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FACULDADE DE PSICOLOGIA
2021
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE PSICOLOGIA
2021
I
quantidade de carga que aquela pessoa tem e também da capacidade que ela tem para
resolver ou o stress ou o cansaço. Eu acho que isso vai depender muito de pessoa para
Resumo
para os cuidadores formais. Uma das suas consequências para estes cuidadores é o
física, o principal sinal de burnout, apoiando a literatura sobre o tema. De entre todas as
de baixa realização pessoal. Os fatores de risco mais associados, ao burnout na maioria das
Abstract
for the formal caregivers. One of its consequences for these caregivers is the development of
a long term stress experience on the work place, defined as burnout. On the present study I
try to understand the burnout experience of 19 formal caregivers, who belonged to different
social demographical categories. For that, semi-structured interviews were conducted to these
caregivers, and the data was analyzed using a qualitatively approach based on the thematic
analysis. The results pointed out to the existence of low diferences in the experience of
burnout between the social demographical categories. The risk for the development of
burnout was identified on the caregivers of all the social demographical categories, and the
exhaustion, both the physical and the emotional, was the main sign of burnout, supporting the
literature over this theme. Between all the social demographical categories, the younger
caregivers exhibited a higher risk for developing burnout, experiencing signs of exhaustion,
depersonalization and low personal accomplishment. The burnout risk factors, for the most
social demographical categories, were related to working factors or related to patients. On the
other hand, positive interpersonal relationships, the use of adaptive coping strategies and
appreciating the care act contributed to the protection for developing burnout. In that sense,
training interpersonal competences and resolution problem strategies can benefit the formal
Índice
Introdução 1
Enquadramento teórico 3
2. O cuidador formal 5
2.2. Coping 11
2.3. Significações 14
3. O presente estudo 16
Método 17
1. Amostra 17
2. Material 19
3. Procedimento 20
Resultados 23
1. Experiências de burnout 23
1.1.2. Idade 25
1.1.3. Escolaridade 26
1.1.4. Formação 27
1.2.2. Idade 31
1.2.3. Escolaridade 32
1.2.4. Formação 33
2. Coping 34
2.2. Idade 36
2.3. Escolaridade 37
2.4. Formação 37
3.1.2. Idade 42
3.1.3. Escolaridade 43
3.1.4. Formação 44
3.2.2. Idade 45
3.2.3. Escolaridade 45
3.2.4. Formação 46
3.3.2. Idade 46
3.3.3. Escolaridade 47
VI
3.3.4. Formação 47
Discussão 48
1. Experiências de burnout 48
2. Coping 52
3. Significações 53
Conclusão 56
Referências 60
VII
Índice de quadros
Anexos
Introdução
Atualmente as doenças crónicas são um dos temas que tem suscitado mais interesse,
afetando, em Portugal, quase metade da população. Para além da prevalência elevada, estas
satisfação das necessidades básicas dos doentes, ou beneficiários, e para a sua qualidade de
vida.
orientação), o sofrimento, e por vezes a morte dos beneficiários dos seus cuidados. Para além
disso, nem sempre têm tempo suficiente para cuidar dos beneficiários como gostariam e
experimentam muitas vezes relações pouco cooperantes com os colegas. Nesse sentido, as
competência e satisfação no desempenho do seu trabalho (i.e., uma baixa realização pessoal).
2
interpessoais com os colegas pouco satisfatórias), como também dos recursos cognitivos
expressão emocional) dos cuidadores para lidarem com o stress associado ao seu trabalho.
Para além disso, como o ato de cuidar é um processo dinâmico e interativo, os cuidadores
que experimentam burnout tendem a prestar cuidados de menor qualidade, propiciando uma
sobre o tema deste trabalho; a seguir, apresenta-se a forma como a investigação foi realizada,
i.e., a método; em terceiro lugar apresentam-se os resultados obtidos; em quarto lugar, estes
resultados são conceptualizados tendo por base as referências da literatura e, por último
Enquadramento teórico
No mundo atual um dos temas que mais atenção tem recebido por parte das pessoas é a
Primeiramente, importa definir o cuidador como aquele que presta ajuda à pessoa cuidada,
i.e., ao doente, dependente, ou beneficiário, com o objetivo de facilitar a realização das suas
em troca da prestação de cuidados a principal diferença entre os dois (Lucchetti et al., 2014).
estudo, existe evidência da maioria dos cuidadores, tanto informais como formais, ser do sexo
feminino (Diniz et al., 2018; Miyamoto, Tachimori, & Ito, 2010). Contudo, alguns estudos
(e.g., Diniz et al., 2018) apontam para algumas diferenças entre estes dois grupos de
informais a terem uma média de idade superior; menor escolaridade; mais anos de
saúde e da doença. Assim, importa definir que “ a saúde é um estado de completo bem-estar
físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (World Health
Organization (WHO), 2005a, p.1). Tal como esta definição de saúde sugere, relacionado com
De facto, as doenças crónicas, caracterizadas pela sua longa duração (WHO, 2018), são
hoje um dos assuntos que gera uma maior preocupação no mundo, não só pela sua
prevalência como pelas suas consequências (WHO, 2005b). As doenças crónicas incluem
Pensando agora nas doenças crónicas em Portugal, 3.9 milhões de pessoas residentes no
país, entre os 25 e os 74 anos de idade, reportam ter pelo menos uma doença crónica, sendo a
hipertensão a mais comum (Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), 2015).
De facto, em 2016, 86% das mortes no país estiveram associadas a doenças crónicas,
Embora as pessoas consigam hoje viver mais anos com doença crónica (WHO, 2018),
com a contribuição de inúmeros fatores (e.g., melhoria nas condições de vida das pessoas;
maior acesso a medicamentos e serviços de saúde (Schmidt et al., 2011)), as doenças crónicas
vida (Ge, Ong & Yap, 2018); ter uma perturbação do humor, pensamentos, planos ou
tentativas de suicídio (Ferro et al., 2017)) ou traduzir-se em elevados custos económicos para
quando as suas doenças são músculo-esqueléticas (Theis, Roblin, & Helmick, 2018);
absentismo, falta de produtividade no contexto laboral e mortalidade precoce (Png, Yoong, &
Phan, 2016)).
De facto, as doenças crónicas representam hoje a principal causa da incapacidade com que
as pessoas podem viver vários anos antes de morrerem (Schmidt et al., 2011). Dada esta
diferença entre o número de anos em que a pessoa vive no total e o número de anos em que a
pessoa vive com saúde (Schmidt et al., 2011), e também dada a complexidade da doença
crónica (e.g., toma de medicamentos; idas a diferentes médicos especialistas (Ghosh et al.,
2. O cuidador formal
O cuidador formal é aquele que tem uma formação adequada aos cuidados
disponibilizados (Diniz et al., 2018) e que é remunerado (Guerra et al., 2019). Este cuidado
pode ser prestado em contexto institucional (e.g., hospital; lar) ou na casa do beneficiário do
cuidado (Paulus, Van Raak, & Keizer, citados por Bentwich, Dickman, & Oberman, 2017).
(Ayalon & Roziner, 2016)), existindo uma troca entre quem cuida, i.e., o cuidador, e quem é
6
cuidado, i.e., o beneficiário. Neste sentido, importa perceber que consequências pode ter o ato
psicológicas para o cuidador formal, que muitas vezes tem de lidar com o sofrimento do outro
diariamente (Lucchetti et al., 2014). Quatro dessas consequências são o stress; a depressão; a
experimentado pelos cuidadores formais de doentes que viveram um evento traumático, ainda
que os cuidadores não tenham vivido diretamente esse evento (Hamid & Musa, 2017).
Uma outra consequência é a sobrecarga, ainda que esta seja mais estudada em cuidadores
O conceito de sobrecarga tem uma dimensão objetiva e outra subjetiva (Schene, 1990). A
cuidados e as suas consequências para os cuidadores (Schene, 1990), sendo que estas
Singh, & Sulaiman, 2017; Schene, 1990)). A dimensão subjetiva relaciona-se mais com a
associando-se à perceção que o cuidador tem da sua saúde física e mental (e.g., presença de
7
emoções negativas (e.g., culpa; raiva); sintomas depressivos, ansiosos e somáticos (e.g., dores
A sobrecarga geral dos cuidadores parece ser mais afetada pela dimensão subjetiva (e.g.,
perceção de saúde; preocupação com o doente) do que pela dimensão objetiva (e.g., esforço
físico; tempo despendido a cuidar do idoso dependente), pelo menos em cuidadores informais
Existem outras consequências do ato de cuidar para os cuidadores formais para além da
sobrecarga. Neste sentido, não só a sua qualidade de vida geral é menor, comparativamente à
população não cuidadora (Pinheira & Beringuilho, 2017), como a qualidade de vida no
trabalho é menor, com impacto físico (e.g., fadiga; dores nas costas e no pescoço);
psicológico (e.g., medo de ser acusado de roubo, quando um doente não sabe onde pôs o seu
pertence); e social (e.g., falta de tempo para conversar com os colegas) (Kalanlar & Alici,
2019).
O ato de cuidar pode ainda contribuir para o burnout, i.e., uma experiência de stress no
contexto ocupacional dos cuidadores formais (Vicente & Oliveira, 2015). Maslach e Leiter
(2017) definem o burnout como uma síndrome psicológica cuja manifestação envolve
no trabalho.
físicos do cuidador (Vicente & Oliveira, 2015)) é geralmente a primeira dimensão de burnout
afetivo dos outros (e.g., dos doentes; dos colegas) (Vicente & Oliveira, 2015) e do próprio
trabalho (Yang & Hayes, 2020). I.e., a despersonalização consiste no afastamento emocional
Por último, tende a manifestar-se uma realização pessoal reduzida, que traduz a
Leiter, & Maslach, 2009, cit. em Vicente & Oliveira, 2015). Sendo que esta realização
pessoal reduzida também se pode traduzir em dúvidas do trabalhador acerca do seu valor e se
(O’Connor et al., 2018; Vandenbroeck et al., 2017; Vicente & Oliveira, 2015), por ser a mais
reportada por cuidadores formais, e que o burnout também se associa a um pior bem-estar
Por fim, relativamente às consequências de ser cuidador, importa referir que estas se
estabilidade temporal (e.g., 12 meses) (Griffiths, Wood, & Tai, 2018) e com o burnout, dado
compartilharem fatores de risco (e.g., maior número de horas semanais despendidas a prestar
para a prevenção do burnout (Maslach & Leiter, 2017), o que é igualmente proposto por
outros estudos (e.g., Gibson, O’Connor, & White, 2021; Yang & Hayes, 2020). Outros
desenvolvimento de burnout no cuidador (Yang & Hayes, 2020), assim como as significações
que o cuidador tem sobre o que é ser cuidador ou sobre o ato de cuidar (Vicente & Oliveira,
2015).
burnout (Tavares, Souza, & Silva, 2014) e, mais particularmente, à sua dimensão específica
de exaustão emocional (Guveli et al., 2015) e uma maior intenção de permanecer no seu
trabalho atual (Eltaybani, Noguchi-Watanabe, & Igarashi, 2018). Por outro lado, ser-se do
sexo masculino associa-se sobretudo às outras duas dimensões do burnout, i.e., a uma maior
despersonalização (Balbay, Isikhan, & Balbay, 2011), mas também a uma maior realização
Quanto à idade, não existe um consenso na literatura. Por um lado, aponta-se que ser
jovem é um fator de risco para o desenvolvimento de burnout (Chuang, Tseng, & Lin, 2016;
Tavares et al., 2014; Yates & Samuel, 2019); exaustão emocional (Ilhan, Durukan, & Taner,
2008); e despersonalização (Ilhan et al., 2008). Outros estudos apontam que ter mais idade se
relaciona a uma maior realização pessoal (Delp, Wallace, & Geiger-Brown, 2010; Hamid &
Musa, 2017; Ilhan et al., 2008; Merlo, Stoian, & Motofei, 2020) e a uma maior intenção de
elevados de burnout (Chuang et al., 2016; Tavares et al., 2014); de exaustão emocional e de
despersonalização (Ilhan et al., 2008); quando maior associa-se, por outro lado, a uma maior
realização pessoal (Ilhan et al., 2008) e intenção de permanecer no trabalho atual (Eltaybani
et al., 2018).
No que diz respeito à escolaridade ou habilitações literárias dos cuidadores, ter uma
escolaridade superior associa-se a maiores níveis de burnout (Hamid & Musa, 2017);
exaustão emocional (Guveli et al., 2015) e despersonalização (Balbay et al., 2011; Guveli et
al., 2015). Uma menor escolaridade parece associar-se a uma maior satisfação profissional
para a exaustão emocional (Balbay et al., 2011; Guveli et al., 2015); ser médico para a
despersonalização (Balbay et al., 2011); e ser psicólogo para a menor satisfação no trabalho
Do ponto de vista relacional, o facto de o cuidador não estar envolvido numa relação
amorosa parece predispô-lo para desenvolver burnout (Chuang et al., 2016; Tavares et al.,
2014; Yates & Samuel, 2019) e ter menos contactos sociais relaciona-se com níveis mais
parece contribuir para aumentar a sua exaustão emocional (Socaciu, Ionuț, & Barsan, 2020).
11
(Chuang et al., 2016; Socaciu et al., 2020); (ii) a carga de trabalho elevada/trabalhar durante
mais horas (Balbay et al., 2011; Delp et al., 2010; Gibson et al., 2021; Maslach & Leiter,
2017; O’Connor et al., 2018; Yates & Samuel, 2019); (iii) uma relação conflituosa, não
(Campos et al., 2015; Gibson et al., 2021; Maslach & Leiter, 2017; O’Connor et al., 2018;
Vicente & Oliveira, 2015; Yang & Hayes, 2020) ou com os beneficiários dos cuidados ou
respetivas famílias (Delp et al., 2010); (iv) baixa perceção de controlo em relação às decisões
que são tomadas e que dizem respeito ao seu trabalho (Maslach & Leiter, 2017); e (v)
perceção de injustiça (e.g., cuidadores formais que não gostam de trabalhar em locais onde
percepcionam que os pacientes não são tratados de forma adequada, justa) (Maslach & Leiter,
2017).
cuidadores formais, a doença de que eles sofrem parece ser importante. De facto, doenças que
exijam mais tempo de cuidados e cuidados mais especializados tendem a contribuir para o
burnout dos cuidadores formais (Gibson et al., 2021). Doenças (e.g., demência) que
2.2. Coping
12
(Carver, Scheier, & Weintraub, 1989), já que há autores que sugerem a relação entre a
2018).
estratégias focadas na emoção (i.e., para o controlo da emoção perante um evento stressor);
estratégias focadas no problema (i.e., para a sua resolução através de uma ação) e estratégias
desajustadas (Carver et al., 1989; Folkman & Lazarus, 1980), sendo rara a utilização de
que no grupo ao qual elas pertencem. De facto, este autor propôs um instrumento que avalia
(i) o coping ativo, que traduz uma ação que é uma tentativa de resolução da situação; (ii) o
planeamento, que traduz a elaboração de um plano para resolver a situação; (iii) o re-
enquadramento positivo, que traduz a tentativa de ver o problema de uma forma mais positiva
humor, que traduz a tentativa de se rir da situação; (vi) a religião, que traduz comportamentos
base as suas crenças religiosas/espirituais; (vii) o apoio social emocional, que traduz a
13
tentativa de compreensão pelos outros e/ou a partilha de emoções; (viii) o apoio social
instrumental, que traduz a procura de proximidade dos outros a fim de encontrar ajuda para
resolver o problema; (ix) a auto-distração, que traduz o envolvimento noutras atividades, para
não pensar no problema; (x) a negação, que traduz a recusa da aceitação da realidade; (xi) a
expressão emocional, que traduz a expressão do que se sente, mesmo as emoções negativas;
(xii) o uso de substâncias (e.g., drogas; álcool) para se sentir melhor emocionalmente; (xiii) o
dos cuidadores (Balbay et al., 2011). Outros estudos (e.g., Lucchetti et al., 2014) evidenciam
também a religião como estratégia de coping preferencial, de modo a manter a sua saúde
folga/férias são também estratégias de coping reportadas pelos cuidadores formais (Gibson et
al., 2021).
O uso de substâncias, por outro lado, é a estratégia de coping menos utilizada pelos
Bentwich et al. (2018) identificaram uma outra estratégia de coping, que foi a
normalização, i.e., o facto de o cuidador formal de pessoas com demência definir a relação
com estes doentes como sendo normal para si, i.e., ignorando a presença de sintomas (e.g.,
problemas na memória) que poderiam causar ao cuidador stress psicológico acrescido (e.g.,
De facto, no estudo de Bentwich et al. (2018), a normalização surgiu sob diferentes formas
(e.g., reconhecer o passado e a identidade do doente (e.g., dar uma quipa a um judeu que a
usou durante mais de 40 anos); atribuir a estes doentes as capacidades de ver e ouvir (e.g.,
admitir que a pessoa chora porque ouviu e compreendeu o que o cuidador lhe disse)
(Bentwich et al., 2018). Esta estratégia contribuiu positivamente para a saúde mental e o
bem-estar dos cuidadores, assim como para os cuidados prestados aos doentes (e.g., visão do
doente como uma pessoa completa, i.e, com desejos, emoções, uma história, etc.) (Bentwich
et al., 2018).
tratada, é a estratégia efetiva mais mencionada pelos cuidadores para lidar com
Importa ainda referir que a utilização de estratégias de coping (e.g., apoio social
emocional e o coping ativo) se associa a uma maior satisfação no trabalho (Delp et al., 2010;
Guveli et al., 2015); a uma melhor saúde geral e a uma menor exaustão emocional (Guveli et
Seguindo esta ordem de ideias, verifica-se que os cuidadores formais valorizam o ato de
cuidar, dando-lhe uma conotação positiva através do carinho, confiança e apoio em que se
baseia a sua relação com o beneficiário dos seus cuidados (Guerra et al., 2019). Mas também
15
porque gostariam de ser tratados desta forma positiva quando envelhecessem (Ayalon, 2009).
avós e/ou pais, nomeadamente das suas experiências enquanto cuidadores informais (Vicente
têm a perceção de que os beneficiários estão bem e confortáveis graças aos cuidados que lhes
são prestados e quando há reconhecimento e apreço pelo seu trabalho, tanto por parte do
beneficiário, como por parte da família deste e da própria instituição (Guerra et al., 2019).
interpretam como sendo importante no ato de cuidar a atenção dada não apenas ao aspeto
físico do beneficiário (e.g., dar-lhe banho e vesti-lo) como também ao seu aspeto psicológico
(e.g., dar-lhe carinho; tratá-lo pelo nome) (Ayalon, 2009; Bentwich et al., 2018; Guerra et al.,
2019).
beneficiários dos seus cuidados, pensando mais nas necessidades destes do que nas suas
(e.g., trabalham mais horas, ao invés de irem para casa, para que o doente seja tratado como
eles acham que só eles o conseguem tratar) (Gibson et al., 2021). O facto de os cuidadores
não poderem prestar os cuidados que desejariam compromete a sua satisfação, relacionando-
3. O presente estudo
A revisão de literatura ressalvou que o ato de cuidar tem várias consequências para os
cuidadores formais, das quais se salienta o burnout. Para além disso, a literatura também
apoia a ideia de que o burnout se desenvolve através de uma interação complexa entre fatores
de coping utilizadas pelo cuidador e significações que este tem sobre o ato de cuidar.
sociodemográficos no desenvolvimento deste síndrome psicológico que tenham por base uma
abordagem qualitativa. O presente estudo pretende, então, preencher esta lacuna, estudando o
Mais especificamente, os objetivos desta investigação são: (i) Compreender como são as
cuidado ao doente crónico adulto (i.e., têm formação nesta área vs. não têm)); (ii)
compreender quais são e como são utilizadas as estratégias de coping pelos diferentes
relativas ao que é ser cuidador ou ao ato de cuidar dos diferentes cuidadores formais,
Método
Tendo por base os objetivos anteriormente enumerados, esta investigação baseia-se numa
burnout em cuidadores formais de doentes crónicos adultos (na sua maioria idosos).
burnout nos cuidadores formais, assim como as estratégias de coping utilizadas e as suas
sociodemográficas (e.g., idade; escolaridade). Estes dados foram recolhidos por Margarido
1. Amostra
critério de inclusão foi desempenhar a função de cuidador formal de doentes crónicos adultos
velhos, i.e., com idade igual ou superior a 46 anos. A maioria dos cuidadores da amostra tem
o ensino básico como escolaridade máxima, ainda que a diferença relativamente aos
cuidadores que têm o ensino secundário/superior seja mínima (i.e., 10 vs. 9). Relativamente à
formação na área do cuidado ao doente crónico adulto, a maioria dos cuidadores reporta ter
18
Quadro 1
superior (ES)
CF03 46 ES S
CF04 30 ES S
CF05 25 ES S
CF06 65 EB S
CF07 53 EB S
CF08 48 EB N
CF09 45 ES S
CF10 46 EB N
CF11 50 EB S
CF12 31 EB N
CF13 53 EB N
CF14 44 ES N
CF15 56 EB S
CF16 23 ES S
CF17 31 EB N
CF18 51 ES S
CF19 35 ES S
19
2. Material
informação sociodemográfica sobre a amostra, incluindo: (i) o sexo; (ii) a idade; (iii) a
escolaridade; (iv) o estado civil; (v) a filiação e a existência de dependentes; e (vi) o contexto
não de uma outra profissão no passado; (xi) a quantidade de horas de trabalho por semana;
possibilidade.
especificando a sua formação na área do cuidado ao doente crónico adulto (e.g., o cuidador
tem ou não essa formação; que tipo de formação tem; quando e onde foi adquirida); a
utilidade percebida dessa formação e a vontade de adquirir mais formação. Procurou-se ainda
àquelas de que eles menos/mais gostam; e o ambiente laboral, sobretudo em termos das
instituição de cuidados.
20
tem uma dimensão mais física ou mais psicológica; se se relaciona com tarefas específicas e
impacto de cuidar na vida do cuidador, i.e., no seu funcionamento emocional e social; na sua
Salienta-se que, apesar de este guião não ter como objetivos compreender as estratégias de
coping utilizadas pela amostra nem as suas significações sobre o que é ser cuidador/o ato de
3. Procedimento
adulto.
todas as entrevistas de Martins (2016) também se utilizou o mesmo guião (Anexo C), para
que as questões colocadas a todos os participantes permitissem dar resposta aos objetivos da
tiveram uma duração média de uma hora e recorreu-se à sua gravação áudio. O conteúdo
Procedeu-se depois à análise dos dados qualitativos obtidos nas entrevistas, tendo por base
Neste sentido, começou-se por ler integralmente cada entrevista, de modo a compreender o
conteúdo e, mais especificamente, à análise temática. Quer isto dizer que, os dados obtidos
começaram por ser categorizados, e depois codificados, tendo por base um critério semântico,
i.e., o tema.
Deste modo, todos os excertos das entrevistas cujo significado remeteu para uma experiência
de cansaço físico e/ou psicológico, baixa realização pessoal, distanciamento afetivo e/ou
físico dos beneficiários dos cuidados e impacto na sua vida e saúde decorrentes do ato de
cuidar incluíram-se na categoria, i.e., no tema, designado por experiência de burnout. Todos
último, o tema das significações sobre o que é ser cuidador/ato de cuidar incluiu as
características consideradas como importantes para se exercer funções como cuidador formal;
Durante a análise temática foram depois considerados alguns sub-temas, ou categorias de 2.ª
ou 3.ª ordens, integrantes mais específicos dos temas gerais, e.g., a “exaustão emocional”
A análise temática consistiu na averiguação da presença dos temas e dos sub-temas nos
perceber como é a experiência de burnout em cuidadores mais velhos vs. mais novos. A idade
considerou-se como sendo “mais nova” (idade inferior a 46 anos) ou “mais velha” (idade
igual ou superior a 46 anos), sendo os 46 anos a idade adotada como critério de inclusão/
exclusão numa destas categorias, por corresponder à mediana das idades da amostra; a
Resultados
cuidador ou sobre o ato de cuidar, de acordo com os objetivos previamente definidos. Esta
análise procurou identificar os temas emergentes das entrevistas realizadas com os cuidadores
dos cuidadores (i.e., a idade; a escolaridade e a formação). No que diz respeito à idade,
consideraram-se os cuidadores mais velhos (CF02, 03, 06, 07, 08, 10, 11, 13, 15, 18, 19) e os
cuidadores mais novos (CF01, 04, 05, 09, 12, 14, 16, 17). Quanto à escolaridade,
consideraram-se os cuidadores com menos escolaridade (CF02, 06, 07, 08, 10, 11, 12, 13, 15,
17) e os cuidadores com mais (CF01, 03, 04, 05, 09, 14, 16, 18, 19). Por fim, em relação à
formação, consideraram-se os cuidadores com formação (CF02, 03, 04, 05, 06, 07, 09, 11, 15,
16, 18, 19) e os cuidadores sem formação (CF01, 08, 10, 12, 13, 14, 17).
1. Experiências de burnout
burnout e, por outro, fatores de risco e protetores da manifestação de burnout. Tanto os sinais
de burnout como os fatores de risco e protetores (e.g., foram codificados como categorias de
1.ª ordem. Como categorias de 1.ª ordem surgem, então, os sinais de exaustão; de
24
despersonalização e de baixa realização pessoal. Estes sinais (e.g., exaustão) podem ter
associadas categorias de 2.ª (e.g., emocional e física) e de 3.ª ordens (e.g., cansaço).
ordem têm associadas categorias de 2.ª (e.g., características dos beneficiários) e de 3.ª ordens
(e.g., dependência).
cuidadores formais, salienta-se que a exaustão foi o principal sinal identificado (i.e., pela
totalidade da amostra). Sendo que a maioria dos cuidadores identificou, mais particularmente,
sinais tanto de exaustão física (e.g., dores nas costas (“Bem, quando fico mal das costas, ando
assim uns dias um bocado mal (…), um bocado grande mesmo (…). Quase não me mexo,
negativa, como a raiva, “Depois das higienes costumo estar mais zangado…” (CF04)). De
entre os sinais de exaustão, destaca-se o cansaço, que conjuga algumas vezes aspetos físicos e
emocionais, “O físico é mais ali no grupo. Mas assim é um cansaço mais psicológico… Estou
foram menos frequentes que a exaustão. Entre as duas, a baixa realização pessoal foi mais
Quadro 2
Nota. Entre parêntesis (em negrito e itálico) está o número de cuidadores que mencionou
cada categoria.
1.1.2. Idade
Tal como ilustrado no Quadro 2, tanto nos cuidadores formais mais velhos (CF02, 03, 06,
07, 08, 10, 11, 13, 15, 18, 19) quanto nos cuidadores mais novos (CF01, 04, 05, 09, 12, 14,
16, 17) a exaustão foi a principal manifestação de burnout surgindo na totalidade dos
26
A totalidade dos cuidadores mais velhos apresentou sinais emocionais, “Sinto mais
ansiedade, pronto. E tenho tendência para andar a correr” (CF10); e sinais físicos de
exaustão, “(…) doi-me as costas (sic.)” (CF19). Nos cuidadores mais novos, ocorreu algo
diferente. De facto, embora a maior parte dos cuidadores mais novos tenha apresentado sinais
físicos e emocionais de exaustão, houve dois cuidadores que só revelaram sinais emocionais
de exaustão, “Pois eu acho que seria mesmo em termos emocionais… Estou muito cansada
(…)” (CF05).
De entre os sinais de exaustão, o cansaço foi o mais reportado, tanto pelos cuidadores
No que diz respeito à despersonalização e à baixa realização pessoal, destaca-se que estas
foram mais comuns nos cuidadores mais novos, comparativamente aos mais velhos. A
citação, “Às vezes, há dias em que não me apetece mesmo estar aqui…” (CF01) ilustra a
baixa realização pessoal de um cuidador mais novos e a próxima, “Respiro fundo e não ligo à
pessoa. Mesmo que ela às vezes esteja, dê ordens ou que se arme em esperta, ignoro
1.1.3. Escolaridade
com menos escolaridade (CF02, 06, 07, 08, 10, 11, 12, 13, 15, 17), salienta-se que a exaustão
foi o principal sinal manifestado, estando presente na totalidade destes cuidadores, “Sinto-me
um bocado cansada” (CF08). Também a totalidade dos cuidadores com mais escolaridade
27
reportou sinais de exaustão, “(…) aqueles que têm mais dificuldades (…), que são mais
inibidos, ou estão menos participativos, (…) eu fico exausta, exausta mesmo” (CF01). De
entre os sinais mais particulares de exaustão (ou categorias de 3.ª ordem), destaca-se o
cansaço, sendo o mais reportado pelos cuidadores com menos escolaridade e pelos
cuidadores com mais escolaridade (CF01, 03, 04, 05, 09, 14, 16, 18, 19).
Apesar de o reporte de sinais físicos e emocionais de exaustão ser o mais frequente entre os
cuidadores com mais escolaridade e com menos escolaridade, salienta-se que houve dois
cuidadores com mais escolaridade que só reportaram sinais emocionais, “Desgastante. Muito
pessoas com ajuda conseguem” (CF09). Pelo contrário, entre os cuidadores com menos
cuidadores com mais escolaridade e com menos. No entanto, a baixa realização pessoal foi
mais comum nos cuidadores com mais escolaridade, “Aí a nível pessoal é mesmo aquela
questão de quando, quando… venho, quando eu venho sinto, às vezes não sinto vontade de
1.1.4. Formação
reportada pelos cuidadores com formação (CF02, 03, 04, 05, 06, 07, 09, 11, 15, 16, 18, 19) e
pelos cuidadores sem formação (CF01, 08, 10, 12, 13, 14, 17), surgindo na totalidade destes
Ainda hoje foi um dia puxado e cansados a gente ficamos sempre porque dar banhos
pesados, fazer camas, é complicado (…) (sic.)” (CF17). Pelo contrário, dois cuidadores com
Nos dois grupos de cuidadores, o cansaço foi o sinal de exaustão mais comum.
Quanto à despersonalização, destaca-se que esta foi mais frequente entre os cuidadores
sem formação, surgindo em quase metade dos cuidadores sem formação, “Só que eu já estou
tão habituada a ouvi-los que acabo por desligar. É porque é automático. Eu já nem, já
desligo completamente” (CF12). Pelo contrário, a baixa realização pessoal foi mais comum
O Quadro 3 ilustra que as características das funções constituem o principal fator de risco
fisicamente exigentes e por terem de ser desempenhadas por poucos profissionais (devido à
falta de pessoal), “O trabalho é muito e neste momento é mesmo muito, muito, muito, porque
pela maioria dos cuidadores, “estes estados de demência tão avançados… Aí é muito difícil e
destaque para as relações interpessoais globalmente positivas mantidas, pela maioria dos
Quadro 3
Nota. Entre parêntesis (em negrito e itálico) está o número de cuidadores que mencionou
1.2.2. Idade
Analisando o Quadro 3, percebe-se que tanto nos cuidadores mais velhos (CF02, 03, 06,
07, 08, 10, 11, 13, 15, 18, 19) quanto nos cuidadores mais novos (CF01, 04, 05, 09, 12, 14,
16, 17), as características dos beneficiários constituíram um fator de risco muito apontado.
Contudo, o desgaste dos cuidadores mais velhos ligou-se principalmente à doença dos
coisa… É assim um bocado desgastante” (CF11), enquanto o desgaste dos cuidadores mais
é daquelas pessoas que se a gente não vai com cuidado insulta-nos e lá está, quando é assim
uma pessoa fica mais cansada psicologicamente” (CF17), ou à sua morte, “(…) tivemos aí
uma utente que fez anos num dia, no próprio dia foi para o hospital; no dia a seguir faleceu.
Outro fator de risco apontado pelos cuidadores mais velhos e também pelos mais novos
falta de pessoal, “Falta aqui pessoal, tanto na enfermagem como por exemplo às vezes de
auxiliares. Então por vezes tens de fazer sozinho, (…) sozinho é complicado” (CF04). Para
além da sobrecarga, metade dos cuidadores mais novos reconheceram complexidade nas
funções que desempenham, “Isto é muita responsabilidade, são muitos horários para gerir,
muitas tarefas para fazer, muitas horas levadas ao extremo” (CF14), o que não sucedeu com
os cuidadores mais velhos. Uma outra diferença tem a ver com o esforço físico das funções
32
desempenhadas ser um fator de risco para a maioria dos cuidadores mais velhos, mas não
com os colegas e chefias como com os beneficiários, pela maioria dos cuidadores dos grupos.
Ainda assim, os cuidadores mais novos apontaram dificuldades na sua relação com os
acharem que não, não…” (CF12). Já os cuidadores mais velhos não apontaram dificuldades
1.2.3. Escolaridade
cuidadores formais com menos escolaridade (CF02, 06, 07, 08, 10, 11, 12, 13, 15, 17) como
para os com mais escolaridade (CF01, 03, 04, 05, 09, 14, 16, 18, 19). Apesar disto, houve
uma diferença entre os dois grupos de cuidadores. De facto, a quase totalidade dos cuidadores
com menos escolaridade recorreu ao esforço físico para caracterizar as suas funções, “Sinto
mais dificuldade quando tenho que os carregar e transportar para a casa de banho ou para
levantá-los das cadeiras de rodas. Para mim, é mesmo o pior porque fico cheia de dores nas
funções como sendo mais exigentes por causa da falta de pessoal e não pelas tarefas em si,
“(…) quando falta pessoal (…) a higiene acaba por ser mais cansativa (…). Tudo isso acaba
As características dos beneficiários foram o segundo fator de risco mais apontado pelos
cuidadores com menos escolaridade e pelos cuidadores com mais. No entanto, os cuidadores
são tão mauzinhos tão mauzinhos que isso é… é muito complicado lidar com esses idosos”
(CF07); enquanto os cuidadores com mais escolaridade se focaram mais na doença dos
beneficiários, “(…) chega a uma fase em que me começo a sentir irritada mais facilmente
com a repetição dos idosos. A maioria dos idosos está com demência portanto repetem (…)”
(CF18).
Como fatores de proteção não houve diferenças entre os dois grupos de cuidadores, pois
1.2.4. Formação
Como ilustra o Quadro 3, os cuidadores com formação (CF02, 03, 04, 05, 06, 07, 09, 11,
15, 16, 18, 19 ) e os sem formação (CF01, 08, 10, 12, 13, 14, 17) identificaram fatores de
como fisicamente exigentes do que os cuidadores com formação, “(…) hoje (…) já limpei um
piso, agora vou subir e vou limpar outro (…), é muito puxado” (CF19).
Houve também outra diferença entre os dois grupos de cuidadores, porque para os cuidadores
com formação, o mais difícil é lidar com as características da doença dos beneficiários, “(…)
34
quando ele colabora e está orientado e consciente (…). Se não está, isso às vezes é um
problema” (CF03); e para os cuidadores sem formação, o mais difícil é lidar com
comportamentos opositores, “Agora quando é aqueles que… quando eles nos tratam mal (…)
colegas, chefias e beneficiários, “Eu acho que é boa. Pelo menos eu tento ter uma relação
boa com todos e acho que tenho uma relação boa com todos” (CF10).
2. Coping
lidar com situações de stress decorridas do ato de cuidar, o Quadro 4 destaca que a maioria
As estratégias de coping foram codificadas como categorias de 1.ª ordem (e.g., apoio
Quadro 4
Auto-distração (2)
(CF07, CF10)
Auto-culpabilização (2)
(CF02, 08)
Aceitação (1)
(CF03)
Expressão emocional (2)
(CF14, 15)
Planeamento (1)
(CF09)
Re-enquadramento positivo (11) Foco no positivo (8)
(CF02, 06, 07, 08, 10, 12, 13, 16, 17, 18, 19) (CF06, 07, 10, 13, 16, 17, 18, 19)
Doença (4)
(CF06, 12, 17, 19)
Normalização (2)
(CF02, 17)
Intenção positiva (1)
(CF08)
Coping ativo (6)
(CF05, 07, 09, 11, 14, 18)
Desinvestimento (3)
(CF01, 12, 17)
Nota. Entre parêntesis (em negrito e itálico) está o número de cuidadores que mencionou
cada categoria.
mais relatada pelos cuidadores, surgindo em mais de metade destes (i.e., em 11 de 19). Mais
situação problemática (e.g., a morte de um beneficiário) como forma de lidar com o stress,
As outras estratégias mais comuns foram o humor e o coping ativo. O humor manifestou-
se na tentativa de o cuidador se rir de uma situação stressora, como é o ato de cuidar, “(…) às
vezes vou-me a rir. A primeira vez que essa senhora me chamou estu… ou teimosa ou as duas
coisas, fui até casa (…), fui-me a rir” (CF01). O coping ativo manifestou-se no
desgastante (…). Por isso é que eu faço atividade física. Precisamente para manter a minha
2.2. Idade
estratégia preferencial dos cuidadores mais velhos (CF02, 03, 06, 07, 08, 10, 11, 13, 15, 18,
potencialmente stressoras, focando-se nos aspetos positivos, "Eu vejo a coisa assim (…)
todos nós temos um fim, estes têm a sorte de ter chegado a velhos. Portanto de velho agora
só a morte” (CF18).
Por outro lado, nos cuidadores mais novos (CF01, 04, 05, 09, 12, 14, 16, 17) não se
cuidadores mais novos reportaram utilizar um humor eutímico para lidar com o stress do ato
de cuidar, “Aliás, o meu companheiro (…) tem mais trinta anos que eu. Então eu farto-me de
gozar com ele a dizer “estou a estagiar para tomar conta de ti” (CF12). Outros três
cuidadores mais novos reportaram tentar resolver ativamente uma situação stressora (i.e.,
estratégia de coping ativo), “Eu vou lá acima, digo o que penso, o que sinto, aos poucos vou
37
conseguindo melhorar alguma coisa (…)” (CF14). Outros três cuidadores mais novos
preferiram desinvestir da situação stressora, “E aquilo que eu faço é: digo ok eu agora vou
deixá-lo aqui um bocadinho e vou dar uma voltinha, até logo. E afasto-me um bocado
quando sinto que eles são desagradáveis e estão descompensados” (CF01). Outros três
2.3. Escolaridade
tendo por base a escolaridade. Os cuidadores formais com menos escolaridade (CF02, 06, 07,
08, 10, 11, 12, 13, 15, 17) utilizaram predominantemente o re-enquadramento positivo e o
humor, “Que nem consigo dormir porque há certas posições em que nem consigo por causa
do joelho… Às vezes digo isto assim a brincar: Daqui a nada pego no martelo e dou aqui no
Pelo contrário, nos cuidadores com mais escolaridade (CF01, 03, 04, 05, 09, 14, 16, 18, 19), o
humor surgiu em apenas um dos 9 cuidadores e o coping ativo foi a estratégia mais reportada,
tal como no exemplo exposto a seguir, no qual se percebe que a cuidadora, face ao stress
associado à falta de tempo para cuidar de todos os beneficiários, resolve a situação intervindo
apenas num número limitado deles, “Não é ver 30 ou 40 utentes e depois cada um só ter um
bocadinho (…), nunca vou ter evoluções. Tenho de se calhar ter menos utentes (…)” (CF05).
2.4. Formação
formais revelaram ser diferentes tendo em conta a formação na área do cuidado ao doente
38
crónico adulto ou a ausência desta. De facto, os cuidadores com formação (CF02, 03, 04, 05,
06, 07, 09, 11, 15, 16, 18, 19) relataram utilizar preferencialmente o re-enquadramento
positivo e o coping ativo, e.g., tomando medicação para as dores derivadas do exercício de
funções de cuidador, “Sim, por vezes temos umas dorzinhas (…), tomamos uma
Diferentemente, os cuidadores sem formação (CF01, 08, 10, 12, 13, 14, 17) reportaram pouco
humor, “Tento estar sempre na brincadeira. Há situações muito complicadas como já disse
3. Significações
competências que os cuidadores identificam como sendo importantes para se ser cuidador
(podendo estas incluir características e competências que eles identificam em si próprios); (ii)
nas características do ato de cuidar; e (iii) nos benefícios percebidos pelos cuidadores
incondicional. Por fim, os benefícios percebidos incluem, como categorias de 1.ª ordem, a
Quadro 5
Disponibilidade (12)
(CF02, 03, 06, 08, 09, 10, 12, 13,
14, 15, 17, 18)
Honestidade (1)
(CF15)
Experiência (1) Muita (1)
(CF09) (CF09)
Gosto pelo trabalho (7)
(CF02, 05, 07, 11, 12, 13, 15)
Perfeccionismo (3)
(CF02, 12, 13)
Força física (1)
(CF12)
Compreensão do desenvolvimento Crença num mundo justo (4) Futuro (3)
humano (8) (CF04, 06, 07, 17) (CF04, 07, 17)
(CF04, 06, 07, 08, 10, 12, 17, 19) Presente (1)
(CF06)
Comparação idoso-criança (5) Valorização do beneficiário (1)
(CF07, 08, 10, 12, 19) (CF19)
Paciência (1)
(CF08)
Comportamentos (1)
(CF07)
Sabedoria (1)
(CF12)
Atenção (1)
(CF10)
Compreensão do outro (3) Interpretação sinais, reações (3)
(CF02, 04, 17) (CF02, 04, 17)
Relação de proximidade (5) Diferencial (3) Dependência (2)
(CF04, 08, 15, 16, 19) (CF04, 16, 19) (CF04, 19)
Solidão (2)
(CF16, 19)
Circunstâncias vida adversa (1)
(CF16)
Reciprocidade (1)
(CF16)
Igualitária (2)
(CF08, 15)
Cuidado centrado na pessoa (8) Conhecimento das características Conhecimento do seu estado de
(CF01, 05, 07, 12, 16, 17, 18, 19) do beneficiário (8) saúde (1)
(CF01, 05, 07, 12, 16, 17, 18, 19) (CF19)
41
Nota. Entre parêntesis (em negrito e itálico) está o número de cuidadores que mencionou
cada categoria.
“(…) gostar de idosos também, gostar de cuidar de pessoas independentemente de ser idosos
folga, o meu trabalho é garantir que as pessoas idosas que estão aqui à nossa
3.1.2. Idade
tanto nos cuidadores mais velhos (CF02, 03, 06, 07, 08, 10, 11, 13, 15, 18, 19), quanto nos
cuidadores mais novos (CF01, 04, 05, 09, 12, 14, 16, 17), “Não se trabalha com objetos, mas
com pessoas, por isso precisa-se falar, ouvir” (CF14). Outra característica interpessoal
importante enumerada por cinco dos 11 cuidadores mais velhos foi o talento, ou vocação,
para cuidar, “Para mim ser cuidadora é uma coisa que já vem daqui [apontando para o
peito]. Eu costumo dizer assim: Isto não é um trabalho, isto é uma vocação” (CF02) que, não
foi, contudo, reportada por nenhum cuidador mais novo. Abordar os cuidadores formais como
beneficiários, foi também mais frequente nos cuidadores mais velhos, em relação aos mais
novos, “Às vezes é mais ser como família para eles, porque às vezes fazemos mais do que a
enumeradas pelos cuidadores mais velhos, “(…) ser um cuidador atento. O idoso tem muitas
alterações todos os dias e por horas até. Portanto ser atento e estar disponível para” (CF18),
3.1.3. Escolaridade
comuns nos cuidadores com mais escolaridade (CF01, 03, 04, 05, 09, 14, 16, 18, 19) e nos
cuidadores com menos escolaridade (CF02, 06, 07, 08, 10, 11, 12, 13, 15, 17). Ainda assim,
o gosto pelo contacto interpessoal, “Eu gosto muito de trabalhar com pessoas assim, gosto
Outra diferença entre os dois grupos de cuidadores residiu no relato da semelhança entre o
cuidador formal e o cuidador informal, no sentido do beneficiário ser encarado, e.g., como
um membro da família, sendo isto mais comum nos cuidadores com menos escolaridade,
“Para mim é quase tudo avós, avós, avos… E depois eu estou a sofrer um bocado com a
cuidadores com mais escolaridade e pelos cuidadores com menos, sendo a disponibilidade a
mais frequente para os dois grupos de cuidadores, “(…) sempre gostei muito do trabalho com
idosos” (CF14).
44
3.1.4. Formação
interpessoais, principalmente na sua vertente do gosto pelo contacto interpessoal, quer pelos
cuidadores com formação (CF02, 03, 04, 05, 06, 07, 09, 11, 15, 16, 18, 19) quer pelos
cuidadores sem formação (CF01, 08, 10, 12, 13, 14, 17). No entanto, os cuidadores com
aos cuidadores sem formação, que, deram uma maior relevância à paciência, “Ui, em
A maioria dos cuidadores com formação e sem formação ressalvaram a importância das
disponível, “Agora quando (…) a pessoa pede por tudo leve-me à casa de banho (…). Qual é
a postura da pessoa do lado de cá? Não lhe posso levar à casa de banho porque vai demorar
caracterizaram o ato de cuidar como sendo, ou devendo ser (nem sempre conseguido pela
beneficiário, “Além disso, também gosto muito de… pronto sendo a minha função também a
parte da comunicação, acho muito interessante saber o percurso de vida destas pessoas, as
desenvolvimento humano, manifestando, e.g., a crença num mundo justo, “(…) tratá-los
3.2.2. Idade
cuidadores mais novos (CF01, 04, 05, 09, 12, 14, 16, 17) caracterizaram o ato de cuidar como
sendo centrado na pessoa mais commumente do que os cuidadores mais velhos (CF02, 03,
06, 07, 08, 10, 11, 13, 15, 18, 19), “(…) penso que eu tento me adaptar um bocadinho ao
3.2.3. Escolaridade
Como ilustrado no Quadro 5, os cuidadores com menos escolaridade (CF02, 06, 07, 08,
10, 11, 12, 13, 15, 17) caracterizaram o ato de cuidar de forma diferente dos cuidadores com
mais escolaridade (CF01, 03, 04, 05, 09, 14, 16, 18, 19). De facto, a maioria dos cuidadores
humano, destacando a comparação entre o idoso e a criança, “(…) (os beneficiários) estão na
terceira idade, semi-infância, semi-idade (…)” (CF07). Pelo contrário, a maioria dos
vida, “ (há que) tentar perceber a pessoa que eles (os beneficiários) eram, qual foi a história
de vida deles, para também perceber como é que nos devemos comportar. E como é que
3.2.4. Formação
Como exposto no Quadro 5, a caracterização do ato de cuidar não divergiu muito entre os
cuidadores com formação (CF02, 03, 04, 05, 06, 07, 09, 11, 15, 16, 18, 19) e os sem
formação (CF01, 08, 10, 12, 13, 14, 17). De facto, cerca de metade dos cuidadores de cada
um dos grupos salientaram que o ato de cuidar deve ser centrado na pessoa, baseando-se no
conhecimento das características do beneficiário (e.g., do seu estado de saúde; de como gosta
de ser tratado). Ainda assim, destaca-se que a compreensão do desenvolvimento humano foi
mais comum nos cuidadores sem formação, sendo expressa, e.g., na comparação entre cuidar
de um idoso e de uma criança, “Eu já trabalhei com crianças, é tal e qual (…) ” (CF12).
perceção de utilidade ou gratificação pelo seu trabalho foi a mais comum, surgindo em 13 dos
da escuta e da observação das experiências dos beneficiários mais velhos, “Olhe tem vários
benefícios, por exemplo, já me vejo amanhã como é que vai ser se chegar à velhice. É uma
aprendizagem” (CF18).
3.3.2. Idade
Também no Quadro 5, as respostas dos cuidadores mais velhos (CF02, 03, 06, 07, 08, 10,
11, 13, 15, 18, 19) e dos mais novos (CF01, 04, 05, 09, 12, 14, 16, 17) assemelharam-se, pois
47
3.3.3. Escolaridade
Como escrito no Quadro 5, tanto os cuidadores com menos escolaridade (CF02, 06, 07,
08, 10, 11, 12, 13, 15, 17) como os cuidadores com mais (CF01, 03, 04, 05, 09, 14, 16, 18,
perceção de utilidade apoiou-se no impacto positivo dos seus cuidados na vida dos
beneficiários e na moralidade que eles reconhecem ao ato de cuidar, “(…) acabo por sair
daqui bem comigo mesma porque sei que estou a ajudá-los… É, é gratificante.” (CF12).
3.3.4. Formação
cuidadores com formação (CF02, 03, 04, 05, 06, 07, 09, 11, 15, 16, 18, 19) e os sem
formação (CF01, 08, 10, 12, 13, 14, 17), na medida em que a perceção de utilidade foi o mais
comum nos dois grupos de cuidadores, “Sinto-me bem, acho que até é gratificante” (CF13).
foi um benefício importante, para cinco dos 12 cuidadores com formação, “Aprende-se muito
com eles (os beneficiários). E esta malta jovem devia ouvir mais os idosos porque eles têm
muito para nos ensinar” (CF07), não o sendo para nenhum dos cuidadores sem formação.
Nas páginas seguintes, os principais resultados, de entre os que acabaram de ser descritos,
Discussão
Este estudo teve como principal objetivo compreender as experiências de burnout dos
1. Experiências de burnout
exaustão foi o sinal de burnout mais comum em todas as categorias sociodemográficas, o que
é consistente com a literatura (e.g., Maslach & Leiter, 2017; Vicente & Oliveira, 2015), que
No que diz respeito à expressão da exaustão, esta tanto foi física quanto emocional para a
pessoal, que costumam surgir após a exaustão (Maslach & Leiter, 2017), estas foram menos
experiência de burnout ainda precoce ou com menor gravidade clínica (Vicente & Oliveira,
2015).
baixa realização pessoal nos cuidadores com menos escolaridade e nos cuidadores sem
formação. Estes dados são consistentes com alguns estudos (e.g.,Vicente & Oliveira, 2015)
realizados com cuidadores formais de doentes crónicos adultos em Portugal, nos quais a
baixa realização pessoal é mais comum que a despersonalização. Por outro lado, contrastam
com as ideias de alguns autores (e.g., Maslach & Leiter, 2017), que sugerem a
tendencialmente depois da exaustão mas antes da baixa realização pessoal, do ponto de vista
temporal.
idade dos cuidadores, verificou-se uma maior manifestação de sinais de burnout nos
cuidadores mais novos, tal como já reportado na literatura (Chuang et al., 2016; Tavares et
al., 2014; Yates & Samuel, 2019). Especificando, apenas a exaustão não foi mais comum nos
cuidadores mais novos, comparativamente aos mais velhos, afetando, de resto, a totalidade
50
dos cuidadores dos dois grupos. Assim, percebe-se que a baixa realização pessoal foi mais
comum nos cuidadores mais novos, o que vai ao encontro dos dados da literatura (e.g., Delp
Tendo em conta a escolaridade, salienta-se que a exaustão não foi mais comum nos
cuidadores com mais escolaridade (vs. com menos escolaridade), contrariando a literatura
(Guveli et al., 2015). Por outro lado, a manifestação de baixa realização pessoal foi mais
comum nos cuidadores com mais escolaridade, sendo este um resultado já consistente com o
reportado por outros autores (Balbay et al., 2011; Delp et al., 2010).
não foi mais frequente nos cuidadores sem formação, contrariando outros estudos (e.g., Ilhan
et al., 2008). Ainda assim, os cuidadores sem formação (vs. com formação) demonstraram
mais despersonalização, concordando com os dados da literatura (Ilhan et al., 2008). Por
outro lado, seria de esperar encontrar mais relatos de maior realização pessoal nos cuidadores
com formação, de acordo com a literatura (e.g., Ilhan et al., 2008), mas tal não se verificou.
culminando numa falta de tempo para providenciar os cuidados que gostariam aos
beneficiários. Ora, estes dados conjugam-se com outros estudos, que associam uma carga de
51
trabalho elevada com o desenvolvimento de burnout (Balbay et al., 2011; Delp et al., 2010;
Gibson et al., 2021; Maslach & Leiter, 2017; O’Connor et al., 2018; Yates & Samuel, 2019).
Fatores ligados aos beneficiários revelaram, igualmente, ser relevantes no que diz respeito
sempre por mais de metade dos cuidadores, qualquer que fosse a sua categoria
beneficiários, que exige um maior esforço físico por parte do cuidador e mais tempo de
prestação de cuidados, contribuindo para um maior cansaço do cuidador, tal como reportado
na literatura (Gibson et al., 2021). Para além da dependência, também as doenças dos
comportamentais, contribuem para um maior cansaço dos cuidadores, fazendo-o através, e.g.,
das dificuldades na comunicação com os doentes. De facto, esta associação entre as doenças
contexto ocupacional, tanto com os beneficiários como com os colegas, embora possam ser
mais próximos de alguns colegas do que de outros. Nesse sentido, salientaram que gostam de
cuidar dos doentes crónicos adultos, sentindo-se reconhecidos e valorizados por eles, e que
cooperação na execução das tarefas. Tendo em conta que relações interpessoais negativas ou
conflituosas, contribuem para o desenvolvimento de burnout (e.g., Delp et al., 2010; Vicente
52
& Oliveira, 2015), neste estudo estas relações apoiantes parecem ter funcionado como fatores
2. Coping
Outros fatores apontados na literatura (e.g., Maslach & Leiter, 2017) como importantes
para o desenvolvimento de burnout têm a ver com a forma como os cuidadores respondem
ao stress associado ao desempenho das suas funções, pois a ineficácia das estratégias de
coping utilizadas contribui para o desenvolvimento desta síndrome (Gibson et al., 2021).
Neste estudo, os cuidadores falaram sobre várias estratégias de coping que utilizam para lidar
com o stress, sendo que a maior parte revelou utilizar mais do que uma, tal como sugerido
por alguns autores (e.g., Folkman & Lazarus, 1980) como sendo o mais comum.
stressora de uma forma mais positiva (e.g., focar que cuidar de beneficiários com demência
auto-controlo), foi a estratégia de coping mais utilizada pelos cuidadores. Enfatiza-se ainda
normalização, tal como Bentwich et al. (2018) sugeriram para os cuidadores de beneficiários
com demência).
uma ação comportamental para resolver a situação stressora (Carver, 19997) e o humor
(e.g., uso de álcool ou outras substâncias), que surgiram noutros estudos (e.g., Vandenbroeck
et al., 2017).
Por fim, no que concerne ao coping, importa referir que os resultados acima descritos
contrastam com a literatura. De facto, a literatura sugere que o apoio social emocional
preferenciais dos cuidadores formais. Neste estudo, pelo contrário, apenas um cuidador
descrevendo-o como “fazer o bem”) e apenas três dos 19 cuidadores admitiram afastar-se das
situações stressoras. Admite-se que o facto de a identificação das estratégias de coping dos
cuidadores não ter sido um dos objetivos definidos para a realização das entrevistas com estes
cuidadores possa ter influenciado estes resultados, na medida em que nem todos os
cuidadores foram questionados diretamente sobre o que fazem para lidar com o stress do seu
trabalho.
3. Significações
Para finalizar esta conceptualização das experiências de burnout dos cuidadores formais,
abordam-se agora as suas significações a respeito das características que eles identificam em
si próprios ou que qualquer cuidador formal deveria ter; da caracterização que elaboram do
importantes para se desempenhar funções como cuidador formal. Para além destas, surgiram
cuidador formal como alguém que gosta e é capaz de estabelecer uma relação próxima,
se ativamente na provisão dos melhores cuidados, mesmo que isso implique pensar nas
cuidador formal está já bem reportada na literatura (e.g., Ayalon, 2009; Gibson et al., 2021).
da sua família (Vicente & Oliveira, 2015), algo que foi comum neste estudo, sobretudo nos
Conjugando-se com esta imagem positiva do cuidador formal, o ato de cuidar foi
mais novos, com mais escolaridade e com formação), atribuindo-se-lhe, tal como descrito por
outros autores (Gibson et al., 2021; Guerra et al., 2019), uma conotação positiva, baseada no
muitas vezes da sua história de vida e da forma como gosta ou deve ser tratado. Os
relação próxima e afetiva com a maior parte deles, sobretudo com aqueles por quem criavam
mais empatia (e.g., os mais solitários; os mais dependentes). Enfatizando até que gostariam
de passar mais tempo com cada beneficiário, de forma a conhecê-lo melhor, mas que, devido
Por outro lado, os cuidadores também se mostraram capazes de lidar com comportamentos
O ato de cuidar de um doente crónico adulto foi, igualmente, comparado ao ato de cuidar
de uma criança, e.g., por causa da semelhança de comportamentos, e foi percebido como útil
futuro, afirmando tratar dos beneficiários como gostariam de ser tratados ou acreditando que
ao tratarem bem dos beneficiários irão também ser tratados de igual modo, quando forem eles
os beneficiários.
profissionais, juntando-se à conotação positiva que atribuem ao ato de cuidar e aos benefícios
que reconhecem desta profissão funcionam como fatores protetores, a par das estratégias de
coping utilizadas e das relações interpessoais positivas estabelecidas, face à sua experiência
de burnout.
Por fim, importa apenas referir que nas páginas seguintes, surge um resumo da
Conclusão
doentes crónicos adultos que participaram nesta investigação, resulta como importante
estratégias de coping utilizadas e das significações sobre o cuidador e o ato de cuidar não
sociodemográficas, com uma larga distância (i.e., quase sempre o dobro ou mais) em relação
às outras duas dimensões. A baixa realização pessoal foi a segunda mais comum.
principalmente com as características das funções, que são fisicamente mais exigentes e, por
isso, mais difíceis de executar sozinhos e diariamente, devido à falta de pessoal. Acresce a
contribuição de beneficiários mais difíceis de cuidar, por causa das suas limitações funcionais
Admite-se que fatores como as relações interpessoais globalmente positivas (tanto com os
com maior gravidade clínica e de ocorrer uma influência negativa das experiências de
57
burnout nos cuidados prestados aos beneficiários, ainda que não se tenha avaliado a
De entre os 19 cuidadores formais, destaca-se que os mais jovens são os que apresentam
sinais de risco mais preocupantes, pois a totalidade destes reporta experimentar exaustão,
despersonalização, três são mais novos, e dos cinco que reportam experimentar baixa
realização pessoal, quatro são mais novos. Embora estes cuidadores caracterizem
a utilizar para lidar com o stress podem não estar a resultar. A importância que eles atribuem
à prestação de um cuidado centrado na pessoa, pode também estar a contribuir para esta
experiência de stress, devido à falta de tempo para conhecer a individualidade de cada utente,
interpessoais cooperantes entre os seus funcionários, assim como formações que permitam
Uma vez que a falta de pessoal foi também amplamente identificada pelos cuidadores
beneficiários.
Apesar destes resultados importantes, este estudo tem algumas limitações. Uma delas
diferenças, nomeadamente face aos fatores de risco para o desenvolvimento de burnout (e.g.,
organizacionais). Juntando a isto, a maioria dos cuidadores formais deste estudo pertencia ao
sexo feminino, existindo apenas dois do sexo masculino, o que impossibilitou a consideração
Outra limitação deste estudo foi a não aplicação de um instrumento (e.g., Inventário de
Burnout de Copenhaga), antes das entrevistas. Se este instrumento tivesse sido aplicado
com pontuações elevadas no burnout, permitindo depois uma melhor compreensão deste
fenómeno (e.g., ao nível da identificação de fatores de risco e de proteção), tal como fizeram
avaliando depois o seu impacto no burnout e na qualidade de vida destes cuidadores, pois
alguns autores sugerem que funcionam como fatores protetores face ao burnout (Maslach &
Leiter, 2017).
59
características dos cuidadores de uma forma mais direta, e.g., ao nível da personalidade, na
cuidadores, como demonstram alguns estudos (e.g., Yang & Hayes, 2020). Esta avaliação
poderia ser feita tendo por base base a utilização de instrumentos como o NEO Inventário da
Simões, cit. por Pedroso-Lima et al., 2014) ou o NEO Inventário dos Cinco Fatores (NEO-
FFI), igualmente validado para a população portuguesa e com menos itens que o anterior
(Magalhães et al., 2014). Estes dois instrumentos são amplamente utilizados na avaliação da
(McCrae & Costa, 2003). A investigação demonstra que o neuroticismo dos cuidadores
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68
Relação com o idoso - Compreender a natureza da relação entre o cuidador e o idoso; Como descreve a sua relação com os idosos?
- Compreender como a relação influencia o cuidado prestado; Como é que a sua relação comos idosos influencia o
- Conhecer as dificuldades presentes na relação entre cuidador e idoso; serviço/cuidado prestado? 148
Quais as principais dificuldades que aponta na sua relação
com os idosos?
Observar experiencia de Burnout Burnout pessoal
Fadiga e exaustão física e psicológica experienciada Quando costuma estar mais cansado?
Burnout relacionado com o trabalho Pode descrever o seu cansaço? O cansaço mais prevalente
Fadiga e exaustão física e psicológica experienciada em relação ao seu no dia a dia.
trabalho Consegue relacionar o seu cansaço a alguma atividade
Burnout relacionado com o cliente (utente) específica? (cuidar dos utentes? Acordar e pensar que tem
Fadiga e exaustão física e psicológica experienciada em relação ao utente de ir trabalhar?)
Em que situações o seu cansaço é mais
físico/psicológico…?
Considera seu trabalho como sendo emocionalmente
desgastante? E fisicamente? Porquê?
Como é que a sua relação com os utentes influencia o seu
cansaço num dia de trabalho?
Como se sente em relação às pessoas de quem cuida?
Como se sente em relação a si próprio cuidando das
pessoas de quem cuida?
O que há de melhor/pior em cuidar de quem cuida?
Porquê?
Que sentimentos são despoletados pelo seu trabalho em
si?
Que situações do seu trabalho sente que o afetam
negativamente? E positivamente? Porquê?
Observar sentimentos de sobrecarga Identificar fatores que levem à exaustão Informações sobre a saúde, vida social, vida pessoal, situação
percecionados pelo cuidador Sobrecarga objetiva financeira, situação emocional e tipo de relacionamento
Sobrecarga subjetiva O que significa para si o seu trabalho?
Identificar impacto da prestação de cuidados Sente que a instituição reconhece o seu trabalho?
Sobrecarga relacionada com a prestação de cuidados diretos, destacando- Como se define enquanto trabalhador? Como é o
se a alteração do estado de saúde, elevado número de cuidados, alteração desempenho profissional? (eficácia na prossecução de
das relações sociais e familiares, escassez de tempo e desgaste físico e objetivos da instituição e na execução de tarefas;
mental interesse; entusiasmo)
Observar impacto de relação interpessoal Como é que o seu trabalho afeta a sua vida pessoal?
Relação entre o cuidador e o indivíduo dependente, avaliando o impacto Como é que o seu trabalho afeta a sua saúde?
interpessoal, bem como as dificuldades da interação. Quais são os seus maiores medos no que toca ao seu
Observar expetativas com o cuidar trabalho? (na prestação de cuidados)
Expetativas do cuidador relativamente à prestação de cuidados (medos, Sente-se realizado na prestação de cuidados?
receios, disponibilidades) Como é a sua relação com os utentes? Quais as maiores
Observar perceção de autoeficácia dificuldades/facilidades na manutenção dessa relação?
Opinião do cuidador relativamente ao seu desempenho profissional.
72
82
73
83
140
74
Código:
________
No âmbito desta 2ª fase do estudo estou a proceder a uma recolha de dados para a qual
solicitamos a sua colaboração através da uma entrevista. Todas as informações fornecidas por
si serão confidenciais e os dados recolhidos serão usados exclusivamente para esta investigação.
Com o intuito de facilitar o registo dos dados da entrevista gostaria de obter uma autorização
para gravar, em áudio, a entrevista. Também entendi os procedimentos que tenho de realizar:
Outras observações:
Nome:________________________________________________________________
Assinatura:____________________________________________________________
susanacalvinhomartins@hotmail.com
963078830