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Os dilemas
do déficit externo
Liliana Lavoratti, do Rio de Janeiro
Até mesmo depois de os dados oficiais Celso Pastore, Marcio Holland, Pedro Cavalcante e Samuel
evidenciarem que a volta de déficits de Abreu Pessoa mostraram que o tema divide os analistas
na conta corrente do balanço de pa- em posições extremas.
gamentos é uma realidade com a qual De um lado estão os que não veem risco no uso da pou-
o Brasil conviverá, as preocupações pança externa para financiar consumo e investimentos, desde
se dirigem para os possíveis efeitos que o país continue apresentando o “bom comportamento”
desses saldos negativos contínuos e, das duas últimas décadas e torne a composição do passivo
provavelmente, elevados. Durante externo favorável, com baixo endividamento em moeda es-
o seminário “Déficits em conta cor- trangeira. Nesse caso, a poupança externa tem a importante
rente: oportunidade ou ameaça?”, função de complementar a interna, que provavelmente se
promovido pelo Instituto Brasileiro manterá por muito tempo nos níveis baixos observados his-
de Economia (IBRE) da Fundação Ge- toricamente. Os defensores dessa posição admitem, porém,
tulio Vargas, os economistas Affonso a existência de algum grau de incerteza capaz de prejudicar
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Resta saber
se o mundo BC: mudança estrutural
vai continuar Para o chefe do Departamento Econômico do Banco Central,
Altamir Lopes, é preciso considerar a mudança estrutural no
caminho chinês — poupança interna cresceu ultimamente por causa do aumento das importações,
de quase 50% do PIB, gastos públicos dos gastos com serviços no exterior e das remessas de lucros.
zero em previdência (totalmente priva- O BC também informa que hoje o resultado das transações
da) e setor privado com poupança alta. representa 20% das reservas internacionais (US$ 252 bilhões)
Já aqui, a poupança interna caiu ano — no começo da década, 65%.
passado para 14,6% do PIB, o menor
“No passado, o passivo decorria do endividamento elevado,
nível desde 2001.
que demandava o pagamento de juros também altos”, afirma
Diante desse quadro, o chefe do
o economista. A dívida pública externa caiu bastante e, além
Centro de Desenvolvimento Econômi-
co do IBRE, Samuel de Abreu Pessoa, disso, o Brasil é credor externo líquido. “Os juros deixaram
acredita que a política econômica não de ser problema no nosso balanço de pagamentos e outro
deve ir contra déficits em conta cor-
rente, mas sim discutir os limites, as
consequências e os riscos dessa opção.
Segundo ele, a política econômica australianos de choques externos, apesar do elevado endivi-
deve induzir a uma estrutura do pas- damento em moeda estrangeira.
sivo externo — inclusive das empresas “Se fizermos essa lição de casa, dificilmente passaremos
privadas —, que não gere problemas por crises no balanço de pagamentos, pois não faltará
para o país, como ensina a Austrália. financiamento externo”, assinalou Pessoa. Na avaliação
A ex-colônia inglesa passou incólume dele, hoje o país tem condições de sustentar o crescimento
por um longo período de déficits em econômico com déficits em transações correntes elevados.
transações correntes altos, devido à “Ao contrário do passado, quando o passivo externo era
montagem de um modelo macroeco- predominantemente em dólar, neste momento cresce a pro-
nômico consistente que protegeu os porção da parcela em real, e isso cria uma dinâmica favorável
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Se fizermos essa
lição de casa,
componente do passivo externo predomina atualmente: os
dificilmente
investimentos, sejam eles diretos ou no mercado de capitais”,
completa Lopes. passaremos por
Sobre os investimentos são pagos lucros e dividendos
quando auferidos. “Se sai dinheiro é porque a economia crises no balanço
está aquecida. E a contrapartida desse processo é a entrada
de mais recursos estrangeiros na forma de investimentos e de pagamentos,
empréstimos. Ou seja, o déficit em transações correntes nessa
situação é perfeitamente financiável. Isso muda a cara das pois não faltará
coisas”, ressalta o dirigente do BC.
Outro ponto destacado por Lopes é que a uma parcela
financiamento
expressiva das importações está associado o aumento do
investimento direto. “As filiais das matrizes lá fora trazem má-
externo
quinas e equipamentos, isso impacta o déficit em transações Samuel Pessoa
correntes. Mas o financiamento é perfeito”, comenta. Da mes-
ma forma, ele considera outra característica do investimento
direto: se destina primordialmente ao setor industrial — es- essa soma representava apenas 29%
pecialmente minerais — e à agropecuária. “Isso vai alavancar do estoque de obrigações externas do
as exportações em breve, e o déficit em conta corrente será país (na época, ao redor de US$ 225
bilhões). Em uma década e meia, a
amenizado”, afirma.
participação dos investimentos em
Para 2011, o BC não tem projeção do rombo em transações
empresas no passivo internacional
correntes, mas Lopes admite que o quadro não deve mudar
brasileiro cresceu mais de 100%.
de forma substancial. Os mecanismos econômico-institu-
cionais para operar com segurança na
via do financiamento externo devem
incluir, além do controle inflacionário,
do equilíbrio fiscal e do câmbio flutu-
ao Brasil, também ajudada pelas reservas cambiais robustas ante, uma atuação governamental no
e pelo fato de o País ser credor externo líquido”, explica o sentido de desestimular as empresas
economista do IBRE. a assumir dívidas em moeda externa
A mudança da estrutura do passivo externo ocorrida nos sem hedge, deixando claro que o setor
últimos 14 anos também fez a parcela relativa a empréstimos público não oferecerá proteção cam-
e financiamentos (endividamento) cair com a ampliação de bial. “É o que dá para fazer, pois já
investimentos diretos e indiretos em participações societá- foram feitas as escolhas políticas que
rias. Juntos, investimentos diretos e a compra de ações via nos levarão a uma longa trajetória de
mercado de capitais, respondiam, no final de 2009, por déficits em conta corrente”, completa
72% do passivo total, segundo o Banco Central. Em 1995, Pessoa. Fazem parte dessas escolhas
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