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RESUMO
Em Tabu de Júlio Bressane, três personagens perambulam pela cidade do Rio de Janeiro: João
do Rio, Oswald de Andrade e Lamartine Babo. As referências temporais nesse filme não se
reconciliam a ponto de representar propriamente uma época, mas o filme desenvolve uma
imagem do tempo como passagem, como ponto de mudança, abertura para uma diferença
não-reconciliável entre dois momentos da história da cultura brasileira: o Pré-modernismo e o
Modernismo. Assim o passado são círculos de passado que se encontram na superfície da
imagem: o ano de 1916, quando Isadora Duncan veio ao Rio de Janeiro; os anos iniciais do
Modernismo brasileiro que vão de 1922 até 1924 quando Tarsila ilustrou os poemas Pau-
Brasil de Oswald; o ano de 1928, culminando no manifesto Antropófago; os anos dourados
dos “Ases dos samba”, 1932; os anos das desavenças intelectuais de Oswald com os jovens
intelectuais da Revista Clima. Esses tempos não são presentes que passaram, pois não há
ninguém que os lembra. São tempos que insistem na imagem atual que está sendo produzida
pela equipe de produção que vemos em muitos momentos no filme.
Em Tabu de Júlio Bressane, vemos três personagens perambular no Rio de Janeiro que
assumimos ser a cidade do início do século, época em que João do Rio escrevia suas crônicas,
Oswald visitava a capital e Lamartine a cantava em sua marchas populares.
O tempo nesse filme é, no entanto, bastante complexo para fixarmos uma época
representada. Por um lado, a cidade representada em Tabu pode ser o Rio dos carnavais
cantado por Lamartine Babo, Francisco Alves e Mário Reis, algumas das várias personagens-
figurinos 33 do filme. Esse era o início da época das reproduções sonoras, o começo da fase
áurea do rádio, a origem da nossa cultura industrial possibilitada pelas novas técnicas de
impressão, difusão e reprodução. O sucesso de Lamartine foi rápido depois de suas primeiras
composiç ões. A primeira gravação do compositor é anterior às gravações elétricas que
iniciaram em 1927. Ela se intitulava, “Os calças largas” (1926). Assim nos conta Suetônio
Soares Valença: “Em dezembro de 1926, antes portanto da era das gravações elétricas, que
data de 1927, a Odeon punha à venda o disco nº123 268, matriz 1093, tendo como intérprete o
barítono Frederico Rocha” (SOARES VALENÇA: 1989, 46). A marcha satirizava a moda
das calças de boca larga e teve seu sucesso ainda mais realçado quando da estréia de uma
revista teatral com o mesmo título dois anos depois da gravação da marcha pela Odeon e que
seria parte do repertório da revista. Mas os grandes sucessos de Lamartine datam do início da
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Referência ao conceito u sado por Flora Sussekind em seu livro Cinematógrafo de letras: literatura,
técnica e
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Inserir uma nota sobre o livro à respeito de Deleuze do escritor paulista
Antropófago a tese da transformação do tabu em totem, que irá defender mais tarde de
modo filosófico em “A crise da filoso fia messiânica”, escrito em 1950 (ANDRADE:
1970).
Desse modo, podemos entrever pelo menos os seguintes círculos de passado na textura da
imagem do filme de Bressane: o ano de 1916, quando Isadora Duncan veio ao Rio de
Janeiro; os anos iniciais do Modernismo brasileiro que vão de 1922 até 1924 quando
Tarsila ilustrou os poemas Pau-Brasil de Oswald; o ano de 1928, culminando no
manifesto Antropófago; os anos dourados dos “Ases dos samba”, 1932; os anos das
desavenças intelectuais de Oswald com os jovens intelectuais da Revista Clima. Esses
tempos não são presentes que passaram, pois não há ninguém que os lembra. São tempos
que insistem na imagem atual que está sendo produzida pela equipe de produção que
vemos em muitos momentos no filme.
Seriam essas as únicas camadas de sentido que insistem na textura do filme? Para
complicar ainda mais essa temporalidade bifurcante, são inseridos inserts de imagens do
filme Tabu, de Murnau e Flaherty. O filme de Murnau, produzido no ano de 1931, tem a
função de manter um diá logo cinematográfico fundamental. Afinal Murnau com seu filme
tematizou o problema da proibição original. Mas que diálogo é esse que Bressane propõe?
No filme de 1931, Murnau conta a história de um amor proibido entre um rapaz, Matahi e
uma jovem maori (povo indígena da Nova Zelândia), Heri, destinada aos Deuses e
declarada tabu pelo Sacerdote e chefe da tribo, Hitu. No filme de Bressane, os inserts de
Murnau são basicamente provenientes da primeira parte do filme do diretor alemão, isto é,
antes da instauração da interdição original. Todas as ações que se encadeiam para
construir o tempo da história e a idéia de tabu provenientes do filme de Murnau são
rejeitadas. Só interessa a Bressane a luz de Murnau, os reflexos na água, os corpos e suas
sensações brilh antes. Só interessa a Bressane o movimento da luz e dos corpos antes da
ordenação das ações dos personagens, antes da composição que, indiretamente, através
dos movimentos dos personagens, vai figurar a idéia de tabu por uma história dada pela
ação.
O método de Bressane é estrangeiro a Murnau ainda que sua admiração pelo cineasta
alemão o leva a uma homenagem tão transparente. O filme de Bressane que também
inscreve uma figura virtual do tabu não o faz indiretamente pela composição de
seqüências de imagens-movimento ( de ações) encadeadas para criar um sentido e um
tempo narrativo. No filme de Bressane existem três blocos de imagens que formam sua
narrativa. A encenação feita com os personagens-figurinos de Oswald, Lamartine, João do
Rio e a bailarina esvoaçante sem nome mas cujas referências são Isadora Duncan e Landa
Kosbach. O segundo bloco é o dos inserts do momento idílico do filme de Murnau. O
terceiro, os inserts de filmes pornográficos antigos, serve de contraponto ao idílio inocente
dos primitivos. Perdida a inocência das imagens, as referências na banda sonora (as
canções de Lamartine) nos levam de volta a tempos distantes, tempos de memória que não
são lembrança, mas que agora trazem um novo sentido e que antes era tabu. A perversão,
a força da sexualidade dos caranavais cariocas agora podem aparecer mesmo que em
supostas canções inocentes.
BIBLIOGRAFIA
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