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RESUMO
Este texto tem como tema central a perspectiva de constituição do
paradigma da complexidade como novo referencial para a percepção e a
interpretação da natureza, bem como para a orientação do ser humano em
suas ações, relações, interações e intervenções no meio em que vive, em
oposição ou substituição ao paradigma cartesiano ou da modernidade. Para
tanto, tece considerações sobre as manifestações de esgotamento do
paradigma cartesiano e suas limitações em reconhecer, explicar e preservar a
integridade da natureza segundo sua diversidade, interdependência e
intercomplementaridade entre os diferentes biomas e formas de vida que a
constituem. Aborda também os efeitos destrutivos das ações humanas
levadas a efeito sob as orientações desse paradigma, comprometendo a
permanência das condições saudáveis de vida no planeta e a garantia de
continuação das gerações futuras. Além disso, em relação ao novo
paradigma
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1. Originalmente escrito, em 2008, com o título Introdução ao Estudo da Complexidade, este
texto se constituiu no capítulo III da dissertação de mestrado do autor, intitulada “Pedagogia
da Alternância: Uma proposta metodológica para a UNED Novo Paraíso do IFRR”, defendida
para a obtenção do grau de Mestre em Ciências no Programa de Pós-Graduação em Educação
Agrícola da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Para esta publicação, ele
foi modificado, sendo ampliado em alguns aspectos e reduzido em outros, mas mantendo sua
essência original, preconizando um novo olhar pedagógico sobre a realidade.
Transdisciplinaridade: Transição da Visão Fragmentada do Conhecimento para
além do Recorte Disciplinar, em Busca do Pensamento Complexo
PALAVRAS-CHAVE:
Paradigma Cartesiano. Conhecimento. Complexidade.
ABSTRACT
The central theme of this text is the perspective of the
establishment of the paradigm of complexity as the new benchmark for
perception and interpretation of nature as well as to serve as guidance for
human actions, relations, interactions and interventions related to the
environment in which he lives, in opposition to or replacement of modernity
or Cartesian paradigm. To that end, the work discusses the exhaustion of the
current Cartesian paradigm and its limitations in recognizing, explaining
and preserving the integrity of nature according to its diversity,
interdependence and intercomplementarity between the different biomes and
living forms that constitute them. It also addresses the destructive effects of
human actions carried out under the guidance of this paradigm,
jeopardizing the endurance of healthy conditions for life on the planet and to
guarantee the continuity of generations to come. About the new emerging
paradigm, the work addresses the effects of fragmentation of knowledge with
the advent of the scientific method and the emergence of the
disciplinarization of the school curriculum, both under the constraints of the
paradigm of modernity. The text continues addressing issues that are
important not only to the constitution and understanding of the new
paradigm, but also to the context of education and pedagogical practices
committed with the prospects for changes, towards overcoming disciplinary
fragmentation of school curriculum. In this sense, the work presents the
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KEYWORDS:
Cartesian Paradigm, Knowledge, Complexity.
INTRODUÇÃO
A jornada do ser humano rumo ao conhecimento, desde os
primórdios da civilização, sempre esteve envolta em determinados padrões
comportamentais, crenças e condicionamentos que moldaram e orientaram
os diferentes modos de vida na produção e na reprodução da sua existência.
Da Pré-História aos dias atuais, a evolução do conhecimento vem passando
por determinados estágios que sempre confrontaram o indivíduo com a
natureza, com ele próprio e com o meio em que vive, segundo as crenças e
os valores constituintes do paradigma que é tomado como modelo ou
referência para orientação de suas ações e interações.
Este texto, de forma despretensiosa, não faz um mergulho
profundo na história da humanidade nem na evolução do conhecimento. Mas
entra no mérito da crise paradigmática que vem marcando a atualidade, no
embate entre o paradigma da modernidade – atual – e o novo paradigma em
processo de constituição – o paradigma da complexidade ou do pensamento
complexo. Tal crise tem origem na evolução do conhecimento científico, que
coloca em xeque o paradigma da modernidade, em suas limitações, para
continuar explicando a realidade e justificando a ação humana diante das
novas descobertas científicas e da diversidade/complexidade da natureza.
Nesse contexto, busca-se primeiro fazer uma rápida definição ou
conceituação do termo paradigma para, em seguida, tentar a
identificação/caracterização do paradigma da modernidade ou atual, que, ao
colocar o homem como centro e senhor da natureza, vem, desde a Idade
Média, não só servindo de referência ou modelo para as ações, as interações
e as intervenções humanas no campo das ciências naturais, mas também
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2. NOTA: Para uma explicação sobre a evolução do pensamento científico, a construção do
paradigma cartesiano e o contexto do debate atual sobre o surgimento do paradigma da
complexidade, recomenda-se a leitura do livro Ponto de Mutação, de Fritjof Capra, editora
Cultrix, São Paulo, 2006.
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O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
O tema complexidade, apesar de instigador e de não ser tão recente
no âmbito do debate acadêmico, vem sendo pouco discutido no campo da
educação e parece enfrentar dificuldades em ser levado em consideração nas
discussões pedagógicas sobre currículo, processos de aprendizagem,
abordagens metodológicas, entre outros temas.
Em perspectiva ampla, esse termo está relacionado com o contexto
diverso e complexo da realidade concreta do mundo físico, social, cultural e
político no qual vivemos. É, por assim dizer, um termo que caracteriza o
movimento pós-moderno em uma dimensão planetária, no que se refere à
caracterização das perspectivas de novas formas de percepção e
interpretação das ações, das interações, das ligações e da interdependência
entre a diversidade de biomas, sistemas e formas de vida, necessários à
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DISCIPLINA/DISCIPLINARIDADE
O advento da disciplinaridade nas ciências e na educação se deu,
como já visto, a partir da constituição do paradigma da modernidade,
mecanicista, cartesiano. Disciplina é um termo polissêmico e dicotômico.
Seu emprego pode apresentar sentidos diferentes quando relacionado ao
conhecimento. Segundo Luck (1994, p. 37), esse termo pressupõe pelo
menos dois enfoques distintos, um epistemológico e outro pedagógico.
No enfoque epistemológico, o termo disciplina é empregado para
identificar uma área ou ramo do conhecimento, ou uma ciência. Como
ciência, ele corresponde “a um saber especializado, ordenado e profundo,
que permite ao homem o conhecimento da realidade, a partir de
especializações, ao mesmo tempo em que deixa de levar em consideração o
todo de que faz parte” (LUCK, 1994, p. 38).
A crítica ao conhecimento científico de forma disciplinar está
centrada no sentido da sua fragmentação , visto que, à medida que permite
grandes avanços científicos e aprofunda o conhecimento especializado, o
paradigma disciplinar constrói um verdadeiro mosaico de conhecimentos
sem, no entanto, demonstrar muita preocupação com as ligações entre eles e
deles com o todo. Assim, a ciência avança com novos conhecimentos
verticalizados, cada qual em sua área ou disciplina, mas justapostos em
relação aos demais e com menor preocupação com sua horizontalidade no
que se refere às articulações, às interações e à complementaridade possíveis
entre eles.
O método científico estruturado segundo o paradigma cartesiano
foi, e continua sendo, muito importante para a evolução do pensamento
científico e as grandes descobertas que permitiram o avanço do
conhecimento. Esse método, como visto, tem por princípio a busca da
verdade absoluta baseado na visão mecanicista do mundo e em modelo
matemático; e recomenda a divisão (disciplinarização) e a fragmentação do
todo a ser investigado em tantas partes quantas forem possíveis e necessárias
para serem mais bem observadas, testadas, analisadas e quantificadas de
modo a permitir as conclusões sobre o conhecimento produzido acerca da
parte do todo/objeto estudado.
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INTERDISCIPLINARIDADE
Para uma abordagem interdisciplinar, é necessário que o assunto ou
ação em questão leve em consideração um contexto disciplinar. A
interdisciplinaridade pressupõe a existência de pelo menos duas disciplinas
que vislumbrem elos e interfaces de comunicação, interação e
complementaridade entre si.
Assim, “a perspectiva interdisciplinar não é, portanto, contrária à
perspectiva disciplinar; ao contrário, não pode existir sem ela e, mais ainda,
alimenta-se dela” (FAZENDA, 2005, 47).
No entanto, tal qual a disciplinaridade, a interdisciplinaridade pode
ser aplicada com perspectivas de intencionalidades diferentes, com pelo
menos duas visões/intenções distintas: uma voltada para a tendência
epistemológica no campo das ciências, para fins de pesquisa, e outra com
tendência mais instrumental.
Na perspectiva epistemológica de pesquisa, segundo Fazenda
(2005, p. 49), a interdisciplinaridade tem como propósito “a edificação de
uma síntese conceitual ou acadêmica do fato”. Tem por objetivo “constituir
um quadro conceitual global que poderia, numa ótica de integração, unificar
todo o saber científico”. Poder-se-ia dizer que, nesse sentido, a
interdisciplinaridade representa o embrião para o movimento da
transdisciplinaridade, uma vez que remete a ação para a superação dos
limites disciplinares do conhecimento.
Na perspectiva instrumental, a interdisciplinaridade tem por
objetivo, segundo Fazenda (2005, p. 49), “resolver problemas da existência
cotidiana com base em práticas particulares”. Pode ser entendida como um
“recurso a um saber diretamente útil (funcional) e utilizável para responder
às questões e aos problemas sociais contemporâneos, aos anseios da
sociedade”. Nessa acepção, a interdisciplinaridade assume uma função mais
política, no sentido da articulação de saberes para um determinado fim.
Para definir o significado do termo interdisciplinaridade, Morin
(2005, P. 50) utiliza a seguinte explicação:
TRANSDISCIPLINARIDADE
O pensamento transdisciplinar é uma nova forma de ver e perceber
o mundo em sua diversidade e complexidade. Uma atitude transdisciplinar é
aquela em que o sujeito da ação, ao tratar o objeto de estudo, leva em
consideração também o ambiente, as relações, as articulações e as interações
que o objeto estabelece com os outros objetos que compõem o todo ou o
nicho no qual está inserido.
Para Santos (2005, p.2), “a transdisciplinaridade é a busca do
sentido da vida através de relações entre os diversos saberes (ciências exatas,
humanas e artes) numa democracia cognitiva. Nenhum saber é mais
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conclusão, porém sem dar por esgotado o assunto e
reconhecendo que outros autores não consultados já produziram
contribuições importantes para o aprofundamento do debate em torno do
tema central deste texto, espera-se que, mesmo com todas as suas limitações,
tenha cumprido com a finalidade de expor e tentar trazer para o debate
acadêmico, pedagógico, o dilema dos paradigmas. Nesse sentido, faz-se uma
breve explanação sobre a constituição, a funcionalidade e o esgotamento do
paradigma cartesiano, inclusive tentando demonstrar sua insuficiência e suas
limitações metodológicas para dar conta de explicar a complexidade da
natureza e da própria vida. Assim, apesar da inegável importância que esse
paradigma teve para o progresso da ciência e o avanço da humanidade, tendo
como referência os efeitos que as ações, as interações e as intervenções dos
seres humanos orientados por seus pressupostos produziram na natureza e no
meio ambiente em que vivem, acredita-se ter ficado demonstrado que na
atualidade ele já não é mais suficiente para continuar orientando a jornada
humana, seja na busca de novos conhecimentos, seja nas ações e nas
interações que os sujeitos promovem entre si e com o meio que os cerca.
Ante essa constatação, como proposta de substituição do modelo
orientador do pensamento científico e da própria condução da jornada
humana na terra, é apresentado o paradigma da complexidade ou do
pensamento complexo, que, como visto, ainda se encontra em processo de
constituição. Esse novo paradigma ou essa nova forma de pensar a existência
humana e de perceber a realidade, em oposição ao anterior, passa a exigir do
ser humano uma mente aberta, liberta do cartesianismo, que lhe permita
exercer uma nova forma de pensar, de agir, de se perceber, de perceber o
meio ambiente e de nele agir e interagir não mais como senhor da natureza,
mas tão somente como mais um espécime que, ao lado e em meio aos
demais, constitui e integra a complexidade da teia de interações e
interdependência que possibilita a permanência das diferentes formas de vida
na Terra.
Tal forma de pensar a própria existência não diminui a importância
da sua presença, mas chama a atenção para o fato de que o ser humano não
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REFERÊNCIAS
ANTONIO, S. Educação e Transdisciplinaridade: Crise e
Encantamento da Aprendizagem. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
AMORIM, S.; SILVA, N. O que é um paradigma? Revista de
Ciências Humanas, v. 45, n. 2, p. 345-354, 2011. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/viewFile/2178-
4582.2011v45n2p345/22356>. Acesso em: 1 out. 2018.
BATISTA, .I.L.; SALVI, R.F. Perspectiva Pós-Moderna e
Interdisciplinaridade Educativa: Pensamento Complexo e
Reconciliação Integrativa. Revista Ensaio, v. 8, n. 2, p.171-183;
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