Você está na página 1de 7

MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E OCUPAÇÃO TERRITORIAL: O Lugar do ‘Projeto

Caixa Mágica’ na construção da identidade e da luta política da Região Oceânica de


Niterói

APRESENTAÇÃO

Esta pesquisa busca fazer um estudo de caso sobre a intervenção comunitária


intitulada “Projeto Caixa Mágica”, desenvolvida por Leidemar Carias, mulher cis, caiçara e
ex-trabalhadora do setor educacional, a fim de ampliar a participação do processo
educativo na formação intelectual da infância e da adolescência. O “Projeto Caixa
Mágica”, originalmente concebido em meados de 2022, consiste num evento mensal fixo
no campo de futebol da Av. Celso Kelly em Piratininga, Niterói. Hoje o projeto possui 2
geladeiras de livros, murais espalhados pelo bairro de Piratininga, reúne diversas
atividades e oficinas que se relacionam com arte, história, biologia, ambientalismo e
pertencimento, e é tido pelos seus organizadores como uma das primeiras ações
sócio-culturais desse teor promovidas por moradores do bairro no território.

Figura 1 - Oficina de Histórias Musicadas do Projeto Caixa Mágica. Fonte: Arquivo Pessoal, 2023.

A trajetória de Leidemar, idealizadora do projeto, é marcada pelo setor educacional,


o que relaciona uma provável leitura de um déficit no sistema de ensino a como o projeto
se organiza. Além disso, o fato de Leidemar ser caiçara, trabalhadora da atividade
pesqueira do território, levanta pontos importantes entre a formação urbana não só do
bairro de Piratininga, mas de toda a Região Oceânica, suas diferentes organizações
sociais e o histórico de lutas e manifestações sócio-culturais que se apresentam de forma
diferente do resto do município. Além da ocupação de uma comunidade indígena no
bairro de Camboinhas, da presença de solo sagrado para essa e outras comunidades
indígenas em sítios arqueológicos milenares de Sambaquis, até as primeiras iniciativas de
urbanização da prefeitura do município de Niterói, Itaipu e Piratininga caracterizaram-se
pelas atividades agrícolas, produção de hortifrutigranjeiros e pescado (MENDONÇA,
2006, p. 12), e que por conta disso, a região possui heranças de organizações caiçaras,
rurais e tradicionais ainda atuantes nos dias de hoje.

JUSTIFICATIVA

Há uma necessidade de manifestar as identidades e demandas do território para a


gestão da cultura no município de Niterói, sequestrada pela sistematização da lógica
produtivista e mercantilista que opera as indústrias do campo numa política de eventos e
fomento artístico, ou “um conjunto de programas isolados - que não configuram um
sistema - [...] constituídos por eventos soltos uns em relação aos outros” (TEIXEIRA
COELHO, p.299, 1997), do que propriamente a elaboração de políticas que visam
“satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de
suas representações” (TEIXEIRA COELHO, 1997, p. 292), contemplando questões como
o contexto histórico da região, preservação das memórias individuais e coletivas,
estruturação das cadeias produção e fornecimento de infraestrutura para o exercimento
de atividades culturais. Esse processo também é responsável pela construção de
“não-lugares” quando contribui para o esvaziamento das “referências com identidade
própria e com a possibilidade de um relacionamento efetivo entre indivíduo e território”
(RODRIGUES, 2009, p. 90) seja por deliberado silenciamento administrativo ou inação,
enquanto um exercício de compreensão desses valores deve ser parte da filosofia da
gestão até para um profundo entendimento que vise alimentar os circuitos e cadeias
produtivas da cultura, e assim, “incentivar a participação popular no processo de criação
cultural e os modos de autogestão das iniciativas culturais” (TEIXEIRA COELHO, 1997, p.
299).
O “Projeto Caixa Mágica” surge, por outro lado, como uma grande oportunidade de
análise da atuação das iniciativas culturais e dos limites administrativos das esferas de
governo. Estar com o projeto é estar onde o Estado não chega, ocupar os espaços físicos
e intelectuais da formação de sujeitos e sua relação com o território, ampliando a
simbologia da atuação do “Projeto Caixa Mágica” para outros aspectos de gestão e
governança, uma iniciativa autônoma dos próprios residentes do território, sem vieses
governamentais que busca participar da construção da identidade do território e alimentar
as relações de “intimidade e territorialidade” (KAMBEBA, 2020, p. 13).

Figura 2 - Leidemar, de azul à direita, auxiliando os pescadores a puxar canoa na praia de Piratininga.
Fonte: Instagram, 2023.

Até mesmo a observação das particularidades que cercam a formação urbana da


Região Oceânica, onde o projeto atua, apresenta grande valor científico e político:
permitiram a criação de diversas outras expressões em uma potencial grande rede de luta
política e mobilização, e caracterizam o “Projeto Caixa Mágica”, junto com essas outras
intervenções, como manifestações de aspectos da identidade local (caiçara, rural e
tradicional) tal qual pertencimento, cuidado com o território e a valorização das
intelectualidades não hegemônicas, adequando a pesquisa à Linha 2 do PPCULT, de
Performances, Agências e Saberes Culturais.
OBJETIVOS

É necessário instrumentalizar a ciência da cultura como uma ferramenta de


participação dos cidadãos na gestão pública, ou nesse caso em específico, criar uma
ponte entre os interesses do “Projeto Caixa Mágica” e os papéis da administração da
Cultura em território niteroiense, seja na figura da Secretaria Municipal das Culturas de
Niterói, da Fundação de Arte de Niterói, da prefeitura do município ou até mesmo do
governo estadual, para ser um ponto de inflexão na relação entre a gestão cultural, a
institucionalização e o interesse dos indivíduos que formam o projeto. A pesquisa tem
como objetivos, por tanto, observar os fatores que levaram a criação do projeto e o quanto
seu desenvolvimento foi influenciado pela vivência profissional de Leidemar em
instituições educativas, estabelecer uma relação de complementaridade entre a gestão
educacional e a gestão cultural, estipular quais são os planos e expectativas com a ação
do projeto, como se dão as dinâmicas de comunicação entre a proposta do projeto, o
território e os oficineiros que participam das atividades, quem são esses oficineiros e, se
for o caso, apresentar propostas de complexificação das atividades e dos resultados além
do fortalecimento jurídico e estrutural do projeto.

Figura 3 - Distribuição de doação de roupas durante o Projeto Caixa Mágica. Fonte: Arquivo Pessoal, 2023.
A pesquisa também busca entender quais oportunidades de subsistência para a
comunidade são geradas a partir do estabelecimento da intervenção como protagonista
nas atuações social e política do bairro, por isso, na criação de alternativas para o
território, se tratando de uma intervenção que carrega muito da identidade caiçara, será
necessário conduzir uma desconstrução da concepção de trabalho baseada no
produtivismo, nas relações de poder (FOUCAULT, 2015) e na “relação capital-salário”
(QUIJANO, p.118, 2005), para o desenvolvimento de uma nova perspectiva a partir dos
princípios de autodeterminação de grupos sociais, sua relação com o território e o
reconhecimento da natureza como um ser social (LAZZARATO e NEGRI, 2001).
Nesse ponto será extremamente importante mapear os conflitos presentes na
região e nos seus coletivos. São diversas organizações espalhadas pela Região Oceânica
com seus próprios interesses no uso do território, o que impacta diretamente na
quantidade de tensões que permeiam as relações entre população, território e
administração pública. Em algum nível, toda mobilização é política, portanto, a pesquisa
também busca estabelecer diálogos com essas outras frentes de mobilização e
intervenção da Região Oceânica para estimular “o exercício público e político dos
diversos atores sociais” (RODRIGUES, p. 87, 2009), e encontrar caminhos para que essa
rede de intervenções seja fortalecida e consiga se organizar para unificar suas pautas nas
representações políticas. Ainda que tais pautas não sejam centralizadas, talvez seja
possível encontrar denominadores comuns na mobilização política pelo território e na luta
contra “as formas de controle e de exploração do trabalho” (QUIJANO, p.118, 2005).

METODOLOGIA

Para contextualizar uma atuação política para o projeto será necessário fazer um
levantamento dos aspectos da formação urbana da Região Oceânica de Niterói. Existem
diversas produções acadêmicas que estabelecem relações entre passado e presente do
território, das quais valem ser ressaltadas a monografia da historiadora Lucia Velasco de
Mendonça, que destaca os conflitos gerados a partir do parcelamento das terras nos
atuais bairros de Itaipu e Engenho do Mato, além de um cuidado minucioso com o
alinhamento da cronologia das leis de ocupação e uso do solo com a história da região; a
pesquisa dos geógrafos Thiago Fontenelle e Wanderson Corrêa que oferece uma ampla
visão sobre a expansão imobiliária na região entre 1976 e 2010, a crescimento
demográfico até o último censo e zonas de maior e menor renda per capita; e o livro
Notas Para a História de Niterói, de José Maia Forte, que observa parte da organização
social do município em geral desde o período colonial.
A pesquisa vai considerar Leidemar e o Projeto Caixa Mágica como indiscerníveis,
por tanto, ao mesmo tempo que vai acompanhar os eventos e os oficineiros, vai tratar
sempre dos direcionamentos com Leidemar. Além disso, é interessante que a pesquisa
tenha acesso e participe da produção, entrevistando oficineiros, artistas e voluntários
envolvidos no projeto tanto no dia do evento quanto na pré-produção. A ideia dessas
entrevistas é não só reunir conteúdo sobre o projeto, mas também permitir que os
envolvidos elaborem suas próprias representações para que essas marcações de
diferenças (HALL, 2014) sirvam como base de entendimento e orientação para a
pesquisa.
Será uma prioridade na pesquisa atuar na construção do projeto, assim, as
proposições serão realizadas também a partir das atividades de campo, conhecimento do
território de atuação do “Projeto Caixa Mágica”, visitação a outras ações e outros
produtores da Região Oceânica. O contato com os poderes públicos também será
importante para a consolidação do projeto, dessa forma, vereadores e deputados que se
relacionem com o tema, além de secretários e presidentes de fundações artísticas e
culturais, serão procurados e questionados como representantes institucionais para a
construção de uma análise sobre a organização administrativa da cultura que servirá de
embasamento para os direcionamentos do “Projeto Caixa Mágica”.

BIBLIOGRAFIA

COELHO, T. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. São Paulo:


Editora Iluminuras Ltda, 1997.

FOUCAULT, M. Microfísica do Poder (2ª Ed). São Paulo: Paz e Terra, 2015.

FONTENELLE, T. H.; CORRÊA, W. B. Urbanização Efetiva e Densidade de Domicílios


na Região Oceânica de Niterói(RJ) entre 1976 e 2010. Caminhos de Geografia,
Uberlândia, v. 14, n. 45, p. 172–182, Março, 2013. Disponível em:
https://seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/18178.

FORTE, J. M. M. Notas para a história de Niterói (2ª Ed). Niterói: Instituto Niteroiense de
Desenvolvimento Cultural, 1973.
KAMBEBA, M. W. O Lugar do Saber. São Leopoldo: Editora Casa Leiria, 2020.

LAZZARATO, M.; NEGRI, A. Trabalho Imaterial: formas de vida e produção de


subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2001.

MENDONÇA, L. M. V. M. Fazenda Engenho do Mato (Niterói-RJ): breve histórico dos


conflitos gerados pelo parcelamento do solo - de ontem e, de hoje, como atual bairro
Engenho do Mato. 2006. 43f. Trabalho de Conclusão de Curso (História) - UNIVERSO,
Niterói, 2006. Disponível em: http://www.ambiental.adv.br/luciatcc.pdf

QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: A


colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino-americanas.
Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 107-126.

RODRIGUES, L. A. F.. Gestão Cultural e seus eixos temáticos. In: CURVELLO, Maria
Amélia [et al.] (org.). Políticas públicas de cultura do Estado do Rio de Janeiro:
2007-2008. Rio de Janeiro: UERJ/Decult, 2009. p. 76-93.

SILVA, Tomaz Tadeu da; HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: A
perspectiva dos Estudos Culturais. 14ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2014

Você também pode gostar