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RESUMO
Considerada a sétima arte, a cinematografia tem sofrido em seu processo de distribuição
modificações que põem a prova a propriedade intelectual dessas produções. Umas dessas
modificações é a alteração da razão de aspecto de filmes já pós-produzidos. O presente
artigo objetiva apresentar um panorama histórico da razão de aspecto, justificá-la como
recurso narrativo, apontar os problemas causados por sua alteração e indicar soluções para
evitar esta modificação.
1. INTRODUÇÃO
1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Cinema e Audiovisual, da Intercom Júnior – XII Jornada de Iniciação
Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
2 Estudante de Graduação 5º. semestre do Curso de Tecnologia em Comunicação Institucional da UTFPR, email:
rafaelalessandro@yahoo.com
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Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Tecnologia em Comunicação Institucional da UTFPR, email:
cfernandes@utfpr.edu.br
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XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
Por se tratar de uma escolha tomada pelo diretor e diretor de fotografia da produção,
a razão de aspecto adquire não apenas um caráter estético no filme, como também amplia a
experiência do espectador e auxilia o roteiro ao ser utilizada como potencial narrativo.
Dada esta escolha artística, o arquivo sofre modificações para se adaptar a diferentes
plataformas: salas de projeção digitais ou analógicas, VOD (video on demand), distribuição
home video e televisão. É neste processo que muitos filmes têm sua razão de aspecto
alterada, prejudicando a experiência cinematográfica de quem os assistem.
O presente artigo objetiva apresentar um panorama histórico da razão de aspecto,
justificá-la como recurso narrativo, apontar os problemas causados por sua alteração em um
filme já pós-produzido e indicar soluções para evitar esta adulteração.
2. RAZÃO DE ASPECTO
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Figura 1 - Disponível em: <http://calculateaspectratio.com/> Acesso em jul. 2016.
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Desde então, muitas outras técnicas de captação e projeção foram criadas, como o
Technirama, Vistarama e CineMiracle. Mas, com o passar do tempo, já estabelecido
industrialmente, o cinema passou a adotar a razão de aspecto não mais como uma maneira
de atrair público para as salas de cinema, mas como um recurso narrativo, como a mise-en-
scène, a montagem, o som e a cinematografia (ciência da fotografia aplicada ao cinema).
Em “Irmão Urso” (2003), dirigido por Aaron Blaise e Robert Walker, os primeiros
25 minutos da animação foram apresentados nos cinemas com a razão de aspecto de 1.85:1,
mudando, posteriormente, para 2.35:1. Essa mudança acontece após a transformação do
personagem principal, Kenai, até então humano, em urso. A ampliação do campo de visão
do personagem foi um dos recursos narrativos encontrados pelos diretores para transmitir a
nova perspectiva adquirida pelo personagem, que quando humano possuía uma visão
limitada.
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Diferente das produções de Aaron Blaise, Robert Walker e Wes Anderson, Brad
Bird utilizou a mudança da proporção em “Os Incríveis” (2004) como forma de demarcar a
limitação dos recursos de captação de vídeo de cada época apresentada no roteiro. Isso pode
ser observado nos primeiros minutos de filme, quando somos introduzidos aos personagens,
ainda jovens, prestando depoimento frente a uma câmera. A presença da câmera é
demarcada pela quebra da quarta parede5 pelos personagens, que respondem às perguntas
de um entrevistador que está fora de campo, e pela utilização de um microfone lapela para a
captação do áudio dos entrevistados.
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A quarta parede é um termo emprestado do teatro, onde imagináva-se uma parede que separava o palco do
público, tornando os atores em cena imunes a presença de uma platéia. O mesmo acontece com o cinema. O
personagem não tem consciência da presença de um espectado do outro lado da tela que está o
acompanhando. A quebra desta parede se dá quando os personagens do teatro ou do filme dialogam com o seu
expectador.
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A câmera subjetiva simula o olhar de um personagem, ampliando o efeito de imersão narrativa.
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A série de filmes Harry Potter também sofreu com o crop (corte) na imagem em sua
distribuição. Do Ano 1 (Harry Potter e a Pedra Filosofal) ao Ano 5 (Harry Potter e a Ordem
da Fênix), as primeiras versões dos VHSes e DVDs foram apresentadas em 1.33:1,
enquanto o filme foi exibido em 2.35:1 no cinema. Um aviso na contra-capa explicava a
razão da alteração na proporção de tela: this film has been modified from its original
version: it has been formatted to fit your screen.9
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Ao acompanharmos uma narrativa audiovisual, assumimos o papel da câmera, que nos mostra apenas o que
está dentro de seu quadro – delimitando assim o que está dentro de campo. O que acontece fora do olhar da
câmera, no contexto narrativo, é o que está fora de campo.
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Autoração é o processo de criação de uma mídia física de um filme digital. É uma das primeiras etapas da
distribuição home video, que comtempla a produção dos menus, letterings, criação do encarte e compressão do
arquivo do filme para o espaço disponível no disco.
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Tradução: “esse filme foi modificado de sua versão original: foi formatado para caber em sua tela”.
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Como pode ser observado na Figura 10, o corte estabelecido na autoração dos
primeiros lançamentos de Harry Potter em VHS e DVD elimina quase metade da imagem
em comparação com a versão exibida nos cinemas – que posteriormente foi relançada em
DVD e Blu-ray.
Para driblar possíveis cortes em personagens, itens e cenários essenciais em cena, a
indústria criou o panscan, que simula um movimento de câmera dentro do quadro. Isso é,
por reduzir a razão de aspecto e perder-se as imagens laterais, é possível deslizar o novo
enquadramento dentro daquele estabelecido pelo diretor de fotografia. Neste caso, não cria-
se apenas um novo enquadramento, é instaurado um movimento de câmera que
originalmente não estava presente em determinado take (tomada).
Como pode-se observar na Figura 11, quando Harry Potter e Bicuço estão em cena,
é necessário priorizar apenas um dos personagens em quadro. Para evitar que o protagonista
ou o hipogrifo não sejam vistos pelo espectador, o corte inicia em um dos personagens e
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Figura 10 e 11 - Disponível em: < http://plum.cream.org/HP/poa.htm/> Acesso em jul. 2016.
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Figura 12 - Letterbox superior e inferior de “Os Incompreendidos” (2.35:1) em uma tela 1.77:1
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O termo, que traduz-se literalmente por “caixa de correio”, recebe esse nome por seu formato semelhante ao
onde se depositam cartas. Uma caixa de formato retangular com uma fenda menor ao meio – no caso do filme,
a fenda é o quadro do filme.
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No lançamento da série de filmes de Harry Potter em DVD, a distribuidora deixou claro na contracapa dos
títulos que a razão de aspecto havia sido alterada para caber na tela do espectador, evitando um estranhamento
de espaços vazios em tela.
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Figura 14 e 15 - Disponível em: < http://filmic-light.blogspot.com.br/> Acesso em jul. 2016.
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Filmes como Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Dumbo (1941), Pinóquio
(1940), Alice no País das Maravilhas (1951) e Peter Pan (1953) oferecem o Disney View em
seus lançamentos em Blu-ray.
Apesar de a mídia física ainda ter um público fiel que continua consumindo DVDs e
Blu-rays, alguns fatores de compra influenciam diretamente a decisão do consumidor. Em
um fórum de colecionadores brasileiros de filmes, intitulado BJC, o tópico “Blu-rays
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Disponível em: < http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro_26fev1982.htm> Acesso em jul. 2016.
15
Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq051225.htm> Acesso em jul. 2016.
16
Disponível em: < http://www.tecmundo.com.br/netflix/74839-netflix-2-2-mi-assinantes-brasil-2-cresce-
mundo.htm> Acesso em jul. 2016.
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Disponível em: < http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,a-salvacao-dos-dvds,540039> Acesso em jul.
2016.
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Mutilados ou sem Áudio HD”18 já conta com mais de 170 mensagens. A “mutilação” em
questão é a alteração da razão de aspecto original dos filmes em seus lançamentos home
video, e essa modificação aparenta ser um grande fator de compra dos colecionadores.
Eduardo Monteiro, criador do tópico, listou em maio de 2011 alguns títulos lançados
em Blu-ray no Brasil que sofreram esta “mutilação”. Em fevereito de 2013 a lista já passava
dos 64 filmes. Juliano Vasconcelos, criador do fórum, manifestou sua insatisfação no post
“Crime contra o patrimônio do colecionador: filmes mutilados!”19 e listou “os 30 maiores
crimes de mutilação”, onde encontramos títulos aclamados, vencedores do Oscar e
relevantes para a história do cinema.
A partir da lista de filmes elaborada pelos membros do fórum BJC, é possível criar
um ranking de distribuidoras que mais alteraram a razão de aspecto em seus lançamentos. A
Imagem Filmes se destaca e é responsável por mais da metade da lista de filmes
“mutilados” levantada por Monteiro. Outras distribuidoras que também apresentam
números significativos de alteração na proporção de tela em seus lançamentos são Paris
Filmes, Califórnia Filmes e PlayArte.
4. CONCLUSÃO
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Disponível em: < http://bjc.uol.com.br/forum/blu-rays-nacionais/blu-rays-mutilados-ou-sem-audio-hd-
t2138.html> Acesso em jul. 2016.
19
Disponível em: < http://bjc.uol.com.br/2009/05/04/crime-contra-o-patrimonio-do-colecionador-filmes-
mutilados/> Acesso em jul. 2016.
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REFERÊNCIAS
FILMOGRAFIA
Irmão Urso. Direção: Aaron Blaise; Robert Walker. Produção: Igor Khait; Chuck
Williams. EUA. Walt Disney Pictures. 2003. Cor. 1h25min.
Os Incríveis. Direção: Brad Bird. Produção: John Lasseter; Kori Rae; Katherine Sarafian;
John Walker. EUA. Walt Disney Pictures; Pixar Animation Studios. 2004. Cor. 1h55min.
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O Grande Hotel Budapeste. Direção: Wes Anderson. Produção: Wes Anderson; Jeremy
Dawson; Scott Rudin; Steven M. Rales. EUA. Fox Searchlight Pictures. 2014. Cor.
1h39min.
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