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Aulão – Concurso rede estadual

de São Paulo
Principais obras de Geografia no concurso
AB´SABER. A.N. Domínios de Natureza no
Brasil: potencialidades paisagísticas. 7°ed. São
Paulo: Ateliê, 2012.
Aziz Nacib Ab’Sáber, foi professor emérito da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e
presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) de1993 a1995, Ab’Sáber foi um dos mais importantes
estudiosos da Geomorfologia brasileira. Atuou também como
pesquisador das áreas de Ecologia, Biologia Evolutiva,
Fitogeografia, Geologia, Arqueologia e Geografia. Formou-se em
Geografia e História pela USP em 1944, onde tornou-se Doutor
em Geografia (1956), livre-docente (1968) e professor titular de
Geografia Física (1968). Ao longo da carreira, Ab’Saber recebeu
diversos prêmios como o Prêmio Jabuti em Ciências Humanas
(1997 e 2005), e em Ciências Exatas (2007); o Prêmio Almirante
Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia (1999), concedido pelo
Ministério da Ciência e Tecnologia; a Medalha de Grão-Cruz em
Ciências da Terra pela Academia Brasileira de Ciências; o Prêmio
Unesco para Ciência e Meio Ambiente (2001); e o Prêmio Juca
Pato, de Intelectual do Ano (2011). Nascido em em 24 de
outubro de 1924, em São Luiz do Paraitinga (interior de São
Paulo), era pai de duas filhas e avô de seis netos. (Referência:
Agência USP de Notícias).

Na década de 90 coordenou o Projeto Floram no IEA. Contribuiu


com a revista Estudos Avançados e participou de diversas
conferências e palestras desde a fundação do Instituto em 1986.
Maiores detalhes do Projeto Floram.
PRESSUPOSTOS
- Origem/base na Geomorfologia Climática, a partir
das contribuições iniciais do geógrafo francês Jean
Tricart (África e América do Sul);
- Crítica aos estudos analíticos da natureza
(regionalizações fragmentadas X dinâmica integrada);
- Análise integrada dos elementos e processos
naturais;
- Herança de processos fisiográficos e biológicos;
- Patrimônio coletivo dos povos que as herdaram;
OS DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS

Proposta de regionalização dos conjuntos


paisagísticos com domínio relativo das feições de:
- Relevo
- Clima
- Solo
- Vegetação
- Hidrografia
OBS: Os domínios morfoclimáticos não possuem
limites rígidos, mas faixas de transição entre cada
área nuclear (área total), compostas por elementos
de dois ou mais domínios. No interior dos domínios,
poderá ocorrer enclaves de outros domínios,
provenientes de condições paleoclimáticas e
palecológicas do quartenário (herança de processo
fisiográficos e biológicos passados).

A B

A+B (+C)
PRINCIPAIS CONCEITOS

- Área Core = área total de um domínio morfoclimático;


- Enclave = ocorrência de outras feições morfoclimáticas
no interior de um domínio(ex. cerrados na Amazônia);
- Reduto = Processo de isolamento da vegetação de um
determinado domínio devido a processos
paleoclimáticos e paleoecológicos (ex. caatingas de
Macaé/Cabo Frio – RJ);
-Ecótono = área de transição, marcada pela presença de
elementos característicos de dois ou mais domínios;
Cerrado na Floresta Amazônica - Enclave
Praia de Caravelas em Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil - REDUTO
Ilha de Cananéia, SP. - Ecótono
Foto: Sarah Charlier
PRINCIPAIS CONCEITOS

Refúgio = ambientes onde faunas se abrigaram


durante o último máximo glacial, formados por ilhas
de vegetação isoladas (redutos de florestas) no
interior de formações semi-áridas (caatingas, cerrados
e campestres);
Relicto = espécie vegetal isolada entre
ecossistemas distintos, devido a processos
paleoclimáticos (Ex. Mandacarus de Salto-Itu – SP);
Ilha da Queimada Grande, litoral de SP

Jararaca ilhoa - Refúgio


Domínios Morfoclimáticos
X
Biomas/Climas
Climas
do
Brasil

Fonte: Mapa dos Biomas do Brasil. IBGE, 2004


Biomas do
Brasil

Fonte: Mapa dos Biomas do Brasil. IBGE, 2004


DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS
DO BRASIL
I – AMAZÔNICO:
terras baixas florestadas equatoriais;
Fonte:SIMIELI, M.E. Geoatlas. 30ed. São Paulo. Ed. Ática, 2000
II – CERRADO:
chapadões tropicais interiores com cerrados e
florestas galerias;
III – MARES DE MORROS:
áreas mamemolares tropicais – atlânticas
florestadas;
Fonte:SIMIELI, M.E. Geoatlas. 30ed. São Paulo. Ed. Ática, 2000
IV – CAATINGAS:
depressões intermontanas e interplanálticas
Fonte:SIMIELI, M.E. Geoatlas. 30ed. São Paulo. Ed. Ática, 2000
V – ARAUCÁRIAS:
planaltos subtropicais com araucárias;
VI – PRADARIAS:
coxilas subtropicais com pradarias mistas;
FAIXAS DE TRANSIÇÃO ou ECÓTONO: não
diferenciadas;
Mata dos Cocais
Pantanais
Agreste
Geografia - Pequena história
crítica
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia. Pequena história crítica. .
São Paulo: Hucitec.
Antonio Carlos Robert Moraes

Graduado em Geografia (1977) e em Ciências Sociais (1979), ambas pela


Universidade de São Paulo. Mestrado (1983), doutorado (1991) e livre docência
(2000) em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. Foi professor
titular do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, desde 2005,
onde coordenava o Laboratório de Geografia Política. Foi residente da banca de
Geografia do concurso de ingresso na carreira de Diplomata do Instituto Rio
Branco - Ministérios das Relações Exteriores; coordenador da área de Geografia
Humana da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Trabalhava as áreas de Metodologia e História da Geografia, tendo publicado
mais de uma dezena de livros sobre o tema. Também atuava no campo das
políticas territoriais no Brasil e no exterior, sendo consultor do Estado e de órgãos
governamentais, com destaque para programas de ordenamento territorial de
áreas litorâneas (tendo estabelecido a metodologia dos Programas Nacionais de
Gerenciamento Costeiro do Brasil e de Moçambique). Ministrou cursos em várias
universidades do Brasil e do exterior, como a Universidade Autônoma do México,
Universidade de Cádiz, Universidade de Lisboa, Universidade de Buenos Aires,
Universidade Eduardo Mondlane, entre outras.

Faleceu em 16 julho de 2015


O POSITIVISMO COMO FUNDAMENTO DA
GEOGRAFIA TRADICIONAL
"[...] desta forma, comprometeu seus próprios procedimentos, ora
fazendo relações entre elementos de qualidade distinta, ora ignorando
mediações e grandezas entre processos, ora formulando juízos
genéricos apressados. E sempre concluindo com a elaboração de tipos
formais, a-históricos, e, enquanto tais, abstratos[...]." (p. 40)
• Ou seja pautado apenas na observação empírica da realidade, sem
profundidade, com uma visão superficial da realidade, por apenas
focar em enumerar objetos e descrevê-los. Nesta visão o homem
seria apenas mais um elemento da paisagem.
Estes princípios atuaram como um receituário de pesquisa, definindo
regras gerais no trato com o objeto que não podiam ser negligenciadas.
(p. 43)
ORIGENS E PRESSUPOSTOS DA GEOGRAFIA
“pode-se dizer que o conhecimento geográfico se encontrava disperso.
Por um lado, as matérias apresentadas com essa designação eram
bastante diversificadas, sem um conteúdo unitário.” p. 49
Exemplos:
• Forma do planeta e medição do espaço: Tales e Anaximandro;
• Descrição dos lugares: Heródoto;
• Relação entre homem e meio: Hipócrates.
"A exploração produtiva dos territórios coloniais, com o
estabelecimento de atividades econômicas, aprofundava ainda mais o
conhecimento sobre suas características. Com o desenvolvimento do
comércio colonial, os estados europeus vão incentivar o inventário dos
recursos naturais, presentes em suas possessões, gerando informações
mais sistemáticas e observações mais científicas." (p. 52)
• Grandes navegações: aprimoramento das técnicas cartográficas;
produtividade dos solos; crescimento populacional;
• Sistema dominante contribui para a sistematização da Geografia,
porque era fundamental para seu avanço.
A sistematização da Geografia, sua colocação como uma ciência
particular e autônoma, foi um desdobramento das transformações
operadas na vida social pela emergência do modo de produção
capitalista. (p; 57)
A SISTEMATIZAÇÃO DA GEOGRAFIA: HUMBOLDT
E RITTER
“A especificidade da situação histórica da Alemanha, no início do século XIX,
época em que se dá a eclosão da Geografia, está no caráter tardio da
penetração das relações capitalistas nesse país. Na verdade, o país não existe
enquanto tal, pois ainda não se constituiu como Estado nacional.” (p. 59)

• Formação do Estado Alemão contribui para a sistematização da Geografia,


já que essa também seria necessária para este processo visto que o espaço
geográfico é fundamental na formação do Estado. Dentro desse processo é
que Alexander Von Humbolt e Karl Ritter se destacam.
Para Humbolt, a Geografia deveria ser uma ciência de sínteses, apenas
reconhecer fenômenos através da observação.

X
Para Ritter, "[...] a Geografia de Ritter é, principalmente, um estudo dos
lugares, uma busca da individualidade destes. Toda esta proposta se
assentava na arraigada perspectiva religiosa desse autor. Para ele, a ciência
era uma forma de relação entre o homem e o ‘criador’ [...], uma tentativa de
aprimoramento das ações humanas, assim uma aproximação à divindade."
(p. 63)
RATZEL E A ANTROPOGEOGRAFIA
“A Geografia de Ratzel foi um instrumento poderoso de legitimação dos
desígnios expansionistas do Estado alemão recém-constituído.” (p. 67)
• Projeto expansionista alemão é o contexto em que Ratzel desenvolve
suas ideias que basicamente era legitimar o expansionismo praticado
por Bismark. O principal conceito desenvolvido por Ratzel foi o do
espaço vital
• “o progresso implicaria a necessidade de aumentar o território, logo,
de conquistar novas áreas. Justificando essas colocações, Ratzel
elabora o conceito de ‘espaço vital’; este representaria uma
proporção de equilíbrio entre a população de uma dada sociedade e
os recursos disponíveis para suprir suas necessidades, definindo,
portanto, suas potencialidades de progredir e suas premências
territoriais." (p. 70)
• Através de Ratzel que outros autores vão justificar que as condições
naturais é que determinam a história, determinismo geográfico.
"As teses deterministas, apesar do seu simplismo, foram bastante
divulgadas, e apareciam com frequência no ideário do pensamento
conservador. Basta pensar nas interpretações da história brasileira, que
lançam mão de teorias como a ‘indolência do homem tropical’ ou o
‘subdesenvolvimento como fruto da tropicalidade’." (p. 72)
VIDAL DE LA BLACHE E A GEOGRAFIA
HUMANA
“Como foi visto, a Geografia de Ratzel legitimava a ação imperialista do
Estado bismarckiano. Era mister, para a França, combatê-la. O pensamento
geográfico francês nasceu com esta tarefa. Por isso, foi, antes de tudo, um
diálogo com Ratzel. O principal artífice desta empresa foi Vidal de La Blache.”
(p. 77)
Oposição a Ratzel:
• Homem abstrato do liberalismo vs autoritarismo estatal;
• Condenou a associação do pensamento geográfico a interesses políticos,
muito embora tenha feito o mesmo;
• Nega a tese do determinismo geográfico;
• Defendia a manutenção das fronteiras na Europa, mas defendia o domínio
francês sobre territórios na África.
• Apesar das oposições as duas geografias são positivistas,
"A Geografia vidalina fala de população, de agrupamento, e nunca de
sociedade; fala de estabelecimentos humanos, não de relações sociais;
fala das técnicas e dos instrumentos de trabalho, porém não de
processo de produção. Enfim, discute a relação homem-natureza, não
abordando as relações entre os homens." (p. 84)
ALÉM DO DETERMINISMO E DO
POSSIBILISMO: A PROPOSTA DE HARTSHORNE
“A primeira diferença da proposta de Hartshorne residiu em este
defender a ideia de que as ciências se definiram por métodos próprios,
não por objetivos singulares. Portanto, a Geografia teria sua
individualidade e autoridade decorrentes de uma forma própria de
analisar a realidade.” (p. 97)
• Para Hartshorne a Geografia precisaria estudar fenômenos de outras
ciências para posteriormente inter-relacioná-los.
"Desta forma, Hartshorne deixou de procurar um objeto da Geografia,
entendendo-a como um ‘ponto de vista’. Seria um estudo das inter-
relações entre os fenômenos heterogêneos, apresentando-as numa
visão sintética." (p. 98)
Ainda para Moraes:
"O caráter de cada área seria dado pela integração de fenômenos inter-
relacionados. Assim, a análise deveria buscar a integração do maior
número possível de fenômenos inter-relacionados. [...] uma vez de
posse de vários conjuntos de fenômenos agrupados e inter-
relacionados, integra-os, inter-relacionando os conjuntos." (p. 99)
• Para Moraes a Geografia Tradicional se encerra neste autor,
"As propostas de Hartshorne, por um lado, e de Cholley e Le Lannou por
outro, encerram as derradeiras tentativas da Geografia Tradicional.
Finalizaram um ciclo, que teve sua unidade dada pela aceitação de
certas máximas tidas como verdadeiras, a saber; a ideia de ciência de
sínteses, de ciência empírica e de ciência de contato." (p. 100)
O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DA
GEOGRAFIA
“A crise da Geografia Tradicional e o movimento de renovação a ela
associado começam a se manifestar já em meados da década de
cinquenta e se desenvolvem aceleradamente nos anos posteriores. [...]
Os geógrafos vão abrir-se para novas discussões e buscar caminhos
metodológicos até então não trilhados. Isto implica uma dispersão das
perspectivas, na perda da unidade contida na Geografia Tradicional.”
(p. 103)
• Crise da Geografia Tradicional na segunda metade do século XX, por
conta das transformações ocorridas naquele momento. Moraes nesse
sentido escreve:
"O planejamento econômico estava estabelecido como uma arma de
intervenção do Estado. E, com ele, o planejamento territorial, com a proposta
de ação deliberada na organização do espaço. A realidade do planejamento
colocava uma nova função para as ciências humanas: a necessidade de gerar
um instrumental de intervenção, enfim uma feição mais tecnológica. A
geografia Tradicional não apontava nessa direção, daí sua defasagem e sua
crise." (p. 104)
• Nesse contexto, duas grandes vertentes surgem para pensar a Geografia:
"A divisão do movimento de renovação da Geografia em duas vertentes, a
Crítica e a Pragmática, está assentada na polaridade ideológica das propostas
efetuadas. [...] A unidade ético-política não implica diretamente perspectivas
unitárias, com respeito a métodos. Entretanto, isto não esvaece a
característica comum de cada conjunto, que transparece, por exemplo, nos
horizontes de crítica à Geografia Tradicional." (p. 108)
A GEOGRAFIA PRAGMÁTICA
• “A crítica dos autores pragmáticos à Geografia Tradicional fica num
nível formal. É um questionamento a superfície da crise, não de seus
fundamentos. É uma crítica ‘acadêmica’, que não toca nos
compromissos sociais do pensamento tradicional. Nem poderia ser de
outra forma, na medida em que estes compromissos são mantidos.”
(p. 109)
• A Geografia Pragmática surge para legitimar o pensamento da
burguesia, se legitima através do discurso tecnicista, Moraes aponta
que
"Assim, ao propor sua ação como apoiada em critérios técnicos,
mascara o conteúdo de classe das soluções almejadas e dos interesses
defendidos na ação planejadora. A posição política do planejador
manifesta-se na escolha dos modelos, pois estes já indicam o caminho a
ser seguido." (p. 115)
"O saldo da Geografia Pragmática é um desenvolvimento técnico,
minimizado frente o empobrecimento real da análise por ela
empreendida. As várias correntes da Geografia Pragmática
representam uma das opções postas para quem faz Geografia na
atualidade. Sua aceitação decorrerá do posicionamento social do
geógrafo, sendo assim um ato político, uma opção de classe." (p. 118)
A GEOGRAFIA CRÍTICA
“Os autores da Geografia Crítica vão fazer uma avaliação profunda das
razões da crise; são os que acham fundamental evidenciá-la. Vão além
de um questionamento puramente acadêmico do pensamento
tradicional, buscando as suas raízes sociais.” (p. 119)
• Os autores defendiam mudanças na realidade social.
• "[...] os geógrafos críticos apontaram a relação entre a Geografia e a
superestrutura da dominação de classe, na sociedade capitalista.
Desvendaram as máscaras sociais aí contidas, pondo à luz os
compromissos sociais do discurso geográfico, seu caráter classista."
(p. 120)
• O autor apresenta diversos autores que seguem e contribuem para a
Geografia Crítica como, Yves Lacoste, Pierre George e Milton Santos e
conclui,
"pode-se dizer que o movimento de renovação, atualmente em curso na
Geografia, com suas duas vertentes, reproduz, ao nível desse campo
específico do conhecimento, o embate ideológico contemporâneo [...].
Os geógrafos críticos, em suas diferenciadas orientações, assumem a
perspectiva popular, a da transformação da ordem social. Buscam uma
Geografia mais generosa e um espaço mais justo, que seja organizado
em função dos interesses dos homens." (p. 132)
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do
pensamento único à consciência universal. 6. ed.
Rio de Janeiro e São Paulo: Record, 2004.
Geógrafo de reconhecimento internacional, Milton Almeida
dos Santos é o único pensador brasileiro a receber o prêmio
Vautrin Lud, considerado o Nobel da Geografia. Exilado por
treze anos, lecionou em universidades de diversos países
como França, Estados Unidos, Canadá, Peru, Venezuela,
Tanzânia e Itália. Por sua atuação, tornou-se doze vezes doutor
honoris causa em diversas instituições do mundo. Sua obra
inova ao abordar o conceito de espaço e a relação do
indivíduo frente ao capitalismo. Seu livro O espaço dividido
(1979) é hoje considerado um clássico mundial, no qual
desenvolve o conceito de desenvolvimento em países
subdesenvolvidos. Autor de cerca de quarenta livros e
inúmeros artigos, foi membro da Associação dos Geógrafos
Brasileiros (AGB), Associação Nacional de Pós-graduação e
Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur) e
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em
Geografia (Anpege). Atuou como consultor em organismos
nacionais e internacionais tais como a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), a Organização dos Estados
Americanos (OEA), a Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Secretaria
da Educação Superior (Sesu/ MEC) e Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Foi professor do
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da USP a partir de 1984.
O mundo tal como nos fazem crer: a
globalização como fábula
Este mundo globalizado, visto como fábula, erige como verdade um
certo número de fantasias, cuja repetição acaba por se tornar uma
base aparentemente sólida de sua interpretação. Fala-se, por exemplo,
em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea de notícias
realmente informa as pessoas. Fala-se com insistência na morte do
Estado, mas o que estamos vendo é seu fortalecimento para atender
aos reclamos da finança e de outros grandes interesses internacionais.
Esses exemplos, recolhidos numa lista interminável, permitem indagar-
se, no lugar do fim da ideologia proclamado pelos que sustentam a
bondade dos presentes processos de globalização, não estaríamos, de
fato, diante da presença de uma ideologização maciça.
O mundo como é: a globalização como
perversidade
Para a maior parte da humanidade a globalização está se impondo
como uma fábrica de perversidades. A pobreza aumenta e as classes
médias perdem em qualidade de vida. Novas enfermidades como a
AIDS se instalam e velhas doenças fazem seu retorno triunfal. A
educação de qualidade é cada vez mais inacessível.
A perversidade sistêmica tem relação com a adesão desenfreada aos
comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações
hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou indiretamente
imputáveis ao presente processo de globalização.
O mundo como pode ser: uma outra
globalização
Todavia, podemos pensar na construção de um outro mundo, mediante
uma globalização mais humana. As bases materiais do período atual (a
unicidade da técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento
do planeta), que o grande capital se apoia para construir a globalização
perversa, poderão servir a outros objetivos, se forem postas ao serviço
de outros fundamentos sociais e políticos. Parece que as condições
históricas do fim do século XX apontavam para esta última
possibilidade. Tais novas condições tanto se dão no plano empírico
quanto no plano teórico.
No plano empírico há indícios da emergência de uma nova história. O
primeiro é a enorme mistura de povos, raças, culturas, gostos, em
todos os continentes. A isso se acrescente, graças aos progressos da
informação, a “mistura” de filosofias, em detrimento do racionalismo
europeu. A produção de uma população aglomerada em áreas cada vez
menores, permite ainda maior dinamismo àquela mistura entre
pessoas e filosofias.
No plano teórico, há a possibilidade de produção de um novo discurso.
Esse novo discurso ganha relevância pelo fato de que, pela primeira vez
na história do homem, se pode constatar a existência de uma
universalidade, que deixa de ser apenas uma elaboração abstrata na
mente dos filósofos para resultar da experiência ordinária de cada
homem. De tal modo, a explicação do acontecer pode ser feita a partir
de categorias de uma história concreta. É isso, também, que permite
conhecer as possibilidades existentes e escrever uma nova história.
OBS: recomendo o documentário “O mundo global visto do lado de cá”
Martinelli, M., Os mapas da geografia e cartografia
temática. Contexto, São Paulo, 2003.
A representação gráfica vem do sistema de sinais que o
homem construiu para se comunicar com os outros. Tem por
objetivo transcrever as relações de diversidade, ordem e de
proporcionalidade, estabelecidas entre objetos por relações
visuais sem ambiguidade. A construção de mapas exige
entendermos dois conceitos: As variáveis visuais, que são as
variações que uma marca visível pode ter, como tamanho,
valor, granulação, cor, orientação e forma. E as propriedades
perceptivas, que são os parâmetros que se deve levar em
conta ao traduzir objetos visuais.
A cartografia temática não surge de forma espontânea, é sucessiva à
topografia. Com a criação de mapas, fez-se necessário interpretar os objetos
com propriedades conhecidas. Pois como o mapa é a expressão do raciocínio
que seu autor empreendeu diante da realidade, é necessário uma postura
metodológica temática. Para isso é preciso elaborar um mapa temático. Um
mapa temático reportaria certos conjuntos espaciais resultantes da
classificação dos fenômenos que integram o objeto de estudo de
determinado ramo específico.
Estes mapas podem ser construídos levando em conta vários métodos, cada
um apropriado ao tema e ao fenômeno que se deseja representar. O título
do mapa deve exemplificar o que se deseja representar. Enquanto que a
legenda é o guia do mapa, relaciona todos os sinais empregados no mapa
com a realidade geográfica. A escala dará a noção clara de quantas vezes a
realidade foi reduzida para caber no papel. Devemos declarar também a
fonte dos dados apresentados. Os mapas podem dizer muito sobre os
lugares, caracterizando-os. A fim de representar o tema, pode ser no aspecto
qualitativo, ordenado ou quantitativo.
Representações qualitativas em
mapas são usadas para expressar
existência, localização e extensão
das ocorrências dos fenômenos.
Conforme os fenômenos se
manifestam em pontos, linhas ou
áreas, no mapa utilizamos as
mesmas representações. Para
cada tipo de fenômeno existe
uma representação adequada,
seja em ponto, retas, traços,
pontilhados, texturas, cores,
entre outros.
Representações ordenadas em
mapas são indicadas quando as
categorias dos fenômenos se
inscrevem numa sequência única e
universalmente admitida. A relação
entre objetos é de ordem,
hierarquizada. Classificamos os
fenômenos em categorias, que
podem ser diferenciadas procurando
representar proporcionalidade em
seus símbolos, como por exemplo
cores frias para as menores categorias
e cores quentes para as maiores. Os
símbolos podem ser por cores, linhas,
símbolos, texturas, etc.
• Representações quantitativas em mapas são empregadas para evidenciar
a relação de proporcionalidade entre objetos, junto à realidade sendo
entendida como de quantidades. A única variação visual é a de tamanho.
Vários métodos podem ser empregados para estas representações, abaixo
uma breve descrição deles:
• Manifestação pontual:
Método das figuras geométricas proporcionais - representação de
fenômenos concentrados.
• Manifestação zonal:
Método das figuras geométricas proporcionais centralizadas na área de
ocorrência - considera as quantidades de toda a área e as centraliza
Método dos pontos de contagem - fenômenos com padrão de distribuição
disperso, com valores absolutos.
Método coroplético - ordem crescente dos valores relativos agrupados em
classes significativas crescentes.
Método isarítmico - representação de fenômenos contínuos, estabelece
continuidade.
Representações dinâmicas
representam a relação espaço
tempo. As variações no tempo
podem ser quantitativas ou
qualitativas, espaciais e
evolutivas. Os movimentos no
espaço podem ser representados
pelo método dos fluxos. Que visa
mostrar as posições sucessivas
do fenômeno em seu
deslocamento, materializando
sua intensidade, direção e
sentido.
Para concluir
Consideramos finalmente que, a cartografia temática é um ramo
científico de conhecimentos teóricos e práticos, capaz de participar do
saber geográfico. Os mapas são de extrema importância para a busca
doconhecimento. Dessa forma, conhecer e saber ler os fenômenos
representados por um mapa são essenciais.
FELÍCIO, M.J. Gênese da Geografia Agrária no
Brasil. Campo Território: Revista Agrária, v. 14, n.
33, p. 32-52, ago., 2019.
A gênese da geografia agrária no Brasil destacou os aspectos metodológicos
e as abordagens analíticas para frisar que o pensar geográfico sobre a
agricultura precisa ser disciplinado se desejar contribuir com o
desenvolvimento do país e da geografia como ciência. É de interesse da
geografia agrária os estudos das formas de ocupação do território
nacional não isolando o olhar geográfico das demais abordagens sejam
elas históricas, sociais, econômicas e políticas.
As tipologias da agricultura e as diretrizes e prioridades das pesquisas
agrárias incidem sobre os desdobramentos das influências do meio
natural e diversificação agrícola ao analisar as condições edáficas,
abastecimento de água, solo, fauna e flora. As formações econômicas e os
tipos de paisagem agrícola estabelecem para o geógrafo desafios a serem
superados e discussões de quais direções são importantes e necessárias. Por
isso o embate ideológico e as discussões teóricas metodológicas são
inevitáveis para que o geógrafo aponte, sem receio, a unidade
contraditória da estrutura econômica da sociedade.
Os baixos rendimentos e a grande instabilidade da produção agrícola
estão entre as principais características da agricultura brasileira em
meados do século XX. Mesmo assim, é grande a sua importância para
a econômica nacional devido aos valores da exportação de produtos
agrícolas e do desenvolvimento industrial. E, pela dimensão
continental do Brasil, o desenvolvimento da agricultura é central para
o processo de crescimento econômico e estrutura espacial.
Por intermédio de seu método de ler e interpretar o campo a Geografia
Agrária contribui ao revelar as nuances da questão agrária e, a
partir dela, verificar as transformações geradas pela expansão do
capital na agricultura. Com as iniciativas teóricas metodológicas e com
o trabalho de campo surgiram diante do geógrafo agrário
diversosdesdobramentos tais como: o latifúndio; o minifúndio; a
monocultura exportadora; a policultura de subsistência, dentre outros.
Sua tarefa é muito mais interpretativa, do que descritiva.
SENA, C. C. R. G. de; CARMO, W. R. do. Cartografia
Tátil: o papel das tecnologias na Educação
Inclusiva. Boletim Paulista de Geografia, [S. l.], v.
99, p. 102–123, 2018
No início as pesquisas em cartografia tátil no Brasil tinham como
principal preocupação a adaptação dos mapas para o tato e dos textos para
o braile. Com a experiência adquirida desde a década de 1990, a partir da
aplicação dos materiais com mais de 500 estudantes com deficiência visual,
principalmente os de baixa visão do Brasil e da América Latina e da
realização de cerca de 100 oficinas e cursos com os professores, o trabalho
evoluiu para o desenvolvimento de materiais para serem utilizados por todos
os alunos, inclusive os com deficiência visual.
Proporcionar ao estudante a possibilidade de ler e obter informações
em diferentes tipos de mapas é uma forma de promover a inclusão
através da construção de procedimentos que permitem se localizar, se
deslocarcom sucesso por cidades e bairros desconhecidos, assim como por
locais públicos, tais como shopping-centers, parques, museus, hospitais,
estações de trens e metrôs. Esses procedimentos também possibilitam
utilizar os mapas enquanto fontes de pesquisa que sintetizam informações
sobre lugares, regiões e territórios de diferentes localidades do Brasil e do
mundo.
Dessa forma os temas tratados nas pesquisas sobre cartografia
tátil abordados neste texto têm sido inseridos nos cursos de
Licenciatura em Geografia e na Pedagogia, em disciplinas de
cartografia escolar e de educação especial, na busca de um
processo de inclusão que seja realizado desde a formação inicial do
professor.As novas tecnologias e recursos digitais podem facilitar,
ou mesmo garantir, a inclusão dos estudantes com necessidades
especiais e seus professores. Com relação à cartografia tátil, a
tecnologia atualmente disponível ao usuário com deficiência visual,
permite a combinação de recursos visuais, táteis e sonoros, de
forma a ampliar o acesso aos mapas e às atividades cartográficas,
o que facilitaria o ensino inclusivo.
É preciso considerar que o cotidiano da sociedade atual está envolto de tecnologia. O uso
de robôs na produção industrial, a velocidade de transmissão e a capacidade de
armazenamento de dados pelos computadores é cada dia maior. A internet passou a
fazer parte da vida de milhões de pessoas no mundo todo e, se ainda é
considerada privilégio de pessoas com maior poder aquisitivo, é também colocada por
teóricos como forma de acesso das comunidades mais carentes à informação devido à
popularização da rede em bibliotecas, escolas, centros comunitários e no comércio
em geral.
Na escola, a tecnologia permite que as aulas possam ser enriquecidas com a
interatividade, ou seja, não é apenas um recurso de ilustração de um conceito onde os
estudantes apenas observam fotos, vídeos, gráficos e textos em geral. Existem hoje no
mercado dezenas de programas sobre os mais variados temas que proporcionam a
participação do estudante na construção dos conceitos, ou ainda na busca de mais
informações sobre o tema tratado em aula.
Pesquisas futuras devem levar a cartografia tátil para um campo mais amplo de
cartografia inclusiva com mapas atingindo mais pessoas e sendo disponibilizados a
todos os usuários, seja a partir de um tradicional mapa tátil feito em colagem ou
um mapa virtual de celular que utiliza serviços baseados em localização ou
computação em nuvem que também podem ser acessados por comando de voz. Todos
os mapas são relevantes e eles são um meio fundamental para atingir a percepção e o
conhecimento do espaço, comunicando a informação espacial, navegando e
aprendendo Geografia
CASTELLAR, S. M. V. Cartografia Escolar e o
Pensamento Espacial fortalecendo o
conhecimento geográfico. Revista Brasileira de
Educação em Geografia, [S. l.], v. 7, n. 13, p. 207–
232, 2017. DOI: 10.46789/edugeo.v7i13.494.
As pesquisas que desenvolvemos permitiram analisar a situação de
aprendizagem e a compreensão que os professores têm dos conceitos
geográficos e cartográficos. Os conteúdos da Geografia escolar deveriam ser
trabalhados na perspectiva das mudanças conceituais – dos conceitos de senso
comum para conceitos científicos -, estimulando o professor a trabalhar na direção
que o aluno possa passar de um estado de menor conhecimento para um estado
de maior conhecimento, conforme afirma Piaget, fato esse que seria necessário
ocorrer em todos os graus da escolaridade.
Para que ocorram essas mudanças no processo de construção do
conhecimento, é necessário incorporar nos currículos dos cursos de Pedagogia
as disciplinas de Metodologia do Ensino de Geografia para formarmos professores
com um conhecimento mínimo para atuar nas séries iniciais do ensino
fundamental. Caso contrário, fica a questão: como os alunos da Pedagogia e da
Licenciatura, ao se formarem, ensinarão numa perspectiva que os leve a
construir junto ao aluno, o conhecimento, se ele próprio não tem a dimensão
conceitual da área? Dessa maneira, chamamos a atenção para a postura que o
professor tem diante de seu próprio conhecimento. Como propor desafios aos
alunos na sala de aula se o próprio docente está inseguro diante da possibilidade
de ser questionado por eles e não saber lidar com essas situações?
Não há dúvida que o caminho é desenvolver um trabalho na perspectiva
socioconstrutivista, estimulando e refletindo sobre o papel do professor com
uma postura de mediador, atuando com atividades que problematizem e
estimulem o raciocínio para que o aluno possa, a partir do seu
conhecimento prévio, criar e resolver situações-problema, transformando o
conhecimento de senso comum em conhecimento científico.
Uma atuação que não leve em conta essas questões está fadada a criar
no aluno a desmotivação, porque não permite que ele aprenda, apenas
memorize fatos e informações. Porém, essas questões estão relacionadas
com a postura do professor diante do seu conhecimento, e do aluno,
mostrando de fato qual a concepção de educação assumida.
Além do problema do conteúdo específico, entendemos que a formação
do professor das séries iniciais não leva em conta a ação psicopedagógica que
o capacite a compreender sua prática, o aluno e as contradições vivenciadas
por ele no dia a dia.
Segundo Shön (2000, p.21), a atividade profissional consiste na
resolução instrumental de problemas, tornada rigorosa pela
aplicação de teorias e técnicas científicas. O currículo dos cursos
de formação é estruturado de tal forma que os conhecimentos
teóricos e as técnicas das ciências básicas e aplicadas antecedem
as atividades centradas na habilidade em usar teorias e técnicas para
solucionar problemas práticos.
Daí a importância de planejar a atuação, saber selecionar os
conteúdos importantes a serem desenvolvidos para que o aluno
desenvolva as operações mentais e construa seu conhecimento. O
critério de seleção de conteúdo deve considerar a concepção em
que se está fundamentando.
A autonomia do professor em sala de aula está ligada à sua
formação. Ao ter uma concepção clara do processo de
aprendizagem, ele terá consciência do seu papel como “mediador”
e, nesse momento, o aluno é quem ganha e, por extensão, a educação.
Essa análise que estou fazendo em relação à formação inicial dos
professores e à compreensão dos conceitos cartográficos tem como
referência os dados obtidos na pesquisa. A partir desses dados
pude considerar que a maioria dos professores encontra várias
dificuldades na compreensão e utilização de conceitos que
estruturam o conhecimento geográfico e cartográfico, e pudemos
notar, também, as distorções existentes na compreensão dos
significados das atividades propostas. Portanto, na análise que faço
considero, também, que se os professores têm dificuldade no
entendimento das atividades e conceitos, não terão facilidade em
ensinar os seus alunos em sala de aula.
Durante a pesquisa, ouvi algumas frases que foram recorrentes
entre os professores: “eu sei fazer, mas não sei explicar” ou “já fiz
essa atividade, os alunos até gostaram, mas não sei por que não
trabalhei mais”. A postura dos professores reforça a hipótese de que
falta na formação inicial docente a compreensão desses conceitos.
Todos esses dados nos permitem considerar a importância de pensar
uma Didática especial na perspectiva da Educação Geográfica, e essa
posição se qualifica cada vez mais, quando desenvolvo e atuo em
projetos de formação continuada, nos quais trabalho com os conceitos
articulados aos conteúdos, fazendo com o que os professores não só os
compreendam, mas reflitam sobre a necessidade das mudanças no ensino de
Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental. Entendo que aqui se
inicia uma discussão importante sobre a dimensão do ensino de Geografia na
educação básica e, paralelamente, uma análise sobre a formação inicial
dos professores. As questões apresentadas visam, sempre, que os
professores entendam a importância da apropriação do conhecimento
científico para que o aluno também possa apropriar-se dele,
respeitando a realidade e o modo de aprender de cada um.
Para que o professor possa repensar sua prática e fazer mudanças
concretas é preciso descobrir outros padrões de aprendizagem a partir de
uma rede de significados. O que nos coloca a tarefa de desenvolver
atividades em sala de aula, integrando o conhecimento do professor e o
do aluno. No entanto, não há fórmulas prontas e acabadas; existem, sim,
possibilidades de termos êxitos saindo do imobilismo e atuando na
perspectiva de utilizar estratégias diversificadas ao abordar conteúdos,
exercitando o pensamento, dialogando e ampliando conhecimentos já
adquiridos e construindo assim, novas situações de aprendizagem
HAESBAERT, R. Território e multiterritorialidade:
um debate. GEOgraphia, Rio de Janeiro, v. 9, n. 17,
p. 19-46, 2007
Numa breve (in)conclusão, apontando também para desdobramentos
futuros, podemos afirmar que o mais importante neste debate diz respeito
às implicações políticas do conceito de multiterritorialidade, suas
repercussões em termos de intervenção na realidade concreta ou em termos
estratégicos de poder. Como já afirmamos, é necessário distinguir, por
exemplo, entre a multiterritorialidade potencial (a possibilidade de ela ser
construída ou acionada) e a multiterritorialidade efetiva, realizada:
As implicações políticas desta distinção são importantes, pois sabemos que a
disponibilidade do "recurso" multiterritorial -ou a possibilidade de ativar ou
de vivenciar concomitantemente múltiplos territórios -é estrategicamente
muito relevante na atualidade e, em geral, encontra- se acessível apenas a
uma minoria. Assim, enquanto uma elite globalizada tem a opção de
escolher entre os territórios que melhor lhe aprouver; vivenciando
efetivamente uma multiterritorialidade, outros, na base da pirâmide social,
não têm sequer a opção do "primeiro“ território, o território como abrigo,
fundamento mínimo de sua reprodução fisica cotidiana. (Haesbaert,
2004a:360)
Pensar, como inúmeros autores nas Ciências Sociais, que estamos cada vez
mais imersos em processos de desterritorialização, é demasiado simplista e,
de certa forma, politicamente "imobilizante", pois imagina-se que, num
mundo globalmente móvel, sem estabilidade, marcado pela
imprevisibilidade e a fluidez das redes e pela virtualidade do ciberespaço,
estamos quase todos à mercê dos poucos que efetivamente controlam estes
fluxos e redes -ou, numa posição ainda mais extremada, nem mesmo eles
podendo mais exercer, aí, algum tipo de controle.
Se o discurso da desterritorialização serve, antes de mais nada, àqueles que
pregam a destruição de todo tipo de controle ou barreira espacial, ele
claramente legitima a fluidez global dos circuitos do capital, especialmente
do capital financeiro, num mundo em que o ideal a ser alcançado seria o
enfraquecimento e, no limite, o desaparecimento do Estado, delegando todo
poder às forças do mercado (ver, por exemplo, as teses de um "guru" da
globalização como Ohmae [1990, 19961 sobre o "fim das fronteiras" e o "fim
do Estado-nação").
Falar não simplesmente em desterritorialização mas em multiterritorialidade
e territórios-rede, moldados no e pelo movimento, implica reconhecer a
importância estratégica do espaço e do território na dinâmica
transformadora da sociedade. Inspiramo-nos aqui no "sentido global de
lugar" proposto por Doreen Massey (2000[1991]). Criticando as visões mais
reacionárias que vêem o lugar apenas como um espaço estável, de fronteiras
bem delimitadas e identidades bem definidas, um pouco como em alguns
territórios-zona aqui comentados, a autora propõe uma visão "progressista"
de lugar, "não fechado e defensivo", voltado para fora e adaptado a nossa
era de compressão de espaço- tempo.
Devemos, contudo, complexificar esta leitura, na medida em que nem só de
"níveis" de multiterritorialidade vive a sociedade contemporânea. Velhas
estratégias de "reclusão" territorial também se reconfiguram e se
multiplicam, ao lado de movimentos reacionários de (relativo) fechamento
territorial em tomo de relações biunívocas entre território e identidades
culturais essencializadas. O aumento da precarização econômica e territorial
planetária também tem estimulado discursos neo-territorialistas em tomo da
segregação e mesmo do isolamento em nome da "segurança". Mas estes são
temas que estamos aprofundando em um outro trabalho.
O território, como espaço dominado elou apropriado, manifesta hoje um
sentido multi-escalar e multi-dimensional que só pode ser devidamente
apreendido dentro de uma concepção de multiplicidade, tanto no sentido
da convivência de -"múltiplos" (tipos) de território quanto da construção
efetiva da multiterritorialidade. Toda ação que se pretenda efetivamente
transformadora, hoje, necessita, obrigatoriamente, encarar esta questão:
ou se trabalha com a multiplicidade de nossas territorializações, ou não se
alcançará a transformação que almejamos. Os movimentos contra o
neoliberalismo e por uma outra globalização que o digam.
Geograficamente falando, pensar multiterritorialmente significa pensar
tanto em múltiplos poderes (ou "govenanças") quanto em múltiplas
identidades (em espaços culturalmente mais híbridos) e mesmo em
múltiplas funções (a "multifuncionalidade" econômica) -em síntese, um
debate complexo em prol da perspectiva maior de construção de uma
outra sociedade, ao mesmo tempo mais universalmente igualitária e mais
multiculturalmente reconhecedora das diferenças humanas.
Boa prova!

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