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APRESENTO-ME - Ursula K Le Guin
APRESENTO-ME - Ursula K Le Guin
APRESENTO-ME - Ursula K Le Guin
Le GUIN
Mas, à parte tudo isso, aqui estou eu, velho, quando escrevi isto tinha
sessenta anos, “um homem público sorridente de sessenta anos”, como disse
Yeats, mas, no caso, ele era um homem. E agora tenho mais de setenta. E é
tudo culpa minha. Nasço antes de inventarem as mulheres e vivo todas essas
décadas a tentar tão arduamente ser um bom homem que esqueço tudo
sobre ficar jovem, e então não fico. E as minhas conjugações temporais
misturam-se todas. Eu sou apenas um jovem e de repente tinha sessenta e
talvez oitenta, e a seguir?
Nada de especial.
Fico a pensar que devia haver alguma coisa que um homem de verdade
poderia ter feito sobre isto. Algo menos do que armas, mas mais eficaz do que
creme de rosto. Mas eu falhei. Não fiz nada. Falhei completamente em
continuar jovem. E então olho para trás para todos os extenuantes esforços
que fiz, porque eu tentei mesmo, tentei muito ser um homem, ser um bom
homem, e vejo como falhei nisso. Na melhor das hipóteses, sou um homem
mau. Um ele de imitação de segunda com uma barba de dez pelos e pontos e
vírgulas. E pergunto-me para quê. Às vezes penso que também poderia
desistir desta coisa toda. Às vezes acho que poderia muito bem exercer a
minha opção, estacar mesmo em frente ao obstáculo de cinco barras e deixar
o nazi espetar-se de cabeça. Se não valho nada a fingir ser homem e não sou
bom a ser jovem, poderia também começar a fingir que sou uma mulher
velha. Não tenho a certeza se alguém já inventou as mulheres velhas; mas
talvez valesse a pena tentar.