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PREOCUPAÇÃO COM MAIS UMA ONDA DA COVID-19 No

BRASIL: MUITO BARULHO POR NADA.


Bruno Campello de Souza, D.Sc.

O processo evolucionário como um todo pode ser descrito como a busca de uma espécie
pela maximização da propagação de genes ao longo do tempo, ou seja, obter a linhagem mais
longa possível de descendentes com as mesmas características genéticas fundamentais por
meio de alterações genéticas hereditárias secundárias que produzam mudanças fenotípicas
entre as gerações que aumentem as chances de sobrevivência e reprodução. Por definição, dado
que as múltiplas pressões e desafios do ambiente tendem a mudar de forma significativa com o
tempo, as espécies que não evoluem tendem a se extinguir [1].

Em se tratando de patógenos virais como o SAR-CoV-2, as pressões e desafios envolvem


não apenas elementos como a imunidade natural, eventual imunidade de rebanho e o
desenvolvimento e uso de antivirais, mas também o acesso a novos indivíduos para infectar.
Nesse contexto, evoluir implica em simultaneamente aumentar a taxa de transmissão e diminuir
a letalidade de modo a se maximizar a disseminação e permanência numa população [2].

É importante observar que o processo evolucionário é essencialmente estocástico,


dependendo de acasos envolvendo tanto o ambiente quanto a ocorrência de mutações
genéticas. No que se refere ao SARS-CoV-2, isso significa que a sucessão temporal de variantes
não ocorre necessariamente por meio de passos unidirecionais orientados para uma redução da
transmissibilidade e letalidade, podendo pontualmente haver aumento em uma ou ambas as
coisas entre uma variante específica e a seguinte. Isso tem levado alguns a deduzir que não se
pode ter certeza de que novas versões mais perigosas venham a emergir [3][4]. Contudo,
embora a incerteza efetivamente exista a cada instante, a convergência probabilística é
matematicamente inexorável, de modo que, uma sequência de variantes ao longo do tempo
tenderá de fato a um máximo de transmissibilidade e a um mínimo de letalidade ainda que
oscilações aleatórias possam surgir na trajetória.

A sucessão de variantes do SARS-CoV-2 no Brasil pode ser acompanhada pelo Dashboard


Rede Genômica da Fiocruz [5], o qual usa dados genômicos do sistema GISAID para construir
curvas de prevalência como a apresentada na Figura 1.

Ao longo do tempo, constatou-se a existência de mais de uma dúzia de variantes de


interesse do SARS-CoV-2 no Brasil, com a Omicron emergindo e tornando-se dominante com
rapidez sem precedente em janeiro de 2022, iniciando uma sucessão de subvariantes, cada uma
com aumento igualmente rápido da sua prevalência em relação à anterior.

Combinando-se os dados do Sistema Fiocruz [5] acerca da prevalência das variantes do


SARS-CoV-2 e do SRAG do OpenDataSUS [6] sobre os casos e mortes atribuídos à Covid-19
segundo a data de ocorrência, tem-se o que é mostrado na Figura 2.

Observa-se claramente que a sequência de prevalências de variantes do SARS-CoV-2 no


país se faz acompanhar de variações substanciais na trajetória de casos e de óbitos atribuíveis à
Covid-19.
Figura 1: A prevalência de variantes do SARS-CoV-2 no Brasil ao longo do tempo.
Fonte: Rede Genômica da Fiocruz [5].

Figura 2: Mortes e casos ligados à Covid-19 no Brasil ao longo do tempo segundo a


variante prevalente.
Por exemplo, quando predominavam as variantes originais (principalmente B.1.1,
B.1.1.28 e B.1.1.33) teve-se um grande aumento nos óbitos e relativamente pouco nos casos,
possivelmente refletindo limitações iniciais no diagnóstico da Covid-19. Já durante o domínio da
Gamma (P.1+P.1.*) houve grande aumento nos óbitos mas relativamente pouco nos casos. Mais
adiante, veio a Omicron (inicialmente com a BA.1+BA.1.* e a BA.2+BA.2.*), com grande elevação
nos casos mas pouca nos óbitos, indicando grande transmissibilidade e baixíssima mortalidade.

Os dados do Sistema Fiocruz [5] apontam que as subvariantes iniciais da Omicron, ou


seja, BA.1+BA.1.* e a BA.2+BA.2.*, foram sucedidas pela BA.4+BA.4.* e, principalmente, a
BA.5+BA.5.*, com alguns indícios iniciais da BQ.1. Contudo, segundo os dados dos atestados de
óbito dos cartórios nacionais [7], de longe os mais precisos e atualizados, isso não se fez
acompanhar de aumento na quantidade de óbitos ao longo do tempo, a qual continua a cair.

Figura 3: Mortes atribuídas à Covid-19 no Brasil ao longo do tempo no Brasil. Fonte:


Central de Informações do Registro Civil - CRC Nacional.

Dado o exposto, é forçoso concluir que os recentes relatos anedóticos de elevação na


quantidade de casos de Covid-19 em certas partes do país, porém com mortalidade ainda em
queda, são consistentes com o SARS-CoV-2 aproximando-se do seu ponto de ótimo
evolucionário de máxima transmissibilidade e mínima letalidade. Considerando-se que existe
uma inegável e forte associação entre a gravidade típica dos casos e a mortalidade, a
constatação de aumento na positividade de testes e do número de internações parece refletir
mais uma grande preocupação e cautela com a doença do que sua efetiva severidade. Conclui-
se, portanto, não haver motivo para a preocupação com uma eventual “onda” adicional da
Covid-19 no Brasil, inexistindo necessidade de se adotar medidas extraordinárias.

Referências

[1] Hall, Brian K.; Hallgrímsson, Benedikt (2008). Strickberger's Evolution (4th ed.). Sudbury,
Massachusetts: Jones and Bartlett Publishers. ISBN 978-0-7637-0066-9. LCCN 2007008981.
OCLC 85814089.
[2] Geoghegan JL, Senior AM, Di Giallonardo F, Holmes EC. Virological factors that increase the
transmissibility of emerging human viruses. Proc Natl Acad Sci U S A. 2016 Apr 12;113(15):4170-
5. doi: 10.1073/pnas.1521582113. Epub 2016 Mar 21. PMID: 27001840; PMCID: PMC4839412.

[3] Holmes, Bob. How Viruses Evolve Pathogens that switch to a new host species have some
adapting to do. How does that affect the course of a pandemic like COVID-19? Knowable
magazine, July 17, 2020.

[4] Eva Botkin-Owaci. Do Viruses Such as the Coronavirus Become Less Deadly? Understanding
how viruses evolve can help us understand what future variants of the coronavirus we might
see—and whether or not we should. News@Northeastern. In the Inetrnet at:
https://news.northeastern.edu/2021/12/13/virus-evolution/

[5] FIOCRUZ. Dashboard Rede Genômica - Enabled by data from GISAID. Vigilância Genômica do
SARS-CoV-2 no Brasil. Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, Ministério da Saúde. na Internet em:
http://www.genomahcov.fiocruz.br/dashboard/#

[6] OpenDataSUS. SRAG 2020/2021 - Banco de Dados de Síndrome Respiratória Aguda Grave -
incluindo dados da COVID-19. Ministério da Saúde, Governo Federal. Na Internet em:
https://opendatasus.saude.gov.br/dataset/bd-srag-2020.

[7] Portal da Transparência - Painél Registral - Especial Covid-19. Na Internet em:


https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid

Sobre o Autor

Bruno Campello de Souza, D.Sc. (bruno.campello@ufpe.br)

Professor do Departamento de Ciências Administrativas,


Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade
Federal de Pernambuco

Membro do Programa de Pós-Graduação em


Administração e Mestrado Profissional em
Administração da Universidade Federal de Pernambuco,
onde leciona a disciplina de Métodos Quantitativos -
Estatística

Secretário Executivo da International Facet Theory


Association no período de 2011 a 2013

Perito em Análise Estatística de Dados, com trabalhos


realizados em Administração, Contabilidade,
Criminologia, Economia, Educação, Engenharia e
Psicologia, além de Medicina

Consultor do Ministério da Saúde no que se refere à Epidemiologia, Diagnóstico e Tratamento


da COVID-19, bem como Sistemas de Suporte à Decisão em Saúde e outros projetos, no período
entre novembro de 2020 até a presente data.

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