplesmente sair, partir, encaminhar-se,
Não há como negar que este conceito re- conduzir-se, proceder, etc. (no sentido de
baixa o valor do Espírito Santo para a Igreja. ida e de vinda), tal como aparece em algu-
L. E. Froom a isto se refere quando afirma que mas passagens, como Lucas 3:7, que fala
negar a personalidade do Espírito não é de multidões que “saíam para serem batiza-
mera questão técnica, acadêmica ou simplesmente das” (saíam de onde?), ou Atos 9:28, infor-
teórica. É de suprema importância e do mais eleva- mando que, estando Paulo em Jerusalám,
do valor prático. Se Ele é uma Pessoa divina e O entrava e saía com toda a liberdade (entrava
consideramos como influência impessoal, estamos e saía sem sair de Jerusalém, isto é, ele se
roubando desta Pessoa divina a deferência, honra e movimentava livremente na cidade).
amor que Lhe são devidos. E mais: Se o Espírito é
mera influência ou poder, podemos então procurar Às vezes, o sentido de procedência de
apropriar-nos dEle e usá-Lo.3 ekporeúomai está implícito, mas normal-
mente ele é dependente da preposição que
Continua Froom: rege o ponto de origem explícito na frase.
Não, o Espírito Santo não é uma tênue, ne- Por esta razão, é totalmente supérfluo se
Uma pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo / 43

valer de outros textos em que este verbo é Assim, a preposição é importante para
empregado aparentemente com o signifi- se estabelecer o ponto de origem do mo-
cado aludido pelos dissidentes, se, nesses vimento expressado por ekporeúomai. Em
textos, a preposição é distintamente outra. João 15:26, a preposição é pará, também
Três exemplos alegados por Nicotra, com “de, desde”, mas com a acepção de posi-
as referidas preposições aqui italizadas, são ção, colocação, etc. (cf. à nossa palavra
como seguem: paralelo). Segundo Robertson, uma das
maiores autoridades no estudo do koiné, o
(1) “Nem só de pão viverá o homem,
grego popular do Novo Testamento, pará
mas de toda a palavra que procede da boca
significa “ao lado de”, “junto com”.10 Em
de Deus” (Mt 4:4);
outras palavras, o Espírito Santo procede de
(2) “O que sai do homem, isso é o que onde o Pai está, não do íntimo dEle.
o contamina” (Mc 7:20); e
Assim, o verbo ekporeúomai, para ter
(3) “Então vi sair da boca do dragão, da o significado requerido por Nicotra e Car-
boca da besta...” (Ap 16:13).7 valho na aplicação que fazem ao Espírito
O original de (3) não consigna verbo Santo, teria que, no mínimo, estar ligado
algum, e é levado em conta apenas na à preposição ek, ou, então, apó, como na
pretensão do dissidente, razão porque construção “saía de Jericó” em Marcos
desconsideramos esse exemplo. Obser- 10:46. E este não é o caso em João 15:26.
vamos, então, que em (1), a preposição Portanto, a fórmula “Espírito de Deus”,
é diá cujo sentido principal é através de; ou “de Cristo”, indica procedência e não
qualquer palavra, normalmente, é emitida inerência, e implica que a obra do Espírito
através da boca, daí procedendo. Alegar Santo é executada em subordinação ao Pai
que antes que uma palavra seja dita ela se e ao Filho. Parte desta obra é a represen-
formulou na mente, o que pode até ser um tação vicária de Ambos neste mundo. De
fato,8 e que, portanto, significa “sair de fato, Jesus prometeu aos discípulos que,
dentro”, é impor ao verbo um sentido que juntamente com o Pai, retornaria para eles
ele, por si só, não reúne. É a preposição que na pessoa do Espírito Santo (Jo 14:16-18,
se liga ao ponto de onde parte o movimento 23).
que poderá dar esse significado.9
Outro expediente utilizado pelos que
Por exemplo, em (2), a preposição é ek, rejeitam a personalidade do Espírito Santo
“de, desde”, e pode implicar o sentido “de é o gênero neutro do grego pneuma, espíri-
dentro de”, como o emprego de ésôten, “de to. “A Bíblia não empregaria uma palavra
dentro”, em Marcos 7:21 e 23 demonstra. neutra para identificar uma personalidade,”
Dizemos que pode, porque nem sempre é dizem. Contra esta hipótese se verifica que
isto o que ocorre, ainda que seja empregada o termo é usado em referência a entidades
a preposição ek. Exemplos: “Do trono [ek reconhecidamente pessoais. “São todos eles
tou thrónou] saem relâmpagos, vozes tro- espíritos ministradores...”, afirma o escritor
vões...” (Ap 4:5), e “rio da água da vida... sagrado acerca dos anjos (Hb 1:14).
que sai do trono [ek tou thrónou] de Deus”
(22:1) não significam necessariamente que
os relâmpagos, vozes, trovões e o rio saem Especulação na ordem do dia
de dentro do trono. Condenando as especulações, o Espírito
Ademais, se o sentido original de ek- de Profecia adverte: “A natureza do Espírito
poreúomai fosse mesmo “vir de dentro”, Santo é um mistério. Os homens não a podem
como querem os dissidentes, seria uma des- explicar, porque o Senhor não revelou. Com
necessária redundância Marcos 7:21 e 23 fantasiosos pontos de vista, pode-se reunir
registrar ésôthen ekporeúetai, “procedem passagens das Escrituras e dar-lhes um signi-
de dentro”; seria o mesmo que dizer em ficado humano; mas a aceitação desses pontos
português: sair para fora, entrar para dentro, de vista não fortalecerá a Igreja. Com relação
subir para cima e descer para baixo. a tais mistérios – demasiado profundos para o
44 / Parousia - 2º semestre de 2005

entendimento humano – o silêncio é ouro.”11 simples analogia empregada por Paulo (ver
1Co 2:11) numa realidade substancial que
Quanto a esse assunto (natureza do
toma o homem por modelo. Mas se isto é o
Espírito Santo), está na ordem do dia o
que Espírito de Deus significa, é inevitável
que Ellen White classifica de “fantasiosos
a idéia de que o antropomorfismo divino,
pontos de vista”. Dissidentes oportunistas
longe de ser um engano,15 é um conceito
e aventureiros, com “comichões nos ou-
correto: o homem é a padronização de Deus
vidos” (2Tm 4:3), imaginam ser crime de
– como é com ele, assim é com Deus!!! Mas
apostasia a aceitação da divindade do Espí-
vejamos: não importando se o homem tem
rito Santo, e, inescrupulosamente, intentam
fôlego porque respira ou respira porque
arrancar das páginas sagradas alguma no-
tem fôlego, uma questão aqui pertinente
ção que lhes satisfaça as divagações; com
é: Deus respira? (bem, esse seria o caso se
isto, acabam preterindo o criterioso ensino
Ele tivesse fôlego como o homem). Tem
bíblico e do Espírito de Profecia sobre tão
Ele um sistema respiratório que inclui, por
sublime tema, por arrazoados fantasistas e
exemplo, pulmões? Há no céu uma camada
inconseqüentes que, no mínimo, denigrem
atmosférica para suprir a respiração dos que
o caráter sacratíssimo deste Ser. E isso,
ali habitam?
sim, é crime. E o que é pior: julgam-se os
portadores da verdade, enquanto o povo de (2) ...é o próprio Senhor,16 no sentido de
Deus, em sua totalidade, está errado. que o Espírito Santo equivale ou a Cristo,
ou ao Pai, ou a ambos. Este raciocínio des-
Não obstante, o que acontecia no tempo
camba para uma variação de outra heresia;
de Ellen G. White, e que mereceu sua vee-
seria um sabelianismo17 dicotômico.
mente censura, está literalmente ocorrendo
hoje, pois tal como a serva do Senhor de- (3) ...é isto.18 O dissidente Jairo Carva-
nunciou, os atuais dissidentes igualmente lho afirma que é “um total desprezo chamar
reúnem um punhado de “passagens bíbli- mesmo um ser humano de ‘isto’”, quanto
cas”, arbitrariamente catadas aqui e ali e, mais Deus, o que para ele é “uma prova
sem o mínimo respeito às mais elementares de que o Espírito Santo não pode ser um
regras hermenêuticas, colocam-nas numa Deus”,19 já que, como ele supõe, Atos 2:33
cadeia temática ilegítima que as obriga a O identifica como “isto”. Mas nesse caso,
afirmar aquilo que eles pretendem. O resul- não importando o que ou quem Ele seja, o
tado é uma interpretação barata, superficial, Espírito Santo é, segundo esse raciocínio,
abusiva, tendenciosa, sem o necessário inferior ao próprio homem, pois “isto”,
respaldo de pesquisa séria e responsável, o que não é cabível a este, é próprio para o
que, inevitavelmente, conduz a conclusões Espírito Santo.
confusas e contraditórias; ora o Espírito é
definido em termos de pessoalidade, ora Pena que o Sr. Carvalho não tenha
em termos de abstração. percebido que o demonstrativo neutro
não se aplica à pessoa do Espírito Santo
Para se confirmar esse fato, basta uma propriamente, mas ao efeito poderoso da
olhadela em publicações produzidas por Sua operação, o milagre que todos teste-
separatistas. Algumas colocações aí feitas munharam! O texto diz: “Exaltado, pois,
quanto ao Espírito Santo são de estarrecer à destra de Deus, tendo recebido do Pai a
mesmo o leitor casual. “Entre outras, cada promessa do Espírito Santo, derramou isto
qual mais descomunalmente absurdas,”12 que vedes e ouvis.” Por um lado, “Espírito
são feitas as seguintes declarações: Santo”, o assunto da promessa, e “isto”, o
O Espírito Santo... que foi derramado, não se correspondem
necessariamente; por outro lado, segundo
(1) ...é o sopro, o fôlego de Deus,13 o discurso de Pedro à multidão atônita, o
no sentido de que da mesma forma que o “isto” foi referido como aquilo que “vedes
homem tem fôlego (isto é, espírito) Deus e ouvis”. O que eles viam e ouviam? Era o
também tem fôlego (isto é, espírito).14 Em Espírito Santo ou era a Sua operação? Bem,
outras palavras, a teoria transforma uma ali estava um grupo de iletrados galileus fa-
Uma pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo / 45

lando, nos vários idiomas representados, as Espírito Santo, o qual é a glória de Deus.25
grandezas de Deus (vs. 6-8, 11 e 12), e isto Mas quantos Espíritos Santos existem? A
eles estavam muito bem vendo e ouvindo; Bíblia diz que é apenas um (Ef 4:4). Para
em outras palavras, eles testemunhavam Carvalho, entretanto, qualquer anjo fiel
o poder do Espírito em exercício, e era pode ser um Espírito Santo; Gabriel é a ter-
exatamente o poder do Espírito, e não Sua ceira pessoa da Divindade (que ele insiste
pessoa, que fora derramado. em dizer que é “a partir da Divindade”),26 e
deve ser distinguida do Espírito Santo. Mas
Com efeito, Atos não afirma que Deus
a inspiração afirma que ambos, a terceira
derramou o Seu Espírito, mas do Seu Es-
pessoa e o Espírito Santo, são o mesmo
pírito (ver 2:17). Em 10:45, é o “dom do
ser: “O príncipe da potestade do mal só
Espírito” que “foi derramado.” À luz de 1
pode ser mantido em sujeição pelo poder
Coríntios 12, o Espírito Santo é tanto dom
de Deus na terceira pessoa da Divindade,27
como doador. Derramar significa conceder
o Espírito Santo.”28
generosamente, e refere-se fundamental-
mente aos recursos do Espírito. Dias antes, (7) ...é a glória de Deus.29 Aqui o dissi-
Jesus havia prometido isso aos discípulos; dente se aproximou consideravelmente de
receberiam poder ao descer sobre eles o uma das abstrações espíritas condenadas
Espírito (At 1:8). É a Pessoa quem desce; por Ellen G. White; havia em seu tempo
é o poder que é “derramado”. O que acon- aqueles que diziam que o Espírito Santo
teceu com a igreja primitiva foi a repetição era uma “luz derramada”.30 Mas o mais
do que já acontecera com Jesus (10:38). deplorável é consignado ao final das colo-
Neste texto, o Espírito é distinto de poder, cações de Carvalho: como o Espírito Santo
e vice-versa. De fato, ao ser batizado, o é meramente a glória divina, então mesmo
Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma o “pior inimigo de Deus”, Satanás, tem o
de pomba (Mt 3:16), e o resultado foi um Espírito Santo, pois ele “ainda possui um
poderoso ministério. O senso de derrama- pouco da glória que recebeu de Deus.”31
mento transparece no relato de Marcos, que Simplesmente estarrecedor!
afirma que “os céus rasgaram-se” (1:10),
É espantoso como determinados elemen-
enquanto o de pessoalidade é notado em
tos, como fruto de seus devaneios, chegam
Lucas, ao afirmar que o Espírito veio em
ao extremo de nescidades como esta; isto é
“forma corpórea” (3:22).
sacrilégio de elevada ordem, diante da qual
Houve, portanto, uma compreensão as palavras de Jesus soam oportunas: “...a
equivocada de Atos 2:33 por parte do Sr. blasfêmia contra o Espírito não será perdoa-
Carvalho. O demonstrativo isto se refere da. ... Se alguém falar contra o Espírito Santo,
antes à conseqüência da manifestação do não lhe será isso perdoado, nem neste mundo
Espírito, que à Sua pessoa. nem no porvir... visto que é réu de pecado
eterno”(Mt 12:31, 32; Mc 3:29). Dizer que
(4) ...é a mente de Deus.20 Mas a Bíblia
o Espírito Santo é a glória de Deus, que o
diz que o próprio Espírito tem mente (Rm
próprio diabo ainda retém e emprega em sua
8:27); seria correto falar em mente da
obra de engano, como o Sr. Carvalho afirma,
mente?
é, na realidade, dizer que o Espírito Santo é
(5) ...é o dedo de Deus.21 Nesse caso, o um instrumento nas mãos do diabo para a
Espírito Santo seria uma pequena parte d[o operação do mal e serviço do pecado!!! Na
corpo d]e Deus. E aí pergunta-se: “Deus esperança de, quem sabe, despertar um pouco
tem corpo?” a consciência do dissidente, pergunto: “O
(6) ...é qualquer anjo fiel22 com especial Espírito Santo continua ainda glorificando a
menção primeiramente a Lúcifer,23 então Cristo, como João 16:14 afirma que é uma de
a Gabriel, quando aquele que se tornou Suas tarefas, quando Ele é usado pelo diabo
Satanás foi expulso do céu.24 Na verdade, em sua obra satânica?”
o autor confundiu a verdade afirmando que
Gabriel é um Espírito Santo, mas não o Um Ser pessoal e divino
46 / Parousia - 2º semestre de 2005

Impugnadas as lucubrações meramente (4) Pode-se mentir a Ele (At 5:3). Men-
humanas quanto ao Espírito Santo, obser- te-se a uma pessoa e não a uma energia, a
vemos agora o que a revelação tem a dizer uma luz, ou à glória.
sobre tão excelso tema.
(5) Pode-se-Lhe resistir (At 7:51). É
Quando Ellen G. White afirma que “a possível cumprir o papel de um resistor
natureza do Espírito Santo é um mistério”,32 (componente que impede, ou atenua, o flu-
não significa que nada podemos aprender xo da corrente elétrica) para com o Espírito
sobre Ele. Aquilo que a revelação nos trans- Santo? Sim, e isto o pecador faz quando,
mite não é especulação; é a realidade que diante do apelo divino, prefere permanecer
temos o dever de, pela fé, aceitar. no erro. Mas tal não significa que o Espírito
Santo não seja uma pessoa, pois não é ape-
Dois pontos sobre o Espírito Santo es-
nas a uma energia que se resiste. Pessoas
tão devidamente assentados nas páginas
também podem ser resistidas, incluindo
sagradas: Ele é uma pessoa, e é Deus.
Deus (11:17). O texto fala de se resistir às
“O Espírito Santo tem personalidade, do
claras evidências da verdade, apresentadas
contrário não poderia testificar ao nosso
pelo Espírito Santo.
espírito e com nosso espírito que somos
filhos de Deus. Deve ser uma pessoa di- (6) Pode-se guerrear contra Ele (Gl
vina, do contrário não poderia perscrutar 5:17). O que é uma intensificação de re-
os segredos que jazem ocultos na mente sistência ao Espírito Santo.
de Deus.”33
(7) Pode-se ultrajá-Lo (Hb 10:29).
Como é possível ultrajar uma energia, o
A Personalidade do Espírito Santo sopro, a glória? Ultrajar se liga naturalmen-
te ao sentido de afrontar, insultar, difamar,
A personalidade do Espírito Santo é injuriar, ofender, deprimir, vilipendiar,
claramente inferida do testemunho bíbli- desacatar, vituperar, envergonhar. Como se
co. As seguintes referências não deixam pode fazer tudo isso a uma abstração?
dúvida a respeito:
(8) Pode-se blasfemar contra Ele como
(1) Ele é citado entre pessoas: “Pois se blasfema contra o Filho (Mt 12:31). É
pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não possível blasfemar contra o sopro, contra
vos impor maior encargo...” (At 15:28). uma energia? Blasfema-se contra uma
Além disso, Ele aparece na fórmula batis- pessoa, como é caso de Jesus aqui.
mal junto ao Pai e ao Filho (Mt 28:19); seria
redundância Jesus mencionar o Espírito (9) Ele executa específicas funções
Santo, tendo já mencionado o Pai, fosse próprias, não de uma abstração, mas de
Ele a mera energia dEste, ou Seu sopro, uma pessoa:
ou Sua glória; também não faria sentido • sonda, perscruta a Deus – 1Co 2:10
Jesus ordenar o batismo em nome de uma
Pessoa, o Pai, de outra Pessoa, o Filho, e • concede dons para a edificação da
agora em nome de uma energia, ou sopro, Igreja – 1Co 12:8, 12
ou glória, o Espírito.34 • manifesta-Se nesses dons –1Co 12:7
(2) Pode e deve ser mantida comunhão (em outras palavras, ao conceder dons à
com Ele (Fp 2:1; 2Co 13:14). Não se man- Igreja o Espírito Se dá a ela)
tém comunhão com uma energia, nem com • contende com pecadores – Gn 6:3
um sopro, ou glória.
• ordena sobre itens relevantes para a
(3) Não é mero poder, mas tem poder obra e o povo de Deus – At 8:39; 10:19,
(Rm 15:19). Seria outra redundância a Bí- 20
blia falar do poder do Espírito Santo, fosse
Ele mero poder; seria “o poder do poder”, • envia pessoas no processo do cumpri-
o que é um contra-senso, da mesma forma mento de alguma missão – At 10:19, 20
que “mente da mente” visto acima. • ensina o que uma vez ouviu – Jo 16:13
Uma pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo / 47

(ouvir não é próprio de uma energia), ver e é afetado por elas. Afeta-nos Deus? Na-
também 14:26; 1Co 2:13 turalmente. Podemos afetá-Lo? Bem, Sua
tristeza e alegria, misericórdia e justiça,
• revela, especialmente pelo exercício
interesse por nós e condescendência, amor
profético – At 1:16; 2Pe 1:21; 1Tm 4:1
e ira indicam que sim. Deus é afetado por
• testifica através da intuição na cons- Suas criaturas porque antes de mera consci-
ciência, bem como com o testemunho da ência das coisas, Ele tem auto-consciência;
Igreja – Rm 8:16; At 5:32; Ap 22:17 esta é o traço fundamental da personalidade
• move o agente humano na captação da porque é a capacidade que uma pessoa tem
revelação divina – 1Pd 1:21 de referir a si mesma a consciência de qual-
quer coisa ou experiência pela qual passa.
• incute novas realidades ainda não Isso não acontece com um animal, porque
percebidas – Hb 9:8 ele não pode distinguir entre o ego pessoal
• indica a correta compreensão do que e a momentânea sensação que experimenta.
é revelado – 1Pd 1:11 Por não ser um ente pessoal, ele não con-
segue formar uma noção objetiva de seus
• guia os filhos de Deus - Rm 8:14, sentimentos e das ações que estes geram,
inclusive na busca de “toda a verdade” – e aplicá-los a si mesmo. O ser humano, ao
Jo 16:13 contrário, torna-se, por exemplo, conscien-
• assiste nas fraquezas – Rm 8:26 te de erros cometidos, reconhece-os como
tais, e chega à auto-consciência da culpa.
• intercede corrigindo nossas orações Isso porque é um ser pessoal, dotado de
– Rm 8:26 mente e razão.
• produz frutos na vida dos que se sub- Aplicando isso a Deus, dizemos que
metem a Ele – Gl 5:22, 23
Sua auto-consciência é prova irretorquível
• lava e renova, o que resulta em sal- de Sua personalidade. Isaías 55:8 fala de
vação – Tt 3:5. Em João 3:5, 6 este ato Seus pensamentos. Ele pensa porque tem
é referido por Jesus em termos do novo mente, e ter mente O faz pessoal. Então,
nascimento quando nos é afirmado que também o
Espírito Santo tem mente, não podemos
• escreve a lei de Deus nas tábuas do
senão concordar que Ele é, de fato, um ser
coração – 2Co 3:3
pessoal. Se assim é, perguntamos: afeta Ele
• santifica – 2Ts 2:13; 1Pd 1:2 a cada um de nós? Por suposto que sim.35
• sela os que são de Deus – Ef 1:13 Afetamos igualmente a Ele? Claro, pois a
Bíblia fala da tristeza (Ef 4:30), do anseio
(10) Ele possui mente (Rm 8:27). O (Tg 4:5), da alegria (1Ts 1:6), da vontade
termo grego, traduzido “mente” neste texto (1Co 12:11), do amor (Rm 15:30), e até do
em algumas versões, é phrónema (alguma ciúme (Tg 4:5) do Espírito Santo.
coisa que se tem em mente, que passa pela (11) Além disso, o Novo Testamento
mente, o pensamento), em contraste com emprega fartamente pronomes pessoais gre-
nous (a mente como sede da consciência, da gos em referência ao Espírito Santo. Apenas
reflexão, da percepção, do entendimento, em João 14-16 isso ocorre 24 vezes, e Ele
do julgamento crítico e da determinação). próprio faz referência a Si com o pronome
O importante é que phrónema pressupõe a pessoal: “Disse o Espírito [a Pedro]: Estão
existência de nous. Apenas um ser pessoal aí dois homens que te procuram; levanta-te,
é dotado de nous, e pode exercer phrónema. pois, desce e vai com eles nada duvidando;
O Espírito Santo é um ser pensante, o que porque Eu os enviei” (At 10:19, 20).
implica inteligência e consciência. Ele não
pode ser menos que uma pessoa. (12) Finalmente, a palavra inconteste
de Jesus não deixa qualquer margem para
Mas o que é uma entidade pessoal? É dúvida no que respeita à personalidade do
aquela que afeta outras entidades pessoais Espírito Santo. “Eu rogarei ao Pai,” prome-
48 / Parousia - 2º semestre de 2005

teu Ele à Igreja, “e Ele vos dará outro Con- não fosse Deus.
solador, o Espírito Santo” (Jo 14:16, 26).
E quanto a Jesus? Reconheceu Ele a di-
Chamando-O “Consolador”, Jesus evocou
vindade do Espírito Santo? Bem, deixemos
Sua personalidade. O original parákletos
mais uma vez que Ele fale. Ele prometeu
(etimologicamente chamado para estar ao
“outro Consolador” (Jo 14:16). “Outro”
lado de), é masculino e aplica-se à pessoa
pressupõe um Consolador prévio, o próprio
que apóia, conforta, orienta, defende, etc.,
Jesus, também identificado como Parák-
o que uma abstração não faz.
letos (1Jo 2:1). Dois termos gregos são
vertidos “outro” em nossas Bíblias: állos
A Divindade do Espírito Santo e héteros, o primeiro, empregado aqui,
Um estudo mais atento da Palavra de significando “outro da mesma espécie”,
Deus, e, acima de tudo, desprovido de idéias enquanto o segundo “outro de natureza
pré-concebidas, atesta naturalmente a divin- diferente”. O prometido Consolador é Al-
dade do Espírito Santo. Pode Ele ser menos guém tão divino quanto Jesus. Fosse Ele
que Deus, se possui os atributos exclusiva- Gabriel, como querem os dissidentes, teria
mente divinos de Eternidade (Hb 9:14), que ser classificado héteros, e não állos.
Onisciência (1Co 2:10 e 11) e Onipresença Mas, qual a qualidade da divindade de
(Sl 139:7)? Quem menos que Deus pode Jesus? A Bíblia e o Espírito de Profecia não
criar e comunicar vida (Jó 33:4), convencer deixam por menos: Ele é tão divino quanto
do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16:8), o Pai, e é um com Este desde toda a eterni-
regenerar (Tt 3:5), santificar (2Ts 2:13; 1Pe dade (Jo 1:1; 10:30). “Cristo era Deus em
1:2), escrever Sua lei nas tábuas do coração essência e no mais alto sentido. Ele esteve
(2Co 3:3), ressuscitar (Rm 8:11), e selar o com Deus desde toda a eternidade...”36 Se
crente para o dia da redenção (Ef 4:30)? assim é com o primeiro Consolador, não
Como um ser menor que Deus pode será diferente com o segundo. O mesmo
perscrutá-Lo? (1Co 2:10). Como pode Espírito de Profecia confirma esse fato:
a blasfêmia contra o Espírito Santo não “O Consolador que Cristo prometeu enviar
ser perdoada, enquanto que aquela contra depois de ascender ao Céu, é o Espírito em
Jesus pode (Mt 12:31)? Porventura, pecar toda a plenitude da Divindade, tornando
contra uma coisa, ou uma criatura, é algo manifesto o poder da graça divina a todos
mais sério que pecar contra Deus? E como quantos recebem e crêem em Cristo como
é possível que, segundo a fórmula batismal um Salvador pessoal.”37 “Toda a plenitude
(28:19), alguém deva ser batizado em nome da divindade” é precisamente o que Colos-
do Pai (que é Deus), do Filho (que também sences 2:9 afirma residir corporalmente em
é Deus), e do Espírito Santo (que seria uma Cristo. De fato, o Espírito Santo é o segun-
coisa ou uma criatura, como supõem os do Consolador, da mesmíssima natureza
antitrinitaristas)? do primeiro.
Além disso, é-nos afirmado que, no É-nos afirmado ainda: “Precisamos re-
próprio ato de mentirem ao Espírito Santo, conhecer que o Espírito Santo, que é uma
Ananias e Safira mentiram “a Deus” (At pessoa, como o próprio Deus, está andando
5:4). Nesse mesmo sentido de correspon- por estes terrenos.”38 Pode ainda haver
dência, Paulo primeiramente declara que dúvida que, à luz da inspiração, o Espírito
somos santuário “de Deus, e que o Espí- Santo seja uma pessoa, e seja Deus?
rito de Deus habita em” nós (1Co 3:16;
ver também 6:19), para então afirmar que Um com o Pai e um com o Filho
“somos santuário do Deus vivente”, e que
é o próprio Deus que habita em nós (2Co Um último ponto referente à divindade
6:16, 17). Percebemos claramente aqui que do Espírito Santo se faz necessário. Pela
o Espírito Santo habitando no coração é doutrina da Trindade entendemos que Jesus
Deus se fazendo aí presente. Isso não seria é um com o Pai porque possui a mesma
possível se Ele mesmo, o Espírito Santo, natureza divina dEle. São distintos como
Uma pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo / 49

Pessoas, mas iguais em Divindade. Isto dificuldade para se entender o que Ellen G.
resulta em que onde Um está pessoalmente, White quis dizer quando declarou:
ali o Outro estará essencialmente. Enquanto
Impedido por Sua humanidade, Cristo não
o Filho estava pessoalmente na Terra, o
poderia estar em todos os lugares pessoalmente;
Pai estava essencialmente aqui (embora então foi para benefício deles que Ele deveria
pessoalmente continuasse no Céu), pois deixá-la, ir para o Pai, e enviar o Espírito Santo
Jesus afirmou: “Não estou só, porque o Pai para ser Seu sucessor na Terra. O Espírito é Ele
está comigo” (Jo 16:32). Da mesma forma, mesmo, despojado da personalidade humana e
enquanto O Pai estava pessoalmente no independente dela. Ele Se representaria como
Céu, Jesus estava essencialmente ali, pois estando presente em todos os lugares por Seu
disse a Nicodemos muito antes da ascen- Espírito, como onipresente.41
são: “Ninguém subiu ao Céu, senão Aquele
que de lá desceu, o Filho do homem que Como ela afirma, o Espírito Santo reu-
está no Céu” (3:13).39 nindo, a exemplo de Jesus, a plenitude da
divindade, é o sucessor de Cristo, e pode tão
Devemos crer que é exatamente isso o perfeitamente representá-Lo neste mundo,
que ocorre em relação ao Espírito Santo? A que se torna uma bendita realidade a presen-
resposta é “sim!”, pois, como vimos, Ele é ça essencial dEle aqui, isto é, “Ele mesmo,”
állos, isto é, da mesma natureza divina de Cristo, “despojado da personalidade humana
Jesus. É por isso que o Salvador, imedia- e independente dela... como estando presen-
tamente após prometer a vinda do “outro te [com Seu povo] em todos os lugares por
Consolador” que estaria não apenas “com”, Seu Espírito, como onipresente.” “O Senhor
mas “nos” discípulos (Jo 14:16, 17), pôde Jesus age através do Espírito Santo, pois é
também assegurar-lhes que, por este Con- Seu representante.”42
solador, Ele, Jesus, voltaria para eles (v. 18)
e, com o Pai, faria neles morada (v. 23). Isto Quão surpreendentemente fascinante é
porque o Espírito Santo é igual a Jesus e ao o plano de Deus e Seu trato com os peca-
Pai em divindade. Assim, onde Ele estiver, dores! Enaltecido seja o Seu nome.
Pai e Filho também estarão. É por esta
razão que Jesus declarou ser vantajoso aos Conclusão
discípulos que voltasse ao Céu, pois assim
lhes enviaria o Espírito (Jo 16:7), e, através Que pessoa maravilhosa é o Espírito San-
dEle, estaria em todo o tempo com toda a to! Que humildade, que interesse, que desve-
Sua comunidade de seguidores. lo! Ele nos ama a ponto de instar conosco a
que sejamos salvos. Ele está disposto a aplicar
O Espírito Santo é o representante de Cristo, em nossa vida a obra redentora da cruz em
mas despojado da personalidade humana, e dela toda a Sua extensão. A exemplo do Pai e do
independente. Limitado pela humanidade, Cristo Filho, Ele anseia por nossa presença no reino
não poderia estar em toda a parte em pessoa. Era,
de Deus. Já Lhe agradecemos por isso?
portanto, do interesse deles [os discípulos] que
fosse para o Pai, e enviasse o Espírito como Seu De fato, Ele é um precioso amigo. Se
sucessor na Terra. Ninguém poderia ter então O resistirmos, magoá-Lo-emos, e Ele
vantagem devido a sua situação ou seu contato poderá se afastar triste e pesaroso por
pessoal como Cristo. Pelo Espírito, o Salvador nossa indelicadeza e apego a idéias que O
seria acessível a todos. Nesse sentido, estaria mais desmerecem, e que resultarão finalmente
perto deles do que se não subisse ao alto.40
em nossa ruína eterna. Mas se O valori-
zarmos como Ele merece, e O acolhermos
Com isto em mente, não há qualquer
em nossa vida, Ele tomará posse do nosso
ser, far-nos-á crescer em semelhança com
Jesus, até que coloquemos nossos pés na
cidade celestial.
“Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endu-
reçais os vossos corações” (Hb 4:7).
50 / Parousia - 2º semestre de 2005

Referências dade se manifesta de três modos distintos: às vezes


1
Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa como Pai, outras como Filho, e ainda outras como
Publicadora Brasileira, 1997), 614. Espírito Santo. Assim, para Sabélio, o Espírito Santo
2
Ellen G. White, O Desejado de Todas as era às vezes o Pai, outras vezes o Filho.
Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 18
Carvalho, 21.
2001), 352. Esta afirmação do Espírito de Profecia 19
Ibid.
denota claramente a personalidade e divindade do 20
Nicotra, 8.
Espírito Santo. 21
Ibid, 28.
3
LeRoy E. Froom, A Vinda do Consolador 22
Carvalho, 24.
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988), 40. 23
Ibid, 132, 133.
À página 36 da edição castelhana, acrescenta-se ao 24
Ibid., 80, 134, 135, 136, 137.
final do parágrafo a seguinte colocação: “Mas se 25
Ibid., 80, 137.
O reconhecemos como Pessoa, estudaremos como 26
Ver nota a seguir.
nos submeter a Ele de modo que nos use segundo 27
“A partir da Divindade”, em vez de “da Divin-
Sua vontade.” dade”, é como Jairo Carvalho verte o original inglês
4
Ibid, 41, 42. “of the Godhead”, do texto em apreço de Ellen G.
5
Ricardo Nicotra, “Eu e o Pai Somos Um” (São White. Ele recorre ao Webster’s Dictionary em apoio
Paulo: Ministério Bíblico Cristão, maio/2004), 9, 34 à sua versão, afirmando que, segundo este, “of ” é
e 35; Jairo Carvalho, A Divindade (Contenda, PR: sinônimo de “from”, que ele afirma significar “a
Ministério 4 anjos, s.d.), 114. partir de” (107). Mas, na acepção que o dissidente
6
Ibid, 35. requer, é duvidoso atribuir tal significado à preposi-
7
Ibid. ção “from”. Em sua edição mais completa, o aludido
8
Embora, de vez em quando, palavras sejam dicionário supre os diversos casos de equivalência
proferidas ou escritas por aí sem, ao menos, se entre “of” e “from”, e nenhum deles coincide com
pensar nelas. o que o dissidente imagina (ver “of ” em Webster’s
9
É bom lembrar neste momento que Jesus é Dictionary of the English Language – Unabridged
chamado Logos, “Palavra” (a Almeida verte “Ver- – Encyclopedic Edition [Chicago, IL.: J. G. Fergu-
bo”), nos escritos joaninos (Jo 1:1, 14; 1Jo 1:1; Ap son Publishing Company, 1979], II:1241, 1242).
19:13), e nem por isso iríamos afirmar que Ele, na Igualmente não pode ser alegado que, “na época em
encarnação, procedeu de dentro do Pai. O emprego que o texto [de Ellen G. White] foi escrito, por volta
da preposição prós, “com”, no prólogo do quarto de 1890”, um dos significados de “of ” era “a partir
Evangelho indica que Jesus veio da íntima compa- de” (Carvalho, 107, 128), pois o mesmo Dicionário
nhia do Pai, de um relacionamento face a face, de um supre os significados obsoletos do termo e também
companheirismo como iguais (ver A. T. Robertson, nenhum deles é o que o dissidente pretende. Quisesse
A Grammar of the Greek New Testament in the Light a serva do Senhor declarar o que ele afirma, teria
of Historical Reserarch [Nashville, TN: Broadman, registrado algo como “starting from” em lugar do
1934], 613, e The Divinity of Christ in the Gospel simples “of ”.
of John [New York: Fleming H. Revell, 1916], 39): 28
Evangelismo, 617. Se é apenas pelo poder do
“O Verbo estava com [prós] Deus... Ele estava no Espírito Santo que se vence o inimigo, o que será
princípio com [prós] Deus” (Jo 1:1, 2). Vemos, então, dos que O negam e rejeitam? Senhores dissidentes,
que é sempre importante levar em conta a preposição pensem nisso!
usada e sua conotação. 29
Carvalho, 22, 52, 114, 116, 117, 118, 121, 122,
10
Robertson, A Grammar, 613; ver pp. 553-649 124, 125, 142, 143, 159.
para uma abordagem geral das preposições gregas. 30
Evangelismo, 614.
11
Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publica- 31
Carvalho, 165.
dora Brasileira, 1986), 52. 32
Atos dos Apóstolos, 52.
12
A fórmula é de Rui Barbosa em alusão às 33
Evangelismo, 617.
prerrogativas papais de infalibilidade (ver O Papa e 34
Afirmar, como o Sr. Nicotra faz (18-24), que
o Concílio [Rio de Janeiro: Elos, s/d], I:113). a fórmula batismal no tríplice nome de Deus em
13
Nicotra, 8, 9. Carvalho, 44-46, 74, 110 Mateus 28:19 foi interpolada posteriormente ao texto
14
Nicotra, 8, 9, 11. original do Evangelho, sendo, portanto, apócrifa, não
15
Por exemplo, muito da “teologia” grega do é verdade, como ficou evidenciado em Jose C. Ra-
tempo dos apóstolos era antropomórfica, o que na- mos, “Mateus 28:19 ¯ falso ou autêntico?”, Revista
turalmente recebeu o repúdio da fé cristã. Adventista, maio de 2005, 10, 11.
16
Nicotra, 12, 32, 33, 36; Carvalho, 18, 19, 20, 35
Veja, por exemplo, Lucas 2:27; João 3:5, 6;
21, 26, 31, 32, 50, 51, 16:8; Romanos 8:4, 23; 14:17; Gálatas 5:17, 22, 23;
17
Sabelianismo, de Sabélio, herege do terceiro 1 Pedro 1:2; 2 Pedro 1:21.
século, que afirmava que uma única Pessoa na Divin- 36
Ellen G. White, “The Word Made Flesh,”
Uma pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo / 51

Review and Herald, 5 de abril de 1906, 8. Evangelio”, Theologika VII, 2 (1993) 93: 112-127,
37
Evangelismo, 615 (itálicos supridos). principalmente 117-121.
38
Ibid., 616. 40
O Desejado de Todas as Nações, 669. Ênfase
39
Quanto à genuinidade da fórmula “que está suprida.
no céu” em João 3:13, ver José C. Ramos, “La 41
Manuscrito 14, 23 e 24. Ênfase suprida.
Revelación de Dios em JesuCristo en el Cuarto 42
Ellen G. White, “Our Battle with Evil”, Review
and Herald, 10 de fevereiro de 1903, 8.
53

O Espírito-parákletos
no quarto evangelho
Amin A. Rodor, Th.D.
Professor de Teologia Sistemática e diretor do Salt, Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP

R esumo : Este artigo trata do título é aplicado uma vez a Jesus (1Jo 2:1), que
grego parákletos no quarto evangelho, atri- atua como um intercessor/advocatus junto
buído, como é bíblica e historicamente evi- ao Pai, na corte celestial. Em cinco outras
dente, ao Espírito Santo, a terceira pessoa passagens, no quarto evangelho, contudo,
da Trindade. O autor enfatiza que, embora parákletos como um título é aplicado a
o parákletos seja o dom da nova era, Ele alguém que: (a) não é Jesus; (b) não é
possui profundas raízes bíblicas. Atenção primariamente um intercessor; e (c) não
especial é dada ao paralelismo entre Jesus exerce sua função no céu, junto ao Pai. A
e o “outro parákletos”, sugerindo que Este tradição cristã, desde tempos primitivos,1
representa o “retorno” de Jesus para os Seus e com boas razões, identificou o parákletos
discípulos, a fim de permanecer com eles, no Evangelho de João, como sendo o Espí-
conforme havia prometido. O parákletos rito Santo, a terceira pessoa da Trindade.2
é o verdadeiro elo entre a Igreja e Jesus Considerando-se as objeções recentes
desde o Pentecostes até a “consumação do ao ensino bíblico quanto à personalidade
século”. Por meio do parákletos, Jesus é do Espírito Santo e à Trindade,3 o estudo
reinterpretado e feito contemporâneo para deste tema no quarto evangelho é crucial,
as sucessivas gerações de cristãos. levando-se em conta que o Evangelho de
Abstract: This article deals with the João, provavelmente o último livro do
Greek title parákletos in the fourth gos- Novo Testamento a ser escrito, representa
pel, attributed, as biblical and historically o mais alto desenvolvimento teológico
evident, to the Holy Spirit, the third Person das Escrituras,4 e, nas palavras de Vincent
of the Trinity. The author emphasizes that, Taylor, “o clímax e coroa da revelação
even though the parákletos is the gift of bíblica a respeito do Espírito Santo”.5 Não
the new age, He has deep biblical roots. seria difícil, portanto, estabelecer que o
Special attention is given to the parallelism estudo do tema no evangelho joanino é de
between Jesus and the “other parákletos,” fundamental importância para se verificar
suggesting that He represents the “return” como os cristãos, no final do primeiro sé-
of Jesus to His disciples, in order to abide culo, entenderam e consideraram o Espírito
with them, as He had promised. The parák- Santo.
letos is the true link between the Church Como observado por Raymond E.
and Jesus from the Pentecost till “the end of Brown, reconhecida autoridade no quarto
the world.” Through the parákletos Jesus is evangelho, as cinco passagens em que o
reinterpreted and made contemporary to the parákletos é mencionado no evangelho de
successive generations of Christians. João (Jo 14:15-17, 26; 15:26-27; 16: 7-11,
12-14), podem ser organizadas em quatro
Introdução grupos:
A palavra grega parákletos*, na literatu- (1) A vinda do parákletos e Seu rela-
ra bíblica, é exclusiva do Novo Testamento, cionamento com o Pai: O parákletos virá,
e ocorre de forma restrita, apenas nos es- mas apenas quando Jesus partir (Jo 15:26;
critos joaninos. Como um epíteto, o termo 16:7,8, 13). Ele procede do Pai (Jo 15:26).
54 / Parousia - 2º semestre de 2005

O Pai concederá o parákletos a pedido rências, nas quais o parákletos testemunha


de Jesus (Jo 14:16). Jesus, quando partir, de Jesus, O glorifica e age como Seu repre-
enviará o parákletos da parte do Pai (Jo sentante. Por outro lado, é evidente que o
16:7). parákletos não é o Pai, pois é precisamente
o Pai quem O envia, em nome de Jesus, e
(2) A identificação do parákletos :
apenas depois que Jesus tenha partido (Jo
Ele é chamado “outro parákletos” (Jo
14:26).11 Deve-se observar ainda que, ao
14:16). É, também, o Espírito de Verdade
contrário de Jesus como parákletos, em 1
(Jo 14:17; 15:226), e o Espírito Santo (Jo
João 2:1, o parákletos no quarto evangelho
14:26).
não é primariamente um intercessor dos
(3) A relação do parákletos com os discípulos diante do Pai, mas o ajudador
discípulos: Os discípulos reconhecem o deles em relação ao mundo. Significativa-
parákletos (Jo 14:17). O parákletos estará mente, contrariando a errônea idéia de que
com os discípulos e permanecerá com a doutrina da Trindade tenha sido originada
eles (Jo 14:16, 17). Ele ensinará aos dis- em um período posterior ao Concílio de
cípulos todas as coisas (Jo 14:26). Guiará Nicéia (325 d.C.), Tertuliano (160-220
os discípulos a toda a verdade (Jo 16:13). d.C.) claramente identifica o parákletos
Anunciará aos discípulos as coisas que hão com o Espírito Santo, distinguindo-O das
de vir (Jo 16:13). Receberá e anunciará o pessoas do Pai e do Filho. Diz ele, em sua
que é de Jesus (Jo 16:14). Glorificará a Je- famosa apologia Contra Praxeas:
sus (Jo 16:14). Testemunhará em favor de ...[o Evangelho de João] continua a fornecer-
Jesus (Jo 15:26). Relembrará aos discípulos nos declarações do mesmo tipo, distinguindo o Pai
tudo o que Jesus lhes ensinou (Jo 14:26). e o Filho com as propriedades de cada um. Então
O parákletos falará apenas o que ouvir e também há o Paracleto ou Consolador, acerca do
nada de Si mesmo (Jo 16: 13). qual Ele prometeu orar ao Pai, e enviá-lo do céu,
depois que Ele tivesse ascendido para o Pai. Ele é
(4) A relação do parákletos com
chamado “outro Consolador”... Assim, a conexão
o mundo: O mundo não pode receber o do Pai com o Filho, e do Filho com o Paracleto,
parákletos (Jo 14:17); O mundo não O vê produz três Pessoas coerentes, as quais, contudo,
nem O conhece (Jo 14:17). No contexto do são distintas uma da outra. Estes três são uma
ódio e perseguição movidos pelo mundo essência, não uma Pessoa, como é dito “Eu e o Pai
(Jo 15:18-25), o parákletos testemunhará somos Um” em respeito à unidade de substância,
de Jesus (Jo 15:26). Ele tornará evidente o não à singularidade de número.12
erro do mundo acerca do pecado, da justiça
e do juízo (Jo 16:8-11) .6 No mesmo texto, Tertuliano observa:
Da sistematização das cinco referências O Espírito Santo, de fato, é o terceiro, distinto
ao parákletos no quarto evangelho men- de Deus [o Pai] e do Filho... Eu testifico que o Pai,
cionadas acima, algumas características e o Filho e o Espírito são inseparáveis de cada um...
e que eles são distintos um dos outros.
quanto à sua identidade emergem claras e
além da dúvida razoável.
Tertuliano então conclui com lógica
(1) O parákletos não é Jesus ou o Pai: 7 que dificilmente poderia ser melhorada:
Jesus fala de “outro parákletos”,8 impli- Além disto, não é o próprio fato de que
cando que seus discípulos já possuíam eles tem nomes distintos [Pai, Filho e Espírito-
um, que só podia ser Ele mesmo. De fato, Paracleto] equivalente a uma declaração de que
como mencionado em 1 João 2:1, Jesus é eles são distintos em personalidade?13
chamado de “parákletos”.9 E é precisamen-
te Sua [de Jesus] partida, como veremos (2) Que o parákletos não é mera força
posteriormente, que abre espaço para o ou influência é claro das diversas atividades
ministério deste outro parákletos, “para exercidas, possíveis apenas a uma pessoa:14
compensar a perda da presença visível de Ele ensina, guia, é enviado, anuncia,
Jesus.”10 A idéia de que o parákletos não recebe, glorifica, testemunha em favor,
é Jesus se fortalece pelas diferentes ocor- relembra, fala, convence, acusa, etc. Além
O Espírito-parákletos no quarto evangelho / 55

disso, ao parákletos são atribuídos prono- base para a tradução de parákletos, fosse
mes pessoais. João torna a personalidade encontrada, provavelmente saberíamos o
do Espírito mais evidente, atribuindo a Ele significado primário do termo. Contudo,
o título masculino parákletos e referindo- até o momento, os mais minuciosos estudos
se ao Espírito-parákletos com pronomes não conseguiram produzir um candidato
pessoais (ékeinos e autós).15 semítico verdadeiramente aceitável.18 De
fato, como Brown observa, “Esta busca
(3) Com relação às funções do parákle-
para um equivalente hebraico pode ser em
tos, fica também evidente que Ele vem para
vão,”19 provavelmente porque tanto no
os discípulos e habita com eles, guiando-os,
hebraico quanto no aramaico, a palavra
ensinando a respeito de Jesus: Devemos
foi transliterada do grego.20 Além disto,
observar, contudo, que João O retrata como
como indicado por Johannes Behn, no seu
o Espírito Santo, como já sugerido, numa
clássico estudo do termo, no Theological
função específica: como a presença pessoal
Dictionary of the New Testament, o uso
de Jesus com os cristãos, durante o período
joanino do termo parákletos não se ajusta
de Sua ausência.
facilmente à história da palavra em fontes
(4) A respeito do relacionamento do seculares.
parákletos com o mundo, é óbvio que Ele
Concluímos, então, que, embora os
é hostil ao mundo, colocando este em jul-
antecedentes históricos, religiosos e lin-
gamento por seu pecado de descrença. O
güísticos do termo parákletos possam ser
mundo não O pode receber, porque não O
considerados importantes para se determi-
vê nem O conhece (Jo 14:17).
nar o seu significado no Novo Testamento,
as decisões quanto a tal significado serão
O parákletos joanino consideravelmente subjetivas e de valor
Do estudo quanto à identidade do limitado, ao mesmo tempo que limitador.
parákletos no quarto evangelho, algumas O significado de parákletos tem sido tra-
questões emergem naturalmente: Se Ele duzido por uma variedade de palavras21
realmente é o Espírito Santo, como mantido tais como “Consolador,” “Advogado,”
pelos cristãos e claramente indicado pelo “Ajudador,” 22 “Espírito de Verdade,”
próprio João: “Mas aquele Consolador, o “Amigo,” etc. No entanto, deve-se observar
Espírito Santo, que o Pai enviará em meu que nenhuma destas traduções consegue
nome”16 (Jo 14:26), por que é este título capturar de forma plena a complexidade
atribuído ao Espírito? Quais aspectos par- das funções atribuídas ao parákletos no
ticulares das funções do Espírito Santo são quarto evangelho.
atribuídas ao parákletos? Além disto, por Se, a palavra parákletos usada por
que o título é encontrado exclusivamente João em seu evangelho não parece ser
no evangelho joanino? Para estas questões uma tradução direta de um título hebraico
cruciais voltaremos nossa atenção, mais específico, nem tem ela sua origem em um
tarde, neste estudo. Nesta seção concentra- título no grego secular, talvez isto sugira
remos a atenção nos aspectos lingüísticos que foi o uso cristão que deu ao termo
do termo. uma conotação exclusiva a ele e, portanto,
O background histórico e o significado o seu significado é melhor decidido pelo
lingüístico do termo parákletos no Evan- contexto do que por deduções léxicas. O
gelho de João têm sido buscados em uma que é, portanto, o parákletos? Gerard Man-
variedade de fontes e alternativas,17 e seria ley Hopkins está provavelmente correto
desnecessário repeti-los aqui. Esforços têm em sua resposta, lembrando que o termo
sido feitos, por exemplo, na tentativa de se é freqüentemente traduzido por Consola-
encontrar um equivalente semítico para o dor, mas o parákletos faz muito mais do
título grego. Tais tentativas parecem en- que consolar. A palavra é grega, não possui
fatizar a convicção de que se uma palavra um equivalente exato em nossa língua. É
hebraica ou aramaica, que tenha servido de esclarecedor ter em mente que Jerônimo,
56 / Parousia - 2º semestre de 2005

ao traduzir parákletos, tinha à sua dispo- um consolador dos discípulos, assumindo


sição, além dos termos latinos advocatus o lugar de Jesus entre eles. O Paracleto é o
e consolator, o costume da transliteracão. mestre, guia, e conselheiro dos discípulos e,
Enquanto ele adota advocatus em 1 João assim, um ajudador. O relacionamento en-
2:1, no evangelho, contudo, ele seguiu a tre o parákletos e Jesus é o tema da última
alternativa da transliteração, mantendo seção do nosso estudo. E é precisamente
a palavra transliterada como Paracleto. aí que detectamos a profunda contribuição
R. Brown apropriadamente observa que teológica de João em relação à pessoa do
seria sábio fazermos o mesmo em tempos parákletos.
modernos, e optarmos por Paracleto,
uma transliteração aproximada do grego O Espírito-parákletos
parákletos, o que preserva a singularidade
da palavra, sem enfatizar um único aspecto Pneumatologia tem sido considerada
do conceito em detrimento de outro. No uma das mais distintivas características do
mínimo, isto serve como advertência para quarto evangelho.24 Referências diretas e
aqueles que querem comprimir o termo indiretas ao Espírito são inúmeras e com-
dentro de limites dogmáticos. plexas, de tal forma que qualquer estudo do
tópico seria, no mínimo, muito extenso.25
Devemos observar, ainda, dois aspectos Devemos notar que neste evangelho o
básicos quanto à identidade do parákletos Espírito Santo é regularmente associado
no quarto evangelho: Por um lado, embora com Jesus (como em 1:19-34; 3:5, 7:39,
ele possa ser considerado o “dom da nova etc). A plena apresentação do Espírito
era,” o parákletos não é um estranho, uma Santo, contudo, é encontrada nas passagens
“novidade,” ou simples invenção joanina, concernentes ao parákletos (14:16, 17, 26;
desconectado de raízes bíblicas. De fato, 15:26; 16:7-15).
João “não pinta um quadro sem paralelo
em outras descrições do Espírito Santo Em João não encontramos uma fórmula
no Novo Testamento, mas enfatiza certos trinitariana como em Mateus26 ou Paulo,27
aspectos que já estão presentes [aí], e dá mas há, pelo menos, quatro instâncias
a eles nova orientação.”23 Esta conexão e do modelo trinitário (1:29-35; 14:16, 26;
convergência de identidade entre o Espírito 16:15). Mais claramente do que qualquer
Santo e o parákletos será o foco de discus- outro escritor do Novo Testamento, João
são na seção seguinte deste trabalho. apresenta a divindade do Filho, e a perso-
nalidade do Espírito. Mais enfaticamente
Por outro lado, João não faz uma sim- do que qualquer outro ele indica a distinção
plista identificação entre o Espírito e o do Espírito, tanto em relação ao Pai como
parákletos, sem os refinamentos teológicos ao Filho. Mais diretamente do que qualquer
que são uma marca inconfundível do seu outro, ele indica a missão do Espírito-
evangelho. Devemos ter em consideração parákletos. Nisto João estabelece os fun-
que, independentemente do que ele tenha damentos para a doutrina de uma Trindade
dito no evangelho acerca do parákletos, co-igual, e fornece muito do material sobre
ele está escrevendo tendo em mente a obra o qual esta doutrina seria formulada.
completa de Cristo na cruz. Ele escreve da
perspectiva do período posterior à ascen- Voltando nossa atenção para o relacio-
são, antecipando o relacionamento entre namento entre o parákletos e outros textos
o ressuscitado Cristo e os Seus discípu- dos evangelhos sinóticos e do livro de Atos,
los, além do relacionamento dEle com o observamos em primeiro lugar que no quar-
mundo, através do parákletos. Portanto, o to evangelho, se Jesus havia estado com os
parákletos incorpora uma enorme comple- discípulos por alguns poucos anos, e voltou
xidade de funções. Ele é uma testemunha para o Pai, o Espírito Santo, contudo, per-
de defesa de Jesus, e o representante dEle manece para sempre com eles, respondendo
no contexto do Seu julgamento pelos Seus a questões enfrentadas pela Igreja no final
inimigos. O Paracleto é, por outro lado, do primeiro século. A doutrina do parák-
letos em João implica a partida de Jesus
O Espírito-parákletos no quarto evangelho / 57

do mundo e, naturalmente, o parákletos é somos testemunhas destes fatos, e bem


retido em sua plenitude até a cruz (Jo 7:39). assim o Espírito Santo, que Deus outorgou
Não é senão quando Cristo afirma “Eu vou aos que Lhe obedecem”.28 Encontramos
para o meu Pai”, que torna-se necessário, ainda uma convergência entre a função de
ou mesmo possível, acrescentar: “O Pai vos ensino do parákletos em João 14:26, onde
enviará um outro parákletos.” O Espírito é é afirmando que “Ele ensinará [aos discí-
o outro parákletos, que assume o lugar de pulos] todas as coisas e vos fará lembrar
Cristo, como advogado dos discípulos. Até de tudo o que vos tenho dito,” e a função
então, Jesus fôra o defensor deles enquan- do Espírito Santo em Lucas 12:12: “...o
to estivera na Terra (Mc 2:18, 24). Agora Espírito Santo vos ensinará, naquela mes-
Jesus cumpre este ofício “junto ao Pai”, ma hora, as coisas que deveis dizer.” Desta
enquanto o Espírito, cuja esfera de ação é forma, quando João 14:26 identifica o pa-
a Terra, silencia os adversários terrenos do rákletos como o Espírito Santo, “isto não
corpo de Cristo, ao longo da era cristã. é mera junção editorial de dois conceitos
distintos”,29 como R. Brown observa. As
Esta função forense de “dar testemunho”,
similaridades e convergências entre o pa-
“falar pelos discípulos” e “condenar o mun-
rákletos e o Espírito Santo emergem mes-
do”, enfatizada nos textos do parákletos
mo num estudo comparativo superficial,
joanino, não está dissociada da mesma
entre aquilo que João diz e aquilo que os
ênfase em outros textos em que o Espírito
evangelhos sinóticos e o livro de Atos, em
Santo aparece com as mesmas funções. Isto
particular, afirmam a respeito dele. Tentar
é evidente, por exemplo, em Mateus 10:20
se evadir à força das evidências, sugerindo
(“visto que não sois vós quem falais, mas o
que o Espírito-parákletos é Pai ou Filho,
Espírito do vosso Pai é quem fala por vós”),
ou apenas uma força, o ruach/pneuma30 de
Marcos 13:11 (“Quando, pois, vos levarem
Deus, é simplesmente fazer uma leitura
e vos entregarem, não vos preocupeis com
equivocada, preconceituosa e dogmática de
o que haveis de dizer, mas o que vos for
evidências irrefutáveis, leitura informada
concedido naquela hora, isso falai; porque
por conclusões e preconceitos desenvolvi-
não sois vós os que falais, mas o Espírito
dos fora do círculo da revelação.
Santo”) e Atos 6:10, onde o Espírito Santo
é apresentado protegendo os discípulos
também em contexto de julgamento. Parákletos e Jesus
Além disto, se o parákletos vem ape- É importante observar que no pen-
nas depois da partida de Jesus, o mesmo é samento joanino encontramos uma ín-
verdade na descrição de Lucas em Atos, tima conexão entre o parákletos e Jesus.
quanto à vinda do Espírito. Isto se torna Praticamente tudo aquilo que João afirma
ainda mais distintivo quando observamos deste personagem é dito de Jesus em outras
que a compreensão de Lucas da ascensão partes do evangelho. Em outras palavras, o
de Jesus partilha com João o conceito da relacionamento entre o primeiro parákletos
ressurreição (Jo 20:17). O Pai concede o [Jesus]31 e o segundo [o Espírito Santo] é
parákletos a pedido de Jesus (Jo 14:16), da dominante no quarto evangelho. Não é de
mesma forma que o Pai concede o Espírito surpreender que o Espírito seja chamado
Santo àqueles que O pedem (Lc 11:13). Se pelo próprio Jesus, como já visto, de “outro
o parákletos testemunha em favor de Jesus parákletos.” O detalhado e preciso para-
por meio do testemunho dos discípulos, lelismo entre o ministério do parákletos
assim é a vinda do Espírito Santo em Atos, e o ministério de Jesus é exato para ser
pois é precisamente Ele quem impulsiona entendido como mera coincidência. Assim,
os discípulos a falarem de Jesus e a de- uma vez que o parákletos pode vir apenas
monstrarem ao mundo que Deus O havia quando Jesus partir, o parákletos, para
ressuscitado. todos os efeitos, “é a presença de Jesus
quando Jesus está ausente”32 Não é possível
Verificamos um íntimo relacionamento deixar passar despercebido o fato de que
entre João 15:26, 27 e Atos 5:32: “Ora, nós no parákletos Jesus cumpre Sua promessa
58 / Parousia - 2º semestre de 2005

de voltar para Seus discípulos (Jo 18:14).


Percebemos, então, que de todas as funções
do parákletos nenhuma é mais central do
que a de continuar a obra de Jesus. Obser-
vemos as precisas semelhanças:

Desta forma, o paradoxo apresentado parákletos. De fato, a vinda do Paracleto é o


pela promessa de Jesus de que Sua obra na “retorno” de Jesus para os seus: Agora eles
terra continuará porque Ele irá para o Pai é estão nEle e Ele neles (Jo 14:20). Como J.
resolvido pelo Seu “retorno,” na pessoa do Louis Martyn observa:
O Espírito-parákletos no quarto evangelho / 59

Mas esta é uma união dramática desempe- não podem ser desconsiderados em nossa
nhada em um drama de dois níveis, de tal forma discussão, e de fato, respondem à questão
que ela cria uma crise epistemológica. O mundo,
suscitada anteriormente neste artigo, quan-
certamente, vê apenas um nível deste drama.33
to à razão pela qual João atribui o título
parákletos ao Espírito. O primeiro pro-
O mundo, devemos acrescentar, pode
blema tem a ver com a dificuldade criada
“ver” a tradição histórica de Jesus de Naza-
pela iminente morte da última testemunha
ré, uma figura do passado, cuja identidade
ocular, que constituía o último elo visível
pode ser debatida num formato midráshico,
entre a Igreja no final do primeiro século e
sem, contudo, perceber a atuação do Para-
Jesus de Nazaré.36 Como deveria a igreja
cleto, a qual torna Jesus contemporâneo e
reagir em face desta nova situação, quando
presente nos atos e palavras dos discípulos
o último vínculo com Jesus parecia estar
(Jo 14:17).
sendo cortado? Como enfrentar o perigo
Como observado acima, daquilo que dela mesma tornar-se uma instituição
João diz do parákletos em seu evangelho, auto-suficiente, desconectada de Cristo? O
é esta íntima relação entre Ele e Jesus que conceito do Espírito-parákletos responde a
emerge como o aspecto dominante. Não é esta questão. Se as testemunhas oculares,
de surpreender que alguns intérpretes che- como o próprio discípulo amado, haviam
guem a identificar o Espírito-parákletos, dado seu testemunho e guiado a Igreja,
como o “alter ego de Jesus”34 ou “o outro isto não fôra primariamente por causa da
Jesus.”35 Devemos observar, por um lado, conexão direta com Jesus. Uma vez que
que aquilo que o parákletos ensina ou reve- eles próprios não O haviam entendido (Jo
la não constitui algo novo. Ele relembra aos 14:9).
discípulos aquilo que Jesus havia ensinado.
Portanto, o testemunho apostólico não
Ele testemunha em favor de Jesus e O glori-
é válido porque estes apóstolos houvessem
fica, tendo com Jesus a mesma relação que
estado com Jesus, ou mesmo dependido da
Este tivera com o Pai. Assim como Jesus
compreensão que eles haviam tido dEle.
não falou de Si, mas apenas aquilo que o
A validade do testemunho deles depen-
Pai o ensinara (Jo 5:28). Da mesma forma
deu primariamente do parákletos, o qual
que Jesus glorificara o Pai (Jo 12:28, 14:13,
tomou, depois da ressurreição, o lugar de
17:14), o parákletos dá testemunho dEle,
Jesus, para que os discípulos pudessem
e O glorifica. Por outro lado, contudo, o
ser ensinados e relembrados de tudo o
gênio da obra do parákletos, como já su-
que Jesus ensinara. Os apóstolos foram
gerido, é que Ele não meramente repete ou
habilitados a testemunhar e interpretar
reencena Jesus. O parákletos reinterpreta
Jesus, precisamente porque eles haviam
Jesus, torna-O presente e permanentemente
recebido o parákletos. Este permanece
atual na Igreja. Jesus e a glória manifesta
com todos aqueles que amam a Jesus (Jo
em Seu ministério, morte e ressurreição,
14:17), mesmo depois do desaparecimento
não representam um período ideal no pas-
das testemunhas oculares. Assim, a morte
sado, quando o reino de Deus irrompeu
do último apóstolo não quebra a corrente
entre os homens, um período para o qual
entre Cristo e a Igreja, porque o parákletos,
seus discípulos olham com uma aura de
que havia ensinado aos primeiros apósto-
saudosismo. O parákletos não é apenas
los, continua com a Igreja, para guiá-la
um intérprete de Jesus, mas Aquele que O
em toda a verdade, e permanece com as
reatualiza e reinterpreta para cada geração,
contínuas gerações de discípulos. O parák-
tornando-O sempre atual, relevante e con-
letos é o verdadeiro vínculo entre a Igreja
temporâneo, não importando as mudanças
e Jesus Cristo. João enfatiza que a função
e variáveis do contexto.
de ensino do parákletos não envolve nada
Como R. Brown sugere, o quadro novo, como observado acima; entretanto,
joanino do Espírito-parákletos responde isto não significa mera repetição. O papel
a dois problemas importantes na própria do Espírito-parákletos é reinterpretativo,
composição do quarto evangelho, que tornando Jesus contemporâneo para as
60 / Parousia - 2º semestre de 2005

sucessivas gerações de discípulos37 . sonifica Cristo”. Mas desfazendo qualquer


confusão quanto à pessoa do parákletos, ela
O segundo problema que o conceito do
afirma: “Contudo, ele [o parákletos] é uma
parákletos joanino responde é a questão
personalidade distinta.”40
da demora da parousia. Na conclusão do
Evangelho de João (Jo 21:18-23), Pedro,
em diálogo com o Cristo ressuscitado, face Sumário e conclusões
à sugestão do tipo de morte que ele sofreria
(v. 18-19), vendo o “discípulo amado”, Qualquer que seja a origem final do
pergunta ao Senhor: “e quanto a este?” (v. termo parákletos, as linhas principais
21). Jesus, como em outras circunstâncias, de interpretação do conceito são estabe-
repreende a curiosidade quanto ao futuro, lecidas pelo próprio João no evangelho,
formulando uma pergunta hipotética “[e] e são suficientemente claras. Tais linhas
Se eu quero que ele permaneça até que eu de interpretação são perceptíveis se suma-
venha, que te importa?” (v. 22). A frase rizarmos as características do parákletos
“até que eu venha”, implica um evento no quarto evangelho como as estudamos,
futuro, juntamente com a possibilidade de e então considerarmos a forma com que
que este evento (a parousia) aconteceria João descreve como Jesus introduziu Suas
dentro do período de vida de João. O verso promesas acerca deste Personagem:
23 acrescenta uma frase chave: “Então se Em João 14:15-17, descobrimos que:
tornou corrente entre os irmãos o dito que (1) Jesus intercederá junto ao Pai e o Pai
aquele discípulo não morreria.” Isto forte- concederá outro parákletos; (2) este outro
mente sugere um quadro da Igreja no final parákletos estará com os discípulos para
do primeiro século, convivendo com os sempre, em aparente contraste com Jesus,
evidentes sinais da proximidade da morte que agora os está deixando; (3) o outro
de João, sem o cumprimento do esperado parákletos é o Espírito de Verdade; (4) o
retorno do Senhor.38 mundo não O vê ou conhece; (5) mas os
discípulos O conhecem, pois Ele perma-
Assim, como R. Brown observa, “a nece com eles (cf. 20:22); (6) o parákletos
ênfase joanina no Espírito-parákletos é o Espírito Santo (Jo 14:25 e 26); (7) Ele
como a presença de Jesus é a resposta do ensina os crentes todas as coisas e (8) trará
evangelista ao desencorajamento acerca da à lembrança dos discípulos tudo o que Jesus
demora do segundo advento”39 . O apóstolo ensinou; (9) o parákletos dá testemunho de
indica que a aparente demora da parousia Jesus (Jo 15:26-29); (10) quando o parák-
não deveria gerar solidão ou desencanto, letos vier, Ele acusará, julgará, e condenará
uma vez que Jesus já está presente com o mundo (Jo 16:5-11); (11) o parákletos
seus seguidores na pessoa do parákletos. não falará de Si, mas glorificará a Jesus,
Isto não significa negar o cumprimento dando testemunho dEle (Jo 16:12-15); e,
futuro do advento de Jesus, mas assegurar finalmente, (12) Ele ensinará aos crentes as
que, enquanto os cristãos aguardam este coisas vindouras. Deste esboço, e daquilo
glorioso evento, eles não precisam ser que discutimos ao longo deste artigo, é
vítimas do pessimismo escatológico, ou claro que o parákletos, embora Se pareça
gastarem suas energias em expectativas com Cristo e esteja intimamente ligado a
especulativas. Ao contrário, eles devem Jesus, é um outro consolador, cuja função
ser confortados pelo parákletos, o qual traz principal é continuar a obra de Cristo, não
Jesus a eles. Desta maneira, combinada podendo ser confundido quer com Jesus,
com outros aspectos de uma escatologia quer com o Pai.
parcialmente realizada no quarto evan-
gelho, a ênfase no parákletos sugere aos Outro aspecto observado é a clara con-
cristãos a permanente certeza da presença vergência e identificação entre o Espírito e o
de Jesus com eles. Ellen White belamente parákletos. Embora as cinco passagens que
sumariza esta ênfase: “O Espírito Santo é tratam do parákletos no quarto evangelho
o Consolador, em nome de Cristo. Ele per- possam ser consideradas uma unidade,
O Espírito-parákletos no quarto evangelho / 61

quando tomadas em conjunto, tais passa- uma pessoa. Uma pessoa distinta, mais ex-
gens são também consistentes com outras plicitamente afirmada no evangelho de João
referências ao Espírito nos evangelhos do que em qualquer outro lugar do Novo
sinóticos e livro de Atos. Particularmente Testamento. Uma pessoa distinta do Pai,
Mateus 10:20 (“visto que não sois vós quem pois, como vimos, Ele é enviado pelo Pai
falais, mas o Espírito do vosso Pai é quem (Jo 14:26), e como a lógica básica exige,
fala em vós”), e Marcos 13:11 (“Quando, ninguém envia-se a si mesmo; dado pelo
pois, vos levarem e vos entregarem, não vos Pai (14:16) e procedendo do Pai (Jo 15:26).
preocupeis com o que haveis de dizer, mas Distinto do Filho, pois Ele é enviado “em
o que vos for concedido naquela hora, isso nome do Filho”(Jo 14:26), enviado pelo Fi-
falai; porque não sois vós os que falais, mas lho (Jo 15:26), recebendo o que é do Filho
o Espírito Santo”), identificam a ajuda que (Jo 16:14), e é um “outro parákletos” (Jo
seria dada aos discípulos quando eles teste- 14:16). Não há também qualquer dificulda-
munhassem de Jesus em contexto forense, de real quanto à Sua personalidade. Ele não
e fizerem sua defesa em corte, em termos é meramente um dom impessoal ou poder
idênticos à ação do parákletos descrita no abstrato, um fôlego, nem é Ele uma metá-
quarto evangelho. fora a respeito de Jesus. Ele é uma pessoa
Sobretudo, este artigo, de certa forma, real, tão real quanto o próprio Cristo, cuja
concentrou-se no relacionamento entre presença na vida da Igreja, era e continua
Jesus e o parákletos, pois é precisamente sendo, tão crucial e crítica, a ponto de o
aqui que descobrimos a chave para o caráter próprio Jesus afirmar, com Sua fórmula de
crucial da missão dEle no evangelho joani- introduzir questões solenes: “Mas eu vos
no, respondendo questões cruciais enfren- digo a verdade: convém que Eu vá, porque,
tadas no final do primeiro século, mas com se Eu não for, o Consolador [parákletos]
projeções para toda a era cristã, até o final não virá para vós outros” (Jo 16:7).
dos tempos. Não é, portanto, acidental que O que poderia ser mais importante para
a primeira passagem contendo a promessa os discípulos do que a presença de Cristo
de Jesus quanto ao parákletos (Jo 14:16), com eles? Difícil como isto possa parecer,
seja seguida imediatamente pelo verso no aqui Jesus ensina claramente que a vinda
qual Cristo afirma: “Não vos deixarei ór- do parákletos era mais vantajosa para Seus
fãos, voltarei para vós outros” (v. 17-18). seguidores no período pós-cruz e ressurrei-
Jesus “retorna” para os discípulos por meio ção, do que a presença dEle mesmo. Assim,
do Espírito-parákletos, que é enviado para contrariamente às teorias antitrinitarianas,
permanecer com eles, depois que Jesus antigas e modernas, em relação ao Espírito
parte. Isto constitui a contribuição joanina Santo, não estamos diante de uma questão
quanto ao Espírito Santo: o parákletos superficial, uma luxúria interessante, mas
continua, no período pós-ressurreição, dispensável e de importância secundária,
reatualizando a presença de Jesus com e sujeita às especulações infundadas de
na Igreja, por meio da era cristã, até o fim teologias precárias. A crucial importância
dos tempos. É precisamente a presença do do Espírito Santo para a Igreja pode ser
Espírito-parákletos que impede que a Igreja percebida quando deixamos os evangelhos
se torne órfã, desconectada do seu divino e entramos no livro de Atos, e testemu-
fundador. É precisamente Ele que impede nhamos aí a realização daquilo que Jesus
que os cristãos se tornem poços de água profetizara do parákletos. Aqui entramos
estagnada. num novo mundo e sentimos o sopro de
O que é então o parákletos nas passa- uma brisa nova. Nas palavras de J. Ritchie
gens do quarto evangelho? Ele é o Espírito Smith, “em uma única hora, o Espírito
Santo, investido da função específica de operou nos discípulos a transformação que
continuar a presença de Cristo com os três anos de comunhão com Jesus não tinha
Seus discípulos. Ele não é meramente a efetuado”41. Seria, então, incompreensível
operação do poder divino no homem. Ele é que Jesus tivesse dito: “É para a vossa van-
62 / Parousia - 2º semestre de 2005

tagem que Eu vá...”? Seria incompreensível lógica fraca e razão finita, não dizemos,
por que o Espírito Santo seja vital para a irracionalmente, que cremos em três deu-
Igreja hoje, como foi no passado? Ou, seria ses e um deus, ou, em três pessoas e uma
difícil entender por que Satanás está tão pessoa, mas, logicamente, afirmamos que a
ativo, confundindo cristãos e obscurecendo Bíblia ensina um único verdadeiro Deus em
a compreensão deles sobre a pessoa e obra três Pessoas divinas: Pai, Filho e o Espírito
do Espírito Santo? Santo. Somos exortados a crer no que Deus
Finalmente, os cristãos não crêem na nos revela em Sua Palavra, mesmo que não
Trindade em função de qualquer dogma possamos entender isto plenamente, aqui e
inventado pela tradição ou concílios da agora. Assim, se por um lado não ousamos
Igreja. Da mesma maneira que eles não crer mais do que aquilo que nos foi reve-
descrêem dela porque vozes confusas e lado, por outro lado, não nos atrevemos
mal-informadas surgem com “fogo estra- a aceitar menos do que aquilo que nos é
nho” no altar do Senhor. Além de nossa ensinado nas Escrituras. Nossa consciência
está cativa e sujeita à Palavra.

Referências e de Suas verdades, seríamos forçados a deixar de


*Adotamos neste texto o termo parákletos trans- fora a maior parte das categorias bíblicas: criação,
literado do grego em vez de Paracleto, do latim. pecado, queda, eleição divina, existência de Satanás,
1
Para esta identificação em um período muito milagres, encarnação, graça, salvação, ressurreição
antigo da história do cristianismo, veja Shepherd of de Jesus, segundo advento, ressurreição dos mortos,
Hermas, Mandate iii. 4, comparando com v. 1-2, em apenas para citar algumas. Todas estas noções, em
Ante-Nicene Fathers (Eerdmans: Grand Rapids, MI, sua plenitude, encontram-se além de nossa razão
1976), 2:43. Tertuliano (160-225), em um período fraca e enferma. Ou será que, para sermos “lógicos”,
consideravelmente anterior a Nicéia, deu à Igreja a devemos também nos descartar delas?
sua linguagem da “Trindade,” e das pessoas dentro da 3
O ensino bíblico quanto à Trindade, ao longo
Trindade, distinguindo claramente a pessoa e obra do da história do cristianismo, tem se deparado com
Espírito Santo, do Pai e do Filho. Tertuliano identifica sérios desvios da ortodoxia, variando de ênfase e
o Paracleto/Consolador com o Espírito Santo, em. enfoques. Sabelianismo, monarquianismo modalista,
Against Praxeas xxv, vii-ix, Ante-Nicene Fathers, pneumatoquianismo, arianismo, macedonianismo
3:621, 603-604. e socinianismo são antigas noções unitarianas que
2
A doutrina da Trindade é dogma central da ressurgiram em tempos recentes entre os mórmons,
teologia cristã, isto é, que Deus existe em três pes- testemunhas de Jeová e Ciência Cristã, sem essen-
soas e uma substância. Esta doutrina, ao longo dos cialmente nenhuma novidade. Mas, como sabemos,
séculos, tem sido mantida pelos cristãos como um a mentira não morre fácil. Outras versões recicladas
mistério. Se, por um lado, ela não pode ser conhecida e pioradas têm surgido na periferia do adventismo
pela razão humana desajudada ou independente da do sétimo dia, maquiadas com retoques precários e
revelação, por outro lado, ela também não pode ser pouco criativos. Este é o caso de alguns panfletos e
plenamente demonstrada pela razão, mesmo depois folhetins que circulam em vários lugares e em sites
de ter sido revelada. Embora os cristãos afirmem da internet. Os livros A Divindade, que se apresenta
que tal mistério esteja acima da razão, ele não é, como uma “compilação de diversos autores,” e “Eu
contudo, contrário à razão, ou incompatível com e o Pai Somos Um”, de Ricardo Nicotra, caem nesta
os princípios do pensamento racional. Tem havido categoria: mal informados, sem solidez bíblica, teo-
em diferentes períodos da história do cristianismo lógica, histórica ou lógica simples.
os que, em arrogância, buscaram comprimir a Di- 4
W. F. Howard observa que João é “pela maio-
vindade dentro dos limites da fraca lógica e razão ria dos cristãos considerado o clímax da revelação
humanas, sem se aperceberem, talvez, de que quan- bíblica”. The Fourth Gospel in Recent Criticism
do pudermos entender Deus plenamente, seremos and Interpretation (London: The Epworth Press,
como Ele, e, portanto, já não precisaremos dEle. 1965), 3. Em volume posterior, Howard insiste que
Nas Escrituras nós não temos revelação absoluta, a teologia joanina “é a mais altamente desenvolvi-
apenas revelação necessária. Não sabemos tudo da do Novo Testamento”. Christianity According
sobre Deus. Não dizemos a Deus o que Ele deve to St. John (London: Duckworth, 1973), 19. Tal
ou não revelar de Si, mas em humildade e gratidão avaliação da importância do pensamento joanino
recebemos e aceitamos aquilo que Ele, em Sua graça para a teologia do Novo Testamento é comum entre
e sabedoria, decidiu revelar. Evidentemente, se lógica outros eruditos bíblicos. Embora possamos admitir
humana fosse o teste para nossa aceitação de Deus que, como geralmente observado, a teologia pau-
O Espírito-parákletos no quarto evangelho / 63

lina seja obviamente mais abrangente, prevalece a [Edinburgh, 1906], 90). Por outro lado, A.T. Robert-
compreensão de que “João é o Everest do estudo son, indiscutível autoridade no grego do NT, argu-
do Novo Testamento, tanto exegeticamente como menta com base na leitura de alguns manuscritos (por
teologicamente.” W. Boyd Hunt, “John’s Doctrine exemplo, Aleph B Vulg), que tou theou refere-se a
of the Spirit,” Soutthwestern Journal of Theology, Jesus, chamado aqui, como em outras partes do Novo
7/8, 1966, 45. A. M. Hunter defende a mesma idéia Testamento, de “Deus,” que derramou o Seu sangue
ao afirmar que nas mãos de João o evangelho é pelo Seu rebanho (Robertson, Introduction to Textual
reexpresso para satisfazer as necessidades de uma Cristicism of the N. T. A.[Nashville, Broadman Press,
comunidade espiritual mais ampla. “[João] buscou 1930], 189); veja, ainda, Robertson, Word Pictures in
uma [nova] categoria para expressar o significado do the New Testament, Vol. III, The Act of the Apostles
evangelho para todos os homens, judeus e gregos”. (Nashvile: Broadman Press, 1931), 353. Nas páginas
Introducing New Testament Theology (Naperville: 20 e 21 do seu “Eu e o Pai Somos Um”, Nicotra, com
SCM Book Clook, 1957), 150. Veja também C.K. o seu curioso método de perguntas circulares, capaz
Barrett, The Gospel According to St. John (Phi- de “provar” absolutamente qualquer coisa, indaga
ladelphia: The Westminster Press, 1978), 32, 49. quem é o Consolador. Citando então 2 Coríntios
Por outro lado, embora cristologia seja a ênfase 1:3 e 4, onde o apóstolo Paulo fala do “Deus de
primária do quarto evangelho, sua peneumatologia toda consolação, que nos conforta em toda a nossa
é reconhecidamente um dos seus maiores temas e tribulação,” ele conclui que Deus, o Pai é o Conso-
“uma das mais distintivas características do [quarto] lador. O argumento de Nicotra seria cômico, se não
evangelho” (ver Hunter, 25). De fato, o cristinaismo fosse trágico. Para dizer o mínimo, parece que para
“de acordo com João é interpretado em termos do Nicotra a Bíblia foi escrita em português. Embora
Espírito” (Hunt, 46). Paulo afirme que Deus, aparentemente em referência
5
Vincent Taylor, et. al., The Doctrine of the Holy ao Pai, nos consola, ele não está dizendo que o Pai
Spirit (London: The Epworth Press, 1938), 66. seja o parákletos, um título técnico, utilizado apenas
6
Raymond E. Brown, The Gospel According to no quarto evangelho para alguém que não é o Filho
John XIII-XXI (New York: Doubleday & Company, e também não é o Pai (veja acima, p. 53 e 54), e
1979), 1135. é claramente indentificado como sendo o Espírito
7
Na compreensão truncada de Nicotra, o Espíri- Santo (Jo 14:26). Além disto, devemos observar,
to Santo/Paracleto é ora confundido com Deus o Pai, ainda, que a tradução “Consolador” não esgota o rico
ora com Deus o Filho. O que realmente surpreende, significado do parákletos joanino e da complexidade
contudo, é a natureza precária dos argumentos. Ver, de Suas funções (veja abaixo). Finalmente, em Atos
por exemplo, sua interpretação de Atos 20:28 (“Eu e 9:31, é o Espírito Santo quem conforta.
o Pai Somos Um”, p. 19): “Atendei por vós e por todo 8
Como geralmente indicado, allos significa
o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu outro do mesmo tipo. C. K. Barret observa que,
bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual tomada adjetivamente, allov ou parákleton, pode
ele comprou com o seu próprio sangue.” Dando sua ser traduzido: Ele dará: (a) outro Paracleto, ou (b)
interpretação, Nicotra arremata: “No texto acima, outra pessoa para ser um Paracleto (ver Barret, The
Deus, através de Sua Palavra, está afirmando que o Gospel According to St. John, 461)
Espírito Santo comprou a igreja com o seu proprio 9
A palavra traduzida em português por “advo-
sangue. Sabemos que quem comprou a igreja com gado”, é derivada do latim advocatus, considerada
o Seu próprio sangue foi Jesus. Assim, não é difícil um dos equivalentes do termo grego parákletos (veja
perceber que Deus está chamando Jesus de Espírito Johannes Behen, Parakleto, Theologiacal Dictionary
Santo.” Fantástico, não fosse o caráter grosseiro do of the New Testament [Grand Rapids, MI, Eerdmans
argumento. No primeiro nível, o erro da conclusão 1979], 801). O texto de 1 João 2:1, no qual Jesus é
de Nicotra se explica por confusão gramatical, pura apresentado como exercendo um mistério interces-
e simples, ou, pior ainda, por má interpretação básica sor, como advogado, junto ao Pai, no céu, reflete, evi-
de leitura de textos. O pronome pessoal ele (que dentemente, um contexto legal. Para ampla discussão
“comprou com o seu próprio sangue”), não se refere sobre o significado de parákletos em 1 João 2:1, ver
ao Espírito Santo (na primeira parte da frase), mas a I. Howard Marshal, The International Comentary
Deus (aquele a quem pertence a Igreja), na cláusula on the New Testament: The Epistles of John (Grand
imediatamente anterior. Não fosse a apologia que Rapids, MI: Eerdmans), 118. F. F. Bruce observa que
Nicotra faz da ignorância para a leitura da Bíblia em 1 João 2:1, a “advocacia de Jesus é exercida na
(ver “Eu e o Pai Somos Um”, p. 9-13), ele poderia corte celestial.... [em João 14:16-17] está implícito
ter facilmente evitado este absurdo (ver F. F. Bruce que Ele [Jesus] tinha sido o advogado ou o parákletos
The Book of Acts [Grand Rapids, MI: Eerdmans, dos discípulos na Terra. Isto Ele inha sido realmente,
1980], 416, nota 59). Bruce discute o grego deste enquanto estivera com eles: Ele tinha sido o ajudador
texto, concluindo que a melhor leitura seria “por e o defensor deles, Aquele em cuja guia e apoio eles
meio do sangue do Seu próprio [idiou] filho.” Veja poderiam descansar; mas agora Jesus estava para
em suporte, J. H. Moulton, Grammar of NT Greek, I deixá-los. Ele havia estado com eles por um curto
64 / Parousia - 2º semestre de 2005

período de tempo, mas o ‘outro parákletos’... estaria mental, alvo, aspiração, busca” (Willian F. Arndt e
com eles permanentemente e não apenas com eles, F. Wilbur Gingrich, A Greek-English Lexicon of the
mas neles” F. F. Bruce, The Gospel of John (Grand New Testament and Other Early Christian Literatu-
Rapids, MI: Eerdmans, 1983), 302. re [Chicago: The University Press, 1957], 874). E
10
F. F. Bruce. 302. Ellen White, em vários textos, evidentemente, uma mera força não tem um “modo
concorre com esta noção de pensar, disposição mental, alvo,” ou “aspiração.”
11
Uma indicação da unidade de ação entre as No livro de Atos, em inúmeras referências, o Espírito
pessoas da divindade, Pai e Filho, é vista em João Santo é descrito em termos que indicam ser Ele uma
15:26, onde é o próprio Jesus quem envia o parák- pessoa: que fala (1:16, 8:29), proíbe (16:6), pensa
letos. O texto não deve ser visto como contrário (15:28); indica (20:28); envia (13:4); testemunha
a 14:26. Aqueles familiarizados, contudo, com a (5:32); arrebata (8:39); impede (16:7); contra Ele se
teologia medieval se lembrarão como a controvérsia mente (5:3); tenta (5:9); Ele pode ser resistido (7:5).
filioque proveu o ambiente para a divisão entre o A estas citações do livro de Atos podem ser acres-
cristianismo ocidental e oriental, em 1054. centadas incontáveis outras do Novo Testamento em
12
Tertuliano. Against Praxeas xxv, vii-ix, em geral. E, francamente, se a linguagem tem qualquer
Ante-Nicene Fathers, 3:621, 603-604. significado, é impossível compreender como tais
13
Ibid. Aqueles que defendem a insustentável evidências podem ser desconsideradas.
teoria de que Trindade é um dogma de Constantino, 15
Ékeinos em João 14:26, 15:26; 16:8 e 14;
posterior a Nicéia, deveriam melhor se familiarizar autós em 16:7.
com a história do Cristianismo. Referências à Trin- 16
Como indicado pela autoridade de Barret, esta
dade são abundantes em fontes insuspeitas, mais de é a leitura da “maioria dos manuscritos” embora
dois séculos antes do Concílio de Nicéia. Sugerimos alguns manuscritos omitam tó agion (ver Barret,
a leitura de alguns volumes: o reconhecido, J. N. 467).
Kelly, Early Cristian Doctrines (New York: Harper 17
Um exaustivo estudo sobre o termo parákle-
& Row, 1978), e Stanley M. Burgess, The Spirit & tos, do ponto de vista lingüístico e histórico, aparece
the Church: Antiquity (Peabody, Massachusetts: em Gerhard Kittel, ed., Theological Dictionary of
1984); Edmund J. Fortman, The Triune God, A His- the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
torical Study of the doctrine of the Trinity (Grand 1979), vol. V, 800-814. Ver também, M. Miguéns, El
Rapids: Baker, 1982); e ainda o recente, Roger E. Paráclito (Jerusalém, 1963); Para bibliografia exaus-
Olson e Christopher A. Hall, The Trinity, (Grand tiva no tópico, veja Barret, The Gospel According to
Rapids, MI: Eerdmans, 2002). Estas obras focalizam John, 462. Veja, ainda, sobre a palavra parákletos de
o testemunho do cristianismo primitivo quanto à vários autores, Journal of the theologial Society, new
pessoa e obra do Espírito Santo, a partir do final do series I (1950): 7-15; J. G. Davies, idem, 4 (1953):
primeiro século. 35-38; G. Bornkam, idem, 68-89, 90-103.
14
Como geralmente reconhecido, os três atribu- 18
O. Betz, por exemplo, examina uma série de
tos primários da personalidade são: mente/intelecto, palavras usadas em Qumran para descrever pessoas
emoções e vontade. Mera “força” ou “influência” ou com funções semelhantes àquelas do parákletos no
ruach/pneuma em sentido de fôlego, não possui estes quarto evangelho, sem, contudo, estabelecer que
atributos. Claramente em João, bem como em uma qualquer destas palavras representem um equivalente
outra enorme variedade de textos das Escrituras, o real. Der Paraklet (Leidenm, 1963), 137, citado por
Espírito Santo exibe tais atributos. A “mente” do Es- J. Louis Martyn, History & Theology in the Fourth
pírito Santo, por exemplo, é claramente mencionada Gospel (Nashville: Abingdon, 1979), 144. Para al-
em 1 Cor. 2:10 “...porque o Espírito a todas as coisas guns intérpretes, o termo grego foi transliterado para
perscruta, até mesmo as profundezas de Deus.” A o hebraico e aramaico (Veja Barret, 462)
palavra grega traduzida aqui por “perscruta” significa 19
R. Brown, The Gospel According to John,
“cuidadosa investigação, exame minucioso.” O Es- 1136.
pírito, com Sua mente investiga as coisas de Deus, e 20
Para bibliografia neste ponto veja Barret,
as torna conhecidas por revelação (o mesmo verbo é ibid., 462
usado em João 5:39, “examinai as Escrituras...” como 21
Para C.K. Barret, o significado de parákletos
uma atividade possível apenas a pessoas). Devemos no Evangelho de João é melhor configurado consi-
observar que em Romanos 8:27 direta referência é derando-se o uso de parakalein e outras palavras
feita à mente do Espírito: “E aquele que sonda os cognatas no Novo Testamento (The Gospel of John,
corações sabe qual é a mente do Espírito...” Aqui é 462). Encontramos, assim, uma considerável varie-
Deus o Pai quem perscruta a mente do Espírito. No- dade de significados atribuídos ao parákletos. (1)
vamente o mesmo verbo é utilizado. Como observa o Como forma passiva de parakalein, em seu sentido
altamente respeitado Arndt e Gingrich, em Lexicon of elementar (“chamar para o lado de”), significando
the New Testament, a palavra traduzida por “mente” “alguém que é chamado ao lado para ajudar;” assim,
neste verso significa, “modo de pensar, disposição um advogado, como no famoso texto de Tetuliano,
O Espírito-parákletos no quarto evangelho / 65

“Paracletus, id est advocatus ad exorandum judi- dos discípulos.


cem” (Tertuliano, De jejunio, 13). Em algumas das 22
A idéia do parákletos como Ajudador é afirma-
antigas versões latinas, advocatus, é uma tradução da em relação ao Espírito Santo em Romanos 8:26,
literal deste sentido. Freqüentemente esta interpre- onde Espírito “ajuda em nossas fraquezas.” “Ajudar”
tação aparece combinada com o quadro extraído aqui é o termo grego composto suvavtilambanomai,
de outras referências do Novo Testamento, onde o que aparece apenas em Lucas 10:40, quando Marta
Espírito Santo age em defesa dos discípulos, quando pede a Jesus que mande Maria “ajudá-la”. Nestas
estes são colocados em julgamento (Mt 10:20, At duas únicas ocorrências, o verbo é utilizado em
6:10). Assim, o parákletos se torna um advogado relação a pessoas.
de defesa, o que sugere uma dimensão forense à Sua 23
Brown, pág. 1139.
obra. Tal função é evidente em João 15:26, onde o 24
Ver W. Howard, Christianity According to
parákletos atua como testemunha no julgamento John, 71-72.
de Jesus. O. M. F. Berrouard acrescenta que “O 25
A literatura tratando do Espírito Santo no
parákletos [também] é o defensor de Cristo diante quarto evangelho é extensa. Veja o clássico Henry
da consciência dos crentes” (Jean xvi.8-11, R.S.P.T. Barclay Swete, The Holy Spirit in the New Testament
xxxiii [1949], 361-389). Devemos ter em mente, (Grand Rapids, MI: Baker, 1976), 143 em diante.
ainda, que o contexto das passagens relacionadas Para introducão à farta bibliografia veja W. Boyd
ao parákletos indicam que os discípulos enfrentarão Hunt, “John’s Doctrine of the Spirit,” 43-65.
perseguição (Jo 15:18-25; 16:1-3, 32; 18:15), e em 26
Mateus 28:19, contendo a fórmula batismal
tais situações o parákletos os ensinará o que dizer, trinitariana, representa uma das mais sérias evidên-
o que reforça o aspecto forense de Sua obra. (2) Em cias quanto à doutrina bíblica da Trindade, uma das
sentido ativo, refletindo parakalein, em seu signifi- razões pelas quais Tertuliano utilizou a palavra latina
cado de “interceder, apelar,” daí um intercessor, um trinitas, para descrever a divindade. O grego, neste
mediador, um representante. Em João 15: 13-14, o texto, é de clareza inconfundível: o batismo é para
parákletos é um representante do ausente Cristo. A ser administrado em um nome, não em três, o que
maioria dos Pais Gregos entendeu o parákletos como implica considerável noção de unidade. Contudo, o
um intercessor, embora alguns traduzam a palavra batismo é para ser realizado em nome de: o Pai, e o
como “consolador” (veja Miguéns, 213). O Espírito Filho e o Espírito Santo. Deve-se notar que cada um
Santo é claramente um intercessor em Romanos dos três substantivos está conectado pela conjunção
8:26. Mas todo o contexto aqui tem que ver com as grega kai (“e”) com o artigo definido, denotando, por
orações dos santos, das quais o Espírito se torna o outras construcões gramaticais semelhantes no Novo
intérprete. Assim, por meio do Espírito Santo, Deus Testamento, três pessoas distintas. Seria inconcebível
o Pai, ouve aquilo que nós não poderíamos dizer por falar-se em Mateus 28:19 de duas pessoas e uma
nós próprios; pelo Espírito Ele “aceita aquilo que influência, ou fôlego, como quer Nicotra em relação
Ele mesmo tem a oferecer” (Karl Barth, The Epistle ao Espírito Santo. A gramática e a lógica simples-
to the Romans [London: Oxford University Press, mente não permitem tal uso. Curioso é que mesmo
1968], 317. (3) Algumas traduções vertem o parák- a Tradução Novo Mundo, a Bíblia das Testemunhas
letos como um “ajudador,” um “amigo,”como, por de Jeová, tendenciosa em seu unitarianismo, é abso-
exemplo, na Tweentieth Century Translation, Mo- lutamente silente quanto a este texto de Mateus. Tal
ffatt, Goodspeed, etc. (4) Em sentido ativo, refletindo a força da passagem, que não encontramos nenhum
parakalein, como “confortar,” daí “confortador/ apendix, comentário, ou nota de rodapé em Mateus
consolador.” Isto é refletido nas versões Antiga La- 28:19, oferecedo qualquer “explicação” jeovista
tina, Lutero e Wycliffe, traduzindo parákletos como para a lúcida e transparente implicação dele para o
“consolator.” O elemento de consolação aparece no cardinal ensino cristão da Trindade. Ver Robert H.
contexto do último discurso (Jo 14:18,17; 16:16, Countess, The Jehovah’s Witnesses’ New Testament,
20-22). Assim, embora “confortador” não seja uma A Critical Analysis of the New Word Translation of
tradução adequada de parákletos, a palavra lança the Christian Greek Scriptures (Phillipsburg, NJ.:
luz em uma faceta do papel dele. (4) Relacionado Presbyterian and Reformed, 1987), 72-73. Entre
com paraklesis, isto é, exortação e encorajamento, os antitrinitarianos adventistas, porém, tornou-se
encontrado na pregação do testemunho apostólico. comum argumentar contra a autenticidade de Ma-
C. K. Barret (“The Holy Spirit in the Fourth Gospel,” teus 28:19 (Ver Nicotra, “Eu e o Pai Somos Um”).
J.T. S. I [1950]:1-15), sugere que o parákletos pode Novamente, a desinformação é o grande problema de
ser o título do Espírito, o qual falou na paraklesis Nicotra. Alberto Timm trata em seu artigo, nesta edi-
(admoestação/advertência/consolação) apostólica, ção de Parousia, minunciosamente quanto à auten-
como em Atos 9: 31, uma referência à Igreja andando ticidade deste texto. Aqui é suficiente referir-nos ao
na paraklesis do Espírito Santo. Em João, embora o testemunho de alguém do porte de Alfred Plummer,
termo paraklesis não seja utilizado, há muito que se em seu indisputável comentário: “Quanto à questão
ajusta à sugestão do parákletos como mestre e guia da genuinidade deste verso [Mt 28:19], podemos
66 / Parousia - 2º semestre de 2005

responder com a mais absoluta confiança: a passagem o Espírito não tem realidade concreta porque ruach/
é encontrada em cada Manuscrito Grego existente, pneuma no homem significa apenas o seu folêgo/
quer uncial ou cursivo e cada versão existente que vento, Nicotra será forçado a admitir que Deus o
contenha esta porção de Mateus.” (Alfred Plummer, Pai não tem realidade concreta, uma vez que as
Exegetical Commentary on the Gospel According to Escrituras afirmam que “Deus é espírito [pneuma]”
St. Matthew [Grand Rapids, MI: Baker, ed. 1982], (Jo 4:24). O mesmo é verdade em ralação aos anjos
431). Plummer avança para desacreditar toda a teoria claramente identificados como “espíritos [pneumata]
criada em torno da forma como Eusébio de Cesareia ministradores” (Hb 1:14). O que dizer dos espíritos
utilizou o famoso texto de Mateus (ibid., 432). [pveumatwv] malignos/imundos, na enorme quan-
27
Ver 1 Coríntios 12:4-6 (“O Espirito é o mes- tidade de textos bíblicos? (ex.: 1Sm 16:14-15; 1Rs
mo... O Senhor é o mesmo... Deus é o mesmo;” Estas 22:23; Mt 10:1; Mc 1:23-27; 5:2-20; Lc 7:21, etc.).
são reproduções fiéis do grego. Como em Mateus há Ou será que eles também não têm realidade concreta,
um paralelismo triúno de três substantivos, tal parale- porque são descritos como ruach e pneuma? Nicotra e
lismo seria destruído e perderia o seu sentido, se dois seus seguidores deveriam considerar que as palavras,
dos nomes são pessoas e o outro, um mero fôlego/ em qualquer língua, particularmente no hebraico e no
força/influência. Em 2 Coríntios 13:13 encontramos grego, podem ter significados diferentes, dependendo
o que tem sido chamado de bênção trinitariana: a do seu contexto. A estatística torna evidente que a pa-
imerecida graça do Senhor Jesus, e o amor de Deus lavra “espírito” (ruach) aparece 389 vezes no Antigo
e a comunhão do Espírito Santo. Como em Mateus Testamento. Em 113 destes casos, o termo significa
e 1 Coríntios, mencionados acima, o artigo está vento, 136 vezes ele designa o Espírito de Deus, e
presente antes de cada nome. Paulo tem em vista três em 116 casos ele significa o espírito/fôlego do ho-
entidades distintas. Além disto, cada artigo está na mem; 10 vezes ruach se refere a animais, 3 vezes a
forma genitiva singular – tou, embora o substantivo ídolos (Ver Herman Brandt, O Espírito Santo [São
“espírito” seja neutro (masculino e neutro são idên- Leopoldo, RS: Sinodal, 1985], 124). Esta diversidade
ticos, no genitivo singular). Veja Robert H. Coutess, de usos, sugere, de início, cautela na interpretação de
72-73. O mesmo modelo trinitariano encontramos na “ruach”; do contrário, o termo pode ser reduzido a
introdução da carta aos Efésios (Ef 1:3, 5, 13). Para uma mera dimensão antropológica, obscurecendo o
uma introdução à Trindade em Paulo, veja Edmund fato de que, por sua natureza complexa, ruach deve
J. Fortman, The Triune God, 16 em diante; ver, ainda, ser visto, como indicado por H.W. Wolff, como uma
Alasdair I. C. Heron, The Holy Spirit, (Philadxelphia: “noção teo-antropológica” (H.W. Wolff, Antropolo-
The Westminstr Press, 1983), 44-ss. gia do Antigo Testamento [São Paulo, SP: Loyola,
28
Os primeiros discípulos eram tanto arautos das 1975], 52). Para uma significativa discussão sobre
boas novas como testemunhas delas, e isto não por a variedade de significados das palavras ruach e
iniciativa própria. Mas testemuhas sob a direção da pneuma, veja Alasdair I. C. Heron, The Holy Spirit,
Testemunha Divina, o Espírito Santo. Comunicado (Philadelphia: The Westminster Press, 1983), 3-38.
por Deus a todos os que obedecem o evangelho. 31
Embora Jesus tenha se tornado um parákletos
“Nestas palavras temos a marca da consciência no céu, indo para o Pai, depois da Sua ascensão,
apostólica de serem possuídos e habitados pelo como indicado em 1 João 2:1, as funções do Espírito-
Espírito, de tal forma que eles foram o Seu órgão parákletos são paralelas em cada detalhe em relação
de expressão,” afirma F. F. Bruce, The Book of Acts, ao ministério terreno dEle [Jesus]. Este segundo
32. Bruce, então, faz neste contexto, a conexão com paracleto faz precisamente o que Jesus fez (ensi-
João 15:26 e 27: “Quando, porém, vier o Paracleto, nando, testemunhando contra o mundo, guiando, e
que eu vos enviarei da parte do Pai, O Espírito da ajudando os discípulos). A conclusão de que Jesus
verdade que dele procede, esse dará testemunho de foi o “primeiro Paracleto” em seu ministério terreno
mim, e vós também testemunhareis, porque estais parece inevitável.
comigo desde o princípio.” 32
Brown, 128.
29
R Brown, 1.140. 33
Martyn, History & Theology in the Fourth
30
Nicotra tenta justificar seu antitrinitarianismo Gospel, 150.
afirmando que o Espírito (ruach/pneuma), é apenas o 34
Ver F. F. Bruce, The Gospel of John, 302.
fôlego de Deus, como no caso do homem e, portanto, 35
Ver Herschel H. Hobbs, “Word Studies in the
impessoal (ver “Eu e o Pai Somos Um”). Além do Gospel of John”, em Soutwestern Journal of Theo-
caráter precário deste tipo de teologia, que busca logy, 37 (1985), 78.
explicar Deus a partir do homem, revertendo ao ab- 36
Alguns eruditos bíblicos mantêm que um dos
surdo de tentar “criar Deus à imagem e semelhança propósitos do quarto evangelho foi demonstrar a
do homem”, (como no famoso dito de L. Feuerbach, verdadeira conexão entre a vida da Igreja no final do
“O homem criou Deus segundo a sua imagem”, ainda primeiro século com o já distante Cristo. Eles consi-
hoje muito estimado pela propaganda ateísta), tal deram o evangelho como uma tentativa de neutralizar
teologia não passa num teste simples de lógica. Se o perigo de a igreja tornar-se, em si mesma, um tipo
O Espírito-parákletos no quarto evangelho / 67

de salvador, suficiente em si própria. Assim, o quarto Em outras palavras o parákletos não foi privilégio
evangelho busca enfatizar a necessidade de fé em apenas dos doze ou da igreja apostólica. Aqueles são
Jesus, e demonstrar através de atos simbólicos, que apenas modelos, tipos, daquilo que cada discípulo de
a Igreja está diretamente relacionada com o Senhor. Cristo, através da era cristã, deve ser. O parákletos
Daí, concluímos, a ênfase no parákletos, como o não é, ainda, privilégio exclusivo de qualquer grupo
verdadeiro vínculo entre a vida da Igreja e Jesus. dentro da Igreja. Em 1 João 2:20, 27, o apóstolo
37
O ato do parákletos de “relembrar” (upo- amplia a função de ensino do Espírito Santo: “E vós
mimvnskeiv), aos discípulos, participa no caráter possuís unção que vem do Santo e todos tendes co-
da avamvnsis bíblica, isto é, a reinterpretação de nhecimento... a unção que dEle recebestes permanece
maneira viva. O próprio Evangelho de João pode em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos
ser considerado um perfeito exemplo de como ensine, mas com a sua unção vos ensina a respeito
Ele exerceu Seu ministério de guiar os homens de todas as coisas...”
na verdade das palavras e atos de Jesus. O quarto 38
O elemento de ligação entre João 21:18-23 e os
evangelho representa a melhor demonstração da propósitos da composição do quarto evangelho foi
ação do parákletos, uma vez que aí, João é guiado a trazido à minha atenção por Wilson Paroschi.
reintepretar os desdobramentos e profundas impli- 39
Brown, 1.131.
cações das palavras e atos de Jesus, em um período 40
White, 20 Marnuscript Release, 324.
já consideravelmente distante do ministério histórico 41
J.Ritchie Smith, The Holy Spirit in the Gospels
de Jesus. Desta forma, o evangelho joanino é o me- (New York: The Macmillan Company, 1926), 298.
lhor exemplo, ou mesmo o exemplo ideal, do papel Smith foi um professor em Princeton, particularmen-
do parákletos. Ao mesmo tempo, devemos ter em te interessado na teologia joanina. Seu livro pode
mente que a obra do parákletos não está confinada parecer antigo, mas sua compreensão é equilibrada
ou restrita ao testemunho do discípulo amado, ou a e judiciosa.
qualquer outra das testemunhas primitivas de Cristo.
69

Resenha crítica do livro


‘Eu e o Pai Somos Um’
Alberto R. Timm, Ph.D.1
Professor de Teologia Histórica no Salt, Unasp, Campus Engenheiro Coelho, e diretor do Centro
de Pesquisas Ellen White - Brasil

Resumo: O presente artigo provê uma Introdução


resenha crítica do livro antitrinitariano “Eu Muitos cristãos preferem hoje acreditar
e o Pai Somos Um”, 2ª ed. (São Paulo: Mi- em um Deus mais imanente e explicável,
nistério Bíblico Cristão, 2004), de autoria de recriado à própria imagem e semelhança
Ricardo Nicotra. Após a menção de alguns humanas, do que no Deus transcendente
antecedentes históricos, o artigo analisa e infinito, como revelado nas Escrituras
criticamente a referida obra da perspectiva (Rm 11:33). A própria essência da religião
da relevância do tema abordado, do uso de cristã tem sido desafiada por diferentes
fontes bibliográficas, das pressuposições do teorias que questionam a doutrina bíblica
autor, dos recursos retóricos empregados, da Trindade e tentam redefinir a natureza
dos princípios de interpretação sugeridos e de Deus. Várias dessas teorias são analisa-
das interpretações pessoais do autor. Entre das criticamente na obra God under Fire:
as interpretações pessoais analisadas se Modern Scholarship Reinvents God (2002),
encontram a preservação das Escrituras, editada por Douglas S. Huffman e Eric L.
o conceito bíblico de mistério, a teoria da Johnson.2 Lamentavelmente, porém, desde
“Bindade”, o Filho gerado, a emanação a década de 1990 algumas dessas teorias
do Espírito divino, o parákletos divino, o vêm se infiltrando também em círculos
trono do Espírito Santo e a autenticidade adventistas cuja suposta crença na inspira-
de Mateus 28:19. ção dos escritos de Ellen G. White parecia
mantê-los imunes a elas.
Abstract: The present article provi-
des a critical review of Ricardo Nicotra’s Os dissidentes antitrinitarianos adven-
anti-Trinitarian book titled “Eu e o Pai tistas contemporâneos pretendem restaurar
Somos Um” [“I and My Father Are One”], os ensinos antitrinitarianos dos pioneiros
2nd ed. (São Paulo: Ministério Bíblico adventistas,3 mas diferem radicalmente de-
Cristão, 2004). After a few historical- les no que diz respeito à confiabilidade nas
background remarks, this article presents Escrituras. Os pioneiros adventistas criam
a critical analysis of that book from the que os manuscritos originais da Bíblia e de
perspective of the relevance of the subject Ellen G. White são plenamente confiáveis
under consideration, the use of bibliogra- em todos os seus ensinos,4 pois Deus os
phical sources, the author’s presupposi- preservou e ainda os preserva livres de
tions, the use of rhetorical devices, the interpolações heréticas, em suas línguas
suggested principles of interpretation, and originais. Já os atuais antitrinitarianos não
the author’s private interpretations. The se constrangem em questionar a integrida-
private interpretations analyzed include the de dos escritos inspirados, alegando que
preservation of the Scriptures, the biblical estes foram distorcidos pelo acréscimo de
concept of mystery, the “Binity” theory, the interpolações heréticas com o propósito
generated Son, the emanation of the Holy de apoiar a doutrina supostamente “anti-
Spirit, the divine parákletos, the throne bíblica” da Trindade. Se esse fosse o caso,
of the Holy Spirit, and the authenticity of então nem a Bíblia e nem os escritos de
Matthew 28:19. Ellen G. White poderiam ser considerados
plenamente confiáveis.
70 / Parousia - 2º semestre de 2005

Em resposta às alegações antitri-nita- ele. As páginas indicadas entre parênteses,


rianas, a Review and Herald Publishing ao longo do conteúdo básico do presente
Association publicou em 2002 a obra artigo, se referem sempre à paginação da
de 288 páginas intitulada The Trinity, de 2ª edição do livro “Eu e o Pai Somos Um”
autoria de Woodrow Whidden, Jerry Moon em que as respectivas informações mencio-
e John W. Reeve.5 O livro foi traduzido e nadas podem ser encontradas.
lançado em língua portuguesa, pela Casa
Publicadora Brasileira, sob o título A Trin- Antecedentes históricos8
dade (2003).6 A obra ajudou muitas pessoas
a entender melhor, não apenas as raízes Ricardo Nicotra, filho de João Nicotra e
históricas das discussões contemporâneas, Maria Garcia Nicotra, nasceu no dia 28 de
mas também o embasamento da doutrina da dezembro de 1972 em São Paulo, SP. Na-
Trindade na Bíblia e nos escritos de Ellen quela cidade estudou Matemática (1989);
G. White. Mas a circulação desse livro graduou-se em Ciências da Computação
acabou desafiando alguns antitrinitarianos (1990-1993); freqüentou por dois anos
brasileiros a publicar suas próprias idéias um curso de Administração de Empresas
de maneira mais contundente e acusatória, (1994-1995); concluiu um programa de
tentando responder a alguns dos argumen- MBA (2003-2004); e freqüentou ainda por
tos apresentados em A Trindade e descon- um semestre a Faculdade de Direito (2005).
siderando a muitos outros. Sua carreira profissional inclui passagens
por algumas empresas multinacionais e
Uma das publicações antitrinitarianas instituições bancárias. Em setembro de
que apareceram no Brasil, após o lança- 2005 mudou-se para Washington, DC, onde
mento de A Trindade, foi o livro de 108 passou a exercer a função de Consultor
páginas intitulado “Eu e o Pai Somos de Sistemas do Banco Interamericano de
Um” (2004), de Ricardo Nicotra.7 O título Desenvolvimento (BID).
aparece grafado entre aspas no original
por ser uma expressão bíblica extraída de Como filho de família adventista, Ni-
João 10:30. Publicado pelo assim chamado cotra foi batizado na Igreja Adventista do
“Ministério Bíblico Cristão”, o livro foi Sétimo Dia do Ipiranga, São Paulo, em 4
impresso em Contenda, Paraná, na gráfi- de dezembro de 1982 pelo pastor Edgard
ca do Ministério 4 Anjos, ministério este da Silva Pereira. Naquela igreja, exerceu as
que compartilha das mesmas idéias. Além funções de professor dos Juvenis, diretor
disso, o livro foi também disponibilizado de Jovens Adventistas, diretor de Ação
em alguns websites antitrinitarianos. Com Missionária e diretor da Escola Sabatina.
um estilo simples, retórico e homilético, Em setembro de 1993, passou a freqüentar
o conteúdo de “Eu e o Pai Somos Um” é o recém-formado grupo adventista de São
de fácil compreensão e auto-elucidativo, João Clímaco, onde exerceu as funções de
podendo-se detectar com facilidade suas pianista do Coral e da congregação, bem
inconsistências. Mas diante de freqüentes como diretor e tesoureiro. Quando a con-
solicitações de uma resposta mais detalhada gregação foi organizada como Igreja, Nico-
ao conteúdo do livro, julgamos convenien- tra passou a ser um dos anciãos. A primeira
te preparar e publicar a presente análise sede do grupo era num imóvel alugado, e
crítica. a sede própria só foi comprada em 1996.
O valor pago pelo terreno e pelo prédio
É difícil avaliar precisamente quanto foi de aproximadamente R$ 67.000,00. O
das idéias de “Eu e o Pai Somos Um” são caixa da Igreja dispôs de R$ 25.000,00, a
de fato originais do autor. Mas, como o Associação Paulistana contribui com R$
próprio livro identifica a Ricardo Nicotra 5.000,00, o pastor Voltaire Cavalieri com
como o seu autor, assumimos no presente aproximadamente R$ 10.000,00 e o valor
estudo que todas as idéias não devidamente restante foi parcelado com notas promissó-
creditadas a outras fontes são de sua própria rias. Nicotra pagou com recursos próprios
autoria ou, pelo menos, endossadas por as notas no valor de R$ 10.000,00, e ao
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 71

longo dos dois anos seguintes a igreja local inauguraram a nave da nova igreja com
reembolsou esse valor. capacidade para 100 pessoas, com o nome
de “Igreja Cristã Bíblica Adventista”, com
Insatisfeito com o valor doado pela As-
sede no Jardim Vera Cruz. Em setembro
sociação local, Ricardo pesquisou o Livro
de 2005 o grupo contava com aproxima-
de Praxes da Divisão Sul-Americana9 e
damente 50 membros, mas a mudança de
começou a questionar os relatórios finan-
Nicotra para os Estados Unidos acabou
ceiros da Associação local e a estrutura ad-
enfraquecendo o grupo.
ministrativa da igreja em geral, por meio de
artigos na Internet e chats adventistas. Por Em 2002, as idéias antitrinitarianas
causa das suas críticas, foram convocadas passaram a ser propagadas mais enfati-
duas reuniões para tratar do assunto, uma camente no Brasil pela Internet. No ano
na Igreja de São João Clímaco e outra na seguinte (2003), o grupo dissidente que já
sede da Associação Paulistana. Na segunda se reunia na casa do sr. Mário começou a
reunião estiveram presentes os pastores Le- discutir se deveria ou não tomar alguma
onício Lisboa, departamental de Mordomia posição sobre o assunto. No final daquele
(hoje também chamado de Ministério da ano, Nicotra começou a pesquisar mais
Fidelidade); Jetro Ferreira da Silva, secre- detidamente o tema, e passou a aceitar tais
tário Ministerial; e Valter da Silva Araújo, idéias. Já em 2004 ele publicou o livro
pastor distrital. Nicotra solicitou um rela- “Eu e o Pai Somos Um”, cujo conteúdo é
tório simplificado das entradas e saídas da o objeto básico da análise crítica provida
Associação, mas não foi atendido, o que no presente artigo.
gerou mais críticas de sua parte.
Entre 1998 e 1999, Nicotra fundou o Relevância do tema
Movimento de Obreiros Voluntários Ad- O livro “Eu e o Pai Somos Um” reflete
ventistas (Mova) que arrecadava doações a compreensão de Ricardo Nicotra sobre
de membros da Igreja Adventista para Deus, com especial ênfase em sua interpre-
financiar obreiros bíblicos. Ele canalizava tação do inter-relacionamento entre o “Pai”
o seu próprio dízimo para o referido mo- (pessoa), o “Filho” (pessoa) e o “Espírito
vimento, que continuaria apenas até abril Santo” (apenas espírito). Sem questionar-
de 2000. O nome de Ricardo Nicotra foi mos ainda a validade dessa interpretação,
removido do rol de membros da Igreja de podemos dizer que o tema sobre o qual o
São João Clímaco em 11 de dezembro de autor escolheu dissertar é de suprema rele-
1999, época em que Valter da Silva Araújo vância teológica, histórica e escatológica.
ainda era o pastor distrital. Nicotra ficou Da perspectiva teológica, devemos reco-
aguardando a comunicação por escrito da nhecer que o conhecimento experiencial
igreja sobre sua exclusão, mas isso não de Deus é não apenas o mais importante
ocorreu. Ele solicitou então sua readmissão conhecimento que seres humanos podem
como membro, com direito a uma reunião obter (Pv 9:10), mas também a própria
plenária com a igreja local para expor sua condição para a vida eterna (Jo 17:3). No
defesa. Isso não lhe foi concedido, mas ele entanto, como um dos pilares da fé cristã,
a continuou freqüentando até 2001. o assunto da natureza de Deus deve ser
Em 14 de julho de 2001 ele começou tratado com o máximo de reverência e de
a freqüentar reuniões na casa de Mário cuidado possíveis, permitindo que a razão
Ângelo Fragnan, no Jardim Vera Cruz, São e a lógica humana se curvem diante da
Paulo, com um grupo de aproximadamente revelação divina.
20 ex-membros da Igreja do Parque São Já a importância histórica deriva do fato
Rafael, São Paulo. Em julho de 2003, esse de este ter sido o tema central de muitos
novo grupo comprou um terreno para a debates teológicos dos primeiros séculos
construção de uma igreja e, em julho de da Era Cristã. O assunto mereceu atenção
2004, começou a congregar no prédio especial também dos adventistas do sétimo
ainda inacabado. Em 16 de julho de 2005 dia entre o final do século 19 e o início do
72 / Parousia - 2º semestre de 2005

século 20. A despeito de toda a literatura o livro “Eu e o Pai Somos Um”.
já produzida sobre o assunto, esta é, sem
dúvida, uma questão cíclica que tem sido Uso de fontes
debatida em outros momentos da história
cristã, e que ressurgiu em anos recentes Fundamental para se entender um livro
também em alguns círculos adventistas. controvertido como o “Eu e o Pai Somos
Como parte dos debates teológicos con- Um” é a identificação crítica das fontes
temporâneos, o tema merece ser analisado bibliográficas usadas pelo autor. Essa
em mais profundidade, de modo a prover identificação permite que se tenha uma
respostas convincentes a todos aqueles que noção mais precisa e acurada, não apenas
sincera e honestamente indagam a respeito do grau de atualização e familiaridade bi-
da razão de nossa fé (cf. 1Pe 3:15). bliográfica do autor, mas também das obras
que ele reconhece como mais autoritativas
Em face à relevância teológica e histó- e abalizadas na área. Deve-se reconhecer,
rica da doutrina de Deus, é de se esperar no entanto, que alguns autores adventistas,
que ela assuma também uma importância mesmo crendo em Ellen G. White, evitam
escatológica nos conflitos finais entre a mencionar seus escritos ao público não ad-
verdade e o erro, que se intensificarão ventista, a fim de minimizar preconceitos.
antes da segunda vinda de Cristo (ver 1Tm Mas como o livro “Eu e o Pai Somos Um”
4:3, 4). A pergunta básica nesses conflitos tem circulado basicamente entre pessoas
é: Quem é digno de adoração? – a besta adventistas e ex-adventistas, cremos que
ou Deus (Ap 13:12; 14:7, 9-12)? Não é de essa precaução não se aplica a ele.
surpreender, portanto, que nestes últimos
dias Satanás procurará confundir a mente É provável que no processo de pesquisa,
dos “próprios eleitos” a respeito da natu- Nicotra tenha consultado outras fontes não
reza de Deus (cf. Mt 24:24). Além disso, mencionas explicitamente em seu livro.
como o assim chamado “alfa da apostasia” Mas, além de diferentes versões do texto
envolvia a negação da personalidade de bíblico, o autor se limita a citar, quase que
Deus através da teoria panteísta de John H. exclusivamente, obras de referência geral
Kellogg,10 não seria possível que o “ômega como o Código de Processo Penal12 (p. 42);
da apostasia”11 representasse a negação a Encyclopaedia Britannica, 11ª edição13
da personalidade de pelo menos um dos (p. 49); a Encyclopaedia of Religions, de
membros da Divindade (neste caso a do M. A. Canney14 (p. 49); a New International
Espírito Santo)? Não seria de se esperar Encyclopaedia15 (p. 49); a Encyclo-paedia
que, numa época da história em que a Igreja of Religion and Ethics, editada por James
mais precisa do poder do Espírito Santo Hastings16 (p. 49, 53); os comentários de
por meio da “chuva serôdia” (Jr 5:24; Os rodapé da Bíblia de Jerusalém17 (p. 50); a
6:3; Jl 2:23), os poderes do mal tentariam Gramática Elementar da Língua Hebraica,
levar as pessoas a questionar a própria de Hollenberg & Budde18 (p. 62); a enci-
personalidade do Espírito Santo a fim de clopédia Wikipedia da Internet19 (p. 87); e
neutralizar a Sua obra? o Catecismo do Católico de Hoje20 (p. 88-
89). A única obra adventista mencionada é
Seja como for, a doutrina de Deus é o livro O Terceiro Milênio e as Profecias do
demasiadamente importante para ser consi- Apocalipse, de Alejandro Bullón21 (p. 50).
derada uma questão de mera “interpretação Nicotra reconhece também como autorida-
pessoal”, ou de “ponto de vista particular”, des confiáveis, em suas respectivas áreas,
ou mesmo de “consciência individual”. o antigo historiador eclesiástico Eusébio
Este assunto precisa ser bem compreen- de Cesaréia (p. 52-53)22 ; um “estudioso
dido pelos filhos de Deus, para não serem inglês” chamado A. Ploughman (p. 53); e
levados pelos assoladores vendavais de o teólogo George Howard, que é dito ter
falsas doutrinas que soprariam nos últimos concluído o “seu Ph.D.” no Hebrew Union
dias (Ef 4:14). É com esta preocupação em College (p. 54).
mente que passamos a analisar criticamente Ao tratar de um tema tão significativo
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 73

como a natureza de Deus, seria de se espe- dessa expressão de Mateus já havia sido
rar que Nicotra citasse pelo menos algumas confirmada anteriormente, por exemplo,
obras clássicas de Teologia Sistemática23 pelo Didaquê, bem como por Clemente,
e outras mais específicas sobre a doutrina o Pastor de Hermas, Irineu, Tertuliano de
de Deus, 24 mas todas acabaram sendo Cartago, Hipólito de Roma, e Orígenes de
desconsideradas. Nem mesmo aparecem Alexandria.29 Mas como tais informações
quaisquer alusões a obras fundamentais da não ajudam a construir o argumento de
literatura adventista sobre o assunto como, “Eu e o Pai Somos Um”, Nicotra preferiu
por exemplo, os capítulos 2-5 do livro Nisto continuar ignorando-as.
Cremos (disponível em língua portuguesa
Tendenciosa parcialidade no uso de
desde 1989)25 ; o capítulo “Doctrine of
fontes é evidente também na forma como
God”, do livro Handbook of Seventh-day
Nicotra escolheu de Eusébio de Cesaréia
Adventist Theology (2000)26 ; o livro Un-
apenas o que favorece a sua teoria anti-
derstanding the Trinity (2001), de Max
trinitariana (ver pp. 52-53), desconhe-
Hatton27 ; e o próprio livro A Trindade,28 já
cendo completamente o que a contradiz.
mencionado. É digno de nota que Nicotra
Por exemplo, em nenhum momento os
também não cita uma única vez os escritos
leitores de “Eu e o Pai Somos Um” são
de Ellen G. White sobre o assunto.
informados a respeito da existência do
Diante disso, alguns leitores de “Eu e Credo de Cesaréia, escrito por Eusébio e
o Pai Somos Um” poderão indagar: Des- por ele apresentado diante do Concílio de
conhece o autor a literatura básica sobre a Nicéia.30 Nesse credo Eusébio não apenas
doutrina de Deus, ou seria ele suficiente- nomeia explicitamente ao Pai, ao Filho e
mente tendencioso a ponto de ignorá-la? ao Espírito Santo, mas também confirma a
E mais, estaria ele já tão distante do pen- autenticidade de Mateus 28:19:
samento adventista contemporâneo que
Cremos em um Deus o Pai Onipotente, Criador
nem mais considera confiável a literatura
de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um
denominacional, incluindo os escritos de Senhor Jesus Cristo, o Verbo de Deus, Deus de
Ellen G. White? É curioso observarmos Deus, Luz de Luz, Vida de Vida, e Filho unigênito,
que, ao mesmo tempo em que Nicotra tenta o primogênito de toda criação, gerado de Deus
convencer seus leitores de que os teólogos o Pai antes de todas as eras, por quem todas as
adventistas não são confiáveis (p. 6, 68, 69), coisas foram feitas; que pela nossa salvação foi
ele cita de forma elogiosa teólogos não-ad- feito carne e habitou entre os homens; e sofreu;
ventistas para justificar suas teorias (p. 54). e ressuscitou no terceiro dia; e ascendeu ao Pai;
Com isso, ele tenta distanciar seus leitores e virá outra vez em glória, para julgar vivos e
do pensamento teológico adventista. mortos.
[Cremos] também em um Espírito Santo.
Mas, além de desconhecer inúmeras Cremos que cada um deles é e existe, o Pai
fontes teológicas abalizadas, o autor de “Eu verdadeiramente Pai, e o Filho verdadeiramente
e o Pai Somos Um” também demonstra Filho, e o Espírito Santo verdadeiramente Espírito
sérias inconsistências na forma como usou Santo; como nosso Senhor, ao enviar seus discípu-
los a pregar, disse: “Ide, portanto, fazei discípulos
os próprios documentos históricos dos pri-
de todas as nações, batizando-os em nome do Pai,
meiros séculos da era cristã. Por exemplo, e do Filho, e do Espírito Santo”.31
ao focalizar sua atenção tardiamente em
Eusébio de Cesaréia como sugerindo que O mesmo Eusébio, tão laureado por Ni-
a expressão “batizando-os em nome do cotra, é descrito por Ellen G. White como
Pai e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt o “amigo íntimo e adulador de Constanti-
28:19) não fazia parte do texto original de no” que “propôs a alegação de que Cristo
Mateus, Nicotra acabou ignorando vários transferira o sábado para o domingo”. Esse
outros documentos patrísticos anteriores, argumento, “infundado como era, serviu
que comprovam a autenticidade da ex- para incentivar os homens a desprezarem
pressão. Lamentavelmente, Nicotra não o sábado do Senhor”.32 O próprio Eusébio
informa seus leitores que a autenticidade chegou a escrever uma obra sobre a vida
de Constantino, na qual afirma que “Deus
74 / Parousia - 2º semestre de 2005

honrou a Constantino” por ser este “um po- não comprova. Quais seriam esses “ma-
deroso luzeiro e o mais eloqüente arauto da nuscritos anteriores e mais fidedignos”?
genuína piedade”.33 No Concílio de Nicéia Se a expressão “batizando-os em nome
(325), Eusébio demonstrou considerável do Pai e do Filho e do Espírito Santo” é
instabilidade teológica entre o arianismo e espúria e mesmo herética, como sugerido
a ortodoxia.34 A admissão de que “no final por Nicotra, por que Ellen G. White a citou
de sua vida, após o Concílio de Nicéia”, muitas vezes em seus escritos?36 Será que
Eusébio passou a incorporar em seus Eusébio de Cesaréia e o próprio Nicotra
escritos a própria fórmula trinitariana de seriam mais esclarecidos e confiáveis nesse
Mateus 28:19 (p. 53) confirma a inconsis- particular do que a voz profética de Deus
tência desse historiador. Em realidade, de para os últimos dias, através dos escritos
acordo com Benjamin J. Hubbard, “Eusé- de Ellen G. White?
bio tinha o hábito de citar as Escrituras de
forma inexata”.35 Mas, a despeito de tudo Outro problema no uso de fontes ocorre
isso, Nicotra ainda o considera como “de na p. 50, onde aparece uma citação de O Ter-
boa reputação no tocante à sua precisão” ceiro Milênio e as Profecias do Apocalipse,
(p. 52). de Alejandro Bullón. Nicotra transcreve a
citação da seguinte forma: “Naquele perí-
A fragilidade documental de “Eu odo, a Igreja cristã passou a ter conflitos
e o Pai Somos Um” transparece também internos por causa de doutrinas entranhas
em várias outras ocasiões. Por exemplo, que pretendiam misturar-se às verdades
na p. 49 do livro, o autor assevera de bíblicas. Entre as doutrinas em conflito,
forma dogmática: “... Mateus 28:19 tem podemos mencionar: o pecado original, a
sua autenticidade questionada. A história trindade, a natureza de Cristo, o papel da
demonstra que na era apostólica batizava- virgem Maria, o celibato e a autoridade
se apenas em nome de Jesus, sendo que da Igreja” (grifo acrescido por Nicotra).
batismos em nome do Pai, do Filho e do É evidente que Bullón menciona como
Espírito Santo só foram realizados muitos “doutrinas em conflito” algumas doutrinas
anos após a morte dos apóstolos. Vejamos biblicamente aceitáveis e outras, espúrias.
o que as enciclopédias dizem a respeito...” Mas a maneira como Nicotra grifou o texto
Sinceramente, enciclopédias são fontes acaba induzindo o leitor desatento a crer
secundárias, úteis para quem deseja co- que o próprio Bullón considera a doutrina
meçar a estudar determinado assunto, mas da “trindade” como uma das “doutrinas
jamais deveriam ser usadas em substituição estranhas que pretendiam misturar-se às
a uma análise acurada das próprias fontes verdades bíblicas. Que Nicotra creia desta
primárias existentes, como o próprio autor forma, é mais que evidente em “Eu e o
sugere nas páginas 51-52 do seu livro. Só Pai Somos Um”; mas sugerir que Bullón
que, depois de afirmar que as “citações de esteja qualificando a Trindade como uma
versos bíblicos feitas por autores antigos doutrina estranha e antibíblica só é possível
são de grande valor para a crítica literária” quando se lê a referida citação de forma
(p. 52), Nicotra menciona apenas a Eusébio tendenciosa.
de Cesaréia, desconhecendo todos os “au-
tores antigos” que o precederam. Será que Existem também outras dificuldades
“de grande valor” para Nicotra são apenas de precisão no uso das fontes. Um exem-
aqueles autores que concordam com as plo é a alegação de que o Evangelho de
suas idéias? Mateus tenha sido escrito em aramaico,
sem nem ao menos citar qualquer fonte
Na página 53, Nicotra assevera ca- mais sólida sobre o assunto (p. 42). Na
tegoricamente que Eusébio de Cesaréia página 53, alusão é feita a Ploughman, sem
“baseou seus escritos em manuscritos identificar explicitamente a fonte de onde
anteriores e mais fidedignos do que os que a informação foi extraída. Na página 54
temos hoje”. Lamentavelmente, Nicotra é mencionado que em 1960 a Sociedade
declara mais uma vez algo que ele mesmo Bíblica Britânica e Estrangeira publicou
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 75

um Novo Testamento grego, mas nenhuma própria essência do livro, seja que “a Pa-
fonte é apresentada que identifique a proce- lavra de Deus apresenta duas pessoas que
dência dessa informação. Já na página 88 possuem atributos divinos”, e que “a dou-
aparece uma citação atribuída equivoca- trina da trindade carece de embasamento
damente ao “Credo de Nicéia” (325 d.C.), bíblico quando afirma que o Espírito Santo
quando ela é, em realidade, uma versão é a terceira pessoa de uma tríade divina” (p.
condensada do posterior Credo Niceno- 28). Como todo o conteúdo do livro gravita
Constantinopolitano (381 d.C.).37 em torno dessa pressuposição, a doutrina
clássica da Trindade ou Tri-unidade é redu-
É lamentável que o livro “Eu e o Pai zida a uma espécie de “Bindade” ou Duo-
Somos Um” seja parcial e tendencioso no unidade. Diante dessa proposta, alguns
uso de fontes extra-bíblicas. Mas o as- leitores poderão indagar se Nicotra não
sunto se torna bem mais comprometedor estaria sendo motivado mais pelo ditado
ao se descobrir que o mesmo problema popular “um é pouco; dois é bom; três é
de parcialidade transparece também no demais”, do que por uma acurada exegese
uso de textos bíblicos. Os adventistas do do texto bíblico!
sétimo dia sempre enfatizaram o princípio
Outra pressuposição básica é que o con-
protestante da tota Scriptura, que leva em
ceito de “pessoa” só pode ser compreendi-
consideração a totalidade das Escrituras.
do dentro dos limites da pessoa humana.
Em contraste, Nicotra se vale de um uso
Nicotra argumenta que, como o espírito
seletivo da Bíblia, em que alguns textos são
do ser humano não existe separadamente
usados em substituição a outros, fazendo
do próprio ser humano, também o Espírito
com que importantes passagens bíblicas
Santo, chamado na Bíblia de “Espírito
sejam desconsideradas. Um exemplo típico
de Deus” e o “Espírito de Cristo” (Rm
é a maneira como o referido autor usa os
8:9), não pode existir como uma “pessoa”
textos que falam no batismo em “nome
distinta do Pai e do Filho (p. 10-27, 59).
de Jesus” (At 2:38; 8:16; 10:48; 19:5; Rm
Para o mesmo autor, “uma pessoa deve ter
6:3; Gl 3:27) para desfazer a relevância
corpo e espírito”. Como a Bíblia “não fala
de Mateus 28:19 (pp. 45-49). Como se
que o Espírito Santo tem um corpo” e nem
isso não bastasse, ele não se constrange
que Ele “tem um espírito” que poderia ser
em desfazer o princípio da sola Scriptura
chamado de “o Espírito do Espírito Santo”,
(exclusividade das Escrituras) ao estudar
conseqüentemente, “o Espírito Santo não é
o texto de Mateus 28:19 à luz de Eusébio,
uma pessoa, mas sim o próprio Espírito do
Encyclopaedia Britannica, enciclopédia
Pai e o Espírito de Cristo” (p. 107).
Wikipedia e outras fontes secundárias (p.
49, 52-53, 87). Para Nicotra, é irrelevante Por mais lógica e persuasiva que possa
o fato de não existir nenhum manuscrito pretender ser, essa forma de argumentação
grego (ou mesmo aramaico!) antigo que possui sérias implicações. Primeiro, ela
apresente resquícios de supostas supressões sugere uma compreensão antropocêntrica
ou variantes textuais em Mateus 28:19.38 de Deus, na qual a natureza do ser humano
finito se transforma no referencial para se
Mas a seletividade e a fragilidade entender a natureza do Ser Divino infini-
bibliográficas de Nicotra podem ser to. Não resta a menor dúvida de que o ser
mais facilmente compreendidas ao se humano foi criado originalmente à imagem
considerar as pressuposições básicas que e semelhança de Deus (Gn 1:26, 27), mas
sustentam o conteúdo do livro “Eu e o jamais podemos dizer que Deus é seme-
Pai Somos Um”. lhante ao ser humano, pois isso acabaria
divinizando o ser humano ou humanizando
Pressuposições do autor a Deus.39 Mas, além disso, a argumentação
Existem várias pressuposições básicas de Nicotra também nega a pluralidade de
que fundamentam o conteúdo do livro “Eu significados dos termos hebraico ruach40
e o Pai Somos Um” de Ricardo Nicotra. e grego pneuma41 , traduzidos como “es-
Talvez a mais importante, que sumariza a pírito” nas Escrituras, dando a impressão
76 / Parousia - 2º semestre de 2005

que o sentido desses termos é sempre o que o seu objetivo era “alcançar os judeus
mesmo, independente de se referirem ao convencendo-os de que Jesus Cristo era o
ser humano ou a Deus. Messias descrito pelos profetas do Antigo
Testamento” (p. 42), e que o texto original
Nicotra afirma também que a doutrina aramaico de Mateus 28:19 não continha
da Trindade está completamente ausente a expressão “batizando-os em nome do
no Antigo Testamento (p. 68), e que, no Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (p.
Novo Testamento, ela recebe apoio apenas 42-56). A teoria de que Mateus tenha sido
aparente de alguns poucos textos bíblicos escrito originalmente em aramaico (dialeto
espúrios e/ou mal interpretados (pp. 48, hebraico) é baseada na alusão que Eusébio
75). Esse tipo de alegação é característico de Cesaréia faz à seguinte declaração de
daqueles que desconhecem, consciente Papias: “Mateus escreveu os oráculos
ou inconscientemente, os textos bíblicos [grego logia] em língua hebraica, e cada
usados nas exposições teológicas sobre o um os interpretava como podia.”45 Para se
assunto, acima mencionadas.42 A tentativa aceitar essa teoria, é necessário interpretar
de apenas rotular tais exposições (p. 68-69) o termo logia como uma alusão ao próprio
e então ignorá-las completamente é inacei- Evangelho de Mateus, e assumir que o
tável em qualquer pesquisa séria de alguém “hebraico” mencionado por Eusébio não
que pretenda ser honesto para com “as inú- seja realmente hebraico e sim aramaico.
meras evidências bíblicas” sobre a “obra e No entanto, é importante ter-se em mente
natureza” do Espírito Santo (p. 67). que (1) até hoje não foi encontrado ne-
Além disso, para Nicotra, a crença no nhum fragmento hebraico ou aramaico
Espírito Santo como “uma pessoa divina” desse evangelho; (2) “o grego de Mateus
não passa de uma mera teoria satânica. não apresenta qualquer indício de ter sido
Ele não se constrange em afirmar que “o traduzido do aramaico”; e (3) “existem
inimigo busca confundir nossa adoração abundantes evidências de que o grego de
criando mais uma pessoa divina cujo nome Mateus é dependente de Marcos”.46
é Espírito Santo, quando na verdade o Es- Já a teoria de que a expressão “bati-
pírito Santo é um atributo do Pai e do Filho zando-os em nome do Pai, e do Filho, e do
que nós podemos receber, mas não um deus Espírito Santo” não fazia parte do suposto
que devamos adorar ou louvar” (p. 95). texto aramaico de Mateus 28:19 não passa
Com esse tipo de arrazoado Nicotra acaba de mera teoria especulativa inferida tam-
sugerindo que todas as evidências bíblicas bém dos escritos de Eusébio de Cesaréia,
da personalidade do Espírito Santo e as sem nenhum manuscrito bíblico, quer em
declarações explícitas de Ellen G. White aramaico ou em grego, para a substanciar.
que falam do Espírito Santo como uma É interessante notarmos que mesmo as
“pessoa” (inglês person) e uma “pessoa antitrinitarianas Testemunhas de Jeová pre-
divina” (inglês divine person), distinta do servam o texto em sua Tradução do Novo
Pai e do Filho,43 são de origem satânica! Mundo das Escrituras Sagradas, onde a
A alegação de que o termo person (em in- referida expressão é vertida da seguinte
glês) tem um sentido diferente da palavra forma: “batizando-as em o nome do Pai,
pessoa (em português) não é convincente e do Filho, e do espírito santo”.47 Se a ex-
para quem conhece bem ambas as línguas. pressão não fosse autêntica, essa tradução
Para os verdadeiros adventistas do sétimo certamente a omitiria.
dia continua plenamente válido o seguinte
conselho inspirado de Ellen White: “Pre- Merece ser salientada ainda a pressupo-
cisamos reconhecer que o Espírito Santo sição de que, segundo Nicotra, a doutrina da
... é tanto uma pessoa como o próprio Trindade é uma teoria herética imposta ao
Deus”.44 cristianismo pelo Concílio de Nicéia (325
d.C.). Conseqüentemente, Nicotra relê as
Nicotra também argumenta que Mateus Escrituras como se nelas não existissem
foi escrito originalmente em aramaico, por- quaisquer evidências genuínas que supor-
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 77

tassem essa doutrina, pois, em sua opinião, contenta apenas em demonstrar a coerên-
ela é parte do processo pós-apostólico de cia bíblica de seus postulados, mas chega
“paganização do cristianismo” (p. 89). Se mesmo a discursar como um confiável
esse fosse realmente o caso, por que então porta-voz de Deus para uma comunidade
Ellen G. White não incluiu essa doutrina em pretensa apostasia.
entre os falsos ensinos pós-apostólicos e
Valendo-se desses recursos apologéticos,
medievais mencionados em seus livros
Ricardo Nicotra questiona subliminarmente
Spiritual Gifts, vol. 1 (1858)48 ; The Spirit
a credibilidade dos “acadêmicos da reli-
of Prophecy, vol. 4 (1884)49 ; e O Grande
gião” e dos assim chamados “doutores em
Conflito (1888; edição revisada de 1911)50?
divindade”, que é um título honorífico não
Por que essa “importante” questão não foi
recebido por nenhum dos atuais teólogos
tratada explicitamente em nenhum dos
adventistas brasileiros.51 Já no “Prefácio”
seus demais escritos? Será que Nicotra,
(p. 6) de sua obra, ele argumenta:
em resposta a essas perguntas, preferiria
assumir que Ellen G. White tenha supri- Apelo a todos os crentes sinceros que se
mido tendenciosamente a verdade sobre o desprendam de idéias pré-concebidas e dogmas
assunto ou, então, que ela haja permitido arraigados a fim de receber da Palavra de Deus um
conhecimento progressivo de Deus. ...
indevidamente que a liderança da Igreja
O conhecimento progressivo de Deus é pos-
Adventista do Sétimo Dia “adulterasse” sível! Mas para avançarmos, temos que estar dis-
todos esses escritos? Seja qual for a prefe- postos a deixar muitos conceitos já arraigados para
rência de Nicotra, a única resposta correta trás. Através da leitura deste livro você perceberá
a estas indagações é que Ellen G. White que a verdade bíblica é simples e fácil de ser com-
não incluiu a doutrina da Trindade entre os preendida, não é exclusividade dos acadêmicos da
falsos ensinos pós-apostólicos e medievais religião e dos doutores em divindade. Até mesmo
simplesmente porque ela cria nessa doutri- pessoas simples, sem educação formal, podem co-
na, e jamais a qualificou pejorativamente nhecer esse maravilhoso Deus que não é um Deus
como Nicotra e seus seguidores o fazem. misterioso e complicado, mas um Deus simples
que tem prazer em revelar-se aos seus filhos mais
As pressuposições anteriores são indis- humildes.
pensáveis para se entender a argumentação
que Nicotra usa em seu livro “Eu e o Pai Na “Introdução” (p. 8), Nicotra ironiza
Somos Um”. Mas, somadas a elas, existem outra vez: “Afinal de contas, há pastores
também alguns recursos retóricos que o e professores de religião com mestrado e
autor usa para convencer seus leitores de doutorado, experts em divindade. Eles não
que as idéias dele são bem mais confiáveis podem estar errados, podem?” Posterior-
e fidedignas do que as da Igreja Adventista mente em sua discussão (p. 68 e 69), ele
do Sétimo Dia, de cuja denominação ele já volta a insinuar desdenhosamente: “talvez
foi membro. o argumento mais sofrível utilizado pelos
doutores em divindade trinitarianos esteja
relacionado com...”, e mesmo ironicamen-
Recursos retóricos te: “os doutos teólogos pretendem sugerir
Algumas pessoas sem formação teológi- que...” Alguns leitores poderão indagar:
ca buscam espaço e reconhecimento nessa Até que ponto o rompimento de Nicotra
área, questionando de forma generalizada a com a organização adventista e sua lide-
idoneidade e a credibilidade dos teólogos. rança administrativa acabou gerando um
Maior êxito é conseguido quando o ques- efeito dominó, levando-o a questionar
tionador assume uma postura irônica para também a liderança teológica da denomi-
com seus antagonistas, e apela de forma nação? Seja como for, essa é uma questão
populista para que outras pessoas sem pessoal, não pertinente ao propósito da
formação teológica (mas “sinceras”!) tam- presente análise crítica.
bém rompam com a “tradição” teológica
predominante. O argumento se torna quase É certo que mestrados e doutorados
irresistível quando o questionador não se não tornam qualquer ser humano infalível.
Mas a forma irônica e pejorativa como
78 / Parousia - 2º semestre de 2005

essas expressões são usadas por Nicotra por aqueles que estão dispostos “a deixar
acaba rotulando negativamente os teólo- muitos conceitos já arraigados para trás” (p.
gos que não aceitam seus pressupostos. 6). Por sua vez, “o humilde é flexível” e “não
Desta forma, o leitor é vacinado subli- se apega a conceitos pré-estabelecidos”.
minarmente contra quaisquer respostas À primeira vista, esses conceitos parecem
teológicas que questionem os postulados neutros e aceitáveis; mas, depois de observar
de “Eu e o Pai Somos Um”. Rotu-lações como Nicotra os usa ao longo do seu livro,
pejorativas, como as que aparecem nesse li- percebe-se que eles são fundamentais para
vro, são normalmente usadas pelos críticos o seu discurso antitrinitariano. Com eles, o
como um complemento retórico para suprir autor sugere que as pessoas que não rom-
a carência de argumentos academicamente pem com a doutrina da Trindade não são
convincentes. É curioso ver também como humildes, nem possuem um “conhecimento
Nicotra, ao mesmo tempo em que critica progressivo de Deus”.
genera-lizadamente os teólogos, usa pala-
É certo que toda a tradição antibíblica
vras hebraicas (p. 12-15, 62, 68-69, etc.) e
é inaceitável (ver Mt 15:6, 9, 13). Mas
gregas (p. 16-27, 70-85, etc.), e reproduz
igualmente inaceitável é romper com os
textos bíblicos nessas línguas (p. 22, 23,
grandes componentes da “fé que uma vez
38, 55), como se fosse um especialista na
por todas foi entregue aos santos” (Jd 3).
área teológica e com mais conhecimentos
A igreja primitiva apegava-se a conceitos
que os demais teólogos.
preconcebidos chamados de “doutrina dos
Valendo-se de uma espécie de apologia apóstolos” (At 2:42). Paulo insta com os
da ignorância e da instabilidade doutriná- cristãos a que não aceitem outro “evan-
ria, Nicotra procura gerar uma dicotomia gelho que vá além do que vos temos pre-
artificial entre teólogos (orgulhosamente gado” (Gl 1:8, 9; cf. Rm 1:1-6). A própria
equivocados) e leigos (humildemente cor- mensagem de salvação é denominada no
retos) que predisponha o leitor a aceitar sua livro do Apocalipse de “evangelho eterno”
“teologia leiga” como mais honesta e con- (Ap 14:6). Por outro lado, a teoria de que
fiável do que o pensamento acadêmico da toda a tradição religiosa é má e deve ser
denominação (p. 6, 8-9). Ao mesmo tempo abandonada acaba suscitando uma geração
em que o estudo é tido como importante (p. de cristãos sem raízes e descomprome-
9), os estudiosos são considerados como tidos. Alguém poderia usar facilmente o
irrelevantes; pois, se o indivíduo estudar o argumento de que o humilde, que “não se
bastante para se tornar um teólogo, ele pas- apega a conceitos pré-estabelecidos”, deve
sa a ser desprezível para Nicotra (p. 6, 8). romper também com a tradição adventista
Mas é importante notarmos que mesmo o da observância do sábado!
preconceito deste para com os teólogos não Mas, além das pressuposições básicas
é plenamente consistente, pois, com base na e dos recursos retóricos, é indispensável
sua conveniência apologética, ele os polari- que se identifiquem também os princípios
za entre os que prestam (p. 53-54) e os que de interpretação sugeridos pelo autor. Es-
não prestam (p. 68-69). A dicotomia entre pecial atenção deve ser dada, não apenas
teólogos e leigos tende a desaparecer da à validade dos princípios enunciados, mas
mente daqueles que reconhecem que Paulo também ao grau de coerência demonstrada
e os grandes reformadores do século 16 pelo autor no uso desses princípios em sua
eram teólogos por excelência, com sólidos interpretação do texto bíblico.
princípios de interpretação bíblica.
Outro importante recurso retórico usado Princípios de interpretação
por Nicotra é a forma como ele define e Nicotra não fornece em “Eu e o Pai
aplica em seu livro os conceitos de “co- Somos Um” uma exposição sistemática
nhecimento progressivo de Deus” e de dos princípios de interpretação bíblica por
“humildade”. Para ele, o “conhecimento ele utilizados, mas prefere mencioná-los
progressivo de Deus” só pode ser alcançado esparsamente, enunciando alguns deles
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 79

onde julga mais oportuno. Vários princí- dizer que “é incontestável que o verso 14
pios mencionados são válidos e oportunos. refere-se ao Pai, pois este é quem glorifica
Mas deve-se levar em consideração o fato o Filho”. Mas o fato de o Filho glorificar o
de que a mera enunciação de princípios Pai (Jo 17:4) e o Pai glorificar o Filho (Jo
corretos de interpretação não garante que 8:54; 17:1, 5) não exclui a possibilidade de
estes tenham sido aplicados corretamente o Espírito Santo também glorificar o Filho,
no próprio processo de interpretação bí- como confirmado em João 16:14, onde o
blica. Falando a respeito dos princípios próprio Cristo se refere ao Espírito Santo
advogados por Agostinho, Bernard Ramm nos seguintes termos: “Ele me glorificará.”
declara que “dificilmente existe uma regra A interpretação de Nicotra contradiz dire-
por ele estabelecida que ele mesmo não tamente a seguinte declaração de Ellen G.
violasse freqüentemente.”52 Cremos que White: “O Salvador veio glorificar o Pai
o mesmo problema interpretativo também pela demonstração de Seu amor; assim o
ocorre em “Eu e o Pai Somos Um”. Espírito havia de glorificar a Cristo, reve-
lando ao mundo a Sua graça.”53
Uma das mais significativas declarações
hermenêuticas do livro aparece na página A idéia de “analisar outros textos bíbli-
41, onde Nicotra afirma que “o melhor cos que abordam o mesmo assunto” (p. 41)
conselho para evitar erros doutrinários” é: também é indispensável, só que Nicotra, ao
(1) “analisar o texto controvertido dentro tentar implementar esse princípio, acaba
do seu contexto”; (2) “analisar outros textos incorrendo em graves problemas interpre-
bíblicos que abordam o mesmo assunto”; e tativos. Para resolver as tensões entre textos
(3) “quando possível, recorrer ao original aparentemente contraditórios, Nicotra se
hebraico ou grego para desfazer dúvidas vale freqüentemente da abordagem dicotô-
remanescentes”. Esses princípios gerais são mica do either/or (ou isso, ou aquilo), que
pertinentes e devem ser usados no estudo o leva a enfatizar o conteúdo dos textos que
das Escrituras, mas Nicotra não os aplica mais lhe são úteis em sua interpretação, e a
consistentemente em sua própria interpre- desconhecer aqueles que não se enquadram
tação do texto bíblico. em seu sistema interpretativo. Por exemplo,
A análise adequada do contexto é funda- entre os textos do Novo Testamento que
mental para se compreender um texto, e Ni- descrevem pessoas sendo batizadas em
cotra chega mesmo a afirmar que “analisar nome de Jesus (At 2:38; 8:16; 10:48; 19:5;
o verso dentro do contexto é a chave para Rm 6:3; Gl 3:27), por um lado, e o texto
chegarmos” a uma “conclusão” correta (p. que ordena o batismo “em nome do Pai, e
73). Mas as análises contextuais realizadas do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28:19),
por Nicotra nem sempre são tão confiáveis por outro, Nicotra fica com os primeiros
como aparentam ser. Por exemplo, nas pá- e simplesmente nega a autenticidade do
ginas 83-85 de “Eu e o Pai Somos Um”, ele último (p. 45-55). Ele tenta justificar sua
se propõe a elucidar contextualmente o sig- postura dicotômica com a imagem de uma
nificado de João 16:14, onde aparecem as “Balança das Evidências” (p. 48), suge-
seguintes palavras de Cristo: “Ele me glo- rindo que a maior quantidade de textos é
rificará, porque há de receber do que é meu determinante para a interpretação. Como
e vo-lo há de anunciar”. O pronome “Ele” num dos pratos da balança aparece “apenas
(grego ekeînos) refere-se nesse verso ao um verso ‘em nome do Pai, do Filho e do
“Espírito da verdade” mencionado no verso Espírito Santo’”, e no outro aparecem “36
anterior (v. 13), que é o seu antecedente versos ‘em nome de Jesus’’, a conclusão
natural. Só que Nicotra, para confirmar sua de Nicotra é que o batismo “em nome de
teoria antitrinitariana, não se constrange Jesus” é a única fórmula batismal aceitável
em desconhecer esse antecedente natural, para os cristãos. A ênfase quantitativa desse
impondo ao referido pronome um antece- autor transparece também na expressão “o
dente artificial que vem depois do próprio mais importante é destacar a quantidade de
pronome, ou seja, o “Pai” do verso seguinte referências...” (p. 100).
(v. 15). O referido autor chega mesmo a Esse método de interpretação, por
80 / Parousia - 2º semestre de 2005

mais lógico que possa parecer para quem mico” daquele que se vale desse recurso.
gosta de matemática e estatística, é ina- Devemos ressaltar, no entanto, que não é
ceitável para aqueles que buscam uma nossa intenção questionar aqui o interesse
harmonia geral nas Escrituras, em vez de de Nicotra pelas línguas nas quais a Bíblia
simplesmente selecionar delas as porções foi originalmente escrita. Mas o uso que ele
que mais lhes convêm. Se aplicássemos o faz delas deixa muito a desejar.
mesmo método a outros assuntos bíblicos,
Um exemplo claro dessa deficiência é a
acabaríamos mutilando inevitavelmente o
forma reducionista e parcial como Nicotra
equilíbrio temático das Escrituras. Talvez
entende o termo hebraico ruach (“espírito”)
considerássemos como muito importante o
(p. 12-16). Mas essa questão é tratada à
assunto da idolatria, porque os profetas do
frente mais detalhadamente. Outro exem-
Antigo Testamento falaram muito sobre
plo é a forma como esse autor interpreta o
ele, e menosprezaríamos a profecia das
substantivo grego parákletos (Confortador)
“duas mil e trezentas tardes e manhãs”,
(p. 70-85). Cristo prometeu que rogaria ao
por ser mencionada apenas em Daniel
Pai para que Este enviasse “outro Conso-
8:14. Também a cerimônia do lava-pés
lador”, distinto de Ambos (Jo 14:16, 26).
(Jo 13:1-20) e as três mensagens angélicas
Crendo que esse “outro Consolador” deve
(Ap 14:6-12), por serem mencionadas ape-
ser o próprio Cristo, Nicotra mais uma vez
nas uma única vez na Bíblia, se tornariam
argumenta que não se pode defender uma
irrelevantes para nós.
doutrina baseada “em um verso” ou “uma
Outro sério problema da interpretação única palavra” (p. 75). Conseqüentemente,
de Nicotra é que a experiência pessoal ou os textos de João 14:16 e 26 perdem seus
coletiva da igreja apostólica acaba se tor- significados naturais, e acabam tendo que
nando mais normativa do que as próprias assumir o sentido artificial que Nicotra
ordenanças de Cristo. Se meia dúzia de lhes atribui. Como em 1 João 2:1 o mesmo
textos afirma que pessoas foram batizadas termo parákletos é usado para Cristo como
em nome de Jesus (At 2:38; 8:16; 10:48; “Advogado”, todas as referências ao mes-
19:5; Rm 6:3; Gl 3:27), então a ordenança mo termo grego encontradas no Evangelho
do batismo “em nome do Pai, e do Filho, de João são tidas como se referindo, não
e do Espírito Santo” (Mt 28:19) pode ser ao Espírito Santo, mas ao próprio Cristo.
considerada espúria. Se “toda a doutrina Esse tipo de raciocínio acaba negando a
deve ser obtida da pura Palavra de Deus, assim chamada “fluidez dos símbolos”, ou
não de escritos de homens, por mais fide- polissemia, onde um mesmo símbolo (ou
dignos que eles sejam” (p. 53), por que nome) pode significar diferentes entidades
Nicotra prefere usar Eusébio de Cesaréia em diferentes contextos. Um exemplo disso
(p. 52-54) em vez do testemunho unânime é o termo “leão”, que simboliza na Bíblia
da crítica textual (p. 50-51) em favor da o próprio animal (Jz 14:5-9; Dn 6:7-27), o
autenticidade de Mateus 28:19? Império Babilônico (Dn 7:4; cf. 2:37, 38),
Satanás (1Pe 5:8) e Cristo (Ap 5:5). Se
Já o conselho de que devemos, “quando
usássemos a interpretação generalizadora
possível, recorrer ao original hebraico ou
de Nicotra, teríamos sérias dificuldades
grego para desfazer dúvidas remanescen-
em entender a riqueza de significados de
tes” (p. 41) é oportuno para aqueles que
muitos termos bíblicos.
conhecem bem essas línguas e são honestos
no uso delas. Em muitos casos, porém, o Nicotra também se vale das línguas
apelo às línguas originais, por pessoas sem originais para neutralizar o argumento de
um conhecimento abalizado delas, não pas- que o nome “Espírito Santo” é um nome
sa de uma forma sofisticada de revestir teo- próprio, grafado nas Escrituras com iniciais
rias pessoais com uma pretensa roupagem maiúsculas. Ele argumenta nas páginas 21-
acadêmica. Como a maioria dos leitores 22 do seu livro que
não conhece as línguas originais, eles são
induzidos a crer no discurso “mais acadê- os manuscritos mais antigo do Novo Testamento
são alguns fragmentos de papiro escritos em uncial.
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 81

O padrão uncial utilizava-se de letras maiúsculas conveniente lembrar que nenhuma doutrina
apenas. Este padrão continuou sendo utilizado bíblica pode ser estabelecida com base em
nos pergaminhos até o século XI, quando a escrita apenas um verso”.
minúscula começou a ser adotada. Fica claro que
escrever “Espírito Santo” com iniciais maiúsculas Em relação à expressão “outro Con-
é uma convenção adotada posteriormente. solador” (Jo 14:16), Nicotra (p. 75) usa
novamente o mesmo argumento:
À primeira vista, Nicotra parece invali- Defender uma doutrina baseado em um verso é
dar quaisquer discussões sobre maiúsculas algo muito perigoso, principalmente se o contexto
e minúsculas em relação ao texto bíblico. não for analisado apropriadamente e se outras
Só que, logo depois de afirmar que os passagens sobre o assunto não forem consultadas.
manuscritos mais antigos eram escritos Mas o mais perigoso é basear um argumento sobre
com todas as letras maiúsculas, Nicotra uma única palavra. E o risco de cometer um erro
reproduz uma versão mais recente do aumenta quando esta palavra está inserida entre
texto grego de Atos 13:9 para demonstrar elementos simbólicos, como é o caso do verso 16
[de João 14].
que o nome Paulo (grego Paûlos) aparece
grafado com o “P” maiúsculo, mas o nome
Quem insiste em tomar a sério o conte-
“espírito” (grego pneûma) aparece com
údo de qualquer desses textos (Mt 28:19 e
“p” minúsculo (p. 22). Com base em uma
Jo 14:16) acaba sendo rotulado por Nicotra
versão grega de 1 Coríntios 2:11 onde o
como alguém que se aproveita “de alguns
“espírito” do homem e o “espírito” de Deus
pontos isolados para impor seus ensinos” e
são grafados igualmente em minúsculas,
alguém que ignora a “regra geral”, apegan-
Nicotra conclui que “não há porque inter-
do-se “fortemente nas exceções” (p. 40).
pretar que o espírito de Deus é uma outra
Como já mencionado, é certo que toda uma
pessoa e o espírito do homem não é uma
doutrina não pode ser construída baseada
outra pessoa” (p. 23-24). Ora, se os manus-
apenas em um verso bíblico; mas, por outro
critos mais antigos eram escritos com todas
lado, é igualmente perigoso construir uma
as letras maiúsculas, que sentido teria esse
doutrina desconsiderando-se textos bíblicos.
argumento de maiúsculas e minúsculas?
Os adventistas do sétimo dia seguem o prin-
Por que Nicotra ainda insiste em mostrar
cípio da tota Scriptura, ou seja, da analogia
que nos manuscritos gregos posteriores a
das Escrituras. Em contraste, para Nicotra,
palavra “espírito” aparece em Atos 13:9 e
textos bíblicos podem ser rejeitados, ou
1 Coríntios 2:11 com inicial minúscula?
pelo menos reinterpretados, toda vez que
Não é de surpreender que Nicotra mais uma
discordarem dos postulados antitrinitaria-
vez usa determinado argumento, quando
nos por ele advogados. Com esse critério,
lhe é conveniente, e o rejeita, quando não
a razão humana acaba se sobrepondo ine-
favorece suas teorias pessoais.
gavelmente à revelação divina.
Outro princípio básico usado por Nicotra As considerações anteriores são su-
é de que não se pode basear uma doutrina em ficientes para se ter uma idéia geral das
um só texto bíblico. Só que ele usa esse prin- inconsistências hermenêuticas encontradas
cípio para minimizar, como já mencionado, a no livro “Eu e o Pai Somos Um”. Vários
força de alguns textos claros das Escrituras. assuntos diferentes acabaram sendo men-
Na tentativa a desfazer a declaração trinitaria- cionados tangencialmente ao longo da
na de Mateus 28:19, ele argumenta na página discussão. Mas cremos ser conveniente
48 de seu livro que “não podemos estabele- abordar um pouco mais detidamente alguns
cer uma conclusão definitiva com relação a assuntos tratados no livro.
uma doutrina ou prática basendo-se apenas
em um verso da Bíblia”. Já na páginas 54 Interpretações pessoais
ele volta a insistir que a autenticidade de
Mateus 28:19 “é bastante questionável e, O livro “Eu e o Pai Somos Um” apre-
portanto, não deve ser utilizado para pro- senta uma releitura antitrinitariana de vários
var qualquer doutrina. Ademais, é sempre temas bíblicos. A natureza mais sintética do
82 / Parousia - 2º semestre de 2005

presente texto não permite que analisemos século 16 trazia essa expressão, e que ela
todos eles. Mesmo assim, consideraremos não passava de mera anotação marginal de
criticamente ainda algumas idéias adicio- Cipriano, bispo de Cartago, que Prisciliano
nais relacionadas com a preservação das acabou acrescentando à Vulgata Latina.54
Escrituras, o conceito bíblico de mistério, a Em 1957 o Seventh-day Adventist Bible
teoria da Bindade, o Filho gerado, a emana- Commentary confirmou que “evidências
ção do Espírito divino, o parákletos divino, textuais atestam a omissão da passagem”.55
o trono do Espírito Santo e a autenticidade Em 1986, Pedro Apolinário acrescentou
de Mateus 28:19. que “a Crítica Textual, através de notáveis
comentaristas e insignes exegetas têm
A preservação das Escrituras provado que [essas palavras] não são de
autoria do apóstolo João”.56 É interessante
Se alguém que ainda não leu o livro “Eu
notarmos que uma pesquisa no CD-ROM
e o Pai Somos Um” o abrisse casualmente
The Complete Published Ellen G. White
na página 41, com certeza se impressionaria
Writings (versão 3.0) não revela qualquer
com a atitude respeitosa de Nicotra para
referência de Ellen G. White ao texto de 1
com as Escrituras, expressa na seguinte
João 5:7-8.57 Mas, em contraste, no mesmo
declaração: “Acreditamos plenamente que
CD-ROM aparece cerca de 168 vezes a
Deus preservou sua Palavra ao longo dos
expressão de Mateus 28:19 “batizando-os
séculos e que não houve perda de sua essên-
em nome do Pai, e do Filho e do Espírito
cia”. Já na página 38 somos assegurados de
Santo”.58 Portanto, Mateus 28:19 não pode
que “podemos confiar na Palavra de Deus
ser considerado uma interpolação seme-
pois ela mantém a verdade original sem
lhante à de 1 João 5:7-8.
perda de essência” (p. 38). Mas um estudo
mais atento do conteúdo do livro revela que Como adventistas do sétimo dia, não
Nicotra possui sérias ressalvas ao conceito podemos aceitar a teoria de Nicotra a res-
da preservação do conteúdo das Escrituras peito de supostas adulterações heréticas
ao longo dos séculos. Enquanto que os cris- do texto bíblico em suas línguas originais.
tãos em geral admitem que Deus permitiu Essa teoria representa um sério desrespeito
apenas algumas interpolações não heréticas para com as Escrituras Sagradas, e acaba
ao texto bíblico, Nicotra fala enfaticamente minando a confiabilidade da Palavra de
a respeito de “adulterações” heréticas do Deus. Somos advertidos por Ellen G.
próprio texto bíblico em suas línguas ori- White: “Se não quisermos construir nos-
ginais. Segundo ele, “textos bíblicos foram sas esperanças celestiais sobre um falso
adulterados em favor da teoria trinitariana” fundamento, precisamos aceitar a Bíblia
e “alterações foram feitas para ‘beneficiar’ como se lê e crer que o Senhor quer dizer
algumas doutrinas pagãs” (p. 38). o que diz”.59
Nicotra menciona que nos manus-
critos gregos antigos não aparece a in- O conceito bíblico de mistério
terpolação trinitariana de 1 João 5:7-8,
que na versão Almeida Revista e Corri- A compreensão cristã da Trindade como
gida foi vertida como “no céu: o Pai, a um “mistério” é vista por Nicotra como
Palavra e o Espírito Santo; e estes três mera invenção de teólogos que não conse-
são um. E três são os que testificam na guem explicar a Trindade. Na página 5 do
terra”. Esse detalhe pode surpreender seu livro ele diz:
àqueles que nunca estudaram o texto, Na interpretação dos trinitarianos (assim cha-
mas é mais do que óbvio para os que mados quem crê na teoria da Santíssima Trindade)
conhecem a literatura adventista sobre este ensino é um mistério! Por que um mistério?
o assunto. Por exemplo, já em 1949 Como tais ensinos carecem de uma base mais
Walter Schubert esclareceu na revista sólida e contêm contradições internas de difícil
conciliação, seus defensores também ensinam que
O Pregador Adventista (precursora de O
há um grande mistério por trás destes fatos e que ao
Ministério Adventista e atual Ministério) ser humano não é dado compreender os mistérios
que nenhum manuscrito grego anterior ao
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 83

de Deus. “A Santíssima Trindade é um Mistério encontrada no livro Atos dos Apóstolos:


para ser aceito, não para ser compreendido”, foi a
voz de muitos sacerdotes ao longo da Idade Média A natureza do Espírito Santo é um mistério.
e que continua ressoando no século 21. Os homens não a podem explicar, porque o Senhor
Diante de tais interpretações questionáveis, não lho revelou. Com fantasiosos pontos de vista,
muitos crentes sinceros acabam aceitando a “dou- podem-se reunir passagens da Escritura e dar-lhes
trina do mistério” e acreditam que sua salvação não um significado humano; mas a aceitação desses
depende do pleno conhecimento de Deus, já que pontos de vista não fortalecerá a igreja. Com rela-
o mesmo é um mistério não revelado. ção a tais mistérios – demasiado profundos para o
entendimento humano – o silêncio é ouro.60

Na página 7 do livro, Nicotra reconhece A despeito disso, Nicotra não se cons-


que, “em nossa limitação, jamais seremos trange em afirmar que somente aqueles
capazes de compreendê-lo completamente, “que não conhecem o Deus de amor” é
pois Ele é infinito”. Mas já na página 8, que dizem que “o silêncio é ouro” sobre
o mesmo autor volta a argumentar a res- a natureza do Espírito Santo (p. 8). Fica
peito da “atuação e essência” do Espírito evidente em mais esse ponto que Nicotra
Santo: já se distanciou significativamente, não
Lamentavelmente quando se fala sobre o Espí- apenas do pensamento teológico adventista
rito Santo, sua atuação e essência, muitos preferem contemporâneo, mas também dos próprios
fechar os ouvidos por considerarem um assunto escritos de Ellen G. White.
oculto, um mistério que o homem não deve se
atrever a sondar, um tema onde “o silêncio é ouro”. Teoria da “Bindade”
Infelizmente tais pessoas demonstram que não co-
nhecem o Deus de amor, um Deus infinito que se Nicotra usa de ironia para desfazer o con-
revela ao mais simples e humilde pecador. Nosso ceito da Trindade, por ele chamada de “tríade
Pai é um Deus de revelação, não de mistério. Tais divina” (p. 28) e de conjunto pagão “de três
crentes nominais não buscam o conhecimento por deuses” (p. 93). Já no Prefácio do livro (p. 5)
si mesmos, mas se acomodam e preferem aceitar os encontramos a seguinte declaração:
dogmas impostos pela liderança espiritual.
Há ainda quem defenda que há um só Deus
composto por três pessoas divinas, co-iguais, co-
Nessas declarações, Nicotra enfatiza a
eternas, co-substanciais, a Santíssima Trindade.
mesma dicotomia acima mencionada, en- Esta última forma de crença, a mais comum, é
tre leigos humildes que conseguem explicar adotada pela Igreja Católica e pela maioria das
a natureza de Deus e teólogos heréticos que igrejas protestantes. Para eles, Deus não é um ser
escondem sua ignorância acerca de Deus pessoal, ou seja, Deus não é uma pessoa, mas três
atrás da “doutrina do mistério”. Sob o inter- pessoas. Não são três deuses, nem uma só pessoa,
título “O Espírito: Mistério ou Revelação” mas um Deus Composto, um Deus-Tríplice, ou
(p. 7-9) ele sugere que algo já revelado não Deus-Triúno. Complicado? Sim...
pode ser considerado mais mistério. Nesse
ponto, Nicotra acaba desconhecendo a di- Um dos aspectos mais curiosos da te-
ferença bíblica entre “mistério”, que é uma oria antitrinitariana de Nicotra é que três
verdade revelada, mas não conceituada Pessoas na Divindade é “complicado” e
(1Co 2:9-11), e as “coisas ocultas”, que inaceitável para ele, mas um só espírito
se referem ao que Deus não revelou (Dt para duas Pessoas (p. 20) é plenamente
29:29). Além disso, o mistério mencionado aceitável. É certo que a teoria da “Binda-
em Efésios não diz respeito à encarnação de de” (duas pessoas divinas em vez de três),
Cristo, e sim à co-participação dos gentios como sugerida em “Eu e o Pai Somos
com os judeus no plano da salvação (Ef Um”, pelo menos não superenfatiza os
3:1-13; ver também Cl 1:26, 27). textos monoteístas da Bíblia (Êx 20:3; Dt
6:4; etc.) em detrimento dos que falam de
Não sabemos se Nicotra ainda crê na uma pluralidade na divindade (Gn 1:26, 27;
inspiração dos escritos de Ellen G. White; etc.). No entanto, essa teoria revela sérias
mas, se este é o caso, então ele deveria dificuldades em sua tentativa de acomodar
tomar mais a sério a seguinte declaração
84 / Parousia - 2º semestre de 2005

o Espírito Santo dentro do conceito de e o Espírito Santo somos um” (p. 29), e
apenas duas Pessoas divinas. não apenas “Eu e o Pai somos um” (Jo
10:30). As saudações das cartas de Paulo
Os cristãos em geral crêem na existência que mencionam apenas o Pai e o Filho são
de uma unidade essencial entre os membros usadas para comprovar que o Espírito Santo
da Divindade, ou seja, que Pai, Filho e não existe como Pessoa distinta (p. 30-32).
Espírito Santo são um em natureza e pro- Por que Nicotra não menciona também as
pósito. Mas Nicotra sugere uma unidade bênçãos finais dessas mesmas cartas? Será
pneumática pela qual “o Pai e seu Filho que essas não lhe interessam porque entre
Jesus compartilham o mesmo pneuma, qual elas se encontra 2 Coríntios 13:13 onde é
seja, o Espírito Santo” (p. 24), e “por essa dito: “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o
razão são um” (p. 26). Assumindo que o amor de Deus, e a comunhão do Espírito
Espírito Santo não passa de um “atributo Santo sejam com todos vós”?
intrínseco” do Ser divino (p. 30), Nicotra
não teme afirmar que “não há diferença Nicotra tenta resolver alguns problemas
entre Espírito de Deus, Espírito de Cristo e interpretativos com a sua teoria da Bindade,
Espírito Santo” (p. 24). Ele chega mesmo a mas ela acaba gerando problemas ainda
propor a fórmula: “Espírito de Cristo = Es- mais graves, com os quais não se deparam
pírito de Deus = Espírito Santo” (p. 27). aqueles que crêem, como Ellen G. White,
que o Espírito Santo “é tanto uma pessoa
Agora, se o Espírito Santo é um mero como o próprio Deus”.62
“atributo intrínseco” do próprio Deus,
que “não pode ser separado dEle” (p. 24), Filho gerado
como poderia esse Espírito ser enviado
pelo Pai em nome de Cristo (Jo 14:26; cf. O livro “Eu e o Pai Somos Um” apre-
14:16; Is 48:16) sem ser distinto de ambos? senta também uma compreensão ariana de
Se o Espírito Santo é o mesmo Espírito de Cristo, ou seja, que “Jesus foi gerado por
Cristo, como explicar o texto que diz que Deus”. Essa geração é apresentada, não
Maria “achou-se grávida pelo Espírito San- como se referindo à encarnação de Cristo
to” (Mt 1:18, 20)? Quando a Bíblia afirma (Mt 1:18:25; Lc 1:26-38; 2:1-7; Jo 1:14; Gl
que Jesus era “cheio do Espírito Santo” 4:4), e sim, como uma pretensa origem de
(Lc 4:1), estaria ela dizendo que Jesus Se Cristo antes que todas as coisas viessem à
encontrava cheio de Si mesmo? E quando existência. Qualquer indagação quanto ao
Jesus foi levado “pelo mesmo Espírito” ao tempo em que ela teria ocorrido é descar-
deserto para ser tentado pelo diabo (Lc 4:1; tada por Nicotra com a seguinte afirmação:
cf. Mt 4:1; Mc 1:12, 13), teria o próprio “A questão do tempo da geração de Cristo
Jesus Se autoconduzido ao deserto para é tão absurdo quanto uma possível questão
se expor às tentações?61 Se nesses casos do local da geração de Cristo, sendo ele
o Espírito não era o Espírito de Cristo, e gerado com o atributo da onipresença” (p.
sim o Espírito de Deus, então teríamos que 105). Em resposta à pergunta: “Houve um
admitir que ambos os Espíritos são distintos tempo em que Cristo não tenha existido?”,
um do outro, o que conspira contra a teoria Nicotra alega simplesmente que essa ques-
de que “não há diferença entre Espírito de tão “não faz qualquer sentido”, pois “Cristo
Deus, Espírito de Cristo e Espírito Santo” é o ‘Pai da Eternidade’ [Is 9:6], é o Criador
(p. 24). do Tempo” (p. 105). Mas esse argumento
não resolve a questão, pois permanece
Para manter sua teoria da Bindade di- a teoria de que, antes que o tempo fosse
vina, Nicotra se vale de alguns textos que criado, Cristo foi gerado pelo Pai.
mencionam apenas o Pai e o Filho para
sugerir, de forma generalizante, que, se tais Não há como negar o fato de que a cris-
textos não mencionam o Espírito Santo, tologia de Nicotra está fundamentada na
então Este não existe como Pessoa. Por noção ariana de um “semi-Deus” gerado
exemplo, esse autor crê que, se a Trindade pelo Pai. Para não inferiorizar a Cristo,
existisse, então Jesus teria dito “Eu, o Pai Nicotra teria que admitir que Cristo é ple-
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 85

namente coeterno com o Pai, sem jamais a Cristo também em João 1:14, 18; 3:16,
ter sido gerado por Ele. Mas Nicotra pre- 18. Nicotra parece desconhecer o fato de
fere resolver a questão valendo-se de uma que monogenés é um termo composto de
analogia artificial entre a origem de Eva mónos (único) e gínomai (espécie), e não
e a origem de Cristo. O autor argumenta de gennáo (gerar). Isso é confirmado pelo
que, como “Eva foi gerada de Adão” e fato do sufixo genés ser grafado apenas com
“tem a mesma natureza humana de Adão”, um “n” em vez de dois.63 Por conseguinte, o
“Jesus Cristo, por ter sido gerado de Deus, termo mono-genés não significa necessaria-
é tão divino quanto o Pai” (p. 104). Neste mente o único gerado, mas também o “úni-
ponto, Nicotra se esquece que Eva não co da espécie”, alguém que é “singular”.
foi gerada de Adão. Ela veio à existência É nesse sentido que Hebreus 11:17 chama
por um ato criador direto de Deus, trans- a Isaque de “unigênito”, como filho “sin-
formando uma costela de Adão em uma gular” da promessa, sendo ele o segundo
mulher (Gn 2:21, 22). À primeira vista, filho de Abraão (ver Gn 16:1-16; 21:1-7).
essa analogia parece confirmar que Cristo, A Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB)
mesmo gerado, pode ter os mesmos atribu- traduz corretamente 1 João 4:9 como “Deus
tos do Pai; mas ela não resolve a questão enviou seu Filho único ao mundo”.
da eternidade de Cristo. Enquanto o Pai
sempre existiu, o Filho acaba sendo visto Em Isaías 9:6 Cristo é chamado de “Deus
como havendo tido um início, mesmo que Forte, Pai da Eternidade”. Mesmo que Nico-
esse início tenha sido antes do tempo e da tra coloque a pretensa geração de Cristo antes
eternidade. do tempo e da eternidade, ela continua em
direto antagonismo com a declaração de
Endosso para a teoria de que Cristo Ellen White de que “em Cristo há vida ori-
tenha sido gerado por Deus antes que o ginal, não emprestada, não derivada”.64
tempo viesse à existência é buscado em
Hebreus 5:5 e 1 João 4:9. Em Hebreus 5:5 A emanação do Espírito divino
aparece a expressão do Salmo 2:7: “Tu és
meu Filho, eu hoje te gerei”. O verbo “ge- Um dos componentes básicos da teoria
rar” é usado nesses textos, não no sentido antitrinitariana de Nicotra é a noção de
de uma pretensa origem do Filho antes da que o Espírito Santo não é um Ser pessoal,
eternidade, como pretendem alguns, e sim, mas apenas “um abributo que não pode ser
de entronização como Rei sobre as nações separado” de Deus (p. 24), e que deve ser
(Sl 2:6-9) e de inauguração como sacerdote entendido como a “mente” de Deus (p. 15-
“segundo a ordem de Melquisedeque” 16). Só que essa teoria acaba conflitando
(Hb 5:5, 6). Que o prometido Messias com o ensino bíblico que fala a respeito da
exerceria simultaneamente os ofícios real “mente do Espírito” (Rm 8:27). Se o Espí-
e sacerdotal é evidente em Zacarias 6:13: rito Santo fosse apenas a “mente” de Deus,
“Ele mesmo edificará o templo do Senhor como poderia o próprio Espírito Santo ter
e será revestido de glória; assentar-se-á no “mente”? Teríamos então que acreditar
seu trono, e dominará, e será sacerdote no na existência de uma mente da mente? Se
seu trono; e reinará perfeita união entre am- confrontado com o texto de Romanos 8:26
bos os ofícios.” Nicotra poderia ter evitado e 27, talvez Nicotra preferisse desconversar
distorcer o sentido do verbo “gerar” se tão o assunto alegando simplesmente, como em
somente houvesse dado mais atenção ao outras ocasiões, que não podemos construir
contexto bíblico no qual o verbo é usado uma doutrina baseada em um único texto
nos textos acima mencionados. bíblico (p. 48-49, 54, 75). Seja como for, os
leitores que procuram viver “de toda pala-
Por sua vez, na versão Almeida Revista vra que procede da boca de Deus” (Mt 4:4;
e Atualizada de 1 João 4:9 é dito que Deus cf. Ap 22:18, 19) certamente apreciariam
enviou “o seu Filho unigênito ao mundo”. encontrar em “Eu e o Pai Somos Um” uma
O adjetivo grego monogenés (aqui traduzi- explicação convincente do que significa a
do como “unigênito”) é usado em relação “mente do Espírito”.
86 / Parousia - 2º semestre de 2005

Equacionando o Espírito de Deus com É curioso observarmos também como


o espírito dos seres humanos, Nicotra não textos bíblicos que falam da morte de
se constrange em afirmar: “Tanto o Espí- Cristo (Lc 23:46) e de outros seres huma-
rito de Deus quanto o espírito do homem nos (Ec 12:7) são usados, em uma falsa
são escritos absolutamente da mesma analogia, para provar que o Espírito Santo
forma em grego. Portanto não há porque não tem existência própria fora do corpo
interpretar que o espírito de Deus é uma de Deus. Nicotra chega mesmo a afirmar
outra pessoa e o espírito do homem não é que “um espírito (pneuma) sem corpo,
uma outra pessoa” (p. 24). Nesta afirma- com autonomia, existência e personalidade
ção, Nicotra não apenas desconhece que própria (independente do possuidor) é um
um mesmo termo pode ter vários sentidos conceito defendido pelo Espiritismo e pelo
diferentes na Bíblia, mas também se vale Trinitarianismo” (p. 24). Com esse tipo
de um “silogismo grego” semelhante de argumento Nicotra consegue rotular
ao que ele mesmo condena nas páginas sutilmente os trinitarianos, que crêem na
100-101 do seu livro. O silogismo seria o personalidade do Espírito Santo, como
seguinte: Premissa A: O homem tem um pessoas que advogam idéias espíritas. Se
espírito que não possui existência própria o leitor não tiver um embasamento doutri-
fora do corpo. Premissa B: Deus tem um nário mais sólido, ele acabará convencido
espírito. Conclusão: Logo, o Espírito de por esse recurso retórico destituído de
Deus também não possui existência própria fundamentação bíblica.
fora do corpo de Deus.
Na tentativa de negar a personalidade
Mesmo reconhecendo que “a Bíblia do Espírito Santo, Nicotra chega mesmo a
emprega diversas figuras de linguagem” sugerir que o conceito de que “o corpo sem
em relação ao Espírito Santo (p. 58), Ni- espírito é morto” (Tg 2:26) se aplica tanto
cotra não reluta em interpretar de forma a seres humanos quanto ao próprio Deus
literal algumas delas em sua tentativa (p. 19-20). Esse tipo de analogia é dema-
de invalidar a personalidade do Espírito siadamente frágil e artificial. Como Nicotra
Santo. O autor indaga de forma irônica: explicaria o fato de que, quando o espírito
“Uma pessoa pode ser derramada sobre sai das pessoas, elas morrem (Sl 146:4), e
outras [Is 44:3; Ez 39:29; Jl 2:28, 29]? que, quando o Espírito Santo sai de Deus
Logicamente não!” e mais: “Uma pessoa (Jo 15:26), Este não morre? E mais, por que
pode ser soprada sobre outras [Jo 20:22]? o Espírito Santo é passível de ser enviado
É claro que não!” (p. 61). Mas, por que por Deus (Is 48:16; Jo 14:16, 26), e os se-
Nicotra prefere interpretar literalmente res humanos não conseguem enviar o seu
apenas os verbos “derramar” e “soprar”, próprio espírito? Não seria o caso de que,
e não também o verbo “revestir”? Em embora o Espírito de Deus e o espírito do
Romanos 13:14, o apóstolo Paulo ordena homem sejam “escritos absolutamente da
aos cristãos: “revesti-vos do Senhor Jesus mesma forma em grego” (p. 24), eles são
Cristo”. Se usássemos a mesma forma de de natureza diferente e, portanto, devem ser
argumentação de Nicotra, teríamos que interpretados de forma distinta?
admitir que também Cristo não pode ser
Em vez de reconhecer essa distinção (p.
uma pessoa, mas apenas uma roupa, pois
24), Nicotra prefere crer que o ato de Deus
nenhuma pessoa pode ser revestida em
enviar o Espírito Santo não passa de mera
outra! E ainda, como Nicotra explicaria
emanação espiritual. Na página 79 de “Eu
o texto de Isaías 53:12, onde é dito que o
e o Pai Somos Um” Nicotra interpreta a
próprio Cristo “derramou a sua alma na
expressão “que procede do Pai” (Jo 15:26)
morte”? Além disso, devemos lembrar
nos seguintes termos: “O Espírito de Deus
que pessoas cheias do Espírito Santo (Êx
está dentro de Deus e não fora dEle, assim
31:2; 35:31; Mq 3:8; Lc 1:15, 67; 4:1; At
como o espírito do homem está dentro do
2:4; 4:8, 31; 6:3, 5; 7:55; 9:17; 11:24; 13:9)
corpo do homem. De dentro de Deus o
são pessoas que estão sob a influência do
Espírito emana para os seus filhos”. Dian-
Espírito Santo.
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 87

te dessa afirmação, não há como evitar a meridiana” interpretativa que Nicotra alega
pergunta: Se a analogia entre o espírito do ter encontrado, a ponto de asseverar que
homem e o Espírito de Deus (p. 10-27) é “não há mais dúvidas” (p. 85), não parece
válida, por que o Espírito de Deus emana, tão clara assim.
e o do homem, não?
James Robertson, em sua obra Ensinos
Por mais sincero e honesto que Ri- de Jesus, declara de forma convincente:
cardo Nicotra pretenda ter sido em seu Do ensino de Jesus, não resta a menor dúvida
estudo (p. 6), cremos que a sua teoria que o outro Paracleto é uma pessoa. A cada passo
da emanação divina reflete bem mais de Jesus fala desta maneira: “Ele vos ensinará todas
perto a filosofia de Plotino (205-270) e de as coisas”; “Ele me glorificará”. Personalidade
Schelling (1775-1854) do que o conceito está implicada no título “Paracleto”, o qual, em
bíblico. Esses filósofos consideravam a algumas versões, é traduzido impropriamente
“emanação” como um “processo no qual “Confortador”. A palavra significa “um que é cha-
mado para ficar ao nosso lado, especialmente em
a divindade suprema irradia, emite ou
ocasiões de dificuldade e conflito”. É, portanto, a
propaga sua própria substância, criando palavra que designa um advogado, e é assim usada
o universo, uma extensão de sua natureza a respeito de Jesus mesmo, em 1 João 2:1, onde
divina, de maneira processual, contínua e lemos: “Nós temos um Paracleto (advogado) com
permanente”.65 Nicotra certamente não iria o Pai, Jesus Cristo, o justo.” Como, porém, a pala-
tão longe como esses filósofos na definição vra significa “um que, em qualquer circunstância,
de referido termo, mas as implicações pela sua presença, dá força”, ela pode ser traduzida
lógicas da teoria dele não diferem muito também por Ajudador, Consolador, Encorajador.
desse conceito filosófico, pois a suposta Ela designa alguém que, em comunhão conosco,
emanação teria que realizar a ampla obra nos sustenta no dever e nos conforta na tristeza.
atribuída nas Escrituras ao Espírito Santo. Mas, à vista da ênfase com que Jesus representa
o Paracleto tomando parte com os discípulos na
Por contraste, os adventistas do sétimo dia
luta contra um mundo hostil, ela pode bem ser
crêem que o Espírito Santo possui uma traduzida ainda por Socorredor e Campeão. Na
personalidade distinta do Pai e do Filho, ante-visão que Jesus nos dá, tão distintamente,
diferindo radicalmente da mera emanação da hostilidade do mundo, em João 15:18-17:11, e
divina proposta por Nicotra. no conflito contra o mundo, e no testemunho que
os seus discípulos teriam de dar, o Paracleto surge
O parákletos divino como um Campeão, cuja intervenção na luta seria
decisiva. “Quando o Paracleto vier ... dará teste-
Boa parte dos argumentos que Nicotra munho de mim”. “Quando ele vier, convencerá o
usa para reinterpretar o parákletos divino mundo de pecado, de justiça e de Juízo; de pecado,
no Evangelho de João, como sendo exclusi- porque não crêem em mim; de justiça, porque vou
vamente Cristo, já foram mencionados sob para o Pai, e não me vereis mais; de juízo, por-
que o príncipe deste mundo está julgado.” (João
o intertítulo “Princípios de Interpretação”,
16:8-11). A intervenção do Paracleto é “robusta e
do presente artigo. Como o termo parák- enérgica”; é mais do que animar e confortar. Está
letos é usado para Cristo em 1 João 2:1, implicada também, no ensino de Jesus, que o outro
Nicotra se sente na liberdade de afirmar, Paracleto é uma pessoa divina. Jesus não poderia
desconhecendo os diferentes contextos dizer que era melhor que Ele fosse, se o seu subs-
do Evangelho de João, que todos os usos tituto fosse menos do que divino. Nem poderia ter
do termo naquele evangelho também se dito que “ao que disser alguma palavra contra o
referem apenas a Cristo (p. 70-85). Mas, Filho do Homem, isso lhe será perdoado; porém,
se o Consolador fosse o próprio Cristo, ao que falar contra o Espírito Santo, não lhe será
como interpretar a seguinte declaração de perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro”
Cristo: “convém-vos que eu vá, porque, se (Mat. 12:32). Também não poderia ter juntado “o
Pai, o Filho e o Espírito Santo”, como o faz na
eu não for, o Consolador não virá para vós
fórmula do batismo (Mat. 28:19), se todos os três
outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” não fossem divinos.66
(Jo 16:7)? E como explicar que o mesmo
Consolador viria com a missão de glorificar Cremos, portanto, que a interpretação
a Cristo (Jo 16:14)? A pretensa “clareza
88 / Parousia - 2º semestre de 2005

de James Robertson sobre o parákletos no plo do Senhor e será revestido de glória;


Evangelho de João como o Espírito Santo é assentar-se-á no seu trono, e dominará,
bem mais coerente com o contexto bíblico e será sacerdote no seu trono; e reinará
do que a teoria de uma mera emanação de perfeita união entre ambos os ofícios”.
Cristo, proposta por Nicotra (p. 79). Como rei, Cristo exerce também a função
de juiz. Em João 5:22 é dito: “E o Pai a
O trono do Espírito Santo ninguém julga, mas ao Filho confiou todo
julgamento”. Portanto, é plenamente evi-
Um dos argumentos mais comuns con- dente que Cristo deva compartilhar com
tra a doutrina da Trindade é a alegação de o Pai o trono do universo.
que o livro do Apocalipse não apresenta O Espírito Santo, por Sua vez, exerce
qualquer alusão a um “trono” do Espírito funções diferentes nos planos divinos.
Santo. Nicotra chega mesmo a desafiar: Entre elas estão as de representar a Deus
“O livro do Apocalipse menciona apenas no universo (Sl 139:7-12), convencer os
o trono de Deus e do Cordeiro [Ap 22:1, seres humanos “do pecado, da justiça e
3]. Onde está o trono do Espírito Santo?” do juízo” (Jo 16:8), glorificar a Cristo (Jo
(p. 34-35). Aqui Nicotra parece se valer 16:14), derramar “o amor de Deus” no
mais uma vez de um “silogismo grego” coração dos crentes (Rm 5:5), edificar in-
semelhante aos que ele condena nas p. 100- ternamente a igreja (1Co 12) e capacitá-la
101 do seu livro. Desta vez, o argumento para o testemunho (At 1:8). Mesmo depois
básico seria o seguinte: Premissa A: Todas da final erradicação do pecado, o Espírito
as pessoas da Divindade devem ocupar um Santo continuará exercendo a função de
lugar no trono do universo. Premissa B: Mantenedor do universo (cf. Gn 1:2). Não
O Espírito Santo não é mencionado como é de surpreender, por conseguinte, que Ele
estando nesse trono. Conclusão: Logo, o não seja mencionado como soberano ou
Espírito Santo não é uma pessoa. juiz sobre o trono do universo.
As Escrituras mencionam o “trono” Na Bíblia encontramos vários textos
de Deus existente nas cortes celestiais que mencionam ao mesmo tempo o Pai,
tanto no singular (Sl 9:7; Ap 4:2; 22:1, 3; o Filho e o Espírito Santo (ver Is 48:16;
etc.) como no plural (Dn 7:9). Um breve Mt 28:19; Lc 3:21, 22; 2Co 13:13; Tt
estudo do uso bíblico desse termo é sufi- 3:4-7; etc.). Embora o Espírito Santo
ciente para esclarecer que ele indica não não seja mencionado explicitamente em
apenas soberania e majestade (Sl 45:6; Apocalipse 22:1 e 3 com o Pai e o Filho
Is 6:1-4; etc.) como também julgamento sobre o trono do universo, esse fato ja-
(Sl 9:7, 8; Dn 7:9, 10; etc.). Ellen White mais deveria ser usado para invalidar os
descreve o início do juízo investigativo demais textos bíblicos que mencionam o
pré-advento em 1844 como envolvendo Espírito Santo como exercendo funções
um deslocamento tanto do Pai quanto do distintas do Pai e do Filho.
Filho de sobre o trono do Lugar Santo
para outro trono no Lugar Santíssimo
do santuário celestial (cf. Dn 7:9-14).67 A autenticidade de Mateus 28:19
Portanto, independente da ocasião e das Muito já foi dito acima sobre a expres-
circunstâncias envolvidas, a expressão são “batizando-os em nome do Pai, e do Fi-
“trono”, quando usada em relação a Deus, lho, e do Espírito Santo” de Mateus 28:19.
possui geralmente uma conotação mais Mas cremos que ainda seria conveniente
funcional do que essencial. transcrevermos o seguinte comentário de
É interessante observarmos que Cristo R. V. G. Tasker sobre esse assunto:
exerce ao mesmo tempo os ofícios sacer- Afirma-se muitas vezes que as palavras em
dotal e real em Seu trono. Já em Zacarias nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo não
6:13 encontramos a seguinte profecia são as ipsissima verba de Jesus, mas, ou são pa-
messiânica: “Ele mesmo edificará o tem- lavras do evangelista postas em sua boca, ou um
acréscimo litúrgico posterior. Argumenta-se que
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 89

nos lábios de Jesus elas seriam um anacronismo; no que Levertoff chama de “a maior conclusão que
que a igreja primitiva na verdade não as empregou qualquer livro poderia ter”, que, o que quer que o
como fórmula batismal até o século segundo; e futuro lhes reserve[,] Ele estará com eles no Espírito
que Eusébio de Cesaréia, ao citar esta passagem, que lhes enviará da parte do Pai, sempre, até o fim
muitas vezes omite ou altera estas palavras. Por do mundo (VA), isto é, conforme o significado do
outro lado, as palavras se acham em todos os grego, heos tes sunteleias tou aionos, “até à consu-
MSS existentes; e é difícil ver por que o evange- mação da era presente” (RA: até à consumação do
lista as teria inserido se na ocasião em que estava século), quando terá início a nova era, inaugurada
escrevendo não faziam parte da liturgia da igreja. pelo retorno do Senhor em glória.68
Também é difícil supor que, se Eusébio tivesse
realmente sabido de MSS que omitiam estas pa- As considerações anteriores confir-
lavras, não sobrevivesse algum traço da influência
mam nossa convicção de que (1) Deus
destes MSS na tradição textual. Ademais, bem
pode ser que a verdadeira explicação por que a
preservou a Bíblia em suas línguas origi-
igreja primitiva não ministrou logo o batismo no nais, evitando que nela fossem acrescidas
nome tríplice seja que as palavras de 28:19 não quaisquer interpolações heréticas; (2) a
foram ditas originalmente por nosso Senhor com a natureza do Espírito Santo é um misté-
intenção de serem uma fórmula batismal. Ele não rio que pode ser entendido apenas até
estava dando instruções sobre as palavras a serem onde Deus julgou conveniente revelar
de fato usadas no ofício do batismo, mas, como nas Escrituras; (3) a teoria da Bindade
já se sugeriu, estava indicando que, pelo batismo, é parcial e não corresponde à revelação
a pessoa batizada passaria a ser possessão do Pai, bíblica de Deus como uma Tri-unidade;
do Filho e do Espírito Santo. Há boa evidência de (4) Deus o Filho é co-eterno com o Pai,
que o idiotismo grego, eis to onoma (“para dentro
jamais tendo um início, mesmo antes do
do nome”, não “no nome”) poderia comunicar
este significado. Além disso, parece que o batismo
tempo ou da eternidade; (5) o Espírito
que o Cristo ressurreto está aqui ensinando os Santo é uma Pessoa e não meramente uma
seus discípulos a praticarem não era uma simples emanação despersonalizada de Deus; (6)
restauração do batismo de João para arrependi- o parákletos divino no Evangelho de João
mento, nem a continuação do batismo praticado é o Espírito Santo, e não Cristo, como em
por Ele e seus discípulos antes, no seu ministério. 1 João 2:1; (7) a palavra “trono” na Bíblia
Era essencialmente o novo sacramento, pelo qual possui uma conotação funcional que jamais
homens e mulheres haviam de submeter-se à in- deveria ser usada para negar a existência do
fluência do Trino Deus para serem usados em seu Espírito Santo como um Ser distinto do Pai
serviço. As palavras, em nome do Pai e do Filho e e do Filho; e (8) a expressão “batizando-os
do Espírito Santo são, pois, enfáticas e essenciais
em nome do Pai, e do Filho e do Espírito
ao texto. Sem elas, a referência ao batismo seria
indeterminada e convencional.
Santo” em Mateus 28:19 deve ser conside-
Tampouco o fato de ser um tanto surpreendente rada como autêntica, e seu conteúdo, como
ver as três Pessoas da Trindade mencionadas por um resumo adequado dos próprios ensinos
Jesus é um insuperável argumento contra a histo- de Cristo.
ricidade das palavras. Ele falara constantemente
do “Pai”; em [Mateus] 11.27 e em 24.36, e muitas Considerações finais
vezes no quarto evangelho, Ele é apresentado fa-
lando de Si como “o Filho”; e muitas vezes fizera O presente artigo fornece uma análise
referência ao “Espírito” que seria “o outro Conso- crítica das idéias e conceitos básicos de
lador” quando findasse o seu ministério terreno. “Eu e o Pai Somos Um”. Mesmo em face
Quão, natural, é pois, que em sua comissão final a de tudo o que foi dito, é bem provável
seus discípulos, desse, nas palavras de Swete, “um que os antitrinitarianos simplesmente
magnífico sumário de todo o seu disperso ensino desconheçam todos os argumentos acima
sobre o Pai, o Espírito, e as suas próprias relações apresentados, e busquem questiúnculas não
com ambos ... não o dando como um dogma a ser
abordadas no presente estudo, para dizer
pregado, mas comunicando uma vida de comunhão,
de consagração, de divina plenitude e poder”! E
que suas idéias não foram respondidas a
quão estreitamente esta “comunicação” se liga às contento. Não é de surpreender também que
fortalecedoras palavras com que o evangelho termi- rotulações e ataques pessoais sejam usados
na! O Cristo ressurreto garante aos seus seguidores, como um mecanismo de autodefesa, na
tentativa de neutralizar o conteúdo deste ar-
90 / Parousia - 2º semestre de 2005

tigo. Sugerimos, porém, que o leitor jamais possui um sólido fundamento bíblico,
permita que recursos retóricos ofusquem a e que Joroslav Pelikan está correto em
objetividade de uma clara análise concei- afirmar que essa doutrina “foi apenas
tual do texto bíblico, comparando e con- confirmada, e não inventada, em Nicéia”.69
trastando o conteúdo do livro “Eu e o Pai Algumas pessoas podem descrer da perso-
Somos Um” com a presente análise crítica. nalidade do Espírito Santo e até mesmo ne-
Cada cristão deveria seguir o exemplo dos gar a Sua existência como um Ser distinto
bereanos, que examinavam “as Escrituras do Pai e do Filho. Mas para os adventistas
todos os dias para ver se as coisas eram, de do sétimo dia a aceitação do Espírito Santo
fato, assim” (At 17:11). como uma “pessoa divina” é uma questão
de fidelidade ao texto inspirado.70 Num momento
A compreensão da natureza de Deus em em que a igreja mais precisa do poder do Espírito Santo para finalizar
geral, e do Espírito Santo em particular, é a pregação do “evangelho eterno” no mundo (Ap 14:6), não podemos
demasiadamente importante e sagrada para permitir que pessoas dividam as comunidades adventistas com idéias
alimentarmos idéias especulativas a respei- espúrias sobre a natureza e obra do Espírito Santo.
to. Nicotra asseverou, de forma pertinente,
que “blasfemar contra o Espírito Santo é
desprezar as inúmeras evidências bíblicas
sobre sua obra e natureza. É se agarrar a
conceitos pré-estabelecidos desprezando
a luz que emana da Palavra de Deus” (p.
67). Nicotra poderia ter evitado muitos
constrangimentos desnecessários, hou-
vesse ele tão somente colocado em prática
em “Eu e o Pai Somos Um” esse sábio
conselho. Sua maior falha foi, sem dúvida,
aventurar-se em estudos demasiadamente
profundos para a lógica humana (ver Rm
11:33), sem princípios hermenêuticos su-
ficientemente sólidos, e sem aplicá-los de
modo consistente.
Cremos que a doutrina da Trindade

Referências 4
Alberto R. Timm, “A History of Seventh-day
1
O conteúdo da presente resenha crítica reflete Adventist Views of Biblical and Prophetic Inspiration
idéias compartilhadas por uma comissão avaliadora (1844-2000)”, Journal of the Adventist Theological
composta pelos seguintes professores do Curso de Society 10/1-2 (1999): 486-499.
Teologia do Unasp, Campus Engenheiro Coelho: 5
Woodrow Whidden, Jerry Moon e John W.
Alberto R. Timm (relator), Amin A. Rodor, Emilson Reeve, The Trinity: Understanding God’s Love, His
dos Reis, José Carlos Ramos, José Miranda Rocha, Plan of Salvation, and Christian Relationships (Ha-
Natanael B. P. Moraes, Reinaldo W. Siqueira, Ro- gerstown, MD: Review and Herald, 2002).
drigo P. Silva, Ruben Aguilar dos Santos e Wilson 6
Whidden, Moon e Reeve, A Trindade.
L. Paroschi. 7
Ricardo Nicotra, “Eu e o Pai Somos Um”. E o
2
Douglas S. Huffman e Eric L. Johnson, eds., Espírito Santo? Não faz parte da Trindade?, 2ª ed.
God under Fire: Modern Scholarship Reinvents God (São Paulo: Ministério Bíblico Cristão, 2004).
(Grand Rapids, MI: Zondervan, 2002). 8
As informações biográficas e históricas contidas
3
Para um estudo mais detalhado do antitrinita- no subtítulo “Antecedentes históricos” foram forne-
rianismo dos pioneiros adventistas, ver Woodrow cidas por Fabiano Ramos Medes, aluno do 3º ano do
Whidden, Jerry Moon e John W. Reeve, A Trindade: Curso de Teologia do Unasp – Campus Engenheiro
como entender os mistérios da pessoa de Deus na Coelho, com base em entrevista pessoal por ele rea-
Bíblia e na história do cristianismo (Tatuí, SP: Casa lizada com Ricardo Nicotra no dia 5 de setembro de
Publicadora Brasileira, 2003), 217-230. 2005, em São Paulo, SP.
9
Livro de Praxes da Divisão Sul-Americana
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 91

(Brasília, DF: Divisão Sul-Americana, 1993). Rapids, MI: Baker, 1995); idem, Making Sense of
10
Ver Lewis R. Walton, Ômega (São Paulo: the Trinity: 3 Crucial Questions (Grand Rapids, MI:
Instituto Adventista de Ensino, s.d.), 5-65; idem, Baker, 2000).
Omega II: God’s Church at the Brink (Glennville, 25
Nisto Cremos: 27 ensinos bíblicos dos adven-
CA: Lewis R. Walton, 1995), 5-120. tistas do sétimo dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora
11
Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, 2ª Brasileira, 1989), 31-98.
ed. (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 26
Fernando L. Canale, “Doctrine of God”, in
1985), 1:193-208. Raoul Dederen, ed., Handbook of Seventh-day Ad-
12
Legislação Brasileira, Código de Processo ventist Theology, Commentary Reference Series,
Penal, 42ª ed. (São Paulo: Saraiva, 2002). vol. 12 (Hagerstown, MD: Review and Herald,
13
Hugh Chisholm, ed., The Encyclopaedia Bri- 2000), 105-159.
tannica, 11ª ed., 29 vols. (Nova York: Encyclopaedia 27
Max Hatton, Understanding the Trinity (Alma
Britannica, 1910). Park Grantham, Lincolnshire, Inglaterra: Autumn
14
Maurice A. Canney, An Encyclopaedia of House, 2001).
Religions (Londres e Nova York: G. Routledge & 28
Whidden, Moon e Reeve, Trindade.
Sons / E. P. Dutton & Co., 1921). 29
Alusões às declarações desses autores, confir-
15
Frank M. Colby e Talcott Williams, eds., The mando a autenticidade de Mateus 28:19, podem ser
New International Encyclopaedia, 2ª ed., 24 vols. encontradas em José Carlos Ramos, “Mateus 28:19
(Nova York: Dodd, Mead and Co., 1917). – falso ou autêntico?”, Revista Adventista (Brasil),
16
James Hastings, ed., Encyclopaedia of Religion maio de 2005, 10-11; Rodrigo P. Silva, “Trindade:
and Ethics, 12 vols. (Nova York: Charles Scribner’s um dogma de Constantino?” Revista Adventista
Sons, 1922). (Brasil), julho de 2005, 14-16.
17
A Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Paulinas, 30
A noção de que o Credo de Cesaréia, escrito
1981). por Eusébio, tenha servido de base para a elaboração
18
Hollenberg e Budde, Gramática Elementar do Credo Niceno é contestada por J. N. D. Kelly em
da Língua Hebraica, 5ª ed. (São Leopoldo, RS: sua obra Early Christian Creeds, 3ª ed. (Harlow, In-
Sinodal, 1985). glaterra: Longman, 1972), 181-230. De acordo com
19
Wikipedia: The Free Encyclopedia, em http:// Kelley, o Credo de Cesaréia é autêntico e foi escrito,
en.wikipedia.org. provavelmente com a “terminação mais longa”, por
20
Catecismo do Católico de Hoje, 28ª ed. (Apa- Eusébio (ibid., 182), e apresentado por ele diante
recida, SP: Editora Santuário, 2002). do Concílio de Nicéia com o propósito de “livrar-se
21
Alejandro Bullón, O Terceiro Milênio e as Pro- das nódoas de heresia [ariana] e obter, desta forma,
fecias do Apocalipse: como viver sem medo do futuro sua reabilitação teológica” (ibid., 226). Ver também
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1998). Jaroslav Pelikan, The Christian Tradition: A History
22
Uma clássica exposição antitrinitariana das of the Development of Doctrine (Chicago: University
alusões de Eusébio de Cesaréia a Mateus 28:19 foi of Chicago Press, 1971), 1:201-202.
provida por Fred. C. Conybeare, “The Eusebian 31
Philip Schaff, ed., The Creeds of Christendom
form of the Text Matth. 28, 19,” Zeitschrift für die (Grand Rapids, MI: Baker, 1990), 2:29-30.
neutestamentliche Wissenschaft und die Kunde des 32
Ellen G. White, O Grande Conflito entre Cristo
Urchristentums (1901): 275-288. e Satanás, 41ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Bra-
23
Ver, por exemplo, Augustus H. Strong, Sys- sileira, 2001), 574. Philip Schaff, em sua History of
tematic Theology (Valley Forge, PA: Judson Press, the Christian Church (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1907), 243-352; Charles Hudge, Systematic Theology 1910), 2:866, também qualifica o bispo Eusébio
(Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995), 1:366-534; de Cesaréia de “amigo e elogiador” do imperador
Louis Berkhof, Systematic Theology (Edinburgh: Constantino.
Banner of Truth Trust, 1958), 19-99; Millard J. 33
Eusébio de Cesaréia, A Vida de Constantino, I,
Erickson, Christian Theology (Grand Rapids, MI: IV. Tradução baseada em NPNF, 2ª série, 1:482.
Baker, 1985), 261-342; Gordon R. Lewis e Bruce 34
Edward Gibbon, The Decline and Fall of the
A. Demarest, Integrative Theology (Grand Rapids, Roman Empire (Nova York: Modern Library, s.d.),
MI: Zondervan, 1987), 1:175-289; Wayne Grudem, 1:683, 693; E. Venables, “Eusebius of Caesarea”, in
Systematic Theology: An Introduction to Biblical Henry Wace e William C. Piercy, eds., A Dictionary
Doctrine (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1994), of Christian Biography (Peabody, MA: Hendrickson,
139-261; Alister E. McGrath, Christian Theology: An 1994), 318-319; Arthur C. McGiffert, A History of
Introduction (Oxford: Blackwell, 1994), 205-308. Christian Thought (Nova York: Charles Scribner’s
24
Ver, por exemplo, Herman Bavinck, The Sons, 1954), 258-275; Bernhard Lohse, A Short
Doctrine of God (Edinburgh: Banner of Truth Trust, History of Christian Doctrine, ed. Americana rev.
1979); Millard J. Erickson, God in Three Persons: A (Philadelphia: Fortress, 1985), 53.
Contemporary Interpretation of the Trinity (Grand 35
Benjamin J. Hubbard, The Matthean Redaction
92 / Parousia - 2º semestre de 2005

of a Primitive Apostolic Commissioning: An Exegesis 48


Ver Ellen G. White, Spiritual Gifts, [vol. 1]
of Matthew 28:16-20, SBL Dissertation Series 19 – “The Great Controversy, between Christ and His
(Missoula, MT: Scholars’ Press, 1974), 175. Angels, and Satan and His Angels” (Battle Creek,
36
No CD-ROM The Complete Published Ellen MI: James White, 1858), 103-119; republicado em
G. White Writings (versão 3.0) aparece 168 vezes a português em idem, Primeiros Escritos, 6ª ed. (Tatuí,
expressão “batizando-os em nome do Pai, e do Filho, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1999), 210-222.
e do Espírito Santo”, levando-se em consideração 49
Ver Ellen G. White, The Spirit of Prophecy, vol.
as variantes “Holy Spirit” e “Holy Ghost”. Se essa 4 – “The Great Controversy between Christ and Satan
expressão fosse uma interpolação herética, como from the Destruction of Jerusalem to the End of the
alegam alguns, cremos que Ellen White não a teria Controversy” (Oakland, CA: Pacific Press, 1984),
repetido tantas vezes em seus escritos publicados. 39-65; republicado parcialmente em português em
37
Cf. Bernhard Lohse, A Short History of Chris- idem, História da Redenção, 9ª ed. (Tatuí, SP: Casa
tian Doctrine, ed. Americana rev. (Philadelphia: Publicadora Brasileira, 2002), 320-334.
Fortress, 1985), 52: “A confissão de Nicéia não deve 50
Ver Ellen G. White, The Great Controversy
ser confundida com a confissão que hoje nos cultos between Christ and Satan during the Christian
é freqüentemente chamada de Credo Niceno. Em Dispensation (Oakland, CA: Pacific Press, 1888),
realidade, este último deveria ser designado como 49-60; idem, The Great Controversy between Christ
Credo Niceno-Constantinopolitano (381).” and Satan: The Conflict of the Ages in the Christian
38
Ver Nestle-Aland, eds., Greek-English New Dispensation (Washington, DC: Review & Herald,
Testament – Editio XXVII, 8ª ed. rev. (Stuttgart: 1911), 49-60; publicado em português como O
Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), 87 (em grego). grande conflito, 49-60.
39
Strong, Systematic Theology, 7. 51
Quanto é do nosso conhecimento, o pastor
40
Para um estudo mais minucioso do termo Enoch de Oliveira foi o único adventista brasileiro
hebraico ruach, ver J. Barton Payne, “rûah”, em R. a receber o título honorífico de “Doutor em Divinda-
Laird Harris, ed., Theological Wordbook of the Old de”, que lhe foi conferido pela Andrews University
Testament (Chicago: Moody, 1980), 2:836-837; Ten- (Joel Sarli, “Andrews University confere ao Pastor
gström e Fabry, “rûah”, em G. Johannes Botterweck, Enoch de Oliveira o título honorífico de Doutor
Helmer Ringgren e Heinz-Josef Fabry, Theological em Divindade”, O Ministério Adventista (Brasil),
Dictionary of the Old Testament (Grand Rapids, MI: novembro-dezembro de 1975, 14-15). O pastor João
Eerdamns, 2004), 13:365-402. Wolff recebeu o título de “Doutor Honoris Causa” da
41
Para um estudo mais detido do termo grego Southwestern Adventist University (“Universidade
pneuma, ver Gerhard Friedrich, ed., Theological americana outorga título ao Pastor Wolff”, Revista
Dictionary of the New Testament (Grand Rapids, Adventista (Brasil), junho de 1993, 14).
MI: Eerdmans, 1968), 6:332-455; E. Kamlah e J. D. 52
Bernard Ramm, Protestant Biblical Inter-
G. Dunn, “Espírito, Espírito Santo”, Colin Brown, pretation: A Textbook of Hermeneutics, 3ª ed., rev.
ed., O Novo Dicionário Internacional de Teologia (Grand Rapids, MI: Baker, 1970), 37.
do Novo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 1982), 53
E. G. White, O Desejado de Todas as Nações,
2:122-149. 671.
42
Ver referências bibliográficas 23-28, acima. 54
W[alter] S[chubert], “Caixa de perguntas”,
43
Ver, por exemplo, Ellen G. White, Evangelismo, O Pregador Adventista, janeiro-fevereiro de 1949,
3ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1997), 22-23.
613-617; idem, O Desejado de Todas as Nações, 22ª 55
Francis D. Nichol, ed., The Seventh-day Ad-
ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003), ventist Bible Commentary (Washington, DC: Review
671; comentários de E. G. White em Seventh-day and Herald, 1957), 7:675.
Adventist Bible Commentary, ed. rev. (Washington, 56
Pedro Apolinário, Estudo de passagens com
DC: Review and Herald, 1980), 6:1074. Para um problemas de interpretação (São Paulo: Instituto
estudo mais detido do assunto, ver Whidden, Moon Adventista de Ensino, 1986), 302; ver também p.
e Reeve, A Trindade, 231-261. 302-307.
44
E. G. White, Evangelismo, 617. 57
CD-ROM The Complete Published Ellen G.
45
Eusébio de Cesaréia, História eclesiástica, White Writings (versão 3.0).
III, XXXIX, 16. Tradução baseada em NPNF, 2ª 58
Ver nota 36, acima.
série, 1:173. 59
Ellen G. White, Testimonies for the Church
46
Donald A. Hagner, Matthew 1-13, World (Mountain View, CA: Pacific Press, 1948), 5:171.
Biblical Commentary, vol. 33A (Dallas, TX: Word, 60
Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, 8ª ed. (Ta-
1993), xiv. tuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1999), 52.
47
Tradução do Nôvo Mundo das Escrituras 61
Cf. E. G. White, O Desejado de Todas as
Sagradas (Brooklyn, Nova York: Watchtower Bible Nações, 114: “Quando Jesus foi levado ao deserto
and Tract Society, 1967), 1052. para ser tentado, foi levado pelo Espírito de Deus.
Não convidou a tentação.”
Resenha crítica do livro “Eu e o Pai Somos Um” / 93
62
E. G. White, Evangelismo, 616. (“emanação”).
63
Leon Morris, The Gospel According to John, 66
James Robertson, Ensinos de Jesus (São Paulo:
The New International Commentary on the New União Cultural, s.d.), 146-147.
Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1971), 67
Ver E. G. White, Primeiros Escritos, 54-56,
105, n. 93. 92-93.
64
E. G. White, O Desejado de Todas as Nações, 68
R. V. G. Tasker, Evangelho Segundo Mateus:
530. introdução e comentário (São Paulo: Vida Nova /
65
Antônio Houaiss, Mauro de Salles Villar, e Mundo Cristão, 1980), 218-219.
Francisco Manoel de Mello Franco, Dicionário 69
Jaroslav Pelikan, The Vindication of Tradition
Houaiss da Língua Portuguesa, 1ª reimpressão com (New Haven: Yale University Press, 1984), 27.
alterações (Rio de Janeiro: Objetiva, 2004), 1114 70
Ver E. G. White, Evangelismo, 613-617.

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