Um estudo de pesquisadores brasileiros e franceses encontrou que municípios que votaram mais em Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018 tiveram menores taxas de vacinação contra a covid-19 e outras doenças. O impacto estimado foi de uma redução de 2% na taxa de vacinação contra covid-19 e de 1% para outras doenças nos municípios mais favoráveis a Bolsonaro. Alguns especialistas criticaram aspectos metodológicos do estudo, como não levar em conta problemas de oferta de vacinas
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Cidade pró-Bolsonaro tem menor cobertura vacinal, aponta estudo _ Brasil _ Valor Econômico
Um estudo de pesquisadores brasileiros e franceses encontrou que municípios que votaram mais em Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018 tiveram menores taxas de vacinação contra a covid-19 e outras doenças. O impacto estimado foi de uma redução de 2% na taxa de vacinação contra covid-19 e de 1% para outras doenças nos municípios mais favoráveis a Bolsonaro. Alguns especialistas criticaram aspectos metodológicos do estudo, como não levar em conta problemas de oferta de vacinas
Um estudo de pesquisadores brasileiros e franceses encontrou que municípios que votaram mais em Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018 tiveram menores taxas de vacinação contra a covid-19 e outras doenças. O impacto estimado foi de uma redução de 2% na taxa de vacinação contra covid-19 e de 1% para outras doenças nos municípios mais favoráveis a Bolsonaro. Alguns especialistas criticaram aspectos metodológicos do estudo, como não levar em conta problemas de oferta de vacinas
cobertura vacinal, aponta estudo Impacto é maior na imunização contra covid-19, mas também se dá em outras doenças, segundo trabalho de pesquisadores da UFRJ e do IRD
Por Lucianne Carneiro — Do Rio
05/06/2023 05h01 · Atualizado há 7 horas
Professores François Roubaud e Mireille Raza ndrakoto, do francês IRD,
e João Saboia (à dir.), da UFRJ — Foto: Leo Pinheiro/Valor
As inúmeras falas do ex-presidente Jair Bolsonaro contra a vacina de
covid-19 ao longo da pandemia despertavam preocupação sobre o impacto nos índices de vacinação da população brasileira. Agora, um estudo de economistas mediu esse impacto e apontou que os municípios que votaram nele no primeiro turno da vacinação em 2018 tiveram não só menor proporção de vacinados contra a covid-19, como menores índices de vacinação como um todo.
Desenvolvido por cinco pesquisadores do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD, na sigla em francês), da França, o estudo compara as taxas nos 5.560 municípios brasileiros da vacina da covid-19 e também de um conjunto de outras doenças, como sarampo, caxumba e rubéola, poliomielite e tétano, a partir de estatísticas do DataSUS e do Programa Nacional de Imunizações (PNI), por exemplo.
O trabalho, construído a partir de um modelo econométrico, leva em
consideração, ainda, cerca de 20 diferentes variáveis relativas aos municípios, como idade das pessoas, nível educacional e número de médicos. A ideia é descontar um eventual efeito dessas características de cada município para isolar o que chamam de efeito Bolsonaro.
“O estudo mostra que há um efeito estatisticamente significativo dessa
associação entre o voto em Bolsonaro e uma menor taxa de vacinação, não só de covid-19, mas das outras vacinas”, afirma François Roubaud, do IRD, um dos autores, ao lado de Mireille Razafindrakoto (também do IRD), João Saboia, professor emérito da UFRJ, Marta Castilho e Valéria Pero, também professoras da UFRJ.
Com o uso das variáveis, diz Roubaud, o estudo se afasta de uma
correlação simples entre voto e vacinação. O modelo estima que o impacto para o esquema completo de vacinação da covid-19 nos municípios que votaram em Bolsonaro seria da ordem de -0,2. Ou seja, um aumento de 10% nos municípios que escolheram o ex-presidente provocaria uma redução de 2% na taxa de vacinação local.
No caso da vacinação para outras doenças, o efeito seria de -0,1, mas
ainda estatisticamente significativo, segundo Roubaud.
“O resultado é claro, confirmando o efeito Bolsonaro na vacinação, com
redução da taxa para as mais diversas doenças, sendo mais intensa nos municípios em que o ex-presidente foi proporcionalmente mais votado em 2018”, diz João Saboia. Para ele, o resultado não surpreende, diante da atuação do governo na pandemia.
Vale destacar que as taxas de vacinação como um todo no país já vinham
recuando antes mesmo da pandemia. A cobertura vacinal do país caiu de 95% para 67% entre 2016 e 2022, segundo o DataSUS, do Ministério da Saúde.
“A taxa de vacinação contra outras doenças está baixando há alguns
anos e pode ser atribuída a outros fatores. Mas o estudo mostra que esse efeito Bolsonaro intensifica um movimento que já existia”, aponta Roubaud.
Para Adriano Massuda, professor e pesquisador do Centro de Estudos
em Planejamento e Gestão de Saúde da FGV-EAESP, o estudo aponta “de maneira muito robusta” a associação entre o discurso presidencial e a performance do sistema de saúde na pandemia.
“Os achados são coerentes com outros estudos que examinam a
resposta da pandemia. O trabalho aponta de maneira muito robusta a associação entre o discurso presidencial e a performance do sistema de saúde”, diz ele.
Ele diz que o resultado é um alerta para se pensar não só o sistema de
saúde do país, mas também global. “É o risco de termos governos que negam a ciência”, nota.
Massuda também pondera sobre o fato de que a redução da cobertura
vacinal se deu antes da crise sanitária, fenômeno que ele atribui em grande parte à perda da eficiência do sistema, após cortes de gastos a partir de 2016.
“Diferentemente da educação, o sistema de saúde reage muito rápido a
mudanças de políticas e do sistema de financiamento”, diz.
A professora da Faculdade de Medicina da UFRJ Ligia Bahia também
classifica como consistentes as conclusões e diz que estão baseadas no controle de características demográficas e sociais e coerentes com achados da literatura que analisaram os resultados das eleições presidenciais nos Estados Unidos em 2020. Ela tem reservas, no entanto, a alguns aspectos metodológicos. Sente falta, por exemplo, de se considerar no trabalho os problemas relacionados à oferta de vacina.
“A imensa bagunça nos processos de encomenda e aquisição,
diretamente relacionados ao governo federal, devia constar, além da escassez de doses para países de renda média e baixa e atrasos de entrega de IFA [Ingrediente Farmacêutico Ativo] externo. Não tinha vacina para todo mundo, nem mesmo na segunda dose é assim”, defende.
Também acredita que a oferta desigual de vacinas entre os municípios
pode ter tido alguma influência na cidade em que a pessoa se vacinou, o que não foi considerado no trabalho. “O lugar do eleitor não necessariamente foi o lugar da vacinação”, diz.