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Cidade pró-Bolsonaro tem menor


cobertura vacinal, aponta estudo
Impacto é maior na imunização contra covid-19, mas também se dá em outras doenças, segundo
trabalho de pesquisadores da UFRJ e do IRD

Por Lucianne Carneiro — Do Rio


05/06/2023 05h01 · Atualizado há 7 horas

Professores François Roubaud e Mireille Raza ndrakoto, do francês IRD,


e João Saboia (à dir.), da UFRJ — Foto: Leo Pinheiro/Valor

As inúmeras falas do ex-presidente Jair Bolsonaro contra a vacina de


covid-19 ao longo da pandemia despertavam preocupação sobre o
impacto nos índices de vacinação da população brasileira. Agora, um
estudo de economistas mediu esse impacto e apontou que os
municípios que votaram nele no primeiro turno da vacinação em 2018
tiveram não só menor proporção de vacinados contra a covid-19, como
menores índices de vacinação como um todo.

Desenvolvido por cinco pesquisadores do Instituto de Economia da


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto de Pesquisa
para o Desenvolvimento (IRD, na sigla em francês), da França, o estudo
compara as taxas nos 5.560 municípios brasileiros da vacina da covid-19
e também de um conjunto de outras doenças, como sarampo, caxumba
e rubéola, poliomielite e tétano, a partir de estatísticas do DataSUS e do
Programa Nacional de Imunizações (PNI), por exemplo.

O trabalho, construído a partir de um modelo econométrico, leva em


consideração, ainda, cerca de 20 diferentes variáveis relativas aos
municípios, como idade das pessoas, nível educacional e número de
médicos. A ideia é descontar um eventual efeito dessas características de
cada município para isolar o que chamam de efeito Bolsonaro.

“O estudo mostra que há um efeito estatisticamente significativo dessa


associação entre o voto em Bolsonaro e uma menor taxa de vacinação,
não só de covid-19, mas das outras vacinas”, afirma François Roubaud,
do IRD, um dos autores, ao lado de Mireille Razafindrakoto (também do
IRD), João Saboia, professor emérito da UFRJ, Marta Castilho e Valéria
Pero, também professoras da UFRJ.

Com o uso das variáveis, diz Roubaud, o estudo se afasta de uma


correlação simples entre voto e vacinação. O modelo estima que o
impacto para o esquema completo de vacinação da covid-19 nos
municípios que votaram em Bolsonaro seria da ordem de -0,2. Ou seja,
um aumento de 10% nos municípios que escolheram o ex-presidente
provocaria uma redução de 2% na taxa de vacinação local.

No caso da vacinação para outras doenças, o efeito seria de -0,1, mas


ainda estatisticamente significativo, segundo Roubaud.

“O resultado é claro, confirmando o efeito Bolsonaro na vacinação, com


redução da taxa para as mais diversas doenças, sendo mais intensa nos
municípios em que o ex-presidente foi proporcionalmente mais votado
em 2018”, diz João Saboia. Para ele, o resultado não surpreende, diante
da atuação do governo na pandemia.

Vale destacar que as taxas de vacinação como um todo no país já vinham


recuando antes mesmo da pandemia. A cobertura vacinal do país caiu de
95% para 67% entre 2016 e 2022, segundo o DataSUS, do Ministério da
Saúde.

“A taxa de vacinação contra outras doenças está baixando há alguns


anos e pode ser atribuída a outros fatores. Mas o estudo mostra que
esse efeito Bolsonaro intensifica um movimento que já existia”, aponta
Roubaud.

Para Adriano Massuda, professor e pesquisador do Centro de Estudos


em Planejamento e Gestão de Saúde da FGV-EAESP, o estudo aponta “de
maneira muito robusta” a associação entre o discurso presidencial e a
performance do sistema de saúde na pandemia.

“Os achados são coerentes com outros estudos que examinam a


resposta da pandemia. O trabalho aponta de maneira muito robusta a
associação entre o discurso presidencial e a performance do sistema de
saúde”, diz ele.

Ele diz que o resultado é um alerta para se pensar não só o sistema de


saúde do país, mas também global. “É o risco de termos governos que
negam a ciência”, nota.

Massuda também pondera sobre o fato de que a redução da cobertura


vacinal se deu antes da crise sanitária, fenômeno que ele atribui em
grande parte à perda da eficiência do sistema, após cortes de gastos a
partir de 2016.

“Diferentemente da educação, o sistema de saúde reage muito rápido a


mudanças de políticas e do sistema de financiamento”, diz.

A professora da Faculdade de Medicina da UFRJ Ligia Bahia também


classifica como consistentes as conclusões e diz que estão baseadas no
controle de características demográficas e sociais e coerentes com
achados da literatura que analisaram os resultados das eleições
presidenciais nos Estados Unidos em 2020. Ela tem reservas, no entanto,
a alguns aspectos metodológicos. Sente falta, por exemplo, de se
considerar no trabalho os problemas relacionados à oferta de vacina.

“A imensa bagunça nos processos de encomenda e aquisição,


diretamente relacionados ao governo federal, devia constar, além da
escassez de doses para países de renda média e baixa e atrasos de
entrega de IFA [Ingrediente Farmacêutico Ativo] externo. Não tinha
vacina para todo mundo, nem mesmo na segunda dose é assim”,
defende.

Também acredita que a oferta desigual de vacinas entre os municípios


pode ter tido alguma influência na cidade em que a pessoa se vacinou, o
que não foi considerado no trabalho. “O lugar do eleitor não
necessariamente foi o lugar da vacinação”, diz.

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