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SOCIOLOGIA
DBROANSIELGERIROO
Direção
Benjamin Abdeia Junior À
Samira Youssef Campedelli
Proparação do texto
Ivany Picasso Batista

Coordenação do cormponisão
Neida Hiromi Toyota
Sumário
Capa
Jayme Ledo

Introdução 7
1º Parte
Teorias à procura de uma prática
I. Os estudos sobre o negro como reflexo da estru-
tura da sociedade brasileira .. o N
4 |, Pensamento socjal subordinado ema
[ 2. O racismo e à ideologia do sutoritarismo
3, Repete-se pa literatura à imagem estereotipada do pensamemo
SOÇÃA! mmcm eme te did 25
4 4. O dilema e às alternativas e oe e E E
Notas e referências bibliográficas e e o IR
Sincretismo, assimilação, acomodação, acultu-
ração e luta de classes... 34
1. Antropologia e neoçolonialismo..
2. Do “primitivismo fetichista” à “pureza” do cristianismo —
3. Assamilação para acabar com a cultura colonizada
f 4. Aculturação substitui a luta de classes em 44
À 8. Da rebeldia do negro “bárbaro” à * “democracia racial”, ... 82
| Notas € referências bibhográficas ... om 57
Ih. Miscigenação e democracia racial: mito e reali-
dade PRE
- Negação da identidade énica. me 1


Exnologização da história e escamoseação da realidade social .. 64
+—

W
em
Estratégia do imobilismo soca!
E OQ Brasil teria de ser branco e capitalista e ————= T9
ISBN 85 08 02933 7 ! . Entrega de mercadoria que não podia ser devolvida... B6
a

Das Ordenações do Reino à atualidade: o negro discriminado 95


Notas e referências bibliográficas a IO
Euro
Todos os direltos reservados uma sociedade de capitalismo dependente 109
Editora Ática S.A, — Rua Barão de Iguape, 110 f
Tol: (PABX) 2788322 — Caixa Postal 8856 1. O negro como cobaia sociológica es MO9
End. Telegráfico "Bomiivro” — São Paulo 2. Grupos específicos é diferenciados 2 116
3. Grupos especificos versus socedade global q
d. Um símbolo libertário: Exu o NR
S. Fatores de resistência e 137
6. Um exemplo de degradação 142
Notas e referências bibliográficas e 146
2º Parte
A dinâmica negra e o racismo branco
|. Sociologia da República de Palmares . cm 159
L. Preferiram “a liberdade entre as feras que a sujcição entre às |
homens" - 159
« Uma economia de abundância e e a N6Z
ciernsr so

- Como os palmarinos se comunicavam? .. Wm%6


« Evolução da economia palmarina E e VGA
« Organização familiar: poligamia e poliandria mim A 79
Relígido sem casta sacerdotal 177 -
- Adminisivação e estratificação ne República qo 1979
. Palmares: uma nação em formação? em 181
Notas é referências bibliográficas -. 84
HI. O negro visto contra o espelho de dois analistas 187 O negro construiu um pais para outros:
1, Um fluxo permanente de estudos sobre o negro o 187 o negro construiu um país para os branços,
2, Quando o detalhe quer superar O conjunto 19% Joaquim Naguco
3, Da visão spaixonada à rigidez cientificista o 195
Notas e referências bibliográficas ... iii AU
HI. A imprensa negra em São Paulo... 2
1. Razões da existência de uma imprensa negra o UW4
2, Uma trajetória de heroísmo 206
3, Do negro bem-comportado à descoberta da “'raça” — 2
4. Do isolamento étnico à participação política E Sa
Notas e referências bibliográficas mm AN
IV. Da insurgência negra ao escravismo tardio . 218
|. Modernização sem mudança es VIB
2, Rasgos fundamentais do cscravismo brasileiro pleno (1350/1850) 220
3, Significado social da insurgência negro-escrava 22
d, Prosperidade, escravidão e rebeldia ei DO
$. O desgaste econômico — 227
6. O desgaste político 2H
7. A sindrome do medo 231
8, Rasgos fundamentais do escravismo tardio (1851/1888). 236
9. Encontro do escravismo tardio com o capstal monopolista... 239
10, Operários e escravos em lutas paralelas 245
Notas € referências bibliográficas o 248
Este livro é a síntese de mais de vinte anos de pesquisas, cursos,
palestras, congressos, simpósios, observação e análise da situação €
perspectivas do problems do negro no Brasil, os seus diversos níveis,
as posições dos grupos ou segmentos que compõem a comunidade
negra, à ideologia branca das classes dominantes « de muitas cama-
das da nossa sociedade. Faz parte, também, do nosso contato e par-
ticipação permanente na solução do problema racial é social brasileiro.
Procura dar resposta a essa problemática em dois níveis. O primeiro
é o teórico.
Nele apresentamos diversas propostas de crítica epistemológica
à maioria dos trabalhos de cientistas sociais tradicionais sobre a si-
tuação do negro em nossa sociedade. Procuramos reanalisar algumas
formulações conceituais já muito difundidas na área acadêmica, sem-
pre, ou quase sempre, repetidoras de correntes teóricas que nos vêm
de fora c quase nunca correspondem âquilo que seria uma ciência ca-
paz de enfrentar — como ferramenta da prática social — esses pro-
blemas sempre escamoteados no seu nível de competição e conflito
social e racial.
O segundo nivel de abordagem procura, através do método
histórico-dialético, analisar alguns aspectos específicos do problema
abordado, objetivando dar uma visão diacônica e dinâmica do mes-
E INTRODUÇÃO ” INTRODUÇÃO q

mo até o cruzamento éas lutas dos escravos com as da classe operária segundo expressão de um sindicalista negro durante o ] Encontro Es-
naquela fase que chamamos de escravismo tardio. tadual de Sindicalistas Negros, realizado em São Paulo, em 1986, “é
Tomando como ponto de partida a República de Palmares c fa- o último a ser admitido e o primeiro a ser demitido”, Este quadro
zendo a análise de trabalho sobre a escravidão, abordamos, também, discriminatório, cujos detalhes serão apresentados no presente livro,
a imprensa negra de São Paulo, após a Abolição e chegamos, con- restringe basicamente o comportamento do negro urbano, quando ele
forme já dissemos, so conceito de escravismo tardio no último capt- não ocupa o espaço universitário ou pequenos espaços burocráticos.
tulo que tráz subsídios para sé entender não apenas o periodo do A grande massa negra que atualmente ocupa as favelas, invasões, cor-
trabalho escravo, mas, também, como O negro sé organizou poste- tiços, calçadas à noite, áreas de mendicância, pardieiros, prédios aban-
riormente, inclusive nos seus grupos específicos, Abre perspectivas, donados, albergues, aproveitadores de restos de comida, « por exten-
também, para que se possa entender alguns traumatismos da atual são os marginais, delingúentes, ladrões contra o patrimônio, baixas
sociedade brasileira. prostitutas, lumpens, desempregados, horistas de empresas multina-
O negro urbano brasileiro, especialmente do Sudeste e Sul do cionais, catadores de lixo, lixeiros, domésticas, faxineiras, margari-
Brasil, tem uma trajetória que bem demonstra os mecanismos de bar- das, desempregadas, alcoólatras, assaltantes, portadores das neuroses
ragem étnica que foram estabelecidos historicamente contra ele na so- das grandes cidades, malandros e desinteressados no trabalho,
ciedade branca. Nele estão reproduzidas as estratégias de seleção encontra-se em estado de semi-anomia.
estabelecidas para opor-se a que ele tivesse acesso a patamares privi- Essa grande massa negra — repetimos —., sistematicamente bar-
Iegiados ou compensadores socialmente, para que as camadas bran- rada socialmente, através de inúmeros mecanismos c subterfúgios €s-
cas (étnica e/ou socialmente brancas) mantivessem no passado € tratégicos, colocada como o rescaldo de uma sociedade que já tem
mantenham no presente o direito de ocupá-los. Bloqueios estratégi- grandes franjas marginalizadas em consequência da sua estrutura de
cos que começam no próprio grupo família, passam pela educação capitalismo dependente, é rejeitada e estigmatizada, inclusive por al-
primária, a escola de grau médio até a universidade; passam pela res- guns grupos da classe média negra que não entram em contato com
trição no mercado de trabalho, na seleção de empregos, no nível de ela, não lhe transmitem identidade e consciência étnicas, finalmente
salários em cada profissão, na discriminação velada (ou manifesta) não a aceitam como o centro nevrálgico do dilema racial no Brasil
em certos espaços profissionais; passam também nos contatos entre e, com isto, reproduzem uma ideologia que justifica vê-la como peri-
sexos opostos, nas barreiras aos casamentos interétnicos e também férica, como o negativo do próprio problema do negro.
pelas restrições múltiplas durante todos os dias, meses e anos que re- A sociologia do negro é, por estas razões, mesmo quando escri-
presentam a vida de um negro. ta por alguns autores negros, uma sociologia branca. E quando es-
É, como dissemos, uma trajetória significativa neste sentido por- crevemos branca não queremos dizer que o autor é negro, branco,
que reproduz de forma dinâmica e transparente Os diversos níveis de mulato, mas queremos expressar que há subjacente um conjunto con-
preconceito sem mediações ideológicas pré-montadas como a da de- ceitual branco que é aplicado sobre a realidade do negro brasileiro,
mocracia racial; demonstra, por outro lado, como a comunidade ne- como se cle fosso apenas objeto de estudo q não sujeito dinâmico dç
gra e não-branca de um modo geral tem dificuldades em afirmar-se um problema dos mais importantes para o reajustamento estrutural
no seu cotidiano como sendo composta de cidadãos e não como é apre- da sociedade brasileira. Como podemos ver, o pensamento social! bra-
sentada através de estereótipos: como segmentos atípicos, exóticos, slleiro, a nossa literatura, finalmente o nosso ethos cultural em quase
filhos de uma raça inferior, atavicamente criminosos, preguiçosos, todos os seus niveis, está impregnado dessa visão alienada, muitas
ociosos « trapaceiros. vezes paternalista, outras vezes pretensamente imparcial, O próprio
Em São Paulo, com a dinâmica de uma sociedade que desen- negro da classe média Introjetou esses valores de tal forma que, em
volveu até as últimas consequências os padrões c normas do capita- um simpósio sobre o problema racial, ouvimos de um sociólogo ne-
lismo dependente, tendo à competição selvagem como centro de sua gro a afirmação de que cles deviam preparar-se para dirigirem as mul-
dinâmica, podemos ver como, no mercado de trabalho, ele sempre, tinacionais que operam no Brasil. “Por que não?'*, dizia ele, sem
o INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO 11

saber, ou possivelmente sabendo, que a General Motors só contrata que os seus conceitos tcoricamente corretos (dentro da estrutura con-
trabalhadores negroscomo horistas, sem nenhuma garantia, sem pos- ceitual da sociologia acadêmica) coloca-os ““de fora” do problema,
sibilidades de fazer carreira, isto é, são escolhidos para desempe- não penetram na sua essência, são anódinos, inúteis, desnecessários
nharem aqueles trabilhos sempre considerados sujos, indignos e hu- à solução do problema social e racial do negro e por isto mesmo são
milhantes. frutos de uma ciência sem práxis «e que se esgota na ressonância que
Esta falta de perspectiva que impede ver-se a ponte entrç o pro- o autor desses trabalhos obtém no circuito acadêmico do qual faz
blema do negro e os estruturais da sociedade brasileira, isto é, supor- parte.
se que o negro, através da cultura, poderá dirigir uma multinacional, No Brasil a maioria dos estudiosos do problema do negro ou
bem demonstra o nível de alienação sociológica no raciocinio de quem caem para o etnográfico, folclórico, ou escrevem como se estivessem
expôs o problema desta forma. O problema do negro tem especifici- falando de um cadáver. Na primeira posição, conforme veremos no
dades, particularidades c um nível de problemática muito mais pro- decorrer deste livro, o ctnôgráfico, o contato entre culturas, O cho-
fundo do que o do trabalhador branco. Mas, por outro lado, está que entre as mesmas, as reminiscências religiosas, de cozinha, lingiés-
a ele ligado porque não se poderá resolver o problema do negro, a ticas e outras ocupam o centro do universo desses cientistas. Na
sua discriminação, o preconceito contra ele, finalmente o racismo bra- segunda, vemos o indiferentismo pola situação social do negro,
sileiro, sem atentarmos que esse racismo não é epifenomênico, mas destacando-se, pelo contrário, a imparcialidade científica do pesqui-
tem causas econômicas, sociais, históricas « ideológicas que alimen- sador em face dos problemas raciais e sociais da comunidade negra.
tam o seu dinamismo atual. Um negro diretor de uma multinacional O absenteismo científico transforma-se em indiferença peios valores
é sociologicamente um branco. Terá de conservar a discriminação con- humanos em conflito. E com isto o negro é transformado em simples
tra o negro na divisão de trabalho interno da empresa, terá de execu- objeto de laboratório.
tar suas normas racistas, e, com isto, deixar de pensar como negro E verdade que há, também, cientistas sociais que seguem uma
explorado e discriminado € reproduzir no seu comportamento empre- perspectiva científica diferente. Não vêem o negro como simples ob-
sarial aquilo que um executivo branco também faria, jeto de estudo ou de um futuro diretor de multinacional. Colocam-
A articulação do problema étnico com o social e político é que no como membro de uma etnia explorada, discriminada e desclassifi-
alguns grupos negros não estão entendendo, ou procuram não enten- cada pelos segmentos dominantes c a partir dessa posição inicial pas:
der para se beneficiarem de cargos burocráticos e espaços abertos pa- sam a estudálo e compreendê-lo, Incontestavelmente foi Roge
ra os membros qualificados de uma ínfima classe média branqueada. Bastide, apesar dos seus erros, quem iniciou esta posição renovador:
Guerreiro Ramos teve oportunidade de enfatizar o perigo de se criar no Brasil. Artur Ramos que poderia ter sido o grande precursor nesti
uma “sociologia eniatada””, E tememos que alguns elementos negros sentido, embora sem querermos diminuir a sua notável c até hoje res
ao concluírem a universidade, ao invés de se transformarem em ideó- peitável contribuição ao estudo do problema, deixou-se influencia
logos das mudanças sociais que irão solucionar o problema racial no pela psicanálise e, depois, pelo método histórico-cultural que ele acha-
Brasil, assimilem os valores ideológicos dessa sociologia enlatada, O va ser O instrumental teórico e metodológico capaz de explicar e re-
que levará o negro a continuar sendo cobaia sociológica daqueles que por em bases científicas o problema. Bastide teve a sorte de criar uma
dominam as ciências sociais tradicionais: brancos ou negros. «erdadeira escola que iniciou a reanálise do problema do negro, ini-
Como sé pode ver, não quero que exista uma sociologia negra cialmente em São Paulo, depois em outras áreas do Brasil. Entre os
no Brasil, mas que Os cientistas soçiais tenham uma visão que enfo- seus continuadores temos Florestan Fernandes que conseguiu repor
que os problemas étnicos do Brasil a partir do negro, porque, até ago- o problema em bases sociologicamente polêmicas e renovadoras. A
ta, com poucas exceções, O que se vê é uma ciência social que procura ele, em São Paulo, deram continuação a esses estudos Octávio lanni,
abordar o problema através de uma pscudo-imparcialidade científica Oracy Nogueira, Teófilo de Queiroz Júnior, João Batista Borges Pe-
que significa, apenas, um desprezo olímpico pelos valores humanos reisa, Fernando Henrique Cardoso e, na Bahia, além da obra clássi-
que estão imbricados na problemática que estudam, Não observam ca de Édison Carneiro que se filisva mais ao pensamento de Artur
0 INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO 13

Ramos, embora dele divergindo teórica e metodologiçamente, os tra- morar), mas como um material de reflexão para todos aqueles que
balhos de Thales de Azevedo, Maria Brandão, Luiz Most, Yeda Pes- não se aperceberam da importância do assunto, e, ao reconhecê-la,
soa de Castro, Kátia Matozo, Vivaldo da Costa Lima, Jeferson Afonso possam fazer uma análise crítica sobre o comportamento alienado de
Bacelar, Pierre Verger, Juana Elbein dos Santos e muitos outros, uma grande parte da nossa nação que os negros criaram com o seu
No Rio de Jairo podemos citar os nomes de Lana Lage da trabalho durante quase quatrocentos anos como escravos, €, depois,
Gama Lima, L. A. Costa Pinto, Caros Hasenbalg, Lélia Gonzales, com cem anos de trabalho livre.
Joel Rufino dos Sanios, sem que a citação destes nomes signifique Esse guero invisível que faz do negro brasileiro ser apenas ele-
exclusão de outros por razões de julgamento do valor do trabalho dos mento consentido pela população branca e rica, autoritária e domi-
demais, nante, é que deverá ser rompido se o Brasil não quiser continuar sendo
Mas O que está caracterizando o enfoque do problema do negro uma nação inconclusa, como é até hoje, isto porque teima em rejei-
no Brasil é uma importante literatura sobre o assunto que surge c se tar, como parte do seu ser social, a parcela mais importante para &
desenvolve fora das universidades. Neste particular, entre outros, os sua construção,
nomes de Ariosvaldo Figueiredo, Martiniano J. da Silva, Jacob Go- Sabemos que não serão apenas estudos, livros c pesquisas sem
render, Nunes Pereira, Abguar Bastos, Décio Freitas, Luiz Luna, José uma práxis politica que irão produzir essa modificação desalienado-
Alípio Goulart mostram como a preocupação com o problema do me- ra no pensamento do brasileiro preconceituoso e racista, Mas, de qual-
gro transcendeu o circuito acadêmico e transformou-se em uma preo- quer forma, esses trabalhos ajudarão a que se forme uma prática social
cupação permanente de camadas significativas da intelectualidade capaz de romper a segregação invisível mas operante em que vive a
brasileira. população negra no Brasil.
Isto é prometedor porque demonstra como aquilo que era uma
sociologia sobre o negro brasileiro está se estruturando como uma
sociologia do « para o negro no Brasil.
Além dessa produção de cientistas sociais não-acadêmicos, des-
ligados das universidades, há, também, o trabalho relevante de pes-
quisas realizadas pelas entidades negras sobre diversos assuntos ligados
aos próblemas raciais no Brasil. Inúmeros grupos ou instituições or-
ganizadas pelos negros estão redimensionando esses estudos a partir
de uma posição dinâmica, operacional e engajada. Isto está assus-
tando, inclusive, alguns acadêmicos que só admitem a discussão de
qualquer problema dentro dos muros sacralizados das universidades.
E toda uma constelação de cientistas sociais que desponta & partir des-
sas organizações no sentido de reformular os objetivos dos estudos
sobre O negro,
Este livro surge, pois, no momento em que o problema do ne-
gro está sendo nacionalmente reposicionado e questionado em façe
da necessidade de uma avaliação do que foram Os cem anos de traba-
lho livre para ele, Daí à nossa preocupação em levantar algumas ques-
tões que poderão dar explicação à sua situação de marginalização,
pobreza, discriminação e rejeição social por parte de grandes segmen-
tos da população brasileira. Não o escrevemos, pois, por uma ques-
tão de moda comemorativa (mesmo porque não há nada a come-
1º Parte

Teorias à procura
de uma prática
A controvársia sobre a realidade ou
não realidade do pensamento — is0-
lado da práxis — é uma questão pu
ramente escolástica,
Kari Marx
I
Os estudos sobre o negro como
reflexo da estrutura da
sociedade brasileira

1, Pensamento Os estudos sobre o negro brasileiro, nos


social subordinado scus diversos aspectos, têm sido media-
dos por preconceitos acadêmicos, de um
lado, comprometidos com uma pretensa imparcialidade científica, €,
de outro, por uma ideologia racista racionalizada, que representa os
residuos da superestrutura escravista, €, “o mesmo tempo, sua conti-
nuação, na dinâmica ideológica da sociedade competitiva que a suce-
deu, Queremos dizer, com Isto, que houve uma reformulação dos
mitos raciais reflexos do escravismo, no contexto da sociedade de ca-
pitalismo dependente que a sucedeu, reformulação que alimentou as
classes dominantes do combustível ideológico capaz de justificar o
peneiramento econômico-social, racial e cultural à que ele está sub-
metido atualmente no Brasil através de uma séric de mecanismos dis-
criminadores que se sucedem na biografia de cada negro.
Uma visão mais vertical do assunto irá demonstrar, também,
como esses estudos acadêmicos, ao invocarem uma imparcialidade
científica inexistente nas ciências sociais, assessoram, de certa forma,
embora de forma indireta, a constelação de pensamento social racis-
ta que está imbricado no subconsciente do brasileiro médio. Essa ciên-
cla, quase toda ela estruturada através de modelos teóricos e
postulados metodológicos vindos de fora, abstém-se de estabelecer
PENSAMENTO SOCIAL SUBORDINADO a
o OS ESTUDOS SOBRE O MORO COME LEFLENC DA ESTRUTURA DA SOCTEDADE BRASILEIRA

uma práxis capaz dedeterminar parâmetros conclusivos e normas de O desprezo por ele, mesmo como objeto de ciência, foi domi-
ação para 2 solução do problema racial brasileiro nos seus dhersos nante durante muito tempo entre os nossos pensadores sociais, Silvio
níveis e implicações Romero constatou O fato escrevendo:
Tomando-se como precursores Perdigão Malheiros é Nina Ro- asta
Multa estranhaza causaram em várias rodas nactonais o haverem
drigues, podemos ve que O primeiro absteve-se na sua História da História da literatura e os Estudos sobre 3 poesia popular brasileira
ro
escravidão de apresestar uma solução para o problema que estudou, proposital feito nas letras nacionais a res-
clamando contra o olvido
daf
através de medidas ndicais, «, 0 segundo, embebido « deslumbrado peito do contingente africano é protestando contra q Injustiça
pela ciência oficial esropéia que predominava no seu tempo e vinha originada. (...) Ninguém Jamals quis sabéo, em obediência do prejuízo
por
para o Brasil, via o negro como biologicamente inferior, transferin- da cor, com medo de, em mostrando simpatia em qualquer grau
, passar por descende ntes
esmo Imendo slamento da nossa população
do para ele as caususdo nosso atraso social, Em Nina Rodrigues po- e crua.
de raça africana, de passar por mestiço!... Elis a vordade nus
demos ver, já, essa característica que até hoje perdura nas ciências É preciso acabar com isto: é mister deixar de temer preconcei
tos, dei-
sociais do Brasil: à subserviência do colonizado aos padrões ditos cien- que lhe tiramos: o
xo” de montir é restadelocer 08 negros no quinhão
quo
tíficos das metrópoks dominadoras. lugar que a sles compato, sem menor sombra de favor, em tudo
séculos, praticado no Seasil. 1
A partir de Nna Rodrigues os estudos africanistas, ou assim tem sido, em quatro
chamados, se desenvolvem sempre subordinados à métodos que não O destaque que faz Sílvio Romero — que também não ficou
bem de-
conseguem (nem pretendem) penetrar na essência do problema para inune a esse preconceito — contra a pecha de mestiços —
tentar resolvê-lo cientificamente. monstra como se procurava fugir, já naquela época, à nossa identi-
O continuador de Nina Rodrigues, Artur Ramos, conforme ve- dade étnica, como veremos posteriormente. O mestiço era considerado
do tem-
remos em capítulo subsequente, recorre à psicanálise, inicialmente,
inferior. Não tinha apelação diante das conclusões da ciência
Ramos em
e ao método histórico-cultural americano, para penetrar naquilo que po, isto é, aquela ciência que chegava até nós. Guerreiro
ele chamava de o mundo do negro brasileiro. À visão culturalista trans- trabalho desmistificador mostra a subordinação desse pensam ento 50-
que
feria para um choque ou harmonia entre culturas as contradições so-
cial às limitações estruturais na nossa sociedade, Demonstrando o
ciais emergentes ou as conciliações de classes. Antes de Ramos, Ramos reporta -se ao
estamos querendo dizer aos leitores, Guerreiro
Gilberto Freyre antecipava-se na elaboração de uma interpretação so- tam-
pensamento de Sílvio Romero afirmando, no seu texto, que ele,
cial do Brasil através das categorias casa-grande e senzala, colocando
bém, incorreu em muitos enganos em relação 80 problema de supe-
os
rioridade e inferioridade de raças classificando os negros entre
a nossa escravidão como composta de senhores bondosos v escravos
submissos, empaticamente harmônicos, desfazendo, com isto, a pos-
“povos inferiores”, ? O próprio Euclides da Cunha também malsi-
sibilidade de se ver o período no qual perdurou o escravismo entre antropo-
nou o mestiço. Foi, segundo Guerreiro Ramos “vitima da
nós como cheio de contradições agudas, sendo que a primeira é mais
logia do seu tempo”.
importante < que determinava todas as outras era a que existia entre ra-
senhores e escravos. Mas, sem querermos fazer uma análise sistemática da bibliog
querem os destaca r que esse pensam en-
O mito do bom senhor de Freyre é uma tentativa sistemática fia pertinente daquele tempo,
forma
e deliberadamente bem montada € inteligentemente arquitetada para to social era subordinado a uma estrutura dependente de tal
interpretar as contradições estruturais do escravismo como simples que os conceitos chamados científicos chegavam para inferiorizá-la
nossa rea-
episódio cpidérmico, sem importância, « que não chegaram a desmen- a partir de sua auto-análise. Isto é, não queríamos aceitar a
intefigência
tir a existência dessa harmonia entre exploradores é explorados du- lidade étnica, pois ela nos inferiorizaria, criando a nossa
sária o nosso ego na-
rante aquele período. uma realidde mítica, pois somente ela compen
Convém salientar que à geração que antecedeu a Freyre não pri- cional, ou melhor, o ego das nossas elites que se diziam representati-
mava pela elaboração de um pensamento isento de preconceitos con- vas do nosso ethos cultural,
tra O negro, Afirma, no particular, Guerreiro Ramos:
36 08 ESTUDOS SORT GFECRO COMO REFLEXO DA ESTRUTURA DA SOCITDA DE BRASILEILA O RACMO E A JDDOLOGIA DO ANTORITARISMO mt

À huz da sociologia científica, a sociologia do negro no Brasil 4, ala mes procuram (na sua maioria) demonstrar como a importância socioló-
ma, um problema, om engano a destazar, O que só poderá se conse-
guido através & um trabalho de crítica « autocrítica. Sem eritiça e
gica do tráfico não se cifra ao número de escravos importados, mas
autocrítica, sliás, não pode haver ciência, O espírito clantífico não se na sua relevância estrutural o que permite os seus efeitos se eviden-
ocaduna com a ntolerância, não 86 coloca Jamars em posição de gis- clarem em grupos e instituições da sociedade que foram organizados
temética irrecdutbi lidade, mas, so contrário, está sempre aberto, sem» exatamente para impedi-lo, já que, a partir de 1830, o tráfico era ofi-
pro disgosto a rerer posturas, no sentido de corrigiias, raquiio em que cialmente considerado ilegal.
59 revelaram Insdequadas à porcapção exata dos fatos. A nossa so Neste particular, Robert Edgar Conrad * mostra como toda 4
Ciologia do negro é, em larga margem, uma pssudomoartose, isto é, uma
visão carente desuportes existenciais genuínos, que oprime e dificul-
máquina do Estado passa « servir de mantenedora e protetora desse
ta mesmo a emegência, ou à indução da teoria objetiva dos fatos da tipo de comércio, citando a taxa ou comissão que os juízes recebiam
vida nacional, * (10,8%) para liberar as cargas de escravos ilegalmente desembárca-
dos. Mas, não era apenas o poder judiciário o conivente com q tráfi-
A luz deste pensamento de Guerreiro Ramos podemos compreen-
co criminoso; o segmento militar participa também ativamente, de
der o mito do bom senhor de Freyre como uma tentativa sistemática
modo especial a Matinha, que tinha papel substantivo na repressão
e deliberadamente montada para interpretar as contradições estrutu-
ao tráfico negreiro. Nele estavam envolvidos os mais significativos
rais do escravismo como simples episódio sem importância, que não
chegaram a desmentir a existência dessa harmonia entre explorado- figurões e personalidades importantes da época: juizes, políticos, mi-
litares, padres e outros segmentos ou grupos responsáveis pela nor-
res e explorados. Finalmente podemos compreender por que toda uma
malidade do sistema,
geração que sucede a de Freyre psicologiza o problema do negro, sendo
que grande parte dels é composta de psiquiatras como Renê Ribeiro,
Em 1836, por exemplo, um certo capitão Vasques, comandante
da fortaleza de São João, na entrada da baia do Rio de Janeiro,
Gonçalves Fernandes, Ulisses Pernambucano « o próprio Artur Ra-
mos. Salve-se, nesse período, a obra de Édison Carneiro, autor que transformou-a em um depósito de escravos, Políticos apoiavam e con-
procurou dar uma
viviam abertamente com os traficantes. Manoel Pinto da Fonseca,
visão dialética do problema racial brasileiro.
um dos mais notórios contrabandistas de escravos, era companheiro
de jogo do chefe de polícia e foi elevado a Cavaleiro da Ordem da
Rosa Brasileira, honra imperial concedida por D. Pedro II.
2. O racismo e à Esta atitude sistemática de defesa ideológica e empírica de um
Todos esses trabalhos procuravam ver, es-
tráfico ilegalizado por pressão da Inglaterra e pelas autoridades bra-
ideologia do tudar e interpretar O negro não como um
sileiras não se dava acidentalmente, porém. Era uma decorrência da
autoritarismo ser socialmente situado numa determinada
própria essência da estrutura do Estado brasileiro, Sem se fazer uma
estrutura, isto é, como escravo e/ou ex-
análise sociológica e histórico/dialética do seu conteúdo não pode-
escravo, mas como simples componente de uma cultura diferente do
mos entender esses padrões de comportamento da elite político/ad-
erhos nacional. Daí vermos tantas pesquisas serem realizadas sobre
ministrativa da época. Por não fazerem esse tipo de análise dialética,
O seu mundo religioso em nivel etnográfico é sobre tudo aquilo que
certos historiadores acadêmicos chegam a falar em uma “democra-
implicava diferença do padrão ocidental, tido como normativo, e tão
cia coroada" (João Camilo de Oliveira Torres) para caracterizar o
poucos estudos sobre a situação do negro durante a sua trajetória his-
remado de Pedro II. No entanto, como todo Estado de uma socieda-
tórica e social. Minimiza-se por isto, inclusive, o número de escravos
de escravista ele era inteiramente fechado a tudo aquilo que poderia
entrados durante o tráfico negreiro, fato que vem demonstrar como
ser chamado de democracia. Durante toda a existência do Estado bra-
esses estudos, conforme já dissemos, assessoram, consdente ou in-
sileiso, no regime escravista, ele se destinava, fundamentalmente, a
conscientemente, e municiam a subjacência racista de grandes cama- manter « defender os interesses dos donos de escravos, Isto quer di-
das da população brasileira, mas, especialmente, o seu aparelho de zer que o negro que aqui chegava coercitivamente na qualidade de
dominação. Não mostram a importância social do tráfico e não semovente tinha contra si todo o peso da ordenação jurídica e militar
E OS STUSOS SOBRE O KORO COMO REFLEXO DA ESTRUTURA DA SOCIEDADE BRASILEIRA O RACISMO E 4 IDEOLOGIA DO AUTORITARESMO 23

do sistema, e, com iso, todo o peso da estrutura de dominação € ope- Em vista disto a imagem do negro tinha de ser descartada da
reatividade do Estad. sua dimensão humana. De um lado havia necessidade de mecanismos
O historiador Antônio Torres Montenegro elaborou, no parti- poderosos de repressão para que cle permanecesse naqueles espaços
cular, um esquema que explica muito bem o conteúdo do tipo de Es- sociais permitidos e, de outro, a sua dinâmica de rebeldia que a isso
tado escravista monáquico/constitucional e qual o seu papel e função. se opunha. Daí a necessidade de ser ele colocado como irracional, as
Diz ele: suas atitudes de rebeldia como patologia social e mesmo biológica.
O aparelho ideológico de dominação da sociedade escravista ge-
Esta (a estruturado Estado monárquicolescravista) se caracteriza po- Tou um pensamento racista que perdura até hoje. Como a estrutura
la rigidez e pela moblildado. Isto se poderia evidancisr om multos ou-
tros aspectos cono: a escolha da eleitores a candidatos, feita conforme
da sociedade brasileira, na passagem do trabalho escravo para o livre,
ocritário de renda, o que exciul grande parcela da população, fato que permaneceu basicamente a mesma, os mecanismos de dominação in-
à luta gbolicionhta (tornando livra muitos escravos) e O processo de clusive ideológicos foram mantidos e aperfeiçoados, Dai o autoritaris-
naturalização dos Imigrantes tende a corrigir, a intervenção direta do mo que caracteriza O pensamento de quantos ou pelo menos grande
govermo nas oleições da Câmara, sempre so Iormando maiorias parta- parte dos pensadores sociais que abordam o problema do negro, após
mentaros comespondentes aos gabinetes; « escolha de um senador vl-
à Abolição. Veja-se, por exemplo, Oliveira Vianna. Para ele o autori-
talício entra os que compunham a lista tríplice, feito peio Poder
Moderador, em tunção de critérios pessoais; a existência, no Interior tarismo estava na razão direta da inferioridade do negro, Por isto de-
da estrutura de godar, do um segmento vitalício, o Conselho do Esta: fende uma organização oligárquica para a sociedade brasileira. Diz:
do (constituído de 12 membros) o o Senado (constituido ds 80 mem.
Petas condições dentro das quais se processou 2 nossa formação po-
bros) que, apesar do todas as crises, permanecia no poder a sa
Iltica, estamos condenados às oligarquias: e, felizmente, as oligarquias
constitulam na base politica do Poder Moderador. *
existem. Pode parecer paradoxal; mes numa democracia como à nos
Esse tipo de estrutura de Estado (despótico na sua essência) al- sa, elas tôm sido a nossa salvação. O nosso grande problema, como
tamente centralizado e tendo como espinha dorsal « suporte perma- já disse alhures, não é acabar com as oligarquias; é tranaformé-as —
nente dois segmentos vitalícios (o Conselho de Estado e o Senado) fazendo-as passarem da sua atual condição de oligarquias broncas para
uma nova condição de oligarquias esclarecidas. Estas oligarquias em
foi montado prioritariamente para reprimir a luta, entro os escravos clarecidas seram, emão, resimente, a expressão da única forma da de-
e a classe senhorial. Não fo: por acaso, por isto mesmo, que o Brasil mocracie possivel no Brasil. *
fosse o último país do mundo a abolir a escravidão.
Mas, segundo Oliveira Vianna, essas oligarquias, para ascende-
O que caracteriza fundamentalmente esse período da nossa his-
rem de broncas a esclarecidas teriam de se arianizar. Porque ainda
tória social é a luta do escravo contra esse aparelho de Estado, E é,
para cle
por um lado, exatamente este eixo comraditório e decisório para a
mudança social que é subestimado pela maioria dos sociólogos e his- & nossa civilização é obra exclusiva do homem branco. O nogro e o In
toriadores do Brasil, os quais se comprazem em descrever detalhes, ólo, durante 0 longo processo da nossa formação sochal, não dão, co-
mo so vê, às classes superiores é dirigentes que realizam a obra de
em pesquisar minudências, exotismos, encontrar analogias, fugindo, civilização 6 construção, nenhum alemento de valor. Um e outro for.
desta forma, à tentativa de se analisar de maneira abrangente € cien- mam uma massa passiva e improgressiva, sobra que trabalha, nem sem-
tífica as características, os graus de importância social, econômica, pro com êuito feltz, a ação modeladora da raça branca, *
cultural e política dessas lutas. Toda uma literatura de acomodação Toda a obra de Oliveira Vianna vai nesse diapasão, Continua
sobrepõe-se aos poucos clentistas sociais que abordam essa dicoto- a ideologia do Poder Moderador de D. Pedro Il e procura ordenar
mia básica, restituindo, com isto, ao negro escravo a sua postura de a nossa sociedade através da “seleção racial”. Não é por açaso que
agente social dinâmico, não por haver criado a riqueza comum, mas, o mesmo autor chega a elogiar as teorias racistas e fascistas no plano
exatamente pelo contrário: por haver criado mecanismos de resistên- político. Esse autoritarismo de Oliveira Vianna é uma constante no
cia e negação ao tipo de sociedade na qual o criador dessa riqueza pensamento social e há um cruzamento sistemático entre essa visão
era alienado de todo 0 produto elaborado. autoritarista do mundo € o racismo.
Mo OS ESTUDOS SOBRE O NERO COMO EPPTEXO DA ESTRUTURA DA SOCIEDADE BRASILEIRA EEPETESE NA LITERATURA À IMADEM ESTERPOTIPADA 0 PENSAMENTO SOCIAL 38

Através de vicss menos agressivos, podemos ver que a defe- sões politicas, Enquanto nas províncias que não recedlam imigrantes
sa das oligarquias por parte de Oliveira Vianna poderá fundir-se à em massa so observava marcha lonta do cesanvolvimento econômica
é social, quando não positiva estagnação do movimento progressivo,
defesa dos senhores patriarcais de Gilberto Freyre. Em um dos seus
às regiões afortunadas a que lam tor em caudal contínuas levas de tra-
livros, Freyre escreve defendendo, da mesma forma que Oliveira Vian- balhadorms europeus foram canário de surpreandentas transformações
na, a necessidade de sconhecermos realisticamente a função positi- econômicas de que temos 0s exemplos mais importantas am São Pau-
va das oligarquias: to e no Rio Grande do Sul, AHás, eçonteçeu entre nós o mesmo que
por toda a parta onde n4 nações novas surgem é prosperam com a cc0-
No Brasil do sécuo passado, os publicistas e politicos de tendências peração de elementos colonizadores vindos de palsas mais adianta:
retormadoras, defensores mais de idéias e de lois vagamente liberais dos habitados por povos de raças antropologicamente supertores. (...)
que de reformas osrraspondentos às necessidades q às condições do O problema ótnico brasileiro — chave de todo destino da nactonalida-
meio, para eles desconhecido, sempra escreveram e felaram sobre 09 de — rasume-se na determinação de qual virá à ser o fator de tríplice
problemas nacioniis com um simplismo Infantlt. Para alguns deles O miscigenação que aqui se opera e que caberá Impor à ascendência do
grande mai do Brasil estava indistintamente nos grandes senhoras; nos resultado definitivo do calgeamento, É claro que somente se tornará
vasios dominica, ha supremacia ds corto número de famílias. E para possivol assegurar a vitória dinica dos elementos representativos das
resolvor essa situsção bastava que so fizessem lets Ilverala. Apenss raças o fa cultura da Europa se reforçarmos pelo fiuxo cominuo de no-
iato: loia Ilbarais (.) Os senhores de engenho não constitulam um ont vos contingentes brancos. Os obatáculos opostos à imigração de ort-
potente legisiativo:tinham de descobrar-se em axecutivo. Dal os “rol”, gom européia constituem portanto dificuldades geliboradamanteo
mas “rels" à entige, Intesvindo na atividade dos moradoras e escravos, criadas ao roforçamento dos valores étnicos superiores de cujo predo-
que alguns delas parecoram à Toltonare. O viajante francês viu senho- mínio fingl no caideamento dependem as futuras formas estruturais
ros fiscalizando trabalhos; agradando a miuçalha preta; falando rispt- ca obvilização brasileira é as manitestações de sau determinismo eco:
do a negros onormos, certos do prestígio da voz e do gesto. * rômico, político, social e cultural. (,..) A nossa etnia está longe do pe-
rodo final de cristalização. E como acima ponderamos, cs mais altos
As oligarquias de Oliveira Vianna têm muita semelhança com Interessas nacionais imp que sé faça entrar no país O maior núria-
os senhores de engenho idealizados por Gilberto Freyre, pois são as ro possivel de elementos étnicos superiores, & fim de que nó epílogo
formas diversificadas ds um mesmo fenômeno, Ambos criaram é man- do caldsamento possamos atingir um tIpo racial capaz de arcar com
tiveram Os suportes justificatórios de uma sociedade de privilegiados, es responsabiidades do uma grande situação. *
no Império ou na República. Entre os dois pensamentos há uma cons- Isto cra escrito logo depois da implantação do Estado Novo,
tante: à inferiorização social é racial do negro, segmentos mestiços em fivro claborado para defendê-lo « justificar o seu autoritarismo.
e índios « a exaltação cultural é racial dos dominadores brancos. Corno vemos há um continitum neste pensemento social da irteli-
Esta ligação entre racismo € autoritarismo é uma constante no gência brasileira: o pais seria tanto mais civilizado quanto mais bran-
pensamento social e político brasileiro, Outro sociólogo, Azevedo queado. Esta subordinação ideológica desses pensadores sociais
Amaral, um dos ideólogos do Estado Novo, escreve: demonstra como as elites brasileiras que elaboram este pensamento
A onirada de cormantes Imigratórias de origem européia é rasimente uma encontram-se parcial ou totalmente alienadas por haverem assimilado
das questões de malor Importêncis na fase de avolução que atraves- e desenvolvido a Ideologia do colonialismo. A este pensamento seguem-se
samos e não há exagero afirma-se quo do número de Imigrantes da medidas administrativas, políticas < mesmo repressivas para estancar O
raça brança que assimilanmos nos próximos decânios depende Ilteral: fluxo demográfico negro c estimular a entrada de brancos “civilizados”.
mento O futuro da nacionalidade (...) Uma análiso retrospectiva do de-
senvolvimento da economia brasiieira desde o último quartel do século
XIX pão am evidência um fato que shás nada tem de surpreendente por-
que nois apenas reproduzia om mulores proporções aínda, o que Já scor-
rera em fasos anteriores da evolução nacional. As reglões para onde 3. Repete-se na literatura Esc aspecto alienante que se
afiuíram os contingentes de imigrantes suropeus recederam um Impulso
progressista que as distanciou de tal modo das zonas desfavorecidas a imagem estereotipada encontra na literatura antropo-
de imigração que entre as primeiras é as últimas 36 formaram diferan- do pensamento social lógica, histórica c sociológica, e
qas ds nível econômico e social, cujos efeitos justificam apreen- que tem suas raízes sociais na estrutura despótica e racista do apare-
%X 05 ESTUDOS SOBRE O NEGRO COMO REFLUXO DA ESTRUTURA DA SOCIEDADE ERANLEIRA 27
REPETE-SE NA LITERATURA 4 IMAGEM ESTEREOTIPADA DO PENSAMENTO SOCIAL

lho de Estado escravista, e, postenormentc, na estrutura intocada da Temos o exemplo de Machado de Assis que escreve durante à
propriedade fundiária, encontrase, também, na literatura de ficção escravidão como se vivesse uma realidade urbana européia, queren-
da época do escravismo, com desdobramentos visiveis e permanentes do branquear os seus personagens, heróis e heroinas. Toda à primei-
após a sua extinção. ra geração romântica, por isto mesmo, é uma geração cooptada pelo
O mundo ficcional, o imaginário desses romancistas ainda es- aparelho ideológico ou burocrático do sistema escravista. Por isto mes»
tava impregnado de valores brancos, o seu modelo de beleza ainda mo não podiam criar uma literatura que refletisse O nosso ser cultu-
ral. Tinham de ir buscar de fora os clementos com os quais repre-
cra O greco-romano e Os seus heróis e heroínas tinham de ser pauta-
sentavam a sua forma de expressão e de criação literária. Escreve ana-
dos por esses modelos. E a nossa realidade ficava desprezada como Sodré:
lisando esta situação estrutural Nélson Werneck
temática: os heróis tinham de ser brancos como os europeus e a mas-
sa do povo apenas pano de fundo dessas obras, É interessante distinguir um aspecto a que temos concedido, em re-
gra, atenção distante, quando a concedemos: aquela que so refere à
Em toda essa produção nenhum personagem negro entrou co- origem de chasse dos homens de letras, já mencionado, de passagem,
mo herói. O problema do negro na literatura brasileira deve compor- tigando-se agora ao detalhe de fazerem tais homans da letras 36us 03-
tar uma revisão sociológica que ainda não foi feita. Quando surge tudos na Europa, O costume, próprio da classe propriatária, de man:
dar 08 filhos estudar em Coimbra e, meis adiante, nos centros uni:
a literatura nacional romântica, nasua primeira fase, surge exatamente versitários mais conhecidos, particulasmante na França, constituia, não
para negar a existência do negro, quer social, quer esteticamente. Toda só um inoquivoco sinal da classo, como o caminho natural para à eva
a ação «e tudo o que acontece nessa literatura tem de obedecer sos são de realidade da colónia 6 do país, tão diversa do ambiente em que
iam aprimorar os conhecimentos e que lhes parsceria o modelo insum
padrões brancos, ou de exaltação do índio, mas um índio distante,
perado. A alienação — que é ainda um traço de classe — uma voz que
curopeizado, quase um branco naturalizado índio. Idealização de um não podiam tais elementos solidarizar-se com um poro representado,
tipo de personagem que não participava da luta de classes ou dos con- em sua esmagadora maioria, por escravos e Ilbertos pobres, em quo
flitos, como o negro, mas era uma idealização de fuga e escape para & classe comercial ma! começava à so dofinir o ora vista com despre:
zo, corresponderia, no tundo, à secreta ânsia de disfarçar ém cada um
evadir-se da realidade sócio-racial que a sociedade branca do Brasil o que he parecia Inferior, identificando-se com o modelo extarmo tão
enfrentava na época. Era mais Rousscau e romantismo do “bom sel- fascinante. E tais elementos, cuja formação mental os distanglava do
vagem”, quase um cavaleiro europeu, do que uma tentativa de mos- seu país, €, cujas origens ds classe os colocavam em contrastes com
trar à situação de extermínio do índio brasileiro, Era, de um lado, este, Hgando-os ao estrangeiro, esam 08 que formavam os quadros im:
perials, quadros a que 09 cursos jurídicos atendiam: “Já então as Fa-
descartar o negro como ser humano e heróico, para colocá-lo como cuidades de Direito eram ante-salas da câmera”, conforms observou
exótico-bestial da nossa literatura, é, de outro, fazer-se uma idealiza- Nabuco. *º
ção do índio em oposição ao negro, Não se abordava o índio que se Por estas razões sociais toda a primeira geração romântica é uma
exterminava nas longínquas dimensões geográficas daquela época des- geração cooptada pelo aparelho ideológico e burocrático do sistema
truído pelo branco. O índio do romantismo brasileiro era, por tudo escravista representado pelos diversos escalões do poder, terminado
isto, uma farsa ideológica, literária e social. Era uma contrapartida no Imperador, Gonçalves de Magalhães, introdutor oficialmente do
fácil para se colocar à quilombola, o negro insurreto e o revolucioná- romantismo poético, vai ser diplomata na Itália, tendo publicado o
rio negro, de um modo geral, como anti-herói dessa literatura de seu primeiro volume de versos em Paris; Joaquim Manoel de Mace-
fuga e alienação, Esse indianissmo curopeizado entrava como um do será preceptor da família imperial; Gonçalves Dias vive pesqui
enclave ideológico necessário para sc definir o negro como inferior sando na Europa às expensas de D. Pedro | durante muitos anos;
numa estética que, no fundamental, colocava-o de um lado como a Manoel Antônio de Almeida com pouco mais de vinte anos é nomea-
do administrador da Tipografia Nacional, o que corresponderia hoje
negação da beleza é, de outro, como anti-herói, como facinora ou
a diretor da Imprensa Oficial, e José de Alencar, o maior ficcionista
como subulterno, obediente, quase que no nível de animal conduzido
romântico (indianista), será Ministro da Justiça cm gabinete do
por reflexos.
Império.
HM º OETSTUDOS SONRE O NERO COMO ECFLEXO DA
DSTELTURA DA SNC ]EISA DE IA! FIRA O DILEMA E AS ALTERNATIVAS ww

ms Toda essa ligação orgânica com o sistema irá


determinar ou con- tro Alves é, por isto, o grande momento da literatura brasileira, por-
dicionar, em graus maiores ou menores, o conteúdo
dessa produção. que colaca o negro escravo como homem que pensa c reivindica, que
Nas outras atividades citurais a subordinação se repete
e o caso de Car- ama e luta. Um exemplo para mostrar a diferença de universos so-
los Gomes é conhecido: tendo composto à ópera O
escravo com libreto ciais e estéticos entre ele e Gonçalves Dias: Castro Alves escreve o
de Taunay, foi forçudo a modificádo, substituíndo seu grande poema “O navio negreiro" sem munça ter visto uma des-
o seu personagem
central, que era negro, por um escravo índio. Carlos sas embarcações, pois o tráfico foi extinto em 1850, enquanto Gon-
Gomes também
estava estudando na Europa através do mecenato alves Dias que teve oportunidade de vê-los às dezenas, provavelmente
do Imperador,
Aqui cabe fazer una distinção: a literatura no seu cotidiano, jamais o usou como temática dos seus versos.
dessa époça por ve-
zes aborda O escravo mo seu sofrimento ou na Castro Alves poderia ter visto algum barco do tráfico interpro-
sua lealdade, humilde
mulas vezes, Outras vezes querendo a sua liberdade. vincial, mas nunca um rumbeiro como ele descreve no seu poema,
Os dernais seg-
mentos em que se divite a classe escrava são tamb Por outro lado, quando escreveu ''Saudação a Palmares” os negros
ém abordados; q
mãe preta, a mucama doméstica e até relações quilombolas ainda existiam « cram caçados como criminosos, No en
incestuosas entre filha
de escrava com o sinhozinho, filhos do mesmo pai. tanto, ele inverteu os valores é, ao invés de apresentá-los como crimi-
O que nessa lite- nosos perturbadores, apresenta-os como keróis.
ratura cstá ausente é o segro como ser, como home
m igual go bran- Essa literatura Orgânica que funçionou como superestrutura
co, disputando no seu espaço a sua af irmação como
herói romântico. ideológica do sistema é argamassa cultural de manutenção que atra-
Escreve, neste sentido Raymond S. Sayers:
vessa o período do escravismo e penctra na sociedade de capitalismo
Até mesmo o sentimanto esoravista que origino
u vasta Iteratura no
dependente que persiste até hoje. Por isto, somente com Lima Barre-
séó-
Culo XVill na Inglaterra, na França é mesmo na Alemanha
de Herder to, que morre em 1922, o negro sé redignifica como personagem fic-
com o seu Negar iisilan, está ausonte desta poétic cional, como ser humano na sua individualidade. Depois de Lima
a de imitação. Em
verdado, embora os negros povoassem basta Barreto, exceção feita ao romance Macunaima de Mário de Andra-
nemente o panorama so
Gral, Os poetas profedram ver avenas cor às
olhos da imaginação nin- de, na fase modernista, somente com a geração de 1930 ele aparece
fas e pastores encantadores, em voz de ver
a realidade de escrnvos e
muintinhas inquistos e andrajosos, Há soment
sem ser apenas componente exótico, sem interioridade, sem sentimen-
o dois posmas em qua tos individuais,
95 magros aparecam como individuos, à Quitúb
ia, de José Basílio ds
Gama, em que um negro nobrs 6 0 herói, + o Caramu Surgem então, Moleque Ricardo, de José Lins do Rego, « Ju-
ru, de Santa Rita
Durão, que dedica algumas estenças ao episódio de Henriq biabá, de Jorge Amado, assim mesmo ainda relativamente folclori-
ue Dias. Fora
disso,na malorta das vezes om que o negro aparece zados. Mas, de qualquer forma, um avanço no comportamento do
nessa poosia, à
COMO mero pormenor do ambiente, figura digna de imaginário dos nossos escritores em relação ao negro. Dessa época
piodade no egois-
mo molancólico de quem o observa, ** em diante é que O negro vai entrar mais detalhada c amiudadamente
ne Outros exemplos poderiam ser dados mas, na nossa novelística. Mas a divida dos nossos intelectuais e roman-
ao que nos parece,
H expusemos o suficieme para demonstrar como cistas em particular, para com o negro, ainda não foi resgatada. A
essa literatura era
representativa de um sistema social, o escravismo, é consciência crítica dos nossos intelectuais em relação ao problema ét-
somente à partir nico do Brasil em geral, e do negro, no particular, ainda não se cris-
da compreensão deste fato poderemos analisar
em profundidade o talizou em nivel de uma reformuiação das categorias ideológicas e
seu conteúdo e a sua função,
estéticas com as quais manipulam a sua imaginação. Ainda são mui-
Uma exceção deve ser feita, no nosso entender,
já na segunda to europeus, brancos, o que vale dizer ideologicamente colonizados.
fase do romantismo: é Castro Alves, provavelme
nte único que tenha
ressaltado na sua obra o papel social « ativo do
escravo negro na sua
dimensão de rebeldia, e na sua interioridade existe
ncial, criando poe-
mas com personagens négros, Com Castro Alves 4. O dilema e Toda essa produção cultural, quer cientifica,
o negro se humani- as altemativas quer ficcional, que escamoteia ou desvia do
ta, deixa de ser a besta de carga ou o facínors,
ou, então, compo- fundamenta! o problema do negro nos seus
nente da galeria de humilhados e ofendidos
da primeira geração. Cas- diversos níveis, desvinculando-o da dinâmica dicotômica produzida
No 05 ESTUDOS SÓBRIO NEGO Cedo HEFLENCO DA ESTRUTURA [4 SOCIEDADE HEALILEIRA O DMLEMA DAS ALTERNATIVAS MM

pela luta de classes, na qual ele está inserido, mas com partcula- No entanto, após as pesquisas patrocinadas pela Unesco < que
ridades que o transformam em um problema específico ou com espe- tiveram Florestan Fernandes « Roger Bastide como responsáveis na
cificidades que devem ser consideradas, fez com que pouco se acres- cidade de São Paulo, L. A. Costa Pinto, no Rio de Janeiro, « Thaies
centasse às generalidades ou lugares-comuns na sua mutoris ditos sobre de Azevedo, na Bahia, houve a necessidade de uma reordenação teó-
ele. Somente a partir das pesquisas patrocinadas pela Unesco, após rica « metodológica por parte de alguns cientistas sociais, destacando-
a Segunda Guerra Mundial, essas generalidades otimistas e ufanistas se, no particular, Florestan Fernandes, Octávio lanni, Emília Viot
foram revistas com rigor científico e reanalisadas, Uma dessas gene- da Costa, L. A, Costa Pinto, Clóvis Moura, Jacob Gorender, Lana
ralidades refere-se, constantemente, à existência de uma democracia Lage da Gama Lima, Luis Luna, Décio Freitas, Oracy Nogueira, Joel
racial no Brasil, exemplo que deveria ser tomado como paradigma Rufino dos Santos, Carlos A, Hasenbalg e alguns outros que, preo-
para outras nações. Nós éramos o laboratório onde se conseguiu à
cupados não apenas com o tema acadêmico, mas também com os pro-
solução para os problemas étnicos em sentido planetário, Os resul» blemas étnicos emergentes na sociedade brasileira e os possíveis con-
tados dessas pesquisas, no entanto, foram chocantes para os adeptos flitos raciais daí decorrentes, estão tentando uma revisão do nosso
dessa filosofia racial, Constatou-se que o brasileiro é altamente pre- passado escravista e do preseme racial, social e cultural das popula-
conceituoso e o mito da democracia racial é uma ideologia arqui- ções negras do Brasil,
tetada para esconder uma realidade social altamente conflitante é dis- Esta situação concreta irá criar nódulos de resistência, tensão ou
criminatória no nível de relações interétnicas, conflitos sócio-racistas, agudizando-se, especialmente, o preconceito
Aqueles conceitos de acomodação, assimilação e aculturação — de cor à medida que certos setores urbanos da comunidade negra co-
conforme veremos depois — que explicavam academicamente as re- meçam a analisar criticamente essa realidade na qual estão engastados
lações raciais no Brasil foram altamente contestados e iniciou-se um e reagem contra cla. Desse momento de reflexão surgem várias entida-
novo ciclo de enfoque desse problema. Verificou-se, ao contrário, que des negras de reivindicação, não apenas pesquisando dentro de sim-
os níveis de preconceito eram muito altos e o mito da democracia ra- ples parâmetros acadêmicos, mas complementando-os com uma práxis
cial ecra mais um mecanismo de barragem à ascensão da população atuante, Jevantando questões, analisando fatos, expondo e questionando
negra aos postos de liderança ou prestígio quer social, cultural ou cco- problemas, é, finalmente, organizando o negro, através dessa reflexão
nômico. De outra maneira não se poderia explicar a atual situação crítica, para que os problemas étnicos sejam solucionados.
dessa população, o seu baixo nível de renda, o seu confinamento nos É uma convergência tentada entre as categorias científicas e a
cortiços e favelas, nos pardieiros, alagados e invasões, como é à sua práxis que vem caracterizar a última fase dos estudos sobre O negro.
situação no momento, O negro como ser pensante € intelectual atuante articula uma ideolo-
Esse mecanismo permanente de barragem à mobilidade social gia na qual unem-se a ciência e a consciência.
vertical do negro, com os diversos níveis de impedimento à sua as- Evidentemente que não se pode falar, ainda, em uma consciên-
censão na grande sociedade, muitos deles invisíveis, os entraves cria- cia plenamente elaborada, mas de uma posição crítica em processo
dos pelo racismo, as limitações sociais que o impediam de ser um de radicalização epistemológica a tudo, ou quase tudo, o que foi fei-
cidadão igual ao branco, e, finalmente, a defasagem sócio-histórica to antes, quando se via o negro apenas como objeto de estudo e nun-
que o atingiu frontal e permanentemente após a Abolição, como ci- ca como sujeito ativo no processo de elaboração do conhecimento
dadão, indo compor as grandes áreas gangrenadas da sociedade do científico.
capitalismo dependente que substituiu à escravista, toda essa conste- Em face da emergência dessa nova realidade, muitos clentistas
lação é como se fosse um viés complementar, preferindo-se, por isto, sociais acadêmicos não aceitam, ainda, esta posição como válida cien-
a claboração de monografias sobre o candomblé e o xangó, assim mes- tficamente, mas somente mensurável como ideologia, bandeira de lu-
mo desvinculado do seu papel de resistência social, cultural é ideoló- ta, porta de lança de ação « de combate. A unidade entre teoria e
poa, mas vistos apenas como reminiscências religiosas trazidas da prática repugna a esses cientistas que ainda não querem permitir à
rica. intelligentsia negra participar do processo dialético do conhecimento,
3 OSESTUDOS SOGHE O NEGO COM REFLEXO DA ESTRUTURA DA SOMEDADE BRASILETNA NOTAS É FEFERÊNCIAS MEBLIOCMAFICAS 3)

É nesta encruzilhada que os estudos sobre o negro brasileiro se * Ramos, Guerreiro, Loc, cit,
situam. Há encontros e desencontros entre as duas tendências: de um 4 Diz Conrad: “Os mais vistosos, notórios € ricos participantes do tráfico
lado a acadêmica, universitária, que postula uma ciência neutra, equi- Hegal eram, naturalmente, os próprios mercadores de escravos, proprietá-
librada, sem interferência de uma consciência crítica e/ou revolucio- ros de frotas de navios, de dispendiosas c ostentosas casas na cidade c
nária, e, de outro, O pensamento elaborado pela intelectualidade negra propriedades de campo, de depósitos na costa do Brasil c barrações na Afri-
ca, chefes de um exército de seguidores c subordinados, « frequentemente
ou outros setores étnicos discriminados e/ou conscientizados, tam-
umigos íntimos da elite de plantadores e governadores, Pelas razões men-
bém interessados na reformulação radical da nossa realidade racial cionadas acima, s sociedade brasileira não menosprezava esses negocian-
e social, tes de seres humanos, De fato, Os novos contrabandistas desenvolveram
Evidentemente que esses movimentos negros estão começando uma aura romântica em torno de multos contemporâneos por seu desafio
a ciaboração do seu pensamento, nada tendo ainda de sistemático ou aos britânicos bem como por suas atividades irregulares e perigosas. Le-
gulmento aqueles que se ressentiam da interferência britânica € suspeita-
unitário, Muito pelo contrário, Isto, porém, não quer dizer que seja vam da sua motivação (que na verdade estava longe de ser pura) para
menos válido do que a produção acadêmica, pois ele é elaborado na aqueles que acreditavam que os mercadores de escravos realizavam um ser-
prática social, enquanto o outro se estrutura e se desenvolve nos la- viço essencial ao Brasil e sua economia agricola, os traficantes eram ho-
boratórios petrificados do saber acadêmico. means honrados merecedores de títulos e condecorações, c da amizade e
Podemos supor, por isto, dois caminhos diferentes que surgi- respeito dos políticos mais poderosos". (CONRAD, Robert Edgar. Turm-
beiros, São Paulo, Brasiliense, 1985. p. 120,)
rão a partir da cocruzilhada atual. Um se desenvolverá à proporção
3 MONTENEGRO, Antônio Torres. O encaminhamento político do fim da es-
que a luta dos negros « demais segmentos, grupos e/ou classes inte- cravidão (Dissertação de mestrado). Campinas, Unicamp, 1983. Mimeo-
ressados na reformulação radical da sociedade brasileira se dinami- grafado.
zarem política, social e cientificantente. Do outro lado continuará a é Vianna, Oliveira. Instituições políticas do Brasil. Rio de Janeiro, José
produção acadêmica, cada vez mais distanciada da prática, sofística- Olympio, 1949, 2 v, v. 2, p. 205.
da e anódina. 7 Evolução do povo brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro, José Olympio,
Esta produção acadêmica evidentemente estudará, também, co- 1956. p. 15E. Sobre a conexão entre o pensamento racista de Oliveira Vianna
mo elemento de laborutório, o pensamento dinâmico/redical elabo- c a sua defesu do autoritarismo é importante a consulta do trabalho de
rado pelos negros na sua luta contra a discriminação racial, o anal- Jarbas Medeiros “Introdução so estudo do pensamento político autorká-
rio brasileiro 1914/1915”, especialmente o item S “Racismo & Elites”” do
fabetismo, a injusta distribuição da renda nacional nos seus níveis capétulo TE “Olivelra Vianna” (Revista de Ciência Política, Rio de Janet
sociais e étnicos. Ela chamará de ideológica a proposta dessa prática to, EGV, 17(2), Jun, 1974). Ver também, no particular; VIEIRA, Evaldo
política, cultural, social e racial, No entanto, este peúsamento novo, Amaro. Oliveira Vianna& O estado corporativo, São Paulo, Grijalbo, 1976.
elaborado pela Intelligentsia negra (não obrigatoriamente por negros), passim,
tem à vantagem de ser testado na prática, enquanto o pensamento * FuryrE, Gilberto. Região e tradição, Rio de Janeiro, José Olympio, 1941,
po 1747.
acadêmico servirá apenas para justificar títulos universitários,
P AMARAL, Azevedo, O Estado autoritário « a realidade nacional, Rio de
Janciro, José Olympio, 1938, p. 230-4,
"9 Sopné, Nélson Werneck. História da Hteratura brasiteira (seus fundamen-
tos econômicos). 3, ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1960, p. 195.
Notas e referências bibliográficas “! SaveRs, Raymond S. O negro na literatura brasileira, Rio de Janeiro, Ed.
O Cruzeiro, 1958. p. 110. Cf, também no mesmo sentido, porém com po-
1 ROMERO, Sílvio. História de literatura brasileira, 5.ed. Rio de Janeiro, Jo- sições mais radicais do que Savers: BROOKSHAW, David. Raça e cor na fi.
sé Olympio, 1983. $ vw. v. E, p. 1937-238. teratura brasileira, Rio Grande do Sul, Mercado Aberto, 1983, Passim.
>
RAMOS, Guerreiro, O problema do negro na sociologia brasileira, Cader-
nos do Nosso Tempo, Rio de Janeiro, (2), 1984. Ver também RAMOS,
Guerreiro, Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro, Ane
des, 1957,
ANTROPOLANHA É NEOCOLÔONIALISMO — 36

H produzem a luta de classes, para usarmos o termo já mundialmente


consagrado nas ciências sociais, Achamos, por isto, que não será inútil
remetérmos o leitor a uma posição reflexiva em relação áquilo que
nos parece ser mais importante para levar a antropologia e as cién-
Sincretismo, assimilação, cias sociais de um modo geral (num país como o nosso, poliétnico
€, AO mesmo tempo, subordinado a um pólo metropolitano externo)
acomodação, aculturação a terem um papcl mais vinculado à prática social, saindo, assim, de

e luta de classes wma posição de ciência pura e contemplativa, equidistante da realidade


empírica é somente reconhecida na sua práxis acadêmica (teórica).
A revisão desses conceitos tão caros à uma certa ciência social colo-
nizadora, usada pelo colonizado, remete-nos à própria origem da an»
tropologia e à sua função inicial de municiadora do sistema colonial,
à atividade prática que exerceu no sentido de racionalizar o colonia-
tismo « à necessidade de uma reavaliação crítica do seu significado
no conjunto das ciências sociais, A sua posição eurocêntrica c umbi-
licalmente ligada à expansão do sistema colonial deixou, como não
podia deixar de ser, uma herança ideológica que permeia e sé mani-
festa em uma série de conceitos básicos, até hoje usados pelos antro-
pólogos em nível significativo.
1. Antropologia No presente capítulo queremos discutir a
No caso particular do Brasil, o fenômeno se reproduz quase que
e neocolonialismo insuficiência de conceitos comumente ma-
integralmente, Como país de economia reflexa, evidentemente repro-
nipulados por alguns aruropólogos brasi-
duzimos o pensamento do pólo metropolitano de forma sistemática,
leiros, especialmente no que diz respeito ao conteúdo das relações entre
fato que se pode constatar não apenas no que diz respeito à antropo-
negros e brancos no Brasil. O esquecimento, por parte do antropólo-
logia, de presença bem recéate, mas no nosso pensamento social do
go ou sociólogo, ao analisar o processo de imeração, da posição es-
passado, Desta forma, so colocarmos em discussão os conceitos aci-
trutural das respectivas etnias portadoras de padrões de cultura di-
ma explicitados, devemos dizer que o traumatismo de nascimento não
versos (sem levar-se em conta, portanto, a estrutura social em que
é apenas da antropologia no Brasil, mas do nosso pensamento social
esse processo de contato se realiza) leva à que se tenha, no máximo, de um modo geral, quase todo ele influenciado, em maior ou menor
uma compreensão acadêmica do problema, nunca, porém, o seu co- nível, pela ideologia do colonialismo.
nbecimento captado no processo da própria dinâmica social, Isto por- Aliás, o caráter de municiador ideológico da política das me-
que, antes de examinarmos esses contatos culturais, temos de situar trópoles por parte da antropologia já foi destacado e denunciado por
o modo de produção no qual eles se realizam, sem o que ficaremos inúmeros sociólogos, os quais, insatisfeitos com a estrutura concei-
sem possibilidade de analisar o conteúdo social desse processo. É so- tual formalista dos antropólogos metropolitanos (colonizadores), co-
bre exatamente essa problemática teórica que iremos tecer considera- meçam a fazer uma revisão dos seus conceitos c da sua função, Neste
ções para reflexão epistemológica dos Interessados. sentido, numa aproximação crítica geral do assunto, o professor Ka-
Queremos nos referir, aqui, particularmente, aos conceitos de bengele Munanga escreve que
sincretismo, assimilação, acomodação e aculturação quando aplica-
Para se compreender a menitestação de resistência q a persistência
dos em uma sociedade poliétnica, e, concomitantemente, dividida em desta atltude de recusa da antropologia estrangeira pelas populações
classes e camadas com interesses conflitantes e/ou antagônicos, inte- africanas, faz-90 necessário fazer a história crítica ou a crítica idoció-
resses e conflitos que servem de combustível à sus dinâmica, ou seja, gica da antropologia desde 06 Inícios da colonização até us Indepen-
ANTROPOLOGIA E NPOCOLONIALISMO — M7
de» SENCUETISMO, ASSIMILAÇÃO, ACOMODAÇÃO, ACULTUBAÇÃO É LUTA DE CLASSES

dênclas desses países e mesmo depois das independéncias, na situa: sobre os Ashant:, tudo isto objetivando o controle colonial, via con-
ção chamada “neocotonialismo”, * trole cultural, Houve também em Tanganica experimentos de antro-
Da nossa parte, já havíamos escrito em outro local que pologia aplicada nos quais um antropólogo pesquisou com base em
perguntas específicas formuladas por um burocrata colonial. O go-
«va substituição do prolerário pelo primitivo não fal, contudo, um caso vero britânico na Nigéria e Costa do Ouro sempre partilhou a idéia
fortulto, Velo preencher aqueis vazio deestudos que se fazia sentir so- de que os nativos com posição tradicional eram melhores agentes lo-
bre as relações met rópoleicolônia colocadas na ordem do dia por uma
cais da política do govemo, o mesmo ocorrendo com o colonialismo
sério do tatoras. Ora, essa Ioratura especializada ao tempo em qua
belga que na formação dos funcionários, segundo o antropólogo Ni-
mostrava a temendade de se procurar elevar o nivel de vida dessas po-
pulações nativas orlava técnicas de controle coloninl, exercondo &s au- caise, dedicava mais tempo ao estudo da etnografia e do direito cos-
toridadas dominio completo através dos chefes tribais, A destribalização tumeiro do que a Grã-Bretanha, Mas esta vinculação da antropologia
ura dosaconselhada oxatamento porque Os nativos ao abandonarem com o sistema colonial vai mais além. Em 1926, fundou-se o Institu-
os seus valores originais sa inseriam num universo do ação complata- to Internacional Africano para dedicar-se à pesquisa em antropolo-
mante novo, Dal o interesso dess4s amropólogos am estabslocorem gia é lingúística. O conhecimento (dos povos nativos) ajudaria o
técnicas de controle partindo dos elementos nativos que mantinhem
administrador a fomentar O crescimento de uma sociedade orgânica
o prestígio social entres 08 membros das respectivas tribos*
sã e progressiva, O East African Institute, por seu turno, especializou-
Kabengele Munanga, citando vários outros autores, refere-se se em estudar as consequências sociais da emigração da mão-de-obra,
a S. Adotevi, do Daomé, o qual submeteu essa antropologia co- as causas de as deficiências dos chefes de aldeias africanas atuarem
lonialista (crnologia) a uma griítica radical e contundente? Esta visão como agentes da política do governo colonial,
critica está se avolumando c, mais recentemente, os professores L. O Rhodes Livingstone Institute estudou a urbanização nas mi-
Grigulévitch e Semión Koslov, além de uma crítiça tcórica radical, nas de cobre da África Central e o West African Institute pesquisou
detiveram-se na anúlise das vinculações dessa ciência com órgãos de as populações empregadas nas explorações agricolas da Cameroons
inteligência e segurança das nações neocolonizadoras. * Development Corporation,
Centrando a sua análise na função neocolonizadora dessa an- Mas estas pesquisas não se limitavam à área ce exploração cco-
tropologia, o professor Maurício Tragtenberg escreve: nômica das regiões colonizadas. Desdobravam-se também em auxi-
liares de objetivos militares. Diz Maurício Tragtenberg que é “por
Mais nítida é a vinculação entre o imperialismo e a antropologia. Por ocasião da Segunda Querra Mundial que o governo norte-americano
ocasião do fim da Guerra dos Bosrs (1890/1902), os antropólogos In- empregou antropólogos com a finalidade de explicar a cultura das
glesos procuravam apicar seus conhecimentos tendo em vista fins prá-
zonas ocupadas àqueles membros do Exército que precisavam do tra-
ticos. O Royal Antropological Institute apresentou, na ápoca, ao Se-
oratário de Estado para as Colônias, a proposta para quo se estudas-
balho dos nativos como operários, ou mensageiros", * Depois de ci-
sem as leis e instituições da diferenciação tribal na África do Sul. Tal tar numerosos outros exemplos da aplicação da antropológia em
estudo tinha em mira criar uma base pobtica administrativa “"recionar. projetos militares por parte dos colonizadores, Maurício Tragtenberg
A administração dos povos coloniais sempro fol considerada terreno conclui;
privilegiado para & aplicação do conhecimento antropológico. Os go-
O conhecimento antropológico pode servir ao imperialismo; desse mo-
vernos coloniais tinham noções diversas sobre £ rapidez do processo
do, um “antropólogo crítico” não podará “esquentar” durante muito
de "ocidentalização” dos “primitivos, * tompo cadeira no Centre National de Recherche Solentifique ou na Unl-
vorsidado de Cambridge, Especialmente 30 ele for voltado ao atusl. '
O mesmo autor passa & enumerar a função instrumental dessa
antropologia — chamados por ele de antropólogos coloniais — co- Como vemos há, de fato, uma vinculação entre us formulações
mo funcionários da Administração Colonial nas colônias inglcsas da teóricas e a instrumentalidade dessa antropologia. Daí um pesquisa-
África Tropical, dando cursos de antropologia aos governos domi- dor citado por Michel T. Clare afirmar que “outrora, a boa receita
nadores. A podido da Administração Colonial, Meyer-Fortes escre- para vencer à guerrilha era ter dez soldados para cada guerrilheiro;
veu sobre costumes matrimoniais dos Tallesi e Rattgray escreveu hoje, dez antropólogos para cada guerrilheiro”, *
DO “PRISITIVISMO FETICHISTA! À PUREZA ES CRISTIANISMO
38 SINCRETISMO, ASSIMILAÇÃO, ACOMODAÇÃO. ACULTURAÇÃO É LUTA DE CLASSES qu

2. Do “primitivismo fetichista"”” Mas, voltando àquilo um período de acomodação) através da influência crescente do cris-
à “pureza” do cristianismo que nos interessa de tianismo (religião superior) nos xangôs do Recife,
modo central, quere- Jamais Waldemar Valente viu à possibilidade inversa, isto é, a
mos destaçar aqui que certos conceitos ds antropologia revelam, de influência cada vez maior daquelas religiões chamadas fetíchistas no
forma transparente, outras vezes em diagonal, a sua função de ciên- âmago das ““delicadezas'* do cristianismo. Não foi visto que dentro
cia auxiliar de uma estrutura ncocolonizadora, de um critério não-valorativo não há religiões delicadas ou ferichis-
fas, mas, em determinado contexto social concreto, religiões domi-
Sobre o conceito de sincretismo, tão usado pelos antropólogos
brasileiros que estudam as relações imterétnicas no particular da rell- nadoras é dominadas. No nosso caso, dentro inicialmente de uma es-
gião, convém destacar que até hoje ele é usado, quase sempre, para trutura escravista, O cristianismo entrava como parte importantíssi-
definir um contato religioso prolongadoe permanente entre membros ma do aparelho ideológico de dominação e as religiões africanas eram
de culturas superiores < inferiores. A partir daí, de um conceito de elementos de resistência ideológica e social do segmento dominado.
religiões animistas em contato com o catolicismo basicamente supe- Parece-nos que está justamente aqui a necessidade de sc analisar a
rior, o qual é, na matoria das vezes, à religião do próprio antropólo- influência do conceito de sincretismo criticamente, pois ele inclui um
go, passa-se a analisar os seus efeitos. julgamento de valor entre as religiões inferiores e superiores que, pe-
O professor Waldemar Valente, em um trabalho muito difun- lo menos no Brasil, reproduz a situação da estrutura social de domi-
dido «e acatado sobre o sincretismo afro-brasileiro/católico, assim de- madorcs c dominados,
fine O processo: Numa outra aproximação crítica, desta vez sobre o problema
específico do sincretismo laro sensu, Juana Elbcin dos Santos escreve
O trabalho do alnoretlsmo afro-cristão, a principio, como [á tivemos oca: que:
sião de assimilar, não passou de mera acomodação. Tal fenômeno, co-
mo já ficou acentuado, foi devido à momentânea incapacidade mental Desde bruxaria, magia, sistema de superstição, fetichismo, animismo,
do negro para easimilar os delicados concaltos do Cristlanismo. A im- até as mais pudicas dominações dos cultos afro-brasholros, toda uma
possiniidade de uma rápida Integração. Condição que não deve ser me- multiplicidade de designação tsva implícito negar o caráter de religião
nosprezada na obra de assimiação, que constitui, no nosso var, O pro- so sistoma místico legado pelos africanos e reslaborados pelo seus
cesso final do sincretismo, é O tempo, O que parece certo, como tive- descendentes, despojando-os de valores transcendentais e encobrin-
mos oportunidade de chamar a ntenção, é que Os negros recebiam a do sobrmtudo o papol histórico da religião como Instrumento fundamen-
resiglão como uma espécia de anteparo por trás do qual escondiam ou ta! — já que à independência espiritual foi durante longo tempo a úni-
disfarçavam consciuntemente 98 seus próprios conceitos raligiosos. ca liberdade individum do negro — que nucleou os grupos comunitá-
(..) Das pesquisas que temos restizado na Intimidade dos xangós per rios que se congtiulram em contros organizadores da resistência cul
nambucanos não nos tem sido difica constatar a influência sempre cres- tural e da elaboração de um ethos específico que resistiu às pressões
centé que o ostolicismo vem exercendo sobre o fetichismo africano, * de desvalorização e de domínio, (...) A religião atro-braslioira, assim como
o cristianismo, é o rasultado de um longo processo de seleção, asao-
Queremos destacar, aqui, a forma como Waldemar Valente co- ciações. reintorpretsções de elomamtos herdados e outros novos, cu-
Joca e problema do sincretismo: de um lado o cristianismo (aliás ele las variações foram so estruturando de acordo com as etnias locais
escreve palavra com € maiúsculo) c, de outro, O fetichismo africa- e de um inter-relacionamento sócio-econômico, mas todas elas dell-
noundo um sistema cultural básico que serviu de resposta às Institul-
no, Uma religião delicada (superior) e outra fetichista (inferior). Dai,
ções oficiais. **
evidentemente, à influência sincrética ter de ser como ele conclui, cres-
cente da dominante (superior) sobre à dominada (inferior) ou, para O painel de visualização aqui é bem outro na colocação e inter-
continuarmos no mesmo nível de argumentação por efe desenvolvi- pretação do problema das religiões e do processo sincrético. Já não
do: os negros, membros de uma religião fetichista, por incapacidade temos, agora, conforme se vê, a superioridade e delicadeza do cris-
mental, “não tinham condições de assimilar, em curto prazo, os deli- tianismo € o fetichismo das religlões africanas, fato que levaria a que
cados conceitos do Cristianismo"”, o que somente se verificaria (após o cristianismo superior pulverizasse ou fragmentasse, neutralizasse ou
inferiorizasse os valores religiosos das camadas animistas dominadas.
49º SINCRETSMO. ASSIMILAÇÃO. ACOMODAÇÃO, ACULTURAÇÃO E LUTA DE CLASSES DO “PSEMITIVISAO PETICMINTAS A SPUNELAS DO « BISTIANISMO ap

A falta de capacidade de captar as abstrações da religão superior é O teólogo Leonardo Boff, por exemplo, refletindo esta limita-
reanalisada e o universo religioso afro-brasileiro resgatado, Juana El- ção, expõe assim O assunto:
bein dos Santos não hicrarquiza, mas desenvolve um persamento que
Pode ocorrer O processo inverso: uma religião antra em contato com
demonstra satisfatoriamente que tanto as religiões africanas e de seus
O cristianismo é, Ro invés de ser convertida, ola convorte o cristiania-
descendentes como o cristianismo passaram pelo mesmo processo de mo para dentro da sus identidade própria. Elabora um sincretismo utl-
elaboração genética. A diferenciação somente surge em conseguên- lizando elamentos da religião cristã. Ela não passa a ser cristã porque
cia da inferiorização social, cultural e política daquelas populações sincretizou dados cristãos, Cominua pagã é articula um sincretismo
que foram trazidas coercitivamente para o Brasil, É uma visão do do- pação com conotações cristãs. Parece que algumas pesquisas têm re-
vaiado este fenômeno com a religião (candombis ou nagé) no Brasil,
minador e não da religião superior que a autora desmistifica.
Cabe, portanto, agora, um momento de reflexão: até que pon- Mas, prossegue O mesmo auror:
to os antropólogos brasileiros, ou principalmente aqueles influencia- teto não signífica que a religião yoruba seja destituída de valor teoló.
dos por um culturalismo colonizante, analisam e interpretam à in- gico. Significa apenas que ola deve ser Interpretada não dentro dos
fluência dessas religiões a partir dos padrões da religião dominadora? parâmetros intra-slatâmicos co eristianismo como se tora uma congre
O sincrético, para muitos deles, somente € analisado a partir da tização do cristianismo, como é, por exemplo, o catolicismo populsr,
inferioridade das religiões do dominado, razão mas no horizonte de história da salvação universal. A religião vo-
pela qual u ótica
ruba concretiza, ao seu lado, o oferecimento salvitico de Deus: não é
analítica sempre parte daquilo que se incorporou ac espaço religioso ainda um cristianismo temático que à si mesmo se nomeia, mas, por
do dominado, porém nunca, cu quase nunca, daquilo que o domi- causa do plano salvifico do Pai em Cristo, constitui um cristianismo
nado incorporou e modificou no espaço religioso do dominador, anónimo, **
concluindo-se, por isto, o processo ainda segundo Waldemar Valen- A tese, decodificada para uma linguagem antropológica, signi-
te e outros que seguem a mesma orientação teórica, na assimilação. fica a assimilação, a transformação das religiões afro-brasileiras, em
Como vemos, há uma axiologia implicita, subjacente, nesta for- última instância, em cristianismo popular, em religião que se purifi-
ma de analisar-se o contato entre os dois universos religiosos: reli- ca ao se aproximar dos valores dogmáticos do cristianismo, embora
giões africanas e afro-brasileiras e cristãs, especialmente católica. A com espaços de concessão liberados pelos teólogos.
assimilação seguirá apenas um caminho, não havendo possibilidade Queremos centrar a nossa análise no presente momento no
de um processo inverso? A esta possibilidade reage institucionalmen- sincretismo que se verifica entre as religiões afro-brasileiras e o Cris
to a religião dominadora, criando sanções contra essa contaminação tianismo, especialmente o catolicismo, e, por isto, não iremos dar
à sua “pureza”. exemplos — históricos e atuais — de como o fenômeno acontece no
Pretendemos demonstrar que, mesmo inconscientemente, O re- que diz respeito ao contato entre as religiões indígenas e os grupos
ferencial básico de comparação, nesses estudos « pesquisas, é a reli- ou instituições cristãs, 1º
gião dominante, considerada, por extensão, como superior. A posição Para esses estudiosos, antropólogos, sociólogos e/ou sacerdo-
de untropólogos, que se dizem imparciais, “científicos”, não se dis- tes, de várias formações teóricas mas todos convergindo sincronica-
tancia muito do que estamos afirmando. Partem de um critério sub- mente nas conciusões, depois de um período de acomodação (período
jetivista, curocêntrico (algumas vezes patemalista e/ou romântico), de resistência, portanto, pois a acomodação pressupõe a consciência
por não considerarem as contradições sociais no seio das quais esse pelo menos parcial do conflito) o processo deverá desembocar fatal-
prócesso sincrético sc realiza, para concluírem pela assimilação da re- mente na assimilação. E com isto as religiões afro-brasileiras, por in-
ligião oprimide no conjunto místiço da religião dominadora, feriores, fetiçhistas, e, por isto mesmo, incapazes de dar resposta às
Mesmo os católicos que desejam dar ums visão humanista à indagações e inquietações místicas satisfatórias dos afro-brasileiros,
compreensão da inter-relação entre religiões diferentes têm de consi- seriam diluídas na estrutura do catolicismo, religião capaz de respon-
derar o cristianismo (muitas vezes q catolicismo) como o referencial der, a essas indagações à medida que os afro-brasileiros fossem se ca-
superior. *? pacitando mentalmente a entender as delicadezas do catolicismo.
AOS TURAÇÃO É LUTA DE CLASSES ASSUMI LAÇÃO PARA ACABAR COM À CINTURA COLONIZADA 43
dd SINCKETISMO, ASSIMILAÇÃO, MOOBBOD AÇÃO,

3. Assimilação O problema da assimilação, no seu as- teremos como conclusão lógica a necessidade de se fazer com que as
para acabar com pecto lato, tem uma conotação políti- religiões chamadas fetichistas, inferiores, se incorporem, também, aos
a cultura colonizada ca. A política assimilaionista foi, padrões católicos ou cristãos de um modo geral, da mesma forma co-
sempre, aquela que as metrópoles pre- mo, nos contatos étnicos, se apregoa um branqueamento progressivo
para neutralizar a resistência cultural, so- da nossa população, através du miscigenação, ate chegar-se a um ti-
gavam como solução ideal
atório (as me- po o mais próximo possível do branço curopçu.
cial e política das colônias. O chamado processo civiliz
papel “civil izador ”) era sransf ormar as Essa assimilação assim concebida tem uma essência escamotrea-
trópoles tinham sempre um
e valores políticos do dora da realidade via valores neocolonialistas, ileologia que ainda
populações subordinadas aos padrões culturais
Cabral. Diz ele: faz parte do aparelho de dominação das classes dominantes do Brasil
colonizador. Este aspecto já foi analisado por Armilcar
e de grandes camadas por elas influenciadas. Tomando-se como pers-
lação progressiva
É, por exemplo, o caso ds pretensa teoria da assimi pectiva de análise uma visão alienada do problema, a conclusão que
não passe de tentativa, mais ou menos
das populações mallvas, que
racasso desta se tira é de que, de fato, essas religiões fetichistas existentes devem
vichenta, do negar a cultura do povo em questão O nitidof ser incorporadas às civilizadas c os seus membros ou grupos, não as-
prática por alguma s potênc ias colonia is, entre AS
Meorta”, posta em
ildade, senão mes- similados, transformados em quistos exóticos, em reservas religiosas
quais Portugal, é 4 prova mais exidente da sus Inviabl
mo do seu carátor desumano. (... Estes fatos dão
bom amedida do dra- que não mais representam os padrões da cultara que foi e está sendo
a resida de cultural do povo elaborada: a cultura nacional. Folclorizam-se, então, esses cultos res
ma do domínio estrangelro poranto
igualm ente a íntima ligação , de dependência
dominado. Demon stram ligiosos não-assimilados e eles são apresentados e/ou estudados co-
cultura l é o fato econômico (po
a reciprocidade, que existe entre o fato mo representantes de religiões enlatadas, resquícios do passado, fósseis
compor tament o das socied ades humana s. (.) O valor da cul
fltico) no função dinâmica no presente.
domini o estran geiro reside no religiosos sem nenhuma
tura como etementos de resistência ao
a manife stação vigoros a, no plano ideológ ico cu idea Folclorizados os grupos representativos das religiões afro-
fato 46 ele ser
ca da socled ade domina da ou a do- brasileiras, passa-se à não se ver mais funcionalidade nas mesmas,
lista, da realidade material « históri
de históri a de um povo, a cultura determ ina simulta- isto é, elas não desempenhariam mais nenhum papel religioso diná-
minar. Fruto
e quo exerce sor
neamenta a história pela influência posíliva ou negativ mico, mas, apenas, servem para serem vistas, de fora para dentro,
ão das relaçõe s entre o nomem a & seu moio e entro os
bre à avoluç como, não direi um espetáculo, mas como amostragem de uma ma-
de uma socied ade, assim como
homens ou grupos numanos no selo
diferen tes, ** nifestação religiosa que não sc encaixa mais no sentido da dinâmica
ontre socied ados
da sociedade brasileira e da sua cultura nacional, São, portamo, ob-
No caso específico do Brasil em relação hs culturas af ro-bra- jetos de estudo para sc demonstrar como a assimilação incorporou
de um pais
sileiras há nuanças di ferenciadoras, pois não estamos diante as populações afro-brasileiras ao processo civilizatório; e a conserva-
mas O conteuú-
ocupado por membros de uma população estrangeira, ção dessas religiões, por outro lado, serve para mostrar à existência
é a mesma. 1 odas
do do assimilacionismo, à sua estratégia ideológica de grupos que não tiveram condições de acompanhar o ritmo assimi-
ese c enstianiza-
as técnicas de incentivo à assimilação, desde a catequ tacionista do nosso desenvolvimento social, cultural e religioso,
tados por
ção aos planos regionais e “edentificos” de etnólogos contra atrasando-se na história.
empreg adas para
instituições colonizadoras, foram € continuam a ser Em cima disto há, evidentemente, toda uma produção acadê-
s especif icas nas
que a assimilação seja acelerada. Apesar dessas nuança mica bastante diversificada, Há, mesmo, a participação de personas
do contaro
relações interétnicas entre “brancos” e negros no âmbito lidades « autoridades acadêmicas em reuniões de entidades religiosas
o católica do-
religioso, o aparelho de dominação ideológico da religiã negras, todas, porém, ou a sua maioria esmagadora, vendo as reli-
que, via Sintre-
minadora continua atuando no sentido de fazer com giões afro-brasileiras como componentes inferiores do mundo religioso
2o bojo do
tismo, as religiões afro-brasileiras sejam incorporadas institucional. O próprio paternalismo de alguns, que no passado se
cismo popula r.
catolicismo e permaneçam assimiladas no nível de catoli propuseram paradoxalmente a dar uma assistência psiquiátrica &
das diferen tes reli-
Estabelecida uma escala de valores em cima essas entidades (Ulisses Pernambuco, em Recife), bem demonstra co-
o superior, mo ainda estamos longe de ver essas religiões como um dos compo-
giões em contato € elegendo-se o catolicismo como religiã
ds SÂNCRETEMO. ASSIMILAÇÃO, ACOMODAÇÃO, ACULTURAÇÃOÉ LUTA DE CLASSES AQUETURAÇÃO SAIRSTITIM 4 LUTA DP CLASSES as

nentes normais do mundo religioso de uma grande parte da nossa So- Temos a impressão, mesmo, de que este conceito foi o mais usa-
cicdade, da mesma forma que as religiões de outras etnias que para do nos últimos anos pelos cientistas sociais brasileiros na abordagem
aqui vieram. do assunto. O conceito de aculturação é empregado constantemente
O que não sc pode aceitar, mesmo sem se tomar nenhum parti- como aquele que explicaria e definiria de forma abrangente e satisfa-
do religioso específico desta ou daquela religião — COMO É O NOSSO tória as formas de contato permanente e as transformações de com-
caso — é ver-se as religiões afro-brasileiras consideradas como coisas portamento entre a população negra dominante (antes da Abolição,
exóticas, e, ao mestno tempo, defender-se o reconhecimento do di-
escrava; depois, marginalizada) e os grupos representativos da cultu-
reito — aliás plenamente justificável — para outras celigiões que vie-
ram posteriormente, como o budismo, do grupo japonês. Elas já se
ra dominante do ponto de vista econômico, social e, por extensão,
incorporaram aos padrões da nossa cultura, pelo menos regionalmen- cuktural, Ora, este conceito, cunhado exatamente para explicar o con-
te, mas as religiões afro-brasileiras devem ser assimiladas pelos pa- tato entre aquelas culturas que se expandiam como transmissoras da
drões do catolicismo. o “civilização” (colonizadores) e aqueles povos dominados, ágrafos,
O que significa, em última instância, esse interesse assimilacio- considerados portadores de uma cultura primitiva, exótica (coloniza-
nista da parte de entidades governamentais, grupos e instituições re- dos) e cujos padrões, por isto mesmo, cram mais permeáveis a uma
ligiosas, segmentos da própria comunidade científica em relação às influência modificadora por parte da cultura dominadora, tem limi-
religiões dos descendentes de africanos? Temos de cristianizar Os adep- tações científicas enormes.
tos dessas religiões da mesma forma como temos de branquear anos- Toda a manipulação conceitual objetivava a demonstrar como
sa população? Por que o candomblé e outras formas de manifestação nesse contato cultura! os povos dominados sofriam a influência dos
do mundo religioso afro-brasileiro devem ser vigiados, fiscalizados, dominadores e disto resultaria uma síntese na qual os dominados
assistidos e, muitas vezes, perseguidos, enquanto as demais religiões também transmitiriam parte dos seus padrões à dominadora que os
conseguem manter, conservar c desenvolver, dentro de padrões imsti- incorporaria à sua estrutura cultural básica. Com isto, os povos acul-
tucionais, os seus nichos religiosos, sem que sejam consideradas info-
=" turados seriam beneficiados. Era como se não houvesse contradições
riores, exóticas, fetichistas, animistas ou patológicas?
sociais estruturais que dificultassem c/ou impedissem que os padrões
É sobre este assunto que iremos nos deter no nosso último nível
culturais de etnias ou povo dominado fossem institucionalizados pe-
de reflexão sobre o assunto. As religiões africanas, ao serem trans-
plantadas compulsoriamente para o Brasil, faziam parte de padrões la sociedade dominadora. Isto é, que religião, indumentária, culiná-
culturais daquelas etnias que foram transformadas em populações ria, organização familiar deixassem de ser vistas como padrões
escravas. Essas religiões assim transportadas eram, por tmúmeros me- pertencentes a minorias ou grupos dominados e passassem à posição
canismos estabelecidos pelo aparelho de dominação ideológica colo- de padrões dominantes,
nial, consideradas oriundas de populações “bárbaras” e que, por isto Na verdade as coisas acontecem de forma diferente, No Brasil,
mesmo, foram escravizadas. A religião dominante, do escravizador, o catolicismo continua sendo a religião dominante, a indumentária
no caso concreto que estamos analisando, o catolicismo, fazia parte continua sendo a ocidental-européia, a culinária afro-brasileira con-
desse mecanismo de dominação não apenas no nível ideológico, mas, tinua sendo apenas uma cozinha típica de uma minoria étnica e assim
também, em nível de participação estrutural no processo de escravi- por diante. Isto é, no processo de aculturação os mecanismos de do-
zação dessas populações. minação econômica, social, política e cultura! persistem deserminan-
do quem é superior ou inferior.
Para os culturalistas, no entanto, o ato de “dar e tomar” os
4, Aculturação Outro conceito abundantemente utilizado pe traços e complexos culturais seria um todo harmônico e funcionaria
substitui a los nossos antropólogos e sociólogos no estu- como simples acréscimos quantitativos de cada uma das culturas em
de classes do das relações interétnicas no Brasil, espe- contato, Os elementos de dominação estrutural - econômico, social
clalmente no relacionamento entre branços € e político — de uma das culturas sobre a outra ficaram diluídas por-
negros é o de acuituração. que esses contatos permanentes trocariam somente ou basicamente
E LUTA DE CLASSES MOULTURAÇÃO SUBSTITUI À LUTA DE CLASSES 47
ASSIMILAÇÃO ACOMOLUIÇÃO. AQULTURAÇÃO
é SANCRETEISMO,

culinária, organização fa- nadora e de outras dominadas estimula a desigualdade social dos mem-
o superestrutural. Religião, indumentária, essa dinâmi- bros das dominadas através de mecanismos mediadores que neu-
esse movimento,
miliar entraciam em intercâmbio, mas,
formas fundamentais de pros tralizam a revolta dos membros das culturas dominadas. Através des-
ca de dar e tomar não se estenderia às ses mecanismos mediadores os membros das culturas dominadas
da cultura superior co-
priedade, continuando, sempre, 05 membros submetem-se ao controle da cultura dominante.
e dominados por man-
mo dominadores « da inferior como socialment No particular, concordamos com G. Lienhardt quendo afirma
dos meios de produção.
terem os membros da primeira à posse que “é necessário distinguir entre cultura, como soma dos recursos
contato, não retratan-
O culturalismo exclui a historicidade do materiais e morais de qualquer população e os sistemas sociais”, 1”
em que cada cultura se
do, por isto, a situação histórico-estrutural Isto porque os mecanismos que produzem a mudança cultural
se pode destacar o conteu-
encontra nesse processo. Desta forma não têm pouca relação com aqueles que produzem a mudança social. O
lizar cientificamente quais problema de uma sociedade poliétnica dividida em clusses não pode
do social do processo e não se comegue visua ao e
dinâmica social e que, ser resolvido apenas através da aculturação. Muitas vezes, pelo con-
são aquelas forças que proporciozam a
do contato entre sm a trário, a aculturação pode servir para dificultar, amortecer ou dife-
ver, não têm nada a ver com os mecanismos de
contato horizontal renciar o processo de mudança social, Isto porque a estrutura social
ras. Para nós este dinamismo não está nesse mem- tem mecanismos diferentes daqueles que atuam no plano cultural. No
na posição vertical que os
traços « complexos de culturas mas caso específico do Brasil queremos dizer que enquanto se realizou in-
tura social, ou seja, no sistema
bros de cada cultura ocupam na estru tensa é continuamente o processo de aculturação, pouco se modifi-
ropriedade. cou no nível econômico, social e político a situação do negro porta-
tem a ver com 05 est
“ep to quer dizer que a aculturação nada dor das culturas africanas,
nem modifica, no funda-
nismos impulsionadores da dinâmica social subalter-
Em palavras mais simples, esclarecedoras e objetivas: a acultura-
ros da cultura
mental, a posição de dominados dos memb ção não modifica as relações sociais e consequentemente as instituições
fundamentais de uma estrutura social. Não modifica as relações de pro-
brasileiros podem continuar se dução. No que diz respeito à sociedade brasileira, no seu relacionamen-
camada outras palavras: os negros
na religião, na cozinha, na in-
aculturando constantemente influindo to interétnico, podemos dizer que há um processo constante daquilo que
populares, mas, no fun-
dumentária, na música, na lingua, nas festas se poderá chamar aculturação, Uma interação que leva a que muitos
influirá nas modif icações da sua situação traços das culturas africanas c afro-brasileira realizem uma trajetória per-
damental, essc processo não
ao brasileira, à não ser em manemte de contato com a cultura dominante, aparecendo isto como
na estrutura econômica € social da
iduai s. uma realidade no cotkliano do brasileiro, No entanto, do ponto de vis-
es não-significativas ou indiv
meca nism os que imprimem di- ta histórico-estrutural, a nossa sociedade passou apenas por dois perto-
ig a isto eráadt dizer que os
poliétnica, dividida em ue dos básicos que foram; a) até 1888 uma sociedade escravista; b) de [889
nâmica à estrutura de qualquer sociedade mé hoje uma sociedade de capitalismo dependente,
undo do que aqueles níveis da
ses, está em um nível muito mais prof A circulação de traços das culturas africanas, seu contato com
produ zir qualquer mudança Ro
aculturação que não têm forças para a cultura ocidental-cristã dominam, finalmente, os contatos horizon-
os inter nos das estruturas ”
cial, Essa dinâmica surge de mecanism tais no plano cultural, quase mada influtram para mudanças substan-
os maiores ou menores de
sociedades poliétnicas, estabelecendo ritm um plano pas-
tivas da sociedade brasileira. O culturalismo, como vemos, não dá
o realiza-se em
transformação, Enquanto a aculturaçã elementos de análise e interpretação para saber-se as causas que de=
engastudas aciona oe
sivo, a sociedade na qual essas culturas estão terminaram essas mudanças. Conforme veremos em outro capítulo
em dos anta gonismos surgidos da
tras forças dinamizadoras que nasc deste livro, as populações descendentes das culturas africanas, ape-
esnia ocupam no procês-
posição que os membros ou grupos de cada sar do grande ritmo e intensidade do processo aculturmivo, continuam
congeladas nas mais baixas camadas da nossa sociedade. Os níveis
e
gu DE SME aceitar o conceito eculiuração como aquel de dominação e subordinação quase que não se modificaram durante
mas, pelo contrário, aum praticamente quinhentos anos. A dinâmica social que produz à mu-
que iria explicar as mudanças sociais,
o em uma socie dade comp osta de uma cultura domi- dança depende de um conjunto de causas que nada têm a ver com
que a aculturaçã
ACULTURAÇÃO SUBSTITUI 4 LUTA DE CLASSES 49
ACULTU RAÇÃO E LUTA DE CLASSES
SINCRETISMO. ARSIMILAÇÃO, ACOMODAÇÃO,
48

vo, Em consequência, os cos-


q nível e extensão do processo aculturati ento não- CULTURA BRANCA
s de casam
tumes funerários, organização famitiar, forma
grupo s de lazer, culto, ritual, (DOMINANTE)

A
institucionais, religião, festas religi osas,
a, pintura etc. todos esses
técnicas agrícolas domésticas, arquitetura rústic

f
a dominante, contanto

BURIUSUNpu|[—
traços culturais podem ser incorporados à cultur

oujeqei] op
(C.6L-68BL) — Z
ntos de uma cultu-

seotuo |
sendo eleme

opidisy
nuem

Equizoo
que, na estrutura social, eles conti

VISITYLIdVO

PoIsnW

endum
ou agreg ados suple menta res à cultura dominan-
ra de folk, primitivista
domin antes . Isto somente
te. Jamais esses traços ascenderão ao nível de l que cleve

OALVENINOY
nça social radica
acontecerá se houver um processo de muda o social e política.
ira à domi naçã

OvôNdoHUd Ja SOGON
os componentes da cultura afro-b rasile
s dese mboc ar di-
Absolutizando-se O processo aculturativo iremo

[re

- df
je
— a—

to
tão caro à inúme ros So-
retamente no conceito de democracia raciat,

«e
a dançando em uma escola
ciólogos é políticos brasileiros. Uma branc

«+
tão apre-

a
democracia
de samba com um negro não seria símbolo dessa

fia
o dentro desta óti-

Tsvas
o? Nada mais lógic

qt—
goada, via canais da acult uraçã

em

4
4
esses dois mem-

e
socia lment e,
ca de análise da realidade. No entanto,

fo
e
re
idos em uma escala de valores e
bros da escola de samba estão inser
os sociais imensamente

dfee—
de realidade social bem diferentes e em espaç

ta

«4
são projetados como eleme n-

0OSSIDOHA
af
«e
distantes. Simbolicamente, contudo, eles
acult uração, chegamos a diluir
tos que comprovam como, através da

(ggeL-0594) — L

ima
os níveis de conflitos sociais existentes.

«+
VISIAVHOSI
de produção que

fm
A realidade demonstra o contrário. O modo

o
de produção
. As relações
existe no Brasil é O capitalismo dependente

eURJUSUINpU]
a

OUledeil op
básiça da nossa soçieda-
determinam, em última instância, a estrutura

se9jUIB]
ogibijeH

eyulzoo
frações de classes que,

eIISNN

enôum
espaço social diversas classe s e
de, alocam no
com o nível da luta de classes.
por seu tumo, são dinamizadas de acordo
os descendentes dos afri-
Por questões de formação histórica,
decorrência da sua situação
canos, os negros de um modo geral, em
camadas da nossa sociedade.
inicial de escravos, ocupam as últimas
é tamb ém considerada inferior e so-
Em consequência, a sua cultura
cultura primitiva exó- Na CULTURAS NEGRAS
mente entra no processo de contato como sendo (DOMINADAS)
la unidade cultural almejada
tica, assimétrica e perturbadora daque
. A aculturação, por
e que é exatamente a branca, ocidental e cristã
espaç os cultu rais neutros para
isto, é aceita (permitida) porque cria como já dizia
Pelo gráfico acima, podemos ver que à sociedade brasileira na
a desgr aça comu m"
que os negros não se unam “ante ica social,
sua trajetória econômico-social teve apenas dois modos de produção.
é porta nto um eleme nto de dinâm
o Conde dos Arcos. Não € Os seus segui-
O primeiro foi o escravista e o segundo o capitalista (dependente).
antes
mas um mecanismo usado pelas classes domin ne- Enquanto isto, houve um fluxo permanente do processo aculturativo
alização da população
dores ideológicos para neutralizar à radic entre as culturas africanas dominadas e a cultura branca dominante,
ar-no s internacionalmente como
gra, de um lado, e, de outro, mostr sem que esse processo tivesse influído na mudança social estrutural,
a maior democracia racial do mundo. isto é, na passagem de um modo de produção para outro. Prova de
tura social, de um lado,
No entanto, do ponto de vista de estru que o processo aculturativo não influiu em nenhuma mudança subs-
pode mos esque matiz ar essa realidade da se-
e aculturação, do outro, tantiva da sociedade brasileira, ou seja, nas suas relações de produção.
guinte forma:
CLASSES
88º SANCRETISMO, ASSIMILAÇÃO, ACOMODAÇÃO, ACULTUNAÇÃO ELATA DE ACULTURAÇÃO SUBATITUE À LUTA DE CLASSES 44

Alguns antropólogos no Brasil, ao sentir a insuficiência os De: estrada de uma só direção o a sua baso ideológica encontr
a-se em no:
oa Pp esa ções de superioridade cullural de um povo e na
todos culturalistas e dos e sa de outro,
inferioridade culturas
turação, procuram completá-los com a psic esa
Uma Idéia que eu não posso aceitar Por não ter
o mais representativo desses cientistas sociais. Ele acre ; qualquer evidência é
ado que na Tarra existam culturas superiores e cultura
se. s Interiores. Uma
o da psicanálise com o método histórico-cultura Cultura nunca é superior ou inferior. Ela explica
-so estruturalmente, ou
otnstaasão científica das relações Ra e seja, pelo seu conteúdo. Não há culturas superio
ia poi res e inferiores. Esse
Brasil. Esse conceito — aculturação — surgiu exatamente pur ae Processo, acultureção, basela-sa numa Ideologia
aque defendo a axis
da tência de diferenças de qualidado entre culluras
nalizar os contatos entre membros de socied ades E a
e propõe teoricamen-
to que as “culturas inferioros" devam adaptar-se às
s “culturas supe
colonizados c grupos de dominação colonizadores. no rlores"; as culturas “traças” às “mais fortos” tisto
é outra forma de dk
viu. A sua junção com a psicanálise, numa opção pendular, apr zor suparior/Intertor).
tra a resistência desses cientistas sociais a uma opção pelo nor Assim como, de um ponto de vista colonialista, as cultura
s africenas
dialético diante do problema. Artur Ramos, por isto mesmo, €
sram consideradas inferiores, também nas cultura
s africanas no Novo
Mundo (no Contlnonto Amerk: ano) foram supostas de
em 1937: se terem acultus
rado às culturas européias, Tal conçuito não
é aceitável porque não
no há provas científicas que exista tal aculturação.
O método hintórico-cultural em etnologia evidentemente veio trazar Hoje, o estudo do con-
gonna Aqua id das cud tato guitural, do Intercâmbio cultural que so fez quando
vas luzes e múliipios aperte populações de
grupo: 4 | culturas diferentes se encontram, para estudar estes
materiais q espirituais fenômenos, acei-
ama neo tamos muito mais a concepção que foi pronunciada
as aa resolvou certas scan do potoctogia ae por Femando Ortiz: a concepção do transculturaçã
pala primeira vez
tos de solução. Para os que me oriticam uU o o o.
daqueles mútodo 203 meus livros sobre &s E prossegue Gerard Kubik:
a
ei lembro que hoje certos tratadistas so batem por pra na
gicos. (,..) Por outro tado ns o a an O Brasil 6 um tormidáaves exemplo de transculturaçã
ção do eritérios metodoló o entre culturas gtri-
é E
, cada vez maior, entre os historiadores e 99 pS canas de várias origens ( Yoruba, Kimbundu, Umbund
u) da cultura luso-
os trabalho s de Kurt Lewin, &plizand o à pel Drasilaira é outros esemantos de culturas européias. O Brasil
sont Interessantíssim 6 um bom
tos resultados metodológicos da Gastalt, telt, 0 08 de Saplr exemplo mas também Cuba, Haiti e outros palses
da América Latina,
Odo de outros autores aproximando a antropologia cultural Mesmo om África, por exemplo, Luanda também tem & sua
cultura par-
ga psicanálise, !* aut ticular que mostra muitos elementos de tanscul
turação,
Esta opção pendular entre antropólogos que sentem à jusufi- Depois de criticar 0 conceito de aculturação, substi
tuindo-o pe-
À e lo de transculturação *º, Kubik procura explicar como será possív
ciência do Rodo bisiirico = icará) ou funcionalista e el
postura crítica em relação aos mesmos, substituindo-os pera p vid fazer-se uma interpretação ciemtífica do contato entre cultura

DO
s. Af ele
lise, persiste até hoje. Por exemplo, o Cultural Scientist ( dA volta à solução pendular (culturalismo-psicanális
a
e, psicanálise-
Kubik, ao criticar as posições ddr E nc culturalismo) de forma unilateral. Afirma neste sentid
go) Gerard o;
explicação do comportamento dos colonialistas através de categ e
— UM SUrOpou, no tempo colonial, chega pela
primeira vaz & Africa, en-
contra squi uma cultura diferente da sua, Como resgirá? Elo
a é

= gere esteve em 1965 no Continente Africano, peça ficar o comportamento das pessoas de África como uma colsa
val idanti.
ei que ela
mente em Angola, onde exerceu intensa atividade como pamao não sabe quo está na sua palque. Às vezes como
uma colsa que elo
particularmente sobre as instituições mukanda do leste au pai roprime, mesmo por força dos seys parsntes. isto chama-se projeç
ão,
uanda,
Em entrevista concedida ao suplemento Vida & Curado
(:::) O auropeu projeta a tua própria personalidade Incons
ciente que ola
Afirma: Gstormina como inferior para os africanos. Isto quer
combate sistematicamente o conceito de aculturação. peu encontra om si mesmo o que ela entende como
dizer qua 6 euro
uma porsonalida-
a racuso q termo aculluração porque baseia-se om concepções de inferior o identifica-a com os afriçanos, Isto 6
0 mecanismo psé
less A são aceitáveis cientificamente para nós que queremos estu cológico que se passa em multos europeus e quo
08 leva a reações
é quass u ma
das uma cultura na sua própria expressão. A aculturação como: 36 esta europeu não aceita nada da eva person
alidade repri-
DA REBELDIA DO NÊGIO “BÁRBARO À DEMOCRACIA RACIAL 43
ACULTUNAÇÃO E EITA DE CLASSES
3 SENCRETISMEC», O, ASIMBLAÇÃO , ACOMODAÇÃO,
como um mecanismo de resistência ideológica social e cultural ao sis-
o para se protaipor DURA ptsda-
mida, oie cria uma forma de separaçã a dvd tema de dominação que existia, Desta realidade surgiram os elemen-
a cult ura, nesta caso 06 E
tonder porque os homens da outr ns beu tos que foram criados para que sc justificassem as técnicas de re-
ca com a sua pers onal idad e, que
este auropeu identifi pasa r o pressão, tanto ao escravo, que não se conformava e não se sujeitava
ação para ele
rlor, são ao mesmo tempo uma tent enteO quo a
viver assi m a do faze r exa tam à sua situação, assumindo a postura da rebeldia, como às suas reli-
ole gostaria ge e ade
ora a ssa
og africanos representam. Como ; giões, que eram o aparelho ideológico fundamental do oprimido na-
barreira,
inferior, ele pode estabelecer uma queias circunstâncias. Da mesma forma como se justificava a
ramos na ane bi pI ANO
LORENA: Conduz ao que encont Doido
pi e espa escravidão do negro pela sua condição de “bárbaro”, justificava-se,
é arcação que se poderia chamar
ão, ele vive, mas não quer viver junto dos concomitantemente, a perseguição às suas religiões, por serem feti-
, isto é uma reação porque se vivos chistas, animistas c demais designativos Lão bem enumerados por Jua-
ri dio vivo de uma forma separada
ura, para els é um perigo.
com cs membros da outre cult na Elbein dos Santos.
ar o leitor como certa cientis- O problema histórico-estrutural deve, portanto, ser levado em
Esta longa citação é para Inform
a dos métodos sua : ot consideração para entender-se o critério de julgamento que se estabe-
tas sociais, ao sentirem a insuficiênci À
A
icaações mais absurdas aind a. Ora, o que Gera leceu no passado e se estende até os nossos dias. Assim, podemos com-
em explic dia
fenômeno e se a preender melhor a atual situação dos padrões teóricos que ainda são
analisou foi por que este mesmo smo.
é, nos membros da cu p imida
(tura opr usados para à interpretação da função des religiões afro-brasileiras
E
nvérso, isto a
o c da situação do negro, do ponto de vista social e cultural, na socie-
Ena não destaca os métados
constantemente, numa sist À ennát ica de dominação vio dade de modelo capitalista que se estabeleceu no Brasil após a Aboli-
viu esse antropólogo que E deco ção. Geneticamente, as situações estruturais com níveis antagônicas
E DEoUlacões dominadas . Não
de pr ss
i o e maisj espec“ificamente o conceito
psi analític
o mét odo psic
determinam um comportamento repressivo dos dominadores e, em
portireeeçin ea
ni alismo e suaa política, o com contrapartida, um comportamento defensivo e/ou ofensivo do do-
para expl icarm os o cololoni jo-
ontera as pop
as elites
j dç poder c a violência pob tica cont sn
minado, Se, no plano da ordenação social, os senhores de escravos
justificam E o
as estamos criando explicações que
criaram uma ordem rigidamente dividida e hierarquizada em senho-
jent
ente e | indi vidu al é O res
D ponsáv e e pelo nn res e escravos, do ponto de vista do escravo há a organização de mo-
ção? Porque se esse inco i nsci
OC títico e militar dos grupos co vimentos para desordenarem a estrutura, única forma de readquirirem
queahajaj uma transtor i ação, via
f orm / terarappiaja de divã,4, na k psi- a sua condição humana, do ponto de vista político, social € existen-
a
rest a esperar nd

ong o
em O colonialismo e o neocolo-
que do colonizador para que termin
cial. E um dos elementos aproveitados é exatamente à religião, que
o tem, à partir dai, um significado religioso específico, mas, também,
alismo. s ca
e, o icon um papel social e cultural dos mais relevantes nesse processo.
' Como vemos, a falta de historicidad
O
ps do = a e e
dialética por parte dos culturalistas e ag
É nesse processo de choque entre as duas classes, inicialmente
SS08s sociais globuis,
icár pr processo
“analítijco aplij cado para explicar
durante o regime escravista (senhores e escravos) e, posteriormente,


lóg ico s de exp lic ação
densas fi a se perderem cm critérios ana entre as classes dominantes € os segmentos negros dominados, discri-

——
rip

tentam cientificame nte. minados e marginalizados, que iremos encontrar explicação para es-
€ Interpretação que não sé sus
sa realidade e, inclusive, para o grau de discriminação cristalizado
no racismo (cufemisticamente chamado de preconceito de cor) por

do
grandes parcelas da população brasileira que introjetaram a ideolo-
Os escravos formavam a chas
“tasse do»

=o
rebeldia socie dade gia das classes dominantes. As religiões afro-brasileiras, em razão dis-
minada funda menta l da
E TRC “bárbaro” to, deviam ser consideradas inferiores, de um lado, e/ou exterminadas,
à “democracia racial” escravista brasileira, Em consequên- ou ncutralizadas (assimiladas), de outro. Dal se procurar vé-las co-
cia disto, as suas religiões passaram mo elementos que representam não uma necessidade social, histó-
dorminad
I ores, senhores de escravos,
vos.
a ser vistas, por extensão, pelos
ACOMODAÇÃO, ACULTURAÇÃO É LUTA DE CLASSES DA KENÓLDIA DO NEDNO "BARDARO! À "DEMOCRACIA
4 SANCRETISMO. ASSIMILAÇÃO. RACIAL! 35

étnica que gente, liberal, : no qual se diluirio as religi


rica, cultural e psicológica de determinada comunidade cligiões afro-bras j I -
mas como remanes centes de uma fase já poradas subalternamente ao nível de um catolicismo
compõe a nação brasileira, a St
maior expressão teológica.
transposta da nossa história que precisa ser esquecida, PE
valores do aniVejamos
e , mais de perto,
perto, co como as coisas
Estabelecido um critério de julgamento à partir dos j a
acontec em € o seu sig-
justifica-
dominador em relação ao negro bárbaro €, por isto mesmo,
das religiões e Em primeiro lugar, i a religigião dominad
damente escravizado, o julgamento de inferiorização j ora continuaria degarti-
lógica, À me- culando a estrutura da religião dominada, tentando pulverizar ou feáá:
demais padrões das culturas africanas é uma conclasão
s, procura er a ea sarna e incorporá-la ao bojo da sua. Com isto.
dida que o sistema escravista sente o impacto dos escravo os
0 uso do aparelh o idcológ ico dos mesmos , co s res das religiões afro-brasileiras
sil ficariam na contingê
tingênci
nciaa d
resguardar-se contra
vos para que rir aos padrões da religião julgada superior. E, om io.
mo combustível capaz de dar-lhes os elementos subjeti
e discrimima- nr
eles adquiram consciência da sua situação de oprimidos
ação se concluiria. O chamado processo civilizatório sairia
mostra inúmero s exemplo s no particul ar. Neste cr no e fasso aqueles grupos que ainda resistissem a esse pro-
dos. A História nos
no caso € ; RE riam de capitul
sentido, apela-se para o aparelho ideológico dominador, pitular e, finalmente, seriam
jam integrad
i os na religião
igi
unidade exis-
no tempo & Igreja Católica, à fim de desarticular esta
. Õ aii aa opnão
tente entre o mundo religioso do negro e a rebeldia do escravo gar, na senta ade abrangente (capitalista) a filo-
de julgame nto. racia racial” (que conserva e preserva
antagonismo emergente gera, portanto, às diferenças 4 os val O-
vem nessas religiões element os de fesichi smo, de ma- o discriminatórios do dominador no nível de relações interétn
Os opressores icas)
em
gia, de forças capazes de fazer-lhes mai, diabólicas, na medida
, Pa como a filosofia vitoriosa e, com isto, teríamos a uni-
-los so- o : entes o
que supõem que os oprimidos delas se utilizam para combatê soa fui e uma nação civilizada, ociden-
situação de
cialmente ou se compensarem psicologicamente contra à
R , ca e capitalista. No entanto, | Í
s, a necessi- cretamente esta conclusão?
escravos. Surge, em decorrência, o medo a essas religiõe ii

a
simboli- Basicamente,
dade de proteção já em nível de temor psicológico, pois elas, nte, , manter
m a suj jeição de classes, é segmentos e gru $
, grupais € à e da discriminados. Na sociedade de capitalismo decindeito

* cod cabaça
camente, são um perigo às suas seguranças pessoais
repress ores são au stabeleceu no Brasil, após a Abolição, necessitou-se de uma
estabilidade e segurança do sistema. Os mecanismos
se sobreponha a osofia que desse cobertura ideológica a uma situação de antagoni
então montados e há necessidade de outra força que s-
do do- a a
no plano mágico à daquela religião ameaçadora: e a religião
Ra E ea como sendo uma situação não-co-
2
E com a força «€
minador entra cm seu auxílio neste universo conflitante.
o, 0 aparelho de dominação procuraria manter
rio

dominante, pro- enbaçã e classes oprimidas no seu devido espaço social e, para
material e social que lhe é conferida pela estrutura o
ormando-a em end necessidade de se neutralizar todos os grupos de resistência
cura desarticular a religião dominada, perigosa, transf e
al, da ns sã sociais, culturais, políticos e religiosos — dos domina-
religido de bruxaria. Não entram na análise objetiva, imparci
do signi- sa É omo à grande maioria dos explorados no Brasil é
cosmovisão dessas religiões, do seu universo cosmogônico, constituída
da posição ca ro-beasileiros, criou-se, de um lado, a mitologia da “democr
ficado do seu ritual, mas procuram inferiorizá-las à partir a-
de desarti- cia dm e de outro, continuou-se o trabalho de desarticulação
social em que os seus seguidores se situam. Esta tentativa das
, e ela é mon- suas rerigiões, transformando-as em simples manifestações de |
culação tem de ser feita através dc uma racionalização
objetivo ratório,
tada via valores da religião dominante é do desconhecimento aid ee
Na segilência da passa gem da escravidão para a mão-de-obra
é imparcial da religião dominada,
a assi- Pie o aparelho de dominação remanipula as ideologias de controle
Esta racionalização do processo chega por concluir que
pela formaç ão de uma instituições de repressão dando-lhes uma funcionalidade dinâmi-
milação do Brasil deverá terminar, de um lado,
ios e da Fá instrumental. Saímos, então, da mitologia do bom senhor
“democracia racial" simbólica e conservadora dos privilég é de
um catolic ismo abran- a sua escala de simbolização do passado para a democracia
discriminação e, de outro, pela formação de
E RAITA UHE CA ASSES
MOTAS E REFERÊNCIAS BIBSIOXIRAFICAS — S7
SINCESTEMO, ASUNILAÇÃO A (O ALO
ACO ACULTURAÇÃOS
sm

uiram resistência econômica, social, cultural é política dos dominados. No


racial atual, estabelecida pelas classes dominastes que substit
u- particular do Brasil, o trabalho dos candomblés, durante a escravi-
a classe senhorial, Com isto, refina-se o aparelho, há uma remanip
secundá rios no julgame nto do ex-escr avo e do dão e imediatamente após a Abolição, sempre foi visto como foco
lação de certos valores
s afro- de perigo social e racial, criando-se, por isto, inúmeros estereótipos
negro de um modo geral e, em nível de ideologia, as religiõe
ser vistas como manifestação do passado escra- Justificatórios contra o seu funcionamento, Como corolário de tudo
brasileiras passam à
n- isto, 20 tempo em que essas estruturas dominantes montam todo um
vista ou de grupos marginais que não tiveram condições de compree
s aparelho de peneiramento étnico, apregoam, através dos seus órgãos
der O progresso e que, por esta razão, deverão ser apenas Lolerada
não captaram por de comunicação, que somos uma democracia racial, isto é, nos apro-
diante da nova realidade social cuja mudança clas
endere m o ritmo do progress o, da mesma for- ximam cada vez mais de uma religião dominante e de um modelo de
incapacidade de compre
homem que se aproximaria, também, cada vez mais, do branco euro-
ma como não compreenderam as sutilezas do cristianismo.
peu, E com isto, a ideologia do colonizador sairia vitoriosa.
Já não se procura mais a destruição pur € simples dos pólos
cimi Somente em uma sociedade não-competitiva, as religiões, co-
de resistência como se fazia com o quilombola, mas cria-se, em
acultura- mo superestruturas, terão possibilidades de se desenvolverem sem ser-
desta situação conflitante, a filosofia da assimilação e da
gera- virem de instrumento de dominação social, política e cultural, Todas
ção, de um lado, e do embranquecimento, do outro. Toda uma elas, então, terão possibilidades iguais, não havendo, por isto, reli-
gou deste
ção de ensaístas é escritores, após a Abolição, se encarre giões superiores ou inferiores (dominadoras é dominadas), mas gru-
primeiros
trabalho ideológico até que, posteriormente, surgiram Os pos organizacionais religiosos que praticarão em liberdade c pé de
Bra-
ensaistas que estudaram, especificamente, as relações raciais no igusidade os seus cultos, cada um ocupando o seu próprio espaço
tendo uma vi-
sil, sendo que o seu pioneiro, Nina Rodrigues, embora na explicação sobrenatural do mundo, sem reproduzirem, na com-
negou
são paternalista em relação aos africanos e descendentes, jamais petição religiosa entre eles, a competição e os níveis de sujeição e do-
do
a sua posição quanto à aceitação, por cle, da inferioridade racial minação que a sociedade capitalista cria na terra. Com isto irão desa-
negro. parecendo lentamente das sociedades por falta de função e neccssi-
mas
Agora, já não é mais o escravo que luta contra O senhor, dade para os homens,
oprimido
um segmento majoritário na sociedade (o afro-brasileiro),

e também discriminado, que é apresentado como um perigo para
pelas classes dominantes.
Para concluirmos este capítulo, devemos dizer que os conceitos Notas e referências bibliográficas
da antropologia que tentamos analisar representam conceitos ideoló-
de
gicos que justificam o colonialismo e o neocolonialismo. Fugindo | MUNANGA, Kabengele. A antropologia « a colonização da África. Estu-
dinamismo
analisar as forças econômicas c sociais básicas que dão ; dos AfroAsiáticos, Rio de Janeiro, CEMA, |: 44 et seg.
às sociedades, esses cientistas sociais procuraram, através de concei- Moura, Clóvis. 4 sociologia posta em questão. São Paulo, Ciências Hu-
tos como aculturação e outros, escamotear essa realidade, criando con- manas, 1978. p. 51,
juntos lógicos muito bem montados e academicamente indestrutíveis 2 ADOTEVI, Ssanislas. Negritude et négrologues. Paris, Unioa Générale
pelas trans» 1972. Chamamos & atenção em especial pars o capítulo que
porque não se incorporam como norma de ação às lutas
d Editions,
cotonial « neo- inicia a 2º parte do livro, “Regard sur Veshnologie", no qual seu pensa-
formações das sociedades subalternizadas pelo sistema mento sobre o essunto é particularmente exposto.
logia,
colonial. Desta forma, ao tempo em que sofisticam à antropo * GriguLÉvITCH, lossif & KosLov, Semién, A ciência dos povos « os inte-
é
transformando-a em uma ciência aparentemente científica, neutra resses dos povos (contra o “colonialismo científico" na etnologia). Chén-
acima das contradições sociais, na essência, transfo rmaro-n a em una da URSS), Lisboa (2),
cizs Sociais Contemporâneas (Academia de Ciências
auxiliar da estagnação cultural e social. 1978, Passim.
arma
Enquanto existirem classes em luta, O dominador procurará, * TRAGTENHERO, Maurício. Sobre educação, política e sindicalismo. São
de 1982, p. 29.
sempre, através do seu aparelho de dominação, destruir os pólos
Paulo, Autores Associados/Cortez,
8 SINCREVSMO, ASSIMILAÇÃO, ACOMODAÇÃO, ACULTUSAÇÃO E LUTA DE CLASSES NOTAS E REFORÔNCIAS BENLDOGRÁFICAS 4»

* Idem, ibidem. Ainda neste sentido de uma anirvpologia aplicada para ra- e dos dirigentes da Conferência Nacional dos Bispos, CNBB. É certo que
clonalizar o colonislismo e o neocolonialismo é ateressante registrar a opt- a cúpula mais ortodoxa c intolerante da Igreja Católica, com sede no Va-
nião de um dos mais abalizados teóricos atuaisda antropologia social, O ticano, « inúmeros acólitos dispersos pelo mundo, nunca morreu realmente
inglês E. E. Evans-Pritchard; “Como os antropólogos sociais Ocupam-se de amores por iniciativas como & dos fundadores da Missa dos Qullom-
principalmente das sociedades primitivas, é evidente que a informação que bos, por exemplo. Então, estes religiosos, assim como a Missa dos Qui:
recolivem c às conclusões a que chegam têm algumas relações com os pro- tombos e o Cristo Negro, estão sempre vigiados pelos governos, quando
biemas da administração e educação dessas comanidades. Compreende-se não são colocados em xeque ou mesmo no banco dos réus pela Congrega-
facilmente, pois, que se um governo colonial quiser administrar ums co- ção da Defesa da Fé (o ex-Santo Ofício, também ex-Inquisição, entidade
munidade através dos seus chefes, necessitará de saber quem sho, quais loculizada no Vaticano, responsável pelo zelo da ortadoxia religiosa),”
as suas funções, autoridade, privilégios e obrigições. (...) A importância (Siva, Martiniano J. da. Racismo à brasileira: raizes históricas. Goid-
da antropologia social para a administração colonial tem sido reconheci» nia, O popular, 1985. p. 123-4,) Outros exemplos desse sincretismo de uma
da, de forma geral, Já desde o princípio do século, O Ministério das Colô- só via nos são dados por Abdias do Nascimento. Escreve ele; “Uma re-
nias e os governos coloniais demonstram um itieresse crescente pelos es- cente amostra da abertura" católica ao sincretismo teve lugar em São Pau-
tudos e às pesquisa s (...) Os governos coloniais estão de acordo
nesse campo. lo, há cerca de dois anos (o livro do qual tiramos
a citação é de 1978, CM),
em que é muito útH que os seus funcionários possuam tm conhecimento quando a Secretaria de Turismo instituiu o Dia de Oxosse é o Dia de Ogum.
elementar geral de antropologia. (..,) A partir da última guerra o Ministé- O arcebispado de São Paulo, em coro com O Estado de S. Paulo, denun-
rio das Colônias tem demonstrado um maior interesse pela antropologia ciaram à iniciativa como profundamente atentatória 20 espirito cristão,
social, Ordenou e financiou pesquisas desse tipoem grande número de ter- não poupando palavras de desprezo às religiões africanas”, (,,,) Quere-
ritórios coloniais. (...) Além de encontrar-se em uma situação mais favo- mos registrar um derradeiro fato documentado pela Folha de S. Pauto
rável que as pessoas Íeigas para descobrir os fatos, os antropólogos têm a 13 de fevereiro de 1977, em reportagem intitulada '“Padre não quis ver
às vezes possibilidades de avaliar corretamente os efeitos de uma medida Xangô". Resumindo os acomecimentos, 4 reportagem relata as providên-
administrativa, pois a sua preparação acostuma-os à esperar repercussões cias tomadas pelos membros de um candomblé para a realização de uma
em locais em que o ligo não suspeita. Por isto, podem ser sO- missa, na Igreja do Rosário. *(...) Um templo mais do que apropriado
licitados para ajudurem os governas cotonísia, nÃo apenas pára mostrar- para a cerimônia projetada. Mas apesar de sua antiga c profunda relação
[lhes os fatos que os permitirão estabciccer rapidamente um plano de ação, com a comunidade negra, O templo não estava disponível para aquela ce-
como, também, para antecipar os possíveis efeitos que qualquer medida lebração, conforme divulgou a reportagem, que trazia o expressivo subtl-
possa ocasionar", (EvaNs-PRITCHARD, E. E. Antropologia social, Bue- tuo: *Proibida na igreja, a missa foi rezada no terreiro", “Missa com iê.jê-jê

Leme Niro
nos 4ires, Nueva Vision, 1957. p. 96-103,) pode, com candomblé, não". Assim O ogan do terreiro do Ache Ile Oba,
José da Silva, comentou ontem a decisão do Padre Rubens de Azevedo,
T TRAGTENHERO, Maurício, loc. cit.
da Igreja do Rosário, no Largo do Paissandu, de não oficiar a missa em
8 CLaRE, Michel T. Imeleçtuals e universitários na contra-insurreição, Opt- comemoração À inauguração do maior terreiro de candomblé do Brasil.
nião, Rlo de Janeiro, 204, out, 1976. Um pouco antes, ele havia recebido de volta os 190 cruzeiros pagos pela
9 VALENTE, Waldemar, Sincretismo religioso afro-brasiteiro. São Paulo, Na- missa, que seria acompanhada por órgãos « violinos. (...) O cancelamen-
ctonal, 1955. p. 114.5. to da missa, entretanto, nho impediu que às seguidores do candomblé se
10 Santos, Juana Elbein dos. A percepção ideológica dos fenômenos sincré- dinigissem para o Largo do Paissandu e, junto ao monumento à Mãe Pre-
ticos, Revista de Cultura Vozes, Rio de Janeiro, Vozes, 7: 23 et seq., 1977. ta, depositassem um ramaihete de rosas, Por advertência de um tenente
1 Um fato que comprova como a religião dominadora não permite o sincre- do DSY, as filhas-de-santo, trajadas à mancira batana, desistiram de en-
tismo no seu universo teológico com religiões “inferiores” e “pagãs” foi toar os cânticos da seita””, (NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro
à proibição pelo Vaticano da Missa dos Quilombos de autoria de D. Pe- brasileiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p, 111-2.) Como vemos, o
dro Casaldaliga e Pedro Terra. Sobre essa proibição afirma com proprie- processo sincrético somente é permitido pela religião dominante na medi-
dade Martiniano J. da Silva: “Por estar mostrando uma realidade inques- da em que contribui para fazer com que os membros da religião dominas
tionável é que a Missa dos Quilombos passou a ser perseguida de todos da entrem num processo de conversão. Quando o oposto se verifica, os
os lados: enquanto a Censura Federal no Rio vetou quatro faixas de fita mecanismos de repressão ideológica são acionados ativamente porque sí
trata-se de heresia.
musical da missa, a Cúria Romana, por intermédio do seu setor mais Or 12
todoxo proibia a celebração. Como se vê as raízes repressívas e discrimi- Aqui cabe, em relação aos teólogos que se ocupam das religiões afro-
natórias contra O povo negro alada está partindo do estrangeiro, alcan- brasileiras, aquela consideração que Marx usou em relação aos economis-
cando especialmente os segmentos mais progressistas « democráticos, in- tas. “Eles (os economistas) se parecem muito com os (teólogos, eles tam-
clusive da Igrejas — mais precisamente dos bispos como já citado bém estabelecem duas espécies de religlão. Toda religião que não é a sua
0 SINCRETISMO, ASSIMILAÇÃO, ACOMODAÇÃO, ACULTURAÇÃO E LUTA DF CLASSES

| 1946. p. 112)
l ” Borr,
CulturaLeonardo, Avaliação teológica-crítica do sincretismo, Revista de
Vozes, Rio de Janeir o, Vozes, 7: 53 € seg, 1977.
Miscigenação e
* Idem, Ibidem. democracia

1 Poderão dizer que estamos apresentando casos etremos, os quais não ca- aal ú o ealidad
racterizam ou representam a procdução antropoúgica c sociológica brasi- Tacl . mito e Tr e
| | leira atual, pois, em muitos casos, antropólogos s empenham em discussão
de problemas concretos relevantes, como o da invasão de terras indigenas AAi
e outros correlatos, Concordamos, mas o paindl de discussão que esta-
mos propondo permite-nos aventar a hipótese de uma posição mis pa-
| ternalista do que científica, isto é, esses cientistas sociais se posicionam
| mais em razão da sua condição de cidadãos do que como cientistas, Por
outro lado, não queremos minimizar, em absoluio, O trabalho desses cten-
tistas, Os quais, trabalhando nas condições mais adversas, sofrendo muj-
vas vezes perseguições em todos os níveis da sus mividade, querem resgatar
O que restou das nossas culturas indígenas. Não queremos fazer a injustl-
ça à esses homens de ciências que abandonam às gabinetes c vão atuar
nas áreas plonciras do trabalho antropológico « sociológico, Na área de | |
estudos sobre o negro, porém, o que se vê é uma repetição de trabalhos
de laboratório para justificar titulos universitarnos. '
!* CasRaL, Amílcar. A arma da teoria. In: ..... Obras escolhidas. Lisboa, 1. Negação da Grande parte da literatura especializada sobre
| Seara Nova, 1978. 2 v.v. 1, p. 223. identidade relações interétnicas no Brasil conclui afirman- |
| |

" LienHakpT, Godfrey, Antropologia social. Rio de Janeiro, Zahar, 1968 étnica do, por preferências ideológicas, que o Brasil |
p. 165, Para se ter uma visão da diferença entre o cultural e O social € ; a Ea : N
a possibilidade de haver mudança cultura! sem mudaoça soçial: CF, é a maior democracia racia! do mundo, fato ”
Stern, Bernhard J, Concerning the distinction between the social und the que se evidencia na grande diferenciação cromática dos seus habitan-
culturat. In: Historteul sociology. New York, The Ciradel Press, 1959, tes, Afirma-se, sempre, Que O português, por razões culturais ou mes-
p. 3 64 seg. mo biológicas, tem predisposição pelo relacionamento sexual com
1º Ramos, Artur, Culturas negras: problemas de aculturação no Brasil. In: etnias exóticas, motivo pelo qual consegue democratizar as relações 1

—— O negro no Brasil, Rió de Janeiro, Civilização Brasileira, 1990, p. = sociais


die
que estabelece
O Bell semi
naquelas
lh
áreas cionasd quais atuou como coloniza-
| 147, Ver do mesmo autor neste sentido; Acukturação negra no Brasil; uma
escola brasileira. Revista do Arquivo Municipal. São Paulo, 85 (8): 129 or. asil seria O melhor exemplo deste comportamento.
ção vide

et seg., 1M2, é Aculturação negra no Brasil, São Paulo, Nacional, 1942. m outras palavras; estabeleceu-se uma ponte ideológica entre
caia

Mas é no seu livro O negro brasileiro onde se poderá ver a junção do mé- a miscigenação (que é um fato biológico) e a democratização (que é
ci todo histórico-cultural é à psicanálise com mais facilidade. um fato sociopolitico) tentando-se, com isto, identificar como seme-
O conceito de sransculturação de Ortiz também não é satisfutório, mas, lhantes dois processos intelramente Independentes. Todos nós sabemos
de qualquer maneira, já exprime uma visão crítica sobre aculturação. amielgsnáção É nin fenhineno universal não havendo a cal E é
a ut

79 O *“Cultural Scientist”' Gerard Kubik fala so “Vê& CE”. Vida e Culture, MA gen : a
Luanda, (46), maio 1982 ou etnias puras no mundo. A antropologia demonstra esse dinamismo
miscigenatório milenar, quer na Europa, quer na África, Ásia ou Amé-
rica. Nada tem, pois, de especial ou específico o fato do português,
em determinadas situações especiais, estabelecer contato e intercâm-
t bio sexual com as raças das suas colônias, fato que, em absoluto, sig-
nificaria democratização social nesse contato e intercâmbio.


62º MESCIGENAÇÃO E DEMOCRACIA RACIAL: MITO E PLALIDADE NEGAÇÃO DA MMEINTIDADE ETNECA 43

Mas, com esses argumentos, consegue-se deiar de analisar co- No recenscamento de 1980, por exemplo, os não-brancos brasi-
mo foi ordenada socialmente esta população poliétrica e quais os me- leiros, ao serem inquiridos pelos pesquisadores do IBGE sobre a sua
canismos específicos de resistência à mobilidade socal vertical massiva cor, responderam que ela era: acastunhada, agalegada, alva, alva-
que foram criados contra os contingentes populadonais discrimina- escura, alvarena, alva-rosada, alvinha, amarelada, amarela-quel-
dos por essa estrutura. Esquecem-se de que esses segmentos pópula- mada, amaretosa, amorenada, avermelhada, azul, azul-marinho, baia-
cionais eram componentes de uma estrutura escravista, inicialmente, no, bem branca, bem clara, bem morena, branca, branca avermelha-
e de capitalismo dependente, em seguida. Com essas duas realidades da, branca melada, branca morena, branca pálida, branca sardenta,
estruturais durante o transcurso da nossa história social foram crias brança suja, branquiça, branquinha, bronze, bronzeada, bugrezinha,
dos mecanismos ideológicos de barragem aos diversos segmentos escura, burro-quando-foge, cabocia, cabo verde, café, café-com-leite,
discriminados. Mas na maioria dos estudos sobre cassunto esses me- canela, cancelada, cardão, castanha, castanha clara, cobre corada, cor
canismos não são avaliados. Pelo contrário. É como sc houvesse um de café, cor de canela, cor de cula, cor de leite, cor de ouro, cor de
fluir idílico, sem nenhum entrave à evolução individual senão aquele rosa, cor firme, crioula, encerada, enxofrada, esbranquicento, escu-
que a capacidade de cada um exprimisse, Elide-se, assim, a escala de rinha, fogoió, galega, galegada, jambo, laranja, lilás, loira, loira cla-
valores que a estrutura de dominação € o seu aparelho ideológico im- ra, loura, lourinha, malaia, marinheira, marrom, meio amarela, meio
puseram para discriminar grande parte dessa população não-branca, branca, mcio morena, meio preta, melada, mestiça, miscigenação, mis-
Essa elite de poder que se auto-identifica como branca escolheu, co- ta, morena bem chegada, morena bronzeada, morena canelada, mo-
mo tipo ideal, representativo da superioridade étnica na nossa socie- rena castanha, morena clara, morena cor de canela, morenada,
dade, o branco europeu e, em contrapartida, como tipo negativo, morena escura, morena fechuda, morenão, morena prata, morena ro-
inferior, étnica e culturalmente, o negro. Em cima dessa dicotomia xa, morena ruiva, morena trigueira, moreninha, mulata, mulatinha,
étniça estabeleceu-se, como já dissemos, uma escala de valores, sen- negra, negrota, pálida, paraíba, parda, parda clara, polaca, pouco
do o indivíduo ou grupo mais reconhecido e aceito socialmente na clara, pouco morena, preta, pretinha, puxa para branca, quase ne-
medida em que se aproxima do tipo branco, e desvalorizado e social- gra, queimada, queimada de praia, queimada de so), regular, retinha,
mente repelido à medida que se aproxima do negro. Esse gradiente rosa, rosada, rosa queimada, roxa, ruiva, russo, sapecada, sarará,
étnico que caracteriza a população brasileira, não cria, portanto, um saraúba, tostada, trigo, trigueira, turva, verde, vermelha, além de ou-
relacionamento democrático e igualitário, já que está subordinado a tros que não declararam à cor. O total de cento e trinta e seis cores
uma escala de valores que vé no branco o modelo superior, no negro bem demonstra como o brasileiro foge da sua realidade étnica, da sua
o inferior e as demais nuanças de miscigenação mais consideradas, identidade, procurando, através de simbolismos de fuga, situar-se O
integradas, ou socialmente condenadas, repelidas, à medida que se mais próximo possível do modelo tido como superior.
aproximam ou se distanciam de um desses pólos considerados q posi- O que significa isto em um país que se diz uma democracia ra-
tivo € O negativo, o superior e o inferior nessa escala cromática. Criou- cial? Significa que, por mecanismos alienadores, a ideologia da elite
se, assim, através de mecanismos sociais e simbólicos de dominação, dominadora introjetou em vastas camadas de não-brancos os seus va-
uma tendência à fuga da realidade e à consciência étnica de grandes lores fundamentais. Significa, também, que a nossa realidade étnica,
segmentos populacionais não-brancos. Eles fogem simbolicamente des- ao contrário do que se diz, não iguala pela miscigenação, mas, pelo
sa realidade que os discrimina é criam mitos capazes de fazer com contrário, diferencia, hierarquiza « inferioriza socialmente de tal ma-
que se sintam resguardados do julgamento discriminatório das elites neira que esses não-brancos procuram criar uma realidade simbólica
dominantes, onde se refugiam, tentando escapar da inferiorização que à sua cor
A identidade e a consciência étnicas são, assim, penosamente expressa nesse tipo de sociedade, Nessa fuga simbólica, eles desciam
escamoteadas pela grande maioria dos brasileiros ao sé auto-analisa- compensar-se da discriminação social e racial de que são vitimas no
rem, procurando sempre elementos de identificação com os símbolos processo de interação com às camadas brancas dominantes que pro-
étnicos da camada branca dominante. jctaram uma sociedade democrática para eles, criando, por outro
ETNOSCNOEZ AÇÃO DA HISTÓRIA E ESCAMUOTEAÇÃO DA REALIDADE SOCIAL 45
t4 MESCIOENAÇÃO E DEMOCRACIA FACIAL: MITO E REALIDADE

iriam formar o proletariado das cidades que se desenvolveriam ou o


lado, uma ideologia escamotecadora capaz de encobrir as condições
cumponts livre c assalariado agricola, Seriam, assim, absorvidos c in-
reais sob as quais Os contatos interétnicos se realizam no Brasil.
corporados, por automatismo, às novas classes que apareciam após
Como vemos, a identidade &nica do brasieiro é substituída por
a Abolição, Iriam compor a classe operária e camponesa nos seus di-
mitos reificadores, usados pelos próprios não-lrancos € negros espe.
versos níveis e setores e, nesta incorporação, ficariam em pé de igual-
cialmente, que procuram esquecer e/ou substituir a concreta realida-
dade com os demais trabalhadores, muitos deles, especialmente nas
de por uma dolorosa c enganudora magia cromática na qual o domi-
nado se refugia para aproximar-se simbolicamente, o mais possível,
regiões Sudeste e Sul, vindos de outros países, como imigrantes.
Mas os fatos não scontecerum exatamente assim. Em pesquisas
dos símbolos criados pelo dominador.
parciais que realizamos, em jornais anarquistas” e em trabalho siste-
mático feito pelo professor Sidney Sérgio Fernandes Sólis, tamo no
Rio de Janeiro como em São Paulo, a imprensa anarquista que então
A einologização dos pro- circulava não refletia nenhuma simpatia cu desejo de união com os
2. Etnologização da história
biemas sociais a partir da negros, mas, pelo contrário, chegava mesmo a estampar artigos nos
afirmação de que há uma quais era visível O preconceito ractal, Como vemos, se, de um lado,
democracia racial no Brasil Os negros egressos das senzalas não eram incorporados a esse prole-
tariado nascente, por automatismo, mas iriam compor a sua franja
demonstra como há uma confusio nos cientistas sociais adeptos des-
se critério metodológico. Ao abandonarem como universo de análise
margmal, de outro, do ponto de vista ideológico, surgia, já como com-
ponente do comportamento da própria classe operária, os elementos
a estrutura rigidamente hicrarquizada na qual essas esnias foram or-
denadas, de acordo com um sistema de válores discriminatório, atra-
ideológicos de barragem social apoiados no preconceito de cor. E es-
se racismo larvar passou a exercer um papel selecionador dentro do
vés de mecanismos controladores, historicamente montados para con-
próprio proletariado. O negro e outras camadas não-brancas não fo-
servar o sistema, objetivando manter os segmentos c grupos domiina-
ram, assim, incorporados à esse proletariado incipiente, mas foram
dos nas últimas escalas de sua estrutura, mostram como se confunde
o plano miscigenatório, biológico, portanto com o social e econômico. compor a grande franja de marginalizados exigida pelo modelo do
capitalismo dependente que substituiu o escravismo,
De um lado, ao se dizer que há uma democracia racial no Bra-
sil, e, de outro, ao se verificar a alocação dessas etnias não-brancas Em 1893, por exemplo, escreve Florestan Fernandes:
e mm

no espaço social, chega-se à conclusão de que a sua inferiorização é Os imigrames entravam com 79% do pessoa! ocupado naa alividades
decorrência das próprias deficiências ou divergências desses grupos artesanais, com 81%4 do pessoal ocupado nas atividades comerciais.
e/ou segmentos étnicos com o processo civilizatório. Porque, se os Suas participações nos estratos mais altos da estrutura ocupacional
ainda sra poquena (Dois só 31% dos proprietários o 19,4% dos capita:
direitos e deveres são idênticos, as oportunidades deverão ser tam-
| bém idênticas. Como tal não acontece, como veremos mais tarde, &
Histas tram estrangeiros). Contudo achavam-se incluidos nessa esfo-
ta, 80 contrário do que sucedia com o negro o o mulato, *

|
culpa pelo atraso social desses grupos é deles próprios, Joga-se, as-
na.

Neste processo complexo e ao mesmo tempo contraditório da


sim, sobre os segmentos não-brancos oprimidos e discriminados, e
passagem da escravidão para o trabalho livre, o negro é logrado so»

|
do negro em particular, a culpa da sua inferioridade social, econômi-
cialmente e apresentado, sistematicamente, como sendo incapaz de
ca e cultural, trabalhar como assalariado. No entanto, durante o escravismo, 0 ne-

|
Para compreendermos melhor esse processo/ problema devemos
gro atuava satisfatória e eficientemente no setor manufaturçiro q ar-
analisar algumas particularidades significativas da formação das clas- tesanal, Thomas Ewbank escrevia em 1845/6 que:
ses sociais no Brasil. Alguns sociólogos supõem, esquematicamente

| que, acabada a escravidão, os negros e pardos ex-escravos de idênti-


ca condição, num processo automático e linear de integração social,
Tenho visto escravos 3 trabalhar como carpinteiros, pedreiros, calce-
teiros, impressoras, pintores de tabuletas e ornamentação, construto-
ras de móveis e de carruagens, fabricantes da ornamentos militares,

|
é MENICENAÇÃO E DENDCNACIA RACIAL: MITO E NEALIUDE
ETNOANIZAÇÃO DA HISTÓRIA E ESCAMOTEAÇÃO DA REALIDADE SOCIAL 47

de tamplões, artífices em prata, josfheiros e mógrafos. É também tato


Na área de São Paulo o mesmo fenômeno se verificava, Os es-
corrente que Imagens de santos, em pedra emadaira, sejam admira:
velmente feitas por negros escravos ou livres (...) O vigário fez refergn- cravos ocupavam praticamente todos os espaços do mercado de tra-
cia outro dia a um cacravo balano que é umsanteiro do primeira or balho, dinamizando a produção em níveis os mais diversificados. Exer-
dem, Todas as espécias de ofícios são exeradas por homens e rapa- ciam ofícios que depois seriam ocupados pelo trabalho imigrante. Se-
zes escravos, * gundo o recenseamento de 1872 0 quadro era o seguinte:
Segundo Heitor Ferreira Lima, Os negrosescravos trabalhavam
em diversas atividades artesanais. No Rio de Jenciro, da mesma for-
ma que Ewbank, os naturalistas Spix c Martius escreviam que “entre Condição social Escravo Trabalhador livre Total
os naturais, são mulatos os que manifestam maior capacidade q dili- Costureiras ar 583 650
gência para as artes mecâniças. Trabalhavam, também, nos estalei- Minairos o cant. (sic) 1 41 42
Trab. em metais 19 218 2317
ros, na construção de barcos, na pesca da baleia, na industrialização
Trab. em madeiras 280 223

Basso y
do seu úlco « em diversas outras atividades”, Em várias outras re- Trab. am edilicações 130 158
giões desenvolviam-se atividades artesanais e manufatureiras apro- Trab. em tecidos 856 990
veitando-se do trabalho dos negros escravos, No Maranhão, por exem- Trab. em vestuário 102 104
Trab. om como + papa! 190 219
plo, ainda segundo Spix é Martius, dos 4 00 profissionais artífices Trab. em calçados 58 e
existentes em toda a província, quando esses dois cientistas por ali Trab. em agricuitura 3747 4 563
passaram (1818/1820) mais de 3 000 eram escravos. Vejamos os Criados é jornais 507 2635 3042
números: Serviços domésticos 1304 3606 4 810
Sem profissão 877 8 244 8 821

Fonte: Emília Vlostl da Costa, Da senzata à colônia.


Profissão Livros Escravos
Os negros não eram somente os trabalhadores do eito, que se
Alfaiates 61 prestavam apenas para as fainas agricolas duras e nas quais o simpkes
8" 848 trabalho braçal primário cra necessário. Na diversificação da divisão
Caldalreiros 4
Cerpintolros 18 do trabalho eles entravam nas mais diversas atividades, especialmen-
Entalhadores os
Carpinteiros Navais Bo
te no setor artesanal, Em alguns ramos cram mesmo os mais capazes
como, por exemplo, na metalurgia cujas técnicas trazidas da África

mt —
Serralheiros 5
iRTar&“"

Ferreiros (em São Luiz) 37 foram aqui aplicadas e desenvolvidas. Na região mineira, por exem-
Tanociros (om São Luiz) 2 plo, foram os únicos que aplicaram c desenvolveram a metalurgia.
Marceneiros so Tiveram também a habilidade de aprenderem com grande facilidade
Ourivas 49 os ofícios que aqueles primeiros portugueses que aqui aportaram trou-
Pedreiros e Brltadores 404
xcram da Metrópole, Eles tinham mesmo interesse de ensiná-los aos
Pintores e Cerladores 10
Corgoiros 4 escravos a fim de se livrarem de um tipo de trabalho não-condizente
Escravos auxiliares nas Indústrias rá com a sua condição de brancos, deixando ao negro as atividades ar-
se
-—

Total S64 tesanais. Mesmo porque o trabalho desses escravos, executados para
q

TOTAL GERAL: 3 949 TG Os seus donos, ou quando alugados para terceiros, proporcionava um
lucro certo e fácil para o senhor. Isto dava-lhes oportumidade de ca-
Fonte; Holtor Forretra Lima, História politico-gconômios é Industria! do pitalizarem alguma poupança e se dedicarem ao comércio, A perso-
Brasil. nagem Bertoleza do romance O cortiço, de Aluísio Azevedo, retrata
cd MESCIOENAÇÃO E DEMOCRACIA RACIAL MITO E RE ALIDALE ETHOLOGIZAÇÃO DIA HISTÓRIA E TSCAMOTEAÇÃO DA REALIDADE SOCIAL 49

muito bem esse tipo de escravo urbano que tabalhava de jornal. livre como forma fundamental de atividade. O equilibrio se parte con-
Era escrava de um cego que dela recebia a conribuição com a qual tra O ex-escravo que é desarticulado e marginalizado do sistema de
sobrevivia. Mas os negros também ““tiveram ampia é brilhante parti- produção.
cipação nas atividades de todos os ofícios mecáricos exercidos entre Toda essa força de trabalho escrava, relativamente diversifica-
nós, quer como escravo, quer como libertos, ora como oficial ou sim- da, integrada e estruturada em um sistema de produção, desarticulou-
ples ajudante, c até mesmo como mestres. Eninavam-lhçs um ou se, portanto, com a decomposição do modo de produção escravista:
mais ofícios é exploravam-nos rudemente, vivendo à custa de seu ou se marginaliza, ou se deteriora de forma parcial ou absoluta com
trabalho”. * a morte de grande parte dos ex-escravos. Esses ourives, alfaiates, pe-
Escreve, neste sentido, 3. F, de Almeida Prado: dreiros, marceneiros, tanociros, metalúrgicos etc. , ao tentarem se reor-
denar na sociedade capitalista emergente, são por um processo de
Os primeiros operários aparecidos nas cepitemas especializados em
misteros quo requeriam algums aprendizegeme tirocínio, chegavam
peneiramento constante e estrategicamente bem manipulado, consi-
faitos do Ralno ou das ilhas, muitas vezes sem intenção da se damora- derados como mão-de-obra não-aproveitável e marginalizados, Sur-
rem, tendo deixado na tarra natal a esposa e osfilhos, Mais tarde, ou- ge, concomitantemente, o mito da incapacidade do negro para o tra-
tros s€ formavam sob as vistas dos reinóis, trensmitindo o ofício dai balho e, com isto, ao tempo em que se proclama a existência de uma
por dlante sos pretos a mestiços. Com o tempo, chegaram às elemen- democracia racial, apregoa-se, por outro lado, a impossibilidade de
tos de cora constituir à quase totalidade dos obreiros da autarquia co-
se aproveitar esse enorme contingente de ex-escravos. O preconceito
tonlal, por refugarem os drancos profissões manaais procurando tomar-
se proprietários de termas. * de cor é assim dinamizado no contexto capitalista, os elementos não-
brancos passam q ser estereotipados como indolentes, cachaceiros,
Tanto na época colonial como na última fase da escravidão o
não-persistentes nó trabalho e, em contrapartida, por extensão, apre-
escravo negro se articulava em diversos níveis da estrutura ocupacio-
senta-se o trabalhador branco como o modelo do perseverante, ho-
nal, desempenhando satisfatoriamente os mais diferenciados imiste-
nesto, de hábitos morigerados e tendências 4 poupança e à estabili-

nas a ma
res. Na agroindústria do açúcar o mesmo fato se verifica. Para Luiz


dade no emprego. Elege-se o modelo branco como sendo q do traba-
Vianna Filho:

— e
lhador ideal e apeta-se para uma política migratória sistemática e sub-
Mal chegados os nogros logo assimilavam o que se lhes ensinava, vencionada, alegando-se a necessidade de se dinamizar à nossa eco-

e
transformando-se em ferreiros, carapinas, marcensiros, caldesreiros, nomia através da importação de um trabalhador superior do ponto
oleiros, alambigueiros, o até mesmo mestres de aquoar, sabendo o co de vista racial e cultural c capaz de suprir, com a sua mão-de-obra,
vimento do mel, O “ponto” do caldo, a purga do açúcar. '
as necessidades da sociedade brasileira em expansão, Veremos isto


Durante todo o tempo em que q escravismo existiu O escravo ne- depois.
gro foi aquele trabalhador que estava presente em todos as ofícios por Há uma visivel desarticulação nessa nova ordenação que atinge
mais diversificados que eles fossem. Sua força de trabalho era distri- as populações não-brancas em geral e o negro em particular, no mos
buída em todos os setores de atividade, No Rio de Jareiro especial- mento em que a nação brasileira emerge para o desenvolvimento do
mente sabemos que ele, como escravo urbano, desempenhava as mais modelo de capitalismo dependente, Essa desarticulação não se reali-
variadas profissões a fim de proporcionar o ócio da classe senhorial, za, porém, apenas no plano estrutural, mas desarticula, também, 4
Como prova, basta que olhemos as pranchas do livro de Debret, ” consciência énica do próprio segmento não-branço.
Queremos dizer com isto que na dinâmica da sociedade escra- O branqueamento como ideologia das elites de poder vai se re-
vista atuou, durante toda a sua existência, como mecanismo equili- fletir no comportamento de grande parte do segmento dominado que
brador e impulsionador, o trabalho do escravo negro. Esse mecanismo começa a fugir das suas matrizes étnicas, para mascarar-se com os
de equilíbrio e dinamismo, já que as classes senhoriais fugiam a qual- valores criados para discriminá-lo. Com isto o negro (o mulato, por-
quer tipo de trabalho, será atingido quando se desarticula o sistema tanto, também) não se articulou em nível de uma consciência de iden-
escravista e a sociedade brasileira é reestruturada tendo o trabalho tidade étnica capaz de criar uma contra-ideologia neutralizadora da
7 MISCIGENAÇÃO E DEMOCHACIA RACIAL; MITO E FEALIDADE ESTUATÉOIA DO EMOUSLISMO SOCIAL

manipulada pelo dominador, Pelo contrário. Há um processo de aco- rada das várias categorias por elas. Um decreto de 25 de junho de 1871,
modação a estes valores, fato que irá determinar o esvaziamento des- por exemplo, proibia “a admissão de escravos como trabalhadores ou
como oflclais das artes necessériss nas estações públicas da provin-
ses negros no nível da sua consciência étnica, colocando-os, assim, cla da Baia, enquanto houverem Ingênuos que netas queirão empregar
como simples objetos do processo histórico, social] e cultural. 84”. (Nabuco Araújo, v, 7, 39289, » Colleção das Leis do Império, 4830:
A herança da escravidão que muitos sociólogos dizem estar no 24). Dove-sa tar em conta que 08 escravos representavam não 08 seus
negro, ao contrário, está nas classes dominantes que criam valores próprios interesses, mas os de seus senhoras, que procuravam ocupar
discriminatórios através dos quais conseguem barrar, nos níveis ecos totalmente o mercado de trabalho, (...) Em 1873 0 1821, 05 sapatoiros
nômico, social, cultural e existencia! a emergência de uma consciên- do Rig protestaram através da sua Irmandade contra o uso de trabalho
escravo na manulmura e venda de sapatos (M. Karasch, 1975; 3884. Bran-
cia crítica negra capaz de elaborar uma proposta de nova ordenação cos braslieiros, crioulos e africanos Ilbertos, siém de escravos da gu
social e de estabelecer uma verdadeira democracia racial no Brasil. nho, competiam no mercado do trabalho antro si e com os estrangel:
O sistema classificatório que o colonizador português impós, ros, europeus que vinham para a Corte (...) Houvo também algumas ten
criou a categoria de mulato que entra como dobradiça amortecedora tativas mais ou menos bem-sucedidas de monopolizar certos setores,
dessa consciência. O mulato é diferente do negro por ser mais claro por parte dos escravos libertos urbanos. Sabemos de siguns exémplos.
e passa à se considerar superior, assimilando à ideologia étnica do Um desses monopólios era o dos carregadorsa de caté no Rip de Ja-
meiro do século XIX: 08 negros minas, escravos da ganho ou bertos,
dominador, « servir de anteparo contra essa tomada de consciência tinham aparentemente ze apropriado do ramo. Era um serviço pesadis-
geral do segmento explorado/discriminado. Em outro local já escre- salmo, que implicava deformidades e uma esparança de vida reduzida, **
vemos que:
Como vemos, à medida que a sociedade escrava se diversifica-
essa politica aparentemente democrática do colonizador vorá 08 seus va c se urbanizava, ficava mais complexa internamente a divisão do
primeiros frutos mais visíveis na base do aparecimento de uma imprensa trabalho e isto produzia conflitos ou atritos nos seus diversos setores
mulata no Rio de Janeiro, Ela surgirá entre 1833 e 1867, aproximada-
de mão-de-obra, A estrutura ocupacional dessa época, à medida que
mente, com caráter nacionalista, de um lado, porém deixa de Incorpo-
rar à sua mensagem ideológica a Ilbertação das esaravos negros, Es passava por um processo de diferenciação econômica, criava meca-
ses jornais tutavem Lambém contra & discriminação racial, mas na me nismos reguladores capazes de manter os diversos segmentos que dis-
dida em que 05 mulatos eram atingidos na dinâmica da disputa che cer putavam esse mercado dç trabalho nos seus respectivos espaços.
gos políticos e burocráticos. * A isto se contrapunhas: mecanismos criados pelos próprios es-
Essa perda ou fragmentação da identidade étnica determinará, cravos no sentido de equilibrar a divisão do trabalho; os cuntos, em
por sua vez, à impossibilidade de emergir uma consciência mais abran- Salvador, foram um exemplo.
mo

gente e radical do segmento negro e não-branço em geral, Segundo Manuel] Querino;


Os africanos, depois de libertos, não possuindo ofício e não querendo


entregar-se aos trabalhos da lavoura, que haviam deixado, faziam-se
ganhadores. Em diversas partes da cidade reuniam-se £ espera que fos-
3. Estratógia Esta estratégia discriminatória contra o elemen- sem chamados para a condução de volumes pesados ou levas, coma
do Imobilismo to negro não surgiu porém com a chegada dos fossem: cadeirinha ds arrugr, pipas de vinho ou aguardente, pianos etc,
social imigrantes europeus na base do trabalho livre. Esses pontos tinham o nome de canto é por isso era comum ouvir &
cada momanto: chame ati um ganhador no camo. Ficavam eles senta:
Na própria estrutura escravista já havia um dos em tripeças a convorsar né serem chamados para o desempenho
processo discriminatório que favorecia o homem livre em detrimento de qualquer misteres. (...) Cada canto do africanos era dirigido por um
do escravo. Dc todas as profissões de artesãos e artífices, eles foram chete a que apelidavam capitão restringindo-se as funções deste a con
sendo paulatinamente excluídos ou impedidos de exercê-las. Manue- tratar o dirigir om serviços « à recobar 95 salórios, Quando fafecia o ca-
la Carneiro da Cunha escreve com propriedade: pitão tratavam de eleger ou aclamar 0 sucessor que assumia togo a
Invostidura do cargo.
Todas essas profissões eram Igualmente desempenhadas por lbertos Nos cantos do balro comercial, esse ato revastia-se de certa sotent-
e por livres, e certamente houve em certas ópocas concorência acir- Cade à moda africana:
T MISCIOENAÇÃO E DEMOCRACIA RACIAL: MITO E REALIDADE ESTRATEÓA DO IMORBILISMO SOCIAL 73

Os membros do canto tomavam de empréstimouma pipa vazia em um ção não mudou significativamente na estrutura ocupacional para a
das trapiches da Rua do Julião ou do Pilar, encham-na de água do mar,
amirravamna de cordas o por estas enflavam qrosgo e comprido cal-
população negra e não-branca,
bro, Ósto ou dez etiopos, comumente os de musculatura mais possam De acordo com o Censo de 1980, de 119 milhões de brasileiros,
ta, suspendiam à pipa e sobre els montava o novo capitão do cento, 54,77% se deçtararam brancos; 38,45% pardos; 5, 89% pretos e 0,63%
tando em uma das mãos um ramo de arbusto « na outra uma garrafa amarelos. Podemos afirmar, portanto, que são descendentes de negros
de aguardonte, * ou indios 44,344% da população. Por outro lado, ao invés do bran-
Já no período escravista, portanto, havia uma tendência a se ver queamento preconizado pela elite branca essa proporção vem aumen-
no negro escravo um elemento que devia ser resiringido no mercado tando nas últimas décadas, pois cla era de 36% em 1940, 38% em 1950
de trabalho. Os motivos alegados, as razões aprisentadas, apesar de e 45% em 1980, usando o IBGE a mesma metodologia na pesquisa.
aparentemente serem compreensíveis, O que conseguiram era — como Mas à população negra e não-branca de um modo geral não se
se queria — transformar o trebalho escravo, e, em muitas circunstân- distribui proporcionalmente na estrutura empregatícia e outros indica-
cias o negro liberto, em mão-de-obra eternamente não-qualificada « dores da sua situação econômico-social no conjunto da sociedade. Pe-
que, por uma série de razões, não podia ser aproveitado. lo contrário. De acordo com o recenscamento de 1980 era esta a situa-
Se estes mecanismos foram estabelecidos empiricamente durante ção dos principais grupos étnicos quanto à sua ocupação principal:
o escravismo, após a Abolição eles se racionalizaram e as elites inte-
lectuais procuraram dar, inclusive, uma explicação “ckentífica”” para População na ocupação principal segundo a cor
eles, como veremos adiante,
Em determinada fase da nossa história econômica houve uma Cor e posição
principal ns
Ocupação Total % sobre total
coincidência entre a divisão social do trabalho e a divisão racial do
trabaiho. Mas através de mecanismos repressivos ou simplesmente re- Total 43 798 763 00,0%
Empregado 28 605 051 65,3%
guladores dessas relações ficou estabelecido que, em certos ramos, 10 666 550 24,3%
Autónomo
os brancos predominassem, e, em outros, Os negros € os seus descen- Empregador 1158 590 2,8%
dentes diretos predominassem. Tudo aquilo que representava traba- Não-remunerado 2270679 51%
lho qualificado, intelectual, nobre, era exercido pela minoria branca, BRANCA 24 507 289 100,0%
ao passo que todo subtrabalho, o trabalho não-qualificado, braçal, Empregado 16 633 059 67,8%
sujo e mai remunerado era praticado pelos esçravos, inicialmente, € Enpregado
Emos f 0 16
1 ii
4%
s
pelos negros livres após a Abolição. Não-ramunarado + 201 458
Esta divisão do trabalho, reflexa de uma estrutura social rigi-
damente estratificada ainda persiste em nossos dias de forma signifi- A Emptegad
Emor O 3 631067 326 ageA o
cativa. Assim como a sociedade brasileira não se democratizou nas Autônomo Ro
Empregador 141 ,
suas relações sociais fundamentais, também não se democratizou nas Nãoremunerado 87 368 204
suas relações raciais. Por esta razão, aquela herança negativa que vem
AMARELA 324 280 100.0%4
da forma como a sociedade escravista teve início e se desenvolveu, Empregado 160 291 52,2%
ainda tem presença no bojo da estrutura altamente competitiva do Autônomo B1 487 25,1%
Empregador 36 077 11,1%
capitalismo dependente que se formou em seguida, Por esta rezão, Nãoremunarado 34 072 10,5%
a mobilidade social para O negro descendente do antigo escravo é mui-
to pequena no espaço social. Ele foi praticamente imobilizado por PARDA 15 993 177 100,05
Empregado O 688 790 60,5%4
mecanismos seletivos que & estratégia das classes dominantes estabe- Autônomo A724 737 29,5%
leceu. Para que isto funcionasse eficazmente foi criado um amplo pai- Empregador 188 143 1,1%
Não remunerado 941 809 5,8%
nel ideológico para explicar e/ou justificar essa imobilização estra-
tegicâmente montada. Passado quase um século da Abolição a situa- Fonte: IBGE — Conso de 1960.
74º MISCIGENAÇÃO E DEMOCKACIA RACIAL: MITO E REALIDADE ESTRATÉGIA DO EMOBILISMO SOCIAL TE

Esta situação poderá ser facilmente verificela através da análi- Não precisamos argumentar mais analiticamente para consta-
se dos gráficos abaixo: tarmos que os negros e não-brancos em geral (excluindo-se os amare-
los) são aqueles que possuem empregos e posições menos significativas
social « cconomicamente. Por outro lado, repete-se, em 1980, 0 mes-
Posição ma ocupação principal, segundo s corom % (1980) mo fato que Florestan Fernandes registra ao analisar uma estatística
EMPREGADOS AUTÚNOMOS de 1893: O negro é o segmento mais inferiorizado da população. Em
PRETOS 1893 ele não comparece como capitalista, Em 1980 ele comparece ape-
> 784 nas com 0,4% na qualidade de empregador, Isto demonstra como os
mecanismos de imobilismo social funcionaram eficientemente no Bra-
sil, através de uma estratégia centenária, para impedir que O negro
ascendesse sienificativamente na estrutura Ocupacional e em outros
BRANCOS BRANCOS indicadores de mobilidade social. Como vemos, os imigrantes de 1893
a 49% estavam numa posição melhor do que os negros brasileiros, atualmen-
te, segundo os dados do Censo de 1980. Isto se reflete de várias ma-
neiras e funciona ativamente na sociedade competitiva atual.
Para
Criaram-se, em cima disto, duas pontes ideológicas: a primeira
1
empregado preto autônomo preto
é de que com a miscigenação nós democratizamos & sociedade brasi-
há hã leira, criando aqui a maior democracia racial do mundo; à segunda
5 pardos 7 pardos , de que se os negros c demais segmentos não-brancos estão na atual
“ a posição econômica, social e cultural a culpa é exclusivamente deles
6 brancos 8 brancos que não souberam aproveitar o grande leque de oportunidades que
essa sociedade lhes deu, Com isto, identifica-se O crime e a margina-
PATRÕES
PRETOS lização com a população negra, transformando-se as poptilações não-
1% brancas em criminosos em potencial, Têm de andar com carteira pro-
fissional assinada, comportar-se bem nos lugares públicos, não re-
clamar dos seus direitos quando violados e, principalmente, encarar
a polícia como um órgão de poder todo-poderoso que pode mandar
um negro “passar correndo” ou jogá-lo em um camburão e eliminá-
lo em uma estrada, Negro se mata primeiro para depois saber se é
criminoso é um stógan dos drgãos de segurança.
Como podemos ver, à partir do momento em que o ex-escravo
entrou no mercado de trabalho competitivo foi altamente discrimi-
nado por uma série de mecanismos de penciramento que determina-
va o seu imobilismo. Além disso privilegiou-se o trabalhador branco
empregador preto estrangeiro, especialmente após a Abolição, o qual passou a ocupar
há os grandes espaços dinâmicos dessa sociedade, Surge, como um dos
13 pardos
elementos dessa barragem, a ideologia do preconceito de cor que in-
a

65 ferioriza o negro em todos os níveis da sua personalidade, Esse pre-


brancos conceito que atua como elemento restritivo das possibilidades do negro
Fonte: IBGE, 1980, na sociedade brasileira poderá ser constatado: a) no comportamento
x ESTRATÉGIA DO IMOBILISMO SOCIAL 77
16 — MISCIGENAÇÃO E DEMOCRACIA RACIAL: MITO E REALDADE

rotineiro de grandes faixas brancas da popuação em todo q territó- como a do IBGE, numa Pesquisa Nacional por Amostra de Domici-
rio nacional; b) nas relações inter e intrafaniliares; c) no critério se- lios, chega a conclusão idêntica como podemos ver no quadro abaixo:
letivo para a escolha de empregos e ocupações; d) nos contatos for-
mais entre elementos de etnias diversas! e) ma filosofia de indivíduo,
grupos, segmentos e instituições públicas ou privadas; f) na competi-

oot
Ee
St
ce
6

bt
% | SO1INYHY | %
ção global entre camadas que compõem as classes sociais etnicamen-
te diversificadas da sociedade brasileira.

907 BEE
tea se
99€ 55

ços+
ESB Lp
ERLELL
BL SEL
Este conjunto de mecanismos ideológicos, inconscientes para à
maioria, mas claborados por uma elite racista, refletir-se-á no pro-
cesso concreto da seleção econômica dos negros. A instrumentação

| E
mn ses PT8é
OOL|STY TIS T |
6 1961 GEE 9
dessa ideologia deve ser vista como um elemento componente da mar»

8z
GS
ginalização de grandes continentes populacionais negros.

S94 S6S E

££9 BOL
|SODNVIS

|Ltvis68
ISG ZlZ L
Pesquisa realizada e concluída em 1979 — portanto apenas um
ano antes da divulgação do censo de 1980 —, pelo Departamento de
Estudos e Indicadores Sociais (Deiso), chega à conclusão que não deixa
dúvidas quanto a este mecanismo selecionador negativo contra o ne-

OO
£
br
ve
[a

kL
Ya
gro no mercado de trabalho. Ainda acompanhando-se, por agora, ape-
nas O indicador de rendimento familiar, conclui a pesquisa:

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ES6

Gt
soNvHa

LTO
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60005
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089 6
Com relação aos Indicadores levantados, os diferenciais são maiores

£4i &
049
entre os branços e negros nas famílias de rendimento familiar de mais
de três salários minimos e nas famílias urbanas, A distribulção das fa+

|
|
familiar nos indica que 60%

/008
mílias por grupos de rendimento mensal

gr

th
y
LE
das famílias têm rendimentos de até trés salários minimos, sendo que
a presença das famílias pretas e pardas neste grupo é de 80,5% 6 74,2%,

tz. 09
009

zig rezo |oot


Os
t49

SO
LOE 6481
respectivamente, s a das brancas de 50,4%.

vaura

90c 2
O rendimento médio familiar per capita, em 1976, des famílias brancas

QLZ1
SLE

65
era de Cr$ 1 087, 40 e das famílias negras (pretas e pardas) respectiva-
mente Cr$ 383,10 e Cr$ 548,90, correspondendo o rendimento das fa-
mílias pretas e pardas a 35% & 50%, respectivamente, do rendimento

se
a
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familiar per capita das famílias brancas, "
No setor da divisão do trabalho a mesma pesquisa registra Os

sr9 6pZ

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srz 086 |

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rss
PrL PO
116 987
viItid
seguintes resultados quanto à posição do negro:

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Brancos e negros têm uma Inserção desigual na estrutura ocupagio-
nal. Os negros encontram-se mais concentrados (aproximadamente

'T86L QvNd
SvINI3
90%) que 08 brancos (cerca de 75%) nas ocupações manuais, as de

EU
menor nível de rendimento e instrução. Assim, enquanto 8,5% dos bran-

SOLWIURU fES S E Z ep
somjuiu |8$ZPLSPp +
Nega
cos tám ocupações de nível superior apenas 1,1% dos pretos e 2,7%

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dos pardos neles são absorvidos e, considerando as ocupações de ní-

Quutuius “|8S 1 OI
vel médio, os percentuals encontrados são de 14,6% para Os branços,

OjUBpuUSs WOS
ogÍesejsap was


3,8% dos pretos 6 7,2% dos pardos. “*

398|
Como vemos, na estrutura ocupacional, como em outras, a si-

vans
E
tuação do negro é sempre negativa, sempre de inferiorização em com-

3403
fer
e
paração com o segmento branco da nossa população. Outra pesquisa

+
+
78 MISCICENAÇÃO E DEMOCRACIA RACIAL: MITO E REALIDADE O ERASM TERIA DE SER BRANCO E CAPITALISTA MH

Como vemos, a estratégia racista das classes dominantes atuais, 4. O Brasil teria O auge ds campanha pelo branqueamento do
que substituíram os senhores de escravos, conseguiu estabelecer um de ser branco Brasil surge exatamente no momento em que
permanente processo de imobilismo social que bhqueou é congelou e capitalista o trabalho escravo (negro) é descartado e
a população negra e não-branca permanentementeem nível nacional. substituído pelo assalariado. Aí coloca-se o
No que diz respeito à distribuição da renda o gráfico abaixo es- dilema do passado com o futuro, do atraso com o progresso e do ne-
pelha essa realidade: gro com o branco como trabalhadores, O primeiro representaria a
animalidade, o atraso, o passado, enquanto o branco (europcu) era
o símbolo do trabalho ordenado, pacífico e progressista. Desta for-
ma, para se modernizar e desenvolver o Brasil só havia um caminho:
Distribuição da população economicamente ativa por grupos de
colocar no lugar do negro o trabalhador imigrante, descartar o país
rendimento mensal segundo a cor
dessa carga passiva, exótica, fetichista c perigosa por uma população

Sa
oa
eristã, européia e morigeradu.
Todo o racismo embutido na campanha abolicionista vem, en-
tão, à tona. Já não era mais acabar-se com & escravidão, mas enfatizar-
se que os negros eram incapazes ou incapacitados para à nova etapa
de desenvolvimento do país. Todos achavam que eles deviam scr subs-
BRANCA tituídos pelo trabalhador branco, suas crenças deviam ser combati-
das, pois não foram cristianizados suficientemente, enquanto o ita-
Mais de 5 14,3
Mais do 3a 5 10,6
liano, o alemão, o espanhol, O português, ou outras nacionalidades
4
Mais de Za 3 11,1 so européias, viriam trazer não apenas o seu trabalho, mas a cultura oci-
Mais do Ta 2 258 Mais do 1 24,9 dental, ligada histórica e socialmente às nossas tradições Intinas. Al-
Mais da 112 4 1 18,4 Mais de 1/2 32,6
Até 112 75 Má 29.0
guns políticos tentam inclusive introduzir imigrantes que fugiam aos
Sem Rendimento 12.3 Sem Rendimento 10,8 padrões curopeus, como os chineses e mesmo africanos, A grita foi

Sei,
geral. Precisávamos melhorar o sangue, a raça. O historiador José
Octávio escreve neste sentido que:

PARDA
So (54)
Se a providência pola qual, segundo o paraibano Maurílio Almolda tar
to s9 bateria o paralbano Diogo Velho quendo da sua passagem pato
Ministério da Agricultura do Império, já refletia a tendência de buscar
né altomativa para a mão-de-obra negro-sscrava dentro dos Ideais de
caldeamento com “grupos superiores" perseguidos peis elite dirigen-
Mais de 5 3,9 te do Brasil, a resposta de Manazas e Souza, preparada como relatório
Mais deJas 50 tormal do Ministério da Agricultura, em 1875, é preconceituosa é tips.
Mais doZa3 8,
Maisde ta? 25.0 cs de que não se trata de Importar grupos estrangeiros quaisquer que
Mais de 12 a 1 273 fossem, mas grupos estrangeiros brancos e do Norte europeu, o que
Até 112 18,1 situa a polltica imigratória adotada pelo Brasi! em fins do Império e prin-
Som Rendimento 14,6 cípios da República como de tundo raciata no sentido arianizanto que
a palavra passou a admitir. Nesses tarmos, Menezes e Souza não usa-
va de malas palavras ao denegrir os chineses, cuja raça “6 abastarda-
da o faz degensrar a nossa”, tanto mais porque "o Brasil precisava de
Fonto; Ouvrira, Francisca Lalde de et alil. Aspectos dia situação sócio de constituições
sangue novo e não da suco envelhecido + envenenado
econômica de brancos e negros no Brasil, DEISO, 1979, exaustas o deganoradas”. !*
NM MISCIGENAÇÃO E DEMOCRACIA RACIAL: MITO E REALIDADE O BRASIL TERIA DO SFS BRANCO E CAPITALISTA 8

O problema não era apenas importar-se mão-de-obra, mas sim que antecederam a Abolição c que depois estabeleceram os meçanis-
membros de uma raça mais nobre, ou melhor, cawásica, branca, eu- mos seletivos ideológicos, econômicos e institucionais, para à entra-
ropéia e por todas essas qualidades superior. A ideologia do bran- da do imigrante trabalhador.
queamento permeia então o pensamento de quas toda a produção Como acentua muito bem Thomas E. Skidmore:
intelectual do Brasil e subordina ideologicamente xs classes dominan- Desde que a misolgenação funcionasse no sentido de promovar o ob:
tes. Importar o negro, isto ficava fora de qualquer cogitação. letivo almejado, o gene branco “devia ser" mais forte, Ademais, duran
Em 1920 (ano inclusive em que entra a Imigração sistemática te o perlodo aito do pensamento racial —- 1880 à 1920 — a Ideologia
do "branqueamento" ganhou foros de legitimidade ctentifica, de vez
de japoneses, em face da dificuldade de se importar mão-de-obra eu- que &s teorias racistas passaram a ser interpretadas pelos brasileiros
roptia em consequência da Primeira Guerra Mundial) foi realizada como contirmação das suas iddjas do que & raça suparior — a bran-
uma pesquisa para saber-se se o imigrante negro sesia benéfico ao Bra- ca —, acaburia por prevalecer no processo de amalgamação, !*
silou não. A pesquisa foi feita pela Sociedade Nacional de Agricul- E é justamente neste período de pique do pensamento racista
tura e as conclusões foram de que ele seria indesejável. Nas respostas apontado por Skidmore (1880 u 1920) que há a expansão violenta da
negativas funcionava a mesma ideologia de barragem das elites pré- economia cafeeira. Isto é, o dinamismo da agricultura procurava
Abolição. Vejamos os resultados: suprir-se da mão-de-obra de que necessitava nos grandes espaços pio-
neiros que se abriam e para isto o branco superior era escolhido e
o ““mascarvo nacional” (Afrânio Peixoto) descartado como inferior.
Estoroótipos nogativos sobre o negro como Imigrante
Esta passagem do csçravismo para q capitalismo dependente em tão
curto período na região do Rio de Janeiro e São Paulo, especialmen-
Flazões econômicas:
te nesse último Estado, explica em grande parte os níveis de margina-
Mau trabalhador.. GAP a cad VVA E ARO
lização em que se encontra a população negra e não-branca em geral
Razões intelectual éa ra
Inteligência inferior, degenerado, amoral, Indolente, b&bado e
atualmente,
CHIMINOIO, ssa rsnorem seres semen Ss ESA Pá dis VS CASÉ og «18
Ames da Abolição os imigrantistas apresentavam projetos para
Razões raciais: que os europeus fossem trazidos como mão-de-obra capaz de sin»
Inferioridade congênita, ódio ao branço oculto no coração do negro 44
cronizar-se com o surto de progresso da região.
Exlatência do preconceito de CO! mass emerson BD
Desta dupla realidade (a expansão econômica da área cafeeira
ca formação racista das elites brasileiras) podemos ver que O que acon-
Outras TAZÕES esses rrestiass temia tem Mist cumes emo remn ro tiara te testar rasto rate 2
teceu não foi simplesmente uma ocupação de espaços de trabalho va-
Fonte: Socladade Nucional de Agricultura — imigração. Rio de Janel- zios por um imigrante que os vinha ocupar, mas sim a troca de um
ro, 1929. tipo de trabalhador por outro que era marginalizado antes de haver
um plano de sua integração na nova fase de expansão, A ideologia
Como vemos, os resultados desta pesquisa já demonstram a crts- racista atuou como mecanismo que, se não determinou, influiu de
talização de um processamento de rejeição absoluta aq negro por parte forma quase absoluta nesse processo. Remanipulam-se dois estereó-
dos grupos que necessitavam de nova mão-de-obra, Essa cristaliza- tipos de barragem contra a integração do negro no mercado de tra-
ção bem esclarece como & ideologia do branqueamento penetrou pro- balho. Um refere-se ao seu passado: como escravo cra dócil, Outro
fundamente na sociedade brasileira, Ela já tinha precedentes e teve ao seu presente: à sua ociosidade. Por outro lado, o imigrante não
comtinuadores. Este continuum diseriminatório, que se iniciou com criaria mais problemas nesse processo de transição, pois já estava dis-
as Ordenações do Reino « prosseguiu nos representantes das classes ciplinado. No seu devido tempo mostraremos que os fatos não cor-
dominantes até hoje, como veremos adiante. O que desejamos centrar roboram esses estereótipos, O que aconteceu foi uma visão aprioris-
aqui é o movimento chamado imigrantista de pensadores e políticos tica de que 4 grande massa não apenas egressa da senzala em 1888, mas
às MESCIQENAÇÃO F DEMOCRACIA RACIAL. MITO E NEAL IDADE € MEASIL TERIA DO SER BRANCO E CAPTALESTA 13

aqueles que já compunham um contigente de xão-de-obra não- Para ele não havia saida a não ser aquela que se apresentou porque
aproveitada que antecede à Abolição, deveriam sr marginalizados correspondia à necessidade de colocar-se um trabalhador mentalmente
para se colocar, no seu lugar, um trabalhador de aordo com anova superior em face da ociosidade do negro, do mestiço, finalmente de
dinâmica da economia, todos aqueles que se encontravam sem ser integrados economicamente
Ao que se saiba nenhum político, partido ouórgão do governo nessa fase de transição. Como prova disto é o fato de termos sempre,
apresentou planos concretos e significativos e inveziu neles no senti- nesse processo de expansão, a participação do imigrante europeu, Seus
do de fixar e aproveitar essa mão-de-obra. Pelo contrário, todos os húbisos afeitos à instituição familiar regular € outros de comporta-
investimentos foram para o trabalhador estrangeiro Com isto se afir- mento civilizados entravam como fatores que explicavam, de manei-
mava antecipadamente que a mão-de-obra flutuante não prestava. ra aparentemente objetiva, a vantagem do trabalhador estrangeiro
Criou-se a visão de que o trabalhador curopeu se inegrou porque era substituir O negro, ex-escravo e o não-branco em particular. "* Quando
superior e O nacional, negro, não-branco de um modo geral, era in- se quer fazer uma relação entre a necessidade da mão-de-obra e a imi-
capaz para se integrar. Deste estereótipo não escapa inclusive um eco- gração apresenta-se, como justificativa ou explicação, o número re-
nomista do porte de Celso Furtado. Escreve ele: lativamente pequeno de escravos que foram libertados pela lei de 13
de maio (mais ou menos setecentos mil) e a grande expansão da eco-
Soria de especer, portanto, que do proclamar-se esia, (a Abolição! ocor- nomia cafeeira que necessitava de um número muito maior de traba-
resao uma grande migração do mão-Se-obra em dração das novas ro- Ihadores nessa expansão econômica. Isto é artificial, argumento que
gides er . rápida expansão, as quais podiam pagar salários substancial:
não se deve considerar, Com isto apagar-se-ia artificialmente do ma-
mente mais altos, Sem embergo, é exatamente porossa época que tem
início a formação da grande corrente migratória owopéia para São Puu: pa demográfico nacional e do seu potencial de trabalho a grande par-
lo, As vantagens que apresentava O trabalhador europeu com respeito cela disponível de mão-de-obra que antecedia à Abolição. Em 1882
ao ex-escravo são demasiado óbvias para insistir sobre clas, tínhamos nas províncias de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Penam-
buco, Ceará c Rio de Janeiro para | 443 170 trabalhadores livres €
Em seguida, Celso Furtado apresenta as razões da superiorida-
656 540 escravos uma massa de desocupados de 2 822 583. Essa era
de do europeu sobre a massa trabalhadora nacional: a realidade no processo de decomposição do sistema escravista: ti-
se não possuindo hábitos de vida familiar, a idéia de acumulação nhamos, portanto, uma população trabalhadora sem ocupação maior
ORA lhe é praticamente estranha. Demais, 90u rudimentar desen do que o total de imigrantes que chegaram ao Brasil de 1851 a 1900,
volvimento menta! limita extrormamente suas “necassidades”. Sendo Mas tudo isto era posto de lado, sob a alegação do “ócio” nacional, *
o trabalho para o escravo uma maldição o 0 ócio o bem Inalcançávei, Vejamos como esses imigrantes chegaram e à sua conexão com
a elevação do seu satário acima de suas necessidades — Cqud estão
gefinidas pelo nivel de subsistência pelo escravo — determina do imo- a substituição do trabalhador nacional:
diato uma forte preferência pelo ócio...) Podendo satisfazer seus gas-
tos de subsistência com dois ou trás dias de trabalho por semana, so
antigo escravo parecia mais atrativo “comprar” o ócio que seguir tra: ENTRADA DE IMIGRANTES EUROPEUS NO BRASIL
balhando quendo já tinha o sufickonto “para viver”, Dessa forma, uma (1851 + 1900)
das consequências diretas da Abolição, nas regiões em mais rápido Períodos Entrada de europeus
desenvolvimento, foi reduzh-se o grau de utilização da força de traba- 1851-1880 (proibição do tráfico)
prol...) Cabe tão-somente lembrar que o reduzido desenvolvimento mar 121 747
1851-1870 (Lol do Ventre Livre)
tal da população submetida à escravidão provocará a segregação par 1871-1880 (movimento abolicionista)
97 571
cial desta após e Abolição, retardando sus assimilação e entorpecen- 213 128
1861-1890 (Abolição total)
do o desenvolvimento econômico do país. " 525 086
1881-1900 (apogeu da Imigração européias 1129315
Pelo pensamento de Celso Furtado, a culpa da segregação (mar-
ginalização) dos ex-escravos (e aqui está embutida a imagem dos ne-
gros e não-brancos) e componentes da massa de mão-de-obra nacio- Fonte: Monass, Octávio Alexandro de. imigratlon in to Brazil: a statical staté-
nal que foi transformada em excedente, foi decorrência do seu atraso meant and ratated aspacts, In: Bares, M, The migration a! people to Latin Ame-
tica. The Catholic University oF America Press, 1957.
mental, fato que conduziu ao entorpecimento da economia do país.
O BRASIL TERIA DE SER BRANCO E CAPITALISTA as
tá MESCIDENAÇÃO E DEMOCHACIA RACIAL! MITO E REALIDADE

escravos empregados em atividades diversas, malgrado o vultoso nú-


Podemos reparar pelos dados acima, que há ma relação entre mero de aliórias e O grau de desmantelamonto do sistorma. **
o processo de decomposição do sistema escravista co ritmo de entra-
Por trás da ideologia de rejeição do trabalhador nacional, co-
da de imigrantes curopeus. Isto é: à medida que se tomam medidas
mo veremos oportunamente, estavam os grandes investimentos fei-
para tirar 0 escravo do processo de trabalho cstimala-se O mecanis-
tos para trazer-se O imigrante curopeu, Não se podia considerar infe-
mo importador de imigrantes brancos, Inicialmente, com a proibi-
rior um artigo no qual se havia investido um capital considerável. Me-
ção do tráfico, depois com a Lei do Ventre Livre. Com o movimento
nezes Cortes, por isto, apresenta como um dos elementos das forças
abolicionista o processo se amplia. À medida que segmentos escra-
de atração para a vinda do imigrante europeu certas vantagens que
vos, por várias razões, eram afastados do sistema de produção, en-
lhes eram oferecidas;
trava, em contrapartida, uma população branca livre para subs»
tituí-los. Não é por acaso que logo depois da procumação da Repú- É sabida & influência do conhecimento das possibilidades de empre.
blica cria-se a Lei da Vadiagem para agir como elemento de repres- go certo; sejam eias informadas por parentes, por amigos, ou mesmo
são e controle social contra essa grande franja marginalizada de negros atravós da agências de propaganda, não só nos palses interessados
na Imigração, como também das empresas comerciais « transportes
e não-brancos em geral. ferroviários e, principalmente, marítimo, as quais auferem lucros per
No Rio de Janeiro essa seleção étnica feita pela classe emprega- capita dos transportados, 2
dora em detrimento do trabalhador não-branco também se verifi-
Como vemos, já havia um processo de investimento capitalista
ca. Em 1890, na indústria manufatureira, para 69,8% de brancos ocu-
nos mecanismos dinâmicos da política migratória, Onde isto não acon-
pados, O percentual negro era de 8,9% c mestiço 13,7%, Os chama-
teceu O ex-escravo se integrou, embora cm uma economia de miséria,

—-
dos caboclos contribuam apenas com 1,6% da mão-de-obra. Como

dm, tin
mas de qualquer forma não foi marginalizado como no Sudeste, es-
vemos, esse continuum seletivo se mantém constante, desestruturan-
pecialmente em São Paulo, Manoel Correia de Andrade afirma, por
do social e economicamente a população não-branca em geral que
isto, no descrever a situação do ex-escravo na região Nordeste:
é colocada como massa marginalizada do modelo de capitalismo de-
pendente, Mas O que ocorrau om consequência da mesma (Abolição) na região

Ene so a
Analisando esta época, o historiador José Jorge Siqueira afir- canavíalra do Nordeste? AÍ já não existiam terras devolutas, de forma
ma que: expressiva, para nelas se alojarem 03 ex-escravos e estee, Ebertos, não
tiveram outra altemetiva senão a de venderem a sua força de trabalho
Entre 1872 6 1000 a tendóncia fol de alta acelerada do crescimento po- aos enganhos existentes. Os aboliotontstas mais conseghentes adm
pulacional. Contrlbuiram para isto a inversão do tenômeno migratório tam que à Abolição devia sar acompanhada de medidas que levassem
cidade-campo, devido à fuga em massa do escravo negro aproveltando- à cêstribuição de terras devolutas com os libertos, a fim de que se trans-
se da criso que sorta a derradeira do sistema escravista; O alto indica formassem em páguenos propriatários, Os conservadoras, que assu-
de crescimento natural da população (segundo o Censo de 1890, a va: miram o comyndo da campanha abolicionista na acastão que compreem
riável que mais incrementa a estatística demográfica); &, por último « deram que a Abolição era um ato & se consuma, trataram de concede:
intenaificação da migração auropóta (principalmente de portuguesas, à liberdade sem concedor tarras, de voz que, conservando 6 monopó-
no caso do Rio). Em 1906, o Rlo de Janeiro era a única cidade brasitel- Ho da propriedade da terra teriam a mão-de-obra assalariada barata,
ra com mais ce 500 mil habitantes, vindo a seguir São Paulo e Salva- face à inexistência, para O escravo, de uma opção que não fosse ven-
dor com pouso mala de 200 mil,” da de sua força de trabalho aos antigos senhoces, Assim, na região açu
cargira nordestina, com a Abolição, os escravos fizeram grandas fes
No entanto, segundo o mesmo autor, nesse período: tas comemorativas e, em seguida, anandonaram, sem recursos, as jer-
res dos seus senhoras, seindo à procura de trabalho nas terras dos se-
para 822 empresários do manufatura dos diversos ramos induatriais,
nhoros de outros escravos. Houvo, em consequência, uma redistabul-
temos 18 090 trabalhadores assalariados de alguma especialização téo-
qão dos antigos cativos pelos vários engenhos é usinas, fazendo com
nica. Como a manufatura urbana no Rio de Janeiro contou também com
que elas trocassem do sonhores q passassem a vivor com o magro sa-
o uso de trabalhadores escravos, lado a lado com 09 llvres e assalaria-
tário que passaram a recobor. O aistama utilizado, desde o começo do
dos, temos que aqueles representavam, neste ano, 13%4 do total da força
século, para os trabalhadores Ilvres, foi aplicado aos escravos ilber-
de trabamo ocupada em atividades industriais. Havia, n4 cidade, 45 804
» MSISCIGENAÇÃO E DEMOCRACIA RACIAL MITO E REALIDADE ENTRÉCIA DE MERCADORIA QUE NÃO PODIA ALR DEVOLVIDA E

tos, sendo os mesmos gradativamente absorvidos mu massa da popu mentais para o aproveitamento dessa massa de mão-de-obra sobran-
lação pobre, **
te, estabeleceu-se como definitiva a sua inferioridade. Desta forma,
Correia de Andrade coloça muito bem o problema « mostra co- ficou a visão de que a sabstituição foi feita sem choques de adapta-
mo na região na qual não houve interesse do capitdismo mercantil ção do colono com as condições de trabalho, clima, alimentação e
no sentido de administrar a passagem do escravismopara o trabalho comportamento político, A qualidade do imigrante não era tão
uni-
livre, O ex-escravo não demonstrou possuir aquele dio sugerido por formemente superior como sé propala. Eles foram impostos muitas
Celso Furtado, A falta de investimento, de capital, que objetivasse vezes sob restrição inclusive dos fazendeiros. No que tange à popula-
a substituição da mão-de-obra possibilitou a integração do ex-escravo. ção italiana, especialmente do Sul, as suas condições sociais é
cultu-
Mas, como já havíamos escrito em outro local, o fio de não haver rais não eram aquelas de superioridade comumente apresentadas, Per-
o negro das zonas de agricultura decadente se marginalizado na mes. correndo uma região italiana nos começos do século XX o arqueólo-
ma proporção do paulista, não significa que ele tetha conseguido, go francês Gaston Boisier assim descreve a população camponesa
ao integrar-se socialmente, padrões econômicos é culturais mais ele- italiana;
vados do que os alcançados por aqueles que foram marginalizados
Aqui (em Óstia), os imigrantes são todos lavradores que vêm semear
em São Paulo. Eles conseguiram integrar-se em uma economia de rmi-
suas torras € fazar a colheita, À tardinha, amontoam-se em cabanas
séria, com índices de crescimento e diferenciação baixíssimos, quase feitas de velhas tábuas, com tetos de colmo. Visital uma datas, oatrai.
inexistentes, tae comprida, que parecia um corredor. Não tinha janelas é só recebia
eis Por estas razões os próprios indicadores para 4 formulação do luz das portas colocadas nas duas extremidados, O arranjo era dos mais
conceito de marginalidade devem ser regionalizados, levando-se cm simples. No melo, as marmitas onde se fazia sopa; dos dois lados
em
conta essas diferenças, sem o que cairemos, inevitavelmente, em uma compartimentos sombrios, homens, multeres o crianças deitavam-se
misturados, em montes ce palha que nunca se renovaram, Mal entra»
visão desfocada e impressionista do problema com as subseglentes mos na cabana e um ahatro tótido sa apodera de nós é nos provoca
interpretações formalistas e imprecisas. náuseas; o visitante, quo não está acostumado a essa obscuridade na-
Onde não houve possibilidade de sc investir para substituí-los da pode perceber, só quvs o gemido dos maláricos que a febre
prende
por outro tipo de trabulhador o negro foi integrado nacconomia, mas, ao iolto do palha o que lho estendem a mão pedindo esmola. Nunca
imaginei que um ser humano pudesso vivor em tais alorjas. **
por outro lado, naquelas áreas prósperas que tinham condições de
investir na substituição da mão-de-obra, ele foi marginalizado. Aliás Completando o quadro escreve José Arthur Rios:
uma coisa decorria da outra: as áreas decadentes não tinham possibi-
Nessa emigração, a institulção mais Importante era a familia. Na famf-
lidade de procurar outro tipo de trabalhador pela sua própria deca- lia a criança rocebla as tradições do grupo o seus severos
padrõas de
dência. As áreas que decolavam puderam dar-se ao luxo de jogar nas comporiamento, As meninas aprandiam a famer o homem,
a solar pala
franjas marginais toda uma população de trabalhadores, para subs- honra s 4 ajudar no trabalho agricota. O filho mals velno aprendia
a pro-
tituí-los por outra que viria branquear o Brasil e satisfazer aos inte- fissão patera e o árduo ofício de chele do família. O homem sraose
resses daqueles que investiram no projeto migratório. nhor incontastado. A autoridade se tranemitia do avô ao pal à deste
ao filho mais velho, sempre na linha masculina. Às mulheres cabia
0
trabalho o à submiseão, O concubinato ora frequente no Sul, talvez,
se
gundo sugere Foserstar, resíduo da ocupação sarracena. O analfabetis.
mo « a falta de Instrução aí predominavam, embora fizessem sentir sous
5. Entrega de Convencionou-se, dentro desta visão aprio- efeitos no Norte, Juntos concorriam a dar 4 tradição seu papel de érbi-
que rística, que o trabalhador importado era su- tro supremo. Só « superstição ines fazia concorrência, agravada
mercadoria por
uma roligiosidade primitiva, **
ser perior ao nacional, Interesses convergentes,
devolvida ideológicos (o branqueamento) e econômicos Sobre os métodos de cultivo da terra afirma o mesmo autor:
(os Interesses dos investidores na empresa mi- Os métodos de cultivo remontavam, em sua maborta, ao império Roma-
grantista) determinaram que, ao invés de se fazerem planos experi- no. O arado ora primitivo, combinado, às vezes, com 2 Zappa, espócie
E

88 MISCIGEMAÇÃO E DEMOCRACIA RACIAL: MITO É REALIDADE EXTREGA DE MERCADORIA QUE NÃO PODIA SER DEVOLVIDA My

da enxada. O adubo praticamente desconhecido,o que turçava 05 cam- nos geral e províncial, por seu turno, poderiam injetar auxílios pecu-
poneses a deixa porções de tora am pousio se ão quisessem vé-ias
niários à associação, os quais serviriam para pagar as passagens dos
rapidamento esgotadas. As sementes eram mé escolhidas. Os cascos
de bois faziam & desbulha das espigas & O venh Separava 0 jolo do imigrantes. *
teigo. Je Nessa conjuntura, como afirma Paula Beiguelman: ““Estimula-
dos por esses auxilios governamentais, vários fazendeiros se interes-
Como vemos essa superioridade técnica tão apregoada não é con-
firmada pelos fatos. Daí a frustração inicial de mimeros fazendeiros
saram pelo emprego do trabalho do imigrante". *
As elites dominantes, através de vários mecanismos protetores
na experiência que fizeram com esses imigrantes, Daí o ceticismo de
do imigrante c de medidas restriuvas à compra interna de escravos,
Fernando Torres, presidente da província de São Paulo, o qual afir-
através do tráfico interprovincial, conseguiu, finalmente, que O imi-
mava no seu relatório de 1859;
grante fosse um trabalhador de aluguel mais barato do que a compra
= O CEO é Quo O dasânimoe arrateçimento que en geral têm se mani- onerosa (por onerada) do escravo e neste universo de transação capi-
festado os nossos fazendeiros pela colonização. ova que 08 colonos talista O fazendeiro do café acelta o imigrante.
uMimamento vindos da Europa têm sido mais pesados que lucrativos
E aquele trabalhador europeu que inicialmente era considerado
sos mesmos fazendeiros, pois qua só assim podese explicar à profa:
rência que têm dado a despondor somas enormes com s aquisição de Ocioso por representantes da lavoura passa a ser considerado o mo-
escravos, comprados por preços que lhes absorvem anca de renda. * delo de poupança, perseverança, organização c disciplina no traba-
Para ele, ao contrário do que afirmou Celso Furtado, esses imi- lho. O problema era, como se vê, impor o imigrante que correspondia
aos interesses de uma camada que surgia nas entranhas do escravis-
grantes eram “homens que, por já ociosos” e por não encontrarem
mo é tinha os seus objetivos voltados para os lucros da transação que
ocupação nos seus países de origem aceitam “porisso a emigrar na
se fazia com o imigrante. O Barão de Pati afirmava, mostrando a
primeira oportunidade que isso ofereça"!, **
necessidade dessa alternância, que a abundância do escravo era um
Segundo Paula Beiguelman,
dos obstáculos ao desenvolvimento do trabalho livre. Daí a necessi-
no mesmo Relatório que comunica a presidência da Provincia peto MiI- dade de se barrar a vinda da mão-de-obra escrava das zonas deca-
nistério dos negócios do Impário de que tam chegar 900 colonos vin- dentes e se estimular « dinamizar a incorporação do imigrante ao
dos por conta da Associação Colonizadora, e oterezendo-so 0 govermo
trabalho nas fazendas de caté, Na lavoura de café, O escravo assume
imperial a distaibuí-los aos lazendeiros Interessados, pagando a pas-
sagem ds Corte a Santos, e deda publicidade a eses oferacimento fora
o posto de trabalhador eficiente até ser substituído pelo imigrante,
quase nula a recoptividade encontrada. ** Os representantes das províncias nordestinas decadentes sentem que
elas estão ficando despovoadas. Até aj O interesse do proprietário das
Não houve aquele automatismo de aceitação decorrente da su- fazendas de café procurava o trabalhador escravo de outras regiões
perioridade óbvia do imigrante, * O que pretendia essa substituição como ideal ou pelo menos o mais adaptado ao trabalho. Depois de
do trabalhador nacional pelo alienigena era satisfazer uma tela de in- 1870, os cafeicultore3 começam 4 aceitar « substituição. Em 80 o tra-
teresses que se conjugavam destro de uma visão capitalista dessa tran- balho livre já se manifesta como a substituição idea] do trabalho es-
sação, com capitais em jogo c interesses ideológicos « políticos que cravo. Com uma ressalva; que esse trabalhador livre devia ser branco
se completam. O governo imperial investe no Imigrante porque ele é O negro deveria transformar-se em marginal,
não era mais um simples trabalhador, mas uma peça importante nos É exatamente esta gama de interesses do capitalismo mercantil
mecanismos que dinamizavam — via Interesses de uma burguesia mer- que se desenvolve ainda nas entranhas do escravismo tardio através
cantil ativa e ávida de lucros — essa substituição, Pelo decreto impe- do processo migratório que determinou a dinâmica desse segundo trá-
rial de 8 de agosto de 1871 (ano da Lo do Ventre Livre) foi autoriza- fico não suficientemente estudado até hoje. Razões econômicas de-
da a fundação da Associação Auxiliadora de Colonização e Imigra- terminaram o sucesso da substituição de um tipo de trabalhador in-
ção. Seu presidente era significarivamente Francisco da Silva Prado ferior por outro superior, Assim como a substituição do escravismo
e o seu capital podia ser aumentado em qualquer tempo, Os gover- indígena foi justificada pela altivez do índio e a docilidade do negro, a
mM MESCIGENAÇÃO E DIMOCIACIAL RACIAL: NITO E REALIDADE ENTREGA DE MERCADORIA QUE NÃO POXA SER DEVOLVIDA 94

substituição do trabalho do escravo negro pelo do inigraate branco um emissário do governo prussiano, H. Haupt, constateva que so-
foi também justificada pela incapacidade do ex-escrivo (isto é, o ne- mente em circunstâncias excepcionais uma família de imigrantes po-
gro co não-branco nacional!) realizar o trabalho no sível do europeu deria ressarcir as suas dívidas em tempo relativamente curto. Onze
superior. anos depois desta constatação há uma tentativa de se reabilitar o tra-
Os interesses em jogo na substituição do indiopelo segro nun- halhador nacional. No particular escreve Verena Stolcke:
ca foram profundamente estudados. Diz a este respeito, com muita No Congresso Agricola de 1878, convocado pelo governo para avaliar
razão, Tançredo Alves: o estado geral da agricultura, um grupo de fazendeiros se opós à iml-
gração em grande escala, como solução para o problema da mão-de-
Grande razão que tam sido geralmente onquecida,fol « pressão dos obra, devido sos custos que ela acarretaria para eles ou para o pais,
grupos interessados no tráfico de africanos no sensdo de mporem-se Ao invés disso, retvindicavam leis para combater a ategada aversão da
no Brasil (como às demais colônias tropicais) os escravos nagros,
população nacional so trabalho, Buscavam melos de discioilnar 08 agre
fonte de polpudos lucros, O tráfico de africanos ensinanos Marx,
gados + de obrigar os Ingênuos ao trabalho, bem como disposições que
desenvolveu-se na tese histórica da acumulação pémitiva que prece-
reforgansam a lol de 1897 na regulamentação dos contratos de loca-
dou ao surto do capitalismo Industrial (séc. XVIl a XWII) coma uma em- ção e sorviços. Ao final, sssa posição seria derrotada pelos fazendal:
presa tipicamento comercial, um fator « mais daquela acumulação,
ros que consideravam altamente probtamático depender de ax-escravos
Tratava-se de uma empresa do certo modo autónoma que, se estava
após a Abolição ou da população nacional Sisponivel, o que viam na
condicionada pelo seu mercado, em grande parte tambémo condício
Imigração em massa subvencionada a única solução. *
nava, O mercado era a agricultura de géneros tropicais, que se desen.
volveu a partir do século XVI como parto integrante do sistema colo- O Estado assume financiar a imigração e em 1884 a Assembléia
mial da fassa do capitalismo manufaturoiro, valo dizer Como um outro de São Paulo aprova medida através da qual eram concedidas passa-
fator da acumulação primitiva. Toda uma sórie de motivos ligados ao gens gratuitas aos imigrantes que se destinassem à agricultura.
nivel de desenvolvimento das forças produtivas, ás condições goográ-
ficas, a certas condições Ideológicas etc, (motivos quo não sará possl-
A mesma autora desenvolve o seu raciocínio apresentando os
vel analisar aqui) ocaslonaram essa ligação histórica entre a agricul- seguintes fatos;
tura de gêneros tropicais q q tráfico de africanos, o fato é que onde
Após 1884, em vez de congir os trabalhadores diretamente o Estado
visojou a primeira verificou-se a penetração comercialdo segundo; coisa procurou obter mão-de-obra barata e disciplinada para as fazendas, inyun-
táci| de comprovar-se no caso brasileiro: com axcação do surto mina-
dando o mercado de trabalhadores com imigrantes subvencionados.
rador (há aí razões particulares), O fhuxo de escravos segros correspon- Em 1886, o governo provincial havia encontrado uma forma eficaz de
deu no Brasil — geográfica a nstoricamento — a violssitudes da agr
fomacer subsídio intogral aos imigrantes e o resultado toi pratlcamen-
cultura dos gêneros tropicais (o açúcar, o algodão, ocaté). Foram, por- te imediato. Em maio de 1887, entre 80 090 q 70 000 Imigrantes, agora
tanto, esses Interesses mercantis externos, ligados à agricultura colo- predominantements italianos, já haviam sido assontados nos estabe-
nial e ao tráfico de africanos, uma outra grande razão da predominán-
locimentos da São Paulo. Essa cifra excede a estimativa de 50 000 08-
cia da escravidão negra no Brasil, * cravos que estavam sendo empregados nas fazendas calesiras paulistas
Este mesmo processo de substituição de um trabalhador por ou- em 1885. *%
tro verificou-se na passagem do escravismo tardio brasileiro em rela- Como vemos, havia grandes interesses na empresa imigrantista
ção ao negro. As grandes firmas imigrantistas, grupos interessados que procurava dinamizar esse fluxo migratório com o objetivo de es-
nesse processo e especuladores em geral não viam evidentemente o tabelecer a continuidade é ampliação dos seus interesses que estavam
imigrante como superior, mas o viam como um investimento que da- subordinados à marginalização do trabalhador nacional € a sua subs-
ria lucros a quem administrasse os mecanismos imigrantistas. tituição pelo trabalhador estrangeiro subsidiado. Este complexo mer-
Inicialmente a empresa Vergueiro & Cia. cobrava comissão dos cantil que se criou em cima da importação do trabalhador europeu
fazendeiros para realizar a transação da vinda de imigrantes europeus. determinou a exclusão do negro « do trabalhador nacional de modo
Essa comissão onerosa era repassada ao imigrante que tinha de pagá- geral de uma integração como mão-de-obra capaz de dinamizar O surto
la acrescida dos juros que o fazendeiro cobrava. Isto levava a que de desenvolvimento econômico que surgiu com o boom da economia
o imigrante dificilmente conseguisse resgatar as suas dívidas. Em 1867 cafecira. Podemos ver como há toda uma política que se conjuga —
2 MISCIGENAÇÃO É DEMOCRACIA RACIAL MITO | REALIDADE ENTREGA DE MERCADORIA QUE NÃO PODIA SER DEVOLVIDA 9%

do Estado e dos fazendeiros — no sentido de alepr faha de braços É óbvio pelo exposto que havia um mecanismo de barragem per-
para a lavoura e apelar, sempre, para que essa crie de mão-de-obra manente contra o ex-escravo, o negro, e de forma mais abrangente,

e
fosse resolvida através do imigrante curopeu. Na use das trunsações contra o trabalhador nacional, Enquanto se murginalizava este,
mercantis que eram operadas por esse complexo montado pura im- dinamizava-se, através de várias formas, o segundo tráfico na medi-
portar o imigrante, estavam os Lucros que vários segmentos da socie- da em que ele era interessante e Jucrativo para as classes dominantes,
dade brasileira com isso conseguiam obter, Os próprios fazendeiros, Como podemos ver, não se tratou de uma crise de mão-de-obra, co-
na primeira fase da imigração, cobravam juros aos seus trabalhado- mo até hoje se propala, mas da substituição de um tipo de trabalha-
res europeus, muitas vezes escorchantes, fato que deu motivo a di- dor por outro, o isolamento de uma massa populacional disponível
versas formas de protesto do trabalhador imporudo. e a colocação, no seu lugar, daquele trabalhados que vinha subven-
Um levantamento de quanto lucraram os seiores envolvidos € cionado, abrindo margens c possibilidades de lucros para diversos seg-
participantes desse comércio, no qual estavam ineressados agentes mentos das elites deliberantes.
europeus c nacionais, fazendeiros, funcionários do governo, empre-
Em 1871 é criada a Associação Auxiliadora da Colonização e
sas de imigração, e outros setores financiadores, poderá demonstrar Antônio Prado tornou-se o seu vice-presidente, tendo o seu pal con-
por que surgiu a ideologia da necessidade de importação em massa seguido, através da associação, à importação de dez famílias alemãs
do trabalhador europeu. Ele, por seu lado, era também explorado.
para suas fazendas, Em abril de 1886 Martinico Prado anunciou à
Vindo com u expectativa de fixação à terra, direio à propricdade,
fundação da Sociedade Promotora da Imigração. Essa entidade
proteção, assistência médica, fontes de financiamentos, como apre- reuniu-se no mesmo ano a convite do Barão (depois Conde) de Par-
goavam os agentes nos paises europeus — também remunerados pa-
naiba. Este propõe que a associação fosse o único contato junto ao
ra isto —, ão chegarem viam-se equiparados aos escravos das fazendas.
governo provincial, do qual era vice-presidente é posteriormente pre-
Dai muitos terem se revoltado. Não suportando as reais condições
sidente. Depois foi vice-presidente da entidade, c Martinico Prado,
que lhes eram impostas 4 si e às suas famílias, com um regime de tra-
seu presidente. Convém acrescentar que o Barão de Parnaíba era pri-
balho no qual a coerção extra-econômica funcionara como um com-
mo dos Prado e estava interessado vivamente no desenvolvimento mi-
ponente das normas de trabalho, O imigrante reagiu mukas vezes. A
revolta de Ibicaba, do senador Vergueiro, em 1850, é a mais conheci-
gratório, Essa sociedade funcionará até 1895, quando a política
da mas não foi a única. Mas é significativa porque demonstra os
migratória passa a ser função do Estado. No período de funciona-
mento a Associação Promotora importou 126 415 trabglhadores,
mecanismos coatores que os fazendeiros usavam contra esses traba-
lhadores considerados superiores em relação aos nacionais. Em todo esse processo os casos de nepotismo e corrupção cram
Os fazendeiros usavam a alegação da falta da mão-de-obra em inevitáveis. No particular, escreve um biógrafo da família Prado;
São Paulo para conseguirem novos trabalhadores importados e con- Talvez acusações mais sórias que a do favoritiemo regional e do ex-
seguirem um nível de salários baixos. cessivo gradualismo na quostão da escravatura fossem aquelas da
Neste particular, escreve ainda Verena Stolcke: conspiração pessoal de Antônio com o fim de canalizar fundos gover
namentais para seu irmão, Em maio de 1889, o jornalista liberal Rui Bar-
Mesmo depois da década de 1820, 05 fazendeiros regularmente se ques bosa acusou Antônio de emprestar 300 contos de fundos públicos para
xavam de que havia uma escassez de braços agricolas em São Paulo. Martinico, presidente da Sociedade Promotora, para que ela subsidiasse
Existem, porém, várias Indicações de que essas queixas eram reour: a imigração, em violação a uma lei que dispunha que tal pagamento
sos para pressionar pata continuidade da imigração em massa, & 24 poxeria ser feito apenas depois de recebidas as provas de que 05 imi-
sim assegurar os baixos salários que os fazendeiros ontavam dispostos grantes estivessam raalmanto ostabeteçidos nas fazendas. O ataque
a pagar, Por exemplo, «s duas tontos alturmativas de mão-de-obra, 08 de Rul Barbosa insinuava que a renúncia de Antônio ao Ministário «a
libertos é os chamados trabalhacores nacionais, nunca foram utiliza- Agricultura estava Hgada a este “paremismo administrativo"! Antônio
dos de nenhuma forma substancial até a Primeira Guerra Mundial, quan evidentomento não respondeu às acusações, nem delas resultou quai
do a imigração européia subvensionada so tomou impraticável, Ambos quer ação legal, Tinha frequentemente queixas contra a inércia gover-
os grupos foram em larga medida ignorados pelos fazendeiros, mas namentul em encarar problemas cruciais e parece ter tido pouco respeito
mo nas épocas de suposta escassez de mão-de-obra, ” pelas sutilezas legais envolvidas. É possível que, no ordenar 6 paga-
DAS ORDENAÇÕES DO BET À ATUALIDADE: O NEGRO DESCRIMINADO 48
Mm MISCIOENAÇÃOE DEMOCRACIA RACIAL: MITO E REALIDADE

do porém da argumentação racista do Imigrantismo, Ao contrário


mento ao presidenta da Sociadado, que acontecau ror ses irmão, An
convenclonou-se explicar a “recusa” do negro em trabalhar devido so
tônio tenha sentido que estava aderindo à lei, já quapagarmento direto
“fator herança da escravidão” ou “traumatismo” do escravo, pols pe-
aos fazendeiros não ara efetuado. De qualquer manga, O Incidente mos-
ra olé & Iibordado seria o contrário do trabalho, Assim o negro teria se
tra um lado sombrio do femilamo usado para facilitar « irigração om
marginalizado devido à sua Incapacidade para o trabalho livre, o que
São Paulo, Tendo cbservado muito anteriormente, na progressista In-
se explica hoje por tor sido ele escravo, e não mais por ter “sangue
glaterra, que tudo era feito pola Iniciativa privada, Antônio aparento-
africano". Por sua vaz, esta transmutação da representação Imigran-
mente acreditou que, quando a livro ampresa precisasse de apoio
Usta racista — negro vagabundo, em tema histórico — ex-escravo va-
financeiro, o govemo deveria ser um sócio à sua Csposição. *
gabundo, deve ser entendida dentro do contexto suscitado pelo mito
Não foi por acaso que a denúncia de corrupção (apesar da dis- da domocracia rsclal, mito angendrado em meados da década de 90,
creta defesa que o biógrafo da família fez) tenha surgido de um polí- porém alimentado pela imagem já mencionada acima, de um pais 4s-
cravista sem preconceitos raciais, *
tico nordestino. O Nordeste estava em decadência € vis como se
manipulavam as verbas para a importação do imigrante, em detri- A ideologia racista é substituída por razões sociológicas que no
mento do amparo ao trabalhador nacional. As oligaquias se benefi- fundo as justificam, pois transferem para o negro, através do concei-
ciaram enormemente com o segundo tráfico, não apesas diretamente, to de um suposto traumatismo da escravidão, as causas que determi.
mas também beneficiando segmentos mercantis, comerciais é usurá- naram a sua marginalização atual,
rios que tinham na importação do imigrante uma forte de renda per-
manente, Já houve quem escrevesse à história dos magnatas do tráfico
negreiro. *” Falha quem escreva, agora, a história da vinda do imi-
grante europeu, a barragem que se fez contra o ex-escravo, O negro, 6. Das Ordenações do Reino Como vimos nas páginas
o não-branco de um modo geral e 05 mecanismos que beneficiaram à atualidade: precedentes, a inferiorização
economicamente aqueles que estavam engajados nessa operação: a o negro discriminado do negro no nível de renda,
história do segundo tráfico. no mercado de trabalho, na
Acompanhando esses mecanismos que dinamizavam à estraté- posição social e na educação são incontestáveis. Mas, como já disse-
gia da importação de imigrantes c as suas compensações monetárias, mos também, essa situação deve-se, fundamentalmente, aos meçanis-
projetava-se à ideologia da rejeição do negro. Em São Paulo, onde mos de barragem que desde o Brasil-Colônia foram montados para
o processo migratório subsidiado foi considerado a solução para à colocá-lo em espaços sociais restritos e controláveis pelas classes do-
substituição do trabalho escravo, Os políticos representativos dos fa- minantes, Muitos desses mecanismos foram instituídos ainda na Me-
zendeiros do café desenvolveram um pensamento contra o negro, não trópole e objetivavam colocar o negro escravo na sua condição de se-
apenas mais como ex-escravo, mas como negro, membro de raça in- movente, O Código Filipino, também conhecido como Ordenações
fesior, incapaz de se adaptar ao processo civilizatório que se desen- do Reino, de 1607, mandado recopilar por Filipe Il da Espanha e pro-
volvia a partir do fim do escravismo. Em 1882, ao se falar na vinda
muigado pelo seu filho Filipe II era taxativo no partiçular, Esse có-
de negros para São Paulo, o deputado Raphael Correia exclamaria digo Toi estendido ao Brasil pela própria Assembléia Constituinte de
indignado que era necessário “arredar de nós esta peste, que vem au- 1822 e vigorou até à Abolição. No Título XVII do Livro IV lê-se o
mentar a peste que já aqui existe”. Adicionava à condição de praga
seguinte;
a “ociosidade inevitável dos negras",
Esta constante do pensamento das elites políticas e econômicas Qualquer pessos que comprar sigum escravo doente da tal enfermida-
penetrou profundamente o ideário de vastas camadas da nossa popu- da, que lhe tola sarvir-sa dets, o poderá enfeitar à quem lhe vendeu,
lação e da nossa intelectualidade, conforme vimos no pensamento de provando que já era doente am seu poder de tal enfermigado, contanto
Celso Furtado. Sobre isto escreve Célia Maria Marinho de Azevedo; que cita ao vendedor dentro de seis mesas do dia que o escravo lhe
tor entregue.
Atualmente pode-se constatar à pormanência desta Idéia — À vaga
No item 3 lê-se ainda:
bundagem do negro — transformada em tema historiográfico, dest Ituí-
90º MEKIOLNAÇÃO O DEMOCRAÇÃA RACIAL MITO E REALIDADE DAS IRDENAÇÕES DO REINO À ATUALIDADE, O MEGHO DISCMIMINADO 4%

S4 0 escravo Iivar cometido algum delito, pelo qua, sencolhe prova Outras vezes, quando não se podia mais alegar que os africanos
do, mereça pena de morto, o ainda não for livre posentesça, e 0 ven
e os negros em geral eram iguais aos leprosos, apelava-se para aquilo
dedor ao tempo da venda o não deciarar, poderá q comprador enjeitádo
dasemos. E o
que sê convencionou chamar de um temperamento diferente do ne
dentro de sois meses, contados da maneira que acma
mesmo será sa O escravo tivosse tentado malarse por simesmo com gro, O qual geraria um comportamento divergente < instável, razão
aborrecimento da vida, € sabando-o 0 vendedor, onão diclsrasse. pela qual ele devia ser impedido de frequentar certas escolas ou insti-
tuições de cunho cultural e/ou religioso.
Finalmente para o aspecto que nos interessa:
Prova disto foi o comportamento da direção da Congregação
Se 0 vendedor atirmar, que o escravo, que vende, she algema aro, ou dos Missionários da Sagrada Famítia de Crato, no Ceará, em 1958.
tom siguma hebilidade boa, assim como pintar, esgimir, ou que é co- Num prospecto publicado procurando despertar vocações sacerdo-
zinhalro, o Isto não somente pelo louvor, mas palo wnder por tal, e da: tais dizia o documento que, entre outras condições para ingresso no
pois se achar que não sabia a tal arté, ou não linha a tal habilidade,
seminário, o candidato devia scr de cor clara, Como vemos, cento
poderá o comprador enjeitá-lo; porém para qua à são possa enjeitar,
bastará que o esoravo salba da dita arte, ou tenta a tal habilidade meá- e vinte e um anos depois do decreto que vedava aos negros ingresso
mente. É não se requer ser consumado nela. nas escolas públicas de Sergipe, um Seminário, no Ceará, slegando
outros pretextos, porém por idênticas razões, barrava o negro de se-
Por essas normas que regulavam a situação do regro escravo em
guir a carreira sacerdotal, O escritor Orlando Huguenin, estranhan-
Portugal, e, por extensão dos nossos primeiros constituintes, também do os termos do documento, escreveu ao Padre Superior da Venerável
no Brasil, a situação do negro era praticamente a de um animal, Não Congregação dos Missionários da Sagrada Familia sobre a veracida-
havia diferença entre o tratamento que se dava a uma besta € O que de do documento e quais as razões, em sendo autêntico, do procedi-
se dispensava a um negro escravo. Mas essa legislação repressora, es- mento da congregação em relação aos negros. Obteve a seguinte
cravista é despótica por isto mesmo, era aceita como normal é cristã, resposta:
contanto que Os escravos, no momento certo, fossem batizados pelos
Rafarente 4 solicitação de V. 8. no que concerne 6 item 4 das Condi-
seus senhores. Aliás o mesmo código regula este detalhe e mostra co-
Qões de Admissão, & respeito da cor dos candidatos, venho responder:
mo os senhores deviam batizar os seus escravos até seis meses “'sob Ia que determinamos este ponto basaado em experiências adquiridas
pena de os perder para quem os demandar", Era, também, O início ná vários anos. Sempre notamos quo a tais vocações é necessário dis-
do sincretismo exposto, como já vimos. As leis c alvarás se sucedem pensar uma vigilância do todo especial 9, mesmo assim, quase som
pre abesram o não conseguem dominar as suas incllnações, de modo
contra o escravo negro durante todo O transcurso da escravidão. que ou são disponsados, ou eles mesmos desistem com o tempo das
Em Sergipe, no ano de 1838 o seu governador baixa o decreto suas aspirações Paraco quo à permanente convivência com os rapa
nº 13, de 20 de março, no qual se lê que são proibidos de frequentar zes da outra cor que, em geral, estão na maioria, 05 desnortela a os
as escolas públicas; faz esquecar 0 Ideal que inicinmente abraçaram, Creio que um ambignto
de alunós de qualidades corporais iguals daria muito mais resultado,
61 — Todas as pessoas que padeçam de moléstias contagiosas:
Como podemos ver há um continuum de medidas que sé suce-
52 — Os Alriçanos, quer ilvres quer libortos, *
dem como estratégia de imobilismo das classes dominantes branças
Evidentemente quando o legislador colocou africanos quis contra à população negra em particular e a não-branca de um modo
referir-se aos negros em geral, pois uma coisa estava imbricada na geral, Essa estratégia racista se evidenciará em vários momentos,
outra. Desta forma barravam-se as possibilidades educacionais do ne- exatamente quando há possibilidades de, através de táticas não-insti-
gro da mesma forma que se impedia o ingresso de leprosos, tuberçu- tucionais, 08 negros conseguirem abrir espaços nessa estratégia dis-
losos ou portadores de outras doenças do gênero, Se nas Ordenações criminatória.
do Reino O negro cra equiparado às bestas, no decreto de 1838 cle Este continuum, porém, é visto por grande partc dos estudio-
era colocado no mesmo nível daqueles que deviam ser afastados do sos da nossa história social como casos excepcionais e não-caraç-
convívio social por transmitirem doenças contagiosas. terísticos das nossas reiações interétnicas. As medidas de controle
mm MECICENAÇÃO E DEMOCEACIA RACIAL! MIPO E HEALIDADE DAS OPDENAÇÕES DO REINO À ATUALIDADE: O NEGRO CESCRIMINADO qa

social, sem analisasmos, por enquanto, o que foi m» Paramento a Remetidas para a própria população negra as causas fundamen-
discussão dos racistas brasileiros contra a entrada de migrintes pão- tais do seu atraso social e cultural, político « existencial, resta apenas
brancos, são uma permanente atitude das elites brancas. Em 1945, procurar branqueá-la cada vez mais para que o Brasil possa ser um
parodiando o governador de Sergipe cm 1838, Getúlio Vergas, esta- país moderno, civilizado e participante do progresso mundial, A fi-
belecendo normas para a política de imigração do Brasil, baixa de- losofia do branqueamento passa, assim, a funcionar, Todas as medi-
ereto ordenando medidas no sentido de desenvolve na composição das que possam ser tomadas neste sentido são válidas. A filosofia do
étnica do país as caracteristicas mais convenientes desua descendên- branqueamento não tem ética social.
cia européia. Por esta razão, se em 1981, um empresário denunciava a doen-
O problema que se apresentava cra branquear o Brasi para que ça, em 1982 um economista apresenta a terapéutica: esterilizar os ne-
ele se civilizasse. Nas Forças Armadas o mesmo fatose venfica. Du- gros e seus descendentes, Desta forma a “doença” (repare-se que em
rante o Estado Novo vigorou uma norma discriminatória na Escola
[838 cm Sergipe já sc equiparava os negros 4os portadores de docn-
Preparatória de Cadetes de São Paulo, quando se proibiaa entrada
ças contagiosas) poderia ser eliminada do corpo social. O economis-
de negros, mulatos, judeus e filhos de operários. A norma foi baixa-
ta Benedito Pio da Silva, assessor do GAP do Banespa (São Paulo),
da pelo então Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dura, Ela somen-
apresentou trabalho intitulado “O Censo do Brasil e no Estado de
te foi relaxada quando o Brasil entrou na guerra contra a Alemanha
São Paulo, suas curiosidades e preocupações". Estabelecia ali a sus
e, aí sim, Os negros, mulatos, judeus e operários foram recrutados
filosofia étnica segundo a qual era necessária uma cui. panha nacios
para irem morrer, da mesma forma como aconteces na Guerra do
na! visando o controle da natalidade dos negros, mulatos, cafuzos,
Paraguai, quando os filhos dos senhores de engenho mandavam em
mamelucos € indios, considerando que se mantida a atual tendência
seu lugar os escravos de seus pais.
de crescimento populacional “no ano 2000 a população parda e ne-
Esta visão do negro como inferior leva a atitudes irracionais co-
mo a do Presidente da Pederução das Associações Comerciais do Pa- gra será da ordem de 60% (do total de brasileiros), por conseguinte
raná, Carlos Alberto Pereira de Oliveira, que, em 1981 afirmava em muito superior à branca. E eleitoralmente poderá mandar na política
conferência intitulada ““A tese da doutrina do otimismo realista” que: brasileira c dominar togos os postos-chave”, Isto foi visto como pe-
rigo social que deve ser combatido é eliminado como doença para se
as causas principais da existência de alguns bolsões de pobraza no manter o equilíbrio social dentro dos valores brancos. A síndrome
Brasil são de origem étniça e histórica, O Brasil toi colonizado por po- do medo contra as populações não-brancas que teve seu início no re
vos selvagens à 0 negro importado das colônias portuguesas da Áfri.
ca. Esses povos, apesar da robustez física, eram povos primitivos, qua gime escravista, conforme veremos mais tarde, continua funcionan-
viviam no estágio neolltico e por Isso incapazes de se adaptarem a uma do € estabelecendo níveis de comportamento patológico como o do
omilização moderna Industrial, O nagro mantido como escravo até fins economista citado. O mais sintomático é que esta tese racista foi apro-
do século XIX, analfabato e destinado a trabalhos braçais, também não vada por esse órgão de assessoramento do governo de São Paulo, na
conseguiu intograr-se perfeitamente à civilização moderma, São esses
povos Indios, negros, mulmtos o caboclos — que comutituem a gran época dirigido pelo governador Paulo Salim Maluf. A tese da esteri-
de massa de pobreza do Brasil, no campo e nas favelas. tização da população não-branca foi aprovada e cópias do seu texto
distribuídas a todos os integrantes dos diversos GAPs.
E conclula peremptório:
Isto porém, não é caso inusitado. Os exemplos poderiam ser da-
Imigrantes suropeus, estáticos, japoneses, oriundos de civilizações mi- dos às dezenas. O certo é que, depois de quatrocentos anos de lava-
lanaros que so dirigiram para às regiões litorâneas vivam muito bem gem cerebral, o brasileiro médio tem um subçonsçiente raçista, O
no Brasil. É muito raro verse um descendente de Inponeses, judeus,
preconceito de cor faz parte do seu cotidiano, Pesquisa realizada pe-
italianos, árabes ou alamães, em condições de misária absoluta, Isto
prova que às causas principais da pobreza no Brasil são de origem dt lo jornal Folha de 8. Paulo, em março de 1984, sobre O preconçeito
nica, multo mais do que possíveis influências do meto físico, da má de cor, constatou que 73,6% dos paulistanos consideram o negro mar-
administração pública ou da tão divulgada exploração do homem peto ginalizado no Brasil « 60,9% dizem conhecer pessoas € instituições
homem, como pretendem os macistas, 9 que discriminam o negro. Devemos salientar, como elemento de
o MISCIGENAÇÃOÉ DEMOCRACIA RACIAL METOE BILADASHE MOTAS E REFERÊNCIAS MELICORÁFICAS 4]

ordem racial determinam o grau do respeito com que devem ser obser-
reflexão na interpretação desses dados, queé notável a tendência de
vadas 48 ilberslicades é garêntias Individuais. *
dz discriminação racial nos
se reconhecer mais facilmense a cxistência
outros do que em si mesmo, Como vimos, 73,6% consideram O ne- Esta é à retórica oficial, No entanto, esse mesmo presidente, cm
gro marginalizado no Brasil. À proporção caiu para 60,9% quando março de 1975, escorraçava do Palácio do Planalto uma comissão
se trata de reconhecer a existência de discriminação em seu próprio de negros paulistas que para lá foram convidá-lo a participar das fes-
circulo de relações. E apenas 24,1% revelaram alguma forma de pre- tas de 13 de Maio que seriam realizadas na Capital de São Paulo. A
conceito pessoal. Como sempre, o problems nevrálgico é quando se alegação fol à de que não tinhamos mais negros no Brasil, mas sim
pergunta se aceitaria um negro como membro da família. Foi a per- cidadãos brasileiros. Chamou-os de divisionistas e impatriotas é man-
gunta sobre a possibilidade de ter um negro como genro ou cunhado, dou que a comissão se retirasse. **
muito mais do que como chefe de serviço ou como representante po- Mas, ao comemorar-se O sesquicentenário da imigração alemã
lítico, que suscitou a maior média (24,1%) de respostas francamente no Rio Grande do Sul Geisel não apenas compareceu aos festejos,
preconceituosas, reveladoras do racismo de brasdeiro, mas clogiou publicamente o esforço dos alemães no progresso da na-
Toda essa realidade discriminatória, preconceituosa e repressi- ção brasileira, Em outras palavras: ele pode ser teuto-brasileiro, mas
va é escamoteada deliberadamente. Seria fastidioso aqui repetir os
os negros não podem ser afro-brasileiros. A historicidade étnica é cul-
pronunciamentos de todas as autoridades que proclamam a nossa de- tural fica, assim, através dessa estratégia inibidora é intimidadora,
mocracia racial e praticam a discriminação. Em 1969, segundo docu-
reservada so imigrante branco,
mento coligido por Thales de Azevedo, citado por Abcias do Nasci-
mento, podemos ler:
O Globo, Bro, 122.68: "Portais vê Imprensa a Serviço da Diserimina-
ção Racial para Conturbar” — Publicando temgrama procedente de Bra- Notas e referências bibliográficas
sílis, o jornal informa que o Gensra! Jaims Portela, em exposição de
motivos ao Prasidonte da República, sugerindo & criação da Comissão
Geral de Inquérito Policist Militar, datada de 10-2-89, refere-se à con | Marvin Harris encontrou nada menos de 492 diferentes termos de identifi-
clusõas do Conselho de Segurança Nacional sobre ações subversivas cação racial no Brasil, Cf, HaBkis, Marvin; Referencial anbigulty in te
e afirma; “No contexto das atividades desenvolvidas pelos esquerdis- calculus of brazilian racial identity. It: NORMAN, É., WHITTEN & SWED,
tas, ressaltamos as soguintos (Item 4) — Campanha conduzida atra- J, F. (e4,) Afro-american antropology, New York, The Free Press, 1970.
vês da imprensa e da televisão em ligação com órgãos estrangeiros p. 75-86.
de imprensa e de estudos internacionais sobre discriminação racisi, 2 Cf. MOURA, Clóvis, Saco e Vanzettl, o provesto brasileiro. São Paulo, Bra-
visando criar novas áreas de atritos « insatisfação com à regime e as sil Debates, 1979, Passim. As conclusões do professor Sidney Sérgio Fer-
autoridades constituídas”. nando Sólis foram expostas em encontro da Secneb, em Salvador, 1984,
* FERNANDES, Florestan. Imigração « relações raciais. Revista Civilização
Esse mesmo governo neofascista dizia, através do seu presiden-
Brasileira, Rio de Janeiro, 5: 89, 1966.
te Ermesty Geisel, ao Secretário Geral da Organização das Nações Uni-
* EwBanK, Thomas. A vida no Brasil ou Diário de uma visita oo país do
das, em 21-3-1977, quando se comemorava o Dia Internacional para cacau « das palmeiras. Rio de Janeiro, Conquista. 2 v,, v.l, p. 188.
a Eliminação da Discriminação Racial: * Lima, Heitor Ferreira. Formoção industrial do Brasil. Rio de Janeiro,
Fundo de Cultura, 196]. p, 264.
O Brasil 6 0 produto da mais ampla experlância do integração racial
que conhece o mundo modemo, resultado, 99 tongo dos séculos, de * PraDdo, 1. M. de. Pernambuco e as capitanias do Norte do Brasil. São
um processo harmônico e autônomo, inspirado nes raizes profundas Paulo, Nacional, v. 4, p. 67,
dos povos que aqui somaram esforços na construção do Pais. P VIANNA FILHO, Luiz. O negro na Bakia. Rio de Janeiro, José Olympio,
1946. p. 119,
E concluia:
9 Debret registra, através dos seus desenhos e do seu texto, escravos € negros
Compastilnam os brasileiros da convicção de que os direitos da pas livres, no Rio de Janeiro, exorcendo as profissões mais diversas como bar-
soa humana são desrespeitados nas sociedados onde condtações de beiro ambulante, barbesro com loja, vendedor de cestas, vendedor de aves,
ma MISTIGENAÇÃO E DEMOCEACIA RADIAL: MITO E REALIDADE, NOTAS E RESPRÊNCIAS MELIOORÁRICAS as

vendedor de samburás, de palmito, serrador de tíbuas, caçador, vende- > SxromoRrE, Thomas E. Preto no bronco. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
dor de carvão, vendedor de capim e leite, vendedor de milho, trabalhador 1976. p. 63, Este pensamento racista das elites brasileiras poderá ser regis-
no serviço de moendas portáreis, fabricador e vesdodor de aluá, manuê trado, também, no seguinte pensamento de Afrânio Peixoto: “Haveria um
e sonhos, negro catceeiro, vendedor de ataçaça (sie. ), de angu, marcenei- perigo ao nosso embranquecimento: era se bertarem os Estados Unidos
ro, carregador de cangalha (pipas), transportador de café, vendedor de café dos seus pretos em nós, por exemplo, na Amazônia como se peosou... Fe-
torcudo, puxador de “carros”, construtor de jnngadas de madeira, cons- lizmente, para nós, eles ficarão nos Estados Unidos culturalmente prefert-
trutor de carretas de madeira, negro trovador, transportador de telhas, **ci- veis... O exemplo da Libéria não é convidativo. Têm eles, os pankees, de
rurgião negro”, luvadeira, trabalhador de pedreira, carregador de aguentar com os seus pretos e de esclarecê-los,.. Nós, mais duzentos anos,
cadeirinhas, vendedor de flores, vendedor de arruda e carregador de Hitel- já teremos feito Isso'*. (Peixoro, Afrânio. Clima «e saúde, São Paulo, Nu-
ras. Toda a movimentação da sociedade urbana de Rio de Jandiro, como clonal, 1938, p. 143-4,)
vemos, era feita pelo negro escravo 09 livre, (Degrer, Jean Baptiste. Vig- “é FurTADO, Celso, Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo
gem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo, Marins, 1M0, 2 +, Passim.)
de Cultura, 1959. p. 166.
* Moura, Clóvis. Brasil: raízes do protesto negro. São Paulo, Globo, 1983, E
Idem, ibidem. p. 167. (O grifo é nosso.) Ac contrário de Ceiso Furtado,
p. 34. Essa tática de davidir ernicam eme 06 brasileiros para melhor governá-
Nélson Werneck Sodré compreendeu bem os mecanismos dessa passagem
los é uma constante, Debret já assinalava no seu tempo: “O governo por-
tuguês estabeleceu, por meio de onze denominações usadas na inguagem
do escravismo para o trabalho livre, a marginalização do trabalhador na-
comum, a classificação gera! da população brasileira pelo seu grau de civi- cional € os estereótipos criados contra cle, especialmente contra o negro,
tização: 1, Poriuguês da Europa, português legitimo ou filho do Reino. Escreve: “Não existindo Industrialização que suporte a transição do tra-
2. Português nascido no Brasil, de ascendência mais ou menos longínqua, balho servil para o trabalho assalariado o que se nots é uma brusca sub-
brasileiro, 3. Mulato, mestiço de branco com negra, 4. Mameluco, mesti- versão, um histo tremendo, um traumatismo profundo, ocasionado por
ço das raças branca e índia. $. Índio puro, habitante primitivo; mulher uma massa enorme de indivíduos que necessitam, de certo momento em
china. 6. Índio civilizado, caboclo, índio manso. 7. Índio selvagem, no es- diante, assegurar a própria subsistência e a da prole, medicando-se €
tado primitivo, genvil, tapura, bugre. 8. Negro «da África, negro de noção, vestindo-so, A lenta assimilação pela coletividade dessa massa de desapro-
negrinho. 9. Negro nascido no Brasil, crioulo. 10. Bode, mestiço de negro veitados e de deserdados é um dos fenômenos mais curiosos da nossa for-
com mulato; cabra, a mulher. 11. Curíboca, mestiço de raça negra com mação social e tem consegiências profundas que ficaram na consciência
índio", A esse sistema classificatório valorativo, feito de ucordo com o da geme brasileira, Surge então o mito da vadiação do negro, da sua indo-
seu “grau de civilização”, Debret, apoiado em Ferdinand Denis dá a sua lância, do seu primitivismo, da sua desambição, que o tornariam um peso
realidade quantitativa afirmando em nota que “esta população, segundo morto na sociedade brasileira, um elemento de inércia. (.,.) O negro pas-
dados autênticos tranamitidos pelo senhor Ferdinand Denis, cujas infor- sou q ser a fonte de todos os males, O simbolo da preguiça brusileira, da
mações são dignas de fé, eleva-se hoje a 4 741 558 dos quais 2 8543 889 ho- sua falta de aplicação no trabalho, da sua ausência de perseverança, da
mens livres, | 136 669 escravos c 800 000 selvagens conhecidos”, A nota sua desambição individual, que refiesa, na sociedade como uma inércia,
de Debret foi escrita depois de 1839, data em que ele regressa à Europa. como uma corrente, como um peso, à impedir-lhe o desenvolvimento, Pas-
O que desejamos ressaltar aqui é que já existia vma escala de valores nesse sou a constituir, também, O assunto em voga, O receptáculo dos vícios na-
sistema classificatório, fato que persiste até Os nossos cias: quanto mais cionais. Uma quadrinha antiga dizia; Branco quando morre/Ah! meu Deus,
próximo do branço, mais valorizado socialmente, mais civilizado, (DE. porque morreu! Negro quando morre,/Foi cachaça que bebeu... (SoDRE,
BRET, Jean Baptiste, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo, Nélson Wemeck. Panorama do Segundo Império. São Paulo, Nacional,
Martins, 1940, 2 v,, v, L, p. 87,) 1939, p, 43-4,)
'º CunHa, Manuela Carneiro da, Negros, estrangeiros. São Paulo, Brusilica- Celso Furtado coloca como ums das causas do ócio do ex-escravo o fato
se, 1985, p. 90-14. de não possuir hábitos familiares. Devemos afirmar que é mais um este-
1 QuERINO, Manuel, A roça africana e seus costumes. Salvador, Progres- reótipo que os fatos desmentem. Os hábitos familiares a que ele so refere
so, 1955, p, 87.9, são os da família nuclear legalizada através do casamento religioso, único
2 Quiverma, Francisca Laide de et alii. Aspectos da situação sócio-econô- permitido na época, Escreve, neste sentido, Maria Bestriz Nizza da Silva
mica de brancos e negros no Brasil. Pesquisa realizada pelo Departa- que “contrair matrimônio representava, para amplas camadas da popu-
mento de Estudos de Indicadores Sociais (Deiso), 1979. lação, sobretudo negros e pardos forras, mas também brancos pobres,
3 Idem, ibidem. uma despesa e um trabalho tal com papéis que a munioria preferia viver
H MELLO, José Octávio de Arruda. Alberto Torres e O conceito de raças no em concubinato estável, constituindo familia e vivendo como marido e
Brasil. Ensaio. São Paulo, (13): 1323, 1984, mulher. A tendência para o concobinato não pode, portanto, ser encara-
da apenas como uma questão de “libertinagem”, emas também como a
NM MISCIGENAÇÃO E DEMINRACIA RACIAL: MITO É REALIDADE NOTAS E RETERÊNCIAS NENLIGORAFIÇAS jus

resultante de obstáculos econômicos à celebração do casamento". (SILVA, sagem, É que quando há um Interesse social de integração da mão-de-obra
Maria Beatriz Nizza ds. Sisterna de cosimento no Brasil olorial. São Paulo, na passagem das relações pré-capitalistas para capitalistas, com um proje-
A, Queiroz/Edusp, 1984. p. 55.) A mesma nutora, rferindo-se ainda à to de absorção da mão-de-obra escrava no novo sistema de produção, co-
época da Colónia, aduz qutras razões como, por exemplo, o serviço mili- mo ocorreu na manufatura-fábrica Cla, Luz Steárica (Rio de Janeiro), ela
tar que impedia o estabelecimento deuma família legul, dentro da religião se processa sem o trauma atribuído ao negro de não ter capacidade para
e das leis da época. Sobre O casamento de escravos comparado com à po- essa transição, Foi apenas uma microiniciativa, mas que demonstra que
pulação livre que não conferiam com o pensamento de Furtado ver; Cos- o mito do ócio do ex-escravo não se coaduna com a realidade. Apenas não
TA, Htaci del Nero da & GuTiERREZ, Horácio: Nota sebre casamentos de houve uma perspectiva de investimento maciço e racional em macroproje-
escravos em São Paulo e no Paraná (1830). Separata da revista História: tos desse tipo pelas instituições oficiais quer na passagem para a industria-
Questões e Debates, Curitiba, $ (9), dez. 1984, lização, quer no setor agrário a fim de integrar socialmente o negro que
19 Seguindo a esteira do estereótipo de Celso Furtado, sem apresentar novos saía da senzala,
dados, escreve Maurício Vinhas de Queiroz: ''Bem verdade que, excetua- 2º CORTES, Geraldo de Menezes. Migração e colonização no Brasil. Rio de
dos Os sertanejos nordestinos expulsos pela seca — que sempre se revela- Janeiro, José Olympio, 1958. p. 21.
rum trabalhadores dispostos e decididos — a massa de 'vadios! constituí- 22 ANORADE, Manoel Correia de. Escravidão e trabalho “livre” no Nordeste
da por negros forros ou hbertos dificilmente poderia ser desde logo enga- açucareiro. Pernambuco, ASA, 1985. p. 37-8.
jada no processo industrial € submetida à rigida discipima «da fábrica, pois * Apud Rios, José Arthur, Aspectos políticos da assimilação do italiano no
— COMO amigos escravos — prezavam como um dos mais altos valores Brasil. São Paulo, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Pau-
o “ócio”, ao qual sacrificavam a possibilidade de condições de vida um pouco ló, 1959. p. I2.
melhores”. (QUEIROZ, Maurício Vinhas de. O surto tedustrial de 1880
1893. Debate e Crítica, São Paulo (6): 97, jul, 1975.) Este raciocínio não
25 RIOS, José Arthur, Ibidem,
fica muito cqilidistante do de Oliveira Vianna quando sfirma que “depois 20 Idem, ibidem.
da Abolição o grande agricultor não conta com o operário rural, Este apc- 27 Apud BEIQUELMAN, Paula. 4 formação do povo no complexo cafeeiro:
nas consente em lavrar as terras da fazenda alguns dias na semana, dois aspecros políticos. São Paulo, Ploneira, 1968. p. 85.
ou três. O resto do tempo é para à gozo de sua indolência proverbial”. * Idem, ibidem.
(Populações meridionais do Brasil, p. 138,) Este é um filão ideológico que * Idem, ibidem, p. 85.
possui um espectro tão largo que vai de Oliveira Vianna à Celso Furtado,
passando por outros sociólogos €« historiadores de tendências liberais. Fi- * O comportamento do fazendeiro em relação ao trabalhador se modifica
à medida que os níveis de conflito se aguçam. Procuram sempre aquele
tosofia que persiste até hoje quando se diz que o brasileiro é preguiçoso,
trabalhador que é mais dócil e adaptado à disciplina das fazendas. Escre-
os seus trabalhadores indolentes € relapsos, o que vem causar o maior nú-
ve José Arthur Rios; ''Em 1913 ocorreu um conflito entre ltalinmos e bra-
mero de acidentes no trabalho, além da falta de interesse pelas empresas
sijeiros, nas fazendas dos arredores de Ribeirão Preto, que revesthu o ca-
onde são empregados. Um exemplo da persistência deste veio ideológico
vemos nas posições atuais (1987) do engenheiro Braz Juliano ao procurar
ráçes de luta de classes. Os colonos italianos, vencendo os obstáculos que
sempre os impediram de unir-se, conseguiram declarar-se em greve. Re-
diagnosticar as causas das enchentes na Capital paulistana. Para ele, essas
clamavam costra os salários em vigor, recusando-se a começar a colheita
calamidades devem ser consideradas fenômenos culturais e não nmuras.
se não obtivessem um aumento que os compensasse da desvalorização da
Presidente da Associação Brasileira de Defesa do Meio Ambiente, afirma
moeda. Os fazendeiros pediram u intervenção da polícia que não conse-
que “a cultura do biótipo luso-brasileiro que se formou no Brasil (que ele
guiu convencer às grevistas a voltarem so trabalho. Três colonos foram
chama de BLB) gerou uma ocupação desordenada da cidade, principal-
presos por terem respondido agressivemente ao delegado que ameaçava
mente de várzeas e áreas verdes, especialmente pela população de balxa
expulsá-los, Conta-se que, no aparecer o delegado com um automóvel cheio
renda, notadamente nordestinos"", Por Isto cle sugere a proibição da vin- de soldados, um colono gritou-lhe que teria sido melhor se à trouxesse cheo
da de'migrantes do Nordeste para a cidade de São Paulo e propõe so mes- de viveres. Enquanto isso, os jornais atacavam o cônsul de Ribeirão Preto
mo tempo que se mesjam imigrantes estrangeiros, (Folha de S, Paulo, 17 que responsabilizavam pelos acontecimentos c teciam louvores à imigra-
fev. 1987.) ção japonesa, mais peciente e submissa, Teriam louvado coofies se os hou-
2 SiquelRa, José Jorge. Reflexão sobre a transição do escravismo para O vesse, ou escravos, se ainda restasse algum". (Rios, José Arthur. Op. cit.,
capitalismo urbano Industrial e a questão racial no Rio de Janeiro, Estu- p. 43)
dos Afro-Asidticos, Rio de Jançiry, (12): 71 et seg., ago. 1986. * Emília Viotti da Costa descreve o mecanismo protecionista da Imigração
* Loc. cit. Queremos destacar neste estudo a abordagem de um problema estrangeira da seguinte maneira; “Nos megdos do século, quando as pri-
peuço referido como fator de marginalização massiva do negro nessa pas- meiras tentativas de introdução de imigrantes nas fazendas de café, os
MOS MESCMENAÇÃO E DEMOCRACIA RACIAL: MITO E ESA DADE NOTAS E RIPEZÊNCIAS BINSIOGRÁFICAS qur

fazendeiros haviam financiado as passagens, mms pouco a pouco, a partir *» SALVADOR, José Gonçalves. Os magnatas do tráfico negreiro. São Pau-
dos anos setenta, o governo provincial chamowa si essa responsabilidade, lo, Pioncira“Edusp, 1981, Passim. Este livro não foi valorizado de acordo
Nos anos 80, o governo dispendeu somas vultous com a imigração, sendo com a sua importância.
que as maiores quantias foram relativas aos as de 1884/55 e 1885/86.
A partir do momento em que o Estado começos a financiar us passagens
*º MARINHO DE AZEVEDO, Célia Maria. O negro livre no ideário das etites,
(Dissertação de mestrado.) Campinas, Unicamp, 1985, p, 416, Mimeco-
dos imigrantes, os riscos envolvidos na experiência foram socialmente di-
grafado.
vididos por todos, mas os beneficios couberam diretamente aos fazendei-
ros. A partir de então, estes puderam cofremtara transição para o traba- “ Apud MorT, Luiz, O escravo nos anúncios de jornal! em Sergipe. Anais
lho livre mais facilmente”. (Costa, Emília Viotti da. 4 Abolição. São do V Encontro Nacional de Estudos Populaçionais, out. 1986, v. 1, p. 9.
Paulo, Global, 1986, p. 58-9, * HuGuENIN, Orlando, Negro não pode ser padre. Panfleto. Rio de Janei-
12 BriOUELMAN, Paula. Op. cit, p. 87. ro, (1): 59 et seg., Jum. 1988.
“> ALVES, Tancredo, Sobre os escravos índios « negros no Brasil. Para To- “0 Estedo de 8. Paulo, LO maio 1965, No particular de filosofia raçia! &
dos. Rio de Janeiro, (17): 29, jun, 1942, do jornal! O Estado de S. Puulo é idêntica. Em oditorinl definindo a sua
* Sobre uma das formas de mercantilização do imigrante por especuladores, posição contrária so voto dos analfabetos, êquela época sugerido pelo ma-
qutráetm a c

escreve Zua de Paula Rosa: “A instabilidade do imigrante nas fazendas fol rechal Castelo Branco que ocupava a presidência da República, escreve
vinculada à “onda de especulação! que se desenvolve. Denúncias feitas evi- que havia necessidade de se sustar tal iniciativa “para que tudo se conserte
denciavam que, a princípio, 2 especulação se restringia às vizinhanças da e amanhã venha o povo brasileiro a beneficiar-se daquilo que nem o Sr.
Hospedaria dos Imigrantes na Capital, que praticamente centralizava às ser- João Goulart no seu delírio demagógico ousou oferecer às nossas massas
viços de distribuição dos estrangeiros nas proprisdades agrícolas. Algumas ignaras”, (...) “refere-se à concessão do voto à totalidade dos candamngos,
dos hubitantes dos mocambos do Recife e Fortaleza « das favelas do Rio
id

vezes eram Os próprios fazendeiros ou seus representantes que procuravam


engajar os imigrantes, mediante promessa de melhor remuneração pelo tra- de Janciro. Todos são brasileiros e dos melhores, afirmava o Sr, João Gou-
lart, e por isso mesmo Do eutender daqueles que têm hoje nas suas mãos
balho agrícola e de concessão de vantagens. Outras vezes, cram “individuos os destinos do movimento de 3) de março, assisto-lhes o direito de intervir
inescrupulosos' que, utilizando-se de recurso escaso — como documenta-
ção forjada — retiravam do estabelecimento famílias inteiras, negociando- na discussão dos mais Lranscendentes assuntos coletivos", (,.,) “Não teve
S. Exa. (0 marechal Castelo Branco) o tempo necessário para formar o
as, posteriormente, com fazendeiros, com grandes lucros,
seu espirto no contato permanente com as disciplinas sociológicas e não
Com o tempo, a “onda de especulações! passou a atingir não apenas é estranhável, portanto, a sua dificuldade em perceber que, pelo caminho
Os imigrantes que chegavam, mas também aqueles que já estavam coloca- que vem trilhando, o Brasil não tardará a ser dominado pela massa amor-
dos nos estabelecimentos agrícolas. Hustra essa siltzação o quadro delinca- fa insutisfeita das populações nordestinas, oriundas do choque de três men-
do por Gabriel Prestes, na 46º Sessão Ordinária de S de julho de 1893, talidades amagônicas c que por isso são hoje vitimas de um psiquismo mmár-
ao referir-se às dificuldades de engajamento dos trabalhadores, (...) as mais bido, que as impede de sc integrarem no espárito de uma coletividade real-
das vezes, ficam os fazendeiros privados de trabalkadores em número su- mente evoluída. Serão esses homens — descritos em Os sertões e analisa-
ficiente, mesmo quando a hospedaria dos imigrantes se acha regorgitante, dos por toda uma admirável literatura que nos revela aglomerados popu-
Outras vezes consegue à fazendeiro engajar os trabalhadores de que care- lacionais brasileiros num estado de primitivismo só comparável às mais
ce para perdê-los pouco depois, em vista de procedimento irregular de ou- baixas camadas do velho Hindustão —, serão precisamente eles que pelo
tros lavradores ou de agentes intermediários que exploram com as dificul. número anularão qualquer espécie de ação que pudessem vir a exercer nos
dades dos lavradores. A desorganização provocada pela mobilidade
do imi- destinos do país os habitantes do Estado da Guanabara, de São Paulo,
grante nas unidades agricolas, em decorrência da ação dos especuladores, do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul”, (A UDN e a si-
não atingia apenas a cultura extensiva, mas também o plantio de cereais". tuação. O Estado de S. Paulo, 18 Jum. 1964.)
(PAULA ROSA, Zita de. Imigração: um tema controvertido na voz dos ple- * Apud NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro. Rio de Ja-
nipotersciários da oligarquia cafeeira, Revista de História. São Paulo (15); neiro, Paz e Terra, 1978. p. 79.
27, jul.-dez. 1983.)
35 SroLckE, Verena. Cafeicultura — homens, mulheres e capital (1850-1981),
“ Jornal da Tarde, São Paulo, 22 mar. 1977.
São Paulo, Brasiliense, 1986, p. 40, “ Em ficha datada de 20 de murço de 1975 registramos o seguinte flagrante:
“Dois ou três dias depois de Geisel haver recetido hostilmente os mem-
*é Idem, ibidem, p. 42, bros do clube que o foram convidar para participar das comemorações do
" Idem, ibidem, p. 44, 13 de Maio junto 22 Monumento da Mãe Preta (SP), travou-se discus-
7º Levt, Dasrell E. A família Proto. São Paulo, Cultura 70/Livraria Edito- são na sede da União Brasileira de Escritores (SP) sobre o fato, tendo à
res, 1977, p. 175. maioria dado razão a Cieisel. As razões apresentadas eram uma mescla
x
108 MISCIGENAÇÃO E DEMOCKACIA RACIAL: MITO E REALIDADE

IV
de oportunismo político e preconceito de cor. A. Jevanou o problema de
que os negros, quando se reúnem como negros, estão fazendo um papel
segregacionista é que, por isto, Geiscd tinha razão, E. D,, escritgr negro
presente, tentou rebater este pensamento, mas não congguiu, pela agres-
sividade de um dos presentes, C, P. €., O qual, de dedosm riste, agrediu-
o com uma verborragin que encobria o seu preconceito, dizendo dispara»
tes como o de que 0 presidente só poda falar assim porque ele fala vendo
O negro como grupo
o futuro « não o que está acontecendo mualmente e que os negros nada
muuis têm a ver com a África. Como E. O. tivesse dado es originais de um
específico ou diferenciado
livry seu para ser refeito pelo €, P, €., este se aproveitou da ocasião para
ridiçularizar as idéias ali expostas. A. S,, que é juiz, dia, querendo dar em uma sociedade
de capitalismo dependente
uma cajação “clentífico-jurídica": “não há mais negros no Brasil, todos são
brasileiros". Disse que os negros não podiam reunir-se como negros e sim
como bresileiros, O escritor P. M. ficou de lado, dando apenas apartes
irônicos, mas de qualquer maneira contra o negro no fundamental. Final
meneo C. P, €. confessou-me, diante de uma pergunta minha, que o Clube
Assal, do qual é funcionário, clube típico de classe média paulista, não
aceita negros no seu quadro social, citando Inclusive o caso de uma pro-
posta que foi apresentada à diretoria < que foi recusada porque “esse ho-
mem é negro'. A. 8.,0 juiz, por seu turno afirmou que não contrata em-
pregada negra como doméstica cm sua casa “porque tem cheiro ruim e não
toma banho”. Isto mostra como mesmo entre a intelectualidade “esclareci-

MDA
da", diante de um fo concreto, o racismo se manifesia”,
1. O negro como Para que se possa compreender e Inter-

= amsiago —
cobaia sociológica pretar convenientemente o esquema me-
todológico que iremos apresemar em
seguida, temos de partir de algumas premissas teóricas esclarecedo-

suma
ras a partir das quais o nosso pensamento sé desenvolverá. Quere-
mos dizer, inicialmente, que se trata de uma tentativa exploratória
de se empregar a dialética materialista ao problema do negro brasi-
leiro no seu aspecto organizacional é ao nível de convergência entre
os seus valores culturais, trazidos da África, « a função dos mesmos
em uma socicdade de classes, mais especificamente, em uma socieda-
de de capitalismo dependente como a brasileira.
Será, portanto, um trabalho que, inevitavelmente, terá falhas
ou vácuos no seu corpo expositivo e interpretativo. Não fosse à pró»
pria posição dialética uma postura que aceita (e exige) à crítica todas
as vezes que é aplicada, a própria falta de trabalhos que procuram
expor um esquema deste tipo é tão gritante que nos impõe uma posi-
ção extremamente cautelosa,
Iniclalmente, devemos dizer que, para chegarmos às categorias
de grupos específicos e diferenciados, através dos quais desenvolve-
rémos o nosso esquema metodológico, começaremos, no nível teóri-
co, a manipular com dois termos da dialética materialista, derivados
do conceito de classe social: 0s termos de classe em si € pora si,
Ho O NEORO COMO GRUPO ESPECIFICO OU DIFERENCIADO EM UMA SAM TEDA DE O NERO COME COMAIA SOCIDLOGICA ami

Como se sabe, O conceito de classe social, 199 fecundo em vas- dão tentava destruir permanentemente. Desde Os návios negreiros que
tas áreas de pesquisa macrossociológica, subdivide-se em classe em eles, aproveitando-se das organizações iniciáticas existentes na Áfri-
si e para si. ca em grande número, procuravam reencontrar a sua condição hu-
Essa dicotomização do conceito vem possibilitar a análise da mana. Mas q sistema escravista, como um todo compacto e fechado,
classe desde a sua formação e emergência, quandoela é apenas obje- não permitia que O escravo adquirisse consciência da sua situação so-
to na estrutura social, mé a fase mais plena da sus afirmação na so- cial, fato que o impedia de formular uma ideologia capaz de desalicná-
ciedade, quando adquire consciência de que exste e somente em lo completamente. Por isto mesmo, começa a organizar grupos tópi-
confronto e fricção com outras que se comprimem no espaço social cos de diversos conteúdos para reencontrar-se como ser.
pode reconhecer-se como específica, isto é, com objetivos próprios Desta forma, os grupos sociais específicos negros foram cria-
e independentes. dos pelos escravos, durante todo o transcurso do regime escravista
A partir do nível de reconhecer-se específica, da cria valores par- e pelo negro livre, após a Abolição até os nossos dias.
ciais próprios que funcionam como mantenedores dessa especificida- Esses grupos desempenharam um papel organizacional, social
de e, ao mesmo tempo, elabora uma ideologia que a dinamiza do e cultural muito maior do que se presume ou já foi pesquisado e/ou
ponto de vista da sociedade abrangente, computado pelos cientistas sociais. Não nos parece ter razão, por»
Quando a classe chega à esse ponto, a sua ideologia deverá ser tanto, Skidmorce, quando, sem ter estudado aprofundadamente o com-
tão globalizadora «ue refletirá os interesses mais perais daqueles seg- portamento do escravo brasileiro no particular, afirma que ele não
mentos, camadas, grupos ou indivíduos que se encontram em um pro- desenvolveu suficientemente instituições paralelas que correspondem
cesso de desenvolvimento e se situam, da mesma forma que a classe — de forma aproximativa — aos grupos específicos na terminologia
que adquiriu consciência de si mesma, de um lado em consonância que estamos propondo. ? Por outro lado devemos reconhecer que o
com o desenvolvimento das forças produtivas e, de outro, em anta- negro norte-americano teve esse tipo de organização em nível supo-
gonismo com as relações de produção existentes. rior ao brasileiro « esses grupos se desenvolveram com uma dinâmica
Assim como a classe fundamental em desenvolvimento cria uma muito maior. *
ideologia abrangente e dinâmica, os demais segmentos ou grupos so- O negro demonstrou, no Brasil, desde os primeiros tempos da
ciais que se encontram na mesma posição de antagonismo em relação escravidão, um espírito associativo que foi, inclusive, destacado em
à infra-estrutura também criam valores com os quais se resguardam estudos especiais sobre o assunto. Não fosse esse espírito, ou melhor,
parcialmente do sistema tradicional que os oprime. Formam-se, em esta tendênçia criada pela sua situação no espaço social, os escravos
consequência, grupos específicos de resistência que, dentro de uma teriam uma vida muito mais sofrida sob o cativeiro e o negro livre
sociedade contraditória e conflitante, procuram, nos diversos níveis não teria resistido na proporção que resistiu, ao chamado (raumatis-
e de diversas maneiras, organizar-se para sobreviver « garantir-se con- mo da escravidão, incorporado, por ele, ao seu comportamento após
tra 0 processo de compressão e penciramento econômico, social e cul- a Abolição. *
tura! que as classes dominantes lhes impõem. Foram inúmeras ss formas através das quais O negro se defen-
Evidentemente, esses grupos, à medida que sentem a atuação deu social, cultural e biologicamente, criando anteparos à brutalida-
de forças restritivas aos seus movimentos de interação com a socie- de da escravidão e, depois, ao seu processo de marginalização que
dade global, procuram, por seu turno, reunir-se através de valores se seguiu à chamada Lei Áurea.
particulares para não caírem em estado de anomia total, fato que 08 A fim de preservar as suas crenças, conseguir momentos de
levaria à sua extinção pura e simples ou a serem deslocados progres- lazer, de refuncionalizar às seus valores, traços e padrões das cultu-
sivamente para estratos cada vez mais inferiorizados da sociedade, ras africanas, obter alforrias, dinheiro, sepultura ou resistir aberta
No Brasil, desde o início da escravidão que os negros africanos, e radicalmente ao regime escravista, ele organizou inúmeros grupos
transformados em escravos, começaram a organizar-se para sobrevi- ou se incorporou a alguns já existentes. Essas razões contribuiram
verem e manterem os seus padrões tribais e culturais que a escravi- para que o negro fosse, numa época em que o espírito despótico dos
EMO GRUPO ESPECIHCO OU DIFERENCIADO 14 UMA SOCIEDADE O NEGRO COMO COBALA SOCHOLOGICA 1H)

ngenho e barões do café queriam cntralizar em si todas £) culturais; h) Intercruzados, Esses grupos seriam representados por
| as formas de organização, um elemento que procurou agrupar-se de quilombos, clubes conspirativos, candombiés, batuques, irmandades
ndo às formas tradicionais ou institucionais de or- religiosas, festas de reis do Congo, caixas de alforrias, cantos, gru-
| ganização, criando uma verdadeira rede de gnpos específicos. pos de capocira, finalmente todos aqueles que foram organizados pelo
é nossos dias, podemos encentrar grupos negros negro escravo. a E
|| com diversos objetivos. Durante a Colônia e enquanto predominou Este processo de dinâmica organizacional contínuo prolongou-
| o regime escravista, temos de destacar os gruposquilombolas que do- se após a Abolição, em decorrência do penciramento social a que fo-
| minavam estradas e áreas territoriais ponderáves, demonstrando um ram submetidos os negros livres na sociedade branca. Poderão ser vis»
ncomum e uma capacidade organizacional surpreen- tos como: confrarias religiosas, associações recreativas, culturais o
| dente. Esses grupos podem ser encontrados desle o Pará até o Rio esportivas, centros de religiões afro-brasileiras ou populares, como can-
domblés, terreiros de maçumba, xangôs, centros de umbanda/quim-
| Infestando as matas, fugindo para o seu recesso, perseguidos banda, pajelanças, escolas de samba, grupos teatrais ou políticos, como
pelos capitães-do-mato ou membros da milícia, esses grupos de ne- a Frente Negra, já com um nível de organização e grau de ideologiza-
ugidos foram uma constante na paisagem social do Brasil cs- ção capazes de levá-los a participar de movimentos mais globalizado-
| cravista, Mas não foi apenas o quilombola que se organizou. Mesmo res. Devemos salientar, também, como grupos específicos, os diversos
| hegavam à decisão extrema de fugir, também se reu- órgãos de imprensa negra que tiveram papcl relevante no sentido de
niam, criavam grupos de resistência nas senzalas, muitos deles apa- difundir o ethos desses grupos, especialmente em São Paulo.
objetivos simplesmente religiosos ou de lazer, mas Os grupos específicos mais esclarecidos já tinham uma visão pro-
| | cionavam como mecanismos de distensão psicológica contra jetiva mais nítida do seu papel social, considerando-se parte de um
| a rigidez do regime de trabalho a que estavam submetidos. Os batu- segmento oprimido é discriminado que, por isto mesmo, somente atra-
| ques, muito comuns, por isto mesmo, serviam como ponto de con- vés de uma saída que libertasse todas as camadas em situação idênti-
| | que reclaboravam os seus valores culturais € ca teriam o seu problema resolvido. Em 1937 — não por acaso —
tribais e durante a sua função restabelcciam a hierarquia antiga, frag- ao ser implantado o Estado Novo, as associações negras sofreram uma
| cativeiro. ; campanha sistemática de perseguição, o que levou a que muitas sus-
| Podemos dizer, por isto, ao contrário de Skidmore, que o ne- |, tassem às suas atividades, Com a chamada redemocrutização após a
| ante a escravidão como posteriormente, Segunda Guerra Mundial, esses grupos se revitalizaram, devendo
sas formas, no sentido de se autopresexvar tan- destacar-se, no particular, cmbora com vida efêmera, pelos objetivos
to na situação de escravo, como de elemento marginal após 13 de que perseguia o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, criado em 1945,
| mais: não apenas em um ou outro Estado, mas em todas tendo à sua frente Solano Trindade, Raimundo Souza Dantas, Ala-
as regiões onde a escravidão existiu, OS grupos negros continuaram dir Custódio e Corsino de Brito, *
| existir, passado o periodo do regime escravista. Esses grupos espe- No sentido de dar uma visão dinâmica aq estudo do negro bra-
oda a trajetória da existência do negro brasilei- ) sileiro é que propomos o esquema metodológico que iremos expor
| ro, Querer negar isto, q título de justificar-se a escravidão brasileira em seguida, porque nos parece que o método meramente comparati-
o “benigna” (não é este o caso de Skidmore, diga-se de passa- vo entre O negro brasileiro e as suas matrizes africanas, embora ten-
| gem) e a atual situação do negro como de integrado na sociedade de do contribuído, em certa época « de certa forma, para que se tivesse
| capitalismo dependente atual, é querer-se escamotear a realidade so- uma visão parcial do problema, leva o pesquisador, inevitável e in-
| sofismas já bastante desmascarados. conscientemente, a criar uma nova escolástica, onde tudo se ajusta
Durante a escravidão podemos constatar os seguintes tipos de por analogia.
| ] Os principais: a) de lazer; b) religiosos; c) so- | Ao se ver um determinado fato no Brasil, ligado ao problema
do negro, seja religioso, cultural, político ou ideológico, recorre-
a
e

314º O MEGRO COMO GRUPO ESPECÍFICO OU DIFERENCIADO EM UMA SXCTEDA DE.


O MERO COMO COBAIA SOCIOLOMNCA 418
1

se à África até achar-se outro formalmente análogo e, a partir daí, Ao invés de pesquisarem e concluírem sobre fatos e processos
2

faz-se uma ponte de relação entre os dois. O exagero desse método


mais relevantes da nossa situação racial, tomando O social como fun-
poderá levar o sociólogo os antropólogo a explicações analógicas que
damental e o cultura! como condicionado e decorrente, postura que
nada têm de científicas,
os levaria inevitavelmente a investigar problemas como a margi-
Por isto, achamos que tem razão L. A. Costa Pinto quando
e

nalização do negro, O seu comportamento nas favelas, mocambos,


escreve:
e

cortiços e alagados; a situação dos grupos negros em relação às pos-


A abundanto 6 variada — & também desigual — produção que resul: sibilidades de mobilidade social vertical massiva; as ideologias brar-
tou do interesse atnológico sobre o negn no Brasil acrescentou sos cas e formas de barragem contra eles; sua situação diante da sociedade
em

Estudos ds Nina Rodrigues um enorme cadastro de “sobrevivências inclusiva a partir do fim da escravidão; o aproveitamento de traços
atricanas" que foram procuradas com afáem todos os satores da vida
social deste Pals por uma geração de estudiosos. Desta forma emana- cultarais africanos como clementos funcionais para que o negro não
ram alguns ostudos fundamentais é aos mais Importantes dentro alos caísse em estado de anomia total; os movimentos de fricção de diver-
ostá inolvidavelmente ligado 0 nome do Professor Artur Ramos é de sos grupos negros pauperizados, que procuram abrir o leque das opor-
seu grupo de colaboradores, que através cessa prospocção resilzaram tunidades na sociedade chamada branca, e outros assuntos relevantes,
aqui, sorvindo-se das mesmas técnicas, dos carmcterísticos particuta
ficam adstritos a pesquisas e microanálises formais, de detalhes do
res do “caso brasileiro” & às recursos muito mais limitados — egtu-
dos do tipo e anvargadura semelhantas às pesquisas custosas levadas seu mundo religioso, separado do contexto social em que eles se ma-
“ efeito por museus, universidades e Institutos europeus € norte- nifestaram e/ou manifestam.
americanos no coração da África, nas Antilhas, nas ilhas do Pacífico Debruçam-se, por isto, com rara perseverança, sobre reminis-
ou no próprio Brasil. À quaso totalidade dos estudos dos clentistas es- cências da culinária africana; a conexão entre lendas e estórias reco-
trangeiros sobre a situação rackal brasiloira rofletom, também, essa li- lhidas no Brasil com aquelas que existiram ou existem na África e
mitação do “approsch” etnogrático, multiplicado pola comingência da
diferença de nacionalidade. Na verdade, porém, as diferenças são de outras formas de paralelismo cultural de menor relevância.
grau e resultam de distâncias nscionais o culturais maloros, somadas Isto trouxe, como consequência, uma ciência feita de fragmen-
às distâncias sociais que no caso dos estudiosos brasileiros são as tos, sem um sistema interpretativo capaz de ligar as diversas partes
mais importantes. (...) Acontece assim que, multas vezes, 08 produtos ao seu todo, à não ser no plano de uma maior ou menor reminiscên-
das relações de raças — tudo Isto que se estuda no capítulo da acul
cia que os grupos negros brasileiros têm das suas culturas matrizes,
turação, assimilação, acomodação etc. — desempenham dentro da con-
figuração total multo mais uma função de mascarar a natureza real das Sociólogos e antropólogos colocaram o tema do negro em uma mesa
relações concretas de que historicamente resultam. Inadvertido disto de necrotério, e passaram a dissecá-lo como se cle fosse apenas um
é que o bom-senso de muitos desconcerta-se vendo apresentado co- corpo morto a ser estudado nos seus mínimos detalhes, para poste-
mo "acormpdação”, o que é fruto oridente de uma situação de contilo, * rior diagnóstico da sua causa mortis.
As palavras de L. A, Costa Pinto mostram muito bem como Não viram que esse problema era um componente vivo da so-
há necessidade de um esquema que modernize os métodos tradicio- ciedade brasileira em seu desenvolvimento contraditório, um dos seus
nais de pesquisa do negro brasileiro, pois Os casos extremos de com- mais complexos problemas, e que caberia ao sociólogo, ou antropó-
paração demonstram como esse método já está esgotado, superado logo, apresentar planos, projetos, sugestões ou simples elementos di-
ou, para usarmos a palavra empregada por Costa Pinto: démodeé. nâmicos de conhecimento à comunidade negra, em primeiro lugar,
Esses cientistas sociais que andam perdidamente à cata de ana- e às áreas interessadas em solucioná-lo, cm segundo, para que o mes-
logias culturais e sociais poderão encontrar paralelos, ao nível de “in- mo fosse resolvido. Nada disto aconteceu ou acontece. O resultado
fluências reciprocas", entre as favelas cariocas e paulistas c as Shanty foi uma visão acadêmica do problema. O negro, a partir daí, passou
towns de Ghana: são bairros miseráveis que existem na periferia das a ser analisado como se fosse a Drosophila melanogaster dos nossos
suas cidades, compostos de casebres infectos, choupanas de lata e ma- clentistas sociais. Simples objeto de laboratório, cobaia sociológica.
Para eles as implicações ce relacionamento entre O negro e os seus es-

deira; ambas usam o mesmo material de construção, não têm água


tudos não vão além daquelas que existem entre a realidade estudada
+

e esgotos e são habitadas por negros...


———

e a verificação da eficiência das suas hipóteses de trabalho,


mimo
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CRUPOS ESPECÍFICOS E APERENCIADOS qu


| the OMBRO COMO GRUPO ESPECIFIDO OU DIFERENCIADO EMMA SOC EA DE

Mas, enquanto essa consciência académica x cristalizava como específico na medida em que ele próprio sente esta diferença e, a par-
ideologia dominante dos cientistas sociais que estudavam o negro bra- tir daí, procura criar mecanismos de defesa capazes de conservá-lo
sileiro, a população negra procurava sobreviver e explicar o mundo, específico, ou mecanismos de integração na sociedade.
independentemente desses estudos e pesquisas que nenhuma influén- O grupo diferenciado, por isto, é identificado. O grupo espec
cia exerceram no seu cotidiano, E é justamente apartir da constata- fico, por seu turno, se identifica. Ou melhor: o mesmo grupo pode
ção da existência desse potencial dinâmico no negro « do seu poder ses diferenciado quando visto de fora para dentro pelos demais mem-
e capacidade de organização « agrupamento que daboramos o esque- bros da sociedade ou, pelo menos, pelos estratos superiores c delibe-
ma metodológico a ser apresentado em seguida, Tentaremos mostrar, rantes, enquanto o mesmo não seme essa diferenciação; o específico
através de uma dicotomização tipológica, o consúdo e a trajetória se vê, é analisado pelos seus próprios membros em relação ao con-
possíveis desses grupos, o seu ritmo de desenvolvimento e as suas pos- junto dos demais grupos sociais, quando adquire consciência dessa
sibilidades organizacionais, Tentaremos mostrar também, as suas li- diferenciação. Enquanto cle é simples grupo diferenciado — através
imitações e o ciclo evolutivo dos mesmos que, depois de um periodo de critérios de julgamento exteriores — é apenas objeto, simples ele-
de tempo variável, vão perdendo, total ou parcislmente, os elemen- mento componente da sociedade como um todo, funcionando como
tos de dinamismo intragrupal e a subideologia que os especifica, sen- parte passiva do contexto social, Ainda não tem interioridade, con-
do absorvidos ou adaptados à sociedade global. teúdo. Mas, quando passa a sentir-se diferenciado pela sociedade glo-
Parece-nos claro que, desta forma, poderemos compreender me- bal, isto é, pelos demais grupos que não possuem a mesma marca
hor o papel desses grupos e, na medida do possível, dinamizar o seu diferenciadora «, por isto mesmo, é separado por barreiras e técnicas
conteúdo e função no sentido de fazê-los pólos de resistência ao pro- de peneiramento no processo de interação, ele adquire consciência des-
cesso de compressão e desagregação social, econômica e cultural q sa diferença, passa a encarar a sua marca como valor positivo, reva-
que o negro brasileiro está sujeito. loriza aquilo que para a sociedade o inferioriza e sente-se um grupo
específico.
E esta emergência de novos valores dentro do grupo que o faz
passar de diferenciado (para a sociedade global) a específico, através
2. Grupos específicos Quando nos referimos a um grupo de valores existentes, criados por ele no presente, ou aproveitados do
diferenciados diferenciado numa sociedade de clas- passado, que passam à ser revalorizados como símbolos de autos
ses, temos em vista uma unidade afirmação grupal, com um significado especial.
organizaçional que, por um motivo ou uma constelação de motivos A formação desses grupos específicos numa sociedade compe-
ou racionalizações, é diferenciado por outros que, no plano da inte- titiva nasce, fundamentalmente, do antagonismo entre as classes so-
ação, compõem a sociedade. Isto é; constitui um grupo que, por uma ciais e os seus diversos estratos. Acontece que certos grupos ou
determinada marca, é visto pela sociedade competitiva dentro de uma segmentos em algumas sociedades se situam interiorizados cumulati-
ótica especial, de aceitação ou rejeição, através de padrões de valo- vamente por uma determinada marca discriminatória e pela situação
es, mores e representações dos estratos superiores dessa sociedade. de inferioridade socioeconômica que os diferencia perante a socieda-
Quando nos referimos a grupos específicos, estamos encarando de global de acordo com os seus padrões de superioridade, É o caso
a mesma realidade cm outro nível de abordagem e em outra fase de de- do negro brasileiro.
| senvolvimento ideológico. Procuramos, com este termo, designar, do Os grupos negros nas relações intergrupais é com a sociedade
| ponto de vista interno do grupo, os padrões de comportamento que são no seu conjunto sabem que, por possuírem uma marca diferenciado.
criados a partir do momento em que os seus membros se sentem consi- ra, são, no processo de interação, considerados como portadores de
derados c avaliados através da sua marca pela sociedade. Em outras pa- valores próprios e Inferlorizados. Esse julgamento da sociedade in-
lavras: O grupo diferenciado tem as suas diferenças aquilatadas pelos clustva leva a que todas as atitudes, gestos ou atos de um membro
| valores da sociedade de classes, enquanto o mesmo grupo passa à ser desses grupos específicos sejam considerados como sendo o compor-
1 O NEGRO COMO ORUPO ESPRORICO OU DIFERENCIADO EM UMA SOCIEDADE...
GRUPOS ESPECÍFICOS E DEPERENCIADOS 449

tamento de todos os elementos que os compõem. Desta forma, criam- Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e outros Estados e regiões. Esta
se estereótipos € racionalizações que justificam medidas de barragem vartável está ligada e/ou subordinada a uma série de outras como,
dos grupos ou classes que estão nos estratos supenores ou deliberan- por cxempto, a época em que o segmento negro foi Inicialmente in-
ses da sociedade. Como escreve Werner S, Landscker: troduzido como escravo, as culturas originárias de cada grupo, o ti
Se nós podissemos a alguém de nos dar suas nZ0€s que o Isvaram po de atividade econômica à qual foram incorporados, e muitos
a Idantificar o indivíduo particular com seu grupotodo, a resposta pro outros, Cabe a cada estudioso, ao escolher a região da sua pesquisa
vaveimente seria: “eles são todos semelhantes” e o assunto a ser abordado, analisar antecipadamente esses elemen-
Essa reação de transferência do comportumento individual tos para que possam dar um encaminhamento científico ao seu tra-
para o grupal leva a que, quando esses grupos são oprimidos ou mar- balho. A partir daí, poderá escolher dois ou mais grupos específicos
ginalizados e cumulativamente discriminados, se crie um erhos espe- e trabalhar com eles para mostrar, através da sua trajetória histórica,
cífico, tanto por aqueles que os oprimem « disciminam como por como eles se formaram € desenvolveram, o nível de fricção interétni-
aqueles que são oprimidos e discriminados. O mesmo autor escreve, ca (se for o caso de marca étrica, como no caso do negro brasileiro),
por isto mesmo que: a subideologia que elaboraram nesse processo e, posteriormente, à
possível integração deles na sociedade global através de um processo
O fato de identificar o outro com à sou grupo ajuda o individuo &
de regressão organizacional e ideológica que os levaria novamente à
idantificar-se com O seu próprio grupo. O “nós” so qual els pertence
necessita de uma atualização em sua consciência O “nós” é uma com condição de apenas grupos diferenciados. Ainda poderia ser consta-
cepção complementar; não podemos pensar em “nós” sem simuitanca- tada a sua incorporação ou de seus membros, individualmente, em
mente pensar om “elos”, oxatamente como não podemos pensar em movimentos mais abrangentes, nos quais as perspectivas de um devir
“bom” sem pensar em "mau" ou em “grande” sem pensar em “peque- sem diferenças de marcas, determinadas por preconceitos de classes,
no". Para utilizar o "oles" em nossa consciência, identificamos o
lhes dessem à perspectiva dinâmico/radical ou messiânica,
outro parcolro da relação com o sou grupo. Assimete se tomão Inetru-
mento na suscitação do sentimento "nós”, transmitindo através do sen- No esquema metodológico em exposição, o estudioso deverá ter
timanto “eles”. À necessidade do atualizar o “nós” é um incentivo para a máxima cautela para não determinar antecipadamente onde se po-
usar o parosiro como um simbolo do “eles”, * de enquadrar um grupo ou segmento, mas deve, antes, recolher todo
Nos grupos específicos negros do Brasil, numa sociedade que o material possivel e disponível para, em seguida, fazer o levantamento
se julga branca, esses elementos diferenciadores fazem com que, quan- sistemático dos elementos empíricos à sua disposição para — somen-
do um membro da sociedade branca fale sobre um negro, tenha em tea partir dai — ver o grau de aproximação do mesmo com o modelo
vista um “eles” generalizador dentro de estereótipos negativos. Em de um grupo diferenciado ou específico. Essa dicotomia metodológi-
ca poderá ser, por sua vez, subdividida de acordo com o grau de es-
decorrência desta realidade, o negro procura organizar-se especifica-
mente a fim de se autopreservar e valorizar o seu ego através da ela-
pecificidade ou diferenciação de cada grupo em: a) parcial; b) total.
Da! se infere que, fugindo a estereótipos generalizadores e sim-
boração de valores grupais mais conscientes que descjam, dentro da
plificadores, o cientista social terá de laborar com a realidade con-
própria estrutura capitalista vigente, fugir do nível de marginaliza-
creta, com os fatos objetivos, desprezando, inicialmente, as inter-
ção e/ou proletarização a que foram compelidos. Daí porque os ne-
pretações acadêmicas e as facilidades culturais de que estará possi-
gros brasileiros, através de diversos grupos que compõem a população
velmente impregnado, Porque o que acontece com muitos dos cha-
chamada de “homem de cor" (não-brancos) possuem uma série qua-
mados estudos africanistas ou afro-brasileiros é que o estudioso já
se interminável de graus e níveis de especificidade dentro da dicoto-
vem com conclusões aprioristicamente elaboradas e que decorrem de
mia metodológica que estamos apresentando.
uma série de racionalizações que assimilou sem mais análisc durante
Em primeiro lugar, esses níveis c graus variam de acordo com
o seu périplo universitário. Nesses casos, o cientista social deverá fa-
a localização geográfica em que as diversas frações do segmento étni-
zer um esforço muito grande para não iniciar o seu trabalho pelas
co negro se encontram: Maranhão, Pernambuco, Minas Gerais,
Do O NEGRO COMO CRUPO ESPSCinCO OU DIFERENCIADO EM UMA SOÇITRADE SEUPOS ESPECHICOS É DERAM LADOS qu

conclusões ou aceitar simples analogias com a própria essência e O O negro somente sc organiza em grupos separados dos brancos
nexo causal do caso em estudo, (combora deva dizer-se que não há propriamente entidades negras fe-
É preciso, por isto, quese compreenda a essência eminentemente chadas no Brasil, pois a elas aderem vastos setores de mestiços e de
dialética da dicotomia: grupos diferenciados e específicos. Ela somente outras populações proletarizadas ou estigmatizadas pelo processo de
existe (pelo menos com o sentido de rejeição de um dos grupos) em peneiramento atuante) em razão da não-existência de uma barragem
uma sociedade de classes « como unidade contraditória de uma reali- institucionalizada (o que seria a segregação), mas da permanência de
dade conflitante, Isto é o que explica por que os negros « mestiços um comportamento convencional restritivo e seletivo que vê no ne-
pobres no Brasil — englobados genericamente pelas classes dominantes gro a simbolização daquilo que é o pólo negativo dos valores brancos
como negros — continuam se organizando em grupos especificos pa- e do sistema capitalista, Estas diversas linhas não-institucionalizadas
ra resistirem às forças desintegrativas que atuam contra eles, de barragem, muitas vezes acentuadas, outras vezes tenuemente de-
Por este motivo, o negro somente se seate específico porque é monstradas e somente entrevistas por aqueles que a sentem é que
diferenciado inicialmente pelas classes e grupos sociais brancos, fato levam o negro a manter, de qualquer forma, suas matrizes organiza-
que O leva a procurar organizar-se e elaborar uma subideologia ca- cronais é culturais à fim de não se marginalizar totalmente e não en-
paz de manter a consciência e a coerção grupel em vários níveis. Nu- trar em estado de anomia,
ma sociedade em que os elementos detentores do poder se julgam Sabemos que, na soctedade de classes que se formou no Brasil,
brancos € defendem um processo de branqueamento progressivo é ilu- o negro está, de forma esmagadora, nas mais baixas camadas empre-
sório, o negro somente poderá sobreviver sogal e culturalmente sem gatícias, sociais e culturais. O seu starus básico é, portanto, dos mais
se marginalizar totalmente, agrupando-se como fez durante o tempo inferiorizados. No entanto, no candomblé, nas suas assóciações re-
em que existiu a escravidão, para defender a sua condição humana, creutivas, culturais, esportivas etc., scus membros adquirem um sia-
Em uma sociedade de modelo capitalista (e de capitalismo dependen-
us específico bem diverso daquele que eles possuem na sociedade de
te como a brasileira) onde o processo de peneiramento social está se classes, ?
agravando por uma competição cada vcz mais intensá, Os grupos or= Deixam de ser carregador, aprendiz de alfaiate, costureira, est-
ganizacionais negros que existem procuram conservar os seus valores
vador, empregada doméstica, vendedor ambulante oy desempregado
e insistem em manter o seu ritual religioso afro-brasileiro, a sua in-
para se hierarquizar de acordo com o sistema de valores simbólicos
dumentária, Os mores e valores das culturas africanas para se defen-
do candomblé ou de outros grupos específicos. E é justamente à im-
derem e se resguardarem do sistema compressor que tenta colocá-los
portância do mundo simbólico desses grupos que consegue fazer com
nos seus últimos estratos, como já aconteceu em outras sociedades
que os negros os procurem, pois sem ser uma fuga, é uma reclabora-
que possuem o modelo capitalista muito mais desenvolvido do que
ção, através deles, do significado da sociedade que os discrimina.
a nossa, *
Do ponto de vista das classes dominantes (tradição que vem dese
Este é o papel contraditório, mas funcionalmente relevante, das
de o tempo do Conde dos Arcos) O negro, ao se organizar isolada-
associações € grupos negros específicos que foram organizados ou con-
tinuam a existir no Brasil: elaborarcm, a partir dos padrões culturais mente, deixa de amençá-las, deixa de tentar procurar penetrar no seu
africanos c afro-brasileiros, uma cultura de resistência à sua situação mundo e no seu espaço social, político e cultural, o qual deverá per-
social, mancer branco. Mas o processo dialético em curso leva a que, em de-
É com esta visão metodológica que iremos desenvolver o esque- terminado momento, as contradições emergentes da própria essência
ma a que nos propusemos. Os candomblés, terreiros de macumbas, da sociedade competitiva levem o negro, através dos seus grupos es-
confrarias, associações recreativas, esportivas e culturais negras — pecíficos, a procurar abrir o leque da participação no processo de in-
dentro de um gradiente de conscientização que somente poderá ser teração global, formando diversos níveis de atividades. Isto porque,
estabelecido depois do estudo pormenorizado de cada um — são gru- para O negro, organizar-se significa ter ou tentar ter a possibilidade
pos específicos numa sociedade de classes, no caso brasileiro dentro de também penetrar, através dos seus valores, especialmente estético
de uma sociedade de capitalismo dependente. e religioso, no mundo do branco. Dai desenvolver às diversas formas
13º O NEOSO COMO ORUPO ESPECÍDCO OU DITEREMCIADO ENUMA SOCIEDADE. GRUPOS ESPECÍFICOS E DIFEREANTADOS 133

cas tidas como sendo do negro, como o saaba, à fim de encon- cessidade de uma voita à África ou uma posição de saudosismo afri-
rar, através delas, um nível de participação capaz de igualá-lo (nos a canista. Isto, é evidente, acontece com a camada negra que já se or-
radros da própria sociedade de modelo capitalista da qual partici- ganizou no nível mais diretamente re:vindicativoe não âqueles grupos
camadas que o oprimem e dificultam a sa ascensão social, que se destinam às prátiças religiosas, como o candomblé, a ma-
á, portanto, um momento em que essa contradição produz cumba, o xangô ou centros de umbanda, Para esses, embora não te- ;
uptura, Quando os grupos específicos negros procuram influir nhamos pesquisas sistemáticas sobre o assunto, parece-nos que o sur- |
so de anular os sistemas de barragens que lhes são impos- gimento da presença africana no mundo como força independente
os elementos dos estratos superiores, e muitas vezes, as estrutu- serviu para reavivar certos valores africanos tradicionais no plano re-
poder, passam a ver esses grupos como fatores negativos no lígioso que, possivelmente, já deviam estar desaparecendo.
ocesso de interação social, chegando, muitas vezes, numa transfe- Desta forma, achamos que nas camadas negras mais proletari-
ncia da sua própria ideologia para Os grupos negros, à afirmar que zadas, organizadas em grupos especificos, o social tende a suplantar,
são racistas. Como os negros não têmacesso às fontes de cada vez mais, o meramente culturatista.
comunicação a fim de expor por que se organizam "º, muitos seto- Ao participarem da competição, esses grupos fazem com que
desconhecem ou conhecem de modo insstisfatório o proble- seja criada uma coerção grupal, um espírito de grupos que substitui
gam a aceitar 0 argumento. a luta e a consctência simplesmente individual do negro não-orga-
o acontece este momento de ruptura, processa-sc uma mu- nizado. Eles servem, assim, como patamares a partir dos quais dei-
ualitativa nesses grupos ou em alguas dos seus elementos que xam de atuar isoladamente para se congregarem, objetivando enfrentar
m a aceitar uma ideologia globalizadora Enâmico/radical na a sociedade competitivae os seus problemas. Esses grupos, ao tempo
blemática do negro já é vista como um componente da que | em que exercem um papel integrativo, aumentam, 40 mesmo tempo,
odas as classes c camadas oprimidas e/ou discriminadas, a consciência negra no processo de interação conflitiva, reclaboran-
ssam por um processo de regressão e voltam a ser apenas gru- do novos valores e símbolos específicos, superestimando-os mesmo
ados. para, através de um mecanismo psicossocial de compensação, encon-
lacionamento dos grupos específicos negros com a socieda- trarem a igualdade procurada dentro da sociedade branca.
global, o tipo de intercâmbio estabelecido, as influências mútuas Mesmo sem perspectivarem uma mudança radical na socieda-
| de acordo com os papéis exercidos por uns e pela outra, criando de, esses grupos específicos são, consciente ou inconscientemente,
de desajustamento e reajustamento ou fricção e conflito pólos de resistência à marginalização do negro < de camadas proleta-
nos que não foi estudado, ainda, com a relevância que merece. rizadas a ele ligadas. Mesmo nos grupos religiosos o fato pode ser
nosso entender, no contexto da sociedade brasileira atual, constatado, O detalhe de encontrarmos, em alguns candomblés, o si-
pos específicos negros — núcleos de resistência contra as for- tual « q sistema cosmogônico conservados com relativa pureza, so-
| ças desintegradoras que agem contra eles — estão ganhando um sig- mente poderá explicar-se levando-se em conta que eles têm uma função
| nificado mais social do que cultural, no seu sentido antropológico. A social além da religiosa, função que se projeta além desses grupos na
el memória africana está se diluindo, no nível de simples con- comunidade que está sob sua influência. Essa função social que não
ção de traços cukturais matrizes q surgindo, emergindo, novos é mais religiosa, mas à transcende, serve para que os negros que acei-
O negro que reinterpreta inclusive a sua herança africa- tam os valores do candomblé, ou da macumba, possam ter clemen-
] na e o ascenso político dos países da África mais no plano de uma tos compensadores na sua cotidianidade. Desta forma, esses grupos
| auto-afirmação social e de demonstração da capacidade de direção religiosos exercem, dentro da sociedade em que estão engastados, um
política dos negros do que de uma nebulosa “mãe-pátria” para eles papel que lhes escapa quase totalmente, mas que proporciona o com-
| ainda imprecisa « vaga. A emergência desses países africanos veio dar bustível de ums subldeologia necessária à coerção grupal e uniformi-
ada negra mais consciente um potencial novo e mesmo uma pers- 1 zação « dinamização do horizonte cotidiano do negro e dos mestiços
pectiva reivindicatória mais acentuada, sem que isto implique a ne- em geral no seu mundo mágico.
Ba O NEGRO COMO GRUPO ESPECÍFICO OU DIFERENCIADO EM SMA SOCIEDADE. ., GRUPOS ESPECÍFICOS FLRSUS SOCIEDADE GLOBAL 415

De outra forma essa memória africana se apagaria por falta de bólica, é, inconstestavelmente, a [esta do Bonfim, em Salvador, c,
função e os componentes dos descendentes dos africanos se integra- especialmente, a lavagem da sua igreja, agora praticamente proibida
riam na sociedade de classes, sem guardarem ou onservarem na sua a não ser de forma folciorizada, Aproveitando-se de uma dara católi-
relativa pureza Os traços das culirras matrizes. À necessidade de re-
ca, os grupos religiosos negros usavam o dia consagrado ao santo pa-
sistência ac processo desintegrativo é que lhes dá a vitalidade que
ra festejarem Oxalá que, desta forma, ia mostrar, fora dos terreiros,
possuert.
a sua força, o poder c a influência que exercia no conjunto da socie-
Nina Rodrigues teve oportunidade de destacar, com um exem-
dade baiana, A trajetória dessa festa é bem uma demonstração da
plo, essa influência social das religiões negras no Brasil. Escreve que:
força social e mágica dos grupos religiosos negros que possuem um
Quando há quatro anos (1899) O clrotera morbus manifestando-se na raio de influência — direta ou indireta — muito malor do que se pre-
Europa prendia a atenção do Brasi! inteiro, quo ustamente receava à sume. À auto-afirmação social dessa festa, de tão relevante significa-
importação da epidemia, espalhou-se um dia em toda a cidade & nott-
cia de que em um dos cendombiés dos arrabaldes, O orixá ou samo do para esses grupos, pois vinha possibilitar que o orixá poderoso dos
Gonocó havia declarado ao pal-cde-terreiro quo a ciósde estava ames afro-brasileiros se mostrasse em toda a sua força dentro do mundo
cada da invasão de uma pesta terrível. Como único recurso eficaz para dos brancos foi, já, exaustivamente estudado, mas nó plano de sim-
conjurar o perigo Iminente indicava ele o sto expiatório ou votivo de
levar cada habitante uma vala de cera à Santo António da Barra que,
ples sincretismo religioso. De fato, à expressão exterior do culto ao
tondo a sua Igreja situada na entrada do porto, podia facilmente impe- Senhor do Bonfim, especialmente no seu dia, dá a impressão, pelos
dir a importação da epidemia, Para logo, lavar uma vela a Santo Antó- detalhes de ritual, cânticos e outros pormenores, de uma festa essen-
no da Barra tormou-so a provcupação exclusiva do toda a população, cialmente religiosa, a qual, apesar dos negros dela participarem, não
E a romaria tomou proporções tais que em Dreve não havia mais espa-
ço na igreja para receber velas votivas. é uma “'festa pagã", mas cristã. Aliás, grande parte da polêmica que
as autoridades eclesiásticas baianas criaram, objetivando impedir a
Outro exemplo, ainda desta vez fornecido por Nina Rodrigues. lavagem, era que os negros estavam transformando a festa católica
da interferência desses grupos específicos negros no plano social abran- em um ritual pagão. É que elas sentiam muito bem esse papel social
gente é O seguinte:
relevante que a festa representava e o conflito de liderança que se es-
Quando em dias do abril de 1895 as lutas politicas das facções parti tabelecia, nesse dia, abertamente, perante toda a sociedade, entre o
dárias doste Estado chegaram a uma tensão tal que a toda hora so es- catolicismo oficial c o grande mundo religioso dos afro-brasileiros,
perava o rompimento da guerra civil, aprazada para o dia da abertura
do parlamento astadual, à população desta cidade. Justamente sobras
A lavagem do Bonfim, por isto, teve de sex proibida, a demonstração
saltada e em parte em franco áxado, foi um dia informada de que na pública da importância social dos candomblés impedida, para que a
porta do editício das Câmaras, amanhecara daposto um grande feitiço religião que compõe o aparelho de dominação ideológica da estrutu-
ou colga-feita, À Imprensa diária metou o caso a riéloulo sem se tam ra não fosse arranhada. A repressão que se seguiu às tentativas dos
brar de que era aquele um modo de Intervenção da população teticnia-
ta da cidade, tão lógica e legitima na sua manifestação sociológica, negros em continuar violando aquele recinto sagrado bem demonstra
quanto ora natural à intervenção do digno prelado arquisiocesano que, como, todas as vezes que os grupos específicos negros transpõem a
conterenciando com os chefes dos dols grupos Iltigantes, procurava barreira estabelecida pelos setores brancos dominantes, há um mo-
restabelscer à paz o à concórdia. " mento de ruptura e o conflito se estabelece,
Como vemos, por esses dois exemplos, os gru pos negros especi- Analisando a dinâmica que transformou u função da igreja do
ficos interferem, direta ou indiretamente, nos problemas da socieda- Bonfim de loçal onde se cultuava a morte em um santuário de fertili-
de global através dos scus símbolos mágicos, dade, Carlos Oi teve oportunidade de destacar como os negros pe-
netraram no mundo religioso católico e impuseram à veneração do
seu orixá. O autor ateve-se apenas a uma análise no nível religioso,
não acentuando, por isto, a sua função especificamente social, É ver-
3. Grupos específicos Uma das expressões mais visíveis do dade que ele destaca o processo de invasão do templo. Em 1804 foi
versus poder desses grupos religosos no pla- permitida a colocação de uma imagem de São Gonçalo do Amaran-
sociedade global no social, embora de maneira sim- te. As devotas desse santo, afirma ele:
GRUPOS ESPECÍFICOS VERSUS SOCIEDADE OLOBAL
té O MELRO COMO GRUPO ESPECTLOO OU MEERENC LADO EM UMA SOCIEDADE,

tazlam procissões pomposas na igreia do Esnlim terminando por riva- Esta replesmação que para nós modifica qualitativamente O pro-
lizer com a do próprio peciroeiro da igreja. faulatinamente, essas de cesso sincrético, levando à que grupos especificos negros que têm fun-
votas foram sendo subsituídas por flihasde-santo de candomblás, ção religiosa exerçam um papel socia! que extrapola seu objetivo inl-
identificaram 0 santo cesamenteiro com 0 mixá Oxalá, & personallda- cial, é um dos elementos adaptativos dessas religiões à siruação social
de da fenilidade humana no continente aticano. * concreta do Brasil « cria as bases para que elas exerçam uma função
Depois disto, a igreja suprimiu o culto : São Gonçalo para, se- social nos setores marginalizados « pauperizados, capaz de neutrali-
gundo o autor que estamos acompanhando, ''não ficar sufocado o zar as forças de desintegração social que atuam contra eles. Essas re-
culto de Senhor do Bonfim”*, E conclui: ligiões vão transformando-se paulatinamente €, de simples sentimen-
to de adoração contemplativa ao sobrenatural, passam & modificar
E os candomblezeiros não enganaram apesas os mesários da irman- empiricamente a realidade. A medicina popular, impregnada de cle-
dade do Senmor do Bonfim, mas a todos os católicos baianos. Artiga- mentos mágicos, tem o seu centro mais poderoso nos terreiros de um-
mente eram as filhas de Maria é às devotas de São Gonçalo do Amarante
banda, que substituem os médicos que faltam e, 20 mesmo tempo,
que fechavam as Nlairas das procissões da Igreja do Bontim, Agora são
es filhas-de-santo que todas as sextas-feiras Chegam em romaria à co-
exercem um papel de auto-afirmação psicológica e cultural muito gran-
lina sagrada. Não querem adoraro Senhordo Bonfim, mas o seu santo de entre os seus adeptos. Isso explica a proliferação surpreendente
da fortiidade, o orixá Oxalá, qxalutá chamado na lingua nagó, até hoje dos centros de umbanda no Brasil, sendo, hoje, à religião popular
talada na Bahia. “ mais difundida em todo o território nacional, Fazem o papel de con-
Desta forma, o candomblé penetrou no recinto da religião ofi- sultório médico « psiquiátrico e ocupam o vácuo social que existe neste
particular. Por isto mesmo, quando os caboclos baixam, chamam os
cial, mesclou-o de africanidade e deu-lhe unt conteúdo popular. A
médicos de burros da terra, como a exprimir o desencanto pela sua
festa do Senhor do Bonfim era pretexto apenas para que o mundo
ineficiência diante dos problemas que afligem as populações carentes
religioso negro se manifestasse ante o conjunto da sociedade branca,
que os procuram. *
A força mágica dos candomblés mostrava-se superior à teologia so-
À medicina institucional contrapõem a medicina mágica dos
fisticada da tgreja Católica, 'º terreiros.
O candomblé, como outros grupos específicos negros religio- No nível de atividade empírica, esses grupos específicos desem-
sos, conforme veremos adiante, tem outras funções sociais, inclusive penham diversas funções sociais que transcendem, em muito, a shm-
curadoras, num peís em que o povo não tem médicos. Por isto mes- plesmente religiosa, Um exemplo disto podemos ver nos resultados
mo, o São Gonçalo de Amarante em outros locais é santo curador. de uma pesquisa feita no bairro de Pedreira, de Belém do Pará, so-
É relativamente comum as entidades protetoras transformarem-se em bre as formas de atendimento médico naquela área, Os pesquisado-
curadoras, Por isto O povo canta nas rodas de São Gonçalo: res dividiram esse atendimento em três categorias: atendimento cien-
Eu pedi a São Gonçalo
tífico, paracientífico e pseudocientífico. Na primeira estavam os mé-
Quo tirasgo am nossas doras, dicos; na segunda os farmacêuticos e enfermeiros e, finalmente, na
eu pedi quando sarasse terceira, as tendas de umbanda e candomblé. Pois bem: “enquanto
seria sempre seu procurador, ” na primeira categoria o atendimento, numa população de 58 658 pes-
É a ligação do mágico com o profano através de atividades em- soas chegava a 13,9%, o chamado tratamento pseudomédico ia &
píricas e úteis socialmente, Os centros de candomblés é umbanda são 14,3%, Esses serviços eram prestados à população por 41 terreiros
os grandes hospitais populares do Brasil. Por isto, tem razão Lanter- dos rituais nagô, jurema (pajelança) e umbanda”;?º
nan quando afirma que nesses casos de religiões dominantes com as Esses terreiros tinham a seguinte distribuição quanto ao ritual;
oprimidas o que se dá não é “um sincretismo passivo c incoerente, umbanda, 25; nagó, 9 e jurema (pajelança), 7, Como vemos, esses
mas à replasmação ativa e criadora de certos elementos fundamen- grupos religiosos de origem negra ou india suprem empiricamente a
tais da cultura ocidental, por meio de culturas nativas”, ** falta de medicina € assistência psiquiátrica, tornando-se elementos
SEO SG MEÇÃO COMO GAUPO ESPCIPIOO CH DIFERENCIADO A UMA SOCILDADE UM SÍMBOLO LIBERTÁRIO: EXU q

importantíssimos no cotidiano dessas populações. É interessante re- à função de uma divindade, Inicialmente, ele tinha um papel inferior
parar como, no relatório analítico que os autors fazem desses terrei- no panteão do litoral do Golfo da Guiné, Já nos candombiés baia-
ros, hã o horário de consultas de todos eles, sendo que é quase unânime nos, adquire funções mais importantes, Passa a ser identificado com
o seu funcionamento das segundas às sextas-féras, multos das 20 às o demônio. Exu passa a ter, assim, uma importância bem maior do
22 e alguns até às 24 horas. Os autores da pesquisa analisam, tam- que aquela que possuía inicialmente. É o intermediário, o elo de liga-
bém, as possibilidades de cura e os medicamatos reccitados, quase ção entre o mundo muterial e o profano e as divindades africanas:
todos compostos de ervas e simpatias. os orixás, Executa O seu trabalho, só raramente perturbando as ses-
Com esse tratamento empírico-mágico registraram Os autores sões de candomblés. ** Diante da sua situação de religião persegui-
do trabalho uma média de 80% de curas, “Poucos são os que não da, o candomblé precisava de uma entidade que fosse o menino de
curam e os que não terminam o tratamento," ** Concluem com um recado junto aos deuses, pois, naquela situação, a necessidade de pro-
detalhe que é muito importante para que se possa avaliaros motivos teção, através de um contato quase permanente com os orixás, era
da relevância desses grupos específicos de orgem negra no bairro: indispensável. O papel de Exu, em razão disto, cresce. Mas ele ainda
“Só pagam os que querem ou os que têm condições”. * não penetra no recinto sagrado. O seu peji fica longe da sala de cul-
Por estas razões, falando a um jornalista, o pai-de-santo da Ten- to. Seu padê, embora feito com reverência, « algumas vezes com te-
da Espirita de Umbanda e Candomblé Ogum Beira-Mar, em São Mi- mor, ainda não é de molde a igualá-lo aos orixás. É o homem das
gucl, bairro operário de São Paulo, disse: encruzilhadas. Sobre o seu papel nos candomblés da Bahia assim es-
Os pobres vêm sempre com aqueles mesmos pedidos: lazer um traba creve Êdison Carneiro;
lho para curar doenças, iaso em primeiro huge (mas au sempre desco- Exu (ou Elêgbará) tem sido largamente mal Interpretado, Tendo como
nheço a parte medicinal nestas casos; no máximo recomendo banhos,
reino as encruzilhadas, todos 04 lugares esconsos é perigosos deste
defumadores, enfim, orvas); trabalho para fazor 5 marido voltar paca casa
mundo, não foi dificil encontrar-se um símile no diabo cristão. O «s-
ou para arranjar emprego; é filho que beba; é o namorado que tol em-
sento de Exu, queé uma casinhoia de pedra e cal, da portinhola feçha-
bora; são amantes que estão atrapalnando à vida do casal; são 08 ca
da a cadeado, 6 a sua reprosontação mais comum, em que está sempre
sos dos pobres, E ce figos me podem trabalhos diferentes: para resolver
amado com &s suss sets espadas, que correspondem aos sete caml-
uma rixa entre deputados, problemas de familia: para ganhar eleições nhos dos seus imensos domínios, eram outros tantos motivos & apoiar
durame as campanhas ateltorais; para salvar firmas em decadência. ?*
o símiie. O fato de lhe ser dedicada a segunda-feira e os momentos
Este papel social relevante junto às camadas proletarizadas e Iintolais de qualquer festa, para que não perturba a marcha das corimó-
nias, é, mais do que isso, & Invocação dos feiticeiros a Exu, sempre
marginalizadas — ou mesmo integradas na sociedade competitiva —
que desejavam fazor uma das suas vitimas, Ludo isso concorreu para
é que dá ao candomblé, aos cemros de umbanda e outros grupos rell- lhe dar o caráter de orixá maifazejo, contrário ao homem, reprasentan-
giosos de origem negra a vitalidade que possuem, te das forças ocultas do mal.

Prossegue Carneiro explicativo:


Ora, Exu nãoé um otixá — é um criado dos orixés e um Intermediário
entro 08 homens e os orixás. Se desejamos alguma colsa de Xangó,
4. Um símbolo Dentro dos grupos específicos negros que se
por exemplo, devemos despachar Exu, para que, com a sus Infiuôncia,
libertário; Exu branqueiam nascem movimentos intragrupais a consiga mails facHments para nós. Não Importa à qualidade do favor
que criam valores emergentes conflitantes com -— Exu fará O que há pedimos, contanto que lhe demos as coisas de
aqueles que estão se institucionalizando. Um exemplo dessa dialética que gostas, azelte-de-dendé, bode, água ou cachaça, fumo, 36 6 esque-
intragrupal é a quimbanda. cemos não só não obteremos o favor, como também Exu desencades-
rá contra nós todas as foras do Mal, que, como Intormedlário, detém
A trajetória de Exu, da África aos candomblés da Bahia e cen-
nas suas mãos. Els por que o primeiro dia da semana lhe é dedicado:
tros de macumba, e dai até as sessões de quimbanda, é um exemplo os dias subsequentes correrão felizes, suavemente, sem perturbação
da modificação imposta por situações sociais concretas e diferentes, nem intranquilidades. ?*
1 O NEGRO COMU GRUPO ESPECUIÇO UU DIFERENTADO EM UMA SOCIEDADE. UM SIMBOLO LIBERTÁRIO: EXU (MM

Até aqui Exu winda é confundido om o diabo católico naquilo Embora notando-se, já, nessas declarações, elementos de repres-
que representa de negativo. Mas, ao mesmo tempo, ele vai-se multipli- são às manifestações dos Exus, ninguém pode controlá-los quando
cando e transformando-se, Nos candombés da Bahia há o compadre descem. Vamos descrever uma dessas sessões da Tenda Cacique Bo-
que é um Exu que se apresenta como, seguado Carneiro, “'o cão de guar- roró, de acordo com as nossas anotações feitas na época.
da fiel e vigilante”*. No entanto, pelo que sabemos, Exu até hoje não No início, cantam um único “ponto” para esses “espiritos so-
se transformou, nos candomblés, em símbolo de libertação social é se- fredores"* que, pouco a pouco, vão baixando. Ao baixar”, exigem
xual, embora seja uma divindade fálica. Pelo contrário. Ele, nos cin- que se apaguem as luzes € se cubram as imagens das paredes. Acendem-
domblés, pára de evoluir na condição de intermediário dos orixás. se velas, os atabaques prosseguem em ritmo cada vez mais rápido.
Aqui já podemos ver dois aspectos distintos dos processos de O cumprimento passa a ser diferente: batem três vezes com a mão
diferenciação de Exu: a) cresce a sua impcrtância ao ponto de ser con- no chão, Urram e gemem desesperadamente, retorcem-se. Riem es-
fundido por muitos como sendo um orixt; b) passe à ser visto como trepitosamente, saltam, tombam, dizem palavrões. Fumam apenas ci-
encarnação das forças do Mal, clemento malfazejo, invocado pelos garros c bebem continuamente cachaça. Aqueles que não estão
sacerdotes nos momentos de necessidade dramática para resolver pro- tomados (a maioria) entoam cantos monótonos é em voz baixa,
blemas do seu culto ou de seus fiéis. Esses dois elementos diferencia- Aproximamo-nos de um Exu que está pingando velas nas mãos,
dores poderão ter sua origem no ambiente de perseguição em que nos ombras e no peito. Perguntamos por que está fazendo aquilo.
viviam as religiões negras. É neste contexto de tensão que o poder
— Porque não presto.
de Exu cresce ao ponto de ser adorado como um orixá, encarnando
o Mal (para o inimigo do culto), aquela força capaz de impedir com Neste momento outro Exu aproxima-se e lhe dá boa-noite, Res-
o seu poder, de qualquer maneira, acima do Bem e do Mai, à perse- ponde agressivamente;
guição ao terreiro, ** — Yu me conheces? Não? Então como é que vais dizendo boa noita
Não é por acaso que na quimbanda (também perseguida), Exu & quem não conheces?
consegue expandir todo o seu potencial de rebeldia e poder, trans-
Outro Exu que presenciara a cena procura encarar o maleria-
formando-se na sua divindade central é todo-poderosa.
É na quimbanda, de fato, que ele se manifesta como símbolo
do. Aproxima-se dele, com uma cuia nã mão, e ficam & se olhar em
silêncio. Os presentes observam-nos, O que se aproximou, depois atira
de destruição de tudo que é estabelecido. Numa sessão de quimban-
ao rosto do outro toda a cachaça que a cuia continha, O silêncio per-
da, tudo o que está recalcado (social e sexualmente) vem à tona e Exu
não é apenas despachado, mas se incorpora e domina todos os cava-
manece até que o agredido sai dc lado e diz:
los consagrados à outras divindades: caboclos, pretos velhos etc. É — Aqui não posso fazer mada, mes te pego novtro lugar, seu iiiote.
o centro da festa; tem uma visão crítica, irreverente € anticonvencio- Quem rt por último ri meihor.
nal das coisas, Exige. Blasfema, Diz palavrões, Faz gestos tidos co- Um Exu passa cantando:
mo indecentes.
Tivemos oportunidade de assistir a sessões de quimbanda em Eu sou baiano,
eu sou Dalano de terreiro;
São Paulo é testemunhamos esse transbordamento libertário trans- sou Dalano,
eu
mitido por Exy aos presentes, Na Tenda Cacique Bororá, todos os eu sou balano feiticelro,
meses há uma sessão de quimbanda. Segundo um dos seus frequen-
Agora é um que berra;
tadores, nessas noites descem os “espíritos do inferno, espíritos erra-
dos que muitas vezes trabalham para o mal”. ” De acordo com o Zé Pilintra chegou,
babalaS desse terreiro, essas sessões ''são de doutrinação espiritual. Zé Pllintra chegou,
Com elas pretende-se colaborar para que esses espíritos entrem no Desenham vários “pontos'* no çhão, continuam dizendo pala-
caminho do bem", ?** vrões. O chefe do terreiro recebe Exu Giramundo, risca um “ponto”
32 O NEGRO COMO GRUPO ESPECÍNCO OU DIBRENCIADO EM UMA SOCIEDADE...
UM SÍMBOLO LIBERTÁRIO EXU am

na entrada do terreiro c o cobre de pólvora. Coloca acle sete velas Ele;


nas quais atira sete punhais que caem espetados sucessivamente nos
pés das sete velas. À meia-noite, ExuGiramundo toca fogo na pólvo- — Por que não foge?
ra: ouve-se uma explosão, Diz que fez aquilo para desmanchar uma Nós:
“malvadeza que estão querendo fazs com um filho da tenda”. De-
— Tum escola?
pois olhou para todos € cantou:
Ele:
-— Eu sou Giramundo
ca belra do Ato. — Não
Eu sou Giramundo:
Vão pra puta que os partu. Nós:
Aproximamo-nos de um Exu. Perguntamos: — O que se faz lá?
— Como é seu nome? Ele:
— Exu Batará.
— Trabalha-so,
Insistimos:
Nós:
— De onde vam?
-— Tam govamo?
Ele:
Elke;
-— Das cavernas do poço fundo. — NÃO 96º O que é isto,
Nós; Nós:
-— Onda fica isso? — Tem um chefe, um manda-chuva?
Ele; Ele:
— Num tugar todo de fogo, — Tam,

Nós: Nós:
é bom?
-— Lá — Quem &7

Ele; Ele;
— Não, -— É um homem torte, alto.

Nós: Nós:
— Por que não foge? — Posso falar com ale?

Ele: Ele:

-—- Aqui à bom? — Não sei, vou tentar,

Nós: Afasta-se de nós, começa a fazer movimentos circulares. Volta


depois de alguns minutos, com à voz completamente diferente. A moça
-— NÃO.
em quem Exu Batará estava incorporado diz:
|
Jo ” O NEGRO COMO CRUPO ESPECÍFICOS OU DIFERENCIADO

— Eu sou Exu Buzanini, que quer & mim?


— CRIATO Marcar um encontro com rocê,
EMUMA SOCIEDADE

mente.
UM SÍMBOLO LIBERTÁRIO

A ambivalência de Bem c Mal se emtrecruza e muitas vezes


muda de significado diante de um fato concreto. Há uma reelabora-
EXU 18

ção de valores, passando o que era mau a ser bom e vice-versa, refle-
Responde com a mesma entonação: xo da dualidade axiológica da sociedade abrangente. As camadas
— Pols não, na próxima sexta-feiraàs daz horas, em qualquer enoru- proletarizadas, ou marginalizadas, que precisam “fechar o corpo"
zilnada am que você estiver ou apamcoral. ante a agressão permanente e à violência da sociedade competitiva,
— Aparecerá como você é no seu nundo? precisam de um protetor também violento, capaz de imunizá-las das
— Iguaizinho. Agora, até sexta-feira agressões exteriores « permitir-lhes a vitória sobre os seus poderosos
Vai embora sem dizer mais nada. sempre fazendo currupios. De inimigos.
repente Exu Batará sc incorpora outra vez. Voltamos & interrogá-lo: Exu surge para eles como cssa divindade protetora. Não é mais
um auxiliar de Ifá africano, ou auxiliar dos orixás dos candomblés
-— Você é Exu Batará?
baianos, mas uma entidade independente, superior, todo-poderosa,
— Sou. Falou com o meu chefe?
— Falei, A propósito, como é ele? polimorfa e invencível, com poderes ilimitados e sem reservas no uso
- É um moço bonito, alto, forte, com uma capa preta, tem o corpo var. desses poderes, contanto que os seus protegidos sejam salvos.
melho, chifres e um rabo. O resto é Igualzinho a vocês dagul. A quimbanda, por isto, é apresentada como linha negra e os
Os trabalhos caminham para o seu final. Os médiuns que não donos dos centros de umbanda quando perguntados por estranhos
estão “tomados” fazem um círculo em volta dos Exus, cantam e pela primeira vez, se trabalham com a quimbanda, negam o fato ou
assim todos eles vão abandonando os seus cavalos. O último a respondem evasivamente, Somente depois que a pessoa se socializa
esincorporar-se é o Exu Buzanini que baixara no chefe da tenda, Pre- a conversa fica mais franca, embora muitas vezes alguns desses che-
cisamente às duas horas da madrugada terminam as atividades. fes continucm dizendo que não gostam de trabalhar com Exus,
Por esta descrição se vê como, na quimbanda, ao contrário do Em algumas tendas de umbanda, segundo já observamos, Zé
candomblé e da umbanda, não há nada que expresse uma rigidez Pilintra (um Exu) está presente em imagens que variam de tamanho,
hierárquica copiada do mundo institucionalizado. Os valores da so- ao lado direito do altar. Há sempre duas velas acesas aos seus pés.
ciedade tradicional são completamente ignorados. O próprio Exu Bu- Isto corresponde, segundo pensamos, a uma penetração sutil do mun-
zanini, que estava incorporado no chefe da tenda, quando desafiado do da quimbanda no mundo branqueado e já Institucionalizado, le-
incorporcu-se em outro cavalo para responder quem o interpeiara. galizado da umbanda, Se, conforme nos disse o chefe da tenda Cacique
á uma liberação de instintos, sentimentos e vontades quase total. Bororó, essas sessões de quimbanda são “de purificação”, como
se pergunta se, no seu mundo, há governos, diz não saber explicar-se a presença de um Exu em plena função da liturgia um-
ue isto significa. Finalmente, aceita todos os desafios, responde bandista «, além disto, fazendo um ato de proteção para "“'desman-
| criticamente às perguntas que lhe são feitas. Nada respeita. a char uma malvadeza que estão querendo fazer com um filho da
Do ponto de vista que sos interessa merodologicamente deve- tenda"? Convém notar, ainda, que, pelo que constatamos, são exa-
mos salientar que mesmo nos grupos especificos negros há uma dia- tamente nos terreiros mais pobres que a imagem de Zé Pilintra se en-
contra no local já por nós referido, Com isto, segundo pensamos, q
lética intergrupal conflitante, uma série de choques internos que nos
negro procura incorporar ao seu mundo sofrido e desprotegido o sim-
pos religiosos refletem-se em reclaborações de significados dos seus
bolo rebelde de Zé Pilintra, um Exu que é chumado todas as vezes
es e rituais, de acordo com os mecanismos que determinaram o
que há um impasse nos negócios, saúde ou amor, para ser resolvido,
u nível de consciência social.
Nas pesquisas feitas em macumbas cariocas, Lapassade teve
A quimbanda surge no interior da umbanda como manifesta-
oportunidade de constatar que a quimbanda é praticada exatamente
das contradições sociais, vem como elemento simbólico e com-
naqueles locais mais atingidos pela miséria e, por isto mesmo, perse-
ador explosivo e se expande no interior dos centros umbandistas
guida pelas autoridades e o aparelho repressivo do sistema, É que a
que se vão institucionalizando, que se vão branqueando progressiva-
Bs O NEGÃO COMO GRUPO ESPECIFICO OU DIFERENI ADO EM Lisa SOCIEDADE FATORES DE MEMSTÉNCIA 431
——————

quimbanda ainda é o grunde leque de rebeldia das religiões negras, A religião, uma voz constivida, contém sempre uma matéria tradício
Neia, através dos Exus, os segmentos marginalizados, expulsos do sis- nai, Do mesmo modo que, em todos 03 domínios ideológicos, a trad
tema de produção, procuram um combustrel ideológico capaz de levá- ção é uma grande força conservadora. Mas as transformações que 3e
produzam nesta matéria decorrem de relações de classes, conseguem:
los 9 sobreviver biológica e socialmente, tomento das relações econômicas entre os homens que dão lugar a es-
Por tudo isto, Lapassade, levantando o vés do fenômeno, tas transformações, *
afirma:
Este inpasse surge do próprio conteúdo limitado do fenômeno
Estamos muito longe do cerndombié baiano. Em Salvador, Exu é des- religioso que supre o homem de um suçedânco ideológico capaz de
pedido, através de uma cerimônia anterior, que às vezes se desenrola fazer com que ele se esqueça das suas necessidades concretas, mate-
multas horas antes do candomblé dos orixás. Exu é enviado pars 06 riais e soclais, e da viabilidade de solucioná-las objetivamente. Por
deuses — ele é O mensageiro, o intermediário — e, 40 mesmo tempo,
para bem longe do lugar do culto, Diz-seque so essas procuuções não esta razão, mesmo a quimbanda, com todo o seu potencial libertário
forem tomadas, Exu pode perturbar à cerimônia a ponto de fazê-la abor- e reivindicante é limitada por esta contradição estrutural do pensa-
tar. O candombis, então, se desembaraça dois, tomando todos os cul- mento religioso e suas manifestações, ficando com toda a carga diná-
dados que o seu podor oxigo, Mas Exu não é nunca celebrado. mica no nível do pensamento mágico « com sua força limitada às
No Rio, pelo contrário, segundo Edison Carneiro, há maior fidelidade fronteiras do simbólico.
às Iradições africanas que conhecem as danças de Exu, e malor prox-
midade do vodu haltiano, também composto de duas partes. Aqui Exu
será o rel do ritual. *
Convém acrescentar, porém, que é grupos específicos negros
5, Fatores de Os fatores de resistência dos traços de cultura
religiosos, ou movimentos divergentes noseu próprio interior, como
resistência africanos condicionam-se, portanto, à necessi-
a quimbanda, apesar da grande influência social que exerçem no seio
dade de serem usados pelos negros brasileiros no
dos negros « camadas de mestiços proletarizados não desemboçam
intuito de se autopreservarem social e culturalmente. Somente den-
nunca em soluções de conteúdo que transcende às próprias limitações
tro de uma sociedade na qual os padrões conflitantes se separam não
da ideologia religiosa, isto é, não se libertam do seu conteúdo aliena-
apenas no níve! das classes em choque ou fricção, mas, também, por
dor. AO tempo em que exercem essa influência, atuam, em contra-
barreiras estabclecidas contra segmentos que comparecem em diver=
partida, como forças frenadoras de uma consciência dinâmico/radical sos estratos inferiorizados e discriminados por serem portadores de
dos seus componentes. Especialmente nas tendas de umbanda a su- uma determinada marca, esses traços podem ser aproveitados. De ou-
bordinação dessa influência à ordem cstubelecida é cada vez mais vi- tra forma, eles se teriam diluído por falta de funcionalidade na dinã-
sível. O elemento negro, inclusive, está sendo descartado dos seus mica social. As contradições internas inerentes à dinâmica de uma
órgãos e cargos de liderança e prestígio, Por isto mesmo, em dado sociedade competitiva, com a particularidade de haver saído do regi-
momento; deixam de refletir e projetar aquela solução adequada pa- me escravista, determinam, em última instância, a preservação ou di-
ra os problemas que surgem com a maior complexidade estrutural de luição dessa chamada reminiscência africana, Um exemplo disto é a
uma sociedade progressivamente conflitiva, para manter-se na posi- degenerescência do culto de Ifá, “generalizado entre as tribos do Golfo
ção de guardiães da ordem, agrupando os elementos oprimidos den- da Guiné" 2 e que aqui chegou na “mais modesta das suas formas",
tro de padrões e valores da sociedade atual e apresentando, sempre, interpretando búzios, enquanto Exu — conforme já vimos antes —,
a solução mágica para Os seus problemas concretos. que era um auxiliar na África, cresceu no Brasil como um simbolo
Esta dupla função deve-se, de um lado, à necessidade dessas ca- libertador. É que o símbolo de Exu, conforme já analisamos, tem uma
madas se organizarem para se autodefenderem, mas, de outro, às li- representatividade libertária muito maior no contexto social brasilei-
mituções estruturais de toda a ideologia religiosa incapaz de abrir ro do que muitos orixás importantes no panteão africano. Por outro
caminho cognitivo até a perspectiva dinâmico/radical. lado, outros orixás passaram no Brasil a simbolizar proteção a ativi-
Tem razão, por isto, F. Engels quando escreve que! dades populares como Ogum, patrono das artes manuais, Ou à exer-
1H O MEGHO COMO GRU) ESPECIENO CM) DIFRENCIADO EM UMA SM LERDADE
FATORES DE RESISTÊNCIA mM

"rece
cer profissões tidas como preservatórias da vida, como Omulu, que
contradições intra e intergrupais e com a sociedade competitiva ubran-
passou a ser “o médico dos pobres” *

ar
gente, aceitando-se por isto, como seu elemento transformador ape-
A barragem da sociedade compaitiva à interação social do ne-
nas a conservação (maior ou menor) da sua herança cultura! africana,
gro escravo € posteriormente livre causou — ao lado do traumatismo
Em outras palavras: são folciorizados.
da escravidão — a necessidade dele, wando elementos religiosos, ar-
Por que certos traços das culturas africanas desaparecem — in-
tísticos ou organizacionais, tribais, se conservar organizado, não sendo
sistimos em indagar — enquanto outros permanecem na sociedade
destruído, assim, pelo processo de marginalização em curso. Tudo
brasileira, especialmente nos contingentes populacionais mais prole-
ou quase tudo que o negro escravo fez no Brasil, usando elementos
tarizados? Esta pergunta deverá levar-nos a um nível de análise mais
das sums culturas matrizes, objetivavs a um fim sockal; preservar o
elevado do assunto, saindo-se daquele, para nós já superado, de vê-
escravo e posteriormente o ex-escravodo conjunto de forças opresst-
lo através de fatores mais importantes no processo de troca (''dar e
vas existentes contra eles, Isto se realim através da criação de valores
tomar”) entre as culturas implantadas « as receptoras, como quer à
sociais de sobrevivência ou auto-afirmação capazes de municiá-los de
antropologia tradicional, Há outras causas muito mais relevantes que
elementos ideológicos e sociopsicológicos aptos a se contraporem aos
não foram levadas em conta, fato que poderá deformar a interpreta-
dus classes dominantes < segmentos branços racistas,
ção do fenômeno. Uma dessas causas é, exatamente, o nível de inte-
A área de tensão, ou melhor, as áreas de tensões c a insuficiente
gração na nova sociedade dos clementos transplantados. Desta
franja de interação permitida ao elemento negro e não-branco no Bra-
primeira análise decorrerá a compreensão da função social dos ele-
sil, Que os colocam em um espaço social muito restrito, sem possibili-
mentos dessas culturas no novo habitat. *
dades de se integrarem socialmente através da mobilidade vertical em
No caso brasileiro, temos o exemplo da religião maometana que
massa, leva-os & se preservar agrupando-se, isolada ou semi-isola-
veio para à Brasil com os negros islamizados e os scus membros usa-
damente, embora em diversos níveis de contato com à sociedade
ram os seus elementos explicativos do mundo, sua cosmovisão, co-
global.
mo força social de união dos escravos contra o cstatuto da escravidão
Foi, assim, realizado um processo de reclaboração dos valores
que os oprimia, Reuniam-se em candomblés de outras nações, no sen-
africanos anteriores, a fim de que eles exercessem uma função dialé-
tido de criarem uma unidade de pensamento necessária à dinamiza-
tica dentro do novo contexto no qual se encontravam: em estado de
ção organizacional e à motivação ideológica indispensáveis no êxito
inferiorização quase absoluta, Vemos, por aí, que eles se organiza-
dessas revoltas,
vam, formavam grupos (ou segmentos) específicos, mantinham-se €
Escreve Vivaldo da Costa Lima:
ainda se mantêm em grupos comunitários que os unem através da hie-
rarquização intragrupal, conservando-os ligados às fontes matrizes O processo “aculturativo” entre 08 naçós o jojes so deve ter acentua.
que lhes servem de embasamento ideológico de compensação, dona Bahia pelo começo do século XIX em movimentos de resistência
antlescravista, Os candombiés eram, no começo do século passado,
Este aspecto do problema é que nos pareçe pouco estudado e
centros de reunião da nagós mais ou manos islamizados que aqui vi-
pesquisado pelos sociólogos, antropólogos g clentistas sociais brasi- viam, Como jejos, hauças, grumclis, tapas e os deecendentes dos con-
leiros em geral, Isto possivelmente se deva ao fato de que nas áreas gos e angolas que há multo não eram trazidos da costa. **
em que os estudos africanistas € afro-brasileiros se desenvolvem com
maior intensidade (especialmente Bahia e Pernambuco) a fricção en- Isto mostra como, em determinados momentos é diante de po-
tre as diversas camadas que compõem a sociedade abrangente não tençialidades deflagradas pela dinâmica social antinômica, esses gru-
se tenha desenvolvido com muita agudeza, levando isto a que não se pos específicos negros, depois de formados, não perdem a interação
considere de maior relevância o papel social desses grupos especifi- com a sociedade inclusiva e mantêm, com ela, uma fricção ideológi-
ca permanente, que varia de grau, de acordo com o respectivo nível
cos. Isto conduz à que se passe a ver o candomblé e outros grupos
de antagonismo social. Mas, por outro lado, a superioridade econá-
especificos, principalmente religioso de negros, mulatos e mestiços em
mica, cultural c política das classes dominantes e dos seus aparelhos
geral dentro de uma redoma parada, sem dinamismo interno, sem
de poder no particular, penetra cada vez mais nesses grupos, os quais,
ad ads.
| qt
| Me O MEGRO COMO GRUPO EPROÍNICO OU DIFEREM LADO EM UMA SOCIEDADE...
FATORES DE RESISTÊNCIA

|
| depois de um circuito vita] muitas vezes ongo, entram er processo cas para combater-se as forças coatoras e profanas da sociedade branca
| de degenerescência, isto é, de integração ideológica com a sociedade que, através do seu aparelho de repressão, combatia o mundo mági-
I
global. Vão, assim, perdendo a sua especficidade. AO mesmo tempo co dos negros? Será que atualmente os chefes de terreiros, 80 verem
que tal fenômeno acontece, em outros niveis, diversos outros grupos institucionalizadas as suas casas, não perderam muito do papel todo-
específicos se formam e articulam, frutos te outras contradições, é re- poderoso de sacerdotes, passando a ser encarados como meros admi-
começam o ciclo. É uma interdependência/intermitência dialética e por nistradores das casas de culto? São perguntas que somente poderão
isto mesmo contraditória que se verifica mtre esses grupos e à socie- ser respondidas após pesquisas que objetivem esclarecer o assunto.
dade competitiva que procura, ao marginslizá-los socialmente, desor- Pelo menos em São Paulo, segundo nossas pesquisas, os candomblés
ganizando ou branqueando esses grupos, tirar-lhes o seu papel de e tendas de umbanda, ao se registrarem na Delegacia de Costumes
resistência e transformá-los em apêndices das classes dominantes. € serem obrigados a preparar atas, levar relatórios periódicos das suas
Há um intercruzamento de valores entre esses grupos negros e atividades, listas de sócios, etc. sofrem um desgaste de prestígio, no
a sociedade branca, terminando, quase sempre, ou pela sua dissolu- plano simbólico, muito grande e bastante visível, Muitas vezes, co-
ção, ou por um processo de subordinação desses grupos, econômica, mo vimos, por exemplo, no Candomblé Afro-Brasileiro de Ogum,
ideológica e cultural, aos estratos dominantes da sociedade. Acresce da mãe-de-santo Elizabeth, em São Miguel, eles não têm condições
notar que, nesse processo, muitos membros dos grupos especificos intelectuais e burocráticas para cumprir essas exigências. Recorrem,
em processo de desintegração ou branguesmento se destacam exigin- por isto, muitas vezes, a elementos de fora do candomblé — para à
do a manutenção dos antigos valores negros, travando-se uma luta execução dessas tarefas — que passam a ter uma importância tão gran-
intrágrupal muitas vezes intensa, de como à do pai-de-santo, no terreiro. Isto não teria influência na
Até que ponto as instituições e grupos de pressão da sociedade estrutura do terreiro e no prestígio do sacerdote? Será que a divisão
global exercem influência sobre esses grupos específicos negros e até nesses terreiros entre o sagrado « o profano é tão rígida que os sacer-
que ponto eles resistem como podem? Isto é assunto para pesquisas dotes permanecem com o mesmo prestígio apesar dessa interferên-
que mostrarão, em cada caso particular, como os negros nessa situa- cia? Não haverá uma diminuição de prestígio da mãe-de-santo que,
ção usaram os seus valores culturais de origem para se fecharem e/ou por exemplo, não recorre mais a rituais mágicos e ao recurso da ile-
resistirem, Por outro lado, há a tendência, cada vez maior, das és- galidade para funcionar, mas sujeita-se a todos os preconceitos exigi-
truturas de poder exigirem a institucionalização desses grupos — es- dos pelas autoridades como maneira de poder exercer as suas funções
pecialmente os religiosos -— através de medidas reguladoras é fiscali- sagradas? E os qrixás com a sua força onde estão? E a força mágica
zadoras. Até que ponto essa constelação de forças compressoras e de- do terreiro e da sua chefia espiritual onde está? ?*
sintegrativas contribui para a destruição ou degradação da função de A primeira vez que, em São Carlos, interior de São Paulo, fo-
resistência social é cultural desses grupos, modificando-lhes, inclusi- mos 2o Centro de Umbanda Caboclo Viramundo, encontramos, ini-
ve, O papel? Até que ponto essas medidas não atingem q prestígio cialmente, certa resistência do seu chefe, Geraldo. Depois dos pri-
dos seus dirigentes nos grupos religiosos: candomblés, tendas de um- meiros contatos, porém, ele nos informou que a sua tenda era a mais
banda, etc.? Os status de prestígio dos seus dirigentes até que ponto antiga daquela cidade, funcionando há vinte anos, Apesar da tenda
são afetados internamente por terem de obedecer a essas exigên- ser frequentada predominantemente por pretos « mulatos, ele se mos-
cias? As medidas fiscalizadoras — licenças, alvarás, etc. — não aba- trava orgulhoso da “segurança”* que podia oferecer aos seus freqiien-
larão o mundo mágico do candomblé? Os status de prestígio dos pais tadores e visitantes. Mas, não era pela sua força do sacerdote ou pelo
e mães-de-santo não teriam diminuído com a interferência regulari- poder mágico dos cantos do Centro. Chamou-nos ao lado é nos in-
zadora por parte das instituições da sociedade de classe? Ou não? Se- formou que podíamos frequentar o terreiro com tranquilidade por-
rá que a repressão policial, como havia antigamente, não era um que ele era muito amigo de inúmeros policiais, tendo garantida, por
elemento que produzia a solidariedade grupal? Será que a própria ma- isto, à sua tranquilidade. Afirmou-nos, ainda, que muitos policiais
gia não se consolidava à medida que eram necessárias medidas mági- o frequentavam, necessitando dos seus serviços.
to O NECIO COMO GRUPO ESPECIFICO OU INFERENCIADO PM LUMA SOGIEDADE.. UM EXEMPLO DE DEGRADAÇÃO 14)

Isto que ele nos confidenciou não podera abalar a confiança Edison Carneiro, analisando a sua origem, escreve acertadamen-
ca fé dos seus freqlientadores? E não estará 4 um dos motivos da te que:
força de Exu no movimento quimbandista não-institucionalizado €
todas essas escolas, durante o carnaval, costumavam "descer o mor
perseguido? ro" à fim do tazer evoluções na Praça Onze, cantando sambas alusi
vos a acontecimentos nacionais ou locals, no domingo e na terça-feira
gorda. Os grupos tinham, naturalmante, no comaço, uma unidade pre-
cária — as mulheres protsriam fantasiar-se de baianas, 08 homens tra
javam pijamas de Ustras, macacões ou camisas de malandros, O chapéu
6. Um exemplo O nascimento, desenvovimento e decadência de palha caído sobre os olhos, sem ordem nem lei, 2
de degradação das escolss de samba cariocas devem ser es-
tudados vendo-as como grupos específicas de Simbolicamente sem ordem nem hei. Eram, assim, 05 valores ne-
resistência negra, que foram, paulatinamente, através de uma inje- gros — do negro marginalizado — que saíam das áreas de marginali-
ção de valores brancos no seu centro (so pedirem a consciência de zação e miséria « se integravam, durante a festa, na coletividade,
sua especificidade) transformados, apenas, em grupos diferenciados. voltavam ao centro do sistema, adquiriam, de modo simbólico, o sta-
tus negado. Como vemos, alegoricamente, era a dominação da cida-
Os moradores dos morros, desde o fim da escravidão, criaram
inúmeros grupos que se organizavam em vários mvets, objetivando fins de pelos habitantes do morro, através da sua organização e da sua
contraçultura.
diversos. Dentro da situação social concreta em que se encontrava, que
era o da marginalidade, o negro do morro, favelado, tinha de organizar- Era o morro, a marginalidade, a miséria periférica e não vista
se para que, dentro da situação que lhe impuseram, pudesse sobrevi-
pelo centro deliberante durante todo o ano, que vinha ocupar a área
branca decisória e a dominava simbolicamente, Ocupava Os seus es-
ver e praticar uma série de atividades que o preservariam de um estado
paços e impunha a sua presença. Todos aqueles que olhavam o negro
de anomia total. Desta forma, a música popular do morro, o samba,
do morro como desordeiro, viam-no organizado; os que o tinham co-
com vistas a uma festa do asfalto (0 carnaval), serviu de elemento aglu-
mo analfabecro e ignorante, ouviam c aceitavam os seus sambas-
tinador para que à escola de samba se organizasse. Tendo, Inicialmen- enredo. Finalmente, ele, através da organização que lhe custara sa-
te, a função de lazer ”, ela criou pólos dinamizadores em diversos crifíçio, dinheiro, tempo e paciência, dominava a metrópole. Por ou-
segmentos de moradores do morro, fazendo entrar em um processo
tro lado, as instituições ou órgãos que o oprimiam e/ou perseguiam
de participação como grupo específico. Formou-se, assim, um grupo no morro agora estavam ao seu serviço; a mesma polícia que prendia
hicrarquizado €, ao mesmo tempo, grupos de trabalho a ele subordi- abria alas para que a escola desfilasse,
nados — desenhistas, costureiras, decoradores e músicos — cujas ati- O carnaval cra, assim, soclologicamente, uma festa de integra-
vidades estavam centradas na escola de samba. Do ponto de vista da ção, mas, especialmente, de um ponto de vista mais analítico, um ato
hierarquia interna, surgiu O mestre-sala, a porta-estandarte ctc., que de suto-afirmação negra. Nesses dias, O branco era repelido, são cle.
adquiriram status específico dentro da organização. Além disto, elas Era ridicularizado porque não sabia sambar. O proibido (discrimina-
surgiam como ato de afirmação de uma contracultura que se opunha do) de desfilar na escola de samba. Naqueles quatro dias, quando as
à das elites e que representava, através dos sambas-enredo, da coreo- escolas de samba estavam no esplendor da sua autenticidade e con-
grafia, das alegorias, de forma simbólica, os valores do morro que des- servavam, por isto, a sua especificidade, as situações se invertiam,
filavam durante o carnaval! na cidade brança. eo negro do morro, o favelado, o perseguido pela polícia, tinha, em-
Todos esses elementos conjugados levaram a que se criasse um bora apenas simbolicamente, um status completamente diferente den-
espírito de grupo competitivo entre as diversas escolas é uma conse» tro de estrutura da escola, daquele que ele desempenhava fora, Quem
quente auto-afirmação negra nessa competição. Assim, O morro se fazia a seleção cra ele « não o branco: “Quando branco entra na es-
apresentava no asfalto. Os figurantes das diversas escolas, durante cola estraga tudo”, diziam, Os valores sociais e culturais se invertiam
o carnaval, ao desfilarens, realizavam cafarticamente o seu deseio de e o negro era q dominador e não o dominado, o seletor e não o dis-
participação social, de integrar-se e dominar a cidade branca, criminado, Tinha o poder simbólico da cidade durante quatro dias.
UM EXEMPLO DE DEGRADAÇÃO Ms
téá O NEGRO COMO GRUPO ESPECIFICO OXIDIFBRENCIADO EM UMA SOCIEDADE. .

Do ponto de vista organizaconal, a escola de samba represen- industrializado, manipulado pelo circuito capitalista, mas, também,
tava à forma através da qual o mgro e as populações não-brancas nas próprias normas de conduta, nos objetivos dos seus organizado-
marginalizadas se defendiam da sea situação de quem vive ao nível res, de grande número dos seus participantes e na sua própria subi-
quase extremo de simples preservação biológica, sem nenhuma pos- deologia.
sibilidade de integração social. Assim, aqueles motivas sociopsicológicos que deram dinamis-
Do ponto de vista cultural mais gera!, s escola de samba surgiu mo interno e capacidade organizacional às antigas escolas foram subs-
no momento em que a sociedade ixasiléira fazia uma revisão dos seus tituídos por uma burocracia profissional oportunista, ligada, por
valores, procurava rever posições culturais e políticas em consequên- necessidade de manter o colossalismo antipopular exigido pelos mass
cia de uma séric de conflitos estrutarais já bastante estudados. A Se- media e instituições governamentais, às estruturas de poder ou grupos.
mana de Arte Moderna, de São Faulo, é de 1922 € realizou-se no Retratando muito bem este processo de decadência e distancia-
Teatro Municipal. As primeiras escolas de samba começam também mento dos seus objetivos iniciais, assim falou Candeia, compositor
na década de vinte, nos morros de favelados cariocas. Não é uma coin- da Portela:
citência, é uma convergência e ao mesmo tempo uma dissidência. En- No Início esta invasão (brence) de certa forma era controlada. Mas om
quanto a cultura dominante se auto-afirmava no modernismo, pro- bro que a Mangueira só permitia que o pessoal que não fosso da esco-
curando suprir o descompasso entre a realidade e a cultura das elites, ta entrasse nb quadra após 4 melsnoiio, porque a»tas era onsmio
a cultura popular, plebéia, não-insútucional, não-acadêmica ou sim- mesmo, visando o desfile. Depois, ficou incontrolável
plesmente renovadora do próprio código libertário tradicional, pu- E prossegue no seu depoimento:
nha na rua as escolas de samba, num transbordamento do negro do
Principalmente porque quem pagava o ensaio se achava no direito de
morro, pois ele já não se continha mais nos seus grupos específicos
participar e o ensalo da escola acabou virando dallo da carnaval. Hoje
religiosos costumeiros, ou nos pequenos cordões ou ranchos carna- mestre-escola, porta-bandeira já não ensalam, porque a quadra toi in-
valescos, Vinha para o asfalto exibir a sua contracultura. vadida por gente que não tam nada que ver com o samba, não sabe
O negro, desta forma, não via o carnaval como uma simples sambar e na quadra já não se samba mais, Nem na Avenida.
festa, como o branco o vê. Era, de certa maneira, o momento mais Concluindo, Candeia afirma:
importante da sua vida, do ponto de vista de auto-afirmação social,
cultural € étnica, As alegorias atuais representam uma falsa cultura, são feitas por gen
te da fora, profissionais. Acho que as alegorias de uma escola devem
Estas são — segundo pensamos — as causas mais relevantes que
ser rapresantativas de uma cullura própria. obrigatória do afro e do In-
deram uma vitalidade tão grande às escolas de samba. Por outro la- digena O bamoco sofisticado não tem nada que vor com escola de sam
do, a sociedade branca sentiu essa potencialidade organizacional e cul- ba a precisa sor eliminado, Me lambro do tampo em que as alegorias
tural do negro através das escolas de samba, e, concomitantemente, da Portela oram feitas por Lino Maciel dos Santos, que é carpinteiro,
a necessidade de transformá-las em complementos do carnaval ofl- o por Joacir, quo é pedreiro. Isso Gim, é que é válido, Bacana 6 0 oriou-
to do morto criar o seu primeiro desfila, sua própria arte. As fantasias
cial, tradicional, convencional, colocando-as como simples objetos precisam ser menos iuxuosas e mais autênticas, também feitas pelo
dessa dinâmica, em última instância: folclorizando-as. Objetivando pessoa! da escola, ”
isto, iniciou um processo de corrupção através de formas sutis de ins-
titucionalização, fazendo-as, hoje em dia, simples atração turística Mas, apesar dessa luta ideológica intragrupal o processo de de-
para estrangeiros « a grande burguesia nativa, pois até a pequena bur- gradação das escolas de samba segue um ritmo avassalador, O Esce
guesia « à massa operária dos subúrbios cariocas não têm mais con- processo de degradação dos seus valores iniciais veio transformá-las
dições de vê-las desfilar. em grupos diferenciados pela sociedade global, A luta interna entre
Desaparecido o conteúdo que lhes deu vitalidade, elas passaram elementos “conservadores” — tão bem retratada por Candeia — &
por um processo de branqueamento social e ideológico não apenas aqueles que assimilaram a ideologia dos estratos deliberantes « que
na sua apresentação que descambou no colossatismo quantitativo e aliam essa ideologia à obtenção e compensações materiais mostra
té O NEGRO COMO GRUPO ESPECÍFICO OU DIFERENCIADO BM UMA VOCE DADE NOTAS E REFERÊNCIAS BLBLIDORÁFICAS — p47

como esses grupos inferiorizados, marcadosernicamente, que chegam de antropólogo que se destacou pelo esforço de subordinar as conclusões
a ser específicos sc, em determinado momesto, não assimilarem uma da antropologia aos interesses do Império Britânico, temando aplicar essa
ideologia dinâmico/radical totalizadora, teadem, mais cedo ou mais ciência à administração das populações nativas subordinadas ao colonia
Hismo inglês: ''Hesito em usar o termo função que nos últimos anos tem
tarde, a serem envolvidos pela sociedade capitalista abrangente que
sido tantas vezes usado numa infinidade de sentidos, muitos dos quais bas-
os coloca a serviço dos seus Interesses. A Wajetória histórico-social tante vagos. Em lugar de ser usado para auxiltar & fazer distinções, como
da organização do negro nas escolas de samba vai desaparecendo por cabe aos termos científicos, é usado agora para confundir coisas que de-
força de uma manipulação, de fora para datro, de elementos estra- viam ser distinguidas. Porque ele tem sido empregado, muitas vezes, em
nhos ao mundo negro que as criou, lugar de palavras bastante comuns como “uso”, 'fimalidado « “significa-
Além desses fatores básicos de degensrescência, outros surgi- ção”. Parece scr mais sensato e conveniente, assim como muis científico,
ram em níveis menos relevantes, como, por exemplo, s sua utilização falar do uso ou dos usos de um machado ou estaca de cavar; o significado
de uma palavra ou simbolo; o fim de um ato de legislação, em lugar de
por artistas de rádio e TV, empresários, donos de shows, políticos, usar a palavra função para estas coisas diversas. "Função" é um termo téc-
contraventores, pregadores religiosos e outras pessoas ou grupos que nico banante útl em filosofia e, por analogia, O seu uso nessa ciência serla
procuram tirar proveito artístico, comercial, publicitário, religioso ou um meio muito conveniente de expressar um importante conceito em cién-
político das escolas. cia social. Segundo Durkheim e outros, eu defino a função social como
Escrevem, neste sentido, Francisco Vasconcelos e Mário Pedra: modo de agir soçialmeme padronizado, ou medo de pensar em sua rela-
ção à estrutura social, para cuja existência e continuidade contribui, Ana-
E os donos da bola, outroca perseguidos «e smesquinhados, incharam logicamente, num organismo vivo, a função fisiológica da batida do cora-
de vaidade, ao verem seus barracos, agora ranaformados em palácios, qão ou da secreção dos sucos gástricos É a sua relação à estrutura orgânica
sarem procurados com tanta Insistância por aquelas figuras de pros cuja existência e continuidade contribui. É neste sentido que lido com col-
de rádio, tevê, show, toatro, até por misses lá no ostracismo, mas sem- sas tais como à função social dz punição do crime ou a função social dos
pre misses, por pintoras, arquitetos, escultores « mesmo historiado- ritos funerais dos Uhéus de Andanan”, (RaDCLIFrE-BROWN. Sobre estru-
res de nomesda, que aparecem parscendo que vém dar mais brilho € tura social, Sociologia, São Paulo, 4 (3); 229, 1942.)
projeção às agremiações, zelando até pelo seu patrimônio cultural, SxipmMoRE, Thomas E, O negro no Brasil e nos Estados Unidos. Argumen-
quando, na verdade, vêm em busca de grossa publicidade gratuita, to, São Paulo, 1 (1): 25 ei seq,, 974.
multas vezos atá romuncrada, contrariando todas essas regras do na-
Sobre as instituições paralelas nos Estados Unidos ver Eariy negro writing

-
gócio e. o que é pior, propositadamente ou não, contribuindo acelera-
(1760-1837), selected aad introduced by Dorothy Porter, Beacon Press,
damenta para o desvirlusmento do verdadairo samba. **
1971, Através deste livro de textos podemos ver o nível de organização €
Outras razões que não 1êm nada & ver com as motivações socio- dinamismo dessas instituições paralelas megras nos Estados Unidos duran-
psicológicas c culturais que fizeram nascer as escolas de samba cario- te a escravidão.
RaMos, Arthur. O espirito associativo do negro brasileiro, Revista do Ar-

-
cas estão transformando-as, paulatinamente, em apêndices da Rio-
tur, € Os negros estão sendo transformados, novamente, em objeros quivo Municipal, São Paulo, 47 (4): 105.22,
Esse comitê formou-se na onda da chamada redemocratização de 1945,
“o
para divertimento do branco, Perdida aquela Função inicial de auto-
O negro continuou se organizando, destacando-se entre essas organizações
afirmação do negro do morro, foram as escolas de samba transfor- paralelas a Associação Cultural do Negro, em São Paulo, O golpe militar
madas em simples segmentos diferenciados, subalternizados a todos de 164, por scu tumo, cragmatizou essas organizações, assim como todo
os esquemas e imposições institucionais, simples componentes do pro- o movimento democrático « popular do Brasil, Significativamente, o últi-
grama oficial da cidade do Rio de Janeiro. mo jornal da imprensa negra regular encerra suas atividades no ano do
golpe. Depois disto, os grupos negros tiveram dificuldades cada vez maio-
res, uté quando, em 1978, deram uma virada radical « articularam um mto
contra a discriminação racial nas escudarias do Teatro Municipal de São
Paulo, quando foi criado o Movimento Negro Unificado Contra a Discri-
Notas e referências bibliográficas minação Racial. Mas, durante a ditadura, nenhum grupo específico negro
teve acesso aos órgãos governamentais, especialmente para expor e pro-
* Sobre o que entendemos por função fizermos nossas as seguintes palavras testar contra à violência policial, discriminação racial e perseguição pura
de Radeliffe-Brown, embora discordando completamente da sua posição e simples dos órgãos de repressão pelo motivo único do cidadão ser negro,
WIBARS|A EU “SEIS 9 SEMUIQUOS SAQÍPM PUTO: Sp Eistnbios vpad eim em 'refed seprSo dus 3 'somasES SOSAISS SOp SJmotjeossad uresmánco as 2nb
UIpANquadinS 35 'sOpuigareds mysse 'o *feJOU 3 [enpafajur spaaja sou ogá “GEPEISELIT BO SEPESEO SEJOSUIS OJPUNU 9 OU EEPNToUE SESNSPUOP SW
“RAD E MNÃoSUOO EIBÁ SIEISOIVAI SOGINSOL ANÍURITE Sp OFAU O RIfUQUOSS “PA 35 ONIOS ESPÍIUINT SIQILIJOL,, :OFOPQAO AM GESA "OPUM|UOO “andxiET]
OUSUZAST EU URIA OdRIÊ OD esaf so anb 37 "sopeniazfe sop ossalgo "1 SEMISPULOP “OT SIJURIAQUIE SEXOPIPUIA 19 SMSTPOU :sOpeinsas sautnf
OOfUM O OPS 98824 qm) amb Jmpuc somapod opu "sima sogóppuos sar “95 SO JADIÇO FIQLITIOLA SH OJUNNT) "MQUIOPUVS OP RJ0J BIpUIQUOD 9 [HOS
“OLL 3p OESUSMGO E trt SCINLQUOD SOjIAdSE SO aSSEZIESO) OPÍEROSSY ORSENHS WS E JEILJNU9P| OpUBANHGO “JOpeAES Ui» “OWA ouuatug op
vp empsdosd O anb npure “GIO 'SEIjuNgÕOS sonómpuos Essonpots dp w ojurs-9p-seg|y esuonenh mos esnbead GL 723 ONMLIRS LOMPA “EG! WA ,
-smbuos É “OuBjá Oajouasad usa 'eIa (SOXBSU Sp CESBIOSSE EM E 35-033733) "sosnfpadsa sou pIONSP
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1» O MEGRO COMO GRUPO NSPECÍFICO OH DIFERENCIADO EM LIMA SOLTEDADE, NOTAS E REFERÊNCIAS HINLIGONÁSICAS 144

também a elevação do nível moral € intóecrual do preto, cuidando Sa ims- enfeitados que, a passo lento, movia-se alegre c ruidosamente rumo ao
trução, da educação e do desenvolvimento dn consciência de cor. Bonfim.
Segundo os dados colhidos, a 'Assocação dos Negros! teve como pro- Abriam O préstito em que predominavam motivos regionais, sugeridos
pósito reunir os pretos a fim de preparálos para Jstar contra os otstácu- peia tradição, alguns caminhões cheios de populares c enfeitados de plan-
los à ascensão social em conseguência da cor"", (BICUDO, Virginia Leoni. tas nativas. Em seguida, uma banda de música da Força Policial, execu-
Atitudes raciais de pretos e mulatosem São Paulo. Sociologia, São Paulo, tando marchas e, após, cm ordem, carroças adornadas de verde e umarcio
9 (3): MD, 1947.) e cavaleiros vindos dos subúrbios com animais vistosamente ajuczados, um
grupo de queimadeiros, ostentando palmas de liçuri « formados em colu-
2 RopRiGuEs, Nina. O animismo fetichist dos negros baianos. Rio de Ja-
nas por quatro filhas-de-santo do terreiro de Jodozinho da Goméia, le-
neiro, Clvilização Brasileira, 1935. p. 387.
vando à cabeça potes e quartilhas com flores, Finalmente, cerca de dez
D Idem, Ibidem, p, 194. caminhões cheios de povo que sambava, cantando músicas de carnaval o
Cf, Orr, Cutos. A transformação do culto da morte da Igreia do Bon- como advertência... a carrocinha da Secretaria da Segurança Pública, al-
fim em santuário de fertilidade. Afro-Ásta, Salvador, (8/9): 35 e: seg., guns ônibus e povo. (...) Em uma carroça, enfeitadas de verde e amarelo,
jun./dez., 1969. viam-se recortes de cartolina representando apetrechos e peças do Exérci-
15 Idem, Ibidem. to Nacional, glorificando, assim, numa manifestação espontânea da alma
1 Cr. Orr, Carios. Loc. cit. Para termos uma visão do aproveitamento do popular (o) Continuam com esplendor e com a presença números de fiéis
prestígio da festa do Bonfim pela sociedade global o seus estratos delibe- caca vez maior, enchendo o majestoso temploe com todas as tríbunas ocu-
antes, vamos transcrever trecho de novcia de jornal baiano, noticiando padas, às novenas em louvor no Senhor de Bonfim que domina a cidade
do alto da sua colina. Do púlpito, vários oradores têm se estendido sobre
como transcorreu à lavagem em um periodo crítico para a sociedade bra-
a significação do culto, dos milagres e das graças alcançadas (...) Por tudo
siletra no seu conjunto, Isto é, durante a participação do Brasil na Segur-
nota-se que a ulma confiante da Bahia não é indiferente na compreensão
da Guerra Mundial. Havia, em todas as camadas e grupos sociais brasilet-
e na confiança ao amor de Deus para que nos dê a paz tão slmejada na
os -— com exceção daquela minoria que se beneficiava economicamente bora presente". (A Tarde, Salvador, 20 dez. 1944.)
com o conflito —, uma ansiedade profunda que se manifestava em um
Como se vê, nos momentos em que há crise de confiança no futuro e
desejo básico; a volta à paz. Pois bem: 45 comemorações dos festejos do de dúvida no presente, o baiano abandona à pureza do catolicismo tradi-
Bonfim e a lavagem da Igreja, até pouco antes proibida pelas autoridades cional, ortodoxo, puro, apelando para a festa do Bonfim, que nada mais
eclesiásticas, foram realizadas direcionadas para a realização deste desejo é do que uma manifestação pública das religiões oprimidas frente sos es-
latente ou munifesto de quase todos os brasileiros, especialmente baianos, tratos deliberantes, estruturas de poder e órgãos de repressão com um con
Essas pessoas e grupos incorporaram subjetivamente a imagem e o ritual teúdo simbólico de protesto e poder.
do lavagem, até então denunciado como pagão, ao imperante desejo de
paz. Vejamos como o mais tradicional órgão de comunicação escrita baia-
1º BRANDÃO, Cieraldo. Notas sobre a dança de São Gonçalo de Amarante,
São Paulo, 1952, p. 41,
no noticiou o acontecimento; “Fez-se hoje a lavagem do Bonfim”, uma
das partes da muior festa religiosa da Bahia, Por muitos anos deixara clu HÉ Cf, LANTERNARI, Vittorio. As religiões dos oprimidos, São Paulo, Pers-
de se realizar, voltando porém, ultimamente, a efetuar-se com grande en- pectiva, 1974. p. 212. Aliás, este excelente e penetrante trabalho de Lan-
tusiúsmo, embora sem os excessos que haviam determinado a sua suspen-
ternari abre novas perspectivas para compreender-se à função social dos
são (...) Anunciando a próxima partida do cortejo para a Invagem do Bon- cultos das populações oprimidas pelo colonialismo, recolocando o proble-
fim, às $ horas houve uma alvorada na Praça Municipal, ouvindo-se uma
ma desses movimentos proféticos e messiânicos do mundo colonial dentro
de novos padrões de análise. Fugindo ao rebarbativo e esotérico da socio-
estrideme clarinada, seguida de uma salva de morteiros. logia acadêmica, Lanternari coloca-nos frente a [rente com os mecanis-
Desde pouco depois da 7 horas começou à afluência ao Largo da Con-
mos opressores as formas ideológicas encontradas pelas populações oprl-
ceição da Praia, dos devotos e curiosos que concorreram, todos os anos,
midas para enfrentar & situação.
para u sradicional Javagem,
Gemte de todas 94 cores e condições, movida pelo intuito de participar 1º Exa pelo menos como os tratava o Caboclo Call, todas as vezes que des.
da romaria, que encheu pouco à pouco O vasto espaço da praça. Foram ciu no Centro Cabocio Viramundo, em São Paulo, quando & eles se refe-
chegando ulegorius singelas, sobre carroças e caminhões enfeltndos, bur- ria: “Lsso é coisa que burro da terra pode curar”,
ricos carregados com barris de água, “baianas” ricamente vestidas, 20 Cr, Rego JR., José Pires et alii. Atendimento médico de um subúrbio de
Às nove horas formou-se o cortejo que desfilou do Largo da Concel- Belém. Revista do Universiciade Federal do Pará, 1 (1): 46), série 1), 2º
ção até a Igreja do Bonfim. U'a multidão formada por alguns milha- semestre de 1971.
res de pessoas cercava a comprida fila de carroças, caminhões q animais * Loc, cit., p. 476.
sao
182 O NDORO COMO GUUPO ESPECÍFICO GA EIPIRESICI ADO MS LUMA SC EBDADE
IKITAS E REFERÊNCIAS BIBI JOGRÁRICAS 143

2 Loc. cit., p. 476, ser representado de diversas formas. Em «


ncia, 1

si ço.
“* Jornal da Turde, São Paulo, 29 nov, 1974. do, o Exu pagão e os Exus batizados pele e
bear dada e
* “Embora não seja exatamente um orixá, Em pode manifestar-se como convencional nas giras e, de outro, a sua diversificaç
ão mais acentuada
um orixá. Neste caso, porém, não se diz que1 pessoa é filha de Exu, mas Surge, também, a Pombagira, que configura, por
de libertação sexual e social da mulher reprim
seu fumo, um simbolo
tem um corrego de Exu, usa obrigação para om ele por toda a vida. Esse ida. Assim como nas reli-
carrego se entrega a Oguniá, um Ogum que nora com Oxosse « Exu é s* Bla mais difundidas do Ocidente, especialment
e o cristianismo, à medi-
que uma das suas divindades adquire maior

NR
alimenta de comida crua, para que não romeconta da pessoa. Se, apesar prestígio no panteão
disto, se manifestar, Exu pode dançar no casdomblé, mas não em melo diferencia-se, diversifica-se, Na umbanda e especi

0
-
almente na quimbanda
£0s demais orixás. Isto aconteceu, certa vez, ro candomblé do Tumba Ju- O mesmo processo se verifica. Jesus Cristo difere
nciou-se no catolicismo
cara (Ciriáco), no Bêiru: a filha dançava jogando-se no chão, com os ca- em diversas personalidades = Coração de Jesus,
Bom Jesus da Lapa, Se-
belos despenteados e os vestidos sujos. A manifestação tem, parece, cará- nhor do Bonfim, Bom Jesus dos Navegantes e
inúmeros
ter de provação. Este caso do candomblé de Ciriáco é o único dz que te- passos pelo mesmo processo, adquirindo vários nomes: outros — e Maria
Nossa Senhora des
nho notícia acerca do aparecimento de Exu vos candomblés da Bahia,” Dores, Nossa Senhora da Boa Morte, Nossa
Senhora do Perpétuo Socor-
(CARNEIRO, Êdison, Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro, Conquista, ro, Nossa Senhor a Aparecida e muitas Outras, todas com Os scus
especiais, Na quimbanda, O mesmo fenômeno devotos
1961. p. 83.) ” se verificou. Exu passou a
Como vemos pelo depoimento de Cameirs, O caso é raríssimo e O seu ter
diversas designações: Exu Sete Caminhos, Exu
Batará, Exu Buzanini
excepcionalismo serve para corroborar o que estamos afirmando, Exu Tranca Mata, Exu Tranca Rua, Exu Caveir
a etc. Além disto, há o
O esclarecimento é necessário porque não são apenas adeptos dos can-
ZA Pilintra que é um Exu já com forma de brasileiro: é reproduzido, não
domblés, mas mesmo antropólogos que chegam a confundir Exu com um por um fetiche, mas de terno branco, gravata vermel
branco e um livro nos pés. Esse processo de
ha, chapéu também
orixá, É, por exemplo, o caso do próprio Arthur Ramos, incontestavel- diferenciação e, ao mesmo
tempo, de ampliação das áreas e níveis do poder
mente um dos maiores pesquisadores sobre o problema da etnografia reil- de Exu, está continuan-
ao sra com que cm muitas tendas de
giosa do negro brasileiro, Diz ele; “Exu é ouro orixá. É o representante umbanda o poder da quimban-
raiado aa am à penetrar no recinto Já branqueado e institu
das potências contrárias ao homem. Os afro-brasileiros assimilaram-no ao cio-
demônio dos católicos; mas, O que é imteressante, temem-no, respeitam»
no (ambivalência), fazendo dele objeto de culto”. (Ramos, Arthur. O ne- m exemplo extremo deste processo de diferenciaçã
força de Exu nos é dado por Yvonne Maggie o e ampli
sro brasileiro, 2. ed. São Paulo, Nacional, 1940. p. 45.) Alves Velho nas Rai
que fez no Rio de Janeiro, Registrou a existência
Roger Bastide, por seu turno, informa que, em alguns lugares, Exu é do Exu de Duas Cabe-
identificado com São Bartolomeu (Recife), atribuindo isto ao fato do san- ças, representado por “um homem com a cabeça inclin
lados. Usa uma capa vermelha e um tridente, ada pars um dos
to ser mensageiro. (BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia, São Paulo, A cabeça inclinada é as mãos
em forma de garra é do Exu que tem uma cabeça
Nacional, 1MI. p. 222.) Parece-nos superficial esta analogia. Devemos con- de Jesus é a outra de
Satanás", (VELHO, Yvonne Maggie Alves. Guerra
siderar que, para o nordestino especialmente, São Bartolomeu é o repre de orixá. Rio de Janei-
ro, Zahar, 1975, p. 162.) Ainda essa autora registrou 0 seguin
sentante das forças aziagas e maléficas, sendo o seu dia considerado O mais te ponto con-
desfavorável do ano. O seu dia, que é comemorado a 24 de agosto, exige
tado no mesmo terreiro: “Exu que tem duas cabeças/
Ah ele olha sua ban-
o assunto, aliás, da com fé/Umu é de Satanás no Inferno/Qutraé de Jesus de Nazar
uma série de proteções, pois “o diabo está solto”, Sobre é/Uma
é de Satanás no Inferno/Outra é de Jesus de Nazaré
existo um vasto repositório de lendas, registradas em estóriase mesmo na ”. (Op. cit., p. 93.)
literatora de cordel. Do poeta popular Leandro Gomes dos Santos são es- ” Declaração feita so autor.
tes versos: “A 24 de agosto/ Data esta receosa/Por ser em que o diabo po- 28 Idem.
de/ Soltar-se e dar uma prosz/Se deu o famoso parto/Da vaca misterio- 2” A ligação
entre o Diabo € à utopia é feita da se, guinic forma
sa”, (Apud CASCUDO, Luiz da Câmara, Dicionário do folclore brasilei- posições estóticas por Papini: “O Diabo, para a partir
ro. 2. ed, Rio de Janeiro, Edições de Ouro, 1969. p. 181.) Cf. também combuter o SL
que promete a felicidade eterna só depois da
0 folheto de cordel “Poder de São Bartolomeu”, Carusru, Dila, s.d. Se- morte, tinha pois de recorrer,
soa éoutros ai, ao de fazer acreditar nos homens
ria relevante um trabalho que analisasse até que ponto São Bartolomeu que se pode preparar
eeprsnndão
“ obter, nO futuro, uma espécie de paraiso
j na terra, um reino
penetrou nos xangós do Recife, num processo sincrético com Exu, segun- de fielicid a-
do a constatação de Bastide. Daí resulta, claro está, que todos os que imaginam
* CARNEIRO, Édison, Op. clt., p. 81. vívio perfeito e feliz nesta vida, seju embora e prometem
num fubeo emCto. io É
26 (O) processo de diferenciação de Exu acompanha a sua evolução de prestí- Os utopistas, Os visionários, os messiânicos materia
gio. Deixa de ser um só, perde a sua unidade como divindade inicial para listas, os sonhadores
de um Éden social, tados os que em suma anunciam ou sonham, no
lugar
154 O MEGRO COMO GRUPO a OU DIFERENCIAM
ESPECÍFICO e UMA SOCIEDADE, ,
EMm MOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JOD eme 144

, um reno humano terreno, são iispirudos, que o sal: aa os habitantes se reuniam para suavizar, com a música, as durezas
eo Ee Demônio. O qual escogitos fantasmagorias para que vida.
os homens não cuidem no seu verdadeiro destiro supraterreno e sejam con Onome escola decorre não somente da popularidade de comando dos
duzidos, portanto, a abandonar o cristianismo”. (Parint, Giovani, O Dia tirosde-guerra, como da circunstância de se aprender à cantar é
dançar
bo. Lisboa, Livros do Brasil, s. d. p. 142.) o samba, Esta última palavra, corruptela de semba, à umbigáda com que
segredo da macumba, Rio se transmite a voz de dançar no samba de roda, — o baruque angolense
* LAPASSADE, Georges & Luz, Marco Aurélio, O conhecido em Pernambuco, em São Paulo e especialmente na Bahia —
de Janeiro, 1972. p. 256. passou a designar a música urbana herdeira do lundu e da modinha, im-
H EnceLs, F, Ludwig Feuerbach y ei fin de ta filosofia clássica semana, pregrada de rimos fundamentais africanos, Com cfeito, durante muitos
Moscou, Linguas Estrangeiras, 196. p. 12. anos, as canções das escolas compunham-se apenas de estribilho ou refrão,
2 CannEIRO, Edison. Op. cit., p. 131. sobre o qual se improvisava (versava), enquanto e solista, exercitando a
* Idem, ibidem. sua iniciativa, sapateava, deslizava ou rodopiava sambando, O grupo
a tosa Eduardo, estudando uma comunidade negra no Brasil, constáuia-se, deste modo, numa escola de samba. Com a experiência
cerca de 30 anos, as escolas começaram
de
O tara a necessidade de um estudo que abarcass os dois a apelidar vs seus componentes
de acedêmicos ou rormalistas do samba”, (CARNEIRO, Edison. 4 sabe
aspectos do problema, propondo a jusção do ponto de vistaSnparada
doria popular. Rio de Janeiro, INL,
com um ponto de vista que ele chama funcionaista. Nesse trabalho — e 1957. p. 113.4,)
excd ele afirma: “O primeiro Inclui un estudo éas origeas tri
—ente * CaRNEIRO, Êdison. Op. cit., p. 117,
desses contos (refere-se a contos de origem afrizana coligidos na comunida- *º Entrevista concedida ao Jornal Crítica, Rio de Janeiro, 4 (29), 1975,
de estudada), das razões por que se conservaram, das modificações que so *º Uma prova de que as escolas de somba perderam o ethos que as transfor.
freram aqui no Brasil e a comparação desse material com o folclore negto mMava cm grupos específicos são as declarações de Martinho da Vila sobre
em outras partes do Bresil e do continente americano, O segundo compreende O assunto: “Olha, esse negócio de escola voltar à origem já cra, porque
um estudo do papel que esses contos desempenharam na vida do grupo « não se vai mais conseguir mesmo, Você quer um exemplo? Compositor,
das suus relações com outros aspectos de sua cultura”, (COSTA ERUNRDO, antes, azia o samba para a escola centar, para ver todo mundo levar seu
Octávio da. Aspectos do folciore de uma comunidade rural, Revista do Ar- samba para a avenida. Hoje, compositor faz samba pequeno, diferente,
quivo Nacional, 144 (8): 14-35, nov.ídez, 1951.) comercial, porque sabe que só assim val gravar, Ele quer faturar, Não im-
35 Costa Lima, Vivaldo da. O conceito de nação nos candombiés da Bahia. porta que o samba-enredo esteja sendo deturpado”,
Dakar, 1974. Mimeografado. sia Diz ainda Martinho que “escota de samba virou meio de promoção so-
Miguel (º au cial, Durante o carnaval, qualquer diretor de samba tem acesso ao gover=
a e-de-santo Elizabeth, no buirro de São nador, ao palácio e há muito interesse em jogo para permitir que as esco-
Do) port iade de ver o alvará de funcionamento cota las vokem ao que elas já foram um dia. Até sambistas já não Iêm mais
e colocado ao lado esquerdo do altar, em uma moldura de tamanho e fei- “camisa”. É de quem paga mais. Hoje quem paga melhos leva o melhor
tio idênticos à do Bom Jesus da Lapa, que ficava ao seu lado direito e na mestre-sala € na melhor porta-bandeira. Tem até preço de passe, (...) Pode
mesma altura. Parece-nos de importância o fato, pois o altar do candom- acontecer até mesmo de escola de samba virar veículo de propaganda, pa-
blé é para as divindades apenas. No particular, estea que estamos nos re- trocinsda por empresas. Na hora em que uma escola dessas estiver no su-
ferindo Já se encontrava em adiantado processo de sincretismo com a um- foco e abrir as pernas, não vai ter quem segure. Pode ser que as grandes
banda. O fato que registramos não seria uma forma inconsciente de escra não cedam por enquanto. Mas, quem garante isto a longo prazo?” (Vida
vizar as forças institucionalizadas que lhe davam proteção? Parece um ca- e morte das escolas de samba, (Entrevista q Sérgio Macedo.) Crítico,
Rlo
so de trunsferência de papéis do plano profano para o sagrado. Neste Faso de Janeiro, 4 (29), 1975.)
específico, de um terreiro de cundombié já em franco € adiantado proces * VASCONCELOS, Francisco & PEDRA, Mário, No mundo do samba (Da con-
so de sincretismo, O fato poderá ser atribuído exatamente & esses np servação das escolas de samba no futuro) Petrópolis, 1969, p, 9.
tos de transição sincrética é reflexo da desintegração dos valores m gicos
anteriores e sua substituição por outras forças protetoras das instituições
da sociedade profana,
” Edison Carneiro assim define escola de samba: "Chama-se escola desono.
ba, atualmente, uma associação popular que tem por objetivo prindipa
a sua apresentação, como conjunto, no camaval carioca. Outrora era O
pomo de subúrbio do morro — como Terreiro Grande do Salgueiro —
.b
1

22 Parte

A dinâmica negra
e O racismo branco
A sociedade brasileira largou o nagro
ao se próprio destino, deitando sobre
seus ombros a responsabilidade de
rooducar-se e de transformar-se para
corresponder os novos padrões e
ideais de homem, criado pelo adven
to do trabalho livre, do regime repubii-
cano e do capitalismo.
FLontstas FermanoEs
I
E
—ur

Sociologia da República
es

de Palmares

1. Preforiram Conseguir-se uma aproximação sa-


“a liberdade entre as tisfatória com o tema sobre o qual
foras que a sujeição vamos nos ocupar neste capítulo é
entre os homens”' mais dificil e essas dificuldades tém
origem em várias causas, umas da
própria situação da ciência histórica no que diz respeito aos estudos
palmarinos, outras dç natureza ideológica e politica que decorrem da
própria essência polêmica da República de Palmares em relação à his-
toriografia dominante é acadêmica. Como vemos, temos barreiras de
ordem metodológica e ideológica que se cristalizam em cima de uma
memória é consciência histórica e sociológica desfiguradas e/ou rei-
ficadas pela maior parte dos cientistas sociais que, até hoje, se ocu-
param do assunto,
Isso é compreensivel se levarmos em consideração que toda a
documentação que se conhece sobre Palmares é aquela fornecida pe-
lo dominador, pelo colonizador, isto é, não temos outro código de
informação a não ser aquele que os seus destruidores nos oferecem.
Desta forma, o cientista social tem de se postar em uma posição mui-
to cautelosa, a fim de reimterpretar criticamente esses documentos €
informações, decodificá-los, sabendo discernir heuristicamente até on-
de vai a fantasia ocasional, o interesse ou a ideologia repressiva na
eo SIDOLOGIA DA REPUNLICA LHE PAS MAES
PRIFERMAM “A LIBERDADE ENTRE AS FERAS QUE A SUJEIÇÃO ENTRE
Os HOMENS" ter
elaboração do seu texto e onde se situa à veracidade do fato narrado
Os depositrios dessas tradições « form
e/ou interpretado. Porque foi sempre um desafio 108 historiadores as de comunicação orais
nas socisdades africanas poderão ser
e sociólogos, pois representa o pique das lutas sociais e raciais que enumeradoda s seguinte maneira:
foram travadas no Brasil, até as revoltas dos negros urbanas de Sal Vos detentores da autoridade política;
:
vador na primeira parte do século XIX. Essa historiografia procurou 2% 0s nobres:
minimizar a sua significação histórico/socioógica, apresentapdo-o co- 3º08 chefes do cultos:
4º/09 velhos contadores
mo um valhacouto de bandidos, de bárbaos, fetichistas e crimino-
sos. A própria biografia de Zumbi soment: agora emerge cm conse- É evidente que não sc pode verificar empi
rica mente até onde
quência de trabalhos de historiadores que resgatam a sua figura é pro- Palmares reproduziu, integral ou
parcialmente, essa estrutura de
vam a sua existência. Antes era lenda, ecra apenas um título que se comunicação oral africana, hierarquizad
a, no seu território, mas se-
transferia. Zumbi não existia como personagem histórico. * rá interessante ao se estudar à sua reali
dade social, levar em conta
Achamos, por isto, que ainda não podemos, à não ser com muita que, ao que tudo indica, esse código se conservou
cautela, elaborar uma interpretação sistemática da realidade social de
pelo menos par-
ua
' ente. E. outra forma teriam sido apreendi
dos documentos tan-
Palmares, à sua estrutura interna, o seu dinamismo e o ritmo desse aa
uranttin
e a a fas das diver
j sas expediçõ
i es punitivas, como após a sua
dinamismo, sistema de propriedade, organização familiar, estrutura
de poder etc., a não ser de forma aproximada. Quebrada, , em Palmares, S, a continuidade
da 5 Organizações, seg-
Outros obstáculos não menos dificeis se somam a estes. Um de- mentos, grupos ou pessoas que func
ionavam com a tarefa de ad
les foi a destruição quase total da população primitiva de Palmares eu a experiência comunitária de geração à
Qu O seu envio para outras áreas depois da sua derrota, o que propor- geração, extingulu-se pra-
icamente a memória e a consciência coletiva, sem
cionou a criação de um vácuo de memória kistórica e soçial, fato que nificativos no presente,
deixa ígios si
impede o pesquisador recolher na região, através de trabalho de cam- em Na
De tudo isto surge a dificuldade de se co
po, informações orais, tradições, lendas e mitos capazes de dar uma nseguirj aquili o que po-
deríamos chamar de uma visão exata Ou
representação simbólica do que os atuais ocupantes das terras na re- aproximativa da estrutura
€ o ritmo da dinâmica interna da Repú
gião possuem do fato histórico através de transmissão oral dos seus blica de Palmares. Isto que
afirmamos sobre Palmares estende-se tamb
antigos habitantes c descendentes. Finalmente, por ser Palmares uma ém aos outros quilombos
mais importantes, Finalmente, como coro
república que seguiu a tradição africana, tinha uma estrutura de trans- amento dessa série de difi-
culdades há todo um passado de historiogr
missão de pensamento, comunicação grupal fundamentalmente oral. afia tradicional, conserva-
dora, ideologicamente comprometida
Na África a tradição oral é praticamente responsável pela trans- com o colonizador e que pro-
cura esconder, escamotear ou deformar
missão da memória coletiva. Vários gêneros de comunicação neste o verdadeiro significado e a
e ea histórica, política e humana que foi Palma-
sentido existem para que isto possa ser realizado. Temos: a) à poe- » ndo tão importante fato como sendo
sta, forma de expressão mais frequente. Refere-se quase sempre ao lhacouto de bandidos e marginais”, ar .
passado da África, às civilizações que se sucederam € às culturas que E E
Para fazermos uma análise sociológica siste
lhes deram suportes; b) o conto, que são grupos de fábulas, lendas, máti ica da estrutura
daApe odio teríamos de aceitar um desafio que não
mitos intercalados com fatos reais, terminando o narrador ilustrando-o + enfrenta do senão particularmente no atual
com um preceito moral; c) os provérbios, máximas populares que ex- i
estão os estudos palmarinos.
primem, através de imagens, uma regra de conduta ou conselho de EEN
Se objetivá
' ssem
1 os fazer um trabalho sistemáti
moral social; d) o ditado que difere do provérbio pelo fato de ser uma máti co e exaustivo
abordando a dinâmica da República
sentença que expressa O ideal de uma conduta ética. decorrente da sua estrutura, tes

|
riamos de estudar as suas técnicas e outro
Outras formas de literatura ou comunicação oral africana são: s tipos de produção; o que
produzia e especialmente como se realizava
os poemas cantados (alôs); as adivinhações; os cantos e coros relígio- essa produção; a intera-
ção do núcleo dirigente com camadas e/ou
sos; 25 canções de invocações místicas e cenas da vida cotidiana, grupos de poder da socie-
dade colonial; a interação dos palmarinos com os escra
vos e negros
ME! SOCKMOGIA DA REPÚBLICA DE PALMARES
UMA ECONOMIA DE ADUNDÁNCIA 3
dos engenhos c fazendas; a dinâmica interna ita Republica nos seus ras dos Dols irmãos g do Bana
nal * PO munisipio
ig fa de Viçosa (4
diversos níveis; língua falada; estrutura organiacionaldo núcleo di- entre outras, as serras do
Catuchi, da
a do Comonati e do Bariga — ad a
rigente; forma fundamental de propriedade; organização familiar; sis- q "oltsiro da Barriga"
Favou a maior parto dos com onde
temas de parentesco; religião predominante; estratificação social in- bates pela destruição final da Palm
ares, 4
terna; formas de dominação e subordinação fundamentais; estratura Décio Freitas, mais abrangent
e, descreve toda à região com
do grupo religioso; existência (ou não) do feitiveiro ou casta sacerdo- Uma (aí o:
es a O com 230 quilómetros da exte
tal com monopólio do sagrado; organização militar e sua hierarqui- nsão, um planalto de
zação Interna; rituais iniciáticos; nível de poder político do núcico mi- considerável de aff
, abaiRa
xa, pa
cam acid
tria
litar; sistema de distribuição da produção; sistema de distribuição de vagas coa Dicas não é conv
idativa à navogação, SA
rato
excedentes etc. ara ed
Como se pode ver, por esta simples enumeração sumária e evi-
dentemente incompleta, a tarçfa seria impossivel de ser realizada, pe-
lo menos por uma só pessoa. Haveria, também, necessidade de in-
vestimento em pesquisas históricas e na região, especialmente iniciar-
se a pesquisa arqueológica, para a possível reconstrução de sua cul-
tura material, coisa que até o momento não foi feita, Com isto, tal-
vez se conseguisse novas dimensões interpretativas para os estudos nico erá En, um autor desconhecido, em documento
palmarinos. * re om i
mares, afirma que: ,
bo, depois de descrever o cenário de Pal.

2. Uma economia Uma tentativa de descrição inicial da eco-


de abundância nomia de Palmares deverá começar, se-
gundo pensamos, por um inventário das
terras, suas qualidades e limitações para a prática da agricultura, re-
cursos hidrográficos, vegetação, fauna regional e grau de pluviosida-
de, entre outras. Evidentemente que isto seria uma preliminar neces»
sária para se ter uma idéia da base física da República, embora, con-
forme posteriormente procuraremos analisar, não é isto o determi-
vorsas com que na di
Diiriiça
nante na organização e desenvolvimento da República, pois outros é stância de sessenta éguas ss acham distintos
elementos de ordem social, cconômica, cultural e militar irão dar con-
teúdo à dinâmica dessa cultura. Sumariamente descrita a regi
egião cm que se localizava
Segundo a maioria daqueles que escreveram sobre Palmares, a e e Ran Por três autores, sendo que
o últisno san
República estava situada em uma das regiões mais férteis da Capita- sido contemporâneo dos acontecim
ent Os, vejj amos,
nia de Pernambuco, na região atualmente pertencente no Estado de mo Asa habitantes chegar .
am e se desde et
Alagoas. Para Édison Carneiro: e o e diz que foram qua º
se quarenta negros de Guiné
engenhos de orto Calvo, no dos
a região era montanhosa o dificil — cómoros, colinas, montes, monta- início, depois em bandos e
constante, homiziando-se nas mata de for
nhas, rochedos à pique se estendiam a perdoar de vista... Vinha desde s de Palmares, que iniciaram à
o planalto de Garanhuns, no sertão de Pernambuço, atravessando vá- meiro quilombo. Ele ; : - pe
das ramificações dos sistemas orográficos contral o oriental até as ser maneira: degcrevo à origem da República da seguinte
| | Ma SOCIOLOGIA DA REPÚBLICA DE PALMARES | |
UMA ECONOMIA DE ABUNDÂNCIA sá ||
| If
| Quando a provincia de Pernambuco exava Uranizada é possuldo dos
| holandases, se congragaram cuniramqguase quaronta negros do Gen- este problema + á
MURO sério e estabeleceram ti
tio de Gulné, de vários engenhos da Via do Porto Calvo, dispondo
fu: j que acu-
ipos de famílias
diram a essas i
qlrem aos senhores, de quem eram escravos, não por tiraalas, que ne O caio Er do veremos oportunamente.
les experimentassem, mas por apetecsrem viver isentos de qualquer d 1 POrÊM, é que através do cresci 2
' domínio. Com segredo (entre esta nação, e tanto número de pessoas, rapto de mulheres, da ades esCIMEnNt
: O vegetativ o é do
I e
a um vezesescra
poucas Isto)
vas,dispuseram
rs, spo sas éé aco
espotas fuga,» & execelaram, levando conai-
conculinas,o tan
também cúmplice
pos s doao da:
de-
do aprisionamento de o dedes Os e escravas dos engenhos e
gou
am: a ter 20 a 30 milmil habitant pessivos, a população de Palmares che-
habi es, População que atingiu
um nivel de
tras que roubsram a seus donos na ocasião
em que tugiram, Foram

se
rompendo o vastissimo sertão dequelsvila, que acharam desocupado mares gado
no mais
demográf
sérioica, na époc
obstácul a, dese
desanvol
fiadvime
o ao or Tra
ntonsf
daorm
Pa ou Pa

el
| do gentio s só assistido dos brutos, que lhes serviam de alimento, a cravist a da região, Como E ço PR
companhia com a qual sa julgaram ditesos, estimando mais a Ilberda-
a região, na Época, era a mais importante

a
de entre a feras, que a sujeição entre os homens. *

ns
; | O crescimento demográfico da República continua a partir des-

did
se núcico básico inicial de forma ininterrupta, diversificando-se, pos- za Coutinho dirigi
l | l | teriormente, com à incorporação de segmentos de marginais, índios, 3 a Eia-se à Metrópole denunciando o perigo.
peri Dizia ele;

Te
o] mamelucos e membros de outros grupos étnicos, Diversas situações
À de t alguns anos que os negros de An gos lugidos do r
1 | surgiram paralelamente, permitindo o aumento de fugas que iriam * fábricas dos engenhos desta Capltanta se Pre ondaae

epa inn
] fazer engrossar a sua população. Uma delas foi a ocupação holan- :

:
5
É
Ê
E
5
desa em Pernambuco que desarticulou as estruturas de domina-

Ê
É
&
v
s
â
É] ção portuguesas e nativas, criando condições para que os escravos,

É
| aproveitando essa situação de desarticulação dos mecanismos de con-

e
| t ole social e repressão, fugissem para as matas, especialmente para q
te que foge, por se livrar do rigoroso cativelro que padecem SO UA
: | Palmares.
Além da fuga desses escravos dos engenhos, continuava afluin-

Ê
Ê
&

5
5
E:

É
É
do aos mocambos cada vez mais índios salteadores, fugitivos da jus- '

3
S
;
5
:
1 in tiça de ur modo geral e elementos de todas as demais etnias que se , o gu Gomo são os moradores desta Capitania ar eee
mu sentiam oprimidas pelo sistema escravista. Certamente chegaram tam- "98; Para ovitar este dano determino passar ao Porto 7
a! bém branços e branças, pois de outra forma não sc explicaria a cxis- guerra é dal, com contínuos troços da pero
| ' tência, em 1644, entro os aprisionados por Rodolfo Baro de “alguns Que 36 renda uma à ou-
4
f mulatos de menor idade". * . Ser Invontidos e arrasadas as Suas povos ame
| cá Nos assaltosá que eram feitos às populações locais, certamente
E todo se extinguirem é ficar ilvro estaPiso ed Entao pec eaba
a ameaça. * este cano que tanto
gros palmarinos raptavam negras, mas brancas também. Fala-se
E que Zumbi tinha, entre suas mulheres, uma que cra branca. Deve- Este temor e providências das autorid não | '
| ] í mos notar, a respeito, que O probléma do equilíbrio entre os sexos
em Palmares deve ter sido muito sério, pois, na seleção que o sistema ePalmares continuasse crescendo,
, naMontado ia binômi to Piso a
(territóri
população) é que a sociedade civil de Palmares se estrutura e dk
de importação de negros realizava para o suprimento de escravos no
Brasil a proporção de mulheres era bem menor que a de homens,
ER calculando-se, segundo estimativas, de três homens para cada mulher,
!| Desta forma, para que se estabelecesse um equilíbrio sexual relativa-
mente estável, a nçcessidado de se conseguirem mulheres fora da
=
1
E
4.
6º SOCIOLOGIA DA SEPUBLICA DE PALM ARES COMO C6 PALMARINOS SE COMUNHCAVAMT 167

camadas e estratos no sistema produtivo, quilombos que tinham ati- poses diversificação dialetal por parte dos palmarinos,
todos os
vidades sociais e econômicas específicas. Assim, segundo documento elementos indicam que o português foi a estrutu
ra linguística que
aproveitado por Édison Carneiro c que já usamos antes, era à seguinte absorveu o vocabulário de origem africana usado
pelos negros ha-
a distribuição territorial dos primcipais quilombo: que constituíam à pisa da República de Palmares para se comunicarem.
Por outro
de Zumbi; lo, tem-se como quase certo que as palavras
República; a $ léguas de Porto Calvo ficava o quilombo africanas incorpo-
radas ao corpo léxico dos palmarinos eram de origem
a 5 léguas mais ao norte o mocambo de Acotirene a leste destes, dois banto. Isto por-
que ni soe rac que à maioria esmagadora dos negros ha-
mocambos chamados das Tabocas; a [4 léguas a noroeste destes mo-
antes
Preço à República: provin
; ha de populações que falavam esses
cambos o de Dambrabanga: a $ léguas mais ao norte a “cerca” de
Subupira; a 6 léguas mais zo norte a “cerca Red”" do Macaco; & 5
A professora Yeda Pessoa de Castro, y em tr abalho
léguas a oeste o mocambo de Osenga, a 9 léguas de Serinharém, para do de ctnolingilística, mostra à precedência da importação
especiai liza-
nordeste: a “cerca'! de Amaro u 25 léguas das Agoas, para noroes- Daio em
relação aos negros de outras partes da África, particularmente
te; o “palmar"* de Andalaquituche, irmão de Zumbi, a 25 léguas de na re-
Eme de Palmares. Para cla, na época da sua formação, a
Porto Calvo c o mocambo de Aqualtuna, mãe do rei, afora outros importação
“a aRaRoo pas a lavoura escravista era basicamente
menores, espalhados no seu território. Sabendo-se que légua é uma das regiões da
ca que falam os seus diversos dialetos. O seguinte
velha medida portuguesa que corresponde a aproximadamente seis s realidade deste argumento:
i
Preço id
podemos calcular a extensão geográfica da República,

.
quo
n Carseiro avalia em 27 mil quilômetros quadrados a superfi-
cie de Palmares. Numa articulação permanente esses quilombos (ou Atividade principal Séculos de Importação maciça
cidades) produziam uma economia de abundância, apesar das conti- - XVI XVII XvIim XIX
nuas expedições enviadas contra eles « que tinham, como sisternáti- gropecuária B Br
ca, destruir sua agricultura e matar os seus bomens e mulheres. Mineração , no
Agriculura B BiJ
Serviços urbanos | o Niue
Grupos: 8 = Banto; J = JejeiMina: «N N = N Nagáior
udá; H = Hau
3, Como os palmarinos Como sc articulava, do ponto de ne CASTRO, Yeda Pessoa de. À presença cultura!
ED no
se comunicavam? vista Hingúístico, a população da rasil, mito é roalidade. Salvador, CEAO, 1981.
República de Palmares? Qual o
A mesma amora escreve que:
sistema de comunicação, o seu código de linguagem através do qual
socializavam o seu pensamento? A primeira hipótese surgida entre no que conceme à influência dos povos de lingua bant
aqueles que estudaram Palmares foi a de que, como escreveu Décio extensa q penetranto por também mais antiga eae Brasil.
ita:dnlestem
Freitas, a língua era “basicamente o português, misturado com for- pelo número de empréstimos lóxicos de base
banto quo são correntes
mas africanas de linguagem”, pensamento idêntico ao de Êdison Car- no português do Brasil — uma média de 71% — 6 pelo número
vados portugueses formados de uma mesmãá raiz
de dert-
banto, Inclusive og
neiro. Com o aprofundamento dos estudos palmarinos esta primeira ds conotação especificamente religiosa, sem que o falante
brasilairo
hipótese está sendo revista, como veremos adiante, De fato, embora tenha consciência de que essas palavras são do origem banto.
Exem.
haja referências ao envio de línguas (intérpretes) para entender-se com dd
plos:dio
cacumpre bi caçula, fubá, angu, jiló, bunda, quiabo, den-
os palmarinos, poderiamos relacionar isto ao quase desconhecimea-
to também por parte dos bandeirantes do português, isto é, a mistura Isto acontece não apenas nos' falares ul .
da linguagem palmarina com termos africanos e à incorporação de ção de linguagem literária,!* FESP e
termos indígenas à fala dos bandeirantes sugeria a necessidade de um , Em outro trabalho, , Os falares africanos na i
na intera ção social d,
intérprete que os auxiliasse no diálogo. Mas, apesar disto, dessa Brasil Colônia, Yeda Pessoa de Castro escreve que:
º
mma SOCIOLOGIA DA NEPUBLACA DE PALMARES
EVOLUÇÃO DA ECONOMIA PALM
ARINA es
os empréstimos léxicos aficanos no português do Brasil, associados
ao regime da escravatura, são em gere! &imosbantos fguitombo, sen-
zala, mucame, por exemplo); depois Zumbi, Giga Zumba, nomos dos
lideres de Palmaros, são titulos tradicionalmente atribuídos a chetes
tocals no domínio banto. Sobre outro plano, os folguedos tradicionais
braslieiros quo portam nomes denunciando irluância danto, tais co» vés de “linguas”.
mo quilombos, congos, moçambiques, são atodados om diferentes zo- Desçraçad
nas rurais do Brasil,"
palemarias
de oro: NÃO rOstoram vestígios significativos da ilnguagem
Finalmente, para concluir nossa argumentição, vamos transcre-
ver trecho da documentação que Yeda Pessoa de Castro apresentou
ao II Encontro Nacional de Linguística:
Nessas (as senzalas), onde se misturavam altiçanos de dlforentes pro-
codâncias dinicas a um contingente de Indigeras, « fim de evitar róba-
liões que pusessem seriamente em perigo a vida dos seus propretá-
ros, numericamenta Inforiorizados é estebelesidos em áreas Intario-
ranas isoladas, à necossidade de comunicação entra povos Hngúisti. 4. Evolução da
camente diferentes deve ter provocado a emergência da uma espécie Vejamos agora como se estrutura
de Ilngus franca, quo chamaremos de dialeto des senzales.*
economia palmarina
articulava a economia de Pal
va e
mares.
A argumentação acima mostra como há evidência ponderável Devemos dizer que vamos
O que sc produzia; em segund sumariar
(histórica, sociológica e etnolingiística) de que os bantos influencia- o lugar, como
- Achamos que no sistema
ram decisoriamente na língua falada em Palmares, criando aquilo que produtivo de Pal-
y
o da basicamente r
poderíamos chamar, pelas mesmas razões etnoEngisticas e socioló-
perdendo a sua im
gicas apontadas pela professora Yeda Pessoa de Castro, de dialero cendo como forma subsidiária j
durante ratio gd
dos quilombos, como sendo o código de linguagem através do qual ii aa ee fundamentalmente, São ds
elos se comunicavam. Ou então, por que não poderíamos chamar es- na : conseguidas pelos pal-
rutas, vegetais medicinais,
sa linguagem de dialeto de Palmares? Esta hipótese nós levantamos é vários tipos, óleo de palmeira, fibras
frutos como jaca, manga,
coco, abacate, laranja, fruta-pão
no Simpósio sobre a República de Palmares, organizado pela Uni- laranja-cravo, cajá e outras,
ra sua alimentação, Além nati vas, que serviam pa-
versidade Federal de Alagoas, em 1981. A sugestão que colocáva- disto, a caça era facilitada
cia de animais na região: dive pela abunda
mos ali como questão aberta, veio, ao que tudo indica, ser confirma- rsos gêneros de on
da pelas pesquisas posteriores sobre este aspecto importantíssimo em veados, pacas, cutias, cactetus, Noé,
coelhos, preás, tatus
Us é inúmeras outras espécies
relação a Palmares. que davam base a uma
O historiador Décio Freitas, bascado em pesquisas pessoais pro-
se j e
no seu início de suprir a população da República, pelo menos
curando esclarecer O assunto, escreve:
desenvolve-se o artesanal, no
ântes de mais, não podiam adotar, sem desestroso sacrificio da unk qual
dade, uma das linguas nativas da África. Necessitavam de uma lingua-
gom comum. Assim fol como se alaborou a linguagem palmarina: um |
» Fleç i
sincretismo lingúletico, em que os elementos africanos tivscam um às- tórios é de guerra. Havia ain
da a BEEN
condaente decisivo, mas quo incorporava, por Igual, elomantos do por- cachimbos de barro (para fumarem maconha),
de E
tuguês o do tupl, "Falam uma lingua toda sua, às vezes parecendo da cotidiano. Um dos setores mai além de objetos doc
Guiné ou de Angola, outras parecendo nenhuma dessas e sin outra s desenvolvidos
Os africanos já eram exímio os
língua nova” reparou à govermador Francisco de Brito Freire. s metalúrgicos na
desenvolveram as suas aptidõ
es e técnicas.
VE SOCIOLOGIA Da REPÚBLICA DE PALMARES
EVOLUÇÃO DA ECONOMIA PALM
ARINA tm
No particular, Edison Carneiro informa: tm tale dos quilombolas, ams
oposição com sistema de se3-
A expedição holandesa de 1845 encontrou quaro lorjasnos Palmares Qua impsrava nos enganhos sob expl
ma diferente da Cultura, denuncia oração holandesa. uma for
“0 governador Fernão Coviinho, em 1671, diziogque 06 segros rebela- dora da trabalho Individual 6
trab
alho por turmas, como sa fazia na não dá
dos já possuiam “tendas de terralros, e outras olicinas, com que pode- torra dos engenhos. Não soment
isgo;a plantação variada de dife
rão fazer armas, pois usam de algum fogo que é3 cá levam; & este ssr- rentes ospégios, onda abunda
vam ve
maneiras (pacovais) e canaviais;
tão é tão fértil de metais, q salitro, gue tudo thos oferesa para a sua e na lavoura do rei “uma roça
defesa, se lhes não Iuitas a Indústria que tambim se pode temer dos abundanto" que tanto sods muito
Sor compreendida na variedad
são Ronca, como na exte e de planta:
muitos que fogem, Já práticos em lodas as mecânicas”, !é nsão da área piantada, embora
Re oa uma roça, como pode exprimir aerpres
Com 0 aumento progressivo da população,à sua diversificação ir a ionorância do sro
O £o nome da plamação “muito
abundante”. O fato real, cos
social e estratificação maior € mais complexa nos diversos segmentos "8 que 4 lavoura do rel era dife
rente na forma do trabalho da
ocupacionais, políticos, militares e produtores que a compunham, essa das luvouras dos habitantes, Que terra,
constitu lam muitos roçados, com v
nudos produtos, e no rei resultav
economia simples foi, paulatinamente, substituída pela agricultura in- a “uma roça muito abundante”
metedora de farta colheita o

-
tensiva, porém diversificada, ficando apenas como atividade comple- am várias espécies e produtos
Esta forma do cultura «- cont . E
mentar, subsidiária, o setor recoletor « artesanal, Usundo técnicas de inua 0 músmo autor =, intr
quilombos, ganha consistência defin oduzida nos
itiva a aflima-se como Caractor!s-
regadio trazidas da África e uma longa experiência agrícola, os pal- ea. e Ta com à relação gera! anotada
marinos transformaram-se em agricultores, Posteriormente veremos por Blaer, Arrya-
as casas, cisternas, um las:
como essa mudança no sistema de produção irá alterar os outros nÍ- casagrando do Conselho, as
portas do MOCAMBO; DONOUDOS
cações. E isto porque entra os ta
veis organizacionais e estruturais da República. Palmares passa a ter seus habitantes havia “toda
artitices"
, Um aldeamento progressista sort
uma economia fundamentalmente agricola, criaado excedentes eco- "” eeeura
nômicos para redistribuição interna e externa, Concluindo, afirma:
A base desse trabalho era a policultura, produzida intensivamen- Disso sa deduz que 08 quitambo
tas, ao repud!
te, porém de forma comunitária, Plantavam principalmente o milho, to dos sesmoiros, adotam a
forma do Nao a DONO DRA em
que era colhido duas vezes por ano. Depois da colheita descansavam inçhesos Ro Pa o Que O excedente da produção
duas semanas. Plantavam ainda feijão, mandioca, batata-doce, Da- , COMO para & riqu

ada mi,
Ea RD que a solidarisdada e a DODSINDÃ
nana (pacova) e cana-de-açúcar. Isto constituía a produção básica da O Sr DES A
e O dos quilombos, que deve remo
agricultura palmarina, sendo o excedente distribuído centre os mem- | que a sociedade livre era dirig
ntar aos princí dopio
sécuslo
bros da comunidade para as épocas de festas religiosas ou de lazer, ida por Isis consagradas patos
é costumes; que não existiam vs
vadios nom exploradoras nos
ou estocado para os tempos de guerra. O que sobrava era trocado mas, sim, uma ativg fiscalização Quitombos,
como sól acontecer nas socladad
com vizinhos, pequenos sitiantes e pequenos produtores, por artigos quo se formam no meio de tutas es
, contra formas Lltrapassadas
qUes de produção; de relá-
de que a República necessitava. que, am 1897, já existiam nascidos
é crescidos, ha-
A maneira como se produzia, podemos dizer que era, na sua natos, oicindo TT
essência, um sistema de trabalho que se chocava com o latifundiário ida do DI
tos para mais de vinte mil individuos
escravista tipo plantation que existia na Colônia, com níveis de pro- Papa
Esta forma de organização dava,
dutividade muito mais dinâmicos e de distribuição comumitária que como consequência, uma eco-
nomi
tom a de abundância, : É outro estudioso, Déci
era a própria antítese da apropriação monopolista dos senhores de , o Frei tas, quem dá con-
tinuidade e conclusão à exposição
engenho e da indigência total dos escravos produtores. de Duvitiliano indi: irmiaado:
Comentando esta forma comunitária de produção existente em Faziam largo consumo «a banana pacova,
abundante na rogião. Oria-
Palmares, Duvitiliano Ramos assim se expressa: sem galinhas, sulnos, Pescavam &
caçavam. Mas, fato eingulos RS
ri gado a despeito das excelent
es pastagens de certas áreas
Distinguindo multas “roças ou plantações” onde abundavam banane!- gião por sles diretamente controla da ro-
das.”
ras e canaviais, o cronista Blagr, implicitamenta, destacou como curio-
E aduz em seguida:
WE SOCIOLOGIA DA REPÚBLICA DE PALMARES EVOLUÇÃO DA DOONKIMIA PALMARINA 4

nas comunidades negras roinava a farturáque otemola vivo con- capaz de assegurar o sossego dos moradores. Para tal, a sociedade
À abun-
ii com a paceno misória alimentar da populição do Moral, palmarina teve de admitir a constituição de um segmento militar que
gância da mão-de-obra, o trabalho cooperativo «a solidadedade social se organizou como instituição, embora nas épocas de guerra todo o
duto
traviam aumentado extraordinariamente a produção, O superpro povo foss: mobilizado para lutar, Esse exército aumentou considera-
poputação, aten
social se tornava abundante. Depols de alimentada a velmente, Iniciaram-se as construções de fortificações, paliçadas, pla-
es dea-
cldos os gastos coletivos e guardadas em coleira às quantidad

+
tinadas às ópocas de más colheitas, guerras e festividades, ea so taformas, fossos, estrepes, tudo visando a sua defesa. Por outro la-

amy
luoo- do, O setor artesanal e metalúrgico deve ter desviado grande parte das
brava algo para trocar por produtos essenciais das populações
s-
braslioiras. O caráter nitidamente antloconômico do sistema escravi suas atividades para a fabricação de material bético indispensável pa-
do ne-
ta é Hustrado por esse contraste entre o rondimanto do teabalho ra que esse exército estivesse em condições operacionais satisfatórias
e
gro quando livre e quando cativo. Era por sor escravo o não por ser
pouco e mal nas plantação s é nos eia e todas as vezes que a República fosse atacada.
gro que ato produzia
trabalho ocoperativo de Palmares tinha um rimade produtividade Esse exército era comandado pelo Ganga Muiça e bem: armado,
maior do que aquele que se desenvolvia nos ntifúndios escravist
as; embora, na última fase da resistência, o seu comando tenha passado
& superioridade da agricultura palmarina em relação no trabalho oscravo inquestionavelmente para as ordens de Zumbi, que ficou como uma
era factimente vorificével?? espécie de comandanie-çhefe, Suas armas eram arcos, flechas, tan-
Analisemos, agora, quais eram as relaçõede s produção que ca- ças, facas produzidas pelo setor artesanal da República c armas de
racterizavam Palmares. Décio Freitas mais uma voz tem de ser cita- fogo tomadas das expedições primitivas, dos moradores vizinhos, com-
do, Diz ele que não pradas daqueles com os quais os palmarinos mantinham relações pa-
cíficas e provavelmente também fabricadas na própria República. Co-
etoment ros sobre o regime de propriedade da terra entre 04
a a as torras pertenciam à povoação So mo vemos, Palmares, para defender-se dos ataques inimigos, teve de
pp
mo um todo. A plausibilidade da hipótese provém, em primeiro lugar, dirigir grande parte da sus economia para fins bélicos e manter, tam-
do fato de que os negros traziam da África ums tradição de propriada- bém, uma grande parte da sua população produtiva em armas.
ento
de coletiva da terra. Em segundo lugar, uma vez que O esgotam Evolui o segmento militar, por isto mesmo, adquirindo uma fun-
do solo a razões de segurança determinavam periodicamente à mudança ção importante na área de domínio e prestígio político. Daí o apare-
de
de toda & povoação para outro sítio, não teria sentido a proprieda
com todos os seus atributos, como compra à venda, cimento de uma espécie de casta militar. A guerra de movimento, o
privada da terra
sucessão etc, * movimento de guerrilhas, sustentado por outros quilombos menores
em uma e que deram frutos tão positivos na tática militar da quilombagem
A dupla verificação de que Palmares se transformou não pode ser continuada em Palmares. As guerrilhas foram transfor-
sociedade rfeca que produzia para toda a comunidade, leva-nos
madas em operações de envergadura e, depois de realizadas, tinham
tro nível de reflexão. um local fixo para voltar. O nomadismo militar inicial dos palmari-
ai Quais as modificações estruturais significativas no interior da nos, possível numa sociedade recoletora, foi substituído pelo seden-
pu-
República, ao passar de simples ajuntamento seminômade, de sa tarismo e pela luta de posições. À medida que as atividades agricolas
nhado de escravos, para uma repúblic a com território fixado pe a ne
e permane nte para alimenta r à nã se desenvolviam, iam sendo, ao mesmo tempo, transformadas as tá-
cessidade de produçã o agricola
regulado ras capazes de dar orde- ticas e técnicas militares para a defesa do patrimônio coletivo, É, por
nidade o de organiza ção de normas
de um outro lado, essa fração ou segmento militar, adestrado para defen-
namento a essa sociedade? Além da necessidade da formação
der o patrimônio coletivo, que irá revoltar-se contra a capitulação de
Estado e de um governo, como veremos depois, foi, também, pao
de Ganga Zumba. Porque o exército de Palmares tinha esta característi-
sária a criação de uma força militar que resguardasse dos ataques
s. ca: não foi montado para defender nenhum
fora a produção coletiva, a vida e a segurança dos seus habitante tipo de propriedade pri-
Para acudir à segurança de um número tão considerável de pes- vada, mas para defender o patrimônio de toda a comunidade. Daí
i io tão grande « sempre ameaçado, necessititavam de-
soas e um territór ter-se insurgido, através de Zumbi e outros componentes do segmen-
senvolver uma técnica militar, estabelecer um sistema defensivo eficaz, to militar, contra à capitulação de Ganga Zumba que significava, em
MM - SCKADGIA Da REPUBLICA DE PALMARES
ORGANIZAÇÃO FAMILIAR: POLIGAMIA
E POLIANDRIA 1
última instância, à destruição de toda essa estrutun comunitária. Neste
particular, o general Zumbi, ao se insurgir contri à ação capitulacio-
nista de Ganga Zumba e os seus seguidores, esta representando os
a Re tia seria praticada pelos memb
interesses c O consenso de toda a comunidade ds República amcaça- ros
poder, Isto é, a capa dominante,
da de ser dominada e os seus habitantes voltarem 30 statusde escravos. Sao csáiho E possivelmente os chefes o rei, mem-
Este tipo de economia levará, também, a que não se corporifi- dos mocambos teriam
be ido ri as mulheres, cujoo núme
nú ro não temos elementos pars
que um direito de propriedade definido e regulamentado em código.
Os crimes que eram punidos severamente atravésde um tipo de direi- = ao documento da época dizia
que “o apetite é a regra da sue
to consuetudinário (costume) eram o adultério, « homicídio c o rou- ti 0", 0 que não é verdade. Se
isto acontecesse haveria conflitos
bo iridividual, pois ele era considerado uma lesão ao patrimônio in ernos muito gran des € níveis de desorganização
comum, quilibrariam a normalidade da familiar que do
República,
E O rei Ganga Zumba tinha três mulheres
, duas negras e uma mu-
a e at teve a de uma,
havendo à hipótese de que uma
ea. À instituição > dada poligamia delas
5. Organização familiar: nesta capa dom nante é jÍ
O casamento era feito sem ne- prós Quanto à possibilidad
e de Zumbi ter uma mulher
.
poligamia e poliandria hum ritual significativo, ou so- E ipótese não é absurda, pois muit
as brancas pobres « mesmo pros-
o
tenidade maior, Pelo menos até o ' vias conseguiram fugir para Palm
ares, como forma de se livrarem
momento não se encontram informações que evidenciem o contrá- a discriminação à que estavam sujei
tas na sociedade escravista Além
rio, Por outro lado, Palmares reproduzia, dentro das suas frontei- sto muitas “mulheres e filhas donz
elas" foram raptadas pelos ne-
ras, à desproporção de sexos existente na população escrava, isto gros de Palmares, como registra
documento da época.
porque os senhores preferiam comprar, para os trabalhos do cito, ho- a Mas, em contrapartida, havia
&à família poliândrica. Era a que
mens jovens e mulheres as quais eram destinadas à escravidão domés- uncionava de forma majoritária
no conjunto da comunidade,
tica, cujo número era insignificante em relação à grande massa de quelas camadas que não tinham pode na-
r decisório nos assuntos impor-
escravos trabalhadores na agroindústria açucareira, Por este motivo pa ae participavam em pé de igualdad
os traficantes selecionavam essa mercadoria humana de acordo com e com todos os membros
muntdade na prod
pre ução e no cons: umo. - ÀA poli
as preferências do mercado e a vontade dos fazendeiros, Calcula-se o Foca onde ela existiu sempre gamimia em t
poliva
foi um privilégio, iso é mesmo
que para cada mulher havia três ou mais homens, com variações re» o EO para todo s, somente aqueles que poss o
gionais. Este fato irá refletir na composição, por sexos, da popula- uem condições ma-
nr A ou econômicas para usádo,
ção palmarina com desequilíbrios evidentes na organização familiar. o exercem,
e “mm Falmares, no entanto, : tanto
um tipo de or ganização fami-
Por isto, se os palmarinos mantivessem, nas suas fronteiras, O ae como outro, surgiram em
consegliência das remR
casamento monogâmico que os senhores impunham nas suas fazen- a me OS seus habitantes não podiam cont o
das, ou a promiscuidade também ali permitida, haveria um desequi- bt rolar em facé de serem
E externas: a desproporção grita
nte entre os sexas, consequên-
líbrio na vida familiar e sexual tão agudos que a desarticulação social à mposição dos compradores
de escravos no mercado negreiro
seria inevitável, com repercussão de desajuste em todos os níveis da sis Dai a poliandria ter sido esta
belecida na República, Com esses
estrutura social, Para resolver esse impasse de importância fundamen- ois tipos fundamentais de organiza
ção familiar criaram-se mecanis-
tal, os palmarinos foram obrigados a instituir dois tipos fundamen- ne de e io para a sua funcionalidade,
sem antagonismos agu
tais de organização familiar. Um seria a família polígama e outro & $€ | conflitos, dos
do grupo famíliaa, Os estratos poli
família poliândrica, manttáinham a direção da sociedade, Íticos e milit
; ares .
+ é especialmente o rei, tinha
Essa dupla organização familiar, surgida de causas qué jé apon- família Poligama, ão contrário is
dos outros segmentos e DSoê
tamos, isto é, o desequilíbrio da população palmarina segundo o sexo, a poliandria era a norma permanen Gado
te,
S
t% SOCIOLOGIA DA REPUBLICA NE PALMARES
RELIGIÃO SEM CASTA SACERDOTAL qi

Décio Freitas, ao abordar o problem, escreve que: a restauração da volha tribo afro-negra nas plagas americanas: 6 a res-
surmição do organismo político tribal; 6 0 retorno, sobretudo, ao sou
para preservar a coesão social, instituiu-m o casamento pollândrico fotichiamo bárbaro?”
As rofarôncias a 0959 lipo de casamento são Inúmaras, mas as mais
minuciosas são as de um documento da 1877. Daí, para ele, a poliandria de Palmares e os seus vestígios no
Sucade que um certo Manuel inójosa — o paironímico aparaçe tam- Nordeste serem foitos dessa regressão cultural. Afirma por isto:
bém grafado como Jolosa —. laureado axterminado” de indios e de ne-
gros, grande proprietário de terras q de escravos, aspirara apalxo A pollandria da escrava negra é uma sobrevivência do matriarcado or!-
nadamente a glória de destruir Palmares. Nesse intuito, aprasentou à ginário. E foi esse resíduo matrlarcalista que favoreceu, através das
Coroa vários planos. Para colher informações, infetrou um dos seus relações sexuals entre Dranços a nogras, a atenuação da luta entre o
sucravos em Palmares em troca de promessa de alforria, O nogro vl- senhor e O escravo!
vou entro os palmarinos pelo espaço do seis meses, para, afinal, fugir
o transmitir do amo o quanto vira em Palmares Não há dúvida de que essa interpretação fantasiosa, que remete
para um possivel resíduo atávico os sistemas organizacionais do mo-
O espião prestou plenas informações ao seu amo e o mesmo dirigiu- mento, especialmente das comunidades « grupos oprimidos, basca-
se ao rei de Portugal com um relato dos costumes da República. Não
dos ng cultur história como Joaquim Ribeiro determina o seu método,
se conhece a íntegra do documento enviado mas um resumo feito do
poderá provar tudo porque não prova nada cientificamente. As ori-
mesmo aborda o assunto que nos interessa, ou seja, à poliandria de
gens tanto da poligamia como da potiandria em Palmares surgicam
Palmares. Diz ele:
da dinâmica social interna da comunidade, da sua composição por
+ QUO Cada negro que chega ao mocambo tugido de seus senhores lo: sexo desequilibrada e das soluções estruturais que os habitantes en-
go é ouvido peio conselho de Justiça que tem que saber de suas ten- contraram para conseguir 0 seu equilíbrio sexual e social, O que não
qUes porque são grandomenta desconhados, nem ss fiam só no fato
se pode aceitar é reduzir a dinâmica social a simples regressão cultu-
de ser negro que se apresente, que tanto se certificam das boas inton-
ções do negro que chega lhe dão mulhar a qual possuem juntos com ral, o que não faz sentido nem tem nenhuma possibilidade de expli-
outros nagros, dois, trás, quatro e cinco negros, pole sendo poucas as car a dinâmica da sociedade que se formou ao nível de contestação
mulheres adotam esse estilo para evitar contendas; que todos Os ma social como Palmares,
tidos da mesma mulher habitam com ela o mesmo mocambo, todos
em paz o harmonia, em arremedo de tamília, mas próprio dos bárbaros
sem as luzes do entendimento s a vergonha que a religião impõe; que
todos essas maridos 86 reconhacem obedientes à mulher que tudo or-
dena na vida como no trabalho, que cada ums dessas chamadas faml- t+ 6. Religião sem Para a maioria dos estudiosos de Palmares
Eas 08 malorais, em conselho, dão uma data de terra para que a cultivam casta sacordotal asua religião cra formada por um sincretis-
o isso o fazem a muilvór o 08 seus maridos... que à querra acodam to-
dos nos momentos de malor presisão, sem exceção das mulheres que mo no qual entra o catolicismo popular e
nessas ocasiões mais parecem faras que pessoas do seu sexo, crenças africanas, principalmente banto, Acrescentamos, agora, a in-
fuência das religiões indígenas que tão bem se fundiram às religiões
Visto como funcionava a família poliândrica em Palmares, ca-
banto em outros lugares, como na Bahia, dando inclusive dessa fu-
be uma indagação complementar, Teria havido um matriarcado em
são o chamado “candomblé de caboclo”',2º
Palmares? Os mais importantes estudiosos do assunto acham que não.
Segundo Rocha Pitta eram “cristãos cismáticos" e explicava por
Mas Joaquim Ribeiro, exagerando, ampliando ou mesmo deforman-
que isto no seu entender era verdadeiro:
do os traços possivelmente de um matriarcado existente entre Os ne-
gros brasileiros, refere-se a um matriarcado africano em Palmares, Do entólicos não conservavam já outros sinais que o da Sentissima Cruz,
partindo da afirmação de que o quilombo não era uma expressão de e algumas orações mal repotidas, e mesciadas com outras palavras é
luta contra a escravidão, Para ele: cormônias por eles inventadas, ou introduzidas das superstições da
sua Nação; com quo, se não eram idólatras, por conservarem & som-
o quiiombo (e esta é a sua verdadeira significação histórica) é uma rea- dra die cristãos, eram clsmáticos, porque a faita de Sacramentos e de
ção comra a cultura dos brancos, contra 05 seus usos e costumas; é Ministros da igroja, que sites não buscavam, pela sua rebellão, e pela
IE SOCIULOO(A DA REPÚBLICA DE PALMARES ADMINISTRAÇÃO E ESTRATIFICAÇÃO NA REPÚBLICA 179

Hbordado dos costumes, em que viviam, repugnants aos pace itos da durante a prática do culto desaparecia depois da sua realização,
nóssa Religião Católica, 08 exciula do consórcio, grêmio enúmero de O
que se pode deduzir, das informações que se tem, é que os atos reli-
fiéis, 2º
giosos em Palmares eram uma comunhão coletiva com O sobrenatural,
Édison Carneiro, no primeiro trabalho fundamental de revisão
histórica da República de Palmares, afirma que:
os negros (de Palmares) tinham uma relighão mais os menos somalhante
à caótica, O que se explica pela pobreza mítica dos povos bantos a Na parte da administração pública po-
que pertenciam e pelo trabalho de aculiuração nosóvo habitat amerl- e estratificação demos ver no cimo da pirâmide o rei que
cano, No moçambo do Macaso, possulmm uma cogola, onde os portu na República exercia poderes quase absolutos. Em se
queses encontraram trés imagens, uma do Mesino Jesus, “muito

= stored
guida o Conselho, com os representan-
perfeita”, outra da Senhora da Conceição, outra de São Braz (,..) Os pah
marinos escolhuam um dos sous “mais iadinos” para lhes servir de sa
tes dos chefes dos diversos quilombos (cidades), os quais decidiam
cardoto, especialmente para as cerimónias do balisno e do casamanto, de forma autónôma, nos seus respectivos redutos isoladamente, mas
mas provavoimento também pera pediro favor ce leste pars es suas ar em conjunto quando o assunto envolvia problema de relevância para
mas (..) Não ara pormitida 4 existência de felticeros no quilombo os destinos da República, como a guerra e à paz. A escolha
do rei
Carneiro refere-se, ainda, a uma dança que, segundo Bariéus, era eletiva. Embora exercendo poderes quase absolutos (apenas cor-

e
era praticada em conjunto e que se prolongava até a meia-noite, trolados peio Conselho nos casos mais importantes), em situações ex-
os pés no chão “'com tanto estrépito que se podia tremas como traição havia a pena de mortc para ele, como, por

cg
batendo-se com
é &
4 exemplo,
ouvir de muito longe'".* no caso de Ganga Zumba,
Purece-nos que esta “dança” devia ser alguma cerimônia deri- Quanto so sistema monetário não se tem notícias de uma moe-
vada das religiões africanas € indígenas, pois tudo leva & crer que era da cunhada € em circulação na República de Palmares. O comércio
uma manifestação coletiva do mundo religioso da comunidade que pessoal e as trocas deveriam ser realizadas através do sistema
de és-
englobava, além de negros que eram hegemônicos, também membros cambo, pols assim como não se pode conceber uma sociedade sem
de outras etnias que compunham à República, como índios, mame- troca, não se pode também afirmar que deveria haver mocda metáli-
lucos, pardos € brancos, Parece-nos que Édison Caseiro subestimou ca para realizar essa operação, O que isto vem demonstrar
é o rela-
um pouco este elemento na análise que fez das práticas religiosas de ção mm
cionamento comunitário e pré-monetário entre Os seus membros.
A
Palmares. Essa manifestação coletiva de contato com o sobrenatural troca em espécies deveria ser, ao que acreditamos, o costume de co-
devia manifestar-se periodicamente, com datas ou tempo determina- mercialização (se é que assim poderíamos chamar tal operação) sem
dos, e deveria ter um significado de expiação ou de invocação propi- a existência do lucro. Daí, talvez, não haver necessidade de uma moeda
ciatória à colheita e/ou à guerra. o que circulasse como equivalente geral ao valor de cada mercador
ia,
Até hoje, segundo informações que conseguimos em Maceió, O problema da estratificação social devia ser complexo e o seu
em 1983, à população de Umão dos Palmares acredita ouvir, de vez dinamismo através da mobilidade social horizonial é vertical
poderia
em quando, esses batuques de negros no cimo da Serra da Barriga. medir-se pela passagem de um membro ou grupo de um estrato
para
Achamos, por tudo isto, que a execução do sagrado era prati- outro ou, horizontalmente, de um mocambo para outro ou da Repú-
camente comunitária. Não havia uma carreira de sacerdote com ri- blica para outro local, através da fuga. Do ponto de vista de mobili-
uais iniciáticos, com diversos níveis hierárquicos que garantissem no dade vertical podemos citar, em primeiro lugar, o membro da
iniciado o monopólio do sagrado. Pelo contrário. Os f eiticeiros eram República que era eleito rei, e, no outro pólo, o exemplo dos escra-
proibidos de agir em Palmares. Assim, à prática religiosa, quando vos da República que podiam ascender ao nível de membros livres
isto era necessário, cra executada por pessoas escolhidas ocasional- de Palmares se trouxessem um ou mais negros cativos para o núcleo.
mente, os “ladinos mais expertos"”, que não se identificavam com o Da mesma forma, parece-nos, as mulheres ascendiam socialme
nte
sagrado através de ritos de Iniciação. O eventual prestígio adquirido quando se casavam com algum chefe de quilombo ou comandante
mm SANCNMLOCIA DA REPUBLICA DK PALMARES
PALMARES UMA NAÇÃO EM FORMAÇÃO!
am
militar. Quanto 2os jovens, não temos nenhuma informação de qual- República de Palmares, através
dos Seus representantes, tendo
quer ritual de passagem (quer para homens quer para mulheres) ou embaixada sido recebida a nível a sua
de repreentatividade plenipot
outra cerimônia iniciática para Incorporá-los à corunidade, embora ria. O governador mandou que enciá-
fosse tomado por termo
não descartemos a possibilidade de sua existência, pois elas funcio-
navam sistematicamente nos grupos étnicos bante. àsà delberações e encarregou um sarg
ento-mor do 7 arço de Henrique
ER que sabia ler é escrevar, sá
O certo é que toda a dinâmica de estratificação e integração so- & Negros, para comunicá-ies so
Soguir para Palmares, om CUMNPÓN
ia
clal era feita no nível de segurança e estabilidade dos seus membros rei Ganga Zumba « aos seus auxli
Aa
ras. Ofilhoa mais velho do rei, la-

e Eng
q
que não podia viaja
t r, ficou no Recite, sob
e segmentos em relação à situação do conjunto da comunidade, fu-
gindo, por isto, de qualquer semelhança com os tipos de mobilidade
existentes cm uma sociedade competitiva.
Quanto ao nível, tipo e intensidade de interação da comuni-
dade com moradores da região e com a estrutura de poder colonial, ae + nimeras! Queremos colocar, no final deste capítulo
podemos dividi-los basicamente em três: a) interação conflitiva; b) in- nação , em
nível de simples reflexão preliminar uma
teração competitiva; c) interação pacífica. em formação? inter-
rogação: teria sido Palmares uma naçã
O conflito deve ter sido o mais fregitente e sgnificaivo espe- o em
formação? Se não tives
se sido destruída, ou
cialmente em nível do enfrentamento militar com as tropas holan- sitiada permanentemente, a comu
nidade palmarina teria dinamism
desas, portuguesas e de mercenários bandeirantes. Os choques mili- interno capaz de estruturar-se em o
nacionalidade?
tares, as guerrilhas, as batalhas c cscaramuças defensivas, as sortidas Antes de colocarmos alguns elemento
para o roubo de víveres essenciais e não-produzidos em Palmares, rap- s teóricos para dar conti-
nuidade à nossa proposta, ou hipó
tese, queremos dizer preliminar»
to de negros ou mulheres, tudo isto foi uma constante neste nível de mente que mesmo aqueles auto
res que abordaram o assunto
interação. passado, Jamais viram Palmares no
como uma unidade política com di-
O competitivo seria caracterizado pelas relações com morado- nâmica própria, mas sempre viram
res locais. Havia, certamente, um pacto não-formal (é possivelmente
Palmares como um movimento
divergente em relação à nação brasi
leira ainda em formação. Jamais
não em nível de consciência) que neutralizava aparentemente O con- fizeram uma análise de duas unidades
teúdo das mesmas, através da troca de interesses e o estabelecimento paralelas que podiam, descja-
vam e tinham possibilidades de dese
de um escambo muitas vezes voluntário, outras vezes compulsório para
nvolver-se autonomamente, Que-
remos dizer com isto que ninguém pro
aqueles que não podiam defender-se da forçe militar de Palmares.
curo analisar Palmares a partir
das leis internas (econômicas, socia
Aquilo que Rocha Pitta chamava “trocar o cabedal pela honra”! da is e políticas) que lhe davam esta-
bilidade, continuidade e dinamismo,
parte dos proprietários locais, talvez exemplifique este tipo de intera- mas sempre como um território
de negros e ex-escravos que haviam
ção, ou seja, uma relação competitiva acobertada por um pacto de
fugido às leis econômicas, sociais
« políticas da Colônia, estas, sim,
interesses. Em outros casos, contudo, haveria um tipo de interação aceitas como capazes de dar conti-
nuidade e desenvolvimento áqui
lo que se convencionou chamar
pacífica entre pequenos proprietários, camponeses pobres com Os pal- ciedade brasileira. Em razão disto, Eucl a so-
marinos. ides da Cunha via em Palmares
uma “grosseira odisséia", o mesmo
Quanto à interação pacífica com as estruturas de poder colo- fazendo Ninu Rodrigues quando
afirma que foi um relevante serv
iço prestado pelos bandeirantes
nial, parece-nos que foi excepcional e não caracteriza o relacionamento destruição, elogiando a ação desses a sua
dos palmarinos com à sociedade abrangente, isto é, as estruturas de mercenários aq nível de “ratos
da nossa unidade nacional. Isto é,
poder coloniais.
o referencial de normalidade era
Podemos dar como exemplo disto apenas o envio a unidade do Brasi
l colonial. O patológico, a frag
de uma embaixada em 1673 que foi ao Recife parlamentar com o go- mentação dessa
unidade,
vernador da Capitania, o recém-nomeado Aires de Souza e Castro. Mas, de um parâmetro científico, esta
Na ocasião foi acordada a paz entre as autoridades coloniais « à perspectiva chovinista es-
tereotipada teria razão? Parece-nos, pelo
contrário, que Palmares
tt? SXAOLOGIA DA REPÚBLICA DE PALHARES
PALMARES: UMA NAÇÃO EM FORMAÇÃO! qm

teve todas ou pelo menos as principais condições de ser uma nação, Neste nivel de raciocínio teórico O que
pensamos da República
possivelmente independente, ou componente do pas que se forma- de Palmares? Um movimento separatist
a que queria afastar-se da rna-
va, se esses chamados civilizados (os colonizadors) não tivessem ção brasileira por motivos fortuitos e
que deveria ser reincorporada
mobilizado contra ela todo o seu arsenal repressor edeixassem a Re- à unidade nacional da qual fazia parte e, por
isto, justificava-se 0 uso
pública palmarina desenvolver as suas instituições nternas, as suas da força armada para esmagá-ia e
reparar os nossos brios patriótiços?
forças produtivas e aprimorar a sua dinâmica econômica é social Neste particular de nação dominada
até hoje temos um exem-
pacificamente. Mas a história não se faz sem contradições. Pelo con- pio clássico: a Irlanda do Norte está
dominada política e economica-
trário. A contradição faz parte imanente das leis sociológicas que de- mente pela Grã-Bretanha, mas isto não
lhe tira a condição de ser uma
terminam a dinâmica ou retrocesso dos grupos, classes, comunidades nação nem o direito de separar-se da
Inglaterra, Evidentemente que
e nações. Por isto Palmares foi destruída. Não por ser uma ameaça do ponto de vista histórico & sociológic
o as diferenças são imensas,
à civilização, como quer Nina Rodrigues, mas, pelo contrário, por Não queremos equiparar os dois exem
plos, mas apenas mostrar co-
ter sido uma ameaça à sociedade escravista que « rodeava, pelo seu mo através do conceito de unidade nacio
nal muitas vezes os direitos
exemplo de eficiência organizacional, Um viajante que aqui esteve em das nacionalidades são esmagados.
1871, Oscar Constatt, observou muito bem o probkma e escreveu: Depois dessas considerações vamos apres
entar algumas razões
que, Ssupomos, podem iniciar a análise
A prosperidade da república dos negros preocupou no mais alto grau do ponto de vista que sugeri-
mos. No nível de análise teórica, Palmares
o govermo. Os portuguasos resolveram por isso pórihe tim, e não tar correspondia aos requisi-
daram a enviar tropas, num total de 7 mil homens contra os temivels tos sociológicos, políticos e econômicos
suficiontes para ser consi-
palmarenses. Como ge tinha O Inimigo em multa pouca conta, não tol derada uma nação em formação?
julgado necessário armar à força com canhões, e acompleta dercota Porque — destaquemos este detalhe
desta depressa mostrou aos portugueses que não lhes soria fácil al — o Brasil, naquele tem-
po, não era um país independente,
cançar o designto visado, Só depois de levarem canhões é abrirem bre tendo, como nação, mais contra-
dições regionais e políticas do que
chas nos muros de Palmaras, formados de grossos troncos sobrepostos, Palmares, Há mesmo sociólogos
e historiadores que consideram, até
foi quo a resistência desesperada, que Os palmarenses tinham otere- hoje, o Brasil uma nação incon-
cido até então, cedeu um pouco, é permitiu que por fim os portugue- clusa, O que levou a República de
Palmares a ser condenada e cx-
des 98 assenhoresssem da cldadola.** tinta foi, como já dissemos, a sua estru
tura social e econômica co-
O que deve ser destacado aqui é que o autor assinalou a prospe- munitária que se chocava com 0 sistema
baseado nas relações escra-
ridade da República como a causa de sua destruição através de uma vistas. Aqui, parece-nos, é que está
à chave do problema: Palmares
operação militar, De fato, não eram as escaramuças dos negros pal- era uma negação, pelo seu exemplo
econômico, político e social da
marinos, rapto de escravos ou mulheres, que preocupavam o gover- estrutura escravista-colonialista. O
seu exemplo era um desafio per-
no, pois esse tipo de bandoleirismo era muito comum naquela época. manente é um incentivo às lutas contra
o sistema colonial no seu con-
O que determinou, segundo pensamos, a empresa de destruir Palma- junto. Daí Palmares ter sido consider
ada, sempre, pela crônica his-
tórica tradicional, um valhacouto de
res foi, exatamente, O seu exemplo de uma economia alternativa, com bandidos e não uma nação em
ntmo de produtividade maior do que a Colônia, desafiando, com is-
formação, que estava desenvolvendo uma
trajetória altamente diná-
mica e desafiadora & todas as técnicas prod
to, à Outra economia (escravista) em confronto com 4 economia co- utivas é estruturas de rela-
cionamento social do escravismo.
munitária praticada na República. A sua destruição, por isto mesm
o
E festejada com as pompas e homenage
Poderíamos, por isto, considerar Palmares como uma nação em ns de uma guerra vitoriosa.
q E o Melo de Castro comuniçava ao reino
formação? O que é uma nação na sua definição clássica? É uma co- o notável feito
munidade estável, historicamente formada, que tem sua origem na
comunidade de língua, de território, de vida econômica e conforma- A notícia da gloriçsa restauração
dos Palmara: 9, cuja felizi vitória
ção psíquica que se manifesta em uma cultura comum. avalia por menos quo s expulsão se não
dos holandeses 4, assim, fegtg
iada
tm YNIOLOGIA DA REPÚBLICA DE PALMARES - NOTAS E ETA BANCO ApNCÓRA é

por todos entes povos com 6 dias do luminárias, sem que nada disto
sa lnos ordenasse
Como vemos, pela importância que se deu à dstruição de Pal- f tadores acima con :
j , , seguir
mares temos à evidência de que, no bojo da estrutwa colonial e es- ; à Quilombo to Ambrósio « Uia da pa o do Quil E
cravistavital
asda queidade
existiu naarON
e deic época, a existência
V Dio da República
, 6 Móa EBD de MARÍ de APalmares, ou Quilombo da Serra Luanda, inclusive locslizando desenhos rupestres
Eco. como exemplares de uma arte quilombola. (Cf, GuimaRÃe
: no & s, Carlos Mag-
nômico,
1 coseu exemplo de relação comunitária
j e harmo mia social
i h Pala Lanna,ads
A Ana Lúcia Duart
— Etrdos da e.AU lo pretdernhos em Minas Go
determinaram a sua extinção. Isto porque, segundo pensamos, era | Leopoldo, Instituto Anchictano de Pesquisas, (31), 1980.) ;
uma alternativa surpreendentemente progressista para a economia é * CARNEIRO, Edison. O quilombo dos Palmares, São Paulo, Brasiliense
os sisdetem ordenação
as social da época, Um embde riã
nação oque i 1987. p. &.
foi destruído para que O seu exemplo não determinasse uma econo-
mia quey transcendesse Os padrões econômicos Ad Décio. Palmares; a guerra dos escravos, Porto Alegre, Moviimen-
escravista. e políicos do sistema : me
! ui desconhecido exist
na Torre do Tr
existente
Tombo, P. T
gel, transcrito por Alfredo Brandão em -
“Documentos antigos sobre a pisa
dos negros palmarinos", comunicação
apresentada ao 2º Congresso Afro.
brasileiro, realizado em Salvador, 1937,
e reproduzido no volume O negro
! a Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1940, p. 277.
Notas e referências bibliográficas * ROCHA PirTA, Sebastião da. História d
vador, Progresso, 1950. p. 298. e :
; s CARNEIR ANA FsesinRanaas 3. 0)
E No processo historiográfico de mitificação de Zumbi O, Edison, ;
é significativo este * Carta Pipe
trecho de M, M, de Freitas no páriicaiat: Dada que snerquade lot, ce aa
rd palmari
da ooo ná pi agent : sobre “O ERR é RD
e que sc atirou Ano o do rochedo pio com
bi Siva «s seus oficiais
trezemos € do de junho de pe
ea s . pr Ermesto. As guerras dos Palmares.8 queSãoassistem
Paulo, Na-
Terço Puoa: ao é o mesmo Corra jacarta some
novembro de 1695 por uma part
se 1º CASTRO Yeda Posso de. A presença cultural
mesmo terço 1
André Furtado de Mendonça, Mesmo que seja uma lenda na legítima ex- aii tidade. Salvador, Centro de Estudos Peres a id
pressão do termo não deve ser destruída, quanto mais tratando-se de um Sobre a influência das linguas banto nó português literário do Brasil, ver
fato histórico já cristalizado por quase três séculos de existência!” (FREI. PintO Butt, Benjamim, Les apporis linguistiques du kimbundu ou bra-
TAS, M. M. de, Reino negro de Palmares. Rio de Janeiro, Biblioteca do silten, Dakar, Comunicação Apresentada ao Colóquio Negritude e Amé-
Exército, 1954. v. 2, p. 770.) Esse processo está sendo acompanhado por K ip Latina, 1974. Mimeografado.,
outro, no sentido inverso, de desmitificar Zumbi e colocá-lo como perso- ASTRO, Yeda Pessoa de. Os falares africanos na int
nagem histórico, Neste particular os trabalhos de Décio Freitas foram tm- a Colônia. Salvador, UFBa, 1980. p. Is. erução social: do Brasil
portantes para se conseguir estabelocer uma biografia de Zumbi. O Idem, Os falares africanos na interação ; séculos. Mi-
historiador Joel Rufino dos Santos foi quem publicou, am praia e Sa, meografado. ação social dos primeiros
pela primeira vcz, a sua biografia. (SANTOS, Joel Rufino dos, Zumbi, São “ Estu tese foi por: nós exposta no | Simpásio Nucio
na! dos i to
Ena ROME
* UNESCO: BRAorale africaine. Dossier Documentaire, s.d. p. 134,
La tradition Palmares,
de realizado
1981, quando peia Universida de Federalo de"Esboço
AgnesdeemumaBoveniro
apresentam os a comunicaçã sociolo-
Ê ta da j " :
Ao que estamos informados infelizmente não se fez nenhuma tentativa de e nda E bo pod es. A hipótese está atunimente sendo confir.
pesquisa arqueológica na região de Palmares, Parece-nos que o emprego 8
de técnicas arqueológicas poderia abrir novas perspectivas 2 possivelmen- ERRITAS, Décio, Palmares — A guerra dos escravos. 5, ed, (Reescrita, re-
te esclarecer muitos aspectos da sua realidade ninda obscuros. No particu- sá sta € ampliada.) Porto Alegre, Mercado Aberto, 1984. p, 41.2.
lar, os professores Carlos Magno Guiraardes e Ara Lúcia Ed apa = CARNEIRO, Édison. Op. cit., p. 48.
da Universidade Federal de Minas Gerais, executaram um tra pio- “RAMOS, Duvitillano. A posse útil da terra ent
neiro de prospecção aplicando técnicas da arqueologia os qui '
para estabelecer Sociais, Rio de Janeiro, (3/4): 395-6, dez. 1958, ur ota: Eneias
te SOCIOLOGIA DA REPUBLICA DE PALMARES

e
cena
roi
nte se fazer um comentário bre sobreàa inexistênciada
ud
inexistênciada pe
pecuária entre
Já que, em quilom bos de outras regides elsesdstia, Um exem-
plo é o do Quilombo do Ambrósio. Mais intrigame tornase O fato do saber-
H
se que na região da República de Palmares a pecuária em largamente prs
ticuda, O negro visto contra o espelho
de dois analistas
2º Frervas, Décio. Op. cit., p. dá.
* Idem, Ibidem, p. 38.
22 14, 1
Idem, Ibidem, p. 38. =
23 Rreeiro, Josquim. Capítulos inéditos da Histério do Brasil. Rio de Ja- e
neiro, Organização Simões, 1954. p, 126-7
2º Idem, ibidem, p. 102.
25 Esta influência poderá ser constatada em CARNEIRO, Edson. Negros ham
tos, Rio de Jançiry, Civilização Brasileira, 1937, espociaimene a puros que
trata dos candomblés de caboclos. Mais modernamente, Carmes Ri Fo
publicou um trabalho muito interessante sobre o arual estado desse movi-
mento de Interação: Religiosidade do índio brasileiro no candomblé da Ba-
hia: influências africanas e européias, Afro-AÁsia, Salvador, (14): 60-80,
dez, 1983.
*º* RocHA PITTA, Sebastião du, Op. ck., p. 2967,
2 CARNEIRO, Édison, Op. cit., p. 4243.
28 Idem, ibidem. 1. Um fluxo permanente Um vast
29 Idem, ibldem. | de estudos sobre o Negro teratura os profundo fluxo de H-
sobre o negro brasilei-
*0 Constarr, Oscar. Brasil terra « gente (1871). Rio de Janeiro, Conquista, ro, de todas as tend
ências é graus
1975, p. 164, ; de importância, vem atestando, de
maneira inequívoca, a relevância
* Apud Ennes, Emesto. As guerras nos Palmares. São Paulo, Nacional, que assume, na nossa sociedade comp
etitiva e preconceituosa, o pro-
1938, p. 106. blema das relações interétnicas. Esse
fluxo bibliográfico € essa dis.

a
cussão permanente, em vários nívei
s, que procuram suprir de
elementos interpretativos e/ou fatua
is aqueles que
se interessam pelo
assumo é bem uma evidência de que
a nossa intelfigentsia está sensi-
bilizada diante do fato/problem
a e, de uma forma ou de outra,
cura oferecer elementos capazes pro
de ajudar a manipulação de uma
práxis capaz de resolvê-lo, Por outro lado, o
interesse
de segmentos
€ grupos em relação ao assunto
mostra como ele saiu do nível de
cussão meramente universitária e dis-
acadêmica para comp or uma das
preocupações relevantes da sociedad
e brasileira, O assunto Negro che-
&ou, mesmo, à estar em moda em
determinada época. Estudiosos de
todas as tendências procuravam,
à sua maneira, abordar o assunto
e oferecer, muitas vezes, soluções de
acordo com as suas preferências
pessoais ou grupais.
dirt Sm

Atualmente, essa curiosidade tran


sformou-se em grande parte
em interesse acadêmico, especial
mente no plano de teses para
8 ob-
ts O NEQRO VISTO CONTRA O ESPELHO DO DOS AMAL NTAS
UM FLUXO PERMANENTE Da ESTUDOS SONRE O MECIRO
tenção de títulos de professores ou à conquista de cátedras. Deixou us

de ser visto por muitos como problema social e passu a ser encarado Na área universitária podemos
citar Os trabalhos de Napoleão
como tema universitário. Ficou, assim, desvinculade daquelas razões Figueiredo *, no Pará , trabalhos de vários cien
iniciais que imprimiram aos primeiros trabalhos sbre 0 negro um versidade Federal da Bahia ? tistas sociais da Uni-
€, especialmente, a atividade nest
ethos interessado, operacional e participante. tido desenvolvida pela Uni e sen-
versidade de São Paulo. Borg
Muitos desses estudiosos, pela sua situação na estrutura da so- ao expor o programa do Dep es Pereira
artamento de Ciências Soci
ciedade competitiva brasileira, especialmente ao nível de conçordin- que O interesse pdos ais, salienta
estudos sobre o negro varia de
cia ideológica com os seus padrões normativos, procuram das-ihe uma trabalhos estão praticamente cent área e que esses
rados ne área de antropologia e
solução (quando & procuram) paternalista e filantrópica, falo que le- sodicamente na de sociologia, epi-
Afirma ainda que “na de ciência
vou, por outro lado, a que se descurassem de maneira quasetotal dos tica venhum trabalho se propõe polí.
a explorar o tema", * Como vem
problemas teóricos « metodológicos capazes de desnitificar o assun- há ainda uma falta de sintonia dess os
es trabalhos com um interesse po-
to, dando-lhe, assim, as premissas para que seja possivel uma inter- lítico em relação ao problema do
negro. *
ferência prática e dinâmica no plano de resolvê-le através de pa- Por cutro lado, várias entidade
s negras têm dado contribuiçõe
râmetros operacionais científicos. e dinamizado esses estudos de for s
ma não-acadêmica, trazendo a pro-
Esse abandono (parcial ou toral) dos problemas enunciados aci- blemática para um espaço mais
próximo e polêmico. Entidades
ma tem, também, sua explicação na própria realidade étnica que es- mo o Movimento Negro Unificad co-
o, o Centro de Cultura Negra
ses estudiosos procuram interpretar, É que o problema do negro se Maranhão, O Centro de Estudos do
do Negro no Pará (este fundado
entronca em outro: o problema do escrovo. 1890, sediado em Belém), o Gru em
po de Trabalho André Rebouças,
A criação dessa imagem dicotômiça (negro/escravo) no bojo da Instituto de Pesquisas das Cult o
uras Negras (IPCN), a Socied
sociedade competitiva que substituiu q escravidão e dos blocos inte- Estudos da Cultura Negra no ade de
Brasil (Secneb) e o lastituto Bras
lectuais, surgiu, portanto, como resposta alicnada de uma sociedade de Estudos Africanistas, entre outr ileiro
os, têm participado ativamente no
altamente conflitante a um problema polêmico, pois 0 negro, trazido sentido de tirar a discussão do
problema do negro do nivel de
do continente africano, era integrado, ou melhor, era cosrcivamente constatação universitária, para mera
dinamizá-io rumo à sua solução.
integrado em uma sociedade escravista. A imagem do escravo do pas- Como vemos há toda uma ref
ormulação epistemológica em re-
sado ficou automaticamente incorporada ao negro do presente. Os lação ao assunto que saiu do
circuito fechado das áreas aca
cientistas sociais ou estudiosos de um modo geral que partiram para para se incorporar ao cotidian dêmicas
o critico de grandes camadas
analisar essa realidade tinham, obrigatoriamente, de sofrer a influência lação brasileira que são atingida da popu-
s pelo seu núcico de conflito.
dessa situação. temente, refletindo essa pre Rece n-
ocupação crescente pelo assu
receram dois livros que analisam nto, apa-
Esse condicionamento do sujeito ao objeto veio dificultar du- o escravismo no Brasil e na Afro
rante muito tempo o seu esclarecimento, Isto porque ao abordar-se América. Eles serão motivo de -
reflexão no presente capítulo,
o problema do negro tinha-se, de forma subjacente, mas com impli- O primeiro, de Kátia de Queiroz Mat
livro apaixonado pelo tema e pelo
oso * é, antes de tudo, um
cações variáveis no nível de interpretação, a imagem do escravo, o s problemas paralelos que são le-
homem/coisa, que atuava de permeio, deformando e disfocando a vantados, [sto não o desmerece
, pelo contrário. Não foi outr
imagem concreta do negro que se desejava retratar e conhecer. Marx quem escreveu que o senão
“'o homem como ser objeto
isto mesmo, sensível é, por
Superando essa visão alienada está surgindo uma produção que UM ser que padece, e por ser
um ser que sente paixão,
parece marcar um novo nível na perspectiva de se conhecer a contri- um ser apaixonado. A paixão é a forç
buição do negro na formação do Brasil, contribuição que em parte de energeticamente para 0 seu obje a essencial do homem que ten.
to", * À autora interroga-se ini-
surge das universidades e, de maneira significativa, dos grupos « en- cialmente se não será audá cia da
sua parte pretender ir ao encont
tidades negras que se articulam dinamicamente em várias regiões do dos escravos brasileiros e enu ro
mera as razões do seu temor,
país. do, em primeiro luga
r, tratar-se de uma “multidão
colo
obscura que ja-
can-
mais teve voz própria, cujas
sabedorias não são as nossas
” e, em
189º O NPGRO VISTO CONTRA O ESPOLHO DE exe ANALISTAS
UM ELUxO PERMANENTE DE ESTLÉOS
segundo, o fato de querer “abordar um tema SOBRE O NEGRO 19
o amplo, de um país do que no Brasil, além de Outr
tão vasto, num período tão extenso”. os fatores, como o fato de
Por isto mesmo escreve que “meu ensaio inima-se nizado pela nação capitalista ele ser colo-
desse duplo mais desenvolvida da época,
esforço. Seu título, na voz passiva, não é uma figura triangular não teve Propor o tráfico
de estilo: implica ções capazes de descapitaliz
ção. Sobre o tráfico tri ar aquela na-
o desejo de adotar o próprio ponto de vista angular voltarei a insistir
do esravo. Aponta a von- neste capítulo,
tade de acompanhar cada passo de sua vida indivi Kátia de Queiroz Matoso
dual e coletiva”, não fica, porém, apenas
explicação sonomicista, Pelo no nível de
Como vemos, a autora assume conscientenente postu contrário. Procura, com pen
ra de Je- gúcia, destacar certos aspect etrante at-
var O seu discurso no mesmo nível do negro escra os sociopsicológicos que aco
vo e não sobre ele, O processo. Faz, por isto mpanharam
acima dele, , distinção entr
e o carivo africano e
vo brasileiro, o escra-
A partir desta posição sensível, a autora traça um painel
histó- Evidentemente que esta abo
rico/imerpretativo daquilo que foi o regime escravista entre rdagem sutil (e nos parece inéd
nós. Pro- não destrói ou dilui a visão ita)
cura, nO mesmo tempo, unir o problema do exrav sociológica da divisão da soc
ismo à herança leira da época em duas classes iedade brasi.
cultural africana, mostrando como o primeiro
fenômeno não conse- fundamentais, a dos senhores
À e a dos
guiu sufocar as manifestações culturais daquela popul ender-se O negro, ao ser cap-
ação que, mes- turado na Africa, como um
mo submetida ao mais oxlioso sistema de explo ser embutido em uma ulruis
ração, procurava drenos cos ipca:
e fissuras na estrutura através dos quais conse
guia manter, mesmo
remanipulando ou camuflando, os seus padrõ
es culturais fundamen- como coisa, Destac ando q sobrevivência, no escr
tais. Dava-lhes uma função de resistência cultural, ridade como ser, a autora avo, da sua interio-
A autora inicia o seu livro com um painel intere demonstra como o escravo
ssante e profun- bém como agente ativ pode atuar tam-
do do mercado negreiro na África, mostrando o do processo de dinâmica
de mancira convin- perdeu a sua interioridade social, pois não
cente as diversas formas através das quais O impér humana.
io português or- Kátia de Queiroz Matoso, den
ganizava esse comércio: o tráfico como empreendim tro deste esquema imerpretativ
ento privado, o ao dest acar as relações de produç o,
tráfico exercido em comum com outras atividades ão e, aomesmo tempo, os elemen-
eotráfico submis- tos sociopsicológicos que per
so às normas do asiento. Acha à autora que houve manecem no escravo, aborda
um excepcionalis- râmetros do escravismo bras outros pa-
mo no caso brasileiro, pois acredita ter ele escapado ileiro, alguns já bastante
ao clássico tráfico debatidos como a taxa de mor estudados e
triangular, de acordo com à teyria de Eric Wille talidade no tráfico, média
ms. Acreditamos, no ESCTAVO €, especi almente, taxa de vida do
entanto, que embora não tendo o mesmo comp
ortamento do tráfico cativo africano no navio negreirode mortalidade durante à viagem do
triangular das Antilhas, não há como explicar a existê que no Brasil. Narra a via
da África aos portos de desembar-
ncia e prosperi- gem de um navio negreiro
dade desse tipo de comércio no Brasil e a acumu e conclui
lação de capitais nas
metrópoles sem às mecanismos da triangulaç Nessas condições a taxa
de mortalidade a bordo
ão, é alovada. A vista é
É verdade que ele não se manifesta de forma tão clara e dura no navio para todos
os homens, os de tripulaç
trans- Para estos calculou-se uma ão e os escravos,
parente como nas Antilhas. Mas, nas diversas fases taxa média de mortalidade
do tráfico, não Na verdade, 08 esiudos quamtHativos da 15 4 20%,
podemos explicar O crescente múmero de negros impor são quass inteiramente Inex
tados €, ao mes. tentas é astamos mai info
rmados. No ontanto, é poss ig.
mo tempo, a descapitalização permanente da Sortas ordens de grandeza ivel estabelecer
Colônia, sem sé con- para os Sóculos XV
cordar com o fato de que a nossa produção foi Casos isolados, o para os eIXVII, com o apoio de
exportada em parte séculos XVIII 8 XIX, com
exemplares mas limitados a alguns a ajuda de estudos
significativa em troca do braço escravo. Se assim não anos . Em 1869. Frei Tomé de Ma-
fosse teriamos Cedo cita o caso de uma nave
conseguido a acumulação de capitais suficiente para que transportava 500 cati
que o ciclo capi- vos. Somento
talista se completasse no Brasil no seu sentido clássi j quarto do carregamento (24%
co e não teríamos ),
desembocado no capitalismo dependente. Nos Estad cinco navios, cada um dele Correta de Souza, onvia ao Bras
os Unidos, co- s com sua respectiva carg il
mo o tráfico é extinto em 1808 e as proporções dele 195 cativos des quais 85 a;
são bem menores morrem (44,486)
220 cutivos dos quais 128 mor
rem (5754)
ma CO NEGRO VSTO CONTRA O FSPELHO DE HS
ANALISTAS
QUANDO OUITALHE QUER SUPERAR O ConNsunto mm
357 cativos dos quais 157 mormem (43,9%) vos será escravo ou senhor.
142 cativos dos quais 51 morrem (35,2%) Devemos, inicialmente, dize
do isto acontese em uma for r que quan-
297 cativos dos quals 163 morrem mação social escravista rep
(54,89%) situação de exceção e resenta uma
De uma carga total do 1211 cativos somente 628 é por isto incaracterística.
mbreviveram & tra- Ninguém caracteriza uma
vassia (49,2%), E Outros 68 morram Imediatamente formação econômico-so
após o desem- seções como seria O caso aci cial pelas ex-
barque, * ma. E quando a autora destac
e que surgiu, muito espora a este deta-
Temos dúvidas e reservas a Fazer quanto dicamente, nas brechas do
à ténica de cálcul o ! sistema es.
estabelecida pela autora, o que pode ser no) está assumindo uma po-
visto nas páginas seguintes ação metodológica (e ttórica)
do seu livro. Queremos ressaltar, no entanto, de um relativismo absoluto
aquilo que nos parece cado, pois se fássemos anal « equivo-
mais relevante o transparente, ou seja, muita isar um tipo de formação soci
s veze à autora, para distinguir aquilo que lhe é fun al sem
justificar uma posição maternalista em damestal do que é acidental,
relação ao ecravismo brasi- te é tópico, não haveria pos irretevan-
leiro, aproveita-se de situações atípicas, exceçõ sibilidades de uma ciência
es do sitema, para fazer No caso o que se deve analisar social,
interrogações que revelam à suga perplexidade. não é o nível de exploração
Outras vezes afirma escravo, a situação melhor do
coisas desconcertantes como quando diz que ou Pior no nível de tratament
o escravo ao vender og no processo da extração do sob o senhorial
seus serviços no mercado de trabalho é explorado retrabalho do escravo. O que
« explorador ao mes- se deve
mo tempo,
Ora, O escravo, exatamente por sê-lo, não
pode, pela sua con-
dição estrutural e jurídica alienada, alugar
Os seus serviços para, com
isto, conseguir uma taxa de lucro pessoal.
Quem o faz é O seu senhor, alienação total da pessoa do
através de normas por ele estabelecidas e que escravo, ou seja, a impossibi
são transmitidas ao ca- ele possuir O seu próprio cor lidade de
tivo para serem cumpridas. O senhor sub-r po, que funciona como mer
oga ou transfere 40 escra- um proprietário estranho, cadoria de
vo um direito que lhe é inalienável, Por isto é qu
mesmo O escravo não i
pode alugar autonomamente os scus serviç
os. Quem os aluga, embo-
ra sem participar direta ou pessoalmente da
transação, é o seu senhor, * Outro asp
ecto que queremos destac
apesar de na transação ele não se encontrar ar no livro é exatamente
presente, Tanto assim que ta posição um tanto tímida, e es.
as normas de serviço são estabelecidas pelo senho ao mesmo tempo dúbia, sobre
r e são por nenhu- cia das relações de trabal a essén-
ma organização de escravos e aquilo que o escrav ho que se estabeleceram
no Brasil durante
o recebe pelo traba- à vigência da escravidão. Diz
lho executado é, na sua totalidade, do seu à autora que;
senhor, o qual transfere
voluntariamente ao escravo, em retribuição,
uma parte do mesmo para
sua subsistência pessoal pela qual, aliás,
o senhor é responsáve
l para
manter à máquina de trabalho em perfeitas
condições operacionais,
Se0 escravo de ganho transfere uma parte do que
recebe da alimen
-
tação para poupança pessoal, isto não
modifica, no fundamental, a
essência das relações da total subordinação ao
seu senhor. Aqui desejamos tecer alguns
comentários de ordem teór
Acreditamos que a autora, ica.
como aliás acontece amiúde
sos cientistas sociais, ao Prócur entr e os nos-
ar situar certas particularidade
Mo o escravismo moderno s de co-
2. Quando o detalhe manifestou-se no Brasil, cai
A autora aprofunda o seu painel substituir o conjunto pelo no erro de
quer superar o conjunto detalhe. O que é fundament
de dúvidasc reflexões interroga- secundário. No entanto, q sis al pelo que é
tivas, perguntando se o escravo que é tamb tema escravista, como modo
ém possuidor de escra- ção, é caracterizado, no fun de produ-
damental, pelas suas relações
de produ-
tá O NEORO VISTO CONTRA O ESPESLIIO DO DOS ANALISTAS DA DIVISÃO APAIXONADA À RICADEZ CIENTIFIISTA ques

ção. O caso concreto do Brasil não foge à regra, mas, pdo contrário, dentro do espaço social escravo, A sociedade escravista, uma socie-
a confirma, Sobre a situação de estrutural aficnação do escravo diz dade de classes fechadas, não permítia que houvesse a possibilidade
Marx: de que essa mobilidade fosse além da fronteira estabelecida pela rigi-
dez do sistema.
O trabalho nem sempre foi trabalho assalariado tato é, trabatho livre,
O oscravo não vendo n sua torça de trabalho so possuidor de escra- É exatamente por não compreender a essência sociológica des-
vos, 495im como O boi não vendo o produto do seu trabalho ao cempo- sa dicotomia rigida que a autora afirma que:
nós. O escravo é vendido, com sus força de trabalho, de uma vez para
sempre a seu proprietário, É uma mercadoria que pode passar das mãos Os problemas e tensões se apresentam no Interior do mundo dos es-
de um proprietário para as de outro. Elo mesmo éuma mercadoria, mas Cravos pelo menos com a mesma Intensidade que antre os senhores,
a sua força de trabamo não é sus mercadoria. * Não sabemos em quais fontes a autora se apoiou para fazer ta!
Desta forma, as tarefas « funções que a autora vêcomo modifi- afirmação. A nós, no entanto, nos parece uma afirmativa temerária
cadoras do conceito fundamental de escravo comocoisa surge da pers- e sem nenhum apoio, pelo menos do nosso conhecimento, na pesqui-
pectiva de que a simples diversificação da divisão do trabalho dentro sa empírica. Tal afirmativa nivela, teoricamente, todos os níveis de
da estrutura escravista, divisão que se verifica apenas internamente contradições do sistema escravista, equiparando aquela que era fun-
no espaço social da classe escrava, possa modificar, no fundamental, damental (existente entre senhores e escravos) às possíveis divergên-
a essência das relações entre senhor e escravo, O fato de que, dentro cias ocasionais existentes entre os diversos estratos dos negros escravos
desta estrutura alienada e alienadora, o escravo ainda conserve os ele- ou aquelas que poderiam surgir entre os diversos segmentos da classe
mentos humanos do seu ser, embora social « economicamente seja senhorial.
tido como coisa, não nega o que dissemos acima. Pelo comrário, con-
cordamos com os termos em que a autora desenvolve em seguida o
assunto, mostrando as vertentes psicológicas dessa preservação, Isto
comprova que, mesmo socialmente alienado, o escravo ainda tinha 3. Do visão apaixonada Seo primeiro livro que comenta-
condições de reencontrar a sua humanidade existencial como ser, sem à rigidez cientificista mos pode ser considerado obra de
o que ele deixaria de participar do processo dç mudança social, de paixão e ciência, o de Ciro Flama-
tomar consclência da sua situação e contra ela lutar. E a história, den- rion Cardoso é aquilo que se pode chamar um trabalho elaborado
tro da estrutura escravista, não teria mais dinâmica, sem sua partici- de acordo com uma objetividade científica quase perfeita. “* Segue
pação. O que não se pode negar (ao concordar com isto) é que, de aquela postura neopositivista, a qual coloca o clentista social egui-
fato, as relações de produção determinam, no fundamental, as reta- distame, frio e teoricamente neutro em face do fato, problema ou pro-
ções de trabalho e propriedade, as relações sociais básicas entre as cesso observado. Armado de vasto fichário bibliográfico, sabendo
[SD

classes, grupos c indivíduos, isto é, no caso em questão, as relações manipulá-lo com macstria, realiza um trabalho erudito dentro daquilo
entre senhores e escravos, que se poderia chamar de erudição acadêmica. Neste particular a sua
Neste sentido, no sistema capitalista há, também, no seio da clas- obra é perfeita. Ele poderia colocar como epigrafe a mesma frase de
se operária, de forma mais complexa € diferenciada, essa divisão do Max Weber segundo a qual “a ciência é, atualmente, uma “vocação”
trabalho entre os seus membros. Não é, porém, essa diversificação alicerçada na especialização e posta a serviço de uma tomada de cons-
que caracteriza o sistema capitalista, o modo de produção capitalis- ciência de nós mesmos e do conhecimento das relações objetivas”,
— ———

ta, mas aquilo que lhe é fundamenta!, isto é, o trabalhador como do- O autor procura estudar em detalhes, embora o livro seja de
no de uma mercadoria (a sua força de trabalho) que é vendida ao síntese, u escravidão na área denominada Afro-América, ou seja, a
capitalista, detentor dos meios de produção « do capital. A mobilida- região do Caribe, boa parte do Brasil, porções retativamente reduzi-
de social do escravo (com as exceções óbvias de quando ele compra- das da América espanhola (costa do Peru, partes do que são hoje Ve-
va alforria ou ela lhe cera concedida pelo senhor) somente funcionava nezucla e Colômbia) e sul dos Estados Unidos. Vê-se, portanto, que
EM O NEXRO VSTO CONTRA O ESPELHO
DE DOS ANALISTAS

DA DIVISÃO APAIXONADA À RIGOD


há uma abrangência muito grande na temática paraqu EZ CiENTIFICISTA
e ele a desen-
volva em apenas 110 páginas detesto, o que soment foi possíve a certeza do sentido geral do
l pe- Processo e da falta de detalhes
secundá-
lo grande domínio que possui do assunto €, AO memo termpo, uma
ros, Neste cont exto eu chamaria a isto mais imag
didática respeitável. como quer W. Mills e não ufan inação sociológica
ismo. Não há, ao nosso ver,
Logo no início o autor, procurando resguardar a sus vimento pendular entre a prim um mo-
posição eira tendência tradicional e a
rigorosamente científica e objetiva, cria dúvidas quanto ao fevistonista mas uma espiral segu nda
critério rumo ao conhecimento em favo
r da
de alguns trabalhos surgidos recentemente sobre a escravi segunda.
dão. Para
ele, esses trabalhos são “excessivamente marcados porideo Esta posição excessivamente cmut
logias con- elosa do autor, por isto, para
flitantes: 'ernonacionalismo”, marxismo de diversa coloração, nós, nada maisé do que um refl
negri- exo em diagonal da influência da
tude, black power”, bliografia tradicional sobre O assu bi-
nto e que visa negar, basicamente,
Antes disso, convém notar, O autor chama a atenção para à importância das lutas dos escr
aque- avos (no Brasil alhures) no proc
les interpretadores convencionais da escravidão que so de transformação do escravis es-
mo. Porque o que está acontecen
do
consciente ou Inconsclontemente, assumiam o ponto
de visa dos ad: tas sociais c pesquisadores militant
ministradoros o dos senhores de escravos. Ainda em 1988, es aprofundam-se em pesquisas
rador da colonização francesa afirmava que o govera
um histo- ginais constatam a participação, ori-
dor Maurice em nível cada vez maior, do escr
Cointet "tava dificuldado e muito mérito” em voltar a prender Negro nesse processo dinâmico. avo
à tarra, Parece-nos que o desconhecime
em 1794, 05 axescravos da Guiana Francesa, libertados peis Conven- Ou à negação dessas lutas está nto
ção em 17M, submeteu-os de novo aca seus senhores, sendo destruído, gradativamente,
que receberam por
de volta "o direito" de Infiigirihos tormentos fisicos! (Devisa
, p. 03-9,)
Invocando, em seguida, o apelo de R. Hofstaditer para que a
escravidão fosse escrita, em grande parte do ponto de vista do As pesquisas de um Décio Freitas
escra- sobre Palmares, de Jasemir
vo, reporta-se ao perigo de distorção e exagero daqueles Camilo de Melo, em Pernambuc
que se colo- o (século XIX), de Vicente Salt
cam nesta posição e afirma: no Amazonas, de Pedro Tomás es,
Pedreira, na Bahia, de Ariosval
Figueiredo, em Sergipe, de Walter do
É Manigat (p. 420-38) mostrou, por exemplo, que quass Piazza, em Santa Catarina, de Wal.
todas as ans!|- demar de Almeida Barbosa, em
ses disponívois sobre a rovolução do Haitl estão excessivamento
mar- Minas Geraise de Mário Maestri
cadas por ideologias confitantes: “etnonacionalismo”, marxism lho, no Rio Grande do Sul, vêm Fi-
o de comprovando que, ao invés de
divorsa coloração, negritudo, black power, No Brasil não posição ufanista desses historia uma
estarão cor dores, antropólogos e sociólog
tos autores incorrendo em alguns oxcessos imtorpretativos que está havendo é uma inversão os, q
utanistas total do processo interpretativo
semalhantes aos do já ciássico escritor da Trinidad e Tobago
GC. L. R. história social do Brasil, apagad da
Jamos (Tha Black Jacobins), em livros sobre os cultombos e as o por uma geração de estudios
revol: sim ufanistas, que desejavam os, eles
tas negras? 2 apresentar (contra os fatos) a
cravidão como imune às contradi nossa es-
ções e à violência, naturais ao siste
É evidente que, ao se fazer uma revisão da história social da ma escravista. . '
escravidão onde se encontram fortes barreiras ideológicas conserv Para simplificar, na esteira do
a- nosso raciocínio, queremos lem-
doras, é possível que se pratiquem alguns excessos que surgem brar que outro aspecto, também
exata- colocado sob reserva pelo auto
mente da impossibilidade de o cientista social conseguir dados livro, está também sendo reestuda r do
fatuais do de um ângulo que esclarece
suficientes que o supram de informações compactas capazes série de façes do prisma. uma
de de- Referimo-nos à repercussão
monstrar O sentido geral e progressivo do processo e a sua essênci
a
do Haiti entre os escravos negros. “º da revolução
sociológica. Esses excessos são, porém, supridos à medida que as Quem compulsa documentos de
áreas arquivo no Brasil vê sempre,
de informação sobre a escravidão ficam franqueadas. Isto é, como um referencial permanente,
aquilo quer da parte das autoridades
que poderia ser classificado de excesso ufanista nada mais Colônia, quer da Metrópole, da
é do que o perigo que representou essa
ção, Os cuidados necessários para revolu-
que ela não fosse divulgada, medi
-
Ve O agko VISTO CONTRA O ESPELHO DE DOS AMALISTAS DA VISÃO APAIXONADA À RIGUDEZ CHENTIFICISTA quo

das tomadas diante do perigo e recomendações sobre stratégias ideo- sm temerem represálias, organizavam-se para lutar contra a escravi-

ÉS
lógicas « repressivas para bloquear essa ressonância. Mas além dessa dão, Na vila de Laranjeiras, Sergipe, os négros colocaram em toda
documentação de arquivo (no folclore nordestino há também remi- a cidade, pregados em muros, pasquins também nas portas e locais

e tado
niscências dessa memória), recentes pesquisas do professor Luiz R, mais destacados, colados com cera de abelha, com os séguintes dizo-
B. Mott demonstram como a revolução haitiana teve rpercessão mul- res: “Vivam mulatos e negros, morram os marotos e calados”.
to mais relevante entre os escravos brasileiros do que supenham até Ainda em Sergipe, documento enviado ao Governador das Ar-

Caia
agora os historiadores tradicionais. Mostra como, em 1805 (um ano mas descreve;
apenas, portanto, após a proclamação da independência do Haiti),
Uma pequena faísca faz um grande incêndio. O incêndio já foi lavrado.

use
no Rio de Janeiro No jantar que deram nas Laranjeiras os “Mata Caiados” sa fizeram três
saúdos; à primeira à exlinção de tudo quanto é do Relno, a quem clya-
o Ouvidor do Crime mancara arrancar dos peitos de alguns cabras a
mam de “marotos"; a segunda a tudo quantoé branco no Brasi, a quem
criouios forros O retrato de Dessailnos, Imperador dos Negros da liha
chamam de “culporas”: a tergeira à igualdade de sangue « do direitos
de São Domingos, E o quo 4 mais notável ara que estes mesmos ne-
(+) UM menino E... Irmão do outro bom menino, fez multos etogios ao
gros estavam empregados nas tropas da Milícias do RO de Janeiro, om
Rei do Haiti,e porque não o antendiam, falou mais claro: São Domin-
de manobravam habimsnte a artilharia.
008, 0 Grande São Domingos, **
Ainda, segundo o mesmo autor,
Outro documento importante, também transcrito por Luiz R.
Em 1808, na sua famoss “Análise sobre a justiça do comárcio do res B. Mott, refere-se ao temor das autoridades de um possível contágio
gate da costa da África”, o bispo Azerado Coutinho spontava os “no direto da revolução haitiana no Brasil. Trata-se de um ofício do De-
vos Hlósolos"” que se diziam defensores da humanidade oprimida, como sembargados Encarregado da Polícia da Corte do Rio de Janeiro, Pe-
os culpados não só pets Revolução Francesa, mas também pela corn
ficina da tha de São Domingos. Este tomor das classes dominantes
dro Antônio Pereira Barreto, dirigido ao ministro da Justiça, Informa
fica explicito em documento secreto escrito por um agente francês a e Ra que os negros de São Domingos desembarcaram no Brasil,
D. João VI, redigido entra 1823 e 1824, no qual o seu autor afirma que z ele;
“deve-se demonstrar as desgraças a que cortamanta 56 exposm as pas-
soas brancas, principalmente Drasifairos brancos, não se opondo à per- Relativo 20s pretos da Ilha de São Domingos que aqui existem, intor-
seguição s aos massacres que sofrem 08 pOnuguesos europeus, pois mo que ordene! so Comandante da Policia a sua apreensão. Conseguiu-
embora havendo aparentemente no Beagil só dois partidos (o Hberal é 90 prender Podro Valentim, que residia na Hospedaria das Trás Ban:
o conservador), existe também um terceiro: o partido dos negros e das deiras. Tenho continuado na diligência de apreender q outro, que
consta
pessoas de cor, que é o mais perigoso pois trata-se do maior numeri- que é clárigo, e tui informado que foi visto ontem na rua dos Tanoel.
camenta falando. Tal partido vô com prazeí 4 com esperanças crimino- oa, om mero do multos pretos, não sendo porém encontrado
quando
sas as dissenções existentos entre os brancos, os quais, dia a dia, têm foi mandado prender. *
seu número reduzido.
Em outro trecho do livro que estamos comentando, O autor, sur-
Todos os brasileiros, e sobreludo os brancos, não percebam, sutician-
temente, que é tompo de so fechar a porta aos debates políticos, às preendentemente, generatiza de forma peremptória um problema du-
discussões constitucionais? Se se continua à falar dos direitos dos ho- vidoso em relação às suas conclusões enfáticas. É quando afirma que
mens, de igualdade, terminar-se-4 por pronunciar a palavra fatak: |iber-
dade, palavra terrivel e que tem muito mais força num pais de escravos na sociedade hispano-americana eram os Índios os elementos que
ocu-
do que em qualquer outra parte, Então, toda a rovolução acabará no param o setor mais explorado e humilhado da estrutura social: am com-
Brasil com O levante dos escravos que, quedrando algumas algemas, paração com eles, os escravos e libertos de origem africana estavam
incondiarão as cidades, os campos e as plantações, massacrando os em situação melhor,
brancos é fazendo deste magnífico império do Brasil uma deplorávol Acontece, porém, que recentes pesquisas em torno do assunto
réplica da brllhanto cotônia de São Domingos”, '*
não confirmam de forma tão categórica e genérica esta afirmativa do
Se este era o temor das classes dominantes escravistas « de suas autor, “* Pelo menos no Peru as pesquisas de Emílio Harth-Terré pro-
autoridades, outro era o comportamento dos negros e pardos os quais, vam exatamente o contrário, Segundo essas pesquisas, índios perua-
MU MORO VISTO CONTRA O PaPPidoo DÊ Gems analistas DA VISÃO APAIXONADA 4 RIGIDEZ CJENTIPICESTA Mei

pelos planos, como os daqueles Ideres, em lugar de o fazer, por


nos dedicaram-se a traficar escravos negros e, mais anda, a comprá- exem-
plo, pela extensão da pequena economia camponasa! '*
los para trabalharem em seus teares c em outros génros de ativida-
de. Suas pesquisas demonstram, por outro lado, queo tráfico de es- O que acho que devemos levar em conta na reflexão de um pro-
cravos negros pelos índios peruanos (inclusive por comunidades cesso tão complexo como este é que Os escravos negros, ao saberem
indígenas) em três séculos de vice-reinado fica fartamente evidencia- da revolução haitiana, não raciocinaram em termos de projetos políti-
do. A extensão desse tráfico e dessa apropriação de regros por parte cos e/ou econômicos concretos, mas a viam como uma ideologia de
de indios que se situavam, ào contrário do que afirma o autor, em libertação ou utopia de libertação, isto é, mesmo não tendo conheci-
estratos superiores na sociedade do Peru colonial estásendo verifica- mento do seu cotidiano positivo ou negativo, inçorporavam ao seu uni-
da. Essas pesquisas, ainda pouco divulgadas, marcar, no Peru, uma verso essa revolução sem maior análise, dando-a como o detonador
abertura nova e que segue de perto a posição de brasileiros que pros das suas forças para libertá-los da escravidão, sem compará-la « possi-
veis projetos econômicos. Ver essa influência através de uma raciona-
curam reformular a história do escravismo, fugindo à pré-noções de
lidade é não compreender o seu significado social, Seria descjar-se uma
uma ideologia paternalista q sodutoramentç consagnda.
rocionalização weberiana no raciocínio radical do escravo.
Uma série de outras questões levantadas no livro nós gostaria-
mos de debater mais profundamente, O que fica para autro local, Al- Por outro lado, parece-me que o fundamental na obra de Eric
Willems não é « análise da conexão capitalismo /abolição, mas o con-
gumas afirmações categóricas, como a insuficiência das fontes em que
ceito de tráfico triangular. Mesmo com as possíveis deficiências esta-
se bascaram Marx e Weber, a correção feita a essa insuficiência pela
Lísticas o fato é inquestionável. Aliás, o autor, em outro local, escreveu
contribuição que “estudiosos modernos" deram no sentido de corri-
com justeza sobre O assunto, afirmando:
gir ou complementar esses autores deveriam ser explicitadas no tex-
to, O que surpreendentemente não acontece. A principal obra do E, Wilame, Capitalisme a? esclavago, publicada em
Ainda questionaria o radicalismo crítico em relação à obra de 1943, constitul um trabalho pioneiro e uma tentativa de desmistifica-
Eric Willems, que me pareceu exagerada e ao mesmo tempo não- ção. O autor procura explicar, mais do que o funcionamento do siste-
ma escravista nas colônias — aspecto do problema que também não
sustentável no seu conjunto, Depois de refutar categoncamente os da- deixa de sor analisado —, O nexo existente amra a asoravidão, o trátk
dos estatísticos apresentados por Willems no seu livro clássico, afir- co nagreiro a o conjunto da oconomia inglesa: para Isto, estuda seu
ma que os “recursos estreitos apresentados por Willems para de- papei "na formação do capital que financiou a revolução industrial &
monstrar as conexões entre capitalismo « abolição foram demolidos 9 papel que cumpriu o capitalismo Industrial constHuído na postarlos
destruição desses mesmo sistema escravista. No decorrer dos capitu-
sem apelação”. Volta-se, em seguida, para a obra de lanni, concor-
los, assistimos às origens da esgravidão negra no Caribe, ao desen
dando com a sua tese de que “a vinculação capitalismo/abolição não volvimento do comércio triangular, so entrelaçamento dos Intorenge
metropolitano: precisa s
deve ser limitada ao influxo do capitalismo antilhanos e britânicos so esplendor de Bristol, de Liverpool, de Glas-
igualmente levar em conta os elementos internos”, Procura argumen- gow, baseado no tráfico negreiro, à acumulação primitiva do captal,
tar sobre a influência da revolução do Haiti no Caribe, que ninguém premissa da revolução Industrial a, tudo Isto com uma documentação
considerável, bastante detalhada a precisa (...5' Foi considerável à im-
pode negar, e mesmo no sul dos Estados Unidos, como sustenta Ge-
portância deste livro para a desmistificação da historiografia colonias
novese, afirmando que: tradicional, na medida em que destrói os valhos mitos + combate é9-
peciaimento a dotormação que consiste em considerar quo a oscravi-
É completamente falso que a Ideologia dos lideres daquela revolução
dão surgiu do racismo ou de incapacidade do homem brenco para
tenha tido & inituência que lhe empresta Genovese, Sem esquecer que
trabalhar sob o sol tropical, *
o tipo de situação que instalaram no Haiti durante 09 seus govamos
representava para os negros algo quase equivalente à própria escrav)- Em outro trecho, Ciro Flamarion Cardoso escreve conclusi-
dão (tonges horas de trabalho diário, vinculação forçosa 3 uma pianta- vamente:
tion específica, castigos físicos) Não vemos por quo 08 escravos do
resto do continente, mesmo se informados cas idétas do ToussalM é Willem fol acusado de postular “explicações economicistas”, É pos.
BOUS SUCESSOTOS (O Que é duvidoso), se sentiram compelidos a lutar sivel que se tenha equivocado em algumas explicações, mas não

0
—e—-=m

o O NDORO VSTO CONTRA O CIPOLHO DF DOS ANALISTAS NOTAS E REFORÊNCIAS BEBLHNOKÁFICAS aus

grande alticuldada am descuipá-lo se levarmos em cnis o caráter plo- " CanvosO, Gro Flamarion S. A AfroAmérica: u escravidão no Novo
nsiro do sua obra, ** Mundo. São Paulo, Brasiliense, 1982.
Com o que esamos plenamente de acordo, 2 Idem, ibidem,
-

4 Para se ter uma visão da conexão das lutas dos escravos brasileiros com
as de outros países vor MOUKA, Clóvis. Quilombos: resistência ao escra
vismo. São Paulo, Ática, 1987,
“ Mort, Luiz R. B, A revolução haitiana e o Brasil. Mensária do Arquivo
Notas e referências bibliográficas Nacional, Rio de Janeiro, 13 (1).
1“ Morr, Luiz R, B. Loc. cid,
| Ver por exemplo; FioutrREDO, Napoleão. Presença aficans na Amazô- ** Idem, ibidem.
nia. Afro-Ásia, (12): 145 et seg., 1976. * CARDOSO, Ciro Flamarion, Op, cit,
? Devemos destacar em particular os trabalhos de Luiz Nott, Yeda Pessoa '* Estamos nos referindo ao trabalho de Emílio Hardt-Terré, especialmente
de Castro, Waldir Freitas de Oliveira, J, 3, Reis, Vivaldo da Costa Lima, o seu livo Negros e indios — un estomento social ignorado dei Peru colo-
Picrre Verger e da própria Kátia de Queiroz Matoso, nie! Luma, Bdorinl Juan Mejia Baca, 1973. Suas pesquisas no particular
* BORGES PEREIRA, João Batista. Estudos antropológicos «as populações começaram bem antes, tendo-se noticia de uma intitulada “La Ciudadela

a
pegras na Universidade de São Paulo. Separma da Revira de Antropolo de Huadca”, publicada no jornal El Comercio, datada de 1960, De um
giv, São Paulo, (24): 63, 1981. Afirma Borges Percira sO sçu texto; “us- modo geral, porém, evidencia-se hoje que a situação do escravo negro, pas-
sim, pode-se afirmar que, atualmente, estes estudos esão sendo desen- sada a fase genocídica da ocupação e conquista, era inferior à do índio.
volvidos sistematicamente na área da antropologia e enisodicamente na de Basta que se vejam as datas da abolição de escravidão indígena e negra
sociologia, 40 passo que na área de ciência politica neahum trabalho se em toda a América Latina, À primeira precedeu sempre à segunda. Quan-
propõe a explorar q tema". Deste programa da USP jt foram editados to à América do Norte, Eugene Genovesc escreve: “os contasos entre ne-
até agora (1986) os seguimtes volumes pela Faculdade de Filosofia, Letras gros e índios inclutam a posse de escravos, por estes últimos, bem como
e Ciências Humanas: Renato S. Queiros: Caipiras negros no vale do Ri- a miscigenação. Durame as décadas de [820 e 1830 os indios figurivam
beira: um estudo de antropologia econômica, 1983; Cantos M. H. Serra- entre os majores senhores de escravos da Geórgia e, subsequentemente,
no: Os senhores da terra e os homens do mar e Antropologia po- Creenwood Leflore, O chefe Choctaw mestiço de branco, motabilizou-se
títica de um reino africano, 1983; Irene Marta F. Barbosa: Socialização como um dos maiores fazendeiros do Mississipi, com quatrocentos escra-
e reluções racigis; um estudo de família negra em Campinas, 1983, Solam- vos. Johan Ross, o famoso chefe Cherokee, possuia cerca de cem escravos
ge M. Couceiro: O negro ne televisão de São Paulo; um estudo de relações em 1860. Por volta dessa data 05 escravos negros representavam 12,5%
raciais, 1983; Yeda Marques Britto: Samba na cidade de São Poulo da população do território indígena, apesar da maioria viver em pequenas
(INN-IDIO): um exercício de resistência cultural, 1986 e Ana Lúcia E. F. fazendas. Alguns Índias, sobretudo os Chicasaw, passavam por senhores
Valente: Político e reloções raciais — os negros e os eleições paulistas de impiedosos, mas 2 muior parte deles gozava emre brancos € negros de uma
1982. reputação de generosidade". (GEnovese, Eugene. Da redelido à revolu-
* Por outro lado, uma produção não-acedêmica vem questionando do pon- ção. São Paulo, Global, 1983.)
to de vista político a situação do negro, como os trabalhos de Abdias do 9 Carvoso, Ciro Flamarton. Op. cit.
Mascimento, Martiniano 3. da Silva, Jacob Gorender e Luiz Luna para 2 Idem, O modo de produção colonial na América, In: SANTIAGO, Téo
exemplificar alguns. Araújo (org.). América colonial, Rio de Janeiro, Pallas, 1975. p, 98-9,
“ Maroso, Kátia de Queiros. Ser escravo no Brasil. São Paulo, Brasilien- 2º CaRDOSO, Ciro Flamarion. Loc, cit.
se, 1982,
t Marx, Karl. Manuscriros econômicos e filosóficos. São Paulo, Abril,
1978. p. 41.
"Maroso, Kátia de Queiroz. Op. cit., p. 48,
* Idem, ibidem, p, 41.
“ Marx, Karl. Trabalho assalariadoe capital. In: — — & Engels, F. Obras
escolhidas, São Paulo, Alfa Ômega, s.d, v. 1, p. 63
10 Matoso, Kátia de Queiroz. Op. cit,
RAZÕES DA EXISTÊNCIA DE UMA IMPRENSA NEDEA Jos

HI
impressos na época. Assim como o negro foi marginalizado social,
econômica e psicologicamente, também fol merginalizado culturai-
mente, sendo, pq isso, toda a sua produção cultural considerada sub-
produto de uma etnia inferior ou inferiorizada,
A imprensa negra Uma imprensa que tem circulação restrita o penetração limita-
da à comunidade a que se destina irá exercer uma função social, polí-
em São Paulo tica e catdrtico durante à sua trajetória, mudando de conotação
ideológica com a passagem do tempo, conforme veremos oportu-
namente.
Durante todo o tempo em que a imprensa negra circulou, atra-
vés de jornais de pequena tiragem e duração precária, as atividades
da comunidade negra de São Paulo ali se refletiam, dando-nos, por
isso, um painel ideológico e existencial do universo do negro. Nela
se encontram estilos de comportamento, anseios, reivindicações e pro-
testos, esperanças e frustrações dos negros paulistas. É uma trajetó-
ria longa, dolorosa muitas vezes, a desses jornais que praticamente
não tinham recursos para se manterem por muito tempo, mas sem-
pre exprimindo, de uma forma ou de outra, O universo da comunida-
de, Lá estão as festas, aniversários, acontecimentos sociais; la está
1. Razões da A chamada imprensa negra de São O intelectual negro fazendo poesias; lá estão os protestos contra o pre-
existência de Paulo, pouco conhecida e divulgada, conceito de cor e à marginalização do negro. Nessa trajetória refletem-
uma imprensa negra sendo apenas relacionada em circuitos se as inquietações da comunidade e lá se encontram os conselhos pa-
universitários abarca um período que rao negro ascender social « culturalmente, procurando igualar-se ao
vai de 1915, quando surge O Menelick, até 1963. Essa extensão de branco.
atividades no tempo, bem como o papel social e ideológico que de- A preocupação com a educação é uma constante, O negro deve
sempenhou na comunidade negra da época em que existiu, vem colo- educar-se para “subir na vida”, conseguir demonstrar que ele tam-
car em evidência e discussão a sua importância e, ao mesmo tempo, bém pode chegar aos mesmos níveis do branco através do aprimora-
indugar por que em um país que se diz uma democracia racial há ne- mento educacional, Para isso, deve deixar os vícios como o alcoolismo,
cessidade de uma imprensa alternativa capaz de refletir especificamente à boemia, deve abster-se de praticar arruaças em bailes, deve ser um
as anseios e reivindicações, mas, acima de tudo, 6 ethos do universo modelo de cidadão. Em quase todas as publicações é visível a preo-
dessa comunidade não apenas oprimida economicamente, mas dis- cupação com uma ética puritana capaz de retirar o negro da sua si-
criminada pela sua marca de cor que os setores deliberantes da socie- tuação de marginalização. Dal haver, em muitos deles, a condenação
dade achavam ser estigma é elemento inferiorizador para quem a aOs excessos em festas de negros que eram tidas pelos brancos como
portasse, centro de corrupção e de desordens, Os jornais servem, portanto, pa-
Pouco conhecida e não incluída nos programas das escolas de ra indicar, através de regras morais, o comportamento que deveriam
comunicação como um capítulo a ser estudado e interpretado * a im- seguir os membros da comunidade negra,
prensa negra ficou na penumbra, como se fosse pouco significativa, Evidentemente que há variações de ideologia ou de posição em
A própria História da imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré, face da sociedade giobal, Levando-se em conta que o primeiro jor-
não a registra, * A sua importância foi subestimada e desgastada por nal, O Menelick, é de 1915 e o último, Correio d'Ébano, é de 1963,
uma visão branca da imprensa, que marginalizou Os jornais negros não é para ficarmos surpreendidos com as diferenças do enfoque de
M6 A IMPRENSA NEGRA EM SÃO PAULO UMA TRAJETÓRIA DE HEROÍSMO

detalhes ou mesmo discordâncias de posições ideológicas. Mas o nú- gro. Ent&o surgiram os primeiros jornais dos negros dentro de um es.
cleo básico do pensamento é o mesmo; a posição do tegro diante do pirito de atividade profunda. Motástia à parte, eu e o Correia Leits, à
6 de janeiro de 1924, tundamos O Clarim,
mundo dos brancos. Algumas vezes, eles assumem um caráter reivia-
O Clarim, em primeiro lugar, chamava-se singlesmente O Clarim. Mas
dicativo, outras vezes, um conteúdo pedagógico e moral, mas sem- existia, como existe ainda hoje em Matão, O Clarim, O grande [oral
pre procurando a integração do negro, espírita, A sodação de O Clarim eia à minha casa, na rua Ruy Barbosa.
Nós pubticivamos 6 jornal com opseudônimo de Jin de Araguary e Lei.
ts. Fol uma espécia de nigrógilto que formamos, para não aparecermos
como jornalistas. Depois, este Jornal fol tomando projeção. Eu devo —
2. Uma trajetória Roger Bastide, que estudoua imprensa ne- abrindo um parêntese —, de minha parte, uma grande Infivência na fun-
dação do jornal a um amigo já (mecido e que na época ara estudanta
de heroísmo gra em São Paulo, fez a sia primeira pe- de Direito, josé de Molina Quartin Fliho, que tinha q pacudônimo de
riodização. Para ele, a fas inicial vai de Joaquim Três, Ele trabalhava em O Correio Paulistano é tezia crônica
1915, com O Menelick, até 1930, A segunda começe em 1930 e val cormavalesca na época, juntamente com Menoti! dei Plachia que, na
até 1947, ano-limite da sua pesquisa. Para ele, o segundo período úpoca, fazia crônicas com o pseudônimo de Hellus.
caracteriza-se pela passagem “da reivindicação jornalística À reivin- Eu é o Quartin trabalhávamos juntos numa mesma repartição, então
dicação política", * No final do segundo período, de fato, o jornal oia me disse: “Jalma, às negros precisam ter um outro melo de viver”,
Eu disso: “Compreendo”. “E por que você não faz um Jornal?” E fol as-
A Voz da Raça assume posição política transparente, pois represen-
sim que su procuras o meu amigo Josá Correia Leite é nós começamos
tava O pensamento da Frente Negra Brasileira que reivindicou e con- * fazer O Clarim da Alvorada, (...) Mavia também A Princesa do Norte.
seguiu ser registrada como partido. A Princesa do Norte era um jornal feito com muito carinho, com mul.
Da primeira fase, o mais representativo for O Clarim da Alvo- tas dificuldades, por um preto que era cozinheiro do antigo Instituto
rada (1924) que desempenhou forte e expressiva inflsência no meio Disciplinar, onde é o Pró-Menor, E osso cozinheiro chamava-se Antó
nio dos Samos q tinha um peeudônimo que os senhores vão rir: Tio Uru:
negro. Fundado por José Correia Leite e Jayme Agular, ficou sendo
tu. Era um proto gordo, cabelos grandes, um boné ao lado, morava na
o mais representativo jornal negro até o aparecimento de A Voz da
mesma rua em que ou morava. Rua Ruy Barbosa, uns dois quarteirões
Raça. Sobre a sua fundação assim se expressou Jayme Aguiar, que após a minha casa. Todas as manhãs ela passava com a sua cesta,
faleceu pouco tempo depois desta entrevista: fazta as compras que la levar para O Instituto Discipilnar, Um dia ele
me disse. “O senhor já teu o jornal?” e me mostrou 4 Princese do Nor-
Os nogros tinham jornais das sociedades dançantes é essas Jornais te. Eu gostei do Jjomalzinho, Viaquelas críticas 6 vi uns versos, E como
das sociedades dançantes só tratavam dos seus bailes, dos seus 45: todos nós brasileiros, não há quem não goste de música, não há quem
sociados, 08 disse-que-disse, 4$ oriticas adequadas como faziam os
não goste de poesia, começamos a publicar alguma coisa no jornal do
Jornais dos brancos que existiam naquela época; jornal das costurei
Tio Urutu, Depois, com o aparecimento do nosso Jornal, Tlo Urutu con-
ras, jornal das moças que trabalhavam nas fábricas etc. O negro fica
va de igdo porque ele não tinha meios de comunicação, Então ss39 melo tinuou com q seu A Princesa do Norte e depois acabou o seu bairro
de comunicação foi efetuado através dos jornais negros da época, São e acabou o seu Jornal, surgiu O Clarim ds Alvorada que, no Início, er&
ossos jornais que nós conhacemos s tratavam do movimento associa- um jornal de cultura, instrutivo etc. é apareceram os primetros fitera-
tivo das sociedades dançantes O Xauter, O Bandeirante, O Meneilck, tos negros dentro do nosso meio. *
O Alfinete, O Tamoio e outros mais. O Mensiick fol um dos primeiros
jornais associativos que surgiram em São Paulo, criado pato posta no Como vemos por este longo e ilustrativo depoimento de Jayme
gro Deoclociano Nascimento, falecido mais ou menos há oito anos Aguiar, O Clarim da Alvorada surgiu da necessidade imperiosa de
atrás”. Esse O Mensiick, por causa da época da guerra da Abissinia os negros possuírem um órgão mais abrangente e que substituísse aque-
com a Itália, tevo repercussão muito grande dentro da São Paulo, To-
do negro fazia questão de ler O Menetick. E tinha também O Affineta.
bes microjornais que refletiam os Interesses e opiniões dos pequenos
Pelo titulo, 08 sonhoras já estão vendo: cutucava 05 negrinhos O as no- grupos sociais negros que se aglutinavam em associações recreativas
grinhas... Dopois, então, é que surgiram os magros que queriam coisa ou esportivas.
de mais elevação, de cultura, de instrução e compreensão pará O né-
Ainda segundo a periodização de Roger Bastide, na segunda fase
O jornal que se destaca é 4 Voz da Raça, que já representa uma to-
* O depoimento [os gmvado em 15 de junho de 1975, mada de posição ideológica do negro em nível de uma opção poli-
18 A IMPRENSA NEGRA EM SÃO PAULO
UMA TRANETÓRIA DE HEROÍSMO qu

tica, pois era órgão da Frente Negra Brasileira, fundaia em 15 de se-


Miriam Níoolau Ferrara inclui, ainda, na sua lista, 0% jornais
tembro de 1931, A Frente já possuía uma estrutura organizacional
Unido, de Curitiba, Quilombo é Redenção, do Rio de Janeiro
bastante complexa, muito mais do que a quase inexstente dos jor- , 4 Al
vorada, de Pelotas e 4 Voz da Negritude, de Niterói.
nais que a precederam e possibilitaram o seu aparsemento. Evidentemente
esta inclusão de jornais negros dé outros Estados, por fugir
Era dirigida por um Grande Conselho, constituido de 20 mem- ao univer-
so que estamos analisando, não será vonsiderada na
bros, selecionando-se, dentré eles, o Cheie e o Secretário. Havia, ain- interpretação sub-
sequente que faremos do contcúdo e da funcionalidade dos
da, um Conselho auxiliar, formado pelos cabos distriis da Capital, seus textos.
Acresce notar que no esquema de peiodização de Bastide
Apesar de 4 Voz da Raça já reivindicar politicamente uma posição há a inclu-
são do Princesa do Oeste, informação que Miriam Nicolau omite.
para O negro, ainda perduram, dentro do contexto do protesto, aqueles
Partindo desta listagem, Miriam propõe o seguinte esquem
postulados anteriores de um código ético para o negro, via instrução a de
periodização dia imprensa negra:
e consciência de que ele deveria igualar-se, pela educação, ao branco.
Numa periodização posterior e mais abrangente, Miriam Nico- 1º paríodo da 1915 a 1923,
lau Ferrara estabelece novos níveis de evolução da imprensa negra 2º periodo da 1924 à 1997 o
3º periodo de 1945 a 1953. *
cm São Paulo. Ela avança até o ang de 1963. Diz:
Para a interpretação subsequente do material que iremos anali-
Os Jornais da Imprensa nagra, considerados a partir de uma amostra,
sar, essa periodização servirá como um pólo de apoio metodo
são descritos em 3 periodos: No primairo período (1944/1925), há tenta- lógico,
tiva de integração do negeo na sociedade brasileira + a formeção de acrescentando-se, em seguida, que, »e atentarmos mais detalhada
«
uma consctância que mais tarde irá ganhar força analiticamente, veremos que ela reproduz determinadas etapas
da evo-
Com a fundação do Jornal O Ciarim da Alvorads, em 1924, 0 segundo lução política da sociedade brasileira. A primeira fase termin
periodo atinge seu &pice em 1931 com a organização da Frente Negra a em
1923, quando a abolição da pequena burguesia radical e militar
Brasileira, o em 1933 com o jormai 4 Voz da Raça. Estoperiodo lermmina de-
com o Estado Novo. semboca na Coluna Prestes. A segunda abrange o período que passa
O momento das grandes reivindiçações polílicas marca o tercairo po- pela revolução de 1930 até a implantação do Estado Novo,
e, final-
riodo (1945/1963), com elementos do grupo negro so filiandoa partidos mente, a última vai da redemocratização do país, após o fim da
políticos da época ou se candidatando a cargos elervos. * Se-
gunda Guerra Mundial, às vésperas do golpe militar de
1964,
Embora basicamente o núcico desta periodização esteja embu- No entanto, há uma particularidade na imprensa negra: ela não
tido no de Bastide, a autora desdobra até 1963 o universo estudado, reproduz, nas suas páginas, a dinâmica dessas ctapas
da sociedade
Miriam Nicolau faz uma revisão na periodização de Bastide por- abrangente, Muito raramente há referência a esses fatos. Ela
é, fun-
que, segundo ela, “o material de que dispomos é mais amplo”, apre- damentalmente, uma imprensa setorizada ou, como & caract
sentando um quadro minucioso de praticamente toda a publicação eriza
Bastide, apoiado nos norte-americanos, uma imprensa adicional. Que-
desses jornais. Seguindo a autora citada poderemos apresentar um remos dizer, com isto, que os Jeitores dos jornais dos
negros, para
painel de publicações diacronicamente ordenado desses jornais da se- se informarem dos acontecimentos nacionais e/ou internaciona
guinte forma: 1915: O Menelick; 1916: A Rua e O Xauter: 1918: O is, ti-
nham de recorrer à imprensa branca, ou seja, à denominada grande
Alfineree O Bandeirante; 1919: A Liberdade; 1920: A Sentineta; 1922: imprensa, É um fenômeno singular, especialmente em São Paulo,
O Kosmos; 1923: O Gerulino; 1924: O Clarim da Alvorada e Elite; Sa-
bemos, por exemplo, que no movimento de 1932 0 povo paulis
1928: Auriverde, O Patrocínio « Progresso; 1932: Chibata; 1933: A ta ou
pelo menos a maioria esmagadora da sua classe média empol
Evolução «e A Voz da Raça, 1935; O Clarim, O Estímulo, A Raça gou-se
com o chamado movimento de reconstitucionalização do país. Os ne-
e Tribuna Negra; 1936: A Alvorada; 1946: Senzala; 1950: Mundo No-
gros de São Paulo organizaram inclusive uma Legião Negra, chefia
vo; 1954: O Novo Horizonte; 1957: Notícias de Ébano; 1958: O Mu- -
da por Joaquim Guaraná, segundo informação de Francisyo Lucréc
tirto; 1960: Hiífen e Níger, 1961: Nosso Jornal e 1963; Correio io.
O seu comandante procurou aticiar negros do interior, objeti
d'Ebano. vando
levá-los a lutar pelo movimento armado de 1932, Há inform
ações,
o
DO NEGRO BEM LOMPORTADOÀ DESCODERTA DA “HAÇAS qm
se A IMPRENSA NECZA EM SÃO PALILO

ne.
embora não sendo de todo confiáveis, de que os conporemes dessa devem destacar-se pela cultura, c Os exemplos de Luiz Gama, Josê
legião foram praticamente dizimados, pois eram destacados para os do Patrocinio e Cruz e Souza são sempre invocados como simbolos
locais mais perigosos dos combates, Essa participação das vegros no e espelhos da possibilidade deste camimho para o êxito, Há uma re-
construção quise que mítica dessas biografias, como, aliás, Bastide
movimento de 1932 propiciou, inclusive, uma cisáona Frente Negra
Brasileira, pois a entidade colocou-se em posição dk estrita neutral-
salientou no seu trabalho. É por aí que o negro conseguirá a roden-
ção da ''raça”.
dade em relação ao fato.
E aqui cabe uma consideração maior e mais detalhada sobre es-
No entanto, a imprensa negra da época não reproduz o fato,
te conceito de “raça” que em determinado momento passa a circular
não o enfatiza, não o apóia e, o que é mais relevanie, não o registra.
entre os negros.
É como se o acontecimento não tivesse existido, Esta posição de
A imprensa negra reflete como os negros articulam este concel-
pequeno universo é uma constante nesses jornais. 4 sua tônica é a
to em relação a si mesmos. Oprimidos socialmente e discriminados
integração do negro brasileiro (mais negro brasilero do que afro-
etnicamente, estigmatizados pela sua marca éniça, os negros concen-
brasileiro) na nossa sociedade como cidadão. E isso deveria acônte-
tram nesta marca o potencial de sua revalorização simbólica, do reen-
cer através da cultura e da educação, das boas maneiras, do bom com- contro com a sua personalidade, Daí porque se referem à ““raça",
portamento do negro, No número 2 de O Alfinete, podemos ler,
à “'nossa raça” sempre em nível de exaltação, pois tudo aquilo que
Quem são os culpados dessa negra mancha que macula eternamente para a sociedade discriminadora é negativo passa a ser positivo para
a nossa fronte? O negro, e este fenômeno se reflete na sua imprensa. Não é por acaso
Nós, unicamente nós que vivomos na mais vergonhosa ignorância, no que o scu mais significativo c polêmico jornal tem como titulo 4 Voz
mais profundo absecamento tsc) moral, que não compreendemos fi-
da Raça. A “raça” é, portanto, exaltada e quando o negro refere-se
naimente a angustiosa situação em que vivemos,
Cultivemos, extirpomos o nosso analfabetismo a veremos se
podemos a outro, fala que cle é “da raça”, Isto está explícito nos textos dos
ou não imitar os norte-americanos. * jornais negros, Eles chegam a extremos de comparação analógica co-
mo, por exemplo, a posição de Hitler que defende a raça ariana €
os negros brasileiros: Hitler defendendo a sua raça, € os negros brasi-
leiros, por seu turno, defendendo, também, a sua. Daí chegarem a
3. Do negro ado Em toda a trajetória des- extremos de acreditar na necessidade do aparecimento de um “'Mol-
à descoberta da “raça” sa imprensa há uma cons» sés de Ébano”.
tante, conforme já assi- Essa atitude dos negros, que se reflete em sua imprensa, deve
apri-
nalamos: a ascensão do negro deverá realizar-se através do seu ser considerada mais detalhadamente, O conceito de raça e de pureza
moramento cultural e do seu bom comportamento social. Para que racial deveria ser aquele que os negros descartariam sistematicamen-
isto aconteça há, sempre, a recomendação de que a família deve edu- te por ser fruto de uma antropologia que visava colocá-los como in-
car os filhos, especialmente as moças, para que assim consigam O re- feriores, a fim de que as nações colonizadoras pudessem justificar a
conhecimento social dos branços. Por outro lado, a educação é aventura colonial, Mas tal não aconteçe, É que o negro, no caso es-
considerada como uma missão da família. A educação é uma ques- pecifico o negro brasileiro, dele se aproveita, para, numa reviravolta
tão privada e somente uma vez, ao que apuramos, há uma referência ideológica, auto-afirmar-se psicologicamente, E isto é que a impren-
solu-
explícita ao recurso do ensino público como veículo capaz de sa negra de São Paulo consegue refletir nas suas páginas. O conceito
cionar o problema do negro. É um artigo de Evaristo de Morais. No de “raça” é sempre usado por isso como motivo de exaltação da ne-
mais, todas as referências ao problema educacional vinculam-no a uma gritude dos produtores dessa imprensa. Daí, também não se interes-
obrigação familiar, ligando-o a um nível de moral puritano, Como sarem pelos movimentos políticos da sociedade brasileira, não
vemos, o problema da mobilidade social depende da cducação e esta tomarem posições ideológicas, quer de direita, quer de esquerda, nesses
da família, dos pais, da sua autoridade perante os filhos, Os negros jornais, Sobre esse assunto, José Correia Leite depõe:
43 A IMPRENSA NEGRA EM SÃO PAULO DO ISOLAMENTO ÉTNICO À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA 24)

A comunidade negra em São Paulo vivia — como mhoris que sra — Oartigo de Arlindo Veiga, do qual citamos os trechos principais, mos-
com às suas entidades é seus cluios, Por Inso, tinhanecesaidade de tra apenas uma visão abstrata do conceito de Pátria e Nação, para
ter um velculo de Informação dos acontecimentos seials que tinham descambar em um anti-socialismo aceatuado e à equiparação dos con-
na comunkiade, porque o negro tinha a sus comunidade: uma série de
cexos de Pátria « Raça.
sorrunidadas recreativas e sociedades culturais. Coma é natuea), a im
prensa branca não ia cuidar de car informações sobe as atividades
que essa comunidade tinha, Dal surgiu a imprensa mgra. Hasia tam-
bém nossos |Hecatos, nossos poetas que quoram publicar 08 seus tra-
balhos, e 0538 Impronsa cumpria tal função: da sevir de melo de 4, Do isolamento
comunicação, São Paulo erg pequena € as comunicações mulo mais
De fato, nas suas páginas não há ne-
tácels. Então, na nossa Impronsa, faziamos noticias de ariversários,
étnico à participação nhuma referência à participação con-
de casamentos, de falecimentos. Tudo isto era falto paia nossa impren- política creta do negro nos sindicatos, nas
sa. As festas também oram faltas pela nossa Imprensa. Ainda não tl- lutas reivindicatórias, ou de partici-
nha surgido um movimento ideológico, um movimento de luta de pação política radical em partidos de esquerda. Pelo contrário. Há
classes, * uma cautela, parece que deliberada, dos diretores e colaboradores des-
Correia Leite refere-se, embora de forma sumária, 30 proble- ses jornais, que os levava a não abordar certos problemas críticos,
ma de lutas de classes. Mas, o que predominava ou passou a predo- possivelmente considerados perigosos para eles.
minar depois de certa época foi a exaltaçãoà “raça”. Olemado jornal Essa ideologia absenteísta e isolacionista em relação 20s pro-
oficial da Frente Negra Brasileira tinha como siogan: Deus, Pátria, blemas conflitantes será substituída, para Miriam Nicolau Ferrara,
Raça e Família, diferenciando-se do slogan do movimento Integralis- Por uma outra participante, a partir de 1945, com a volta do regime
ta apenas pela inclusão da palavra “Raça”, No seu primeiro núme- democrático. Para esta autora:
ro, Arlindo Veiga dos Santos escrevia na sua primeira página:
Com a volta do regime comosrático, em 1945, Inicia-se o tercelro pe
Neste gravissimo momento histórico da NACIONALIDADE BRASILEI- rodo da imprensa negra, O que diferencia este dos anteriores é a sl»
RA, dols grandes daveres incumbem os nagros briosos e enforçados tuação política geral que, de carta manaira, ratlate-se nos jornais negros.
na FRENTE NEGRA BRASILEIRA;a defesa da gor-
unidos num só bloco Tetnos a propaganda política aberta e o apolo a condidaturas tanto de
to negra e & detesa da Pátria, porque uma e outra colsa mudam juntas, negros quanto de brancos. laso saria reflexo ou decorrência da forma
para todos aqueles que não querem tralr a Pátria por forma alguma de ção de outros partidos politicos da sociedade brasileira; o Partido So
internactonaltamo, (...) E a Nação somos nós com todos 08 outros nos» clal Democrático (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), à União
sos patriclos que conosco, em quatrocentos anos, criaram é Brasil. Não
Democrática Nacional (JON), o Partido Social Progreselata (PSP), a le-
podemos, pois, pormitir que impunemente uma geração atual, que é galização do Partido Comunista Brasileiro (POB), o Partido Sockulista
um simples momento na vida etema da Nação, trala a Pátria, quer
Brasltoiro (PSB), o Partido Social Trabalhista (PST), o Partido de Repro:
atirando-se nos erros materialistas do separatismo (que nada mais é
sontação Popular (PAP) s outros, *º
do que o sfelto da concepção do “"materhallamo histórico” — & econo-
mia, à riquoza matoriat acima de tudo), quer namorando a tórra-a-torra Como se pode ver, há uma reviravolta ou, pelo menos, uma
socialista na sua mais lagítima expressão que desfacha no bolchavis-
nova perspectiva de reflexão na última fasc da imprensa negra pau-
mo, pregado pelos traidores nacionais ou estrangeiros, & cuja respos-
ta é e há de ser 0 aniquilamento violento, seja ala adotado por cidadãos lista. O absenteísmo político das duas primeiras fases, quando o nes
do povo, seja ele adotado por govemos que trafram a nacionalidade. gro cria mecanismos de defesa para não se pronunciar sobre os
t...) Não dar atenção aos fracos que foram caindo ou desanimando pa- problemas políticos abrangentes, e aquilo que Correia Leite chamou
to caminho! Os poucos ou multos bravos que restarem das longas ca-
com propriedade luta de classes, passa a ser considerado como rele-
minhadas de sofrimento e conquista serão suficiantes para despodaçar
a última trinchelra dos Inimigos da Pátria e da Raça, que são quase vante ou pelo menos significativo no scu contexto. As modificações
sempre os mesmos. * políticas da sociedade brasileira passam, a partir daí, a scr registça-
O que desejamos destacar aqui é o apoliticismo da imprensa ne- das nessa imprensa,
gra em relação àquilo que Correia Leite chama de luta de classes. Miriam Nicolau escreve, aliás concordando com Bastide, que:
24 A IMPRENSA NEGRA EM SÃO PAULO DO ISOLAMINTO BTHICO À PARTICIPAÇÃO POLITICA qhs

Slnal de amadurecimento fol 8 turndação da Assocação dos Negros mesmo essim, foi muito dificil mantê-tos à base da cooperação por.
Brasileiros que tez umê revisão dos erros anteriormete cometidos, no quo o negro não tinha condições econômicas.
sentido do uma avtocritica + sa apresenta como a seda possivel para O sacrifício do negro, para Raul Joriano do Amaral,
o negro. Assim no jornal Alvorada, de 1945, as ertigos, de um modo qe:
cal, têm uma finalidade: mostrar aos negros os objetros oa Importán: fol imenso é o seu ôxito se deve a homens humildes como Tio Urutu,
cia da A.N,B, criada para qua 62 negros não se dsperassem, ao que era um cozinheiro do Institudo Discipilnar, como José Corraia Lel-
contrário, temos agora com o advento de uma fase cova de reastrutu to, que era auxiliar de uma droguta, O qual, além de escróvor e orientar
ração dos quadros da nossa vida política é social — 4 Associação dos o jornaí, trava dos seus parcos vencimentos uma parcela para mantê-
Negros Brasitolros — iiéia sugerida, pode-se dizer do “amacurecimento lo, pars que alo pudesse salr com mguma reguiarisade. Outros abne:
das nossas antigas experiências”, segundo texto dt jornal Alvorada gados da imprensa negra foram Jayme Aguiar, o argentino Celso Wan-
de 1946. 9 dnrloy, com O Progresso, Lino Guedes o Salatia! Campos. Todos
contribulam com duzentos réis ou um tostão, o máximo um cruzeiro,
A imprensa negra registrava, portanto, nas suas páginas, a sai-
para que o jornal salvso. O jornal O Clarim da Alvorada, por isso mes
da do pais da ditadura do Estado Novo e o início de uma era demo- mo, nunca levo calxa q, como o objetivo da Imprensa negra era difun-
crática, chr à comunidade negra &8 suas idéias, Os Seus organizadores nunca
Com todas cssas modificações de caráter ideológico na trajetó- procurarem organizações financeiras para ajudá-la. Também não pros
ria da imprensa negra um problema é permanente e dos mais impor- curavam politicos da ópoca. Sam ter praticamente anúncios, ela vivia
tantes: o problema financeiro. da solidariedade. Foi dentro deste espirito que a impronsa sogra vivou
por quase vinte anos,
Como manter jornais representativos de uma comunidade cuja
maioria era constituída de marginais, subempregados, favelados, bis- Por este valioso depoimento de um dos scus organizadores, ve-
cateiros « desocupados? Ora, como já vimos, esses jornais eram des- mos que essa imprensa vivia na buse da solidariedade étnica da co-
tinados à comunidade negra composta de elementos desarticulados, munidade negra, Roger Bastíde acha que à imprensa negra cra 0
desajustados ou marginalizados pela sociedade branca. As fontes de reflexo do pensamento da classe média negra em São Paulo, Embora
financiamento desses veículos, que não tinham praticamente publici- pudesse questionar a existência de uma classe média negra ponderá-
dade, a não ser do próprio meio, eram, portanto, precárias e consti- vel e estruturada em nivel significativo naquela época, o próprio de-
tufam um problema permanente. Daí a irregularidade dessas pu- poimento de Raul Joviano do Amaral mostra, pelo contrário, que
blicações. Um dos seus fundadores, Rau! Joviano do Amaral, expli- o seu suporte econômico eram os homens de baixa renda que muni-
ca em depoimento como eles conseguiam se manter: ciavam com os seus centavos é Os seus tostões, para usarmos O seu
termo, a continvidade dos jornais.
Os [orais surgiram com a finalidade de integrar associativamente o
negro, Os iniciadores da imprensa nogra, por pertencerem à base da Este problema da manutenção dos jornais é derivado da situa-
socledade, colocados no seu grau mais baixo, não tinham condições ção de marginalização do negro de uma forma global na sociedade
econômicas para manter à imprensa. É de so adivinhar as dilicuidades discriminadora. Embora Bastide afirme que os jornais surgiram de
que se tinha para editar esses jornais. Como mantó-os, se à coletivi: uma classe média negra, o depoimento de Raul Joviano do Amaral,
dade, o grupo, não tinha nenhum padorio econômico? Agenas o sacri- repetimos, parece que demonstra, ao contrário, que era a estratégia
ficto, a boa vontade de abnegados permitiam a existência dessas
de um mutirão permanente entre os negros que dava sustentáculo à
jornais. Muitos deies desgendiam o que ganhavam modestamente pa-
ra manter é publicar asses jornais, Não havia, por isso, uma periodiol- esses órgãos,
dade regular de publicação: quando havia dinheiro, O jomal ssla com Como vemos, os jornais da imprensa negra surgiram quase que
regularidade; quando não havia sais com atraso. Uma das maneiras de na base de informações, notícias, mexericos e destaques sobre a vida
sustentar esses jornais era franquea! as sociedades negras existen- associativa da comunidade negra. Com o tempo, no entanto, toma
16% na época, distribuítos e pedir uma contribuição para O próximo
número.
conotações de reivindicação racial e social, Isto aconteceu em conse-
Os próprios dirotoros, os próprios redatores iam levá-los às sodes quência do aguçamento da luta de classe e da exclusão do negro dos
dessas associações. Com o tempo foram criadas cooperativas. Mas, espaços sociais mais remunerados é socialmente compensadores na
zé A IMPRENSA NEGRA EM SÃO PAULO NÚTAS E NEFIRÊNCIAS HELIOGRÁARICAS 27

estrutura do sistema de capitalismo dependente que seformou após o livre debete e procurar soluções dos problemas comuns dentro da
comunidade negra, **
a Abolição,
Segundo Aristides Barbosa: Isto leva a que compreendamos O saudosismo daqueles que par-
ticiparam dessa trajetória, todos se recordando do jour de gloire des-
O preconceito, que até 1998, quando se escrevia nos porõss do Bexl- ses jornais. Mas, com a diversificação progressiva da soçiedade
qa: Aluga-se quarto, não se aceita pessoas de cor, e nos jornais saltam peulista e, especialmente, da comunidade negra, parece-nos proble-
anúncios padindo empregadas brancas, foi-se aceimendo. Com isso
mátiço um renascimento negro em São Paulo através da reativação
O negro pensou que o motivo da luta tambére sa acalmos, Ascontradi-
ções raciais ficaram diluldas nas contradições sostaisa aconômicas. dessa imprensa, Outros objetivos se apresentam para o negro registrá-
Desta forma o nogro pensa que não iná mais necessidade de uma Im: los é enfrentá-los. A sociedade de capitalismo dependente, poliétnica
prensa negra de protesto, * e preconceituosa que se desenvolveu no Brasil está à exigir do negro
uma participação na qual o específico étnico fique embutido no pro-
Com o jornal Novo Horizonte, fundado em 1948, um dos últi-
grama de modificações que esse tipo de sociedade está a exigir, E,
mos da imprensa negra, a situação se repete: são os velhos, os vetera-
a partir daí, não haverá mais necessidade de uma imprensa alternasi-
nos que haviam fundado O Clarim da Alvorada que rão ajudar a
va que defenda os interesses de uma comunidade oprimida e discri-
nova geração e manté-lo. Por outro lado, do ponto de vista organi- minada, isto porque terão desaparecido a opressão e a discriminação.
zativo e financeiro nada mudou; são os seus fundadores e redatores
que tém de salr com os exemplares do jornal embaixo do bruço para
vendê-los entre os negros, Por isso, em 1955 o Novo Horizonte desa-
parece. Notas e referências bibliográficas
Dois outros jornais negros de São Paulo surgiram no interior.
Ainda segundo depoimento de Jayme Aguiar foram O Getulina, de * Tivemos oportunidade de proferir palestra na Escola de Comunicação «
Campinas, fundado pelos irmãos Andrade, Lino Guedes c outros « Arte da USP sobre o tema “A Imprensa Negra cm São Paulo", em nível
O Patrocínio, de Piracicaba, fundado por Alberto de Almeida. Ain- de pós-graduação, abril de 1981, mas junto à disciplina “Estudo de Pro-
da segundo depoimento de Jayme Aguiar; blemas Brasileiros"", nto fazendo parte do currículo,
* Sovne, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil, Rio de Janei-
Esses dois jornais foram um sucesso. A vinda, logo após à revobição, ro, Civilização Brasileira, 1966. Passim.
de jornalistas campinalros pera São Paulo, como Gorvásio Olivoira, Bo: * BastrDE, Roger. À imprensa negra em São Paulo. Apud Estudos afro
sodito Florêncio, Lino Quedas e outros possibilitou a sua participação brasileiros. São Paulo, Perspectiva, 1973. p. 131 es seg.
também na grande batalha em prol da grandeza do negro, Todos ales
irão participar da imprensa negra paulistana. '*
* Depoimento gravado em 15 de junho de 1975,
* Ferrara, Miriam Nicolau, A imprensa negra em São Poulo (Dissertação
Dentro deste quadro de descenso da funcionalidade da impren- de mestrado na USP), Mimcografado.
se negra, José Correia Leite ainda faz nova tentativa, em 1946, que * Idem, ibidem,
também não sobrevive por muito tempo. Geraldo Campos de Olivei- "O Alfinete, São Paulo, 3 set. 1918.
ra edita Senzala, já com tendências socialistas. Surgem, ainda, Eba- * Depoimento gravado em 1|S de junho de 1975.
no e Níger. A partir daí a imprensa negra adquire nova conotação ' rd Arlindo Veiga dos, Aos frentenegrinos. 4 Voz da Raça, 18 ses,
e vai se diluindo ou se cristalizando em posições ideológicas definidas. 1933.
Analisando esse periodo da vida do negro paulista escreve Os- Ferrara, Mirlam Nicolau. Op. cit.
waldo de Camargo: H idem, ibidem,
R Depoimento gravado em 1$ de junho de 1975,
Os jornais quo rapresontam o pensamento da coletividade nogra va-
riam segundo a múltipla experiência do negeo na vida paulistana. Al. É idem.
guns ficaram apenas no nivel do comato de notichas sobra um pequeno 4 Idem,
grupo de negros: outros alcançaram um alto nível de exposição da 15 CAMARGO, Oswaldo de. A descoberta do frio. São Paulo, E4. Populares,
idéina; outros ainda sá propuseram a Ilustrar » preparar O negro para 1979, p. 30, nora de pé de página,
MODERNIZAÇÃO
DEE MUDANÇA 4

IV rência do seu longo tempo de duração, a permanência de traços e res-


tos da formação escravista na estrutura da sociedade brasileira atual,
Consideremos o seu primeiro aspecto: a duração do escravismo

Da insurgência negra ao até O uno de 1888, O significativo e relevante aqui não é apçnas o
tempo no seu sentido cronológico, mes as transformações técnicas,

escravismo tardio sociais e econômicas que se operaram durante esse período na socie-
dade brasileira cm decorrência das modificações que se registraram
ha economia mundial da qual éramos dependentes. Do sistema colo-
tial que determinou o perfil da primeira fase do escravismo brasilei-
to que vai até o ano de 1850 e, posteriormente, de 1851 até o término
do escravismo, modificações profundas se verificaram na economia
mundial que passou da fase da exportação de mercadoria para a de
exportação de capitais. Os mecanismos reguladores e O comportamen-
to quer da economia interna, quer daquelas nações das quais éramos
dependentes, também se modificaram. O fluxo de capitais investidos
no Brasil em setores estrategicamente controladores da nossa econo-
mia determinou a fase de modernização das cidades e dos hábitos dos
brasileiros. Tudo aquilo que significava civilização no seu conceito
do capitalismo clássico era trazido de fora e se incorporava à nossa
sockedade civil (excluídos os escravos).
O processo de modernização da última fase dessa sociedade es-
1. Modemização Estamos assinalando o centenário da Abo-
cravista era, por essas razões, injetado. A tecnologia era introduzida
sem mudança lição do escravismo no Brasil. O fato leva do exterior, os melos de comunicação mecanizavam-se, abriam-se es-
a que possamos estabeleçer uma série de ní-
tradas de ferro em todo o território nacional, o cabo submarino «ra
veis de reflexão sobre O que ocorreu em resultado da sua mudança
inaugurado, tínhamos gás de iluminação, telefone, bondes de tração
para o chamado trabalho livre, as uderências históricas, sociais e cul-
animal, mas tudo istó superposto a uma estrutura traumatizada no
turais que permanecem em consegiiência de quase quatrocentos anos seu dinamismo pela persistência de relações de produção escra vistas,
de trabalho escravo c os entraves estruturais que ainda persistem na
Era, portanto, uma modernização sem mudança sócial, Em outras
sociedade brasileira em decorrência desse longo período traumatizante
palavras; as estruturas básicas da sociedade brasileira ainda qram aque-
da nossa história. las que procuravam manter e eternizar essas relações obsoletas, crian-
Parece-nos que há, de fato, um atraso teórico muito grande na do, com isto, uma contradição flagrante e progressiva com o
análise e interpretação do sistema escravista no Brasil «, especialmente, desenvolvimento das forças produtivas que se dinamizavam.
no detalhamento das suas particularidades em relação aos demais paí- Neste panorâma geral podemos assinalar particularidades regio-
ses da América. Arquitetamos um pensamento monolítico sobre as nais. E não apenas regionais, mas também diferenciações de níveis
economias que foram criadas pelo mercantilismo e pelo colonialismo de prosperidade e decadência em função das preferências dos nossos
e não procuramos analisar, em cada caso particular, as suas singula- clientes do mercado internacional, Disto resultou uma complexidade
ridades mais importantes. No caso brasileiro, ao que nos parece, te- muito grande na caracterização das relações sociais fundamentais do
mos um conjunto de fatos que determinam não apenas a especificidade modo de produção escravista no Brasil, Eram zonas que floresciam,
de certos aspectos relevantes do modo de produção escravista no Brasil outras que entravam em decadência, algumas que estacionavam ou
cm relação gos outros países da América, mas, também, em decor- diversificavam a sua produção; finalmente, havia uma teia muito com-
He DA INSURGÊNCIA NEGRA AQ ESCRAVISNO TARDIO RASÕOS FUNDAMENTAIS DO DSDRA VISIO BRASILEIRO PLENO (1540/0830) 251

plexa de relações e interações que criava diferenças regionais e dia- 2. Tráfico de escravos de carúter istérnacional e tráfico triangular co-
crônicas. Mas, em todo esse processo de diferenciação ima coisa era mo elemento mediador.
patente; o trabalho escravo. Quer na agroindústria canarieira do Nor- 3, Subordinação total da economia colonial à Metrópole e impossi-
deste, ou nos campos de algodão do Maranhão, nas ciarqueadas do bilidade deuma acumulação primitiva do capital interno em nível
Sul, nos canaviais da Bahia, na região urbana de Salvador e do Rio que pudesse deserminar à passagem do escravismo ao capitalismo
de Janeiro, nas fazendas de café paulistas e fluminenses, ou na pe- não-dependente.
cuária, O escravo negro era quem produzia, quem criara. Por outro 4, Latifúndio escravista como forma fundamental de propriedade.
lado, as diversificações regionais, que determinavam particularida- « Legislação repressora contra os escravos, violenta e sem apelação.


des na situação do escravo — escravo de ganho, escravo doméstico, 6, Os escravos lutam sozinhos, de forma ativa c radical, contra o ims-
escravo no cio agrícola, escravo na mineração, etc. — são modifica- tituto da escravidão.
rão o essencial, Ele até podia possuir alguns objetos de uso pessoal, O sistema escravista consolida-se nessa fase, O número de es-
Porém o que ele não tinha e não podia ter cra a posse da seu próprio cravos cresce constantemente, A produção, através do trabalho es-
corpo, que era propriedade do seu senhor. Esta é a condição básica cravo, cria um ciima de fastigio da classe senhorial é Os negros passam
que se sobrepõe a qualquer outra para definir-se a situação de escra- a ser Os pés « as mãos dos senhores na expressão de um cronista da
vo, Isto é: um ser altenado da sua essência humana. E é a partir da época, Essa consolidação do trabalho escravo reflete-se, por outro
compreensão deste nivel extremo de dominação e alienação de um lado, naquilo que determinará esse fausto da classe senhorial: a si-
ser humano por outro que poderemos compreender os níveis e O con- tuação de total dominação econômica e extra-econômica sobre o ele-
teúdo social, político « psicológico da insurgência negra durante O pe- mento escravizado, as condições sub-humanas de tratamento, um
riodo escravista no Brasil e as suas particularidades históricas. sistema despótico de controle social e, finalmente, um aparelho de
Essa grande duração do escravismo no Brasil, de um lado, e, Estado voltado fundamentalmente para defender os direitos dos se-
de outro, às grandes transformações havidas nos interesses e com- nhores e os seus privilégios. Esses senhores, donos de escravos e de
portamento das nações centrais (modificações internas e externas) cria- terras, são, ao mesmo tempo, exportadores de tudo ou quase tudo
ram contradições que vão se acumulando e agudizando-se com o o que se produzia no Brasil,
tempo. Para que isto pudesse ter êxito c essc dinamismo não entrasse
Podemos, por isto, dividir a escravidão no Brasil em dois pe- em colapso, criou-se O tráfico com a África que supria de novos bra-
ríodos que se completam, mas têm características particulares. O pri- cos aqueles que morriam ou eram inutilizados para o trabalho. Desta
forma, o fluxo permanente de africanos permitia ao senhor níveis de
meiro vai da chegada ao Brasil dos africanos em número significativo
exploração assombrosos e uma margem de lucro que propiçiava a ma-
como escravos até à Lei Eusébio de Queiroz que extingue o tráfico
nutenção de todo um aparato de luxo e lazer sem precedentes. Esse
negreiro com a África, em 1830. É o período dos grandes piques do
fastígio tinha, porém, interna e externamente, fatores de deteriora-
trabalho escravo no Nordeste açuçareiro, da mineração em Minas
ção contínuos, O monopólio comercial da Metrópole determinava um
Gerais.
nivel de transação mercantil unilateral, pois a parte compradora ecra
quem estabelecia os preços. Com isto, os senhores tinham de aceitar
aquilo que lhcs era imposto. Mas, por outro lado, o preço do escravo
2. Rasgos fundamentais Ness: período podemos dizer que ecra estabelecido praticamente pelos traficantes ou por intermediários
do escravismo Os seus rasgos fundamentais é desses proprictários de navios negreiros. Enquanto o tráfico conse-
brasileiro que o caracterizam são OS se- guia equilibrar a demanda de novos braços para a lavoura e outras
(1560/1850) guintes: atividades, as coisas se equivaliam e & aparência de prosperidade con-
|. Produção exclusiva para ex- tínua permanecia à superfície, Quando, porém, por qualquer moti-
portação no mercado colonial, salvo produção de subsistência pouco vo, esse desequilíbrio se rompia, os senhores começavam a protestar
relevante. contra aquilo que julgavam ser uma exploração unilateral contra eles.
22 DA INSUROÔNCIA NEGRA AO ESCRAVESMO TARDIO SIGNIFICADO SOCIAL DA INSIRGÊNCIA NDORO-ESTRAVA 331

Por outro lado, essa economia não permitia a aumulação in- sistema, No particular, os dois maiores sistematizadores desse pro-
terna de capitais em nível capaz de poder-se dar um passo de mudan- cesso Foram Antoni] e Benci. É interessante notar que ambos são je
ça econômica e social qualitativo 2 que fossem transformadas as suítas e procuram difundir uma ideologia através da qual o sistema
relações de produção fundamentais. Com isto ficava estagnado 0 seu escravista poderia ser raçcionalizado, Não por motivos altruistas e cris»
dinamismo intemo no nível de reprodução continua do trabalho es- sãos, mas, em última Instância, objetivando maior produtividade do
cravo quase que de maneira circular. O escravismo crigva 04 seus pró- escravo, mais tempo da sua vida útil e medidas capazes de impedir
prios mecanismos de estagnação econômica e social O latifúndio a sua fuga. Com as medidas por eles preconizadas poderia ser amor-
escravista era, por essas razões, a forma fundamental senão à única tecido o potencial de rebeldia do escravo negro contra o seu senhor,
relevante de propriedade. Instala-se no Brasil, nacionalmente, o mo- Expondo o seu pensamento, Antonil escreves
do de produção escravista modemo em suu plenitude.
Ô que pertence ao sustento, vestido e moderação no trabalho, claro
Os níveis de repressão nesse contexto eram totais, à fim de que está que se lhes não deve negar. porque a quem o serve deve o senhor
a taxa de lucro do senhor não fosse atingida. O trabalho escravo ga- de justiça dar suficiente alimento; mazinhas na doença, é modo, com
aha, assim, proporções extremas de exploração. Fecham-se todas as que decertements se cubra, à 84 vista, como pede o estado de servo,
possibilidades de uma sociedade na qual existissem mecanismos me- e não apasecendo quase nu pelas ruas, e deve também modesrar o ser-
viço de sorte que não seja suporlor às forças dos que trabalhem, se
diadores dos conflitos das duas classes sociais fundamentais: escras
quer quo possam aturar,*
vos e senhores.
Antoni! é explícito nas suas intenções e pondera que se essas me-
didas não fossem tomadas pelos senhores, os escravos
ou se irão embora, fugindo para o mato, Ou se matarão por sl, como
3. Significado social É nesta estrutura que se manifesta a in- costumam, tomando a respiração ou enforcando-se, Ou procurarão ti+
da insurgência surgência do escravo negro, Somente rar à vida aos que ia dão tão má, recorrendo (se tor necessário) a ar:
negro-escrava através da compreensão da situação tes diabólicas, cu clamarão de tal sorte a Deus que 08 servirá, *
social e política que u economia escra- E insiste: o bom tratamento deveria ser concedido gos escravos
vista produzia, nesse periodo, em relação ao escravo, que poderémos porque, em caso contrário, eles
reconhecer a sua importância. Neste sentido, José Honório Rodri-
fugirão por uma vaz para sigum mocambo no mato, e s6 forem apanha:
ques escreve que:
dos poderá sor que se matem a si mesmos, entes que o senhor chegue
A rebetdia negra foi um problema na vida Institucional brasileirs, re à açoitádos, ou quo aigum sau parente tome a sua conta & vingança
presantou um sacrifício imenso, violentou o processo histórico e orkgl- ou com feitiço, ou com veneno, *
nou um debato historiográfico. Com relação ao sistema escravocrata, Benci é mais refinado, mais teórico do que Antonil, mas chega
a rebeldia negra, insurrolção racial, (oi um processo contínuo, perma- às mesmas conclusões, Referindo-se às faltas dos escravos € à neces-
nente o não-asporádico, como taz ver a historiografia oficial. O dabato
nistoriográfico resultou da interpretação oficial do sistema esoravocrata,
sidade do senhor julpgá-los com isenção afirma:
apresentado como tando por base a tagitimigado da propriadede e não Não tendo pois o servo o castigo, como há do fazer sua vontade? E quam
o preconcelto da Infertoridade racial, muito mais forte nos Estados do ainda não chegue a despir totalmente o mado, porque o castigo po
Unidos. de saber bam, da muita continuação dele nasce outro inconventante
A versão de um quadro paternal s doce, no qual a confratemização pre não pequeno. Porque sabendo O escravo que o senhor lhe não passe
dominou sobre 4 arimosidado, especialmente nas relações domágti- em claro falta alguma é que lhe não valem padrinhos, em clvegando
cas, falsamente generalizado, subverteu & verdadeira inteligência do a cometer algum delito, e vando que não tem outro remédio para evitar
proçesso, ? os rigores do mesmo senhor, toma carta de seguro é foge.”
Em decorrência dessa extrema exploração do trabalho do escra- No entanto, tais medidas nuaça foram aplicadas, pelo menos
vo, e da sua consequente rebeldia, surgiram os racionalizadores do na primeira fase do escravismo brasileiro. Pelo contrário, a síndro-
2 DA INSIROÊNCIA NEDRA AO ESCRA VISMO TAEDIO SIGNIFICADO SOCIAL DA INSLIRGÊNCIA NEURO-ESCRAVA — 73$

me do medo domina profundamente à classe senhoral e condiciona À medida, porém, que & exportação do sigodão tornou-se o Interesse
vital desses Estados, O negro lol sobrecerregado é 4 consumação de
o seu comportamento. A possivel revolta dos escravos estava sempre sua vida em sato anos de trabalho formou-se parto imtegranto de um
em primeiro plano quer das autoridades, quer dos seshores é do seu sistoma friamento calsutado, Não so tratava mais de obtar dels corta
aparelho repressivo, massa de produtos úteis. Tratava-se da produção da mais-valia no
No Nordeste, com a República de Palmares, esa sindrome se méximo, *
aguça e permiúnece durante quase um século. A luta dos escravos da Isto pode ser aplicado perfeitamente ao escravismo brasileiro,
Serra da Barriga foi o centro de preocupações da Netrópole e dos As estruturas de dominação € os seus mecanismos estratégicos, tanto
senhores de engenhos não apenas na Capitania de Persambuco à qual em um caso como no outro, eram idênticas e não podiam permitir
pertencia o território emancipado, mas em toda a região. Palmares que o escravo fosse tratado a não ser como coisa, pois de outra for-
converge, em pleno século XVIL, para si as atenções da Metrópole, ma O sistema não funcionaria de acordo com os seus obtetivos.
mãs, mesmo assim, assume proporções de um ato de resistência que Por isto, dando continuidade à linha ideológica de Antonil é
não teve similar na América Latina, A vasta documentação que exis- Besci, vamos encontrar, após a Abolição, toda uma literatura que
te a respeito, especialmente de origem portuguesa (sabo-se, também, idealiza à escravidão no Brasil, criando vertentes históricas que de-
da existência de documentos em arquivos holandeses estalianos), bem fendem a sua bersgnidade. Como vemos é todo um espectro de pen-
demonstra & preocupação ds Metrópole, de um lado, e, de outro, a samento que procurou antes racionalizar e atualmente tenta roman-
importância social, econômica é militar de Palmares. Esta dicotomia tizar, através de vários argumentos, a forma despótica como existit
básica era o motor do comportamento das duas classes fundamentais a escravidão no Brasil.
do escravismo brasileiro. 4 preocupação substantiva, portanto, quer É exatamente nesse período que vai da Colônia até meados do
dos senhores quer das autoridades locais ou da Metrópole era manter Segundo Império que as revoltas de escravos, assumindo diversas for-
a coerção econômica c extra-econômica através da qual sc consegui- mas, contestam € desgastam mais violentamente o sistema. A quilom-
ria extrair todo a sobretrabalho do escravo, Por Isto, no sistema de bagem é uma constante nacional e acontece nesse periodo de forma
trabalho escravo na sua plenitude os níveis de repressão despóticos muito violenta, A última dessas insurreições arquitetadas nessa fase
funcionavam constantemente e faztam parte da normalidade do com- e que fracassa ainda em projeto é em Salvador, em 1844, seis anos
portamento dos dominadores. Nesse sistema de trabalho a racionall. antes, portanto, da Lei Eusébio de Queiroz.
dude, ou melhor à rocionalização pretendida por Antonil e Benci não Podemos constatar que onde há o pigue do escravismo na sua
podia funcionar, Conforme já dissemos, não havia nenhum nível de primeira fase, há, também, o pique de revoltas, Na fase colonia! te-
“mediação c a exploração tinha de ser totai para que o senhor pudesse mos Palmares, a que já nos referimos, e os seus desdobramentos pos-
ter lucros compensadores, dentro da forma como era feita a distri- teriores na região nordestina que se prolongam até o século XIX, Em
buição da renda no sistema colonial, À produção interna estava liga- Minas Gerais, quando se chega ao auge da exploração aurífera e dia-
da a divisão internaciona! do trabalho «e isto impedia qualquer mantifera o quilombo do Ambrósio e inúmeros mais perturbam e des-
possibilidade de um comportamento que não fosse o da absoluta ex- gastam a harmonia social e econômica da região. Há, como podemos
ploração. Marx dizia, por isto: ver, uma correspondência entre o nível de exploração e a incidência
dessas revoltas,
Desde que 08 povos cuja produção se mova einda nas formas inferio-
res da escravidão e da servidão são atraídos pelo mercado internacio-
Palmares acontece em um momento em que o Nordeste estava no
nai dominado pelo modo de produção capitalista s que em decorrência suge da produção açucareira, fato que levou a Holanda a ocupar a re-
a venda dos seus produtos no estrangeiro se torna O seu principal in- gião para explorá-la em seu proveito. Em Minas, o Quilombo do Am-
terento, desde es4e momento os horrores do sobratrabalho, esse pro brósio, que chegou a ter cerca de dez mil habitantes, foi destruído em
duto da olvilização vem se juntar à bardária da escravidão e da servidão.
1746 também em um momento de prospendade, Não queremos estabe-
Enquanto a produção, nos Estados do Sul da União Americana, era prin-
cipalmente dirigida para a satisfação das necessidades imediatas, o lecer, porém, uma relação mecânica entre os níveis de opressão e rebel-
trabalho dos negros representava um caráter moderado e patriarcal dia, Mas podemos estabelecer uma linha de frequência no particular,
2% DA INSURGÊNCIA NEGRA AO ESCRAVISMO FARÓIO O DESGASTE ECONÔMICO 231

Convém particularizar, também, o tipo de ativilade desses es» tra qualquer otenga física & sou senhor, a sua mulher, a descendentes
ou ascendentes, Que em sua companhia morarem, e administrador, fol-
cravos rebeldes na divisão técnica do trabalho. Os escavos que fugi-
tor à às seas mulhares que com elgs convivorem. So q ferimento ou
ram para Palmares estavam estruturados na agroindúrria açucareira ofensa fisica forem leves, 3 pena será de açoitos à proporção das clr-
Já nas revoltas urbanas do século XIX, em Salvador, + escravo de ga- cunstânciis mais ou menos agravantes. Art. 2º — Acontecendo algum
nho será o núcleo dinamizador mais relevante. Por otro lado, como dos delitos mencionados no Art. 1º, 0 da msurreição e qualquer outro
veremos oportunamente, na segunda fase da escravidão essas revoltas cometido por pessoas escravas, em que caiba a pera de morte, haverá
reunião exirsordinária do Júri do Termo (cseo não esteja em axercício)
terão um significado bem diferemte, quer em quantidade, quer em ní-
convocada pelo Julz do Direito, a quem tals acontacimentos serão no:
vel de radicalização. Com exceção dos quilombos sergipanos de 1870 Ciatamente comunicados. Art. 3º — Os Juízes de Far terão jurisdição
a 1875, a revolta passiva será típica do comportamento dos escravos. cumvulaliva, om todo o Municipho para processarem tais delitos até a
denúncia com as diligências lagas posterloras, o prisão dos delinquen-
tes, à concluído que seja o enviarão ao Juiz de Direito para este
apresentáio ao Júri, fogo que esteja reunido e seguir-sa 03 mesmos
tormos. Ar, 4º — Em tals dalitos à imposição da pena de morte será
4. Prosporidado, Em contrapartida, é exatamente nos mo- vaciga por dois terços do númaro de votas; é para as outras pela meio-
escravidão e mentos em que Os escravos se revoltam que ria; 6 à sentença se for condenatória, se executará sem recurso algum,
rebeldia as leis repressivas são aprovadas e executa- Art. 5º — Ficam revogadas todas as Leis, Decretos a mais disposições
das. Ainda no ciclo de Palmares surge o Al- em contrário. Dada no Palácio de Rio de Janeiro, aos 10 dias do mês
de junho de 1895, *
vará de março de 1741, mandando que fosse ferrado com um F em
sua espádua todo escravo fujão encontrado em quilombo. No cicho Como podemos ver havia uma conexão entre a insurgência es-
mineiro de revoltas encontramos, além do bando de Gomes Freire crava (quilombagem) e a legislação repressiva, Articulou-se uma Je-
de Andrade recomendando o cumprimento do alvará daquele ano, gislação baseada na sindrome do medo criada pelos antagonismos
a Carta Régia de 24 de fevereiro de 173] que autorizava o governa- estruturais do escravismo e que atingia a classe senhorial de forma
dor de Minas Gerais à aplicar a pena de morte aos escravos, a deformar-lhe o comportamento, As lutas dos escravos foram um
Finalmente, vem o ciclo das insurreições baianas. Em conseguên- elemento de desgaste permanente. Como podemos ver, se as cons-
cia, surge, em primeiro lugar, a criação no Código Criminal do Im- tantes lutas não chegaram ao nível modificador da estrutura, criando
pério, em 7 de janeiro de 1831, da figura jurídica de insurreição em um novo modelo de ordenação social, foram, no entanto, um moti-
relação às revoltas dos escravos. Para os cidadãos livres que conspi- vo de permanente desgaste do sistema, Podemos dizer que esse des-
ravam contra a tranquilidade pública a denominação seria de cons- gaste permanente apresenta-se em três níveis principais: a) desgaste
piração ou rebelião. No artigo 113 do Código era considerada in- econômico; b) desgaste político; c) desgaste psicológico.
surreição a reunião de “vinte ou muis escravos para haverem a Jiber-
dade pela força”. *
Mas logo depois da insurreição escrava da capital baiana de 1835
é aprovada à Lei nº 4, de 10 de junho daquele ano, acerca da puni- 5. O desgaste No primeiro nível de desgaste devemos consi-
ção dos escravos que matassem ou ferissem os seus senhores. A ínte- econômico derar o fato de que o escravo fugido correspon-
gra da lei deve ser transcrita pare uma análise do seu significado dia a um patrimônio subtraído ao senhor. Mas,
jurídico e político: além disto, era um patrimônio que produzia valor através do seu tra-
balho, e esse valor não-produzido também onerava o seu senhor, pois
A Regência Permanente em Nome do Imperador O, Pedro Segundo taz
além da perda física do escravo cle perdia aquilo que deveria ser pro-
sabera todosos súditos do Império que a Assembíbia Geral Legistatl-
duzido durante o tempo em que permanecia evadido, muitas vezes
va Deoretou, Ela sancionou a Lol seguinte; Art. 1º — Serão punidos com
pena de morte os escravos ou escravas, que matarem por qualquer ma para o resto da vida. Além disto, devemos computar as despesas com
neira quo se/s, propiciarem vengno, feriram gravements ou fizerem ou» a captura, pagamento a capitães-do-mato, recompensas a informan-
EM DA INSURGÊNCIA NEGRA AO ESTRA VSMO TARDIO O DESGASTE ECONÔMICO 22»

tes, despesas com o tempo em que o escravo encontrava-se em pri- durante a ocupação holandesa destruíram engenhos e plantações em
sões do Estado e muitas outras. Soma-se a todas cases razões à des- Pernambuco *, vamos encontrar este comportamento , de focma mais
valorização no mercado do valor do fugitivo, dificilmente adquirível sistemática, já do final da escravidão, praticado por escravos flumi-
por outro senhor a não ser por baixo preço. nenses orientados por abolicionistas radicais. Aliás, O episódio é sig-
Esse desgaste econômico, que não podemos quantificar, mas foi nificativo porgue é atípico do comportamento do escravo do resto
significativo, onerava obviamente o custo de produção, daí vermos, do Brasil nessa segunda fase do escravismo,
constantemente, as queixas dos senhores contra à fuza dos seus €5- Em Campos de Goitacazes, Estado do Rio de Janeiro, os escra-
cravos. José Alípio Goulart, abordando apenas um dos aspectos do vos fugitivos incendiavam as fazendas muma atitude radical que ge-
desgaste econômico — o preço do escravo evadido —, afirma que: rou pânico entre Os senhores. No dia 15 de agosto de 1877 mani-
festou-se o primeiro incêndio em uma usina do Queimado, Seguiu-se
Nogros fugidos contaram-se nos milhares, muitos milhees, loesem aqui um rosário de sinistros provocados pelos escravos orientados nesse
lombados ou ribeirinhos. Representando cada cabeça determinado va-
lor monetário, toma-se possivel aguilatas o volumoso casital improdutivo,
sentido pelos abolicionistas. Segundo um historiador desse período:
concentrado na população de calhambolas espalhados por esses bra
O encarregado de Incandiar o canavial! executava esse atentado som
ais. Calculando 6 preço unltário de cada escravo, giosso modo, am recoto do que pudesse O acusar de o ter feito. Um vidro de óculos, uma
1008000, valor corrente durante largo espaço de tempo; e considerada lente, ora cológado em lugar onde convergindo os ralos solaras, faziam
a informação de que apenasmento nos Palmares concentrsvem-se am
acender a macha de véspera sí posta, é AL mesmas horas do dia anta-
torno de 60 000 tugitivos, conclui-se que só aquele quiombo reprogen- flor, estando o incendiário tonge do lugar, O canavini era preso de
tou acúmuto de capital inoperante da ordem de seis mil contos de réis chamas, “
(5.000:0008000), vardadolra fábula em dinheiro naquela ápoca. Em Idên-
tica ordem de raciocínio, cita-se o quitombo de Trombetas, no Pará, re- Depois do primeiro incêndio não param mais. Pelo contrário.
glão tlnancoiramente pobre o onde por tal razão a inoidância de escravos Continuam com maior imensidade, Depõe Júlio Feydit:
negros foi rsativamenta pequena. Aquele quitombo, cos seus 2 000 ca
lhambolas representava uma imobilização de capital da ordem ds tre- Em 14 do jarciro do 1887, em Guarulhos, foram incendiados cs cana
zentos contos de ráls (3000008000), pots all, no surgirem, os africanos viais das fazendas é usinas 9. Jodo dos srs, Lima & Moreira; uma fa
aram vendidos, quando menos, por 1508000 a “cabeça”. Assim o qui: zenda Penha, do Sr. Antonio Póvoa, outros dois na fazenda Abadia.
lombo de Campo Grande, om Mato Grosso, 6 outros que eglutinavam Sete dlas depois o fogo destrula na fraguesla de S. Salvador um cana-
dezenas, centenas, vezes até milhares de componentes. * vial do Sr. Ferreira Pinto, e no dia seguinte, outro, À 26 de lanoiro o Sr.
Barão de Miranda pordia devido a incêndio um canavial de 1 500 arro-
Mas, conforme já dissemos, esse desgaste não se limitava à per- bas da açúcar ou 30 calxas; trás dias depois, os canaviaia das fazen-
da do valor do escravo e do seu trabalho. Era muito mais abrangen- das do Sr. Mando! Coelho Batlata Cabral ardiam.
te. Incluía, também, as despesas dos senhores e do aparelho do Estado. Além dessas fazendas, a do Outeiro, a 23 «e junoiro, a do Sr, Sebastião
Neste particular, as Câmaras sempre reclamavam falta de dinheiro de Almesda Rebeilo, tiveram os canaviais incendiados,
Em 6 de fevereiro de 1887, ao meio-dia, ardiam as canas da Fazenda
everba para dar combate aos quilombolas. Por isto, os governos das Velha; é mais 08 canaviais na Fazenda Paraíso, pertençento a Guilher-
províncias criavam verbas para premiar captores, Em 1852 há uma me ds Miranda e Silva, o também outras três na fazenda do major
resolução do presidente do Pará criando prêmios de 2008000 depois Crespo
de executada a diligência e capturados os fugitivos, quantia que seria Em março, na freguesia de S. Sebastião lançaram fogo a um canavial
page pelo Tesouro Público Provincial. Na mesma resolução, o presi- do Sr, José Pinto Passanha, sendo o seu prejuizo de 15 a ZO arrobas
cada uma 2
dente fica autorizado a dispender até a quantia de 12 contos de réis
com a destruição dos quilombos e captura dos escravos neles refugia- Como podemos ver, era um estado de conflagração permanen-
dos 1º. Este fato pode scr generalizado a quase todo o Brasil. te, que transcendia &o simples protesto pacífico costumeiro na segunda
Finalmente, havia a destruição por parte do escravo da proprie- fase da escravidão, mas enveredava em um movimento de subleva-
dade e da lavoura do senhor. Se isto acontecia esporadicamente no ção regional, O mesmo historiador afirma, ainda, comentando a si-
Nordeste, na primeira fase do escravismo, como aqueles escravos que, tuação geral nesse período:

E CO
28 DA INSVRGÊNCIA NEGRA AQ EX RAVEMO FARDO A SÍNDROME DO MEDO 19

Era uma devastação madonha; era uma luta tremendi, os 'azendelros insurreição dç 1835 encontramos um bem elaborado plano militar que
anchiam as fazendas de capangas sob o titulo de agegados « cama não foi totalmente executado pela antecipação do movimento e
radas, faziam reuniões, tendo em uma delas sido proposto que 16 com- uma caixa para finanças, através da qual eles conseguiam recursos
prasss o chefe abolicionista em Campos & se ele não qisesse se vonder
financeiros para angariar ou comprar alforria dos seus Hderes. As pró-
s6 PIGISSE & quem q suprimisse, 1
prias autoridades da Província reconheceram o conteúdo político do
Podemos ver, pelo exposto, que em Campos hava um desgaste movimento.
ponderável na economia escravista daquela região fluminense. Em- Outra preocupação das autoridades é dos senhores era a alian-
bora tenha sido uma manifestação tópica e já sob a influência ou di- ça dos quilombolas ou insurretos negros de um modo geral com ca-
reção de abolicionistas radicais, O comportamento dos escravos ali madas «c grupos oprimidos da sociedade escravista, Os palmarinos
demonstra como o desgaste econômico produzido pea rebeldia ne- praticaram largamente esse costume, o mesmo acontecendo em Mi-
gra, cm vários niveis € durante todo o tempo, não deve ser despreza- nas Gerais. Nessa Capitania os quilombolas ligavam-se com frequên-
do ua análise da importância do scu comportamento de negação no cia aos faiscadores e aos contrabandistas de diamantes e ouro, com
sistema. eles mantendo comércio clandestino. Em face dessa concordata, os
contrebandistas prestavam serviços aos quilombolas, informando-os
das medidas tomadas pelo aparelho repressor contra eles. Esse con-
into dos negros fugidos ou aquilombados com outras camadas opri-
6. O desgaste político No particular do desgaste político, midas, quer durante a Colônia, quer durante o Império, será uma
a quilombagem despertou na classe constante preocupação política e militar das autoridades « da classe
senhorial o receio permanente e agudo da propagação da rebetdia, senhorial.
da insubmissão, da violência dos quilombolas das fazendas ou dos
insurretos urbanos, Isto porque os negros davam demonstração na
prática política (descartamos o conceito de movimentos pré-políticos)
de que havia à possibilidade de uma solução alternativa possivel mes- 7. À síndrome Finalmente, o desgaste psicológico, Referimo-
mo no sistema escravista: a formação de unidades independentes nas do medo nos âquele sentimento sociopsicoiógico que de-
quais o trabalho escravo não era praticado. O exemplo de Palmares nominamos de síndrome do medo e que foi
e a sua organização política sempre era visto com apreensão pelas au- responsável pelo comportamento da classe senhorial durante toda a
toridades coloniais e imperiais, Durante a existência do Quilombo do duração do escravismo. O receio da insurreição, especialmente no pri-
Ambrósio, em Minas Gerais, O mesmo raciocínio sc verificou, Sabia meiro periodo, criava um estado de pânico permanente, O “perigo
se que ali havia uma organização política que ordenava a sus econo- de São Domingos" (repetidamente mencionado), as possíveis ligações
mia de modo comunitário, Segundo se afirma havia ''um modelo de dos escravos brasileiros com os de outros paises, à provável articuia-
organização e disciplina, de trabalho comunitário”. Os negros cram ção em nivel nacional dos escravos rebeldes, a obsessão da violência
divididos em grupos, ou setores ““todos trabalhando de acordo com sexual contra mulheres brancas ou outras formas de insurgência,
a sua capacidade”, ** tudo isto levou a que o senhor de escravos se transformasse em um
No Quilombo do Ambrósio praticava-se a pecuária, através de neurótico.
campeiros e criadores. À parte responsável pela produção agricola Uma verdadeira paranóia apoderou-se dos membros da classe
encarregava-se dos engenhos, da plantação de cana « fabricação de senhorial € determinou o seu comportamento básico em relação às
açucar, aguardente, além de mandioca para fazer farinha é azeite co- medidas repressivas contra os negros em geral.
mo produtos complementares, Na primeira fase, as autoridades coloniais e a classe senhorial
Essa preocupação política das autoridades é mais visível ainda usam de toda a brutalidade, legislando de forma despótica contra o
durante as insurreições baianas do século XIX, Especialmente na escravo. Isto vai dos alvarás mundando ferrar escravos à legislação
N

232 DA INSUROÊNCIA NEGRA AQ ESCRA FISMO TARDIO A SÍNDROME DO MEDO 153

da pena de morte, do açoite, execução sumária “sem melo algim” Para os sorhoras da Bahia Iggo rade tinha do Impossivel, pois a des-
dos escravos rebeldes etc. Nessa fase não há nenhum processo de me- proporção numérica era muito grande entre brancos e mulatos, de um
iado, e negios do outro, Peias listas de população mandadas tirar no
diação e a legislação terrorista reflete essa sindrome de forma trans» tempo do Conde da Ponte, antecessor do Conde dos Arcos, só na ci-
parente. Aliás, para respaldar esse conjunto de medidas jurídicas há dade 56 colculava entre 24 a 27 negros para cada homem branco ou
todo um aparato de repressão brutal é legal. Os escravos têm o seu mutato, Form dela, a desproporção aumentava: havia 408 engenhos,
direito de locomoção praticamente impedido. Os tronços, os pelcuri- cnloulando-se 100 escravos por engenho e, no máximo, 6 brancos o par-
nhos, a gonilha, o bacalhau, » máscara de Flandres, o vira-mundo, dos em cada um, De nada servia argumantar, como se tinha feito, qua
a robelião era Impossivel por serem os negros de nações diferentes o
o anjinho, o libambo, as placas de ferro com inscrições infarmantes, inimigas entre 51, polis O que 50 veríficara na insurreição era a alança
as correntes, os grilhões, as gargalheiras, tudo isso formava o apare- dos Aussás nos Nagós, Calabar ato. !*
lho de tortura ou aviltamento através do qual as leis eram executadas
4 sindrome do medo nos senhores refkte-se nos termos de um
como medida de normalidade social,
A síndrome do medo das classes senhoriais tinha apoio mate- documento que enviaram ao rei, Vejamos:
rial no grande número de escravos negros e na possibilidade perma- Senhor,
nente da sua rebeldia, Refletia uma ansiedade continuae, com isto, Com o mais protundo respeito o Corpo do Comároio, e mais cidadãos

|
a necessidade de um aparelho de controle social despótico, capaz de da praça da Bahia cheios da maior aflição vão representar a V. A, R.
a horrorosa catástrote, e atentados, que têm acontecido e suplicar a
esmagar, ao primeiro sintoma de rebeldia, a possibilidade dessa mas-
pronta providância que exige o doplorávei estado das cousas para a
sa escrava se rebelar. Os senhores de escravos, por isto, especialmsen- sogurança do suas vidas, honras, a fazendas
te Os senhores de engenho, onde a massa negra era bem superior à É notório que há 3 para 4 anos os negros tentam rebalacse q mata tos
branca € os meios de comunicação escassos, estavam sempre a pedir dos os brancos, é tendo nos antenoras feito 2 investidas, agora so ama-
providências acauteladoras ao govemo. nhecar do dia 28 de fevereiro em distância somente de uma légua desta
Na Bahia, por exemplo, à classe senhorial vivia angustiada com cldade deram a 3º com muito mais estragos. e ousadias, que us outras.
Estes ensaios, Senhor, bem prognosticam, que chegará (a não ser se
a possível rebeldia dos seus escravos. Quantitativamente Spix e Mar-
tomarem medidas mul sórias) um dia am quo ales de todo acertam a
tius, quando estiveram em Salvador, por volta de 1824, davam a se- reslizem inteiramente O sou projeto, sendo nós as vítimas da sua
guinte estatística populacional a qual bem demonstra a superioridade robelião e trama,
dos homens de cor sobre os brancos, Apoiados em Balbi, davam,

|
incluindo-se a Capitania de Sergipe, este quadro demográfico:
E prosseguem descrevendo a rebelião de 1814:
Eles começaram na armação da Manuel! Inácio, e seguindo pato sitio
BANCOS imersa 192 000
13000 de Itapo& até o rio de Joanes com o desígnio de irem incorporando-se
| com os dos mais engenhos, o armações gritavam ilbordade, vivam os
seo
Escravos 48 COF... 35 000 115 000 negros, e seu rei o... é mortam os brancos o mulatos; e à todas as no-
Negros escravos... 489000 ico 858 000 gras, e sigum moleque, que 48 não queriam ecompenhar matavam, lo-
Negros foros .ssessesan 49000 go é cimo que o partido 4 quo entre sl, o que forçosamente devo
sucumbir o dos brancos, e pardos. Ninguém de bom censo, mesmo pres-
Como se vê, para uma população branca de 192 000 pessoas ha- cindindo do prognóstico do atua! acontecimento, poderá duvidar, que
via uma grande massa não-branca, incluindo-se os Índios, de 666 000 a sorte desta Capitania venha a ser a mesma da llha de S. Domingos
pessoas. A desproporção era gritante, Essa posição de ansiedade da por 2 princípios, 1º pela demonstrada da enorme desproporção de for-
classe senhorial se aguçará diante da inquietação da classe escrava que as, 0 em uma ganto aguerida, e tão bárbara, que quando acometem

)
não temem morrsr; pois que nos seus paises se matam pelo [sstejo,
se levantara naquela região a partir de 1807, Os cidadãos e senhores e têm à superstição de que passam ao seu reino, é so chegam mesmo
de escravos dirigiram-se em 1814 diretamente ao rei expondo-lhe os a assassinar por qualquer lave paixão, ou falso pundonor, e muitos negta
seus temores. Comentando a situação conflitante s historiadora Ma- Iinsurmaição so acharam entorcados pelos matos co rio Vermelho; s o
ria Beatriz Nizza da Silva assim à expõe: 2º princípio para deduzir a mesma consequência é a relaxação dos
2M DA INSIRGÊNCIA NEGEA AO ESCHATLMO TASDO A SINDROME DO MEDO qu

costumes, e falta de polícia, que gersimente se obsera nesta dado, controle permanece, E à sindrome do medo continua, sob novas for-
pelas muitas tarquezas que se lhes tem dado, da sorte que são conti y
nuos 08 insultos, atacando vargonhosamento à mulheres orancas.
mas, a condicionar o comportamento dos senhores de escravos. É um
continuum que acompanha o outro — o da discriminação do negro
A classe senhorial não satisfeita com as medidas de controle to- —- em diferentes níveis, mas com fins convergentes. Conforme vere-
muadas pelo governo insiste no mesmo documento: mos adiante, o branco foi atingido pela síndrome do medo, de forma
Isto ainda mais é de esperar onde não há castigo; pola que chegou 9 sistemática «e contínua, pela neurose e paranóia da classe senhorial.
tempo de até 08 senhores seram repreencidos pelo govemo st O fa Levando-se em consideração que O número de escravos c ne-
zem, mesmo com justiça, atendendo-se mails as quaimas dos negros, gros durante muito tempo era superior ao de brancos podemos ver
quo as razões dos senhores, a chama-se a Isto humanidade, e idade o estado de pânico permanente dos senhores de escravos. Daí não ser
de ouro do Brasil; mas assim o é para os nogros que Wim o privilágio
de humanidade, e nós de desumanidade, atém de outrça muitos fatos,
permitido ao escravo nenhum privilégio, pois os espaços sociais rigi-
e desgraças, que digriamente nos cercam, e o que mais é para aomirar demente delimitados dentro da hierarquia escravista somente possi-

E
é nesta tão lamentável, é funesta, à Inditerença, e Indolôncia do gover: bilitavam q sua ruptura e mudança estrutural através da negação do
no, que não satisfeito de por espaço de 40 dias nenhuma providência sistema: a insurgência sócial c racial do escravo,
dar, sinda permite, é aconselha na sua 1º e única ordem do dia dez do A síndrome do medo estender-se-á, também, à segunda fase do
corrente abril que 04 negrinhos brinquem com os sous bailas nos dols
escravismo brasileiro, mas através de mecanismos táticos diferentes.
campos do Barbalho, o Graça, pontos tão perigosos pao ajuntamento
que m sem soram vístos podem fazer, quando em as circunstâncias A classe senhorial já não legisla mais através dos seus agentes para
atuais nem 3 sa deviam consentir conversar unidos; 8 em recompensa reprimir e/ou muitas vezes destruir fisicamente o estravo, mas passa
ca barbaridade com que tratavam os dos lugares Incendiados, cujas a produzir leis protetoras. A partir da extinção do tráfico e a dimi-
causas chegam a conto e cinadonta e tantas, 0 agsnsslsados cingQen- nuição da população escrava começam a suceder-se leis que prote-
ta e tandos, ainda recomenda na sua dia 1º ordem que na cidade se
impeçam os tels batuques com toda moderação, Deverá talvez pedir: gem e beneficiam o escravo, como veremos adiante.

ds
ines de joslhos, que não batuquem, e façam (como até agora) disto ser- Desta forma, a síndrome do medo deformou psicologicamente
tão de Costa de Mina, Assentar que se devem mandar 05 negros a cl- a classe senhorial, deu-lhe elementos inibidores para assumir um com-
vertimentos tão profanos em dias de descanso, e dedisados ao culo portamento patológico e caracterizou a postura sádica dos seus
do verdadeiro Dous, Isto com prejuízo da sociodade, « do sossego pú-
membros,
blico, quento mulos brancos, como vw, q. 08 soldados, « calxeiros, que
não têm domingo, nem dia santo aplicados sempre nó3 sous sorviços Depois de 1850, com a extinção do tráfico, temos o início do
e aquelos em guarda, à rondas de dia é de noite, o até mesmo por moti- que chamamos escravismo tardio. O comportamemo da classe senho-
vo delas negros, passam sem elos, é até onde pode chegar a relaxa rial e do legislador se alteram, Para conservar O escravo, cujo preço
ção de costumes! *” aumemtara de forma drástica, surgem as primeiras leis profetoras, Por
Como vemos, a classe senhorial baiana, pelos seus representan- outro lado, o escravo negro que até então lutara sozinho com a sua
tes, dirige-se diretamente ao Rei para expor o seu estado de espirito rebeldia radical contra O instituto da escravidão começa à ser visto
em façe da insurgênçia dos escravos. através de uma ótica liberal, As manifestações Aummanistas se suçe-
Quando o eixo dinâmico (econômico « social) do escravismo se dem. E as posições que refictiam uma consciência crítica contra a ins-
desloca do Nordeste para Minas, Rio de Janeiro e São Paulo, esse tituição também aparecem, especialmente entre a mocidade boêmia
mecanismo de defesa senhorial também se racionaliza. e alguns grupos adeptos de um liberalismo mais radical.
Da mesma forma como o número de escravos já não é mais pro- Neste contexto de mudança da chamada opinião pública as leis
porcionalmente tão grande em relação aos brancos os mecanismos protetoras se sucedem: Lei do Ventre Livre, Lei dos Sexagenários,
repressivos se modificam, como veremos. Há toda uma modemiza- lei que extingue à pénia do açoite, proibição de venda separada de es-
ção das classes senhorinis que depois da lei de 1835 passam a procu- cravos casados € outras que objetivam proteger o escravo valorizado
rar elaborar leis protetoras contra a massa escrava. Modernizam as pela impossibilidade de reposição antiga. Neste sentido algumas pro-
táticas, mas a estratégia de poder a fim de manter os escravos sob víncias decretam antecipadamente extinta a escravidão nos seus terri
2 DA INSURCÊNCIA NEGRA AO ESCRA VISMO TARDIO RASXOS MUNDAMENTAES DO ESCRAVISMO TARDIO (8511855) 1

tórios. No Amazonas ela se extinguc em 1884 e nessemesmo ano no Come vemos, no escravismo tardio entrecruzam-se relações es-
Ceará c em Porto Alegre. cravistas e capitalistas. Mas, com uma característica particularizado-
Paralelamente, a escravidão regionaliza-se é aqueas artigas áreas ra: essas relações capitalistas, no que elas têm de mais importante e
de prosperidade da sua primeira fase entram em decidência, dando significativo, não surgiram preponderantemente da nossa acumola-

E
lugas so florescimento de uma economia nova que = desenvolverá ção interna, mas foram injetadas de fora, implantadas por todo um

O
já como o segundo ciclo do escravismo no Brasil. complexo subordinador que atuava no pólo externo, Com isto, há
alterações no comportamento da classe senhorial e dos escravos. As

pr
grandes lutes radicais do século XVII até a primeira parte do século
XIX entram em recesso. Nesta segunda fase do escravismo, novos

a
8. Rasgos fundamentais Essanova fase, pira nós, terá os mecanismos reguladores influem também no comportamento dos se-
do escravismo seguintes rasgos lundamentais: nhores. Uma coisa porém não se altera: q escravo continua como pero-
tardio (1851/1888) 1. Relações de produção escra- priedade, como coisa, ou, para usarmos um conceito econômico, cle
vistas diversificadas regional-
continua come capital fixo. Na sua essência, a situação do escravo
mente, mas concentradas na parte que dinamizava uma economia
permanece à mesma, com modificações apenas nas táticas controla-
nova, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo,
Parcelas de trabalhadores livres predominando em algumas re- doras da sua rebeldia por parte dos seus proprietários.
e

gides, quer nas áreas decadentes quer naquelas que decolaram com Mesmo assim, há transformações também no comportamento
o café. do escravo. Não apenas pelas modificações táticas, mas por manipu-
3, Concomitência de relações capitalistas (de um capitalismo subor- lações estratégicas da classe senhorial, O tráfico interprovincial de-
dinado ao capital monopolista) e permanência de relações escra- sarticula mais uma vez a população escrava, desfazendo muitas vezes
vistas (Mina de Morro Velho). o grupo família, A lei que regula e procura proteger a família escrava
4. Subordinação, no nível de produção industrial, comunicações, es- não permitindo a sua fragmentação na venda, faz-se quase fora do
tradas de ferro, portos, iluminação a gás, velefone etc. ao capital tempo pois é de 1869. Ela surge como medida reprodutora e não pro-
monopolista, especialmente inglês; no nível de relações comerciais tetora, pois as famílias passam à ser matrizes de novos escravos no
subordinação ao mercado mundial e sua realização, internamen- momento cm que a reprodução desses elementos para o trabalho ca-
te, em grande parte, por casas comerciais estranguras, a mesma tivo começa a escassear.
coisa aconteçendo no setor bancário e de exportação, Se na primeira fase do escravismo essa desarticulação verificava-
5. Urbanização e modernização sem mudança nas relações de se na África, O mesmo irá acontecer na segunda, quando os escravos
produção. são vendidos das outras províncias para São Paulo c Rio de Janeiro,
6. Tráfico de escravos interprovincial substituindo o internacional, Somente que cla se realiza internamente. A lei que impede essa desar-
Aumento do seu preço em consequência. ticulação familias somente chega durante a Guerra do Paraguai, pa-
7, Trabalhador livre importado desequilibrando a oferta da força
ra impedir a total fragmentação do acasalamento escravo, pois «a
de trabalho e desqualificando o nacional.
população negra foi aquela que mais sofreu em consequência do
» Empresas de trabalho livre como a colônia de Blumenau.
o

conflito.
+ Empresas de trabalho livre e escravo, como no sistema de parce-
ria de Ibicaba em São Paulo. Paralejamente há substanciais modificações e diferenciações na
10. Empresas de trabalho escravo. economia brasileira. Superpostas às relações de produção escravistas
lt. Influência progressiva do capital monopolista nesse processo. implantem-se, do exterior, relações capitalistas dependentes. O capi-
12. Legislação protetora, substituindo & repressora da primeira fase. tal monopolista cria um complexo cerrado de dominação naquilo que
13, Luta dos escravos em aliança com outros segmentos sociais. A a economia brasileira deveria dinamizar se tivesse forças econômicas
resistência passiva substitui a insurgência ativa da primeira fase. internas capazes de efetuar uma mudança qualitativa a fim de satr
Primeiras lutas da classe operária. do escravismo e qntrar na senda do desenvolvimento capitalista autó-
Ls DA INSUROÊNCIA NEGRA AO ESCRAVISMO TARDIO ENCONTRO DO ESCRAVISMO TARDIO CM O CAPITAL MONOPOLISTA JM

nomo, O escravismo brasileiro, no seu final, já er; um anacronismo Precisamente no fim do Império vamos constater que as vints firmas
uberrante € à sua decomposição verifica-se simuluncamente ao inl- maloms exportadoras de café oram de origem estrangalra, comrotan-
cio da dominação imperialista. Conforme já dissemos em parte, a do curca de 70% das exportações, como cltarei à seguir; Arbukie Bro-
grande duração do escravismo brasileiro levou-o gsencontrar-se com thors, E. Johnston & Cia, Levering & Gta. Hard Rand & Cla, J. H. Donna
& Cla, Prvlipps Brothers & Cta,, Wiile Schmilinsk & Cla, Gustav Trunsk
aquelas forças oconômicas de dominação exógena que não tinham
& Cia, Norton Megaro & Cla,, Andrew Mur & Cia., Karl Velois & Cia.,
mais interesse em exportar mercadorias, mas captais. Borio& Cla., Mc Kinnel & Cia., Max Nothmann & Cia, O, 8, Nicholson
Depois de ocupado e dominado o mercado interno, a Inglater- & Cia. Pradoz & Fils. Comindicação nactonal havia aperas duas gran
ra investe capitais para subalternizar estruturalmente a economia bra- des firmas na praça do Rio de Janeiro; J, F. de Lacerda & Cia. « Zenha
sileira. O representante dos Estados Unidos junto 40 nosso governo Remos 4 Cia O Brasil tinha O monopólio natural da produção do caté,
“o iniciar-se a segunda metade do século XTX desireveu essa situa- O manopólio comercial, porém, pertencia a firmas estrangelras,
ção da seguinte maneira: Da mesma forma como o capital monopolista estrangeiro ab-
Em togas as fazendas do Brasil, 03 donos é seus tocravos veslem-se sorve e domina a comercialização do café, monopoliza, igualmente,
com manufaturas do trabalho livre, é nove dácimoasdetas são Inglasas. ainda em pleno regime escravista, todos os setores estratégicos da nossa
A Inglaterra fornoce todo o capital necessário paramelhoramentos in- economia. Ainda é Humberto Bastos quem informa:
termos no Brasil a fabrica todos 08 utensílios de uso orináio, de en-
xada para cima, é quase todos os artigos de luxo, ou de necessidade, Num longo período que vai de 1838 « 1888, não sa registra em território
desde o alfinete até O vostido caro, Cerâmica inglesa, os artigos ingle de fortes empresas nacionais. Notamos, isto sim,
prasiisiro a fundação
ses de wdro, ferro a madatra, são tão universais cemo os panos de lã a fundação da The Amazon Stean Navegatlon Ca. Ltd., New London
é os tecidos de algodão, A Grã-Bretanha fornece ao Brasil os seus na- and Brazikhan Bank Ltd,, Tha Braganza Gold Mining Ltd., The Madaira
vlos a vapor e a vela, calçalhe o cronalho as ruas. Iluminsine a gás and Mamoré Railway, Tha São Pedro Brazil Gás Co. Lid., Tive Plranguy
as cidades, constról-lhe as ferrovias, expiora-she ae minas, é 9 seu ban-
Gold Mining Co., Wilson Sons and Go. Ltd., The Rio Grangs do Sul Gold
quetro, lsvantadhe as linhas talegráticas, transporta-lhe as maias pos-
Mining Ltd., Tho Clty of Santos Improvements Go. Ltd, The Campos
tais, Constról-lhe as docas. motores, vagões, numa palavra: veste é faz
Syndicate Ltd., Tne Rio de Janeiro Fiour Milis and Gransries Ltd. So-
tudo, menos alimentar o povo brasileiro. *
cisté Anonimo du Rig de Jansira, The Singer Manutacturing Co, Brazi-
Nelson Werneck Sodré, comentando esta realidade, afirma: Lian Exploratlon Co. Ltd, ?*
No início da segunda metade do século XIX, renimente, o Brasil come- É o encontro do escravismo tardio com q capitalismo monopo-
ça a emergir da prolongeds crise que tivera no Inicio com a decadên- lista internacional estrangulando a possibilidade de um desenvolvi-
cia da mineração, ainda no período colonial. à necessidade estava em
mento capitalista autônomo no Brasil.
aumentar a exportação, conservando a estrutura vigonte, isto é,
aumentá-la produzindo quantidade maior de produto agricola de con-
sumo suscetivel de desenvolvimento nos mercados exteros, Para is-
so, havia dols fatores levosáveis: à larga disponibilidade de terras e o
excesso de oferta da força de trabalho, já concentrada é adaptada 40 8. Encontro do Com isto ficam traumatizadas e cstrangu-
sogime escravista. O fator negativo, na ópoca, consistia na fraca dis.
ponibliidade de recursos monetários, *”
escravismo tardio Jadas as fontes de desenvolvimento capt-
com o capital talista autônomo, A modemização avan-
Essa emergência não produz ruptura com a estrutura escravis- monopolista ça, à economia se reglonaliza, a urbani-
ta, mas prolonga-a € reajusta-a aos novos mecanismos internos c ex- zação se acentua, mas as relações escra-
ternos sempre na direção de sujeição progressiva ao capital externo. vistas e as suas instituições correspondentes, finalmente a estrutura
Para se ter uma idéia do nível de subalternização econômica do social, conserva-se intocável no fundamental embora já com todos
Brasil no fimal do escravismo tardio « de como todos os nódulos es- os sintomas de decomposição em face da sua incapacidade de dina-
tratégicos da nossa economia aquela época encontram-se dominados mismo econômico interno. Por outro lado, progride o estrangulamen-
pelo capita! alienígena, vejamos o levantamento de Humberto Bas- to das possibilidades de desenvolvimento capitalista nacional em
tos no fim do século XIX: conseguência da dominação do capital das metrópoles. Esse proces-
23 DA IXSURGÊNCIA NEOSA AO ESCRA VISMO TARDIO ENCONTRO DO ESCRAVISMO FARDO COM O CAPITAL MOSIHPOLISTA 141

so de decomposição vai encontrar — do ponto devista interno — uma Os senhores de escravos e suas estruturas de poder correspon-
saída para adiar a sua morte e seutralizar os gupes abolicionistas dentes, com a Guerra do Paraguai, resolveram ou pelo menos adia-
que se formavam: a Querra do Paraguai, ram a solução da crise institucional que a escravidão havia criado,
O conflito resultou, de fato, dos interesses mpleses aa América apelando pars O patriotismo dos abolicionistas e, do ponto de vista
do Sul, mas, internamente, serviu de anteparo ideológico para sustar da ideologia racial, encontraram oportunidade de branquear a popu-
a visão crítica que ia se avolamando em relação 1 trabalho escravo. tação brasileira através do envio de grande quantidade de negros pa-
Passou-se a invocar o brio patriótico do povo todas as vezes que al- ra os campos de batalha, de onde a sua maioria não regressou é muitos
guém ou algum grupo queria focar no delicado assunto, Por outro dos que voltaram foram reescravizados.
lado, os escravos passaram a ser recrutados e muitos fugiram dos seus AO mesmo tempo, o comportamento do negro escravo é bem

——
senhores para se alistarem objetivando alcançar a liberdade que lhes diferente daquele que proporcionou a formação de Palmares, no sé-
era prometida, Ele é também alforriado pelo Império « os chamados culo XVII, e as insurreições baianas do século XIX. Nessa segunda

emo
escravos da nação são incorporados às tropas brasileiras. Os senho- fase já não se aproveitam da guerra para se livrarem dos seus senho-
res, por séu turno, para fugirem ao dever de se incorporarem às tro-

sro
res, como fizeram aqueles que iriam formar Palmares durante à ocu-
pas, enviam em seu lugar escravos da sua propriedade em número
pação holandesa ou como aqueles negros que durante à luta pela
de um, dois, três e até mais. Com a deserção quase total da classe
independência, na Bahia, fugiram para as matas, escapando ao con-
senhorial dos seus deveres militares, o exército será engrossado subs- grandes movimentos
trole dos seus senhores. Não se têm notícias de
tancialmente por escravos negros (voluntários ou engajados compul- de rebeldia escrava durante o periodo da guerra, E que a própria classe
soriamente), capociras, negros forros, mulatos desocupados etc.
escrava já estava parcialmente desarticulada, passara por um proces-
A Lei nº 1.101 de 20 de sesembro de 1860 (Artigo 5º, $ 4º),
so de diferenciação muito grande quer na divisão do trabalho quer
e, depois, o Decreto nº 3.513, de 12 de setembro de [865, facultavam
na localização das suas atividades e, por estas e outras razões, já não
a substituição do convocado ou recruta por outra pessoa ou pessoas
ou O pagamento de uma “indenização” ao governo, ** Com isto, O tinha mais aquele ethos de rebeldia antiga, anestesiada (pelo menos
Exército que foi combater no Paraguai era predominantemente ne- parcialmente) pelas medidas jurídicas decretadas em seu favor.
gro, Os negros eram enviados em grande mimero para a tinha de frente A rebeldia escrava chega ao seu apogeu até a primeira parte do
e foram os grandes imolados nas batalhas ali travadas, Por esta ra- século XIX, Em seguida é substituída por uma resistência passiva,
zão J. J. Chiavenato escreve que: muitas vezes organizada não por eles mas por grupos liberais que pro-
curam colocar os escravos dentro de padrões não-contestatórios ao
As consegiências da Guerra do Paraguai foram teriveis para Os ne sistema, Não é por acaso que um ano depois da Guerra do Paraguai
gros. Os mais fortes, em uma seloção quo os tirou do eito para a guer-
ra, morreram lutando. Os negros mortos somaram de 80 a 100 mit — é promulgada a Lei do Ven. Livre que dá êqueles escravos descon-
há sotimativas quo informam até 140 mil. laso na frente de batalha, no tentes a esperança de que através de medidas institucionais a Aboli-
Paraguai, Essas números nunca aparecom nas estatísticas oficiais. ção chegaria, A classe senhorial manipula mecanismos reguladores
Cotojando-se porém estimativas do mititaros brasileiros — Caxias in- novos « arma uma estratégia que consegue deslocar sutilmente o fim
clunivo — à margem da historiogralia oflolal, dos observadores astran-
goiros, dos próprios aliados argsntinos, chega-se com reistiva sogurança
do escravismo das lutas dos escravos para o Parlamento. ”
em tomo de 90 mil negros mortos na Guera do Paraguah. Ná guerra
Mas essa estratégia senhorial é desenvolvida em cima de condi-
em si, porque ovtros milhares morreram ds cólera durante a fase de ções econômicas e sociais muito particulares « desfavoráveis, É que
treinâmento, de Slsenteris, do maus-tratos nos transportes, * o Brasi!, ao sair da guerra, é uma nação completamente dependente
O que desejamos destacar, em seguida, é a diferença da insur- e endividada, com compromissos altenadores da nossa soberania que
gência negra durante a primeira fase do escravismo e na fase do es produzem descontentamento e inquietação política em diversos seg-
crevismo tardio. E também salientar a mudança de estratégia da classe mentos sociais. Por isso procura manobrar, de um lado, procurando
senhorial em relação à legislação de controle social sobre o escravo impedir um conflito mutor entre senhores e escravos, e, de outro, ten-
que foi praticamente invertida; de uma legislação repressiva terroris- tendo saldar os seus compromissos financeiros internacionais assu-
ta e despótica passou a produzir uma legislação protetora. midos durante o conflito, especialmente com os Rotschild. **
MI DA ISSUROÊNCIA NECIRA AO ESCRAVBMO TARINO ESCONTRO Ex) ESCHAVISMO TARDIO COM O CAPITAL MONCHPOLISTA 24%

A população escrava, por seu turno, sai considaaveimente di- fosse posto em prática, Os negros escravos não tinham a hegemonia
minuida da Guerra do Paraguai Não tem mais 0 peo demográfico do processo de mudança. Daí porque o próprio Antônio Bento «n-
da primeira fase do escravismo. Por outro lado, o apirelho repressor tirou em contato com fazendeiros paulistas que necessitavam de bra-
se refina pelo menos aparentemente, Os negros escravas estão menos ços para a lavosra e oferece-lhes o: próprios escravos fugidos de outras
concentrados, a urbanização € u modernização prossepuem. Tudo is- fazendas. Bucno de Andrada descreveu essa negociação nos seguin-
to diferencia ainda mais o escravo na divisão técnica do trabalho, Seu tes termos;
potencial de rebeldia se vê bloqueado por todas essas rarões, enquanto
Antônio Bento anveradou por um caminho revolucionário mails orkgl-
O capita! monopolista consegue dominar aqueles setoxs econômicos nal. Combinou com alguns fazandelros, dos quais navia já despovoa-
que darão prosseguimento à formação de um modelo dependente de do as roças, para rocebaram essravos retirados de outros donos, Cada
capitalismo. trabalhador edventicio recebaria de seus patrões o salário de 400 réis.
Após à Guerra do Paraguai a escravidão decompunha-se social O processo, sem perturbar completamente a levoura, ilbertou turmas
e turmas de assravizados é inlessss0u muitos fazendeiros na vitória das
€ economicamente não apenas naquelas áreas decadentes do Nordes-
nossas idétas. Fol uma bela idála!
te, mas no centro mesmo daquelas de economia nova e ascendente,
Se, de um lado, os escravos não mais participavam de movi- Sobre essa solução encontrada pelos abolicionistas paulistas, Ro-
mentos radicais armados, de outro, na última fase da escravidão, a bert Conrad escreve que:
simples resistência passiva atuava como agente desarticulador e de Segundo este proprietário, que conduziu ele mesmo o& propristários
sestruturador daquelas unidades econômicas que ainda produziam ba- a Bento pars negociações, na sa da Abolição mais de um torço das
seadas exclusivamente no trabalho escravo. O movimento abolicionista fazendas da provincia de São Paulo já estavam sendo trabalhadas por
só se articula nacionalmente em 1883, quando é fundada a Confede- “escravos” que haviam abandonado outras propriedades. (...) Para os
ração Abolicionista, Esse movimento que teve diversas alas ideológi- plantadores do café, é claro, este arranjo ora vantajoso, já que, a 400
por dia, talvez mesmo uma escala toamporária de salário, « renda anual
cas procurava, na verdade, extinguir a escravidão, mas obietivava do trabalhador recentemente Hbertado sra mais ou menos o equivalento
igualmente manter os escravos que abandonavam o trabaiho sob seu do valor de trés sacas de café, talvez um olavo da sua capuoldade pro-
controle, dutiva *
Desses movimentos da última fase do escravismo dois são os
Como vemos, os escravos que fugiram através da proteção dos
mais significativos: a atuação dos Caifases e a estruturação do Qui- Caifases não tiveram liberdade de vender a sua força de trabalho de
lombo do Jabaquara, ambos em São Paulo, sendo que q segundo é forma independente, mas ela foi feita através de intermediários que
um prolongamento do primeiro. estabeleceram inclusive o valor do salário. Tudo isto estava subordi-
Os Calfases, liderados por Antônio Bento, iniciam-se com um nado à conjuntura de transição sem a participação em primeiro pla-
discurso radical, pregando através do seu jornal A Redenção a eman- no daquelas forças sociais interessadas na mudança radical.
cipação dos escravos por quaisquer meios, inclusive O revolucioná- Existiam, portanto, mecanismos controladores da insurgência
rio. Mas já no final a sua direção entra em conciliação com os escrava por parte dos próprios abolicionistas. E com isto os negros
fazendeiros, inclusive servindo de intermediária entre os escravos fu- fugidos ficaram praticamente à mercê do protecionismo dos aboli-
gitivos e os proprietários das fazendas, Não queremos negar que du- cionistas brancos.
rante algum tempo Antônio Bento tenha sido um elemento valioso Com o Quilombo do Jabaquara, prolongamento da atuação dos
para a desarticulação das relações escravistas nessa últinsa fasc. O que Caifases, o mesmo acomteçe. Ele também surge na última fase da cam-
desejamos caracterizar e destacar é que dentro das condições sociais panha, organizado por políticos que eram contra o instituto da es-
e históricas em que a transição se realizava, com os pólos de mudan- cravidão, mas, ao mesmo tempo, tinham receio de uma radicalização
ça já dominados estrategicamente pelos agentes econômicos externos independente da grande massa de negros fugidos das fazendas de ca-
— inclusive com a introdução do trabalhador estrangeiro para subs- fé. Por isto mesmo teve particularidades em relação aos quilombos
ttulr o negro —, não havia possibilidades de que o discurso radical que se organizaram na primeira fase do escravismo, Uma delas é que
se DA INSUNGÊNCIA NÉGRA AO ESCRAVIMO TARDIO OPERÁRIOS É ESCRAVOS EM LUTAS PARALELAS *— 34s

ele não surgiu lenta e espontaneamente, como aconteca com os qui- fundação do quilombo, embora no seu início tenha ajudado com di-
tombos da primeira fase e era criação dos quilombolasem confronto nheiro oc movimento, explorou posteriormente o trabalho dos quilom-
com a sociedade escravista no seu conjunto. Fol, so contrário, orga- bolas em proveito próprio, Possuidor de uma caicira, empregava os
nizado por um grupo de abolicionistas que tirham objetivos muito escravos refugiados no Jabaquara sem remuneração na sua empresa,
claros e metas bem delimitadas. Os escravos evadidos tiveram, no ca- a troco de comida « esconderijo. Os demais abolicionistas sabiam do
so, portanto, um papel passivo no processo, O seu lider, por outro fato mas fingiam ignorá-lo, pois, para eles, a sua contribuição à cau-
lado (e talvez por istó mesmo) foi o ex-escravo sergipano Quintino sa justificava aquele procedimento.
de Lacerda que não surgiu de uma luta independente dos escravas Sem acesso à terra, O negro se marginalizou nacionalmente de-
até conseguir pela confiança geral a sua chefia, mas foiindicado pelo pois da Abolição. Em relação ao Nordeste, Manoel Correia de An-
grupo organizador de abolicionistas moderados. Como vemos, o qui- drade escreve com acerto que:
tombo teve a sua formação subordinada às peculiaridades conciliató-
A Abolição, apesar de tar sido ama mediga revolucionária, de vez que
rias da ideologia abolicionista e não às lutas dos próprios escravos.
atingiu am chatoo direito de propriedade, negando indanizaçãoaos de
A chegada de ondas sucessivas de cativos a Santos, vindos de sapropriados, não tendo sido complementada por medidas que demo-
diversas regiões da Província e que ali se refugiavam, levou os aboli- cratizassom O acesso à propriadada de terra, não provocou modificações
cionistas daquela cidade paulista a tomarem uma posição prática no substanciais nas estruturas existentes, As mesmas famílias, ou mes-
sentido de organizá-los convenientemente. Em 1882, por iniciativa de mo grupoe dominantes continuaram a dingir a economia da área açu-
carolra, apenas substituindo O que em parte já naviam toito, O uso da
Xavier Pinheiro, realizou-se uma reunião desses abolicionistas para
mão-de-obra escrava pelo uso da mão-de-obra assalartada. **
decidirem o destino que poderiam dar às centenas de negros que çhe-
gavam diariamente âquela cidade. Os mecanismos seletores e discriminadores foram os mesmos.
Feita uma coleta entre eles para a organização de um quilom- Tanto no Nordeste quanto nas demais regiões.
bo, conscguiu-se “num abrir e fochar de olhos"' duzentos homens ar- Como vemos, a rebeldia negra, na fase conclusiva da Abolição,
mados. Quintino de Lacerda fo: escolhido chefe do quilombo e ficou subordinada áquelas forças abolicionistas moderadas que pro-
elemento de ligação entre os negros do reduto « os abolicionistas da curgram subalternizar o negro livre de acordo com padrões de obe-
cidade. Os abolicionistas escolheram, também, o local do quilombo: diência próximos aos do escravo. Era o início da marginalização do
“uma área ainda em estado primitivo, coberta de matos e cortada negro após a Abolição que persiste até hoje, Os próprios abolicionis-
de riachos”, ** Segundo um historiador da cidade de Santos à esco- tas se encerregaram de colocá-lo '*no seu devido lugar”.
lha de Quintino de Lacerda para chefe do quilombo deveu-se à ne-
cessidade de um líder que “os mantivesse (os negros fugidos) em ordem
e arrefocesse Os seus impetos naturais « compreensíveis”, * Como
vemos, o quilombo foi organizado como mecanismo controlador de 10. Operários e E uma característica desse escravismo tardio
um possível radicalismo no comportamento dos negros fugidos. escravos em o cruzamento de relações escravistas e capt-
Esse quilombo, como vemos, era bem diferente de quantos se lutas paralelas talistas. Se isto se verificava no nível das clas-
formaram na primeira fase da escravidão, Os abolicionistas procura- ses dominantes, vamos encontrar o mesmo
vam tirar os escravos das fazendas, mas não permitiam que eles se fenômeno no nivel da classe trabalhadora, isto é, a existência de mo-
organizassem sem a mediação do seu poder de direção sobre eles, Era vimentos de resistência escrava e movimentos de trabalhadores livres,
portanto uma solução intermediária que subordinava os escravos fu- de operários. Os escravos ainda lutavam pela extinção do cativeiro
gidos às correntes abolicionistas. e já os operários, paralelamente, partiam para uma posição reivindi-
Daí tcrem surgido, dentro desse conjunto de forças, contradi- cativa, inclusive organizando greves. Isto bem demonstra a hetçro-
ções e divergências quanto ao tratamento que deveria ser dado a es- doxia desse modo de produção na sua última fase, o encontro de
ses negros. Joaquim Xavier Pinheiro, abolicionista e inspirador da contradições entre senhores e escravos e capitalistas c operários.
OPTELARICAS É EICRA VOS EM LUTAS PARALELAS 243
246 DA INSURGÊNCIA NEGRA AO ESCRAVISMO TARDIO

Neste sentido, Hermínio Linhares registra uma preve de tipó- Queremos destacar aqui, nesta perspectiva de possivel conexão
grafos em 1858, apenas oito anos, portanto, após a extinção do iráfi- de lutas operárias com as dos escravos, que foi exatamente essa Im-
co negreiro. Diz ele neste sentido; perial Associação Tipográfica Fleminense que, ao ser informada de
que entre os seus associados tinha um que era escravo designou uma
A greve dos lipógralos em 1858 fai à primeira grevs do Rio de Janeiro,
talvez do Brasit. O trabalho dos Spógrafos não era reguerizado, princi. comissão para hbertá-lo.
palmente nos grandes Jornais, começavam a trabalhar às três horas da Do ponto de vista em que nos colocamos em relação ao escra-
tarde é só largavam alta noite é às vezes terminavam de madrugada. vismo tardio o exemplo é significativo pois demonstra como já exis-
Em dezembro de 1855 resolveram pedir o aumento de doz tostões diá-
tiam escravos trabalhando como operários e se associando a entidades
rios, sendo prontamente atendidos. Decorridos dois aros, nos pamár-
dios da dezembro da 1857, como o custo de vida tivesss subido muito, de trabalhadores livres e, em contrapartida, a iniciativa de uma des-
pediram novo aumoanto, Não especificaram quanto desejam, pelo con- sas entidades vo sentido de modificar o status do seu associado,
trário, declararam que se satisfaziam com qualquer quantia, mesmo pe
concedendo-lhe O título de cidadão.
quena. Os empregadores, alegando ser nacessário estudar o problema,
pediram que aguardassem resposta até 9 Início do ano Nos primeiros
As greves e movimentos reivindicatórios dos operários durante
dias de janelro velo a resposta; O aumento não sra possire), Em 8-1-1858 o escravistno ainda não foram levantadas sistematicamente por pes-
os tioógratos dos jornais Diário do Rio de Janeiro, Correio Mercantil quisadores, Há, porém, diversas informações esparsas. Escreve Fer-
& Jornal do Comércio, que eram às grandes jornais da ápoca, não sa:
nando Henrique Cardoso:
tisfeitos com s resposta dada, exigiram aumento de dez tostões diá-
ros. Os patrões se negaram. Foi desencadesda a primelsa grova
organizada do Rio, No dia 9:1-1856 não houve jormais. No dia 10, do Em época anterior à greve dos chagelelros, em 1884, houve um movl:
mingo, 08 tigógrafos tençaram o seu Jornal — Jorma/ dos Tipógratos. mento relvindicatório levado adiante pelos trabalhadores de uma 63-
Nela 36 detandiam é ao masmo tampo atacavam os propristários dos trada de terro, Reciamaram a obrigação que lhos ora imposta de guatar
tornals; além disso, o jornal era Igual aos demais, possuindo todas as os salários nos armazéns da própria companhia, onde pagavam o do-
suss60s clássicas da época. Assustados, os propristários dos Jornais bro do preço corrente no mercado pelos gêneros de que necessitavam
pediram ao chefe de policia providências enérgicas, esta chamou uma para vivor, No Gecorrar do movimento relvingicatório enviaram um me-
comissão de vinte grevistas, que tão bem se houve na dalosa das suas morial à Companhia onde dizlam: “Somos pobres à temos que nos su:
reivindicações que o chefe de policia nada pode fazer. Foram feitos ape- jeitarmos aos caprichos dosses senhores, por infelicidade nossa. isto
tos pelos proprietários ao Ministro da Justiça que também nada con
não é justo. Impõe-senos como obrigação gastamos de 158000 a
soguiu. Em desespero, correram ao Ministro da Fazenda; este ordenou
208000 por mis, podendo nós gastarmos muito menos. isto é duro. De-
que 09 tipógrafos da Imprensa Nacional fossem postos à disposição
dass trés folhas. Tais Upógrafos, porém, solidários com seus colegas, pois, se algum trabalhador resiste e não gasta nos tais armazéns é lo
se negaram a trabalhar. Foram necessarias muitas ameaças, medidas go despedido. A digna dirstoria levamos os nossos queixumos,
de repressão etc,, pará que eiss ocupassom o lugar dos grevistas, Quan esperando que ela providencia nó sentido de que se dá |lberdade e pro-
do terminou a greve, os tipógrafos foram acusados de elementos per- teção aos trabalhadores", *
turbadoros, de anarquistas, *
Ainda está por se fazer um levantamento dos movimentos dos Esses movimentos de trabalhadores livres que coexistem com às
trabalhadores livres no período escravista € as possíveis convergên- escravos bem demonstram como o escravismo tardio do Brasil de-
cias ou divergências com as lutas dos escravos. Na greve que estamos monstrava, na sua estrutura, dois níveis de contradições na área das
registrando, encontramos, ainda em Hermínio Linhares: relações de trabalho. Uma era entre os senhores de escravos e a es-
Como fosse dificil a impressão de seu jornal (dos graviatas), um grupo
cravaria que se revoltava, outra era aquela que existia entre patrões
de tipógrafos se ofereceu € trabalhou do graça, No 0774, Use; "Já dé é operários que reivindicavam maior valorização ds sua força de tra-
tompo de acabarem as opressões de toda casta, já é tempo de se quer balho, De permeio, influindo em uma « na outra, o capital monopo-
rear por todos os melos legais toda exploração do homem polo mas. lista internacional garrotcava o desenvolvimento autônomo da nossa
mo homem”. A Imperial Associação Tipográfica Fluminense deu onze
dos doze contos de réis que tinha em caixa para auxiliar o Jornal,” economia e à colocava em situação de dependência como está até hoje,
DA INSURGÊNCIA NEGRA AO ESCRA VISIO TABDIO NOTAS E REFERÊNCIAS BIMLFOCRÁFICAS 4

Notas e referências bibliográficas iz


FevDtT, Julio, Subsídios para a história dos campos dos poitacases. Rio
de Janeiro, Esquilo, 1979, p. 361. Devemos assinalar a técnica sofisticada
ODRIQUES, José Honório. A rebeldia negra c à Abolição. Afro-Ásia, pu- usada para o ixêndio, o que demonstra à participação pelo menos indire-
blicação semestral do Centro de Estudos Afro-Ocidentais, Salvador, (6/7): ta de aboliçionistas junto 305 escravos fugidos, pois o uso de lentes para
102-3, jun,/dez. 1968, tais atos pressupõe uma intenção de impunidade que o quilombola tradi.
NTONIL, André João. Cultura e opulêncio do Brasil. Sairador, Livraria
cional não tinha.
'* Idem, ibidem, p. 362.

m
rogresso, 1950. p, 55,
Idem, ibidem, p. 86. Idem, Ibidem, p. 362.
Idem, ibidem, p. 57. Vejamos como um historiador do Quilombo do Ambrásio descreve a di-
visão do trabalho naquele reduto: “Foi um modelo de organização, de dis-
ENcI, Jorge S. J. Economia cristã dos senhores no gowrno dos esera-
ciplina, de trabalho comunitário, Os negros, cerca de mil, eram divididos
vos. São Paulo, Grijalbo, 1977. p. 139. em grupos ou setores, crabalhando todos de acordo com a sus especialida-
ARX, Karl, Le capital, Paris, 1949, v, 1, p. 91, de. Havia 05 excurcionistas ou exploradores, que saiam em grupos de trinta,
Vejamos como a lei é detalhista, igualando-se à resposta do Rei ao Conse- mais ou menos, assaltavam fazendas ou caravanas de viajantes; havia os
o Ultramarino quando define o que é quilombo, entrando, também, na campeiros ou chadores, que cuidava do gado; havia os caçadores ou me-
minúcia do número: “quilombo cra toda habitação de negros fugidos que garefes; os agricultores que cuidavam das roças c plantuções; os que trata-
passem de cínco, em parte desprovida, ainda que não tenham ranchos le- vam dos engenhos, fabricação de açúcar, aguardente, azeite, farinha etc,
Todos trabalhavam nas suas funções. (...) As colheitas eram conduzidas
vantados nem se achem pilões neles”. A resposta é de 1740,
aos puióis da comunidade”, (BarsOSA, Waldemar «dc Almeida, Negros
Coleção das Leis do Governo do Império do Brasil, 183, p. 5-6, e quilombos em Minas Gerais. Belo Horizome, 1972. p. HM.)
GOULART, José Alípio. Da fuga ao suicídio (Aspectos de rebeldia dos cs- Sicva, Maria Beatriz Nizza da. 4 primeira gazeta da Bahia: Idade d'Ou-
cravos no Brasil). Rio de Janeiro, Conquista, 1972. p. 35. ro do Brasil, São Paulo, Cultrix/MEC, 1978, p, 101,
SALLES, Vicente, O negro no Pará. Rio de Janciro, FGV UFP, 1971. p. Doc, na Brblioteca Nacional do Rio, seção de manuscritos 1, 24, 6, 53,
apud Sruva, Merta Beatriz Nizza da, Op. ch.
amos a situação descrita por José Antônio Gonçalves de Mello: “Des Apud SODRE, Nelson Werneck, Brasil: radiografia de um modelo. Petró-
de 1638 há referência a quilombos que constituiam uma grande ameaça polis, Vozes, 1975. p. 43,
para as populações c os bens da colônia. Havia também pequenos aldea- SoprÉ, Nelson Werneck, Op. cit., p. 46.
mentos ou bandos de negros que roubavam e matavam pelos caminhos:
Apud MARTINS, Ivan Pedro de, Introdução é econqmia brasileira, Rio de
os “boschnegers', contra os quais eram empregados capitães de campo bra-
Janeiro, José Olympio, 1961. p. 100-4.
sileiros, já que os holandeses eram considerados incapazes para tal fun-
ão. (...) Outros quilombos surgiram no período da dominação holandesa, CHIAVENATO, ), J. Os voluntários da pátria (e outros mitos). São Paulo,
pras São pouças as informações sobre eles. Um deles estava situado na 'Mata Global, 1983, p. 33.
Roe: e os seus elementos corriam a região em bandos, roubando « me- * Idem, O negro no Brasil (de senzala à Guerra do Paraguai). São Paulo,
o. O govemo holandês castiguva-os exemplarmente: cram enforcados Brasiliense, 1980. p. 203-4,
queimados vivos (:..) Mas a guerra empreendida pelos holandeses no * Nabuco, o mais conspícuo abolicionista no Parlamento, dizia no particu-
atodo 1630/1635 desorganizou completamente a vida da colônia, Todos tar; “À propaganda abolicionista, com efeito, não se dirige aos escravos,
negros aproveitaram u oportunidade para fugir. Pela leitura dos docu- Seriu uma cobardia, inepta < criminosa, c, além disso, um sulcídio políti-
entos vê-se que parou quase completamente o trabalho nos engenhos. co para o partido abolicionista, incitar à insurreição ou ao crime, homens
Uma relação dos engenhos existentes entre O rio das Jandadas e o Una, sem defesa, e que a lei de Linçh, ou a justiça pública, imediatamente ha-
eita pelo conselheiro Schott, mostra-nos a verdadeira situação dessas pros veria de esmagar. Cobardia, porque seria expor outros & perigos que 0 pro-
priedades, exatamente ns zona mais rica da Capitania, e a zona Sul. Eram vacador não correria com eles; mépcia, porque seria fazer os inocentes
camaviais queimados, casas-grandes abrasadas, os cobres jogados aos rios, sofrerem pelos culpados, além da cumplicidade que cabe ao que induz ou-
sudes arrombados, os bols levados ou comidos, fugidos todos os negros, trem à cOmeter O crimes suicídio político, porque a nação inteira — vendo
&o haviam fugido os negros velhos e molequinhos"", (MELLO, NETO, uma classe, essa à mais influente e poderosa do Estudo, exposta à vindita
osé Antônio Gonçalves de, Tempo de flamengos, Rio de Janeiro, José bárbara e selvagem de uma população mantida até hoje ao sível dos ant.
mpio, 1947, p. 206-30.) mais e cujas paixões, quebrando o freio do medo, não conheceriam limi-
180 DA INSURGÊNCIA MEORA AO FECHAVISMS TARDIO

tes no modo de satisfazer-se — pensaria que a necessidade mente era sal-


var a sociedade a todo custo por um exemplo tremendo, e I£o sena ostnal
de morte do abolicionismo. (...) A emancipação há de ser frita, entre nós,
As sirus Primeipios e Frewtumpntos são fruto de um frabalho editorial
por uma lei que tenha os requisitos externose internos, de tdas as outras, intenso e realista, e aprescatom linros intimamente ligados sos currículos
E assim, no Parlamento e não nas fazendas ou quilombos de interior, nem de vossas Ficuldades, sempre elaborados por autores representativos de
nas ruas e praças das cidades, que st há de ganhar, ou perder, a causa da diversas ireas do combecimento e integrados no Eadno Superior do pais.
liberdade. Em semelhante luta, a violência, O crime, o desonteatamento Evapogo Mein sro a série Fundirmentos.
de ódios acalentados, só pode ser prejudicial ao lado de quem tem por 44
o direito, 2 justiça, a preocupação dos oprimidos os votosda hamenida-
de toda”. (NaBuco, Joaquim, O abolicionismo. São Paulo, Nacional,

E
1938, p. 5-4.)
M vejamos como um historiador da Guerra do Paraguai descreve a situação
econômica do Brasil após o confito: “O Brasil ficou economicamente exau-
rido. Torá que recorrer aos empréstimos inpleses. Entre 1871 É 1889 con.
trai dívidas que montum a 45,504.100 libras. Seu comércio exterior está
dominado por capitalistas britânicos. O café, seu principal produto de ex-
portação, foi monopolizado pelas seguintes firmas: Pipe Irmãos,
Schwind Me Kinnel, Ed. Johnson and Co., Wrigin and Co., Boje & Cia.
Apenas um nome brasileiro, o último da bista. Em 1875, dovolume de co-
Mmidas dm bngua
mércio de toda a América Latina com a Inglaterra, 32% das exportações 1 Ma sao de pola Ot tutasaa
€ 40% das importações cabe ao Brasi! Império. Nesse setor, O Brasil ocu- Coe a raso Ee dra Fabate5 crjvipt A Som XX
rem Cuebio Longas «tr Coraito Eder Prosirstas Porção
pa o primeiro lugar, com larga diferença em relação aos outros. Os inves- o erra Dodo de od Furia Tarado E
Tosis Alo PV ÃO GA NINEDOS
timentos Ingleses, nesse ano, tncluindo os empréstimos nãc-amortizados, amina
dO Do Quase Air A postico do sapos gato
Ludo day
A mageita enunna o
atingem à casa de 31,289.000 libras". (PoMER, Leon. Psragual: nossa Tempos da hivranse Mest Eerono
nei
be as qr * Aeque cores no Bresl tória stvç de cos &
guerra contra esse soldado, 2, ed. São Paulo, Global, s.d. p. 50.) Erqencão: Sboudo Suns Er Fa Prcermas Fruç
Larg Lisp Sigo Maceio
Sd Va Cperecd
*5 Conrad, Robert. Os vlrimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Ja- 4 tm) rev ds tys
Leste trnadera
Fueras e biraçdas
Derondro ds segs dr

neiro, Civilização Brasileira/MEC, 1975. p. 310. O depotmento


de Bueno Elecenror Morta Alma Avieots Agi
= Frearmisno possgóçios dg Cosprm 4. Copas

“+
eslgrsO rosie
de Andrada enconira-se na mesma página da citação.
Lrigestord
sis E regómas O bibacdo | acena
hfpica dado & mu center dia
*º MARTINS DOS SANTOS, Francisco, História de Santos. São Paulo, Revista Pego Mom
içaDçdo 0 mesas
Contando Mig
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dos Tribunais, 1937. v. 2, p. 12. Sátiro Mega
O Lemos na semstes
Goredro Mas
2 Idem, Ibidem. 7 Exmcren abicendo
Hentária e
2 Cosas regar o
se oque
as Menraido Servas
?* ANDRADE, Manoel Correia de. Escravidão e trabalho “livre” no Nordes- 1 nfralos sutue » ata | Sad MNE à sado 14
Matas!
as -
ioeriry Sar

te açucareiro, Recife, ASA, 1985. p. 39-40, dad Pon Oxaido Ceseivo


Los God FM ad Die 3
É Ho mando de sscrma 32º restos da Dus Sucata aDe dd
?9 LinHaRrEs, Herminio, Contribuição à história das lutas operárias no Bra NOTA pais pad tn
CAs KV 0 mendes da
Pavan 4
sit, São Paulo, Alfa-Ômega, 1976. (Umiçà q) Cesta
Mar A, Mao asc XVI Sep? EN
DONO
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Dulce cio Pas Povry
20 Antes dessa greve de 1R58 há notícias de um movimesto reivindicativo mais lersgusçes q ditos
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Aorensaugem 4
remoso, “Trata-se do movimento dos acendedores de luz, Esses homens Mass Sácus Pragas
E eu da Pegtrça DO
pescada rio dy gas ra
Peocioga ave area Povid PaMp
ameaçaram a cidade de deixá-la às trevas caso não fossem satisfeitas as 1
Dente Moser Leno
sido XVI ted) xVE
Sagrados Sem Sur qioço é da soci qua
ecugências que faziam. Sabe-se que interveio a policia e a simeaça dos acen- 1» Mortogarnaao Horto cha besguas Detas ss Jens
Furo o Ás s Core gomupaena
dedores de luz foi à força afastada," (QUEIROZ, Muurício Vinhas de. As D. E osmeos almas ND
A formação de Triagos
de Loco Poqdga na tenra
primeiras lutas operárias no Brasil. Revista do Povo, (2), 1946.) Me pe edDo quis rospó a Magro Morel Frens a]
Mire! Eqaqers » Mises dy brgus Dlcroçdo dpats
” CarDOSO, Fernando Henrique. Proletariado no Brasil: situaçãoc compor- 4 Raras trpro frio dução 3 Hosada da
tamento social. Revista Brasiliense, São Paulo, (41): 108, 1966. ATACA O
Hama dove! Mira Soarw “ay o da iutE
sie
Mnenpir Mp,

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