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Yamamoto, O.H.

“Políticas sociais, ‘terceiro setor’ e ‘compromisso social’: perspectivas e limites do trabalho do Psicólogo”

POLÍTICAS SOCIAIS, “TERCEIRO SETOR” E “COMPROMISSO


SOCIAL”: PERSPECTIVAS E LIMITES DO TRABALHO DO PSICÓLOGO
Oswaldo Hajime Yamamoto
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discutir as possibilidades e os limites do trabalho do psicólogo no campo
do bem-estar social/público e no “terceiro setor”. É apresentada uma remissão histórica sobre a inserção do psicólogo
no campo social, uma revisão conceitual sobre o significado das políticas sociais no capitalismo monopolista como
resposta à “questão social”, uma discussão sobre o impacto da reforma neoliberal nas políticas sociais no Brasil hoje,
incluindo a questão da emergência do “terceiro setor”, como contexto para a discussão dos limites do compromisso
social do psicólogo.
PALAVRAS-CHAVE: Políticas sociais; compromisso social; trabalho do psicólogo.

SOCIAL POLICIES, “THIRD SECTOR” AND “SOCIAL RESPONSIBILITY”:


PERSPECTIVES AND LIMITS OF PRACTICING PSYCHOLOGY
ABSTRACT: The purpose of this paper is to discuss the possibilities and the limits of practicing psychology in social
welfare services. The limits of the psychologist’s practice is discussed considering: 1) the historical development of the
profession in social welfare service; 2) a conceptual review on the significance of social policies in monopolist capita-
lism in facing the “social issue”; 3) a discussion on the impact of the neo-liberal reform of social policies in Brazil,
including the emergence of the “third sector”.
KEYWORDS: social policies; social responsibility; psychologist’s practice.

O “Compromisso Social do Psicólogo” O foco da crítica nessas três análises, produzidas nos
A exigência posta no debate atual sobre a profissão, primeiros vinte anos de profissão regulamentada, é o cha-
de atuar com compromisso social, certamente não é nova. mado elitismo da psicologia: a notável preferência dos psi-
As intermináveis discussões sobre a “função social do cólogos pela chamada pela atividade clínica associada ao
psicólogo” que acompanharam o desenvolvimento da pro- modelo subjacente de profissional liberal, moldado à luz
fissão até anos recentes – quando então foi substituída pela das profissões médicas, que se fazia já amplamente hege-
demanda por “compromisso social” – são testemunhas mônica, estaria produzindo (ou contribuindo de forma
disso. decisiva) para o desenho do perfil da profissão e afastaria
Creio que não estaria equivocado se afirmasse que esse o psicólogo dos segmentos do bem-estar e do setor público,
tema, com diferentes nuanças, esteve presente desde os cuja abrangência potencial do atendimento psicológico
primeiros estudos sobre a profissão no Brasil. No estudo seria muito maior.1
da Sylvia Leser Mello (1975), publicado no início da dé- Assinalo, para recuperação posterior, que não era ape-
cada de setenta, havia uma crítica contundente aos rumos nas a abrangência que estava em discussão. Na análise de
da profissão, que deveria, pela própria natureza do conhe- Sylvia Leser Mello (1975), há um questionamento com
cimento com o qual trabalha, ser “muito mais do que uma relação às limitações de abordagens tradicionais centradas
atividade de luxo” (p. 109). Em um outro texto bastante no indivíduo, sem a consideração dos determinantes so-
lido e discutido na época, Sílvio Paulo Botomé (1979), ciais da sua conduta. Numa direção próxima, Regina He-
cruzando dados dos honorários de psicólogos que atuavam lena Campos (1983) afirma que a migração do psicólogo
na área predominante (a clínica) com a distribuição de para as classes subalternas exporia as insuficiências teórico-
renda no Brasil, concluía que apenas 15% da população técnicas da Psicologia “tradicional” .2
brasileira tinha acesso aos serviços profissionais do psi- É em um momento posterior que “compromisso so-
cólogo. E indagava: os demais 85% não necessitam desse cial do psicólogo”, com uma acepção em alguns sentidos
serviço? Poucos anos depois, em 1983, Regina Helena diversa, passa de tema a lema nos debates sobre a profis-
Campos, discutindo a “função social do psicólogo”, vislum- são, vinculado ao movimento de um grupo de psicólogos
brava o que poderia vir a se constituir em uma significa- (que terá Ana Mercês Bahia Bock como uma referência
tiva mudança na profissão no Brasil. Afirmava a autora central) que, no plano político, visa ocupar as entidades
que as contingências do mercado de trabalho – leia-se, a sindicais e profissionais da categoria e, no teórico, com-
falência do modelo de profissional liberal – estariam “em- bate às concepções individualizantes e a-históricas na Psi-
purrando” o psicólogo para as classes subalternas. cologia (Bock, 1999a) .3

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Para discutir o desenvolvimento da profissão, especi- se politizam. É emblemática a importância que assumem
ficamente no que tange ao debate envolvendo a sua res- as reuniões anuais da SBPC na segunda metade dos anos
ponsabilidade social, é necessário fazer um breve excurso setenta, para dar um exemplo.6
para situar as condições histórico-conjunturais presentes Não é diferente com a Psicologia. Do final da década
nesse percurso. de 1970 – mas com maior intensidade a partir de meados
da década seguinte, por meio da criação ou da ocupação
O Contexto do Desenvolvimento da Profissão
dos sindicatos por segmentos combativos dos psicólogos
Nos primeiros anos da década de 1960, o Brasil atra- em diversos estados, e, posteriormente, do chamado “sis-
vessava um momento de intensa mobilização popular e tema conselhos”, a participação política da categoria ganha
crise política, cujo desenlace é bastante conhecido: dentre expressão.
as possibilidades postas, o país inicia um período de vinte
É especialmente importante o envolvimento dos psicó-
anos de regime autocrático-burguês, com desenho seme-
logos na década de oitenta no movimento da saúde, com
lhante aos das demais nações do cone sul. O país contava participação ativa na luta antimanicomial, nas Conferên-
com um sistema universitário já bem estruturado que, em- cias Nacionais de Saúde, que acabam definindo algumas
bora recente, já se tornava anacrônico, transformando-se das condições para a inserção da categoria, de forma mais
em alvo de contestação estudantil. Quanto à Psicologia, extensiva, no campo público do bem estar social.7
havia já uma tradição de produção de conhecimento e,
Parte da previsão de Campos (1983) acerca da cres-
mesmo, de aplicação em alguns de seus campos (ver An-
cente atenção dos psicólogos às classes subalternas, co-
tunes, 1999). É nesse cenário que a profissão é regula-
meça a se confirmar. Seja por contingências do mercado,
mentada, pela Lei Federal n° 4.119/62.
seja por definições de ordem político-profissional, a rea-
Nos primeiros anos de profissão regulamentada, são lidade é que a presença dos psicólogos no setor público
poucos os profissionais registrados e as agências forma- ganha expressão a partir desse período. Ou seja, a questão
doras existentes no Brasil. É somente com o “golpe dentro da abrangência começa a ser modificada. Qualquer com-
do golpe”, isto é, no segundo momento do ciclo autocrá- paração da cobertura da atenção do psicólogo nos dias de
tico-burguês é que a “questão universitária” é equacionada, hoje em confronto com aqueles retratados nos estudos con-
pela via da privatização – fato já sobejamente conhecido.4 duzidos nos primeiros vinte ou trinta anos de regulamen-
Portanto, quando mencionamos o debate interno à Psi- tação da profissão vai nos mostrar um quadro em mu-
cologia de então, estamos nos referindo a uma realidade dança, ainda que tendencial. Daquela realidade em que o
que comportava um pequeno número de profissionais e psicólogo estava virtualmente ausente dos serviços públi-
um pequeno número de instituições de ensino superior que cos nos seus diversos campos, o quadro atual mostra uma
abrigavam os estudos psicológicos, no primeiro momento presença dos psicólogos em alguns dos setores, o da saúde
do ciclo autocrático-burguês. como o caso emblemático.8
No entanto, a despeito da constatação de que a Psico- As Políticas Sociais (Públicas)
logia se desenvolve como profissão em pleno regime auto- A temática das políticas sociais articuladas com a ação
crático-burguês, eu trabalho com a hipótese de que o de- do Estado tem sido alvo de investigações e debates no âm-
bate mais intenso sobre as características e os rumos da bito da academia, a partir de diversas angulações de aná-
profissão estava ausente da academia menos por imposi- lise. Como regra, entretanto, os estudos têm focalizado
ção do regime que empalma o poder em 1964 que pela as políticas sociais como estratégias do Estado para a reso-
incipiência da profissão.5 lução de problemas sociais particularizados e, assim, a
A expansão do ensino superior e, conseqüentemente, eficácia das ações estatais discutida nos diferentes setores
da própria Psicologia, se dá em meio à “institucionalização que são por elas abarcados, aceitando, como resolvidas,
da ideologia da segurança nacional” – reconhecidamente, as chamadas “questões de fundo”, isto é, os fundamentos,
o período no qual a repressão se torna mais aguda, atin- na esfera do Estado, para a tomada de decisão.
gindo ares de terrorismo de Estado. Nesse período, efeti- Para tal análise, é indispensável a remissão do trata-
vamente o debate esteve ausente da academia – a Psicolo- mento das “políticas sociais” à chamada “questão social”.
gia, evidentemente, aí incluída. De uma maneira muito ampla, questão social significaria
É somente no momento em que, com as mudanças na o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos
conjuntura político-econômica internacional e o conse- postos pela emergência da classe operária no processo de
qüente colapso do “milagre brasileiro”, a autocracia bur- constituição da sociedade capitalista. Questão social pode,
guesa busca uma recomposição das bases políticas de apoio, pois, ser traduzida como a manifestação no cotidiano da
é que a dinâmica desse processo coloca a possibilidade de vida social da contradição capital-trabalho.9
reorganização das forças populares. É nesse contexto – No monopolismo, que conduz ao ápice a contradição
contraditório – que os movimentos científico-profissionais entre a socialização da produção e a apropriação privada

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através do controle dos mercados, o Estado é refunciona- Existem, ao menos, três vetores que entram em jogo
lizado e redimensionado, assumindo a responsabilidade na definição desses limites, dos quais destaco para dis-
por um conjunto de mecanismos extra-econômicos que cussão: as formas peculiares de organização político-eco-
se articulam com o processo produtivo. A articulação das nômica que rebatem no tratamento das questões sociais,
funções econômicas e extra-econômicas (ou especifica- e a situação específica das profissões do setor bem-estar,
mente políticas) assumidas pelo Estado demanda a legiti- no nosso caso, do psicólogo: organização profissional e
mação política pelo alargamento da sua base de sustenta- compromisso social, hegemonia de tal ou qual modelo
ção, através da institucionalização de direitos e garantias (teórico-técnico) de intervenção e condições/característi-
sociais. Tal legitimação, pela utilização dos instrumentos cas da formação acadêmica. O terceiro vetor é a organiza-
da democracia política, mobiliza uma dinâmica contraditó- ção e a capacidade de resistência das classes subalternas.
ria, tornando o Estado permeável a demandas das classes
Ajuste Neoliberal, Desajuste Social
subalternas.
e a Lógica da Parceria com o “Terceiro Setor”
Nessas condições, as conseqüências da questão social Uma vez que se trata de um tema amplamente dis-
tornam-se objeto de intervenção sistemática e contínua cutido, não pretendo fazer mais do que algumas pontua-
por parte do Estado, mas através de um processo peculiar: ções sobre a ideologia e agenda neoliberais; apenas o sufi-
sem a possibilidade da remissão à totalidade processual ciente para dar os contornos mais gerais e introduzir a dis-
específica (conforme nossa definição), ela é tratada de for- cussão do “terceiro setor”.
ma fragmentária e parcializada.10 Política social transmuta-
A crise do modelo econômico, experimentada no se-
se em políticas sociais (no plural): as expressões da ques-
gundo quartel da década de setenta do século passado, tra-
tão social são tratadas de forma particular – e assim, enfren-
duzida por uma profunda recessão, baixas taxas de cres-
tadas.
cimento econômico e explosão das taxas de inflação, dá
É, portanto, na forma de políticas setorizadas que as início a um processo que culminaria com a hegemonia, em
prioridades no campo social são definidas. E política, é nível planetário, do ideário e agenda neoliberais.
sempre conveniente lembrar, é conflito, que nas forma- Sem se constituir em um corpo teórico próprio, o neo-
ções sociais capitalistas, traduz-se na oposição os entre os liberalismo é, fundamentalmente, um conjunto de pro-
interesses da acumulação e as necessidades dos cidadãos. posições políticas conjugando, no plano conceptual, uma
As políticas sociais, como parte do processo estatal da alo- atualização do liberalismo com formulações mais propria-
cação e distribuição de valores, encontram-se no centro mente conservadoras e oriundas do darwinismo social
desse confronto de interesses de classes. (Draibe, 1993). Assim, a própria agenda sofre adaptações
O suposto de que as políticas sociais nos remetem ao sabor das conjunturas nacionais específicas nas quais
sempre e no limite ao antagonismo irreconciliável de clas- se implanta.
ses, não nos impede, todavia, de pensar em diferentes Tomada em suas linhas mais gerais, a agenda consis-
pontos de equilíbrio entre a acumulação e a privação so- tiria da contração da emissão monetária, da elevação das
cial. Tais pontos são dependentes de particulares correla- taxas de juros, da diminuição da taxação sobre os altos ren-
ções de forças presentes no cenário político em cada con- dimentos, da abolição de controles sobre os fluxos finan-
juntura histórica específica. ceiros, da criação de níveis massivos de desemprego, do
Nos países periféricos, em que, com grau e amplitude controle e repressão do movimento sindical, do corte dos
diferenciados, a destituição decorrente do próprio pro- gastos sociais pela desmontagem dos serviços públicos,
cesso de acumulação capitalista é a regra, do ponto de além de um amplo programa de privatizações. As suas pre-
equilíbrio conseguido resultarão não apenas as ações de missas fundamentais são o estabelecimento do mercado
caráter universalistas, mas aquelas de combate às situa- como instância mediadora fundamental e a idéia de um
ções de extrema pobreza, através de políticas de caráter Estado mínimo (nos moldes assinalados anteriormente)
compensatório e redistributivo. como a única alternativa para a democracia.
Intervir como profissão (entendida como uma prática O impacto do programa neoliberal no plano social em
institucionalizada, socialmente legitimada e legalmente nações como as latino-americanas, que se notabilizam
sancionada), no terreno do bem-estar social, portanto, re- pela debilidade na cobertura e pelos reduzidos graus de
mete a Psicologia para a ação, exatamente, nessas seqüe- eficácia, sob a égide de políticas de cunho meritocrático-
las da questão social transformadas em políticas estatais e particularistas, tende a acentuar as desigualdades e apro-
tratadas de forma fragmentária e parcializada, com priori- fundar o quadro de miséria social.
dades definidas ao sabor das conjunturas históricas parti- Vejamos o caso brasileiro. Apesar de melhora em índi-
culares. Isto conferirá tanto a relevância quanto os limites ces específicos (aumento da expectativa de vida, dos ní-
possíveis da intervenção do psicólogo. veis de escolarização, diminuição da mortalidade infantil

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entre outros), o tratamento dado à questão social foi abso- bretudo, para as parcelas “excluídas” – processo no qual o
lutamente insuficiente para tirar o Brasil da posição que chamado “terceiro setor” desempenha papel fundamental.
ocupa nos indicadores do Programa das Nações Unidas Portanto, a responsabilidade pelas seqüelas da “ques-
Para o Desenvolvimento (PNUD), de “médio desenvol- tão social” no projeto neoliberal deixa de ser do Estado –
vimento humano” (73a posição em 175 países investiga- ou, ao menos, exclusividade do Estado – sendo “dividida”
dos) (United Nations Development Programme, 2002). com dois outros “setores”, o mercado (privatização) e a
Pelo contrário, a situação de desigualdade social, com um sociedade civil (ação solidária, filantrópica, voluntária).
quadro de degradação geral das condições de vida é alar- Introduz-se, como conseqüência, um atendimento seg-
mante: em 1990, aproximadamente 40 milhões de brasi- mentado, com oferta de serviços de qualidade diferencia-
leiros (de uma população estimada em 147 milhões) estava da conforme a capacidade de pagamento do usuário. A ló-
na ou abaixo da linha da pobreza; 32 milhões em situação gica geral passa a ser algo como: (a) estatal-gratuito-pre-
de indigência. Internamente, regiões mais pobres como o cário; (b) privado-mercantil-boa qualidade e (c) filantró-
Nordeste brasileiro contavam com mais de 40% da popu- pico-voluntário-qualidade questionável (e virtual ausência
lação em situação de indigência (Soares, 2001). de controles).
O financiamento do gasto social no conjunto das na- Há no discurso da refuncionalização neoliberal das
ções latino-americanas, com uma tendência é decrescente, políticas sociais, um pressuposto tão importante quanto
não se altera de forma significativa nos últimos anos. O polêmico: o recorte da realidade social em esferas, o Es-
Brasil é o único país da região que apresenta uma eleva- tado constituindo-se no “primeiro setor”, o mercado no
ção nos gastos do setor, mas é também aquele que tem os “segundo setor” e a sociedade civil no “terceiro setor”.13
piores índices, tanto tem termos absolutos (medidos em Escapa (também) às possibilidades deste texto um tra-
US$ per capita), quanto relativos (percentual do PIB). Com- tamento do tema em detalhes, mas os problemas dessa
parando os gastos setoriais dos países latino-americanos, conceituação são evidentes: desde a própria divisão do
o Brasil investe cinco vezes menos que Argentina e três social em “setores” autônomos; a noção de sociedade civil,
vezes menos que o México no setor educacional. Quanto a possibilidade de intermediação do público e privado; a
ao setor saúde, considerando-se o Brasil como uma das identificação da sociedade civil com o “terceiro setor” –
poucas nações que logrou impor, mesmo com todas as di- apartado do mercado – etc. Este último ponto, a identifi-
ficuldades já amplamente analisadas, um sistema único e cação do “terceiro setor” com a sociedade civil, é um dos
descentralizado nos moldes preconizados pela Organiza- aspectos mais problemáticos dessa análise.14 A (vasta) lite-
ção Mundial de Saúde/Organização Pan-americana de ratura acerca do “terceiro setor” costuma identificar as en-
Saúde (OMS/OPAS), investe quatro vezes menos que a tidades do “terceiro setor” como organizações privadas
Argentina e metade do que gasta o México.11 (não-governamentais), sem fins lucrativos, autogovernadas
Para além do aspecto regressivo do gasto público no e de associação voluntária. Esta definição – abrangente –
setor social, um aspecto que nos importa nessa discussão poderia colocar lado a lado entidades tão diferentes como
diz respeito à refuncionalização neoliberal das políticas as fundações empresariais, sindicatos e até mesmo, seitas
sociais, ou, conforme nossa análise precedente, das respos- religiosas.15
tas neoliberais às refrações da “questão social”.12 Tal refun- A questão é a mudança do foco das antigas entidades
cionalização passa por dois processos articulados, a pre- da sociedade civil – como os movimentos sociais – para
carização e a privatização dos serviços. as chamadas organizações não-governamentais (ONGs),
A precarização é traduzida através de dois mecanis- tem como conseqüência a despolitização dos conflitos
sociais. Nunca é demais lembrar que, como um dos ele-
mos, a descentralização dos serviços (que implica trans-
mentos do tripé responsável pela intervenção no campo
ferência de responsabilidade aos níveis locais do governo
social, tais organizações estabelecem “parcerias” com o
a oferta de serviços deteriorados e sem financiamento) e
Estado, sendo repositórios da transferência de recursos pú-
a focalização (introduzindo um corte de natureza discrimi-
blicos por meio do chamado “fundo público”16 (uma das
natória para o acesso aos serviços sociais básicos pela
facetas da privatização antes aludida).
necessidade de comprovação da “condição de pobreza”).
A privatização (total ou parcial) dos serviços obedece a Políticas Sociais, “Terceiro Setor” e os
duas lógicas: a (re)mercantilização (com a transformação Limites do “Compromisso Social do Psicólogo”
dos serviços sociais em mercadorias, “oferecidos” no mer- Podemos retomar agora o fio da nossa discussão. O
cado ao consumidor, configurando uma nova forma de ponto que queríamos demonstrar era que, ao longo destes
apropriação de mais-valia do trabalhador) e a (re)filan- quarenta anos de consolidação da profissão, o elitismo que
tropização das respostas à “questão social”, ou seja, a marcou os primeiros tempos vem sendo paulatinamente
transferência para o âmbito da “sociedade civil” parte da contrarrestada por um movimento, ainda tendencial e
responsabilidade pela oferta de serviços (voluntários), so- ainda longe de reverter o quadro da profissão, mas cres-

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cente, de expansão dos serviços do psicólogo para cama- leira. A questão que se impõe, na seqüência, admitindo
das mais amplas da população. essa tese é: o atendimento psicólógico utilizando os recur-
Esse crescimento está associado a dois processos inter- sos teórico-técnicos “tradicionais” da Psicologia de par-
dependentes: a introdução sistemática do psicólogo no celas cada vez mais amplas da população brasileira (e não
campo do bem-estar social (sobretudo, mas não exclusiva- apenas as elites) representa sintonia com os interesses dessa
mente, no da saúde pública), num movimento contradi- “maioria”?
tório17 e a presença crescente do psicólogo nas organiza- O meu entendimento é que a resposta é não: que é ne-
ções do chamado “terceiro setor” voltados para a área do cessário avançar para uma discussão acerca do que, por
bem-estar social. falta de termos melhores, vou tratar por “natureza” (como
A questão é, em que medida, as mudanças em curso esse compromisso é exercido) e “direção” (para quê?) desse
na Psicologia respondem as inquietações dos psicólogos compromisso. Com relação à natureza, relembremos, em
com relação ao chamado “compromisso social da profis- primeiro lugar, a afirmação de Campos (1983), sobre a
são” (nas suas diversas acepções). insuficiência da Psicologia em dar conta das novas exigên-
cias postas pela mudança do foco de atenção em direção
Já assinalamos que um aspecto do “compromisso so- às classes subalternas. Generalizando (e sempre há gran-
cial” diz respeito à abrangência. Os dados mais recentes des riscos nessas generalizações), a ação do psicólogo no
colhidos pelo Conselho Federal de Psicologia18 mostram setor do bem-estar social, a partir dos relatos da literatura
um quadro que, do ponto de vista estatístico, não é radi- dos últimos anos, não tem se libertado das modalidades
calmente diverso do verificado nos primeiros anos da convencionais de atuação clínica informada pelas referên-
regulamentação. Nesse levantamento, realizado em 2004, cias teóricas clássicas da Psicologia.
55% dos respondentes informaram que “Atendimento clí- Em anos passados, a tentativa (nem sempre eficiente)
nico individual ou em grupo” corresponde à sua atividade de focalização das atenções dos psicólogos para as classes
principal e 53% que seu local principal de trabalho é o subalternas, no contexto da rearticulação do movimento
“Consultório Particular” (41%) e “Clínica” (12%). “Polí- popular (de corte antiditatorial), era fortemente motivada
ticas públicas de saúde, segurança ou educação” é a melhor por um reconhecimento da importância do comprometi-
descrição das atividades exercidas apenas por 11% dos entre- mento social da ação profissional. Hoje, o quadro nos pa-
vistados. rece radicalmente diverso. A ação profissional dos psicó-
Contudo, considerando-se o expressivo aumento do logos que atuam no setor bem-estar público (ao menos
número de psicólogos formados no Brasil e com condições considerados os exemplos que temos em mãos, o que não
legais para o exercício profissional (aproximadamente representa, necessariamente, a ausência de outras formas
150 mil), é considerável o número de profissionais dedi- de inserção) – a despeito da direção que o Conselho Fede-
cados ao setor do bem-estar público.19 ral de Psicologia (CFP), procura imprimir –, indica-nos
uma extensão da prática convencional (calcada no modelo
Se pensarmos em tendências, o assalariamento do psi-
médico) com uma escassa ou nenhuma de problematização
cólogo é um processo em curso e de reversão historica-
dessa forma de intervenção, reforçando um dos aspectos
mente improvável.20 Considerando a agenda neoliberal no
mais dramáticos da prática dos profissionais que atuam
setor das políticas sociais, a probabilidade de envolvimento
no setor social público: o acesso desqualificado por parte
profissional do psicólogo no chamado “terceiro setor”
de parcelas cada vez maiores da população aos serviços
são mais promissoras que propriamente o desenvolvimento básicos no setor social.
de trabalhos no âmbito do Estado, embora a tendência
Não estou desconhecendo as ações nos diversos níveis
aponte para uma ocupação significativamente maior tam-
de intervenção, mas constatando que a ampliação da ação
bém no setor público comparativamente às primeiras dé-
do psicólogo para o campo da saúde pública (para traba-
cadas após a regulamentação.
lhar com um caso emblemático) tem representado uma
É importante estabelecer que, nos termos que temos ampliação do mercado de trabalho do psicólogo, com a
conduzido esta discussão, a abrangência, abordada no con- extensão das formas consagradas de ação para as classes
texto do “compromisso social”, vai além da abertura de subalternas (algo como um aumento da “clientela”).
mercado de trabalho: ela significa atingir determinadas Com relação à direção, o segundo ponto assinalado,
parcelas da população, aquelas que Regina Campos (1983) atuar com compromisso significa não somente superar o
se referia como classes subalternas. elitismo, mas dirigir a ação para rumos diferentes daque-
Todavia, “compromisso social”, como já assinalamos, les que têm consagrado a Psicologia. Explicitamente,
não se restringe à abrangência da ação profissional do psi- Bock (1999b) defende a tese de que “o trabalho do psi-
cólogo mesmo tomada nesse sentido. Para Bock (1999b), cólogo deve apontar para a transformação social, para a
a Psicologia brasileira tem se comprometido com os inte- mudança das condições de vida da população brasileira”
resses das elites e não com a maioria da população brasi- (p. 325).21

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Na realidade, os dois aspectos adicionais à abrangência cializada, sendo uma das formas privilegiadas, a delega-
que destacamos articulam-se muito estreitamente – não ção para o “terceiro setor”. Portanto, atuar no campo do
estaríamos, aqui, defendendo a neutralidade da técnica. bem-estar social, seja nas instâncias estatais, cuja manu-
As questões postas pela tese da transformação social são tenção deve ser uma bandeira para os profissionais e para
as possibilidades e os limites da ação profissional. a sociedade, seja no “terceiro setor”, será sempre, no li-
Para tanto, necessitamos, ainda que brevemente, dis- mite, uma intervenção parcializada.
cutir o conceito de profissão. Nos estudos conduzidos O ponto que eu gostaria de defender é que é tão legí-
sobre a profissão, prevalece uma visão endógena, na qual tima quanto necessária a ação do psicólogo no campo do
a ênfase recai na prática em detrimento do trabalho do bem-estar público, mas que, por si só, isso não representa
psicólogo. Ou seja, são privilegiadas as preferências dos um indicador do compromisso social no sentido que cap-
profissionais, as atividades, os locais de trabalho entre turamos de Bock. Mais ainda, que determinadas formas
outros aspectos que são dimensões do trabalho do psicó- de intervenção no setor público pode caminhar até mesmo
logo, trabalho que é tradução de relações sociais determi- na direção oposta, se considerarmos que um dos efeitos
nadas estabelecidas sob uma base econômica específica. mais perversos da resposta capitalista à questão social,
O trabalho do psicólogo – enquanto trabalho – é uma conforme referido antes, é o atendimento desqualificado.
das especializações inscritas na divisão social e técnica do Seja qual for o evolver da Psicologia – movimentação
trabalho (utilizando a definição de Iamamoto, 1998). Como na direção de uma prestação pública de serviços a uma
tal, e na medida em que o trabalho assalariado passa a ser parcela mais ampla da população brasileira, com a perma-
a forma específica de atuação profissional do psicólogo, nência nas posturas e práticas tradicionalmente definidas
ele se traduz, como no caso de qualquer outro trabalha- ou o desenvolvimento de novos modelos de intervenção
dor sob o capital, pela venda e compra de força de traba- – esta necessita ser colocada em contexto. Retomamos
lho. A sua reprodução na sociedade capitalista se justifica considerações de duas ordens:
na medida em que, produzindo serviços que atendem a A primeira delas diz respeito aos constrangimentos
necessidades sociais, contribuem para o processo de repro- na base material da sociedade que impõem limites e defi-
dução e redistribuição de mais-valia.22 nem características da inserção profissional dos trabalha-
Aqui, é imprescindível estabelecer um ponto: como dores – consideradas as suas especificidades –, relacionados
profissão – ou seja, uma prática institucionalizada, social- ao seu locus na divisão social e técnica do trabalho. En-
mente legitimada e legalmente sancionada (conforme quanto categoria profissional, os graus de liberdade não
Netto, 1992) – as condições materiais (consideradas as são, como é de uso corrente imaginar, tão largos, a ponto
conjunturas específicas) impõem limites para a autonomia de permitir uma movimentação e/ou redirecionamento
de qualquer profissão para definir os “seus rumos”, mas livres de perturbações. Contemporaneamente, levar em
não a condicionam unidirecionalmente. conta o contexto significa que, qualquer perspectiva que
Os riscos de interpretações equivocadas dessa questão se delineie para a psicologia enquanto profissão deve passar
são a assunção de duas posições opostas e ambas problemá- pela discussão acerca das novas formas de sociabilidade
ticas: uma concepção fatalista, na qual as determinações postas pelas mudanças no mundo capitalista – em especial,
materiais estabelecem os rumos profissionais e, portanto, por considerações acerca da reestruturação produtiva sob
conduzem a uma postura comodista; e outra, voluntarista, o primado da globalização da economia e sua incidência
que defende posições messiânicas, extrapolando os limi- nas práticas sociais, e do impacto da agenda neoliberal
tes profissionais e confrontando com os limites da reali- sobre a área do bem-estar.23
dade social (Iamamoto, 1998). Por outro lado, não se deve negar o papel dos atores
Portanto, ao analisar o significado e os limites da inter- sociais – os sujeitos da história –, na consideração do con-
venção do psicólogo no terreno do bem-estar social, é texto. As determinações materiais não impõem configu-
necessário um duplo cuidado: ao mesmo tempo em que a rações necessárias e imutáveis, dadas a priori, mas esta-
crítica à reiteração das formas convencionais e inadequa- belecem limites – e o reconhecimento dos espaços de
das de intervenção clínica nas diversas modalidades de autonomia, ainda que relativa, é conseqüência da conside-
ação deve ser feita, é preciso evitar fazer exigências que ração do caráter contraditório das sociedades moldadas
vão além das possibilidades da ação profissional (confun- segundo o parâmetro fundamental do modo de produção
dindo a ação profissional que comporta uma dimensão capitalista. Nesse sentido, embora tendo como premissa
política com a ação propriamente política). Nunca é de- fundamental a negação de que a ação profissional (de qual-
mais lembrar que o psicólogo, no limite, como um exe- quer categoria) possa vir a ser o eixo de transformações
cutor terminal das políticas sociais (nos termos de Netto, estruturais, as possibilidades de ação do profissional de
1992), atua nas refrações da questão social, transformadas psicologia rumo a práticas diferenciadas também devem
em políticas estatais e tratadas de forma fragmentária e par- ser colocadas no contexto do papel do intelectual numa

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Yamamoto, O.H. “Políticas sociais, ‘terceiro setor’ e ‘compromisso social’: perspectivas e limites do trabalho do Psicólogo”

sociedade contraditória. Nessa direção, o desafio posto lações-alvo. Sem embargo da necessidade de uma análise mais
para a categoria é ampliar os limites da dimensão política fina a respeito da questão, tarefa que desborda os limites deste
trabalho, é inegável, também que, em diferentes medidas, a agenda
de sua ação profissional, tanto pelo alinhamento com os
neoliberal marcou, e marca profundamente as definições políticas
setores progressistas da sociedade civil, fundamental na das nações latino-americanas. Dentre as diversas análises dis-
correlação de forças da qual resultam eventuais avanços poníveis sobre as políticas sociais nos últimos anos, ver Martins
no campo das políticas sociais, quanto pelo desenvolvi- e Scandiucci Filho (2004).
mento, no campo acadêmico, de outras possibilidades 12
Dentre as possibilidades de tratamento da questão, acompanho,
teórico-técnicas, inspiradas em outras vertentes teórico- aqui, as análises de Montaño (2002).
13
metodológicas que as hegemônicas da Psicologia. É importante estabelecer, aqui, que o foco da análise reside na
transferência de responsabilidade no trato da questão social do
Estado para o chamado “terceiro setor”, não se tratando de uma
Notas crítica que desqualifique, in totum, a intervenção ou a importância
1
Convém assinalar que estamos aqui recuperando os termos da dessa modalidade de organizações.
14
discussão presente na literatura sobre a questão naqueles anos. Apenas para registro, basta lembrar as diversas acepções de socie-
Certamente, um tratamento mais detido do que denominamos de dade civil presentes na literatura, como as distinções necessárias
“preferência dos psicólogos por um modelo de atuação” neces- entre o sentido atribuído por Hegel, Marx e Gramsci.
15
sitaria a consideração das possibilidades do exercício de uma Os estudos iniciais sobre a existência de um “espaço” fora dos
profissão recém-sancionada do ponto de vista legal, sem ter dois campos em que se divide a vida social (Estado e mercado,
assegurada a condição de uma prática institucionalizada e social- ou público e privado) devem ser creditados a Lester Salamon que,
mente legitimada – situação diversa do momento da introdução sis- desde o início dos anos 1980, realiza estudos “organizações não-
temática do psicólogo no campo da saúde pública, anos depois. lucrativas” (em vez de não-governamentais ou voluntárias, se-
2
Ou seja, ao elaborar a crítica à abrangência, os autores aponta- guindo a terminologia da ONU) nos Estados Unidos. Para aná-
vam o próprio arcabouço teórico-metodológico predominante lises alternativas à que se adota aqui, ver, dentre outros, Connors
(subjacente à modalidade hegemônica de atuação) como um dos (1980), Salamon (1992/1999, 1995) e Salamon e Anheier (1997).
condicionantes fundamentais dos rumos da profissão. Na obra de 1997, e em James (1989), um quadro internacional
3 dessas organizações é apresentado em detalhes. Para um quadro
Esse movimento tem importantes marcos, como o I CONPSIC
da questão na América Latina, ver Fernandes (2002).
em 1988; o Congresso Unificado dos Psicólogos, em 1989 e o
16
I Congresso Nacional da Psicologia, em 1992. Esse tópico nos remete para uma discussão já antiga, mas creio,
4 não superada, relativa à chamada “crise fiscal do Estado” (con-
Para uma periodização do ciclo autocrático-burguês, consultar
forme tese de O’Connor, 1977). É especialmente importante
Moreira Alves (1989). Para discussões acerca da reforma uni-
para a discussão das políticas sociais a abordagem de Francisco
versitária e seus desdobramentos, ver, dentre outros, Germano
de Oliveira (1988) sobre o impacto do fundo público na equação
(1993).
5
do Capital durante a vigência do Welfare State.
É importante recordar a tese de Schwarz (1970) sobre a hegemonia 17
Nunca é demais lembrar a polêmica a respeito do Welfare State
cultura da esquerda no primeiro momento do ciclo autocrático-
brasileiro; se o Brasil teria, ou não, desenvolvido alguma forma
burguês.
6
de Welfare State. Polêmicas acadêmicas à parte, é inegável que
Para uma análise do protagonismo dos intelectuais no período, o Brasil caminhou na contra-mão da história na década de 90
recomendo o texto de Pécaut (1990). Uma apresentação desse (considerada por Roberto Campos – não sem razão! – como a
tema também pode ser encontrado, com referência ao campo década perdida...), ao promover um desenvolvimento sem para-
educacional, em Yamamoto (1996a). lelo na nossa história, da proteção social. Não foi uma doação;
7
Uma análise dessa questão pode ser encontrada em Carvalho e evidentemente, está relacionado ao movimento de reorganização
Yamamoto (1999). das forças populares no último período da autocracia burguesa.
8
Ver, por exemplo, os dados da pesquisa do Conselho Federal de 18
A pesquisa foi realizada pelo IBOPE (2004), por demanda do
Psicologia encomendada ao Instituto Brasileiro de Opinião Pú- CFP. Uma vez que não estão explicitados os procedimentos, a
blica e Estatística ([IBOPE], 2004). confiabilidade dos resultados deve ser posta em questão. A des-
9
As chamadas “políticas sociais” constituem um campo bastante tacar, a reedição da pesquisa realizada pelo CFP, que resultou no
amplo (e polêmico) de estudo, partindo de angulações teórico- livro “Quem é o psicólogo brasileiro” (CFP, 1988), que está
metodológicas bastante diversas. A análise que se segue é uma – sendo empreendida pelo GT da área de Psicologia do Trabalho
mas não a única – dessas possibilidades, que busca enquadramento na ANPEPP.
na teoria social marxiana (acompanhando as indicações de Netto, 19
Nos levantamentos realizados em Natal, a situação da profissão
1992, e Iamamoto & Carvalho, 1983). não é diferente do quadro nacional: a área de atuação predomi-
10
É na segunda metade do século XIX, momento da aparição da nantes é a Clínica (47%); o local de atuação, o consultório parti-
classe operária no cenário político europeu, que a “questão social” cular (54%)... No entanto, somando-se as áreas de Saúde e Edu-
passa a ser tratada como uma questão política (Pastorini, 2004). cação, temos 27% dos profissionais, o que é um dado expressivo.
11
A análise aqui conduzida procura traçar os lineamentos mais Embora o “n” seja baixo, as ONGs aparecem como opção de
gerais das políticas públicas no setor bem-estar, conduzidas atuação do psicólogo norte-riograndense, com 13% (dados de
pelas diferentes nações latino-americanas no período em tela. É 2004).
20
indispensável, no entanto, deixar estabelecido que a mediação Esse processo foi abordado por Mello (1975) na discussão sobre
política nesses diferentes países e, sobretudo, por diferentes go- a “institucionalização” da Psicologia.
21
vernos, introduz mudanças não-desprezíveis no tratamento da Bock enfatiza o “apontar” no sentido da finalidade, defendendo
questão social, impactando de forma bastante diversa as popu- o compromisso do ponto de vista ético.

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Psicologia & Sociedade; 19 (1): 30-37; jan/abr. 2007

22
Nas funções vinculadas ao Estado (caso do setor bem-estar Moreira Alves, M. H. (1989). Estado e oposição no Brasil (1964-
social público), o nexo do trabalho com a produção de valor não 1984) (5. ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.
é direto, mas mediatizado pelo papel representado pelo fundo Netto, J. P. (1992). Capitalismo monopolista e Serviço Social. São
público na equação do capital (Oliveira, 1988). Paulo, SP: Cortez.
23
Ver, para essa discussão, entre outros, Antunes (2000); Frigotto, O’Connor, J. (1977). USA: a crise do Estado capitalista. Rio de
(1995); Sader e Gentili (1995) e Yamamoto (1996b). Janeiro, RJ: Paz e Terra.
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