O RPG (Role Playing Game), em princípio pela tradução da sigla, é um jogo
que acontece por um “papel” interpretado pelos jogadores, no âmbito de uma narração construída por um deles no papel de “Mestre” originalmente nomeado como Dungeon Master (DM) no inglês - e outros dois ou mais jogadores como os personagens protagonistas da história. Seu surgimento foi no ano de 1971 com a criação do primeiro sistema de RPG, o “The Fantasy Game”, posteriormente renomeado como “Dungeons & Dragons” (D&D), e que se pode observar como um fruto da influência da Literatura Fantástica na recém ascendida cultura Nerd, e principalmente disseminado por J. R. R. Tolkien em suas obras de Fantasia Medieval. A designação de “Sistema” é o que descreve e estabelece o funcionamento do jogo e suas regras, e o “Universo” é o que determina os fatores imagéticos de espaço, tempo e sociedade, assim como construtos pré-narrativos a introduzir o jogo. Todos esses componentes, então, são colocados em um manual para que os jogadores se insiram no universo e iniciem uma narrativa construída coletivamente. Uma vez, então, que a liberdade de criação, a gama de possibilidades ofertadas pelo manual e a mente criativa do jogador se uniram, a popularidade do jogo cresceu e trouxe novas ideias, para que assim novos sistemas começassem a surgir. No ano de 1999, oito anos após o surgimento do primeiro sistema de RPG brasileiro, foi criado o “Tormenta”, que também tinha a Fantasia Medieval como temática, mas com um funcionamento e regras, além da inserção de novos elementos narrativos à construção do universo e dos personagens. A década de 90 foi o boom do RPG brasileiro, um fenômeno responsável por desrotular um produto norte-americano importado para uma versão original da nossa cultura. Tormenta então inicia o funcionamento normal de qualquer RPG por uma sequência de exercícios, primeiramente com a criação de uma história do mestre (dentro ou fora do universo estabelecido) ou, se preferir, a escolha de uma história pronta dos manuais (no caso de Tormenta, por exemplo, existem os livros “Só aventuras”). Depois da introdução do universo pelo mestre aos outros jogadores, estes deverão criar seus personagens individuais, escolhendo tópicos essenciais que são: Raça, que determina qual espécie do manual seu personagem pertence (humano, elfo, anão, etc,); Classe, que representa sua ocupação atual (guerreiro, mago, ladino, etc.) Origem, que descreve sua ocupação anterior; Alinhamento, que determina sua personalidade. Após determinar esses quatro tópicos, cada jogador deverá montar a ficha técnica do seu personagem, que determina seus atributos físicos e psíquicos, além das habilidades, proficiências e equipamento. Junto disso, inicia-se o uso dos dados, instrumentos que determinam praticamente tudo no jogo. É pela rolagem de sete tipos diferentes de dados que o mestre e os personagens fazem suas ações, determinam os pontos que serão distribuídos nos atributos e proficiências, ou qualquer outro fator que o mestre julgue necessário. Podemos tratar os passos anteriores como uma pré-produção da partida de RPG, comumente chamada de “sessão 0”. Tendo, então, o jogo iniciado, o mestre coloca em prática suas habilidades de narração junto com o conhecimento do sistema obtido no manual, e coloca todos os personagens no cenário para ir em busca de um objetivo. É neste momento que os jogadores dão seguimento à narrativa simultânea dos seus personagens ao interpretá-los, absorvendo todos os aspectos que percorrem o espaço do jogo. Nessa perspectiva, o jogador que já jogava outro sistema antes, começa a perceber as diferenças nas regras e como elas influem no decorrer de suas ações, e por mais que possa causar estranhamento ou confundir quem joga, é uma nova forma de agir que, posteriormente, pode fazer mais sentido e facilitar a partida. Tormenta, nesse ponto de vista, é um ótimo exemplo, pois sua criação tomou por base outros sistemas - o tradicional D&D, por exemplo - e a partir disso, um processo de análise técnica foi dinamizado pela equipe de criação para sintetizar regras, selecionando possíveis dificuldades ou incoerências na visão de uma conjunto de jogadores e, assim, modificar os elementos para adaptar o jogo à concepção da comunidade jogadora. A mudança na técnica é diretamente proporcional à impressão do jogador, porque esta influencia no comportamento e ações dos personagens, assim como na forma do mestre de “mestrar”/comandar o jogo. Podemos, então, tratar esse processo como um fenômeno, pois o RPG, como atividade criativa, se torna mutável em sua integralidade.
Universo de Tormenta
O porquê do nome Tormenta é uma pergunta pertinente. Neste universo de
fantasia medieval, diversos seres vivem no mundo Arton, um planeta regido por um grande panteão de deuses. Humanos, elfos, gigantes, lagartos humanóides e outras diversas raças se dividem em vários reinos, e a população contempla desde as mais simples às mais perigosas ou misteriosas ocupações, que geralmente se ligam aos jogadores. Entretanto, um bizarro fenômeno de proporções mundiais ocorre: a Tormenta. Uma grande tempestade de nuvens vermelhas com chuva de sangue ácido, das quais surgem demônios insetóides, criaturas horrendas que carregam maldade e caos. Praticamente tudo é destruído onde ocorre a Tormenta, e os poucos que sobrevivem acabam sucumbindo à loucura, pois as nuvens rubras não corroem apenas a pele, mas também a mente. Este é o cenário padrão presente no manual do jogo, que pode ser modificado pelo mestre a depender do que deseja narrar. Às vezes, alguns jogadores adotam a prática de usar apenas as regras do sistema para uma aventura em um cenário diferente, um tipo de adaptação para mestres mais ousados. De qualquer forma, são infinitas possibilidades a se seguir, tanto no cenário padrão como no inventado, pois a criação é inata a todos os lados. A comunidade RPGista está sempre ativa, não apenas para jogar, mas também para manter e evoluir o RPG na sociedade, e Tormenta é a maior representatividade disso no Brasil. Se o compararmos com D&D, sentiremos em primeira instância a diferença estética dos universos, sendo D&D originalmente mais sombrio e Tormenta mais colorido, mas a inversão desses valores pode ocorrer com qualquer um dos dois. Isso, junto do fato de Tormenta ser um sistema mais simples à visão da comunidade, não significa que se trata de algo menos rico e amplo, e também não desmerece nenhum outro sistema. A melhor posição é a de manter o RPG vivo por qualquer sistema, mas sem esquecer daquilo que temos em casa e nem pensar que, por ser nosso, é inferior ao original.