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Elvira Eliza França

Ailton Krenak e as “ideias para


adiar o fim do mundo”
Por Elvira Eliz a Publicado em: 30/09/2019

França às 20:25

O livro é uma adaptação de duas palestras realizadas pelo líder indígena,


em Portugal, nos anos de 2017 e 2019. Ele critica a ideia de humanidade
como algo separado da natureza (Foto: Neto Gonçalves/Companhia das
Letras)

O autor de “Ideias para adiar o fim do mundo”, Ailton Krenak, é um líder


indígena que se tornou mais conhecido quando, em 1987, fez um
pronunciamento na Assembleia Constituinte em Brasília, protestando em
defesa dos direitos indígenas e pintando o rosto com tinta preta de jenipapo
(Jenipa americana). Quando da comemoração dos 500 anos da descoberta
do Brasil, ele foi convidado para participar, mas se negou, por achar que essa
era uma festa dos portugueses. Em 2017 aceitou participar da conferência
“Os involuntários da pátria”, em Lisboa, num evento ibero-americano de
cultura, convidado por Eduardo Viveiros de Castro. Na ocasião, foi
apresentado o documentário “Ailton Krenak e o sonho da pedra”, dirigido por
Marco Altberg, e depois ele conversou com os participantes. Essa conversa e
outra realizada no ano seguinte são apresentadas no livro.

A etnia Krenak, a qual pertence Ailton, ocupa um território indígena que vai
do Nordeste brasileiro até o leste de Minas Gerais, onde passa o rio Doce;
também está presente na Amazônia, na região do Alto Rio Negro, na
fronteira do Brasil com Peru e Bolívia. É um território que ficou bastante
reduzido devido à ação dos colonizadores, que foram dominando a área e
limitando os espaços dos habitantes tradicionais da região para espaços que
hoje se mantêm preservados, mas sofrendo invasões, tal como ocorria no
passado.

Ailton Krenak aborda em seu livro, com certa ironia, a forma que os brancos
adotam para viver, abrindo mão da liberdade de estar em contato e em
harmonia com a natureza, respeitando-a como mãe.

“A modernização jogou essa gente do campo e da floresta para viver em


favelas e em periferias, para virar mão de obra em centros urbanos. Essas
pessoas foram arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem, e
jogadas nesse liquidificador chamado humanidade” (p. 14).

Assim, ele fala sobre a importância dos vínculos profundos que os indígenas
têm com a memória ancestral e com as referências de identidade, que é o
que livra as pessoas de enlouquecem. Diz que os indígenas não se veem
separados da natureza, mas se sentem parte integrante dela. Por isso, as
pedras, as montanhas, as árvores, são tratados como pessoas, como sendo
seus pais, mães, filhos, parentes. Nessa troca de afeto com a natureza, eles
recebem e dão presentes entre si.

Por isso, a natureza é algo sagrado para eles. Isso justifica o fato deles
considerarem desrespeitoso que as corporações entrem nos territórios
indígenas para criar ambientes artificiais, para “devorarem” a terra, as
montanhas e os rios, deixando lixo no local. Para ele, esse desrespeito é
chamado de progresso pelos brancos.

De acordo com Krenak, a separação das pessoas da mãe Terra é um


processo de abstração civilizatória, na qual o consumo as leva ao
impedimento de viver a verdadeira cidadania. É justamente isso que está
criando falta de sentido na vida, retirando o prazer de viver, de dançar e de
cantar, o que transformou a humanidade em “humanidade zumbi”. Por isso,
ele diz que o que ele está fazendo naquele momento da conversa com as
pessoas é “contar mais uma história”, para adiar o fim do mundo.

Diz que os antepassados indígenas usaram a criatividade e a poesia para


resistir à barbaridade da civilização, à integração para entrar no “clube da
humanidade”. Com isso, conseguiram adiar o fim do mundo, com estratégias
de resistência continuada, e hoje sobrevivem 250 etnias com 150 línguas que
vêm resistindo ao tempo. São pessoas que continuam lutando para ter o
direito de ser e de viver de modo diferenciado. Essa é uma resistência ao
processo de homogeneização proposta pelo branco “civilizado”.

Krenak lembra que os povos indígenas resistiram desde o período da


colonização à destruição, e que continuam resistindo aos processos de
ocupação e destruição que ainda sofrem, até o presente momento.

“É claro que durante esses anos nós deixamos de ser colônia para constituir o
Estado brasileiro e entramos no século XXI, quando a maior parte das
previsões apostava que as populações indígenas não sobreviveriam à
ocupação do território, pelo menos não mantendo formas próprias de
organização, capazes de gerir suas vidas. Isso porque a máquina estatal atua
para desfazer as formas de organização das nossa sociedades, buscando
uma integração entre as populações e o conjunto da sociedade brasileira” (p.
39).

O líder indígena também fala sobre a visão que o branco europeu tinha
sobre os indígenas, como se fosse uma “humanidade obscurecida”, que
precisava ser “civilizada”, tal como eles eram. É crítico ao se referir às
instituições como o Banco Mundial, Organização dos Estados Americanos
(OEA), e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), dizendo que quando se trata da questão da mineração,
parece que se importam apenas em deixar pedaços do planeta
preservados, como se fossem “amostras grátis da Terra” que ainda não
foram devoradas.

Na sua fala, diz que a natureza é para todos, mas que não pode ser exaurida
de modo predatório. Menciona o rio Doce, que para os indígenas é
considerado um avô, e que foi todo coberto por material tóxico, de modo
criminoso, destruindo a vida dos que viviam em sua extensão.

“Somos alertados o tempo todo para as consequências dessas escolhas


recentes que fizemos. E se pudermos dar atenção a alguma visão que
escape a essa cegueira que estamos vivendo no mundo todo, talvez ela
possa abrir nossa mente para alguma cooperação entre os povos, não para
salvar os outros, para salvar a nós mesmos” (p. 44). Por isso, lembra que a
ameaça que os povos indígenas sofrem não dizem respeito apenas ao
comprometimento de suas vidas, mas se trata da sobrevivência de toda a
população do planeta, devido à exaustão das fontes de vida que acontece de
modo crescente no mundo.

Na visão de Krenak, como os indígenas consideram a natureza como família,


eles respeitam essa conexão, ao fazerem uso dos recursos que ela
disponibiliza para a vida. Contudo, as pessoas que estão divorciadas dessa
conexão não têm qualquer compromisso com os aspectos sagrados da
natureza e por isso extraem dela os recursos, sem pensar nela como uma
mãe que os amamenta.

Para os indígenas, a natureza é um local sagrado, no qual os povos


tradicionais têm experiências não apenas de sobreviver, mas é dela que eles
também recebem orientação para a vida. É na natureza que eles encontram
inspiração para sonhar, cantar, curar, resolver questões práticas da vida. Por
isso, a visão que têm de preservação é a que seus antepassados tinham na
relação com a Terra e com a natureza. É justamente isso que eles procuram
repassar para as futuras gerações e outras pessoas que dialogam com eles.

Obs: Em Manaus, o livro “Ideias para adiar o fim do mundo”, com 85 páginas e
editado pela Companhia das Letras, pode ser adquirido na Banca do Joaquim,
no Largo São Sebastião, ao lado do Teatro Amazonas.

Leia também:

“Não é a primeira vez que profetizam nosso fim; enterramos todos os


profetas”, diz Ailton Krenak

Elvira Eliza França é mestre em Educação pela UNICAMP, pós-graduanda


em Neurociência e Comportamento pela PUC (RS), especialista em
Programação Neurolinguística pelo NLP Comprehensive dos EUA e graduada
em Comunicação Social pela Universidade de Mogi das Cruzes (SP).  É autora
dos livros: “Crenças que promovem a saúde: mapas da intuição e da
linguagem de curas não-convencionais em Manaus, Amazonas” editado pela
Valer e Secretaria de Cultura e Turismo do Amazonas (2002); “Corporeidade,
linguagem e consciência: escrita para a transformação interior” (1995),
“Dimensões interiores da escrita: a voz da criança interior” (1993), “Do silêncio
à palavra: uma proposta para o ensino da filosofia da educação” (1988) e
“Filosofia da educação: posse da palavra” (1984), publicados pela Editora
Unijuí (RS). 

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Elvira Eliza França é mestre em Educação pela


UNICAMP, pós-graduanda em Neurociência e
Comportamento pela PUC (RS), especialista em
Programação Neurolinguística pelo NLP
Comprehensive dos EUA e graduada em
Comunicação Social pela Universidade de Mogi
das Cruzes (SP). É autora dos livros: “Crenças que
promovem a saúde: mapas da intuição e da
linguagem de curas não-convencionais em
Manaus, Amazonas” editado pela Valer e
Secretaria de Cultura e Turismo do Amazonas
(2002); “Corporeidade, linguagem e consciência:
escrita para a transformação interior” (1995),
“Dimensões interiores da escrita: a voz da criança
interior” (1993), “Do silêncio à palavra: uma
proposta para o ensino da filosofia da educação”
(1988) e “Filosofia da educacão: posse da palavra”
(1984), publicados pela Editora Unijuí (RS).

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