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XX Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – 2024 1

RPG COMO INSTRUMENTO PARA O ENSINO DA


ASTRONOMIA: APLICAÇÃO DO RPG “AFORA”

RPG AS TEACHING TOOL FOR THE LEARNING OF ASTRONOMY:


APPLICATION OF THE “AFORA” RPG

Érika Campos Saldanha Granja1, Viktor Penha Lopes de Oliveira2 , Johana Lima
Gomes3, Jhones Wendel Silva de Lima4, Yarlei dos Santos Barbosa5,
Daiane Fabricio dos Santos6, Ícaro Jael Mendonça Moura7
1
Universidade Estadual do Ceará, pedro.kildery@aluno.uece.br
2
Instituto Federal do Paraná, viktorhasterfield@gmail.com
3
Universidade Estadual do Ceará, johana.lima@aluno.uece.br
4
Universidade Estadual do Ceará, jhones.wendel@aluno.uece.br
5
Universidade Estadual do Ceará, yarlei.santos@aluno.uece.br
6
Universidade Estadual do Ceará, daiane.fabricio@aluno.uece.br
7
Universidade Estadual do Ceará, icaro.moura@uece.br

Resumo
O RPG (Role-Playing Game) apresenta diversas possibilidades de construção de mundo e
personagens, de acordo com quem escreve as histórias que são apresentadas no decorrer
da experiência do jogo. Apesar de ser utilizado, em sua maioria, na criação de literaturas
fantásticas, este tipo de jogo pode ser utilizado como meio lúdico para a divulgação científica
ou para auxiliar na explicação de fenômenos astronômicos, que quando apresentado para
leigos na área se tornam muito abstratos. Neste trabalho, foi apresentado um RPG
conhecido como Afora, que foi desenvolvido com o objetivo de apresentar fenômenos da
astronomia e astrofísica para leigos da área desta. Com isto, além do processo de aplicação
do RPG, houve um estudo sobre a opinião dos jogadores sobre como este método pode ser
utilizado no ensino. Neste processo, evidenciou-se a importância das ferramentas de
encenação e criatividade para despertar um maior interesse dos jogadores na área
desejada.
Palavras-chave: RPG no ensino. RPG. Jogos. Astronomia.

Abstract
The RPG (Role-Playing Game) presents different possibilities for world and character
construction, according to who writes the stories presented during the game experience.
Despite being used, for the most part, to create fantastic literature, this type of game can be
used as a playful means for scientific dissemination or to help explain astronomical
phenomena, which when presented to people with no expertise become too abstract for them
to understand properly. In this work, an RPG known as Afora was presented. It was
developed with the aim of presenting astronomy and astrophysics phenomena to lay people
in this field. Therefore, in addition to the RPG application process, there was a study on the
players' opinions on how this method can be used in teaching. In this process, the
importance of staging and creativity tools was highlighted to arouse greater interest among
players in the desired area.
Keywords: RPG in teaching. RPG. Games. Astronomy.

1 INTRODUÇÃO

O RPG, da sigla em inglês Role-Playing Game, é um jogo de interpretação,


sem vencedor, que se passa em um mundo fictício criado a partir da escrita de quem
narra a história (chamado “narrador”, ou “mestre”). Nesse mundo imaginado, os
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jogadores criam personagens que são por eles interpretados de uma forma
improvisada, adequando-se aos acontecimentos narrados, e realizando escolhas
que podem alterar o mundo descrito pelo narrador. No RPG, vários elementos
podem ser incluídos, desde concepções artísticas até a criação de NPCs (do inglês
non-playable character, que significa personagem não-jogador) (NASCIMENTO
JUNIOR, 2005).
Desta forma, a interligação entre a exposição teórica, muitas vezes
dificultosa por demandar elevados níveis de abstração, e elementos lúdicos, como
um RPG que apresente fenômenos teóricos no ambiente dos personagens e, assim,
indiretamente, no de quem joga, pode contribuir para o ensino por meio do incentivo
à resolução de problemas, que se tornam práticos na realidade dos personagens, ou
ao trabalho em equipe para a resolução de algum problema (NASCIMENTO
JUNIOR, 2005).
Neste contexto, o presente trabalho pretendeu apresentar a concepção e a
aplicação de um RPG e explorar sua aplicação no contexto de um grupo leigo de
astronomia, apresentar os resultados de aprendizagem e opiniões sobre o uso do
RPG em sala de aula. O propósito principal foi proporcionar aos participantes uma
experiência educativa, abordando uma variedade de desafios cuja resolução
demanda a compreensão de conceitos frequentemente ensinados em aulas de
física.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O RPG precisa de um contexto de mundo para acontecer. A combinação de
elementos reais e de ficção é possível e pode tornar a experiência de jogo divertida.
Além disso, a realização de uma sessão de RPG pode ser presencial ou virtual, a
depender das características do próprio jogo específico e da disponibilidade dos
jogadores.
Para uma melhor organização do jogo, um sistema é adotado com base no
seu contexto e melhor aplicação das suas cenas. Um sistema pode ter base em
qualquer outro já existente como D&D (Dungeons and Dragons), mas adicionando
alguma nova regra que o torna único para o determinado mundo apresentado aos
jogadores (NASCIMENTO JUNIOR, 2005).
Pela natureza do RPG como um jogo cooperativo entre os jogadores, visto
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que os objetivos únicos a serem alcançados são fruto da interação entre cada
personagem com o ambiente apresentado pelo mestre (SÁ, 2021), as sessões
escritas são elaboradas com o intuito de fomentar a cooperação entre os jogadores.
Essa abordagem visa assegurar que, caso algum participante não tenha assimilado
completamente uma explicação, os demais possam colaborar ativamente no
processo de aprendizagem, promovendo um ambiente de apoio mútuo.
A técnica de usar RPG como uma ferramenta no ensino vem desde a
década de 90, quando aconteceram as primeiras tentativas de integrar neste jogo
uma forma mais didática, que foi chamada de RPG dos bandeirantes. O jogo tinha
como enfoque a história brasileira e apresentou resultados positivos no aprendizado
dos alunos envolvidos (SÁ, 2021).
Então, foi observado que a natureza cooperativa do jogo quando combinada
com uma simplificação de suas regras para facilitar a participação tem grande
potencial quando usada de forma didática, tendo em vista que a história contada
pelo narrador e as decisões dos jogadores acabam nos dando uma ampla
diversidade de histórias (BOAS, 2017).

3 MATERIAIS E MÉTODOS
Na criação do RPG em estudo, foi utilizado o sistema intitulado “Desespero
dos Abençoados” (DDA), que reúne características de outros sistemas influentes,
tais como D&D 5° edição e Call Of Cthulhu. No Quadro 1, pode-se observar uma
explicação de como funciona a rolagem dos dados e a investigação. Pela natureza
explorativa, os problemas aconteciam enquanto os jogadores precisavam lidar com
alguma anomalia no ambiente do jogo.
O RPG em estudo foi aplicado num grupo de 8 pessoas. Seu título completo
é “Afora: Desconhecer Também é Poder” e se passa em um contexto onde a
humanidade está no ápice da exploração espacial. No entanto, a raça humana se
depara com desafios significativos, denominados "anomalias". Apesar do caráter de
terror que aclima as anomalias, os fenômenos físicos apresentados para enfrentar
estes desafios têm fundamentação baseada em documentos encontrados no jogo.
Assim, no universo do Afora, a humanidade usa conhecimentos da física para
combater estas anomalias, visto a existência de torres de contenção que protegem
os civis.
Neste contexto, as personagens criadas tinham o objetivo de lidar com
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diferentes anomalias enquanto resolviam desafios ligados ao conhecimento da
astronomia Em específico, o ambiente explorado foi a recém-colônia de Eüler, um
planeta com semelhanças com a Terra recentemente descoberto em um sistema
próximo ao Sol.
Quadro 1 - Resumo explicativo do sistema apresentado para os jogadores antes do RPG.
Necessário: Descrição:

Dado de 20 lados (D20) e dois dados de 10


Dados necessários
lados (D100) para rolagem das perícias.

Conjunto variado de dados, caderno e lápis


Outros objetos
para anotações.

Usando o D20, quanto maior a rolagem, melhor


Atributos
o resultado da ação.

Usando o D100, quanto menor a rolagem, mais


Perícias
provável de sucesso.
Fonte: Próprios autores.

Na realização do Afora, cada jogador teve a oportunidade de criar um


personagem à sua escolha, além de contribuir com ideias para o desenvolvimento
de equipamentos científicos que desempenharam um papel crucial na resolução de
diversos desafios, bem como na introdução de outros personagens à narrativa.
Foram realizadas sessões semanais com 4 horas de duração, em média,
para o grupo de 8 pessoas cujas idades eram de 17 a 22 anos. Todas as sessões
foram aplicadas de forma virtual usando aplicativos de mapas e “miniaturas” de cada
personagem. Ao total, foram 2 meses de aplicação do RPG, somando um total de 10
sessões (8 sessões de jogo e 2 sessões de preparação). No final da aplicação, foi
feito um formulário buscando a opinião dos jogadores e espectadores sobre como o
RPG pode ser utilizado no ensino.
Para melhor organização do estudo, o sistema DDA proporciona uma
estrutura padronizada a qual compreende as seguintes categorias de escrita: título
da sessão (um resumo da escrita e dos eventos do jogo), descrição inicial
(apresentar o contexto atual), assuntos abordados ( fundamentação teórica do que
será preciso aprender na sessão para lidar com determinada anomalia), descrição
final (final da sessão) e resultados (avaliação privada do mestre sobre cada jogador).
Uma sessão que aplica este método de organização é a intitulada “Anomalia
de Anamesa” (apresentada no Quadro 2). O termo “Anamesa” representa um local
no espaço com uma grande quantidade de objetos supermassivos. Nesta sessão,
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estavam os seguintes personagens: Apollyon, Azazel, Navarro e Stefan.
Quadro 2 - Organização resumida da sessão “Anomalia de Anamesa”.
Assunto Descrição
Título da sessão Anomalia de Anamesa
Os jogadores estão em sua nave principal até
Descrição inicial receberem um sinal de perto da área de
Anamesa.
Assuntos abordados Relatividade Geral, Gravitação e Leis de Newton.
Para lidar com a anomalia que se encontra em
Anamesa, eles precisam afastá-la dos objetos
Descrição final
supermassivos e contê-la com os equipamentos
da nave.
Em geral, houve um aprendizado de como
objetos supermassivos deformam o
Resultados
espaço-tempo e como a missão deve ser
extremamente cuidadosa.
Fonte: Próprios autores.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A aplicação da sessão apresentada para o grupo de jogadores
(representada na Figura 1) resultou numa cooperação entre os personagens para
eles saírem bem-sucedidos da missão que foi apresentada em Anamesa. Mesmo
com algumas problemáticas apresentadas no decorrer do tempo de sessão, foi
possível cumprir o objetivo do jogo, conter a Anomalia, e retornar em segurança
para suas casas.
Apollyon relata sobre a sessão que “ao colaborar com outros participantes
na construção e desenvolvimento do enredo, aprendi a trabalhar efetivamente em
equipe, compreendendo a importância da comunicação e da cooperação para atingir
objetivos comuns.”.
Outro exemplo de sessão aplicada, a qual foge da experiência deste
primeiro quarteto, foi a análise de Haskell e Benjamin, os quais buscaram entender o
sumiço de uma nave dentro do universo do Afora (Figura 2).
Na captura, observa-se um dos documentos da sessão que, conforme
mencionado anteriormente, tem como objetivo direcionar os jogadores para a
resolução do problema. Neste caso, eles possuíam vários horários de movimentação
da nave e precisavam calcular o seu movimento sabendo a sua velocidade,
incentivando o estudo da cinemática da nave para conhecer sua localização no
espaço. Benjamin, um dos participantes, relata: “Me ajudou a perceber o uso de
vetoração e espaçamento, além da cinemática”.
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Figura 1 - Captura de tela durante a sessão “Anomalia de Anamesa”, mostrando o visor
principal da nave dos jogadores.

Fonte: Próprios autores.

Figura 2 - captura durante a sessão “A Viagem ao Irmão”.

Fonte: Próprios autores.

Ao fim das aplicações, a pesquisa feita aponta que 75% dos participantes
consideram “ótima” a aplicação do sistema do RPG para o contexto de investigação
e educacional. Vale citar que todos apresentavam aproximadamente um mesmo
nível de conhecimento de fenômenos físicos e astronômicos: os ensinados no
Ensino Básico.
As respostas à questão “Qual foi sua experiência educativa com o RPG
Afora?” de alguns jogadores e espectadores são apresentadas no Quadro 3.
Outro resultado de interesse é o provindo da questão “Você consideraria
este método de ensino (RPG) bom para ser utilizado em sala de aula?”. Dentre os
participantes, 62,5% apontaram este método como útil para o ensino, enquanto os
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outros 37,5% responderam que depende de fatores como a variação do tamanho da
turma, idade e das características de ficção apresentadas no mundo.
Quadro 3 - Resposta dos jogadores e espectadores para a pergunta “Qual foi sua
experiência educativa com o RPG Afora?” e demais opiniões.
Jogador Resposta
“A abordagem e aplicação do jogo é muito boa
Haskell / Azazel para indivíduos que têm costume de desenvolver
raciocínios lógicos”.
“Aprendi bastante, principalmente sobre como
aplicar conceitos físicos em máquinas térmicas e
Navarro
também conceitos importantes acerca do estudo
de astronomia”.
“Eu gostei. A aplicação do mundo do Afora em
Apollyon um contexto educativo apresenta oportunidades
valiosas para estimular o interesse dos alunos”.
“Boa. Notoriamente, é possível ver uma alta
quantidade de conteúdo acadêmico envolvendo
Stefan
em sua maioria áreas da astronomia, física e
matemática dentro do universo do RPG”.
“Muito interessante, especialmente devido ao
aspecto interativo das sessões, o que dá aos
Espectador 1
jogadores a possibilidade de experimentarem
com o mundo ao seu redor.”.
Fonte: Próprios autores.

Comparando os resultados com a experiência de SÁ (2021), BOAS (2017) e


NASCIMENTO JÚNIOR (2023), o RPG, como forma de ensino em diversas áreas,
proporciona um maior aproveitamento de conhecimentos que, anteriormente, são
teóricos e abstratos. Verificou-se que o jogo de interpretação tem um grande
potencial para ser usado como ferramenta didática.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desinteresse por parte dos alunos parte da idealização da física como um
estudo complicado cheio de cálculos e leis que parecem não seguir um sentido
lógico sem a interação com o mundo conhecido por eles (NASCIMENTO JUNIOR,
2005). Neste contexto, o RPG Afora, junto de seu sistema, apresentaram um método
eficiente de incentivo ao aprendizado da astronomia e das ciências exatas.
Observou-se uma grande cooperação entre os jogadores para resolver os
problemas apresentados.
Este tipo de jogo pode ter várias funções, desde didáticas até de apenas
lúdicas, mas é sempre importante realçar o como é essencial o interesse do
indivíduo. O RPG pode servir para estimular a criatividade, elemento extremamente
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importante para o aprendizado, a qual pode ser uma grande aliada no processo de
associação lógica para aprender cálculos e conceitos, também podendo ser utilizada
para facilitar esse processo.
Finalmente, considera-se que o RPG é uma atividade envolvente, propícia
para fomentar o entrosamento e promover o desenvolvimento de habilidades sociais
entre os participantes. Essa dinâmica pode desempenhar um papel crucial ao tornar
a aprendizagem mais acessível e até mesmo prazerosa, contribuindo
significativamente para a associação positiva com o hábito de aprender.

REFERÊNCIAS
BOAS, Anderson Camatari Vilas; MACÊNA JÚNIOR, André Gonçalves; PASSOS,
Marinez Meneghello. RPG pedagógico como ferramenta alternativa para o ensino de
Física no Ensino Médio. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 34, n. 2, p.
372-403, 2017.

NASCIMENTO JÚNIOR, Francisco de Assis e PIETROCOLA, Mauricio. O papel do


RPG no ensino de física. 2005, Anais do Encontro Nacional de Pesquisa em
Educação em Ciências. Bauru, SP: ABRAPEC, 2005. Acesso em: 27 jul. 2023.

SÁ, Clayton Dantas de; PAULUCCI, Laura. Desenvolvimento de um sistema de RPG


para o ensino de Física. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 43, 2021.

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