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JULIANA SILVA DE MIRANDA

TRATAMENTO NUTRICIONAL EM CRIANÇAS MENORES


DE 2 ANOS COM ALERGIA Á PROTEÍNA DO LEITE DE
VACA

BRASÍLIA – DF
2022
JULIANA SILVA DE MIRANDA

TRATAMENTO NUTRICIONAL EM CRIANÇAS MENORES


DE 2 ANOS COM ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE DE
VACA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à faculdade


anhanguera de Brasília, como requisito parcial para a
obtenção do título de graduado em nutrição

Orientador: Karoline Diniz

BRASÍLIA – DF
2022
JULIANA SILVA DE MIRANDA

TRATAMENTO NUTRICIONAL EM CRIANÇAS MENORES DE 2


ANOS COM ALERGIA Á PROTEÍNA DO LEITE DE VACA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade Anhanguera de Brasília, como
requisito parcial para a obtenção do título de
graduado em nutrição.

BANCA EXAMINADORA

Prof(a). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(a). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(a). Titulação Nome do Professor(a)

BRASÍLIA – DF

13 de junho de 2022
Dedico este trabalho a todas as crianças
portadoras de alergias alimentares, em
especial as que possuem alergia a
proteína do leite de vaca. E principalmente
as mães dessas crianças, que sofrem e
abdicam de seus trabalhos e vida para
acompanhá-los no decorrer do tratamento,
além de batalharem pela melhora do
estado de saúde de seus filhos.
AGRADECIMENTOS

Gostaria de demonstrar a minha gratidão principalmente a Deus por ter sido


instrumento de renovação e força ao longo de toda a minha vida, por ter me capacitado
para chegar até aqui e por ter me dado sabedoria e força para concluir essa importante
etapa em minha vida. Em segundo lugar, agradeço a meus pais pelo apoio
incondicional durante toda minha vida e em especial nos últimos quatro anos durante
a graduação, sem eles teria sido impossível ter chegado tão longe. Também gostaria
de agradecer as minhas colegas de turma que me acompanharam desde o início do
curso, que me ajudaram e compartilharam momentos de alegria, esforço, trabalho
árduo e aprendizado. Além disso, também agradeço aos meus amigos que de alguma
forma contribuíram com a minha formação. Por último agradeço a vida por ter me
permitido chegar até aqui, concluir apenas uma das várias etapas dessa minha
jornada neste mundo, pois sei que ainda há muita coisa para acontecer nessa louca
aventura que chamamos de vida.
Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas,
mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra
alma humana.
(Carl G. Jung)
MIRANDA, Juliana Silva de. Tratamento nutricional em crianças menores de 2
anos com alergia a proteína do leite de vaca. 2022. 33 páginas. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação em nutrição) – Faculdade Anhanguera de Brasília,
Brasília – DF, 2022.

RESUMO

Tem-se notado um expressivo aumento no número de casos de alergias alimentares


tanto no brasil quanto no mundo. Apesar de ser conhecido que as alergias possam
ser desencadeadas por diversos tipos de alimentos, os dados epidemiológicos
mostram que a alergia mais comum entre todas as faixas etárias é a alergia a proteína
do leite de vaca (APLV). Com isso, o presente estudo se preocupou em trazer a melhor
forma de tratamento nutricional em crianças menores de 2 anos com APLV. Esta
alergia, por ser uma patologia de difícil diagnóstico, depende da história clínica, testes
cutâneos e de alguns parâmetros bioquímicos. Os pacientes enfrentam muitas
dificuldades para realizar um tratamento assertivo. O objetivo do presente estudo foi
apresentar as opções de tratamento nutricional que possuem maior respaldo
cientifico, para isso a metodologia utilizada foi uma revisão de literatura, utilizando
artigos na língua inglesa, portuguesa e espanhola, além do uso de consensos e
diretrizes nacionais e internacionais. Por meio do estudo realizado foi possível ver que
crianças com APLV possui dificuldades tanto no diagnóstico como no tratamento
nutricional da doença, pois esta requer uma dieta restritiva, que em alguns casos pode
não ser viável, sendo necessário recorrer a fórmulas especificas para esse público.
Palavras-chave: Alergia alimentar. APLV. Tratamento nutricional. Fórmulas infantis.
Leite de vaca.
MIRANDA, Juliana silva de. Nutritional treatment in children under two years old
with cow's milk protein allergy. 2022. 33 páginas. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação em nutrição) –Faculdade Anhanguera de Brasília, Brasília – DF, 2022.

ABSTRACT

There has been a significant increase in the number of cases of food allergies both in
Brazil and in the world. Although it is known that allergies can be triggered by different
types of foods, epidemiological data show that the most common allergy among all
groups of age is cow's milk protein allergy (CMPA). Thus, the present study was
concerned with bringing the best form of nutritional treatment to children under 2 years
old with CMPA. This allergy, for being a pathology of difficult diagnosis, depends on
the clinical history, skin tests and some biochemical parameters. Patients face many
difficulties in performing assertive treatment. The objective of the present study was to
present the nutritional treatment options that have greater scientific support, for that,
the methodology used was a literature review, using articles in English, Portuguese
and Spanish, in addition, it was used a national and international consensus and
guidelines. Through the study carried out, it was possible to see that children with
CMPA have difficulties both in the diagnosis and in the nutritional treatment of the
disease, as it requires a restrictive diet, which in some cases may not be feasible, being
necessary to resort specific formulas for this public.

Keywords: Food allergy. CMPA. Nutritional treatment. Infant formula. Cow’s milk.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Sintomas clínicos nas alergias alimentares segundo o mecanismo


imunológico envolvido .............................................................................................. 18
Figura 2 – Classificação do estado nutricional de crianças menores de 5 anos para
cada índice antropométrico, segundo recomendações do SISVAN ......................... 21
Figura 3 – Fluxograma do tratamento dietético de APLV em crianças utilizado pelo
comitê de nutrição da sociedade francesa de pediatria. .......................................... 29
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AA Alergia alimentar
APLV Alergia a proteína do leite de vaca
FAA Fórmula á base de aminoácidos
FEH Fórmula extensamente hidrolisada
Hg Hemoglobina
IDR Ingestão diária recomendada
IgE Imunoglobulina E
OMS Organização mundial da saúde
TGI Trato gastrointestinal
TPO Teste de provocação oral
VCM Volume corpuscular médio
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13
2. ALERGIA Á PROTEÍNA DO LEITE DE VACA ................................................. 15
2.1 SINTOMATOLOGIA E DIAGNÓSTICO ...............................................................16
2.1.1 Reações mediadas por IgE...............................................................................16
2.1.2 Reações não mediadas por IgE........................................................................16
2.1.3 Reações mistas.................................................................................................17
3. IMPLICAÇÕES DA APLV NO ESTADO NUTRICIONAL E O TRATAMENTO
NUTRICIONAL UTILIZADO...................................................................................... 20
3.1 TRATAMENTO NUTRICIONAL NA APLV...........................................................23
3.1.1 Fórmulas extensamente hidrolisadas................................................................23
3.1.2 Fórmulas à base de aminoácidos......................................................................24
4. TRATAMENTOS ALTERNATIVOS ................................................................... 25
4. 1 FÓRMULA A BASE DE SOJA.............................................................................25
4.2 FÓRMULA A BASE DE PROTEÍNA HIDROLISADA DO ARROZ.......................26
4.3 USO DE BEBIDAS A BASE DE PRODUTOS VEGETAIS...................................27
4.4 LEITE DE OUTRAS ESPÉCIES DE MAMÍFEROS..............................................27
4.5 SUPLEMENTAÇÃO DE CÁLCIO E VITAMINA D................................................28
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 31
REFERÊNCIAS..........................................................................................................32
13

1. INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas décadas houve um aumento expressivo no número de casos


de alergias alimentares, principalmente em crianças nos primeiros vinte e quatro meses
de vida. Dentre as alergias mais comuns nessa faixa etária, a alergia a proteína do leite
de vaca é considerada a de maior incidência, sendo essa caracterizada por uma reação
do sistema imunológico a algumas proteínas presentes no leite da vaca. Até o presente
momento não se sabe a causa e nem a origem dessa alergia, porém há uma suspeita
de que a causa seja multifatorial. Os sintomas comuns na alergia a proteína do leite de
vaca são sintomas gastrointestinais, respiratórios e cutâneos. O surgimento desses
sintomas costuma aparecer nos primeiros seis meses de vida e depende de um
diagnóstico clínico para então ser iniciado um tratamento médico e nutricional
especializado.
Por ser uma patologia de difícil diagnóstico, dependendo da história clínica, testes
cutâneos e de alguns parâmetros bioquímicos, muitas são as dificuldades enfrentadas
pelos familiares de crianças com alergia a proteína do leite de vaca. As dificuldades são
desde obter um diagnóstico assertivo até um tratamento nutricional eficiente, podendo
comprometer significativamente o estado nutricional da criança, impactando
negativamente o crescimento infantil e ao longo da vida. Com isso, infere-se que há uma
necessidade de intensificar os estudos nessa área para nortear os profissionais de
saúde, principalmente o nutricionista, em como realizar um tratamento mais assertivo e
que promova saúde e crescimento saudável a menores de dois anos, além de recuperar
ou manter um estado nutricional adequado nessa faixa etária.
Por conta da dificuldade de se realizar um diagnóstico assertivo e ofertar um
tratamento adequado, viu-se a necessidade de se levantar o seguinte questionamento:
Como realizar um tratamento nutricional adequado em crianças com alergia a proteína
do leite de vaca sem provocar prejuízos ao estado nutricional e ao crescimento infantil?
Atualmente há uma dificuldade por parte dos profissionais de saúde em tratar os
sintomas dessa alergia pois cada caso há sua própria especificidade para o tratamento,
além do fato de a alergia envolver o sistema imune e cada organismo responde a essa
alergia de uma forma.
Com a presente revisão bibliográfica, tem-se o objetivo de compreender quais são
as melhores formas de tratamento nutricional na alergia à proteína do leite de vaca para
14

tratar e diminuir os sintomas dessa alergia em crianças menores de dois anos. Para isso,
esse estudo traz abordagens como: o conceito da patologia, sinas e sintomas, as formas
de diagnóstico, as consequências da alergia para a criança e apresentar formas de como
a alimentação pode proporcionar uma nutrição adequada nesses casos, além de
discursões sobre a importância do acompanhamento nutricional afim de manter o estado
nutricional adequado e proporcionar um crescimento saudável nesse público. Por último,
será apresentado as formas de dietoterapia mais estudada na literatura das últimas
décadas.
Foi realizado uma revisão de literatura das últimas duas décadas por meio de artigos
científicos nacionais e internacionais, diretrizes de sociedades renomadas e livros e
monografias que trazem a abordagem da APLV em seus diversos campos, como desde
o diagnóstico até a dietoterapia especifica para esse caso. Foi selecionado apenas
trabalhos na língua inglesa, portuguesa e espanhola, além disso, foi utilizado para a
pesquisa os seguintes descritores: alergia a proteína do leite de vaca, tratamento
nutricional, crianças menores de dois anos, tanto em inglês como em português e
espanhol. Os artigos, diretrizes, livros e monografias tinha como critério descrever e
analisar a alergia a proteína do leite de vaca e trazer abordagens referentes ao
tratamento dietoterápico.
O profissional nutricionista tem um papel crucial no tratamento da alergia a
proteína do leite de vaca, pois a prescrição da dietoterapia é de competência exclusiva
desse profissional. Sabe-se que com um tratamento nutricional adequado é possível
estabilizar e posteriormente eliminar os sintomas da alergia e além disso evitar
possíveis deficiências nutricionais. Portanto é importante que se tenha um adequado
tratamento nutricional com uma dieta de exclusão de alguns alimentos alergênicos e
que essa assegure um crescimento saudável e um adequado estado nutricional.
15

2. ALERGIA Á PROTEÍNA DO LEITE DE VACA

Tem-se notado nos últimos anos um crescente aumento no número de casos de


alergias alimentares tanto no brasil como no mundo. Alergia alimentar é definida como
uma doença consequente a uma resposta imunológica anômala, que ocorre após a
ingestão e/ou contato com determinado(s) alimento(s) (SOLÉ et al, 2018). Embora não
se saiba ao certo o motivo desse aumento de casos, pois os dados são variáveis e levam
em consideração diversos fatores. Cerca de 80% das manifestações de alergias
alimentares ocorrem com a ingestão de leite de vaca, ovo, soja, trigo, amendoim,
castanhas, peixes e crustáceos. Entretanto, os dados epidemiológicos de diversos
estudos, diretrizes e consensos da área mostram que a alergia de maior prevalência
entre crianças menores de dois anos é a alergia a proteína do leite de vaca (APLV).
A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) é o tipo de alergia alimentar (AA) mais
comum nas crianças até os vinte e quatro meses e é caracterizada pela reação do
sistema imunológico às proteínas do leite, principalmente à caseína e às proteínas do
soro (alfa-lactoalbumina e beta-lactoglobulina) (BRASIL, 2014). A reação se dá pela
ingestão de leites e seus derivados como queijos, iogurtes, requeijão, sorvetes e outros
produtos tanto comestíveis quanto cosméticos que possuam essas proteínas do leite em
sua composição. Esta alergia está presente entre 2 a 3% de todas as crianças no mundo
(ZUCCOTTI et al., 2019).
No Brasil, estudo observacional entre pediatras gastroenterologistas revelou ser a
prevalência de suspeita de APLV entre crianças com sintomas gastroenterológicos de
5,4%, e a incidência de 2,2% (SOLÉ et al, 2012). Entretanto, os dados continuem
escassos e se limitam a populações específicas, não refletindo a realidade, além de
serem conflitantes. Em países em desenvolvimento, após a investigação diagnóstica, a
prevalência de crianças com APLV oscila de 0,3% a 7,5% até os dois anos, sendo que
apenas 0,5% estão em aleitamento materno. Os dados concernentes à prevalência de
APLV são escassos, e o diagnóstico é de difícil confirmação, uma vez que as
manifestações clínicas são variadas e podem comprometer diversos sistemas do
organismo (SPINELLI et al., 2013).
16

2.1 SINTOMATOLOGIA E DIAGNÓSTICO

As manifestações clínicas da APLV comumente ocorrem nos primeiros seis meses


de vida. Além disso, as manifestações são variadas, podendo comprometer o sistema
imunológico, respiratório, gastrointestinal e envolver reações cutâneas, podendo ser
confundidas com outras hipersensibilidades alimentares. A APLV pode se manifestar de
três maneiras diferentes: (1) O grupo sensibilizado por reações mediadas por IgE
(Imunoglobulina E) apresentando reações cutâneas imediatas e anafilaxia; (2) o grupo
não sensibilizado por IgE com sintomas do trato gastrointestinais (TGI), desenvolvendo-
se dentro de horas após a ingestão de quantidades moderadas das proteinas causadoras
da alergia; e (3) reações mistas com distúrbios gastrointestinais com ou sem sintomas
respiratórios e/ou eczema/urticária, ocorrendo após várias horas ou dias. (D’AURIA,
2019).

2.1.1 Reações mediadas por IgE

Esse tipo de reação ocorre dentro de minutos ou até duas horas após a ingestão do
alérgeno. São as manifestações mais comuns nas AA e as mais graves, caracterizadas
por urticária, angioedema, dermatite atópica, síndrome oral alérgica, podendo
desencadear ou não anafilaxia (MIWA, 2018). Decorrem de sensibilização a alérgenos
alimentares com formação de anticorpos específicos da classe IgE, que se fixam a
receptores de mastócitos e basófilos (SOLÉ et al, 2018). Podem ser incluídas nesse tipo
de reação os sintomas respiratórios como broncoespasmos, asma ou coriza. Também
podem estar presentes ou não os sintomas gastrointestinais.

2.1.2 reações não mediadas por IgE

Esse tipo de reação não é mediado por anticorpos da classe IgE, com o aparecimento
dos sintomas tardiamente sendo dentro de mais de duas horas até dias depois do contato
com o alérgeno e envolvem majoritariamente o sistema gastrointestinal, mas também
podem envolver reações dermatológicas. Os mecanismos imunológicos envolvidos
ainda permanecem obscuros (SOLÉ et al, 2012). A hipersensibilidade é mediada
basicamente por células.
17

2.2.3 Reações mistas

Envolve características tanto imediata como tardias, envolve reações clinicas como
esofagite eosinofílica, gastrite eosinofílica, enterocolite eosinofílica, dermatite atópica e
asma. São mediados por IgE, com participação de linfócitos T, eosinófilos e citocinas
pró-inflamatórias e mecanismos celulares complexos demonstrados pela presença de
linfócitos CD8 no epitélio (SOLÉ et al, 2018).

Os sintomas respiratórios envolvem broncoespasmo agudo, asma, coriza, prurido,


espirros e rinoconjuntivite alérgica que podem ocorrer tanto tardiamente como dentro de
minutos depois do contato com a proteína alergênica. São consideradas raras quando
aparecem sozinhas nas AA, sendo comum estarem presentes junto com os sintomas
cutâneos e gastrointestinais. As reações cutâneas mais comuns são o angioedema, a
dermatite atópica e a urticária, que é caracterizado pela presença de pápulas
eritematosas bem delimitadas, com contornos em formas geográficas, com halo central
e, em geral, com a presença de pruridos.
Os angioedema caracteriza-se por inchaço resultante de edema da
camada profunda da derme ou da submucosa. Pode acompanhar a urticária,
mas a pele que recobre o inchaço tem aparência normal. É frequente nas
extremidades, bem como na face, no pescoço e na cabeça. Nos meninos, a
genitália pode ser acometida. Pode ser doloroso ou haver sensação de
queimação (SOLÉ et al, 2012, p.4).

Os sintomas gastrointestinais incluem dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia,


sendo bastante comum conter sangue e/ou muco nas fezes. Além de estar incluído
outros sintomas como esofagite eosinofílica, gastrite eosinofílica, enterocolite, síndrome
alérgica oral. Os sintomas do TGI são os mais frequentes em portadores de APLV e
estão comumente associados com déficits nutricionais ocasionados por perda ponderal,
má absorção de nutrientes impactando no crescimento saudável e desenvolvimento
cognitivo. As reações anafiláticas, embora menos frequentes, necessitam de atenção
especial e adequada caracterização, devido à sua gravidade e possível evolução fatal
(SOLÉ et al, 2012). Os sintomas que caracterizam a anafilaxia são falta de ar, queda
súbita de pressão, inchaço em algumas regiões do corpo, dor abdominal, vômitos entre
outros. Aparece imediatamente ao contato com o alérgeno, envolvendo sintomas
respiratórios, neurológico, gastrointestinais, cardíacos e cutâneos. A frequência relatada
18

de anafilaxia causada por leite nos diferentes estudos varia de 10,9% casos graves que
requerem mais de uma dose de epinefrina (BARRIOS et al, 2014).

Figura 1 - Sintomas clínicos nas alergias alimentares segundo o mecanismo imunológico


envolvido.

Fonte: (SOLÉ et al, 2018).

Quanto ao diagnóstico realizado exclusivamente por um profissional médico,


TOCCA et al., (2019), relataram que a história clínica com interrogatório dirigido à
história alimentar, com a introdução detalhada dos diferentes alimentos em relação ao
aparecimento dos sintomas, permitirá identificar o potencial alergênico e detectar o
mecanismo fisiopatológico. As reações mediadas por IgE podem ser consideradas de
fácil identificação pois é possível detectar a imunoglobulina com exame laboratorial,
ao contrário da não mediada por IgE, que possui sintomatologia predominantemente
gastrointestinal (FERREIRA; SEIDMAN, 2007). A eliminação do possível patógeno
durante algum período é outro método utilizado para um possível diagnóstico de
alergia alimentar, esse método é utilizado com diversos patógenos de origem
alimentar e não somente com a proteína do leite de vaca. Podemos verificar também
que:
19

Os testes para anticorpos IgE específicos incluem testes percutâneos


(prick) e testes séricos. Eles são altamente sensíveis (> 90%), mas apenas
moderadamente específicos (50%), e são apropriados quando há grande
suspeita de um alimento em particular. (FERREIRA; SEIDMAN, 2007, p.3).

Alguns dados são cruciais ao diagnóstico e devem constar na anamnese detalhada


realizada pelo profissional médico, a saber: o inicio do aparecimento dos sintomas, o
tempo entre a ingestão e o aparecimento dos sintomas, se o alimento já teria sido
ingerido sem provocar os sintomas, a forma de preparo dos alimentos etc. Embora todos
esses parâmetros sejam necessários na anamnese, esta sozinha não é suficiente para
fechar o diagnóstico de APLV.
A melhora dos sintomas clínicos depois de um período de uma dieta de exclusão,
sendo este comumente de 1 a 30 dias e a reintrodução da proteína do leite de vaca com
posterior reaparecimento dos sintomas é muito utilizado na medicina para diagnóstico.
Cada condição clinica possui características especificas, portanto, é importante que após
o diagnóstico se estabeleçam estratégias e medidas de prevenção à exposição dos
pacientes com esses alimentos lácteos (FERREIRA, COUTINHO, COSTA, 2021). A
realização de exames como dosagem de IgE e teste Cutâneo de Leitura Imediata - TC)
é necessária apenas como apoio na avaliação de gravidade ou no diagnóstico diferencial
para confirmar a APLV do tipo não mediada por IgE, no entanto raramente é indicada.
Estes exames devem ser interpretados apenas por médico alergista.
Os exames endoscópicos e biópsia no trato gastrointestinal raramente são
necessários e devem ser indicados apenas por especialista, bem como os outros exames
laboratoriais ou radiológicos necessários para o diagnóstico diferencial (BRASIL, 2014).
Outro método diagnóstico bastante utilizado para detectar a APLV é o teste de
provocação oral, como SOLÉ et al, 2012, p.8 explica:
O teste de provocação oral (TPO) é o método mais confiável para
estabelecer ou excluir o diagnóstico de alergia alimentar ou para verificar a
aquisição de tolerância ao alimento. Durante o TPO o indivíduo deve ingerir
o alimento envolvido, em doses crescentes, sob observação médica, para
que se possa verificar a ocorrência ou não de reações adversas, documentar
a natureza dos sinais e sintomas observados e a quantidade de alimento
necessária para deflagrá-los.

Devido as diversas dificuldades próprias da AA, é difícil chegar a um diagnóstico


assertivo podendo, assim, impactar diretamente no tratamento e qualidade de vida do
paciente.
20

3. IMPLICAÇÕES DA APLV NO ESTADO NUTRICIONAL E O TRATAMENTO


NUTRICIONAL UTILIZADO

Tendo em vista todos os sintomas desencadeados pela APLV, há uma compreensão


por parte de inúmeros consensos e diretrizes que o estado nutricional de crianças com
AA é afetado de maneira que traz prejuízos ao crescimento saudável, provocado
principalmente por meio de déficits nutricionais. Por isso, é importante que por meio da
alimentação seja corrigido as possíveis carências nutricionais e que haja uma
manutenção ou recuperação do estado nutricional. A dieta de exclusão é a base para o
tratamento da APLV, portanto, há uma necessidade de exclusão de determinados
alimentos que são fontes de nutrientes importantes para o crescimento e
desenvolvimento saudável, sendo essa dieta de exclusão um dos principais
responsáveis pelos prejuízos nutricionais apresentados por crianças com essa alergia.
Entre os problemas nutricionais mais presentas nessas crianças estão: a deficiência
de cálcio e vitamina D, pois os alimentos fontes desses nutrientes são os principais
desencadeadores desta alergia e devem ser excluídos, inclusive, há uma indicação de
investigação desses parâmetros por meio de exames bioquímicos para detecção de uma
possível deficiência e a posterior intervenção nutricional. Além disso, também é comum
a inadequação do consumo de ferro e o déficit proteico e energético. Uma dieta sem as
devidas correções e substituições são as principais causas de prejuízos no crescimento
adequado na criança, isso requer atenção quanto ao atendimento das necessidades
nutricionais.
Em um estudo realizado por Lins et al, 2022, foi constatado que o comportamento
alimentar pode sofrer alterações pelo resto da vida de indivíduos que fazem exclusão de
determinados alimentos e grupos alimentares como é o caso de crianças com APLV,
além de proporcionar mudanças nas preferências alimentares. Outra consequência
comumente encontrada em crianças com APLV que fazem o tratamento com a exclusão
de alguns alimentos, é a deficiência de ferro, por isso é recomendado o
acompanhamento de parâmetros como Hemoglobina (Hg), volume corpuscular médio
(VCM), transferrina, ferritina e ferro sérico, a deficiência desse mineral provoca retardo
no crescimento, fraqueza, além de dificuldades no desenvolvimento cognitivo
(COZZOLINE, 2018). Além da investigação tanto na anamnese alimentar quanto nos
exames bioquímicos, da ingestão adequada de cálcio, necessário para a saúde e
formação óssea, além de contração muscular e regulação metabólica (COZZOLINE,
21

2018) provocada pela exclusão de alimentos lácteos e seus derivados, grupo que
compõe a principal fonte desse mineral.
Quanto a avaliação antropométrica, esta deve ser realizada com os parâmetros
preconizados pela organização mundial de saúde (OMS) para crianças de 0 a 5 anos,
sendo divididas entre os seguintes índices antropométricos: Peso para idade, P/I; peso
para estatura, P/E; IMC para idade, IMC/I e estatura para idade, E/I. Esses parâmetros
e suas classificações do estado nutricional estão presentes na orientação para coleta de
dados antropométricos do SISVAN, documento elaborado pelo ministério da saúde em
2011.

Figura 2- Classificação do estado nutricional de crianças menores de 5 anos para cada índice
antropométrico, segundo recomendações do SISVAN

Fonte: (Ministério da saúde, 2011).

Além do mais, é necessário dar a devida atenção ao aspecto psicossocial que envolve
não somente as crianças, mas também toda a família que está envolvida no tratamento,
pois todos os membros da família são afetados em sua rotina, como alterações no
padrão alimentar e etc (GOMES, 2017). É fundamental que a equipe multidisciplinar que
acompanha os portadores de APLV monitore e avalie as inadequações da dieta de
exclusão e se necessário suplementar nutrientes em caso de deficiência, para evitar
déficits que causam prejuízo no desenvolvimento e crescimento infantil (LINS et al,
2022).
22

Na medicina atual, há um movimento com pesquisas que visam a melhora na


qualidade de vida de pacientes com APLV. E nesse contesto o profissional nutricionista
tem um papel crucial no tratamento da alergia a proteína do leite de vaca, pois a
prescrição da dietoterapia é de competência exclusiva desse profissional. Segundo
YONAMINE et al, 2013, p.5:
Os familiares ressaltam a importância do aprendizado sobre como lidar
com a APLV, por exemplo, alimentos permitidos e proibidos, leitura de rótulos,
fornecimento de receitas pela nutricionista, e o planejamento das refeições.
Além disso, também destacaram a importância de adesão ao tratamento,
tanto por parte da criança, como do responsável.

É conhecido que o suporte oferecido por toda a família e a comunidade em que a criança
está inserida é fundamental no sucesso do tratamento. Devendo ser oferecido uma rede
de apoio para mães, o restante dos familiares e outros cuidadores (professores, vizinhos,
comunidade). É importante que os cuidadores sejam informados quanto à ocorrência da
APLV e a aquisição de tolerância ao leite e seus derivados, tendo ciência de que a
doença pode não persistir pelo resto da vida se for aplicado a correta intervenção e o
tratamento poderá ser por período limitado.
Ainda sobre o estudo de YONAMINE et al, 2013, p. 6 em relação a participação do
profissional nutricionista no tratamento da APLV:
Neste contexto, a atuação de nutricionista na equipe multiprofissional
que lida com pacientes com APLV é de fundamental importância pela
facilitação no entendimento de termos presentes nos rótulos, na pesquisa
constante de variações nos constituintes de produtos de uso rotineiro e na
atualização de listas de produtos que devem ser evitados, pela consulta junto
aos serviços de atendimento ao consumidor (SACs) de cada indústria
alimentícia. Sua função não se restringe apenas a fornecer receitas
alternativas, mas a instruir os pacientes e familiares de maneira a incutir em
suas rotinas todos os passos que se referem aos cuidados com a
alimentação.

A necessidade de exclusão dos alérgenos da casa para que esta se torne um


ambiente seguro e adequado faz com que os pais comecem a preparar todas as
refeições em casa. Com isso, a capacidade das famílias de fazer escolhas alimentares
é reduzida, como, por exemplo, a opção de realizar as refeições fora de casa não se faz
presente. Isso leva muitas famílias a experimentar um estilo de vida rigoroso e ter uma
sensação de isolamento devido às limitadas interações com outros núcleos sociais.
Também se faz necessário que todos os membros da família e da comunidade na qual
viva adquira conhecimentos relacionados ao tratamento e suas especificidades, sendo
que esta prática demanda esforço, tempo e dedicação (GOMES, 2017).
23

3.1 TRATAMENTO NUTRICIONAL NA APLV

A dieta de exclusão até o momento é a única alternativa dietética eficaz no tratamento


da APLV. Esse tipo de dieta consiste na exclusão temporária ou permanente do leite e
seus derivados da dieta da mãe, se a criança for amamentada, ou da dieta da criança,
se esta já tiver iniciado a introdução alimentar (ROWICKA, 2017). A amamentação deve
ser estimulada desde que a lactante consiga realizar uma dieta isenta de produtos
alergênicos, pois, a eliminação de leite de vaca e laticínios da dieta de uma criança
acarreta maior risco nutricional, visto que esses alimentos representam a principal fonte
de proteína, gordura, cálcio, fósforo e vitamina B12 para lactentes (VERDUCCI et al.,
2019). Uma dieta de eliminação experimental, com a eliminação estrita do alérgeno da
dieta da mãe por 2 a 3 semanas, deve resultar no desaparecimento imediato dos
sintomas na criança (DUPONT et al, 2011).
Portanto, a conduta adotada pelo profissional de saúde que acompanha a criança
deve ser incentivar a mãe a continuar com a amamentação. Entretanto, se mãe já não
conseguir mais manter a dieta com a exclusão de leite e seus derivados e não conseguir
manter a amamentação, por diversos motivos, é indicado a utilização de fórmula
nutricional especializada para substituir ou complementar a dieta do lactente
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). Caso a exclusão dos alimentos alergênicos resulte na
melhora dos sintomas, deve ser realizada sua reintrodução gradual ao longo do tempo.
Já no caso das reações mediadas por IgE, a reintrodução deve ocorrer sob supervisão
médica, inclusive sendo realizada em consultórios médicos que tenham estrutura para
possíveis reações graves.
Há no mercado disponível diversas fórmulas indicadas, sendo essas as mais bem
reconhecidas como eficazes para a APLV, a fórmula extensamente hidrolisada, a base
de aminoácidos livres ou a base de soja (ALVES; MENDES; JABORANDY, 2017).
Recentemente, a fórmula a base de proteína extensamente hidrolisada do arroz vem
sendo alvo de alguns estudos com resultados positivos.

3.1.1 Fórmulas extensamente hidrolisadas

Uma fórmula extensivamente hidrolisada (FEH) é o resultado de um processo de


fabricação complexo usando hidrólise enzimática extensiva e proteína do leite de
24

ultrafiltração (isto é, proteína de soro de leite ou caseína). Atualmente, essas fórmulas


são recomendadas como a fórmula de escolha para o tratamento de APLV na grande
maioria dos casos (VERDUCCI et al, 2019). Nessas fórmulas, as proteínas estão
hidrolisadas na forma de peptídeos, sendo melhor absorvido no intestino e sem gerar
reações pelo sistema imune. De acordo com BRASIL, 2014, p.6:
As fórmulas extensamente hidrolisadas são toleradas em 90% dos casos
de crianças menores de seis meses e em 95% das crianças acima de seis
meses. Assim, as FEH são indicadas como primeira opção para todas as
crianças até vinte e quatro meses com APLV não mediada por IgE.

As fórmulas extensamente hidrolisadas são adequadas do ponto de vista nutricional,


além de serem bem toleradas. Em seu estudo VERDUCCI et al, 2019 descreveram
como desvantagem desse tipo de fórmula o sabor amargo, o que pode acarretar em
rejeição por parte dos lactentes. Embora seja bem aceita na maioria dos casos, cerca
10% das crianças menores de seis meses e 5% das crianças acima de seis meses
não toleram FEH (BRASIL, 2014). Para esses casos há a indicação do uso de
fórmulas a base de aminoácidos (FAA) (BRASIL, 2014).

3.1.2 Fórmulas à base de aminoácidos

As fórmulas de aminoácidos livres (FAA) fornecem proteínas na forma de aminoácidos


livres e, portanto, são considerados as únicas fórmulas completamente não alergênicas.
Essas seriam fórmulas de primeira linha adequadas para todas as crianças com APLV,
mas geralmente são reservadas, devido ao seu custo mais alto e baixa palatabilidade.
(VERDUCCI et al, 2019). Destaca-se que as FAA devem ser a primeira escolha nos
casos em que a criança se encontra com sintomas graves, independentemente da idade,
assim que houver estabilização clínica, deve ser realizada a transição para FEH
(BRASIL,2014). Segundo documento do MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017, p.11:
Assim que houver estabilização clínica deve ser realizada a transição
para FEH ou, conforme o tipo clínico. Caso os sintomas persistam após
aproximadamente 15 dias de uso de FAA, o diagnóstico de APLV deve ser
desconsiderado, o uso de FAA deve ser interrompido e a criança deve ser
encaminhada ao gastroenterologista.
25

4. TRATAMENTOS ALTERNATIVOS

Entre as alternativas para as fórmulas nutricionais a base de proteínas advindas do


leite de vaca, temos atualmente a utilização de grãos que são reconhecidos
cientificamente como seguros, sendo esses à base de soja e do arroz, podendo ser
utilizada como fonte alternativa para crianças que não toleram as proteínas do leite de
vaca. Até o presente momento, não há fórmulas a base de outros grãos como aveia,
amêndoas ou coco que sejam nutricionalmente apropriadas e com recomendações
cientificas para serem suplementadas na infância (TZIFI; GRAMMENIATES;
PAPADOPOULOS, 2014).

4. 1 FÓRMULA Á BASE DE SOJA

Por se tratar de uma proteína vegetal, a soja tem um valor biológico menor se
comparado com a proteína do leite de vaca. A proteína de soja contém quantidades
menores de aminoácidos como lisina, metionina e prolina (TZIFI; GRAMMENIATES;
PAPADOPOULOS, 2014). De acordo com VERDUCCI et al, 2019, p.9 “As fórmulas
atuais de soja são complementadas com quantidades de aminoácidos como metionina,
taurina e carnitina. Não são deficientes em ferro, zinco, cálcio, fósforo”. Fórmulas a base
de soja são bem toleradas por quem possui APLV e podem ser uma alternativa a
fórmulas extensamente hidrolisadas e de aminoácidos. Crianças com APLV também
podem apresentar reação alérgica a proteína da soja.
Em crianças com alergia ao leite de soja, não mediado por IgE,
manifestações clínicas são mais frequentes do que as reações mediadas por
IgE. A frequência de reações adversas à soja tem sido estimada em <1% em
crianças alimentadas com fórmula láctea de soja, considerando que a
ocorrência de alergia ao leite de vaca foi encontrada em 3,4% na população
pediátrica geral. (TZIFI; GRAMMENIATES; PAPADOPOULOS, 2014, p.39).

As fórmulas infantis à base de soja não são indicadas para crianças menores de 6
meses, pois estas possuem altos níveis de fitoestrógenos, que agem como estrógenos
endógenos, que podem interferir no sistema reprodutivo, e também contém altos
níveis de fitatos, que interferem no metabolismo de alguns nutrientes, sendo
prejudiciais. (DUPONT, et al, 2011). “O outro problema a ser considerado é o uso de
soja transgênica nas fórmulas. O Departamento de Agricultura dos EUA registra que
até 93% das lavouras de soja são transgênicas” (VERDUCCI, et al, 2019, p.9).
26

Contudo, ainda persistindo os sintomas, há a necessidade de se avaliar a substituição


da fórmula a base de soja. Não sendo, portanto, a primeira escolha de fórmula para
crianças com APLV.

4. 2 FÓRMULAS A BASE DE PROTEÍNA HIDROLIZADA DO ARROZ.

O arroz é considerado um dos cereais mais produzidos e é a uma das mais


importantes fontes de proteína em muitas partes do mundo. O arroz é um dos
alimentos menos alergênicos existentes, possuindo reação em menos de 1% das
crianças em todo mundo. Não contém lactose e nem fitoestrógenos. Por esta razão,
fórmulas hipoalergênicas foram desenvolvidas contendo proteínas de arroz
hidrolisadas (VERDUCCI et al, 2019).
Os grãos de arroz contêm baixas quantidades de alguns aminoácidos como lisina,
treonina e triptofano. Entretanto, as fórmulas extensamente hidrolisadas fabricadas
atualmente pela indústria são acrescidas desses três aminoácidos, e é inclusiva,
próxima em termos de quantidades de aminoácidos às necessidades dos bebês
(DUPONT et al, 2020). Comparado a outras alternativas, o arroz é considerado o de
menor teor proteico e há uma preocupação em um possível déficit nos parâmetros de
crescimento em crianças que utilizam essa fórmula. “os últimos achados criaram uma
ambiguidade sobre a segurança e uso em intercorrências das fórmulas de arroz em
crianças com APLV” (TZIFI; GRAMMENIATES; PAPADOPOULOS, 2014).
A uma outra preocupação é quanto o teor de arsênio e outros metais pesados
presentes no arroz adquiridos durante o processo e a produção desse grão. Quanto a
isso, a indústria regula o teor do arsênio e de outros metais pesados durante o
processamento do arroz que é utilizado na fabricação da fórmula (DUPONT et al,
2020).
Com base nas evidências atuais, as fórmulas parecem apropriados para
restaurar um crescimento normal e podem ser usados como primeira escolha
durante a APLV. Faltam evidências sobre seu uso a longo prazo em lactentes
e crianças, especialmente para mineralização óssea, sobre seu papel na
aquisição de tolerância em crianças alérgicas e sobre seu lugar exato em
condições complexas associadas à APLV, como alergia a hidrolisados e
múltiplas alergias alimentares (DUPONT et al, 2020, p.15).

Com isso, infere-se que a fórmula com proteína extensamente hidrolisada do arroz
pode ser utilizada em crianças com APLV durante o tratamento e deve ser monitorado
27

o estado nutricional para acompanhar possíveis déficits durante a utilização da


fórmula.

4.3 USO DE BEBIDAS A BASE DE PRODUTOS VEGETAIS

Comumente denominadas como “leite”, as bêbedas a base de vegetais estão cada


vez mais presentes no mercado de alimentos. O termo leite é utilizado erroneamente,
pois somente pode receber essa denominação, o produto emitido por meio de ordenha
de mamíferos de todas as espécies. As bebidas são produtos da extração de líquidos
presentes em oleaginosas e cereais.
Ainda não está claro se seu consumo pode estar associado a qualquer
efeito benéfico para a saúde, mas é sabido que uma substituição inadequada
de fórmulas (após o primeiro ano de vida) com bebidas vegetais pode estar
relacionado a grandes déficits nutricionais e Kwashiorkor em crianças mais
novas, especialmente se a bebida à base de plantas for a única ou
predominante dieta infantil. (VERDUCCI, el al, 2019, p.11).

As bebidas vegetais mais encontradas no mercado atualmente são: bebidas de soja,


de arroz, amêndoas e aveia. “Essas bebidas podem levar a um déficit nutricional grave
em bebês. De fato, entre 2008 e 2011, houve nove casos de carência nutricional
causada pelo consumo de bebida vegetal (idade entre 4 e 14 meses de idade”
(VERDUCCI, et al, 2019, p.13).
Embora essas bebidas contenham nutrientes em seus ingredientes esses não são
suficientes para cobrir os requerimentos nutricionais nessa fase da vida. Além do mais
esses nutrientes adicionados podem e os presente nessas espécies vegetais
utilizadas são de menor digestibilidade e biodisponibilidade no corpo humano, por
esse motivo há uma preocupação quanto ao uso dessas bebidas em crianças
menores de dois, independente de possuírem ou não APLV. (VERDUCCI, et al, 2019).
“Todas as bebidas à base de vegetais não devem ser usadas como substituto do leite
de vaca em crianças <24 meses. Além disso, algumas dessas bebidas contêm
açúcares e adoçantes adicionados” (VERDUCCI, et al, 2019, p. 14).

4.4 LEITE DE OUTRAS ESPÉCIES DE MAMÍFEROS

O leite de outros mamíferos como búfalo, cabra, ovelha, entre outros não deve ser
utilizado na nutrição de crianças, independente de possuírem ou não APLV, pois
28

possui quantidades de nutrientes inadequadas as necessidades das crianças nessa


faixa etária. Portanto, não devem ser utilizados como substituto do leite de vaca pela
semelhança quanto à estrutura proteica e chance de reatividade cruzada (FILHO, C.
T. L., 2021).

4.5 SUPLEMENTAÇÃO DE CÁLCIO E VITAMINA D

Por serem os dois dos micronutrientes mais afetados, o cálcio e vitamina D precisam
de atenção quanto ao seu déficit, pois esses nutrientes são muitos importantes no
crescimento infantil e adequado estado nutricional As fontes principais de cálcio na
dieta humana advêm do leite e seus derivados, por isso há a presença de deficiência
desse mineral em quem precisa excluir esses alimentos da alimentação como é o caso
de crianças com APLV que já fizeram a introdução alimentar ou de mães que
amamentam seus filhos e precisam excluir da dieta para evitar reações nos lactentes.
Por conta da exclusão de diversos alimentos com potencial alergênicos, outro
micronutrientes que apresenta deficiência é a vitamina D, mineral essencial na
absorção intestinal do cálcio, impactando ainda mais no metabolismo corporal
(COZZOLINE, 2018).
“A ingestão dietética recomendada (IDR) para cálcio e vitamina D são 200 mg e 400
unidades internacionais (UI) (10 g) por dia, respectivamente, nos primeiros seis meses
da vida; 260mg e 400 UI em lactentes entre seis e 12 meses” (VERDUCCI, et al, 2019,
p. 10). A maioria das fórmulas especificas para APLV possuem suplementação desses
micronutrientes.
É necessário avaliar de tempos em tempos cálcio e vitamina D conteúdo
na quantidade de leite dado e na dieta do lactente restante. Caso o consumo
da fórmula especial é inferior a 500 mL/dia é necessária suplementação com
500 mg/dia de cálcio 400 UI de vitamina D devem ser administrados desde o
nascimento até o primeiro ano de vida. Depois, é apropriado continuar a
suplementação com 600 UI/dia. (VERDUCCI, el al, 2019, p.10).

Se for necessário, deve ser avaliado as concentrações séricas para fazer as devidas
correções na dieta da criança. A dieta da mãe que amamenta também deve ser
acompanhada e avaliada com vista a evitar possível deficiência, e se necessário,
suplementada com as recomendações das IDR’s para garantir um aporte adequado
desses dois micronutrientes tanto para a mãe quanto para a criança através do leite
materno.
29

No tocante a introdução alimentar em crianças com APLV, esta deve ser feita a partir
dos seis meses como recomenda a OMS para todas as crianças, desde que seja
observado os sinais adequados que indicam que a criança já esteja pronta para
receber a introdução alimentar.
Não há restrição à introdução de alimentos contendo proteínas
potencialmente alergênicas (ovo, peixe, castanhas, amendoim) a partir do
sexto mês, estejam os lactentes em aleitamento materno ou em uso de
fórmula infantil. O atraso na introdução de alguns alimentos alergênicos pode
inclusive prejudicar o desenvolvimento de tolerância oral. Deve-se evitar
apenas a introdução simultânea de dois ou mais alimentos fontes de proteína.
(FILHO, C.T.L, 2021, p. 15).

A introdução de proteínas com potencial alergênico deve ser feita de forma gradual e
exclusiva como referido anteriormente para caso ocorra uma possível reação, seja
possível identificar qual tenha sido o alimento desencadeador da reação. Em relação
a remissão da APLV, ocorre comumente nos primeiros 2 e 3 anos de vida da criança.
E essa recuperação varia de indivíduo para indivíduo e depende do tipo de reação
que a criança apresente (DUPONT et al, 2011)
A recuperação espontânea da APLV nem sempre é uma recuperação
completa, e a dose diária de leite/produtos lácteos tolerados pela criança
podem ser limitados. A atual opção terapêutica é projetada para acelerar a
aquisição situação de tolerância dos mesmos, o que parece ser facilitado pela
exposição repetida ao leite de vaca. (DUPONT et al, 2011, p. 335).

Figura 3 - Fluxograma do tratamento dietético de APLV em crianças utilizado pelo comitê de


nutrição da sociedade francesa de pediatria.

Fonte: (DUPONT et al, 2011)


30

O tratamento de APLV envolve vários aspectos que devem ser considerados na


hora de escolher a terapia nutricional mais eficaz, que envolvem desde a dificuldade
em se realizar o diagnóstico a dificuldade de adesão ao tratamento. Além dessas
dificuldades, o profissional que acompanha esse paciente deve estar atendo aos
possíveis agravos nutricionais que essa alergia pode trazer. A melhor forma de
tratamento é a dieta de exclusão, e pode ou não ser acrescentado fórmulas
especificas para essa alergia. Portanto, todos esses aspectos devem ser
considerados na hora de escolher o tratamento adequado, pois cada paciente possui
sua própria individualidade biológica dentro de diferentes contextos socioculturais.
31

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o crescente número de casos de alergias alimentares em todo o mundo, em


especial a alergia a proteína do leite de vaca, ocorrendo principalmente em crianças
menores de dois anos fez-se necessário que este tema seja alvo de pesquisas
incessantes por parte de especialistas e estudiosos da área afim de garantir o
desenvolvimento de terapêuticas adequadas e que impactem positivamente a
qualidade de vida.
Por meio da pesquisa realizada para a produção deste trabalho foi possível
identificar o papel fundamental da nutrição no tratamento da alergia a proteína do
leite de vaca. Também foi possível concluir que as alergias alimentares provocam
déficits nutricionais e consequentemente atrapalha o crescimento saudável na
criança menor de dois anos. Além do mais, foi possível perceber que o diagnóstico
é de difícil conclusão, por falta de um método completamente eficaz. Atualmente,
esse diagnóstico é feito por meio principalmente da história clínica, o que pode ser
confundido com outras alergias alimentares.
As principais obras literárias e os consensos nacionais e internacionais trazem que
a forma mais eficaz no tratamento é dieta de exclusão, sendo esta a principal
terapêutica a ser realizada logo após o correto diagnóstico. Porém por ser de difícil
execução, outras formas foram desenvolvidas, como a utilização de fórmulas
nutricionais desenvolvidas pela indústria de alimentos para suprir o leite materno ou
complementar a introdução alimentar.
Portanto, com o estudo em questão, podemos perceber que ainda faltam estudos
técnicos na área e o desenvolvimento de um método diagnóstico mais assertivo.
Além disso, os estudos necessitam oferecer subsídios para os profissionais de saúde
para tomada de decisões em relação ao tratamento para que este seja mais assertivo
e que ajude a promover saúde e crescimento saudável a menores de dois anos, além
de recuperar ou manter um estado nutricional adequado nessa faixa etária.
32

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