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gestáltica cora crianças e adolesccntes


D o original era língua inglesa
W IN D O W S T O O U R C H IL D R E N
C o p y rig h t © 1978
R eal P e o p le P re ss

T ra d u ç ã o d e
G eo rg e S ch lesin g er

C ap a d c
K even R . Sw eeney
(C e d id a p e la R eal P e o p le P re ss )

R ev isão cien tífic a d a ed ição e


d ire ç ã o d a coleção:
P aulo E liezer F erri d e Barros

P ro ib id a a re p ro d u ç ã o to ta l o u parcial
d e s te liv ro , p o r q u a lq u e r m eio e sistem a,
sem o p ré v io c o n s e n tim e n to d a E d ito ra .

D ire ito s p a ra a lín g u a p o rtu g u esa


a d q u irid o s p o r
S U M M U S E D IT O R I A L L T D A .
Kuu C a rd o so d e A lm eid a, 1287
05013 São P a u lo , S P
IV Irín n rs (011) 65 1356 e 263-4499
C - I m Pontal 13.814
n-srivii .i p ro p rie d a d e d e s ta tra d u ç ã o

1111| *i r i u I n o Miami
Novas Buscas em Psicoterapia

E sta coleçã o tem com o intuito colocar ao alcan ce do público


interessado as novas form as de psicoterapia que vêm se desen­
volvendo m ais recentem ente em outros continentes.
Tais desenvolvim entos têm su as origens, por um lado, na
grande fertilidade que caracteriza o trabalho no cam po da psico­
terapia nas últim as décad as, e por outro, na am pliação das soli­
citações a que está sujeito o psicólogo, por parte dos clien tes que
o procuram .
É cada vez maior o núm ero de p essoas in teressad as em am pliar
su as possibilidades de exp eriên cia, em d esen volver novos sentidos
para suas vid as, em aum entar suas cap acidades de contato con­
sigo m esm as, com os outros e com os acontecim entos.
E sta s novas solicitações, ao lado das fru strações im postas
pelas lim itações do trabalho científico tradicional, inspiram a busca
de novas form as de atuar junto ao cliente.
Em bora seja dedicada à s novas g erações de psicólogos e psi­
quiatras em form ação, e represente enriquecim ento e atualização
para os profissionais filiados a outras orientações em psicoterapia,
esta coleção vem suprir o in teresse crescen te do público em geral
pelas contribuições que e ste ram o da P sicologia tem a oferecer
à vida do homem atual.
Apresentação da Edição Brasileira

A presentar um livro de terapia infantil de enfoque gestáltico


não constitui tarefa muito fácil para alguém que sem pre orientou
seu trabalho com crian ças a partir de uma perspectiva psicana-
lítica. É poder olhar o d iferen te a partir de seu referen cial pró­
prio, evitando a tentação de um reducionism o. Caso contrário,
corre-se o risco de desconsiderar tudo o que dc novo esta pers­
pectiva pode oferecer.
A pesar d este risco, foi para mim uma experiência bastante
gratifican te e enriquecedora poder acom panhar V iolet Oaklander
em su a prática clínica, onde, através de jogos m ais ou menos
dirigidos, procura abrir à criança um esp aço à expressão livre de
suas fan ta sia s e sentim entos, para que, qu ase com o uma con se­
qüência espontânea, possa em ergir o conflito de base. Poder fa v o ­
recer à crian ça sair de sua solidão e encontrar no outro um eco
aos seu s an seios m ais escondidos, seria e ste o projeto da autora?
P a r e c e que sim . Tendo por linha m estra seguir o curso da
própria exp eriên cia infantil, ela utiliza argila, areia, água, tinta,
estórias, gravu ras, ferram en tas, toda uma gam a de m ateriais
lúdicos que lhe perm ite ver e responder às p istas dadas pelas
crianças, funcionando com o um continente à eclosão daquele sen ­
tim ento ou daquela vivên cia, que, por algum a razão, a criança não
se perm ite experim entar. Sem dúvida a prática de V iolet aponta
para além disso; apesar da im portância, ta lv ez ex cessiv a , que
ela em p resta aos se n tim e n to s no plano teórico, o que nos aparece
em seu s relatos de ca so é a erupção de v árias linhas de associa­
ção d e id éias, sem pre cam inhando no sentido de favorecer à
criança a sim b o liza ç ã o do conflito no qual se encontra enredada.
O que nos m ostra que, se a fan tasia é seu cam po de ação e se a
exp ressão a fetiv a é o seu guia terapêutico, a experiência de Violet
acaba conduzindo sem pre à possibilidade de a criança e rp rim ir

7
em p a la v ra s aquilo que antes era sem nom e e sem lugar. E, neste
sentido, poder se situar m elhor no com plexo de circunstâncias que
a cercam e, por vezes, a coartam .
Não esp ere o leitor encontrar aqui uma elaboração teórica
rigorosa; conform e já d isse, a prática, m uitas vezes, aponta
para além da teoria. E sp ere encontrar, entretanto, uma mulher
cheia de vida que tem a coragem de se despir dos estereótipos
e preconceitos do adulto, para tentar des-cobrir, em toda sua
intensidade, o com plexo m aravilhoso e intrincado do universo
infantil.
M a ria J u lie ta N ó b reg a N a ffa íi
M aio de 19S0

II
C lP-B rasil . C atalogação-na-Fonte
Câmara B rasileira do Livro, SP

Oaklander, Violet.
Olid D escobrindo crian ças : abordagem gestáltica com
crianças e adolescentes / Violet Oaklander ; [tradução
de G eorge Schlesinger ; revisão cien tífica da ed. e
direção da coleção de Paulo E liezer Ferri de B arros].
— São Paulo : Sum m us, 1980.
(N ovas buscas em psicoterapia ;
12 )

B ibliografia.

1. G estalt-terapia 2. P sicoterap ia do adolescente


3. P sicoterapia infantil I . Título.

17. CDD-618.92891
18. -618.928914
80-0559 NLM-WS 350

ín dices para catálogo sistem ático:

1. A dolescentes : P sicoterapia : M edicina


618.92891 (17.) 618.928914 (18.)
2. C rianças : P sicoterapia : M edicina
618.92891 (1 7 .) 618.928914 (18.)
3. G estalt : P sicoterap ia do adolescen te : M edicina
618.92891 (1 7 .) 618.928914 (18.)
4. G estalt : P sicoterapia infantil : M edicina
618.92891 (1 7 .) 618.928914 (18.)
5. P sicoterapia do adolescente : M edicina
618.92891 (1 7 .) 618.928914 (18.)
6. P sicoterapia infantil : M edicina 618.92891 (17.)
618.928914 (18.)
I * ) o rig in a l cm lín g u a in g lesa
W IN D O W S T O O U R C H IL D R E N
C o p y rig h t © 1978
Real P eo p le P ress

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C apa d e
K even R. Sw eeney
(C e d id a p e la R eal P e o p le P re ss)

R ev isão cien tífic a d a ed ição e


d ireção d a coleção:
P aulo E lie z e r F erri d e B a n o s

P ro ib id a a re p ro d u ç ã o to ta l o u p arcial
ilrM r liv ro , p o r q u a lq u e r m eio e sistem a,
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Novas Buscas em Psicoterapia

E sta coleçã o tem com o intuito colocar ao a lcan ce do público


interessado a s novas form as de psicoterapia que vêm se desen­
volvendo m ais recentem en te em outros continentes.
T ais desenvolvim entos têm su a s origens, por um lado, na
grande fertilid ade que caracteriza o trabalho no cam po da psico­
terapia nas últim as décadas, e por outro, na am pliação das soli­
citações a que está sujeito o psicólogo, por parte dos clien tes que
o procuram .
É cad a vez m aior o número de pessoas interessadas em ampliar
suas possibilidades de experiência, em desenvolver novos sentidos
para suas vid as, em aum entar suas cap acidad es de contato con­
sigo m esm as, com os outros e com os acontecim entos.
E stas novas so licita çõ es, ao lado das frustrações im postas
pelas lim itações do trabalho cien tífico tradicional, inspiram a busca
de novas form as de atuar junto ao cliente.
Embora seja dedicada às novas g erações de psicólogos e psi­
quiatras em form ação, e represente enriquecim ento e atualização
para os profissionais filiados a outras orientações em psicoterapia,
esta coleção vem suprir o in teresse crescen te do público em geral
pelas contribuições que este ram o da P sicologia tem a oferecer
à vida do homem atual.
.
Apresentação da Edição Brasileira

A presentar um livro de terapia infantil de enfoque gestáltico


não constitui tarefa muito fácil para alguém que sem pre orientou
seu trabalho com crian ças a partir de uma perspectiva psicana-
lítica. É poder olhar o d iferen te a partir de seu referen cial pró­
prio, evitando a tentação de um reducionism o. Caso contrário,
corre-se o risco de desconsiderar tudo o que de novo esta pers­
pectiva pode oferecer.
A pesar d este risco, foi para mim uma experiência bastante
gratifican te e enriquecedora poder acom panhar V iolet Oaklander
em su a prática clínica, onde, através de jogos m ais ou menos
dirigidos, procura abrir à criança um esp aço à expressão livre de
suas fa n ta sia s e sentim entos, para que, qu ase com o um a con se­
qüência espontânea, possa em ergir o conflito de base. Poder fa v o ­
recer à criança sair de su a solidão e encontrar no outro um eco
aos seus anseios m ais escondidos, seria e ste o projeto da autora?
P a r e c e que sim . Tendo por linha m estra seguir o curso da
própria experiência infantil, ela utiliza argila, areia, água, tinta,
estórias, gravuras, ferram en tas, toda um a gam a de m ateriais
lúdicos que lhe perm ite ver e responder à s pistas dadas pelas
crian ças, funcionando com o um continente à eclosão daquele sen ­
tim ento ou daquela vivên cia , que, por algum a razão, a criança não
se perm ite experim entar. Sem dúvida a prática de V iolet aponta
para além disso; apesar da im portância, talvez ex cessiv a , que
ela em presta aos se n tim e n to s no plano teórico, o que nos aparece
em seus relatos de ca so é a erupção de várias linhas de associa­
ção d e id éias, sem pre cam inhando no sentido de favorecer à
crian ça a sim b o liza ç ã o do conflito no qual se encontra enredada.
O que nos m ostra que, se a fan tasia é seu cam po de ação e se a
exp ressão a fetiv a é o seu guia terapêutico, a experiência de Violet
acaba conduzindo sem pre à possibilidade de a criança ex p rim ir

7
e v i p a la v ra s aquilo que antes era sem nom e e sem lugar. E, neste
sentido, poder s e situar melhor no com plexo de circunstâncias que
a cercam e, por vezes, a coartam .
Não esp ere o leitor encontrar aqui uma elaboração teórica
rigorosa; conform e já d isse, a prática, m uitas vezes, aponta
para além da teoria. E spere encontrar, entretanto, uma mulher
ch eia de vida que tem a coragem de se despir dos estereótipos
e preconceitos do adulto, para tentar d e s cobrir, em toda sua
intensidade, o com plexo m aravilhoso e intrincado do universo
infantil.

M aria J u lie ta N ó b reg a Na f f a h


M aio de 1980
índice

A presentação da E dição B rasileira 7

P re fá c io 13

In tro d u çã o 15

1. F a n ta sia 17

2. D esenho e F a n ta s ia 35

0 Seu Mundo 35. D esenhos da F am ília 40. A R oseira 46. O R abis­


co 51. F iguras de R aiva 57. Minha Sem ana, M eu D ia, Minha
Vida 58. O T raço a Com pletar (S q u ig g le ) 59. Cores, Curvas, Linhas
e Form as 59. D esenho em Grupo 60. D esenho Livre 61. Pintura 62.
Pintura com os Dedos 65. Pintura com os P é s 66.

3. M eu M odelo de T ra b a lh o 69

M ais Idéias para F an tasia e D esenho 79.

4. F a ze n d o C oisas 85

Argila 85. Outros E xercícios com A rgila 93. M assa P lá stica de


M odelagem 94. M assa de Farinha 96. A gua 96. Escultura e Cons­
truções 97. M adeira e Ferram entas 98. Colagem 99. F iguras 102.
Cartas de Tarot 103.

5. E stó ria s, P o e sia e B o necos 105

E stórias 105. Livros 111. R edação 115. P o esia 118. Bonecos 124.
T e a tro de B onecos 126.

6. E x p e riê n c ia Serisorial 131

Tato 132. Visão 133. Som 136. M úsica 137. P aladar 142. Olfato 142.
Intuição 143. Sentim entos 145. R elaxam ento 146. M editação 148.
M ovim ento Corporal 150.

7. R e p re se n ta ç ã o 159

Jogos D ram áticos C riativos 159. Tato 162. Visão 162. Som 162.
Olfato 163. P aladar 163. O Corpo 163. M ím ica de Situações 164.
C aracterização de P erson agens 165. Im provisações com P alavras
165. Sonhos 168. A Cadeira Vazia 174. P olaridades 180.

8. L u d o te ra p ia 183

A M esa de Areia 190. Jogos 196. T estes P rojetivos como Técnica


Terapêutica 199.

9. O P ro c e sso d e T e ra p ia 205

A Criança entra em Terapia 205. A P rim eira S essão 209. Como é


Meu Consultório 216. O P ro cesso de Terapia 216. R esistência 220.
Término 223.

10. C o m p o rta m en to s P ro b lem á tico s E sp e c ífic o s 231

A gressão 232. R aiva 235. A Criança H iperativa 248. A Criança


Retraída 257. T em ores 265. Situações dc Tensão ou E xperiências
Traum áticas E sp ecíficas 274. Sintom as F ísicos 280. Insegurança;
Grudar-se à s P essoas; Agrados E x cessiv o s 288. O Solitário 292.
Solidão 296. A Criança que Está Dentro e F ora da R ealidade 299.
Autism o 302. Sentim ento de Culpa 304. Auto-estima; Autoconceito;
Auto-im agem 309.

11. O utras C onsiderações 315

Grupos 315. A dolescentes 321. Adultos 329. Os Adultos Mais


Velhos 330. Irm ãos 331. C rianças Muito P equenas 331. A Fam ília
334. E scolas, P ro fesso res e Treinam ento 341. Sexism o 347.

12 U m a N ota P essoal 349

Sobre a A uto ra 355

Hi bl ioy rufia 357


Prefácio

Quando li o m anuscrito deste livro pensei: “Todo mundo deve


estar interessado n ele — todo mundo que tenha algum a coisa a
ver com crian ças’'.
N ão notei que o m eu “ todo m undo” tinha deixado alguém
de fora.
Quando as provas de paquê estavam sendo lidas em voz alta
para serem com paradas com o m anuscrito, Summer, de 7 anos,
entrou. E la com eçou a fazer desenhos com pastel. N ão fez ba­
rulho nem alvoroço; não perguntou à m ãe quando ia para casa.
Ficou perfeitam en te quieta, escutando a leitura do livro. Mais
tarde, d isse que tinha gostado.
Um a parte substancial d este livro são crian ças falando de
si m esm as, com a honestidade que V iolet Oaklander lhes possi­
bilita. Quem m ais do que outra crian ça poderia estar interessado
nisto? Todavia, quando pensei nas p essoas que se interessariam ,
enxerguei apenas adultos: terapeutas, p rofessores, pais. N ão in­
cluí as pessoas de quem o livro trata. Violet m ostra que esta é
uma cau sa b á sica de m uitas das dificuldades em que as crian­
ça s s e envolvem . N ós adultos freqüentem ente lhes negam os in­
form ação e exp ressão, deixando-as confusas.
P a r e um instante e recorde a sua própria infância, e as suas
lutas para entender o mundo da “ gen te grande” . . .
V iolet tem recordações claras, e esta é uma parte impor­
tante do seu conhecim ento e com preensão das crianças. Ela pos­
sui todas as creden ciais oficiais, m as as suas experiências com
crianças e a s suas m em órias de infância são muito m ais im por­
tantes. É nisto que ela se apóia na sua com preensão única de
“ com o foi que ela s se perderam ” .
A lguns adultos nunca chegaram a encontrar a si próprios.
P ara e les, e ste livro pode ser o início de uma auto-descoberta;

13
um reencontro com partes suas que foram abandonadas na
infância.
V iolet afirm a que não criou nenhum dos métodos que em ­
prega. M as a m a n e ira com o os em prega é altam ente original e
criativa, um a gesta lt v iva e flex ív el: “ Eu vou aonde a minha
observação e intuição m andam , sentindo-m e livre para mudar
dc direção a qualquer m om ento". Toda a sua gam a de sentidos
está em ação quando ela se m ove com a s crianças na redesco-
berta do exp erienciar. Ela s e sente à vontade com seu s erros,
menciona-os de passagem e diz: “ Eu acredito que não há como
com eter um erro se você tem boa vontade e abstém -se de in­
terpretações e julgam entos” . (A m aioria de nós tem boa vontade:
poucos abstem o-nos de julgam entos, ou sequer notamos que
estam os interpretando.)
Violet conversa com as crian ças de m aneira sim ples e direta
— de um a m aneira que a m aioria de nós gostaria de ouvir o
tempo todo, m as que raram ente tem os a possibilidade de expe-
rienciar, a té m esm o com nossos am igos m ais íntimos.
“ Eu disparo numa explicação e n o r m e ... e finalm ente digo:
‘Debby, na realidade eu não se i bem ao certo’.”
“ N ós conversam os um pouco sobre a su a solidão, e então eu
contei a ela algo sobre a minha própria solidão.”
E ste livro pode ser um a jan ela para a criança dentro de
você, bem com o para as crianças com quem você está.

Barry Stevens
Junho de 1978
Introdução

Debby (9 an os): “ Como você faz as pessoas se sentirem


m elhor?”
“O que vocc quer dizer com isso ? ” (O bviam ente estou sen­
do ev a siv a .)
D ebby: “ B em , quando as pessoas estão com você, elas se
sentem m elhor. O que você faz para isso acontecer? É muito
d ifícil? ”
“ P a r e c e que você se sente m elhor.”
D ebby: (fazendo que sim com a cab eça, vigorosam ente):
“Sim! Agora eu m e sinto m elhor. Como é que pode?”
Eu disparo num a enorm e exp lica çã o a respeito de fazer as
pessoas falarem sobre seus sentim entos, como faço isso, com o
fiz com ela, e finalm ente digo: “ D ebby, na realidade eu não
se i bem ao certo” .
Sei que há n ecessidade de um livro deste tipo porque sem ­
pre que entrava numa livraria, eu o procurava. Um dia percebi
que esta v a procurando confirm ação de algo que esta v a dentro
da minha própria cab eça e do meu próprio coração, de como
fazer terapia com crianças; eu queria uma afirm ação daquilo
que esta v a dizendo em aulas c w o rksh o p s.
M eu trabalho com crianças tem sido para mim uma experiên­
cia de crescim ento. Toda vez que uma criança abre seu coração
para mim e com partilha essa assom brosa sabedoria geralm ente
m antida oculta, eu sinto uma profunda reverên cia. As crianças
com quem trabalhei talvez não saibam , m as elas m e ensinaram
muita coisa a respeito de mim m esm a.
Sinto-m e privilegiada por ter descoberto form as efetivas de
ajudar as crian ças a a travessar com m ais facilidade algum as
p assagen s d ifíceis de su as vidas. E screvi e ste livro para com ­
partilhar as m inhas exp eriên cias, na esperança de que m ais adul-

15
tos encontrem m eios de dar à s crian ças a assistên cia que estas
necessitam para lidar com seu mundo, público e particular.
E ste livro é escrito para todos vocês que trabalham e vivem
com crianças: orientadores e terapeutas que buscam novas for­
m as de trabalhar com crianças: professoras que reconhecem que
os sentim entos da criança desem penham um papel im portante na
sua aprendizagem ; pais que desejam encontrar métodos para se
aproxim ar de seu s filhos, e que talvez estejam curiosos para sa ­
ber o que passa numa relação terapeuta-criança; e aqueles que
estão no cam po da saúde m ental e se afastaram do trabalho com
gente jovem — não porque não gostem de crian ças, m as porque
precisam de m ais fam iliaridade com form as de proceder. O livro
é escrito, tam bém , para os adultos que possam querer entrar em
contato com su as próprias infâncias no sentido de uma melhor
com preensão de si próprios hoje em dia.
Espero que o com prom isso com o m eu trabalho, bem como
a minha excita çã o com ele, com minhas idéias e com m eus jo­
vens clien tes, fiquem claros nestas páginas, saindo delas e indo
tocar você.
1

Fantasia

“ Daqui a pouquinho pedirei a todos vocês no grupo que fe ­


chem os olhos, e vou levá-los para uma viagem im aginária de
fan ta sia . Quando tiverm os acabado vocês vão abrir os olhos e
desenhar algum a coisa que esteja no fim da viagem . Agora, go s­
taria que vocês fica ssem o m ais confortável possível; fechem os
olhos e entrem no seu espaço. Quando você fech a os olhos, existe
um esp aço onde você se encontra. É o que eu cham o de seu
espaço. V ocê ocupa esse espaço nesta sa la , ou em qualquer lugar
que esteja , m as geralm ente não o nota. Com os olhos fechados,
você con segue ter a sen sação d e sse esp aço — onde o seu corpo está,
e o ar que está em volta de você. É um lugar gostoso de estar,
porque ele é o se u lugar, o s e u espaço. N ote o que está aconte­
cendo no seu corpo. N ote se ex iste tensão em algum a parte. Não
tente rela x a r esta s partes em que você talvez esteja tenso e rijo.
É só notá-las. P ercorra o seu corpo da ca b eça até os dedos dos
pés, e procure notar. Como você está respirando? E stá dando
respiradas profundas, ou respiradas curtas e rápidas? Agora eu
gostaria que você d esse algum as respiradas bem profundas. D ei­
xe o ar sair com um som . H aaaaaaah. Muito bem . Agora vou
contar uma pequena estória, e levar você para uma viagem de
faz-de-conta. V eja se consegue acom panhar. Im agine aquilo que
estou contando, e veja com o se sen te ao fazê-lo. P erceb a se está
gostando ou não d essa viagenzinha. Quando v o cê chegar a algu­
ma parte que não goste, não p recisa ir. B asta escutar a minha
voz, acom panhar se você quiser, e vam os ver o que acontece.
“ Quero que você im agine que está cam inhando numa floresta.
Á rvores por todos os lados e passarinhos cantando. O sol passa
atra v és das árvores, e há som bra. É gostoso cam inhar nessa flo­
resta. Ao longo da trilha há flores, florzinhas do m ato. V ocê está
cam inhando por e ssa trilha. Dos lados há rochas e d e vez em

17
quando você v ê um pequeno anim al fugindo em disparada, um
coelhinho talvez. V ocê está cam inhando, e logo com eça a p erce­
ber que a trilha está subindo, e que você está indo montanha
acim a. Agora você sabe que está escalando uma montanha. Quan­
do você ch eg a no topo da m ontanha, você se senta numa rocha
enorm e para descansar. V ocê olha em volta. O sol está brilhando;
a ves voam em torno de você. Bem na sua frente, com um vale no
m eio, há outra m ontanha. Você pode ver que n essa outra m onta­
nha há uma cavern a, e fica desejando estar lá. Você nota que os
pássaros voam para lá com facilidade, e gostaria de ser pássaro.
De repente, pois isto aqui é um a fan tasia e tudo pode acontecer,
você percebe que s e transform ou num pássaro! Você experim enta
as suas a sa s, e com toda certeza pode voar. Então você decola e
voa facilm ente para o outro lado. (P au sa para dar tem po ao voar.)
“Do outro lado você aterrissa sobre uma rocha, e instantanea­
m ente se transform a em você m esm o outra vez. Você trepa nas
rochas procurando uma entrada para a caverna, e en xerga uma
pequena porta. V ocê se agacha, abre a porta e entra na caverna.
Lá dentro há espaço de sobra para você ficar de pé. Você dá
uma volta exam inando as paredes da caverna, e de repente nota
uma passagem — um corredor. V ocê anda por esse corredor e
de repente nota que há fila s e filas de portas, cada uma com
um nome escrito. De repente você chega a uma porta onde está
escrito o s e u nome. Você fic a parado na frente da sua porta, pen­
sando nela. V ocê sab e que já, já vai abri-la e passar para o outro
lado da porta. V ocê sabe que e sse vai ser o seu lugar. Pode ser
um lugar do qual você se lem bra, um lugar que você conhece
agora, um lugar com o qual você sonha, um lugar de que você
talvez nem goste, um lugar que você nunca viu, um lugar dentro
ou um lugar fora. V ocê não vai saber enquanto não abrir a porta.
M as, qualquer que seja, este será o seu lugar.
“Então você vira a m açaneta e passa pela porta. Olhe para
o seu lugar! V ocê está surpreso? D ê uma boa olhada. Se você
não vê lugar nenhum, invente um agora. V eja o que há aí, onde
é que ele fica , dentro ou fora. Quem está aí? Há gente, gente
que você conhece ou não conhece? Há anim ais? Ou não há nin­
guém ? Como você se sente n esse lugar? Note como. você está se
sentindo. V ocê se sente bem ou não? Olhe em volta, p asseie pelo
seu lugar. (P a u sa .)
“ Quando tiver acabado, abra os olhos e estará de novo nesta
sala. Quando você abrir os olhos, quero que pegue um pouco de
papel e lápis de cor, ou lápis de cera ou p astéis, e desenhe o seu
lugar. Por favor, não fa le enquanto desenha. Se sentir que pre­
cisa dizer algum a coisa, por favor, diga cochichando. Se você
não encontrar as cores certas para o seu lugar, sinta-se livre
para vir em silên cio pegar o que precisa, ou em preste de algüém .

18
D esen he o seu lugar o m elhor que puder. Se quiser, pode desenhar
os seus sentim entos em relação ao lugar, usando cores, form as e
traços. R esolva se quer se colocar n e sse lugar, onde e com o — como
form a, cor ou sím bolo. Eu não preciso ficar sabendo tudo sobre
o seu lugar só olhando o desenho; você poderá explicá-lo para
mim. Tenha confiança naquilo que você viu ao abrir a porta,
m esm o que não goste. V ocê terá m ais ou m enos dez minutos.
Quando se sentir pronto pode co m eça r.”
Um a fan tasia com o esta n ecessita ser contada em voz de
fa n ta sia . É contada d evagar, com m uitas pausas para dar às
crianças oportunidade de “ fa z e r ” a s coisas que eu m ando. É
muito comum eu fech ar os olhos e viajar eu m esm a pela fan ta­
sia enquanto conto. Tenho feito este tipo de desenho-fantasia com
crian ças em sessõ e s individuais bem com o em situ ações de gru­
po, e com idades que variam desde os 7 anos até adultos. Eis
alguns exem plos de “ lu g a res” de crian ças e a form a com o tra­
balho com elas.

O s d e s e n h o s d e crian ças q u e aq u i ap arcccm são o s o rig in a is. O s traços p rin ­


cip ais d c alg u n s d eles fo ram realçad o s com um láp is d e cera o u crayon para
p o ss ib ilita r u m a re p ro d u ç ã o m ais clara.

Linda, 13 anos, fez o desenho de um quarto que incluía uma


cam a, uma m esa, uma cadeira, três cachorros em pé no chão,
e o retrato de um cachorro na parede. A figura era muito clara
e linha m uitos esp aços vazios. Linda descreveu seu desenho. Co­
mo esta v a num grupo, as outras crianças fizeram perguntas tais
com o: “ P a ra que se r v e isso ? ” e ela respondeu. P ed i a Linda que

19
esco lh esse algo no desenho que ela gostaria dc ser. Ela escolheu
o cachorro do retratro na parede. P edi-lhe que fa la sse com o se
fo sse e s s e retrato de cachorro, que d issesse com o era e o que
estav a fazendo. E la descreveu a si própria: “Eu sou um retrato
aqui na p ared e” . P erguntei-lhe qual era a sen sação de estar pen­
durada na parede.
Linda: Eu m e sinto sozinha — totalm ente só. Eu não gosto
de ver aqueles cachorros brincando.
C onverse com aqueles cachorros lá em baixo e diga-lhes isso.
Linda: eu não gosto dc estar aqui em cim a vendo vocês brin­
car. Eu gostaria de sair da parede e ficar no m eio de vocês aí
no chão.
E você, Linda, a m enina, algum a vez se sentiu assim , como
o cachorro do desenho?
Linda: Sim! E sse cachorro na verdade sou eu. Eu estou sem
pre de fora.
Eu gostaria de saber s e aqui você tam bém se sente assim
— agora.
Linda: Sim, eu tam bém m e sinto assim aqui. Mas agora tal­
vez não tanto.
O que você está fazendo aqui para que não seja tanto, agora?
Linda (voz muito p en sativa): Bem , eu estou fazendo algum a
coisa. Eu não estou só sentada aqui sem fazer nada, só olhan­
do, com o o cachorro na parede.
P ed i a Linda que m e d esse uma frase para escrever no seu
desenho, uma fra se que melhor o sin tetizasse: “ Eu gostaria de
sair da minha parede e participar” .
F reqüentem ente peço às crian ças para m e darem frases para
escrever sobre a figura, e as afirm ações delas m uitas vezes sin­
tetizam de form a muito sucinta o ponto onde ela s se encontram
em suas vidas. Fornecer a Linda um canal para que se torne
mais cônscia da sua postura na vida, para que possa ser dona
de sua vida, esta é a minha m eta com ela. Com uma consciência
maior vem a oportunidade de m udança. N esse pedaço de papel
ela não só deu voz aos seus sentim entos de isolam ento e solidão,
como se perm itiu experienciar algo diferente, uma participação.
M ais ainda, penso que ela s e apercebeu de que podia assum ir
responsabilidade pela sua vida, que podia fazer algo pela sua
solidão.
Tom m y, 8 anos, desenhou uma figura do m enino Jesus, M aria
e os hom ens sábios trazendo presentes. (E stávam os perto do N a­
tal.) D epois que descreveu o desenho, pedi-lhe que d eitasse sobre
um as alm ofadas e fo sse o bebê. Com m uitos risinhos, ele o fez.
Eu disse que as outras crian ças seriam os sábios e eu seria a Mãe.
Todos nós representam os uma pequena cena, trazendo presentes
e falando sobre o m aravilhoso bebê. A minha própria encenação

20
entu siástica serviu de m odelo para as outras crian ças. Tommy
ficou bem quieto. E stendido sobre as alm ofadas, seu corpo r e la ­
xado e a exp ressão sorridente no seu rosto, evidenciavam que
gozava plenam ente o m om ento. P erguntei-lhe se ele gostava de
ser bebê. E le d isse que g o sta v a muito porque recebia tanta atenção.
V ocê realm ente gosta de receb er atenção.
Tom m y: Sim!

Você gostaria de receber m ais do que recebe.


Tom m y: Isso m esm o!
Tom m y pediu-m e que e sc r e v e sse a sua fra se no seu desenho:
“ Eu gosto de ser o centro de atenção e ganhar presentes e então
fico fe liz .”
N as se ssõ e s anteriores, Tommy tivera que escolher entre ficar
no grupo ou esperar noutra sa la por causa da sua atividade muito
perturbadora. Freqüentem ente fazia a escolha de ir para a outra
sala, pois sentia que "não podia se controlar” . Durante o resto
d esta se ssã o Tommy participou e escutou as outras crianças, e
não perturbou de m aneira nenhum a. P erm an eceu calm o e rela­
xado (e ele havia sido diagnosticado como “hiperativo” ), e suas
perguntas e com entários aos outros sobre os seus desenhos foram
sen satos e perceptivos. De algum modo, Tommy sem pre conse­
guira cham ar a atenção por m eio do seu com portam ento pertur­
bador. O tipo de exp eriên cia que tev e nesta sessã o esp ecifica foi
muito im portante para ele; seu com portam ento perturbador redu­
ziu-se acentuadam ente daí por diante, e ele cham ava atenção
sobre si por m eio da bela sabedoria que era capaz de demonstrar
no nosso grupo.

21
Numa sessã o individual com igo, J e ff, de doze anos, fez o
desenho de um castelo com a s caras do P ato Donald e M ickey
espiando p elas jan elas. E le cham ou e sse lugar de D isneylândia.
D escreveu-o para mim, contando o quanto gostava da D isneylân­
dia. P edi-lhe uma fra se para escrever no desenho, que resum isse
o lugar e os seus sentim entos em relação ao m esm o. Ele ditou:
“ Meu lugar é a D isneylândia porque eu m e DIVIRTO e gosto das
personagens. Ali tudo é feliz." A minha atenção focalizou-se na
ên fa se que deu à palavra divirto, e nas suas palavras: “ ali tudo
é fe liz .” C onversam os um pouco sobre a D isneylândia e suas per­
sonagens, e então pedi-lhe que m e con tasse uma parte da sua
vida que não era tão divertida. E le o fez com facilidade, ao contrá­
rio da sua resistên cia anterior em entrar em qualquer área desa­
gradável da sua existência.

22

I
Lisa, de treze anos, desenhou uma cena de deserto, um tem a
típico seu nos desenhos e no trabalho na m esa, de areia. Lisa vivia
numa ca sa de adoção, fora cla ssifica d a com o “ pré-delinqüente”
pelas autoridades, perturbava trem endam ente na escola, não tinha
am igos, não se dava com as outras crian ças na instituição, e geral­
m ente se ca racterizava no fa la r, n as m aneiras e no vestir com o
“durona” . N ada a incom odava. N esta sessã o ela desenhou o seu
deserto, um a cobra e um buraco. Depois que descreveu o seu
desenho, pedi-lhe que fo sse a cobra, que lhe d esse uma voz como
s e fo sse uma boneca, e d escrev esse a sua existên cia como cobra.
L isa: Eu sou uma cobra, sou com prida e escura, eu vivo aqui
no deserto, eu procuro com ida e dèpois volto para dentro do meu
buraco.
É só isso que você faz? O que você faz para se divertir?
Lisa: N ada. Não há ninguém aqui por perto para brincar.
E com o você se sente?
L isa: M uito sozinha.
L isa, você se sen te com o essa cobra?
Lisa: Sim , eu sou sozinha.
Então L isa perdeu sua postura de durona e com eçou a chorar.
Nós conversam os sobre a sua solidão por algum tem po, e eu lhe
contei algum a coisa a respeito da minha própria solidão.

Um m enino de 14 anos, Glenn, desenhou um grupo de rock


cham ado ‘‘The P eo p le” — As P esso a s. A su a fra se: “Um a fan ta­
sia que abandonei tem porariam ente, m ais ou m enos.” E sta foi a
prim eira vez em várias sem an as de terapia que ele se mostrou
disposto a adm itir que havia uma coisa pela qual se interessava.

23
As suas palavras “ tem porariam ente, m ais ou m enos” m e d isse­
ram que algum a coisa dentro dele esta v a se abrindo para a possi­
bilidade de que afinal poderia fazer algo na vida. Anteriorm ente
as nossas se ssõ e s eram envolvidas pelo seu profundo desespero;
agora com eçam os a explorar a su a esperança.
Com freqüência as crianças desenharão lugares que se encon­
tram em oposição direta com seus sentim entos em relação ao
presente. Cenas de fan tasia com castelos e princesas, cavaleiros
e belas paisagens m ontanhosas são muito com uns. Ajudar as crian­
ças a fa la r sobre os sentim entos representados por estes desenhos
abre a porta para a ex p ressão dos seus sentim entos opostos. Às
vezes peço a uma criança para “ desenhar um lugar de que você
se recorda, da infância, que era gostoso, ou um lugar que você
sab e que é gostoso, pode ser de verdade ou de m entira.” M ais uma
vez, com o no exercício da caverna fan tasiosa, eu lhes peço que
fechem os olhos e entrem nos seus espaços, com o fiz ao descrever
a prim eira fantasia.
Um m enino de 13 anos desenhou uma cena de quando tinha
7 anos. E screv i no seu desenho conform e ele ditou: “Isto era
assim quando eu tinha sete anos. Nós m orávam os em Ohio. Meu
pai tinha acabado de voltar do V ietnã. Eu estava feliz. M as então
ele com eçou a m e fazer contar tudo que eu fazia. Minha m ãe me
d eixava fazer tudo quando ele estava fora. Ele m e chateia. Meus
irm ãos estão trepando na árvore. Eu quero que eles caiam e que­
brem os braços. Eu gostava de Ohio.” E então, em voz bem, bem
baixa ele com eçou a falar sobre a sua vontade de ser livre “ ape­
nas para as pequenas c o isa s” . E ste menino e sta v a constantem ente
irrequieto, e era considerado hiperativo. R ealm ente não conseguia
ficar muito tempo sentado no lugar, e se m exia am iúde nos encon­
tros de grupo. M as quando acabou de falar, deitou-se e rapida­
m ente adorm eceu. Em sessõ e s posteriores olham os para o seu
desenho e suas afirm ações — que eu havia escrito exatam ente
conform e ele dissera — e conversam os acerca de alguns de seus
sentim entos conform e ele ditara — e conversam os acerca de
alguns de seu s sentim entos am bivalentes, o seu vai-vem entre o
antes da sua m em ória em Ohio e o agora da sua vida presente.
A maior parte do que escrevo neste livro envolve o uso da
fantasia. P ara algum a p essoa que não esteja convencida do im en­
so valor da fan tasia no crescim ento e desenvolvim ento das
crianças, recom endo um livro muito abrangente a respeito de
crianças e fan tasia: T h e C hild’s W orld o f M a ke -B elieve (O Mundo
de Faz-de-Conta da Criança) da autoria de Singer*. E le e outros
têm conduzido num erosos estudos que dem onstram estatistica-

* T o d o s o s liv ro s c o u tra s fo n te s m en cio n ad o s cn co n tram -sc n u m a b ib lio ­


g rafia n o fin al d o liv ro , em o rd e m a lfab ética p elo t ítu lo d a o b ra.
m ente que crian ças capazes de serem im aginativas possuem QI
m ais alto e m aior capacidade de enfrentar, e que encorajar uma
criança a ser im aginativa m elhora a sua habilidade de enfrentar
e aprender.
A través da fan tasia podem os nos divertir junto com a criança
e tam bém descobrir qual é o processo dela. G eralm ente o seu
processo de fa n ta sia (a form a com o faz as coisas e s e m ove no
seu mundo fan tasioso) é o m esm o que o seu processo de vida.
Podem os penetrar nos recantos m ais íntim os do ser da criança por
m eio da fan tasia. Podem os trazer à luz aquilo que é mantido oculto
ou o que ela ev ita , e podem os tam bém descobrir o que se passa
na vida da criança a partir da p ersp ectiva dela própria. Por estas
razões encorajam os a fan tasia e a utilizam os com o instrum ento
terapêutico.
Quando penso no valor da fan tasia para as crianças, lem ­
bro-m e de um a época da minha vida em que a fan tasia m e serviu
enorm em ente. Quando tinha cinco anos, sofri queim aduras sérias
e tive que fica r hospitalizada vários m eses. U m a vez que isso se
deu antes dos dias da penicilina, não m e foi perm itido ter brinque­
dos de esp écie algum a, por m edo de uma in fecção. (A gora eu sei
0 porquê; naquela época ninguém m e contou.) Além disso, os horá­
rios de visitas eram bastante lim itados, e eu p assava hora após
hora estendida na cam a, sem ter ninguém para conversar e nada
para brincar. Sobrevivi a e sse padecim ento m ergulhando no mun­
do da fan tasia. Contava a mim m esm a estórias interm ináveis,
m uitas v ezes ficando extrem am ente envolvida com os cenários.
A lguns pais têm m e pedido para fazer uma distinção entre
fa n tasia e m entira. Outros se preocupam porque seus filhos p are­
cem perdidos num mundo de fan tasia. M entir é um sintom a de algo
que não está certo para a criança. É um padrão de com porta­
mento e não um a fa n ta sia , em bora às vezes am bos se confundam .
As crianças m entem porque têm m edo de assum ir um a posição
com respeito a si próprias, de en carar a realidade com o ela é.
Freqüentem ente elas estão im ersas em medo, dúvidas em relação
a si m esm as, um a auto-im agem pobre, ou culpa. São incapazes de
enfrentar o mundo real que as cerca, e então recorrem a um com ­
portam ento defen sivo, agindo de form a exatam ente oposta àquilo
que realm en te sentem .
Com freqüência as crian ças são obrigadas pelos seus pais a
m entir. E stes talvez sejam severo s ou inconsistentes dem ais, pode
ser que tenham exp ecta tiv a s dem asiadam ente d ifíceis de serem
correspondidas pelas crian ças, ou talvez não sejam capazes de
aceitar a criança com o ela é. A crian ça é. então obrigada a mentir
com o uma form a de autopreservação.
Quando a crian ça m ente, costum a acreditar em si m esm a. Ela
1«■(•(■ em torno do com portam ento uma fan tasia que lhe seja acei-

25
tável. A fan tasia torna-se um m eio de exp ressar a s coisas que ela
tem dificuldade em adm itir com o realidade.
Eu levo a sério as fan ta sia s da criança, considero-as expres­
sõ es de seu s sentim entos. Um a vez que outras pessoas geralm ente
rão ouvem , não entendem ou não aceitam seus sentim entos, ela
tam pouco o faz. E la não a ceita a si própria. P re cisa recorrer à
fantasia, e subseqüentem ente à m entira. A ssim , aqui m ais uma
vez é necessário com eçar sintonizando os sentim entos da criança,
e não o seu com portam ento; é preciso com eçar a conhecê-la,
ouvi-la, entendê-la e aceitá-la. Os sentim entos da criança são a sua
própria essên cia . R efletindo-lhe os seu s sentim entos, ela também
passará a conhecê-los e aceitá-los. Só então a m entira poderá ser
vista realisticam ente pelo que ela é: um com portam ento do qual
a criança faz uso para a sua sobrevivência.
As crianças constroem um mundo de fan tasia porque julgam
seu mundo real difícil de viver. Quando trabalho com uma criança
d estas, encorajo-a a contar-m e, e até m esm o elaborar, suas im a­
gens e noções fantasiosas, de modo que eu possa com preender o
seu mundo interior.
As crian ças têm uma porção de fan tasias de coisas que jam ais
aconteceram realm ente. No entanto, ta is fan tasias são muito reais
para e ssa s crian ças, e am iúde são m antidas dentro, fazendo com
que à s v ezes elas se com portem de m aneiras in exp licáveis. E stas
fan tasias reais-im aginadas com freqüência despertam sentim en­
tos de m edo e ansiedade; ela s precisam ser trazidas à luz para
serem lidas e terem fim .
E xistem muitos tipos diferentes de m aterial fantasioso. A repre­
sentação im aginativa das crian ças é uma form a de fantasia que
pode ser estendida a im provisações dram áticas, no caso de crian­
ças m ais velhas. Outra form a de fan tasia é contar estórias
em todas as su as form as: contando verbalm ente, escrevendo, por
m eio de bonecos, do painel de feltro. P o esia é fantasia bem como
im agem e sim bolism o. Há fan ta sia s longas dirigidas, e fantasias
de final aberto. As fan tasias dirigidas habitualm ente são feitas
com os olhos fechados, m as tam bém existem fan tasias de olhos
abertos. Às vezes expressam os fantasia através de um desenho
ou com argila.
Às vezes as crianças resistem a fechar os olhos. Algum as se
assustam com a falta de controle que sentem com os olhos fech a ­
dos. Se protestam , tenho por hábito dizer: “ E xperim ente, e sin­
ta-se livre para abrir os olhos sem pre que você tiver n ecessid a­
d e” . G eralm ente as crianças fecham os olhos depois de algum
tem po, tendo descoberto, após ten tativas, que nada de terrível
acontece. Às vezes ajuda pedir-lhes que deitem de barriga para
baixo, enquanto conto a fan tasia.
Algum as crianças sim plesm ente não conseguem ou não se dei­
xam penetrar na fan tasia quando são dirigidas. Algum as não se

26
mostram dispostas, outras estão ten sa s e constritas. Algumas
acham de início que as fan ta sia s são bobas.
P a ra as crian ças que têm dificuldade de “entrar" numa fa n ­
tasia, é proveitoso principiar com uma em que os olhos são m an­
tidos abertos.
P u t Y o u r M o th er On th e C eiling — Ponha a Sua M ãe no Teto
— de Richard de M ille, possui algum as fa n ta sia s de olhos abertos
excelen tes e irresistíveis. Por exem plo:

E ste jogo s e cham a A n im a is. Vam os com eçar com


um ratinho e ver o que podem os fazer. Vam os im aginar
que há um ratinho em algum lugar da sa la . Onde é que
você gostaria de colocar esse ra tin h o?/' Muito bem,
faça-o ficar sentado e acenar para v o c ê ./ Faça-o
ficar v e r d e ./ Mude a cor d ele outra v e z ./ Mude mais
uma v e z ./ Faça-o plantar b a n a n eira./ F aça-o correr
em direção à p a r e d e ./ F aça-o subir na parede corren­
d o ./ Faça-o sentar de cab eça para baixo no te to ./
Vire-o de cab eça para cim a e coloque-o num canto lá
no a lto ./ Coloque outro rato em outro canto lá no
a lto ./ Ponha outro rato em cada um dos outros dois
cantos lá no a lto ./ Ponha outros ratos nos quatro can ­
tos aqui em b a ix o ./ E stão todos a í? / F a ç a todos eles
ficarem a m a r e lo s./ F a ça todos dizerem “ô i” ao m es­
mo tem p o ./ F a ça todos dizerem “Como vai v o cê?”/
F a ç a todos eles prom eterem que vão ficar nos seus can ­
tos e a ssistir ao resto do jogo. (p ágs. 57-58 do original).

D epois de fazer isto com um grupo de crianças de 11-12 anos,


uma m enina com entou: “ Eu nunca consigo entrar nesta sala sem
exam inar os m eus r a to s” .
Outro abridor de fan ta sia s muito útil é pedir à s crianças que
fechem os olhos e im aginem que estã o paradas em pé na sala de
estar (ou qualquer outra sa la ). F a ça com que elas olhem em volta.
Se forem cap azes de fazer isso, eu lhes digo que não terão proble­
mas com fan tasias. A técn ica do R abisco, descrita m ais adiante,
constitui outro m étodo proveitoso para ajudar as crianças a se
libertarem para o mundo da fan tasia.
D epois de a s crianças terem tido algum a experiência com
fan ta sia s de olhos abertos, gosto de dar início a todas as fantasias
posteriores com um exercício de olhos fechados, m editativo, con­
form e o d escrito no com eço da fan tasia da caverna. F antasias
dirigidas podem se r bastante b reves. M erilyn M alek, uma colega
minha, inventa as su a s próprias. Ela possui uma série excelente

27
de fan ta sia s dirigidas curtas. Com a sua perm issão, eis aqui uma
delas que tenho usado: 1
“ Finja que você está percebendo algum a coisa engraçada nas
suas co sta s. De repente você nota que tem a sa s crescendo! Como
é que você sen te essa s asas nas su a s c o sta s? . . . Tente m exer as
asas e v eja como é . . . Agora olhe no espelho e bata as a s a s ...
Agora, im agine que você está subindo um morro com essa s novas
asas nas suas costas. Quando você ch ega no alto do morro você
abre as su as novas asas e voa pelos a r e s . . . O que você pode ver
enquanto voa? Como é que você se sente sendo capaz de voar?
V ocê v ê outras p essoas ou anim ais? Agora im agine que vai ater­
rissar. Quando você aterrissar as suas asas vão desaparecer e
você estará de volta nesta s a la .”

John, de se is anos, desenhou a s i próprio voando diretam ente


de encontro a um rochcdo preto. E le disse: “ Eu fiz uma coisa. Eu
fiz um sol e uma rocha. Eu tenho um cap acete. Então coloco a
cabeça assim , e a minha cab eça vai dar trom bada na rocha. Eu
vou sentir enjôo. Vai Super-Hom em ” !

28
Você gostaria de poder voar?
John: N ão, não, não.
V ocê sen te que dá m uita trom bada na su a vida?
John: Sim!
A irm ã dele (presente na sa la ): E le sem pre se m ete em
confusão.
John: É.
Conte-me algum as das m aneiras de você se m eter em confu­
são. (John com eçou a m e contar de modo muito esp ecífico a res­
peito de su as dificuldades.)

J ill, de se is anos, d isse acerca do seu desenho: "Eu tenho uma


pessoa feia . Estou subindo a m ontanha. Eu fiz os m eus pés como
de pássaros. E stou com eçando a voar da m ontanha. N os meus
sonhos eu queria ser um p ássaro gigante e poderia levar toda a
m inha escola numa viagem . N ós tem os 150 crianças na escola.
Meu nom e é J ill. Quando o vento ch ega, ele arranca todas as
m inhas penas".
V ocê à s v ezes se sente um a p essoa feia , Jill?
Jill: Sim! A lguns m eninos não gostam de mim porque eles
acham que eu sou feia . Isso faz eu m e sentir mal.
Às vezes você gostaria de poder fazer algum a coisa m aravi­
lhosa para todo mundo na sua esco la , e então todas as crianças
iriam gostar de você?
Jill: É, do m esm o jeito que eu d esejei na minha estória.
Então nós conversam os um pouco sobre os sentim entos de
Jill. de estar de fora e ser rejeitada pelas crianças na escola.

29
Ela não tinha am igos e antes disto jam ais reconheceria este fato.
Cindy, de oito anos, disse a respeito do seu desenho: “ Eu de­
colei da m ontanha e estou olhando para as flores e para a gram a
verde bonita, e as m inhas a sa s sã o de prata. O meu nome é Cindy.
Eu gostaria de ser uma bruxa boa, e então eu poderia voar para
casa em vez de andar” .
Fale-m e sobre bruxas.
Cindy: B em , existem bruxas boas e bruxas m ás. As bruxas
m ás fazem coisas m ás. As bruxas boas são legais, e é claro que
as bruxas sabem voar em vassouras.
Você é algum a vez uma bruxa má?
Candy: Bem , a minha m ãe acha que eu sou!
A sua vida é sem pre cheia de flores e co isas gostosas?
Cindy: N ão! Só à s vezes.
Então Cindy e eu conversam os acerca de ela achar que sua
m ãe a ach ava má.
Karen, de doze anos, desenhou uma deslum brante borboleta.
E la disse: “ As m inhas a sas são m aravilhosas. Eu vôo sobre a
água e as m ontanhas com os passarinhos, para um planeta novo,
verde e brilhante” . Ao longe esta v a desenhado um pequeno cír­
culo verde com traços am arelos em volta, que davam o efeito de
energia sendo irradiada pelo planeta.
Conte-me um pouco m ais sobre o seu novo planeta.
Karen: É um lugar lindo. Tudo é novo e verde e ali não existe
gente ruim.
E x iste gen te ruim aqui na sua vida?
Karen: P a rece que o mundo está cheio d e gente ruim.
D e fato, na vida de Karen assim lhe parecia. Continuamos a
com parar este mundo com o seu planeta, com Karen expressando
muito sentim ento.
Um a fonte ex celen te de idéias de fan ta sia s é M a kin g I t Stran-
g e — Tornando Estranho. T rata-se de uma sé r ie de brochuras pla­
nejadas com o livros de trabalho para redação criativa. As idéias
de fan ta sia s n estes livretos são m aravilhosas. Em vez d e usá-las
para redação criativa, adaptei-as para trabalho de fantasia. Uma
das m inhas favoritas cham a-se F ig h tin g B a c k — Revidando:

E screva uma estória sobre um barquinho pequeno numa im en­


sa tem pestade. O vento sopra forte e as ondas jogam o barquinho
de um lado a outro. Procure im aginar que você é o barquinho e
explique com o se sente. U se com parações na sua estória para
contar com o a gente se sen te SENDO um barquinho pequeno numa
im ensa tem pestade.
O vento ruge e assobia enquanto tenta afundar o minúsculo
barco. Q barco revida. P en se em algum tipo de luta no mundo
anim al que ’é p a recid a com a situação do barco na tem pestade.
E screva aqui:

30
D escrev a por que esta luta anim al é parecida com a situação
do barco na tem pestade.
Im agine que v o cê é o barquinho. Conte o que a s diferentes
partes do seu corpo precisam fazer para lutar contra a tem pestade.
Como é que as diferen tes partes do seu corpo lhe contam se
você está ganhando ou perdendo a luta?
D e repente, o vento faz um último ataque sobre o barquinho;
e então m orre. O barco ganhou! Que ex p eriên cias na vida real
você teve que são p arecidas com o vento m orrer e o barquinho
ganhar a luta?
Im agine que você é o barquinho que acabou de derrotar a
tem pestade. Como é que você s e sen te em relação à tem pestade?
Im agine que você é a im ensa tem pestade que não consegue
nem afundar um barquinho m inúsculo. Como você se sen te em
relaçã o ao barco? (Livro 4, págs. 37-43).

Há m uitas m aneiras de se utilizar esta fan tasia. P a ra mim, a


m aneira m ais efetiv a é sim plesm ente pedir à criança (após um
exercício m editativo-respiratório) que im agine, com os olhos fe­
chados, ser um barquinho pequeno numa im ensa tem pestade. Eu
digo algo acerca das ondas, do vento e da luta. P eço que a criança
seja o barco, para ter consciência de com o s e sente enquanto
barco, o que está acontecendo agora, o que acontecerá a seguir.
Então peço-lhe que desenhe uma figura de si m esm a com o barco
na tem pestade. Invariavelm ente vem à tona muito m aterial a
respeito do lugar desta criança em seu mundo, e com o ela enfren­
ta as força s exteriores.
Outro exercício trata de uma aranha. Um a bela fotografia de
uma teia, ocupando uma página inteira, é acom panhada de instru­
ções acerca de uma aranha tentando tecer uma teia num dia
chuvoso, de tem pestade. Num grupo de crianças em preguei esta
idéia para iniciar uma estória de continuação. Com ecei dizendo:
“Era uma vez uma aranha que estava tentando fazer um a teia
num dia de chuva, de tem pestade. E n t ã o ...” E cada criança na
sua vez acrescen tava algo à estória. Quando a estória terminou
pedi à s crian ças para desenharem as su as idéias da aranha f a ­
zendo a teia.
Um menino de nove anos foi ditando enquanto eu escrevia
no verso do seu desenho: “ M eu nom e é Irving. Eu tenho uma teia
com um m onte de buracos por cau sa da chuva, e a chuva fez de
várias cores. Porque as p essoas colocam cal em cim a, e em cima
da ca sa . Ela vira azul. A cerca fica de todas as cores. Eu me
sinto bem com as p essoas porque ela s fizeram a minha teia de
várias co res” . N o decorrer do nosso trabalho em conjunto sobre
esse desenho, ele nos contou que ultim am ente vinha se sentindo
muito feliz: as coisas estavam indo bem para ele.

Em contraste, uma menina de onze anos ditou: "Eu estou


furiosa. N ão consigo fazer a minha teia por causa deste tempo
escuro e molhado. Eu sinto que sim plesm ente não consigo chegar
onde quero. Eu m e sinto um fra ca sso com pleto. N ão importa que
eu tente com força, não consigo construir a minha teia. M as estou
decidida e não vou desistir” . E la assum iu rapidam ente os seus
sentim entos de fracasso e despejou-os para fora, no grupo. Cada
desenho e estória era d iferente, revelador e com ovente. Alguns

32
tinham toques de humor, com o o de um menino de dez anos: “ Se
esta chuva não parar daqui a alguns m inutos eu pego as m inhas
teias e vou para c a sa ” .
Em outro grupo pedi à s crian ças que im aginassem , com olhos
fechados, que cada uma delas era uma aranha, e que com par­
tilhassem em voz alta a s suas ex p eriên cias de ser um a aranha
construindo a teia num dia de chuva.
“ Eu sou uma aranha. Eu não moro em nenhum lugar. Eu gosto
de vagar por aí. Eu tenho uma porção de am igos, m as hoje eu
queria fica r sozinho, e não fic a r com ningu ém .”
“ Eu sou uma aranha. Eu gosto de subir nas flores. Eu gosto
de ver flo res e passarinhos. Eu m e sinto m eio mal nesta ch u va.”
“ Eu sou uma viúva-negra picando um m enino.”
“ Eu esta v a dando um p asseio. Tentei subir numa flor mas
não consegui subir até em cim a. Eu c a í.”
Num ex ercício sobre um balão que flutua para longe (Livro
3, p. 38) uma m enina desenhou a figura de um balão flutuando
sobre uma cidade e d isse: “ Eu gosto de fica r aqui: é divertido” .
E então acrescentou: “ A m am ãe sem pre m e pega, m as eu não
quero ser livre com o um b a lã o ” . Outra m enina fez um desenho
sem elh ante dizendo: “ Estou bem longe da minha ca sa , e com igo
está tudo bem ” .
Idéias para fan tasias não faltam . Na bibliografia acham -se
m uitos livros onde s e pode encontrar m aterial de fa n tasias. Jun­
tam ente com o novo in teresse na edu cação hum anista, o ensino
de valores nas esco la s, e a estim ulação do hem isfério direito do
cérebro, há uma proliferação de livros relacionados com estes
tem as, contendo m uitas idéias m aravilh osas. No livro T o w a rd
H u m a n istic E d u ca tio n (Rum o à E ducação H um anista) existem
d iversas fa n ta sia s boas esp ecialm en te indicadas para adolescentes.
E is uma fan tasia de que gosto. “ V ocê estev e cam inhando por
muito tem po. V ocê está m uito, muito cansado. Você se deita para
descan sar e adorm ece. Quando acorda, encontra-se preso numa
arm adilha. Como é a sua arm adilha? Onde você está preso? O
que você fa z ? ” O Dr. H erbert Otto, em seu livro F a n ía s y Encoun-
te r G a m e s (Jogos F an tasiosos de Encontro) o ferece num erosas
fan tasia s sem elhan tes a esta, que podem ser m odificadas de modo
a servirem a uma grande varied ad e de fa ix a s etárias.
Tenho pedido a crian ças para fantasiarem que são anim ais e,
dependendo da idade, m overem -se e em itirem sons. P eço que
cada criança seja um anim al, que fa le sobre si m esm a, talvez
contando uma estória a seu próprio respeito.
Tenho uma ch a v e velh a e grande que à s vezes uso em jogo
fantasioso para fingir que lev o a crian ça a fazer uma porção de
coisas, e ela pode fazer o m esm o com igo. Um a varinha m ágica
tam bém funciona muito bem.

33
M uitas técn icas artísticas prestam -se ao uso da fan tasia. Tra­
balhos com barbantes e figu ras de borboletas constituem interes­
santes form as do tipo “ m anchas de tin ta” . P e ço à s crianças que
dêem títulos a e ssa s figuras, que m e contem o que enxergam nelas,
que inventem um a estória da form a ou do objeto visto. Instruções
para a elaboração d essa s figu ras juntam ente com outras idéias
podem ser encontradas em livros destinados a atividades d e crian­
ças em idade pré-escolar. É muito ruim que m uitos de nós parem
de fazer coisas criativas n esse nível.
Um a das exp eriências de arte-fantasia m ais bem sucedidas
que tenho tido é pintura em gotas com tinta de autom óvel, que
pode ser adquirida em c a sa s esp ecializadas. A form a de m anusear
é a seguinte: Em prim eiro lugar, d eve ser feita num espaço onde
não haja problem a de fazer sujeira. É m elhor cobrir bem a área
com jornal. D erram am -se algum as colheres de tinta branca numa
tábua de m adeira com pensada, de m ais ou m enos 12 x 15 cm , e
espalh a-se a tinta de modo a cobrir a tábua de branco. Sobre
este fundo branco a criança deixa cair algum as gotas de outra
cor e m ove a tábua de um lado a outro, permitindo que a /tinta
corra sozinha. Em seguida usa-se outra cor, e assim por diante.
A tinta de autom óvel seca rapidam ente, ficando pegajosa o
que constitui uma vantagem neste tipo de pintura. As cores não
se m isturam como tintas solú veis em água, e os resultados são
lindos, brilhantes e puros.
N ós deixam os as pranchas de pé e nos a fastam os para admi-
rá-las. As crian ças dão nom es a su a s m aravilhosas obras, e fa c il­
m ente contam lindas fan ta sia s acerca delas. Um a figura parecia
uma caverna colorida e brilhante. P ed i à sua criadora que entrasse
na sua ca v ern a e nos d isse sse o que via, como ela era, o que se
p assava. E sta atividade é tão gratifican te que até m esm o as
crianças extrem am en te hiperativas ou “ incontroláveis” a ex ecu ­
tam sem problem as. A m aioria delas jam ais criou na vida algo
tão belo, nem sentiu tanta satisfa çã o .

34
z
Desenho e Fantasia

O S e u M undo, e m C ores, F o rm a s e T ra ço s

Outras vezes, peço à s crianças para criarem o seu próprio


mundo sob re o papel, utilizando apenas form as, traços, curvas e
cores, m as nada real. Eu posso dizer: “ F ech e os olhos e entre no
seu espaço. V eja o se u m undo — com o ele é para você? Como
você m ostraria o seu mundo no papel só usando curvas, traços e
form as? P e n se nas cores no seu mundo. Quanto esp aço cada coisa
tom aria no seu papel? Onde você se colocará no desenho?”
Susan, 13 anos, ocupou apenas m etade da folha com o seu
desenho, deixando a outra m etade em branco. Usou p astéis de
m uitas cores, entrem eadas de figuras escu ras. Seu desenho con­
sistiu de quatro figuras redondas com raios parecidos com raios
de sol, todos se tocando, com um forte triângulo preto e verm elho,
feito com pincel atôm ico, no centro de seu s raios. No grupo, Susan
descreveu o seu desenho dizendo que esta v a no centro das figuras,
que representavam as suas preocupações, suas decepções, seus
divertim entos, e seu s sentim entos felizes. Suas preocupações e
decepções eram de cores escu ras.
Criança: V ocê pode nos contar algum as d essas decepções?
Susan: N ão, eu prefiro não contar agora, m as sei quais são.
Criança: V ocê está decepcionada com algum de nós?
Susan: B e m ... sim . (Susan então com eçou a falar de um abor­
recim ento que tivera com um dos m eninos do grupo — algo que
ele dissera e que a estava incom odando, e que ela guardara para
si. E les — ela e o menino — discutiram isso por algum tem po,
e aí tudo pareceu encerrado.)
V ocê gostaria de dar voz ao triângulo preto e verm elho, que
é você, e falar com a s su as outras partes?
Susan: Claro. Eu sou Susan e estou aqui no m eio de todos
vocês. Às vezes estou no m eio de preocupações e decepções, e me
sinto m uito m al, e às vezes estou no m eio de coisas alegres e
divertidas, e aí m e sinto bem.
O que você pode dizer às su a s preocupações e decepções?
Susan: Eu não gosto de vocês quando vocês estão por aí. Não
quero falar de vocês. Eu gostaria que vocês nunca aparecessem .
M as às v ezes vocês estão aí, e eu não posso im pedir vocês de vir.
Mas eu não sou obrigada a falar de vocês se não quiser!
Eu se i que você se sen te muito m al com su as preocupações e
decepções, Susan. Comigo tudo bem se você não quiser falar delas
agora. F ico contente de você ter dito ao Jim m y a sua decepção
com ele. No seu papel, qual era e ssa decepção?
Susan: E sta. (E la corta uma das decepções com um enorm e
X. U m a preocupação a m enos.)
V ocê está disposta a se r outra preocupação ou decepção e
dar uma voz a ela?
Susan: Não.
Muito bem. O que você pode dizer aos seu s divertim entos e
sentim entos felizes?
Susan: Eu gosto m esm o de vocês. Eu gosto de m e sentir bem
e gosto de m e divertir. (Sentir-se bem e divertir-se eram exp e­
riências n o va s para Susan.)
Vejo que você tem m uitos deles no seu mundo.
Susan: Sim! Eu costum ava m e sentir infeliz o tem po todo.
M as agora eu realm ente m e divirto muito e m e sinto muito bem.
D á para você ser alguns dos seus sentim entos e coisas felizes?

36
(Susan conta prontam ente algum as das co isa s que gosta de fazer,
e com o estas co isa s a fazem sentir-se.)
Há gente aqui (apontando para a figura d ela) no seu mundo
feliz?
Susan: É claro. E sta é a m inha m elhor am iga. E esta é uma
professora de que eu gosto muito. E esta é a m inha m ãe que já não
grita m ais tanto com igo, e e ste é o meu pai (um acoólatra) que
está tentando m esm o dar um jeito nas co isa s, com o eu, e esta é
a minha irm ã que na verdade não é tão m alcriada assim (aqui
ela deu uma piscada para a irm ã, que esta v a no grupo), e e ste é
todo o grupo e esta é você!
V ocê quer nos contar acerca da parte branca do seu papel?
(O seu desenho e sta v a am ontoado todo de um lado só.)
Susan: E sta é a minha vida quando eu crescer. Eu não sei o
que será, então não pus nada ali.
Há bastante esp a ço aí para todo tipo de coisas.
Susan: Certo!
Isto m e ocorre com o um bom exem plo da im portância de não
fazer interpretações com o tais. Ao ver o desenho de Susan eu
poderia ter dito a mim m esm a, observando que ele e sta v a esp re­
mido todo de um lado do papel e que ela deixara uma grande
extensão em branco: “ Ahá! — esta criança obviam ente está cons­
trangida e constrita. Ela tem m edo e s e m antém rigidam ente fech a­
da, ou está desequilibrada de algum a m an eira'’. Qualquer uma des­
tas afirm ativas, e outras, poderia ter sido verdadeira. T alvez Susan
realm ente s e sen tisse fechad a e constrita ao desenhar o seu mundo.
T alvez sen tisse que o seu mundo era apertado, restrito e lim itado.
Não posso ter certeza a respeito disso: m as o que eu se i é que
após a experiência de Susan de visualizar e desenhar o seu mundo,
e em segu id a partilhar e elaborar o seu desenho conosco, ela foi
capaz de olhar para a exten são branca e o ferecer a possibilidade
de haver m ais coisa por vir em sua vida. Senti que a sua afirm a­
ção, junto com a su a voz e seu rosto ao dizê-lo, revelava otim is­
mo, esp eran ça, uma abertura, um ir de encontro à vida:
Outra ob servação sobre e ste trabalho com Susan: Ao reler
este trecho, posso ver que poderia ter ficado um pouco m ais com
o eu “ triângulo" dela, penetrar m ais fundo nela, na sua exp e­
riência de si própria. “ Seja essa parte, e sse triângulo, e descre­
va a si m esm a ” . Eu gostaria de ter lh e pedido que fo sse a borda
rscura do triângulo. “ Seja e ssa borda c diga o que você fa z ” .
Talvez ela tiv e sse falado sobre a form a com o se protegia em seu
mundo (um a interpretação). Eu gostaria de ter lhe pedido que
ínv;r o próprio núcleo de si m esm a, o centro, que m e parecia tão
fogoso e cheio de en ergia. P oderia ter explorado os pontos do
iriAngulo. Em retrospecto, não há com o dizer o quanto isto poderia
trr sido proveitoso. P a rece-m e agora que o senso de eu de Susan
I»»di-ria ter sido fortalecido se o tiv e sse feito.

37
Tom m y, 9 anos, coloriu uma série de curvas que pareciam coli­
nas e fez um enorm e e sorridente sol saindo de trás das m esm as.
E le nos d isse que era um pontinho atrás de uma colina escura
bem em baixo. A lgum as das colinas tinham cores fortes e algum as
eram escuras. U sou pincéis atôm icos, p astéis, lápis de cera, e lápis
de cor para diferentes efeitos. D isse: “ Eu estou bem em baixo nas
colinas e p reciso subir. N ão é fá cil subir. A lgum as das colinas são
boas, outras são d ifíceis. Eu posso descan sar em algum as delas,
e brincar tam bém . Estou tentando chegar no alto onde está o sol.
Vai levar um tem pão” .
P edi-lhe que fo sse o sol e co n v ersasse com o pontinho.
Tom m y (com o so l): Eu vejo você aí em baixo. V ocê tem um
cam inho comprido para andar. M as você vai conseguir. Eu estou
sem pre aqui.
Tommy (com o so l): Eu vejo você aí em baixo. Você tem um
com prido. Eu vejo você aí e você m e faz sentir aquecido. Eu vou
continuar tentando.
E ste tipo de expressão contém as sem entes de um trabalho
muito m ais produtivo. O desenho em si conta m uita coisa do que

38
se p a ssa dentro de Tom m y. Ao trabalhar com e ste desenho, eu
poderia pedir-lhe que elab orasse acerca de cada uma de su as coli­
nas, com o ele exp erien cia a si próprio com o um pontinho atrás de
uma colina, com o é ser o sol. Sem pre fico com ovida com as pro­
fundezas de sentim ento e percepção que a s crianças pequenas
exp ressam . Ao relatar aqui e ste fato, que ocorreu há cinco anos,
sinto um arrepio igual ao que senti ao ouvir pela prim eira vez
a sabedoria interior de Tommy.
T rês m eses depois d essa sessã o , o m esm o grupo, inclusive
Tom m y, esta v a trabalhando com argila. Instruí a s crianças a fa ze­
rem algum tipo de criação abstrata que pu desse ser o seu mundo
hoje, e colocarem a si próprias, com o sím bolo, n este mundo. Tom­
m y fez uma alta form a triangular com um a bolinha no pico. Ele
d escreveu seu mundo de argila, seu s sentim entos enquanto traba­
lhava com o m aterial, e terminou dizendo: “ E esta bolinha na
ponta sou eu ” . Im ediatam ente uma das crian ças lem brou seu
desenho anterior e o fez recordar-se dele. A fa c e de Tom m y bri­
lhava quando ele d isse: “P u x a ! Acho que no final não levei tanto
tem po para chegar em cim a !" Isto m e im pressionou com o uma
afirm ação forte dos sentim entos bons de Tom m y, cada vez m aio­
res, a respeito do seu próprio valor. E le é o m esm o menino que,
na fan tasia da caverna descrita no início, desenhou a cena de
N atal, ressaltando a n ecessid ad e de atenção.
Num a sessã o individual com um m enino de 14 anos, pedi-lhe
que fe c h a sse os olhos e im agin asse o seu mundo em cores,
traços e form as. Então pedi-lhe que d esen h asse o que havia
enxergado: “ N ão desenhe nada real, m as v eja que form as você
vai usar, que tipos de traços serv em para o seu mundo, que
cores. V ocê vai usar cores claras ou escu ras? Como é o seu
mundo?” E le desenhou uma grande caixa azul, e linhas fortes
de vária s cores na ca ix a .
Jim : O meu desenho tem uma caixa grande e uma porção de
linhas curvas coloridas dentro. Eu não sei o que isso sign ifica. Eu
sim plesm ente desenhei.
Muito bem . Eu gostaria que fo sse e ssa linha azul escura que
form a a ca ix a , e co n v ersa sse com as coisas que estão dentro dela.
Jim : Eu sou um a caixa grande em volta de vocês, e vou man-
I«•i vocês aí.
Agora faça e ssa s linhas responderem — com o são elas? O que
< que ela s dizem para a caixa?
•Um: Ah, nós som os um m onte de linhas curvas claras. Nós
•minipi felizes de verdade, gostam os de correr por aí, m as não
1 1«•*1« iiiu-i passar por você porque você não deixa.

O que c e sse traço forte? O que poderia ser e sse traço na sua
vhln'' Kxiste algum a coisa na sua vida que im pede você de fazer
«o» . ofuiM que tem vontade de fazer?

39
Jim : Bem , existe; m eus pais não deixam . E o meu pai não m e
deixa fazer uma porção de co isa s. (E le com eçou então a falar de
algum as co isa s que queria fazer, apontando para a área exterior
à sua ca ix a do desenho.) E le está m e im pedindo de chegar a esses
lugares aqui, que são m eio assustadores.
Im agine que o se u pai está sentado aqui e diga isso a ele. Ele
é esta alm ofada.
Jim : Eu estou m eio contente de você não m e deixar sair. Eu
estou m eio assustado. (A inda e sta v a falando com o a s linhas den­
tro da ca ix a . E tam bém tinha um olhar muito surpreso estam pado
no rosto.)
Seja as co isa s fora da c a ix a e diga o que você é.
Jim : (D esenhando algum as linhas no espaço fora da ca ix a .)
Eu sou um punhado de linhas aqui fora, fora da linha escura. Jim
pensa que quer fazer o que eu sou, m as na verdade' ele está assu s­
tado. Eu sou um m onte de coisas que as crianças na escola que­
rem que ele fa ç a , m as o pai dele não deixa, e isso é bom. Ele
poderia s e m achucar ou se m eter em confusão. (Então acrescen ­
tou, olhando para mim atônito:) Acho que estou contente de ter
esse s lim ites em volta de mim. As m inhas linhas são felizes! Eu
gosto d esses lim ites.

D esenhos d a F a m ília

Um exercício muito efetiv o é fazer as crianças desenharem


suas fam ílias com o sím bolos ou anim ais. “ F ech e os olhos e entre
no seu espaço. Agora pense em cada um dos m em bros da sua fa ­
m ília. S e você fo sse desenhá-los num pedaço de papel com o sendo
coisas que eles o fazem lem brar, em v ez de gente real, que coisas
seriam essa s? Se alguém na sua fam ília lem brasse a você uma
borboleta porque passa rapidam ente daqui para lá e dc lá para cá,
você desenharia essa pessoa com o borboleta? Ou talvez alguém
o fa ç a recordar um círculo, porque está sem pre em volta de você.
Com ece com a pessoa em que você pensar prim eiro. Se ficar
encalhado, fech e os olhos e volte ao seu espaço. Você pode usar
m anchas coloridas, form as, objetos, coisas, anim ais, ou qualquer
outra coisa que lhe ocorra.
Um menino de 11 anos desenhou uma diversidade de sím bolos
para a sua fam ília. E is o que d isse (os com entários entre parên­
teses são m eus): “ Eu estou numa gaiola, preso no m eio (uma
estrela-do-m ar verde, dentro de uma estrutura com form a de
caixa).O meu irm ão (d e d ezesseis anos) pensa que é o número
um (um grande círculo púrpura com um enorm e número um no
m eio). A minha irm ã (de doze anos) pensa que é tão grande —
ela engana todo mundo m enos eu (um círculo azul com um cora-

40
ção verm elho no m eio, e garras saindo d e todos os lados do cora­
ç ã o ). A minha m ãe é legal (um a flo r). Eu fiz o papai como um
cérebro porque ele pensa que sa b e tudo. Donna (de oito anos) é
legal: ela não m e xinga (um a borboleta rosa e azu l). O m eu irmão
(d e dez anos) m e denuncia. E le fa z co isa s e apenas sorri o tempo
todo, e a s p essoas não sabem , então e le escap a (um rosto vago,
sorriden te). Eu estou m ais perto da m am ãe. Todo mundo m e diz
o que fazer, m e atorm enta, m e denuncia. Eu estou preso no m eio” .

Uma m enina de 15 anos afirm ou a respeito do seu desenho:


Imi < iiou m ais próxim a da minha m ãe (um coração com uma seta
m i i i i v 'i-voinrio o ); à s v ezes ela é bacana dem ais. Ela concorda

41
muito facilm ente. Eu acho que ela m e fa vorece. Ela m e lev a para
fazer com pras e m e com pra coisas. Eu não sei com o os outros
filhos (um irm ão de onze anos e uma irm ã de treze) se sentem .
Meu irm ão é uma bola de boliche porque ultim am ente ele só fala
nisso. A m inha irm ã é um doce com ch icles em volta. E la com e
dem ais. O meu pai é uma lâm pada — é cheio de idéias. Eu sou
ondas porque adoro nadar. M eu pai m e ouve m as nós sem pre
entram os em discussão — ele parece que nunca entende o que eu
estou realm ente querendo dizer". O seu desenho foi feito numa
sessã o de fam ília na qual a fam ília inteira participou, fazendo os
desenhos e abrindo-se com o nunca tinha feito antes.
A esta últim a afirm ação da m enina, o seu irm ão de 11 anos
d isse: “ É , uma v ez ela contou ao papai com o se sentia, e ele a
elogiou por causa disso, então agora ela acha que sem pre pode
contar os seus sentim entos, e eles ficam brigando o tem po todo.
Eu gostaria que à s vezes ela fic a sse quieta” . O irm ão, que d eci­
didam ente não gosta de conflito, d isse do seu desenho: “Eu sou
uma abelha em cim a da minha flor p referida. As m inhas irm ãs
são borboletas. Meus pais sã o pássaros. Tudo está se m ovendo —
eu gosto de co isa s que se m ovem . Tudo é feliz, brilhante, correndo
junto. (Seu desenho ap resentava m uitas linhas coloridas e fluen­
te s). O sol fum a cachim bo com o o papai. E le diz: ‘Eu gosto da
fam ília aí em b a ix o !’ As co isa s estão boas agora que o papai não
está bebendo. Todos nós estam os nos dando m elhor. Nós os filhos
não tivem os n e n h u m a briga entre nós esta sem ana. Eu parei de
roubar faz quatro m eses. R esolvi que não valia a pena. Eu ainda
m e m eto em encrenca, m as por co isa s pequenas. Eu gosto de ficar
em paz, de ter as coisas em paz. N ão gosto de d iscu ssões” .
P ara e ste exercício, freqüentem ente vario as instruções ao
trabalhar com a figura com pleta. Após um a d escrição geral por
parte da criança, posso pedir que ela fa ç a uma afirm ação a
respeito de cada pessoa, se isto estiver faltando na descrição: ou
que diga algo a cada p essoa no desenho, ou que cada pessoa no
desenho diga algo a ela; ou posso ser m ais e sp ecífica acerca do
que quero que seja dito — “ D iga uma coisa que v o cê gosta e uma
coisa que você não gosta a cada um, ou ouça o que cada um tem
a dizer” . P o sso fazer com que a criança m antenha um diálogo
entre dois sím bolos quaisquer. E ste exercício produz tanto m aterial
que às v ezes chego a me sobrecarregar. C onversar por interm é­
dio de figu ras é tão m ais seguro e fá cil do que conversar entre
si numa se ssã o de fam ília, ou com igo numa sessã o individual. E ste
m esm o ex ercício (ou qualquer outro deste livro) pode ser realiza­
do m ensalm ente com novos sentim entos e m aterial novo expressos
a cada vez. Tam bém é divertido e interessante voltar e olhar para
as figuras antigas e conversar com a criança sobre o que ainda
é verdade e o que mudou.

42
Um a m enina de 13 anos: “ 0 papai é o m ais legal — é dele
que eu gosto m ais. Eu estou ligada a e le (círculo am arelo com
um coração no m eio ). Eu sou redonda, para ser com o ele (ela é
um círculo com um traço que a liga ao pai) e tam bém porque acho
que sou gorda. A m am ãe é superdoce (um a flor ro sa ). 0 meu
irm ão e stá no m eio ligado a todo mundo. E le tenta se dar bem
com todos. A m am ãe é m ais chegada à minha irmã — ela s estão
ligad as. M inha irm ã é um muro de tijolos (desenho do muro de
tijolos) porque eu não con sigo chegar a té ela . Eu a desenhei azul
porque esta é a sua cor favorita, e eu quis ser sim pática com ela.
Eu gostaria que nós estiv éssem o s m ais perto” .
Com freqüência, num a sessã o de fam ília, passam os do d ese­
nho para a p essoa. P ed i a esta m enina que d issesse diretam ente
à irm ã que queria estar m ais próxim a dela. A resposta da irmã:
“ Nós não tem os m uita coisa em com um ” . E ste foi o início. Numa
se ssã o posterior na qual a fam ília fez desenhos sim ilares, a m eni­
na de 13 anos desenhou um muro com um buraco e comentou:
“ Eu estou com eçando a a tra v essa r” .
Um a m enina de 11 anos desenhou su a fam ília com o sim ples
m anchas coloridas e colocou um código de cores no canto da folha.
Cada cor sig n ifica v a algo para ela — a sua cor predileta, uma
cor triste, etc. E sta idéia foi dela m esm a, e eu a tenho usado com
outras crian ças desde então. Outras tem usado form as — quadra­
dos. círculos, e tc ., — em lugar de cores.
Embora a m aioria das crianças não entenda a palavra “sím ­
bolo” , ela s possuem capacidade incrível de com preender e utilizar
o sign ificado da p alavra. Eu uso a p alavra “sím bolo” nas minhas
instruções e depois dou exem plos do que quero dizer.
P osso tam bém pedir à s crian ças que desenhem a sua fam ília
Klr.il em sím bolos. Um a m enina de 13 anos em pregou apenas

43
grupos de círculos, triângulos, pontos e estrelas para a sua fam ília.
"Meu pai é o triângulo cor-de-laranja. Eu estou m ais perto dele,
m esm o que não m ore conosco. Eu gosto de fazer coisas com ele.
E le está m ais legal desde que não v iv e m ais com a minha m ãe.
Eu brigo m uito com a m inha irm ã e com a minha m ãe. E xiste
muita discussão, m uita gritaria o tem po todo. Nós estam os sem pre
caindo uma cm cim a da outra — envolvidas dem ais uma com a
outra. Às vezes eu gostaria de ir em bora. A minha fam ília ideal
é esta flor aqui. Eu sou o ponto cor-de-laranja no m eio” . Toda esta
inform ação saiu enquanto ela explicava as form as na figura, e
apontava para as figuras enquanto fa la v a . A situação foi apresen­
tada de form a casual: “ É assim que são as co isa s” .
C rianças m ais novas, geralm ente com m enos de 8 anos, pre­
ferem desenhar pessoas reais quando lhes é pedido que desenhem
suas fam ílias (em bora às vezes possam concordar em desenhar
an im ais). P edir à criança que desenhe a sua fam ília constitui uma
técnica tradicional de diagnóstico, e por certo pode-se aprender
m uita coisa acerca da criança atra v és de tal desenho. E sta tarefa
pode ser tornada muito m ais proveitosa e sign ificativa utilizan­
do-se a inform ação para rclacionar-se e trabalhar com a criança.
Uma m enina de 7 anos, quando solicitada a desenhar sua
fam ília, fazia continuam ente "a coisa errada” , na sua própria
opinião. D esenhou a m ãe m ais alta que o pai, dizendo: “ Eu fiz
um erro, a minha m ãe é m ais baixa que o meu pai” . Foi então
escrever nom es sobre a s figuras e com eçou a escrever “ m am ãe”
sobre a figura do pai. R iscou e disse: “ Ah, papai” . Prim eiro de­
senhou ambos os braços do pai atrás das costas. Depois mudou
um dos braços fazendo com que ele e stiv esse estendido em busca
do braço da m ãe (que esta v a atrás das c o sta s), dizendo: “ Eu
devia fazer o meu pai segurando o braço da minha m ãe. É assim
que devia s e r ” . A esta altura, era óbvio para mim que algum a
coisa se p a ssa v a com os seu s sentim entos em relação ao pai, e
pude dedicar algum as das sessõ e s segu intes a fazer com que ela
exprim isse quais eram e ste s sentim entos. Então desenhou o bebê,
um m enino de 7 m eses, a algum a distância de si própria, da m ãe
e do pai, que agora estavam bem juntos, tocando-se m utuamente.
O bebê estava sozinho, e a sua boca era redonda, como se e sti­
v esse aberta. E la e a m ãe estavam sorrindo, enquanto a boca do
pai tinha uma expressão carrancuda. P erguntei: “ O bebê está
chorando?” Laura responde: “ E stá ” .
Por que ele está chorando?
Laura: B em , porque ele não está de mão dada com igo.
Então desenhou uma ca sa em torno da fam ília inteira, inclu­
sive o bebê.
V ocê está contente que o bebê está aí na casa?
Laura: Sim. Eu gosto m esm o do bebê. E le gosta de mim.

44
V ocê à s vezes fica conten te porque o bebê não está aí? (E sta
parece ser uma pergunta esquisita, agora que a estou escrevendo,
m as Laura pareceu entender o seu sentido.)
Laura: Às v ezes eu gostaria que ele não tiv esse nascido!
Então ela com eçou a m e contar com o a su a m ãe a deixa seg u ­
rar o bebê e cuidar dele, m as que e le a incom oda m uito. Foi fican ­
do m ais e m ais aberta acerca dos seu s sentim entos, e m ais e mais
à vontade com a idéia de que podia ter ao m esm o tem po senti­
m entos positivos e n egativos em relação ao bebê.
Um incidente sem elhante ocorreu com um menino de 5 anos.
Pedi-lhe que fo sse o bebê do desenho.
Jim m y: U uááá, U uááá!
Quando acon tece isto?
Jim m y: À noite, e eu não posso dormir.
É, isso aí d eve deixar você louco.
Jim m y: É, eu não posso dormir, e fico cansado.
A sua m ãe sab e disso?
Jim m y: Não, a minha m ãe não sa b e disso.
E le com eçou então a m anifestar a sua raiya da m ãe que,
segundo sen tia, não tinha con sciência de com o o bebê estava inter­
ferindo na sua vida. A m ãe havia m e dito: “ E le adora o bebê.
N ão ex iste nenhum ciú m e” . E le d e fa to gosta do bebê, m as o bebê
tam bém tom a o tem po da su a m ãe e o acorda de noite e o deixa
zangado. De algum a form a, ele era incapaz de expressar seus
sentim entos diretam ente para a m ãe, ou não estava disposto a
isso. D em onstrava-os de outras m aneiras: molhando a cam a e
tendo um com portam ento perturbador na esco la . Pedi-lhe que con­
v e rsa sse com a m ãe e com o bebê no desenho; depois de expres­
sar os seu s sentim entos, com eçou a m e contar do seu orgulho: ele
iria ensinar m uita coisa a e ste bebê; afinal, é o irm ão m ais velho
do bebê!
Um m enino d e 8 anos, incendiário, fez um desenho da sua
fam ília com o pai, a m ãe e a irm ã todos juntos, m as ele próprio
estando bem a fastad o, na outra extrem idade. Ao olhar para tal
figura, posso deduzir o que está se passando. M esm o que eu esteja
correta, em nada ajudo a crian ça se sim plesm ente registro minha
conclusão num relatório. M as s e consigo fazer com que a criança
exp resse os seu s sentim entos em relação ao que se passa, então
rstíirem os a cam inho d e resolver a situação. Após Lance descre-
ver o seu desenho, dizendo quem era cad a p essoa, pedi-lhe que
m e con tasse a respeito de cada um — o que fazia o dia inteiro,
o que cada um g o stava de fazer. E ntão eu d isse: “V ocê parece
muito longe do resto da su a fam ília no desenho” .
Ele respondeu: “ B em , não tinha m ais lugar para mim deste
Indo".

45
“ Ah” , d isse eu, “ pensei que fo sse porque é assim que às vezes
você pode se sentir com a sua fam ília — bem longe d eles” .
“ Bem , sim , às vezes eu realm ente m e sinto longe. Eu acho
que eles dão m ais atenção à minha irm ã do que a mim. E les estão
sem pre gritando com igo por causa de tudo, então na verdade não
importa muito o que eu fa ç o .”
E ste foi o princípio de uma rica com unicação entre nós acerca
dos seus sentim entos. M ais tarde, quando estava trabalhando com
toda a fam ília, levantei este assunto (com a perm issão de L ance),
e esta foi a prim eira e vaga noção que eles tiveram de tais sen ti­
m entos. A nteriorm ente, e le fora incapaz de conversar seriam ente
sobre o que sentia na presença deles. N a verdade, talvez nem
sequer e stiv e sse cônscio daquilo que sentia. Freqüentem ente ouvi­
mos de adultos a expressão: “ P reciso definir os meus sentim en­
to s” . Tam bém as crianças ficam em baraçadas e confusas.

A R o se ira

No livro T o rn a r-se P re se n te , de John Stevens, há algum as fan­


ta sia s m aravilhosas que podem ser utilizadas em conjunto com
um desenho. Uma das que tenho usado com freqüência é a fa n ­
tasia da roseira. P eço à s crianças que fechem os olhos e entrem
no seu espaço, e im aginem que são roseiras. Quando trabalho com
este tipo de fan tasia com crian ças, dou m uita estim ulação — uma
série de su gestões e possibilidades. Sinto que as crianças, esp e­
cialm ente as que são defen sivas e constrangidas, precisam dessas

46
su gestõ es para se abrirem a um a asso cia çã o criativa. E las e sco ­
lherão a su gestão que m elhor lhes servir, ou poderão descobrir
que são cap azes de pensar em m uitas outras possibilidades.
Então posso dizer: “ Que tipo de roseira é você? V ocê é uma ro­
seira pequena? Grande? V ocê é gorda? V ocê é alta? V ocê tem flo ­
res? Se você tem flores, de que tipo são? (N ão precisam n ecessa ria ­
m ente se r ro sa s.) D e que cor são as su a s flores? V ocê tem m uitas
ou só um pouquinho? As su as flores estã o totalm ente abertas ou
você só tem brotos? V ocê tem folhas? D e que tipo? Como são o seu
tronco e os seus galhos? Como são a s su a s r a íz e s? . . . Ou talvez você
não tenha raízes. Se você tem raízes, elas são longas e retas?
Ou são retorcidas? E las são profundas? V ocê tem espinhos? Onde
você está? Num quintal? Num parque? No deserto? N a cidade?
No cam po? No m eio do oceano? V ocê está num vaso ou está cres­
cendo no chão, ou atra v és do cim ento, ou m esm o dentro de al­
gum lugar? O que há em volta de você? Há outras flores ou vocc
está sozinha? Há árvores? Anim ais? Gente? P á ssaros? Você pa­
rece uma roseira ou p arece outra coisa? E x iste algum a coisa
em torno de você, algo com o uma cerca? Se existe, com o é essa
coisa? Ou você está sim plesm en te num lugar aberto? Como é ser
uma roseira? Como você sobrevive? Alguém tom a conta de você?
Como é que está o clim a para você neste m om ento?”
Então peço às crian ças que abram os olhos quando estiverem
prontas, e desenhem as su as roseiras. Em geral acrescento: “Não
.se preocupem com o desenho; v o cês poderão explicá-lo para m im ” .
Posteriorm ente, quando a criança m e explica o seu desenho, eu
escrev o a sua d escrição. P eço a ela que m e d escreva a roseira
no presente, com o se ela fo sse a roseira. Às vezes faço pergun­
tas tais com o: “ Quem toma conta de v o c ê ? ” Após a descrição,
eu volto e leio cada com entário, perguntando à criança s e o que
ela d isse com o roseira com bina de algum a form a com a sua
própria vida.
Carol, 10 anos, d isse acerca da sua roseira: “Eu estou com e­
çando a dar flo res. Eu sou de todas a s cores porque sou m ágica.
A h m inhas ra ízes sã o longas e curtas e se em baraçam . Já que
eu sou m ágica, não preciso de ninguém para m e ajudar. Quando
tenho sed e fa ço chover e faço o sol sair se houver água dem ais,
l enho brotos de vária s cores nas m inhas folhas. Estou plantada
num lugar esp ecia l, que é verde e tem m uito sol. Eu estou sozi­
nha. gram a, sol, ar, vento, céu, são todos m eus am igos. Hoje
«i céu está azul, está gostoso e ensolarado. Eu não tenho espinhos
que podem m achucar. Eu nunca vou m orrer.”
Quando reli para ela os seu s com entários, Carol d isse de si
m esm a: "Estou com eçando a crescer. Às v ezes eu não preciso
•le ninguém para m e ajudar. Às v ezes eu m e sinto sozinha. Eu sei
que vou m orrer” . Muito do que Carol d isse com o roseira me pare-

47
ceu extrem am en te sig n ificativo, conhecendo-a bem com o a conhe­
cia. C onversam os sobre o que era m ais im portante para ela. Eu
poderia delicadam ente tê-la levado a falar sobre outras áreas se
tiv esse sentido a n ecessid ad e, áreas tais com o seu sentim ento de
ser m ágica ou querendo ser m ágica. T alvez ela não tiv e sse que­
rido falar sobre isso, e estaria bem . E la esta v a muito disposta a
falar sobre as co isa s que tinha escolhido falar.
D avid, de 9 anos, d isse com o roseira: “ Eu sou pequena, m as
bastante grande para uma roseira. As p essoas cuidam bem de
mim, e m e dão m uita água. Eu não tenho espinhos; eu não gosto
de espetar as p essoas a não ser que ela s m e m achuquem , como
o m eu irm ão. Uma das m inhas rosas caiu. As m inhas raízes são
pequenas m as m e agüentam em pé. N ão há outras plantas em
volta; as pessoas plantam em outros lugares. E xiste um a cerca
alta em volta de mim, e assim o meu irm ão não pode m e alcançar;
eu não vou deixar o meu irm ão chegar perto da roseira! Os galhos
form am o meu nom e e cresceram d esse jeito. A lgum as rosas são
corações; uma delas tem uma flech a atravessad a. Eu gosto de ser
roseira. N ão cai neve em cim a de mim. Eu tenho uma porção
de folh as em m im , m as não nas m inhas r o sa s” .
David aplicou muito do que d isse à su a própria vida. Ele pos­
suía num erosos sentim entos de raiva em relação ao irmão, e estes
sentim entos vinham à tona em m uita coisa que fazia com igo. T am ­
bém tinha m uitas queixas dos p ais, e agora com o roseira tinha
sido capaz de sen tir que “ as p essoas (seu s p ais) cuidam bem de
m im ” . P ed i-lhe que m antivesse um diálogo entre a rosa que caiu
e a roseira. Como rosa ele disse: “ Eu estou muito sozinha no
chão, m as as p essoas na ca sa vão m e colocar na água e não vão
m e deixar m orrer” . D iversas v ezes ele expressara sentim entos de
ser “jogado fo ra ” , abandonado, ignorado. E ste e r a um sentim ento
novo em rela çã o a s i próprio — que os seus pais de fato o am a­
vam , e cuidavam dele.
Gina, de oito anos, d isse: “ Eu tenho rosas verm elhas, não
tenho nem espinhos nem folhas, e não tenho raízes. O chão me
ajuda. Eu estou na D isneylândia porque gosto de estar contente.
Eu estou protegida — não com o na minha vida; o zelador cuida
de mim e m e rega uma vez por dia. É um dia de sol. Eu sou
bonita. À s vezes m e sinto sozinha. Eu vou ver o m eu pai hoje
à noite. Eu sou pequena e cheia de galhos. Eu queria ser pequena
— eu sou alta dem ais. N unca ch ove — eu não gosto de chuva.
Às vezes ca i n eve — eu sinto falta da neve aqui. Eu posso ver
pessoas. E stou cercad a de gram a. Eu posso crescer com m ais
facilidade não tendo raízes; se eles quiserem m e replantar vai
ser m ais fá cil. Eu sem pre tenho brotos".
Às vezes as crian ças se identificam facilm ente com a roseira,
com o no ca so de Gina. Gina é filha adotiva e seu s pais se sep a­

49
raram ; desde a sep aração ela tem tido m uitos sentim entos d esa ­
gradáveis a respeito de sua situação — muito ansiedade sobre o
que aconteceria consigo. A sua identificação com o roseira tornou
m ais fá cil com eçarm os a lidar com as suas preocupações.

C heryl, de dez anos, viveu em d iversas c a sa s de adoção desde


que a sua m ãe a abandonou quando ela tinha cerca de 5 anos.
Em virtude de procedim entos leg a is, não podia ser perm anente­
m ente adotada até pouco tem po atrás. É uma criança muito atra­
ente, que tem estado em terapia por cau sa de sonam bulism o e

50
pesadelos sérios. E la com entou da sua roseira: “ Eu sou muito
grande. Eu tenho todos os tipos de flores de várias cores. Não
tenho galhos retos: eles são tortos, curvos. Eu estou numa terra
m acia e tenho raízes com pridas enterradas m uito fundo no chão.
Tenho uma porção de am igos — os pássaros sentam -se na cerca
e conversam com igo. Há uma grande cerca preta em volta de
mim para as p essoas não pisarem em mim e nem m e pegarem .
Eu vivo num quintal. Eu sou apenas uma roseira com um . Tenho
folhas verd es” .
Quem cuida de você? — perguntei.
A natureza cuida de mim — a chuva, o sol e o chão.
Quem m ora na casa?
Algum as pessoas.
V ocê gosta delas?
Eu nunca encontro e ssa s p essoas; elas sem pre estão indo para
algum lugar. Eu fico sozinha.
A partir desta experiência, pudem os lidar abertam ente com
alguns assuntos que eram m antidos bem no fundo de Cheryl. Um
deles era a sua “ grande cerca p reta” , que a protegia. Ela falou
da sua necessidade de proteção, para que não fo sse m achucada.
Era uma criança altiva, m uitas v ezes cham ada de “ esnobe” pelas
outras crian ças. C onversam os a cerca das p essoas da roseira e a
sua própria relação com a s p essoas que tom avam conta dela.
Isto conduziu à con versa sobre os sentim entos em relação à sua
m ãe e ao assunto da adoção. Em bora fo sse óbvio que estas coisas
a tinham estado incom odando, só agora é que Cheryl se dispu­
nha a fa la r d elas. O seu desenho da roseira e outras atividades
sim ilares libertaram algo dentro dela. R ealm ente se sentia sozi­
nha, com o a sua roseira, m as jam ais contara este sentim ento a
ninguém . No final desta sessã o disse: “ Ah, m ais uma coisa. A cres­
cente aí: ‘Eu sou uma roseira fam osa pelas m inhas co res.’ ”

O R a b isco

Em seu livro A r t A s T h e r a p y W ith C hildren (A rte com o T era­


pia com C rianças). Edith K ram er d escreve o uso (e m au uso)
da técn ica do rabisco com pré-adolescente. Eu julgo o rabisco
um m étodo bem pouco am eaçador para ajudar as crianças a
expressarem exteriorm ente algo do seu eu interior. 0 procedi­
mento original con siste em prim eiram ente fazer a criança utili­
zar o corpo inteiro para traçar um desenho no ar com largos
m ovim entos rítm icos. Então a criança, com os olhos fechados,
desenha e sse s m ovim entos num pedaço de papel. Eu gosto da idéia
de fa zer a crian ça fingir que há um pedaço de papel gigante à
sua fren te, tão largo quanto os seu s braços possam alcançar e

51
tão alto quanto ela con siga esticar os braços para cim a. Eu lhe
peço que im agine estar segurando um lápis de cor em cada mão,
e que fa ça rabiscos n esse papel im aginário, certificando-se de
que cada canto e pedaço do papel seja tocado. E ste exercício
corporal parece ter o efeito de soltar e liberar a criança, de
modo a executar um rabisco m enos constrito sobre o papel real.
Então peço à criança que fa ça o desenho real, à s vezes com
os olhos fechados, às vezes com os olhos abertos. O passo seguinte
consiste em exam inar o rabisco de todos os lados, encontrando
form as que sugiram uma figura. Então com pleta-se a figura, apa­
gando os traços conform e se desejar. Às vezes as crianças encon­
tram várias figuras pequenas; outras ressaltam e colorem uma
figura grande em uma cen a coerente. É divertido fa lar sobre as
form as que enxergam , e às vezes tornar-se essa s form as — como
olhar nuvens e transform ar-se nelas. As crianças m e contam
estórias sobre seus desenhos. Às vezes, s e uma criança só con­
segue achar uma figura pequena, eu sugiro que ela crie uma
cena que incorpore esta figurinha.

M elinda, de 9 anos, desenhou um a enorm e cab eça de m enina.


P edi-lhe para s e r a m enina e falar sobre si m esm a. E la ditou
uma estorinha, que escrevi enquanto ela fa la v a : “ Eu sou uma
m enina de cabelo despenteado e acabei de acordar. Meu nome é
M elinda. P areço um cachorro peludo. Eu não pareço bonita.
Eu poderia parecer se o m eu cabelo e stiv esse penteado. O meu
cabelo tem d iversas cores. Eu fui à piscina e o meu cabelo é

52
com prido e eu não coloquei touca, então ele fica de várias cores.
Isso aconteceu com um a am iga — o cabelo dela ficou verde.
Eu gostaria de ter cabelo com prido e vou ter. Eu gosto de cabelo
com prido” . A estória de M elinda fluiu facilm en te para um relato
sobre a sua auto-im agem , seu s sentim entos acerca de su a apa­
rência e com o via a si própria com o pessoa.

Cindy, 8 anos, encontrou m uitos chapéus no seu rabisco. Eis


a sua estória: "A E stória dos Chapéus. E stes chapéus têm pro­
blem as. Um chapéu tem problem a porque tem botões. Outro ch a­
péu tem problem as porque ficou m anchado na lavagem e ninguém
quer usá-lo. Um chapéu tem problem as porque é todo cheio de
pontinhos, e o chapéu de duas ca b eça s tem problem a porque tem
buracos com rem endos e ninguém quer usá-lo, e um chapéu está
feliz porque é bonito e lilá s e tem um a p essoa usando. Um chapéu
está triste porque é todo listrado e ninguém quer com prar. O
chapéu lilás é m ágico e você não ouve berros. Eu estou usando
e sse chapéu” . É in teressan te notar que todos os chapéus de Cindy
são m asculinos. Eu não m encionei isto a ela, em bora agora que

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estou escrevendo gostaria de ter descoberto o que ela diria a este
respeito. O que realm ente fiz foi pedir-lhe que im aginasse estar
usando o seu chapéu lilás que era m ágico, e m e con tasse mais
acerca dos berros que não ouvia.

Carol, de 11 anos, desenhou um grande pato na água. A sua


estória: “ Eu sou um filhotinho de pato. Tenho asas m as ainda
não sei voar. Quando eu nasci esta v a todo molhado, m as ganhei
penas e agora sou fofo. Eu vivo na água e sigo a minha m ãe e
nós moram os num parque, onde há um lago. Quando as pessoas
vêm , elas à s v ezes nos jogam m igalhas de pão. Eu tenho pernas
que m e ajudam a atravessar a água e os dedos têm pele no m eio” .
P edi a Carol que se com parasse ao pato. E la disse: “Eu também
mudei muito desde que nasci, m as ainda preciso da minha m ãe.
Ainda não tenho idade para ficar sozinha” . Carol era uma criança
deixada muito tem po sozinha.
Um menino de 8 anos desenhou a figura de um m enino sentado
bem no m eio do seu rabisco. Ele desenhou uma balão de estória
em quadrinhos, saindo da boca do menino, com a palavra “ H a !”
em letra de form a nove vezes. P edi-lhe para ser o menino e dizer
de que esta v a rindo. Ele d isse: “ Estou rindo porque este rabisco
está impedindo todo mundo de chegar até mim. É com o uma
cerca em volta de mim. Eu posso ver todos, m as eles não podem
m e a lcan çar” . V ocê pode adivinhar para onde fom os a partir daí.
G reg, de 13 anos, tev e m uita dificuldade em achar figuras
nos seu s rabiscos. Olhou para o prim eiro que fez, virou o papel,
virou novam ente, e enfim d isse que ali não havia figura nenhuma.
Eu disse: “ Muito bem , aqui está outro pedaço de papel; tente
outra v ez” . E le fez um rab isco e então, após um ex a m e minucioso,
não conseguiu encontrar uma figura. Então lh e pedi que fizesse
outro. D esta vez ele achou um rosto m uito pequeno. F ez um
quarto rabisco, desta vez desenhando vários p eixes, um deles
sendo pescado num anzol, um polvo com uma flecha que o atra­
v essa v a , e um p eix e nadando. D isse: "Eu sou um peixe roxo e
am arelo. Todo mundo está sendo pescado m as eu estou nadando
seguro” . Eu lhe pedi que e sc r e v e sse um poem a sim ples, do tipo
haicai*, a partir do seu desenho:

peixe
roxo am arelo
nadando em segurança
vindo na hora certa
peixe

* G ê n e r o d c p oem a ja p o n ê s q u e sc ca ra cte riz a p e la b r e v id a d e c s im p lic i­


d a d e d o te x to . O haicai (h a ik ai) tem , em g e r a l, trê s v e rs o s, c u ja m étrica v a ria
c o n fo rm e c a d a ép o c a o u e sc o la . — ( N . d o T . )

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E le quis muito fazer outro rabisco. F ez de novo um p eixe. D isse:
"Um m onstro enorm e está tentando pegar este peixe. O am igo
do p eixe, uma esp écie de anim al de gorro, está puxando o peixe
com uma corda, para salvá-lo. Eu sou o p eixe sendo sa lv o ’'. Quan­
do indagado se o que d issera tinha algum a coisa a ver com a
sua própria vida, ele com entou sobre o p eixe da prim eira figura:
"Eu dou um jeito de fica r fora das dificuldades” , e em relação
ao segundo: “ Eu acho que m e sa lv o das dificuldades, m as não
sei com o” . G reg sofria de sintom as físico s psicossom áticos
(in clu sive en u rese), e isto serviu de abertura para que eu pudesse
penetrar no uso que fazia d esses sintom as para proteger-se. Greg
era muito calm o e de boa índole, jam ais dem onstrava raiva nem
adm itia qualquer coisa de errado em sua vida. E le m e perguntou
por que não tinha conseguido enxergar nenhuma figura nos pri­
m eiros rabiscos, e eu sugeri que talvez fo sse porque som ente
agora esta v a com eçando a “ deixar os olhos ir” (soltar os olhos).
E le concordou e im ediatam ente pegou o prim eiro rabisco e d ese ­
nhou uma mão agarrando uma parede. D isse que um homem

56
e sta v a tentando subir na parede m as que não conseguia segurar
direito e esta v a tendo dificuldade. Então olhou para mim, e disse:
"T alvez seja eu tentando agarrar algum a c o isa ” .

F ig u ra s de R a iv a

V ez por outra, um a criança ex p ressa um a intensa raiva no


decorrer da nossa sessã o , e eu posso usar a ocasião para m ostrar
à crian ça que desenhar sentim entos pode trazer um grande alivio.
Um m enino de 11 anos ficou furioso ao falar do seu irm ão. Pedi-lhe
que d esen h asse os seu s sentim entos naquele instante. E le agarrou
um cra y o n preto e rabiscou, rabiscou, rabiscou fervorosam ente
o papel. Quando terminou, parecia calm o e relaxado.

Um a m enina de 13 anos fez a m esm a coisa com lápis d e cor


laranja e verm elho, dando ao seu desenho o título de "Ardendo
de R a iv a ” . N o entanto, ela não p arecia relaxad a, e eu notei que
seus traços não eram fluen tes, com o os do m enino m encionado
acim a, m as distintos e separados, cada um fechado dentro de
uma moldura dentada. P edi-lhe que fo sse um d esses fogosos rabis­
cos verm elhos, e ela d isse: “ Eu estou muito brava, cor de raiva,
i* estou fech a d a ” . D isse que em bora pudesse sentir intensam ente

57
a sua raiva, a verdade era que não sabia com o expressá-la. P u d e­
m os então con versar sobre o que ela estava fazendo consigo
m esm a, e sobre form as apropriadas de deixar esses sentim entos
saírem .
Um desenho feito por outra m enina de 13 anos, depois de eu
ter lhe pedido que d esen h asse a sua raiva, m ostrava algum as
cores claras e fortes, cercad as por um contorno muito grosso e
preto. Quando pedi que m e fa la sse sobre o desenho, ela disse:
“ A raiva m e cerca e congela os sentim entos bons que estão lá
dentro, e eles não podem sa ir” . O com entário d escrevia acura­
dam ente o seu com portam ento. As pessoas da sua vida raram ente
viam qualquer de seus bons sentim entos; viam apenas a sua
depressão e soturnidade. E ste desenho foi o prim eiro passo para
com eçar a ajudar esta m enina a falar sobre sua raiva, sobre
co isa s que a zangavam , e a auxiliá-la a encontrar alguns modos
de exprim ir seus sentim entos de raiva, de modo que os sentim en­
tos bons pudessem em ergir. P a rte disso pudemos fazer no meu
consultório, com desenhos, argila e usando um bastão, m as ela
precisou aprender a cuidar de si m esm a fora do consultório.
P r e c isa aprender a dirigir os seus ressentim entos direta e verb al­
m ente para a fonte deles. Isso não é fácil para crianças que são
constantem ente criticadas por serem diretas e honestas em relação
ao que sentem , a m enos que e sse s sentim entos sejam apreciados
pelos adultos com quem convivem . N este caso, pude trazer a
fam ília para algum as sessõ e s conjuntas. Quando havia tentado
isto anteriorm ente, a m enina tinha ficado sentada num canto
em burrada; agora era capaz de se m anter sozinha, de contar com
a sua própria força e auto-sustentação.

M in h a S e m a n a , M eu D ia, M in h a V id a

É p ossível obter um sentido esclareced or da vida da criança


pedindo-lhe que desenhe uma figura da sua sem ana, do seu dia ou
da sua vida. A figura nos dá a abertura para uma conversa. No
desenho que uma menina fez do seu dia, colocou, entre m uitas
outras coisas, uma grande ca ix a rotulada de “esco la ” com a
palavra “ YUCK” em grandes letras de form a. D esenhou também
um coração com uma se ta e uma enorm e inicial — a inicial do
menino de quem ela gostava. Seus sentim entos em relação à esco ­
la e seu s anseios por e ste menino absorviam uma grande dose da
sua energia. Algumas crianças desenham figuras bem esparsas
porque é assim que se sentem em rela ção às suas vidas. Às vezes,
sem nenhuma instrução esp ecífica neste sentido, as crianças d ese­
nham uma figura fantasiosa de com o gostariam que fo sse o seu
dia ou a sua sem ana, e isto m e dá muita coisa com que trabalhar.

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0 T ra ço a C om p leta r (S q u ig g le )

A palavra sq u ig g le em inglês é um term o que d escreve o


fazer-se um traço ao a ca so sobre um pedaço de papel, geralm ente
cm preto, e pedir à criança que com plete a figura. E la pode então
contar uma estória sobre a figura, ser a figura, conversar com
a figura, etc.
E xistem adaptações desta técn ica em form as de livros para
colorir. Um deles cham a-se T h e N on-C oloring B o o k (O Livro de
Não-Colorir) e outro é intitulado T h e U n-Coloring B ook (O Livro
de D escolorir). Am bos em pregam uma variedade de rabiscos,
em vez de um traço único, bem indefinidos e os rabiscos podem
ser com pletados com o figu ras. São m ais su g estivos no que se
refere ao conteúdo do que o traço a que nos referim os — o squiggle.
No seu livro T h e ra p e u tic C onsultation in C hild P sy c h ia try
(Consulta T erapêutica em P siquiatria Infantil) D. W. W innicott d es­
creve um método de estab elecer contato com crian ças, utilizando
o que ela cham a de Jogo de Completar o T raço — S q u ig g le G am e.
Seu m étodo con siste em sen tar-se com a crian ça a uma m esa, com
dois lápis e um pouco de papel à frente. O terapeuta fecha os
olhos e fa z um traço no papel, e p ed e a criança que o transform e
em algum a coisa; a crian ça tam bém faz um traço para o tera ­
peuta transform ar em algo. À m edida que o procedim ento evolui,
am bos conversam sobre as figuras e qualquer outra m aterial que
surja. P elo s estudos de ca so s feitos por W innicott, percebe-se
obviam ente que um a grande com unicação s e estab elece a partir
desta m aneira particular de fazer uso de um velho jogo.

C ores, C u rva s, L in h a s e F o rm a s

Gosto de encorajar crian ças m ais velhas, adolescentes e adul­


tos a desenharem seu s sentim entos e respostas em cores, curvas,
linhas e form as. Eu os encorajo a se absterem de desenhar coisas
reais e m ergulharem na expressão do sentim ento. Um bom método
que descobri é pedir à pessoa ou ao grupo para olhar algo que
eu considero m uito bonito, por uns cinco minutos; a seguir, peço
que desenhe os sentim entos despertados, apenas em cores, linhas
e form as. Eis alguns objetos que posso utilizar; uma flor, uma
folha, u m a planta, uma concha, um pôr-do-sol se for possível,
ou um quadro. N a verdade, qualquer objeto serve para provocar
algum tipo de sentim ento — um utensílio da cozinha, um brin­
quedo, algum a cessório dom éstico. Ou posso fazer com que ouçam
uma bela peça m usical.
Às v ezes as pessoas n ecessitam de um tipo esp ecial de trei­
nam ento para se perm itirem uma soltura, uma confiança nos seus

59
próprios sentim entos e na expressão desses sentim entos. P osso
pedir às crianças: "F açam um desenho de com o vocês se sentem
todo dia a uma certa hora, a hora que vocês escolherem . Tragam
todos os seu s desenhos para a próxim a se ssã o com igo, e vam os
dar uma olhada n e le s” . P rovavelm ente eu os faria praticar antes
com igo. “ F ech e os olhos e perceba com o você se sente, com o o
seu corpo está se sentindo. A sua m udança de humor, a mudança
nas su as sen sa çõ es corporais. Veja com o está para você agora.
Então exp resse isto no papel, só usando cores, linhas e form as.”
Com freqüência eu m esm a faço isso, para dar à s crianças uma
idéia do que estou pedindo.

D esen h o e m G rupo

Às vezes, faço uma fam ília, ou duas crian ças, ou uma criança
e eu, desenhar algo em conjunto numa m esm a folha de papel.
“ D esenhe só um monte de linhas, círculos e outras form as e cores
num pedaço de papel. V eja com o você se sente fazendo isso .”
Às vezes há uma briga por um espaço no papel, e é interessante
ver com o e ste problem a é resolvido. Se uma pessoa dá lugar à
outra: se há um acordo: se uma invade o território da outra.
C rianças m ais velh as podem ser instruídas a fazer este exercício
em silên cio, ao passo que crianças m ais novas têm necessidade
de fa la r. Eu observo o que acontece, e depois todos conversam os
acerca da experiência. P o sso perguntar: “ Como foi que você se
sentiu sendo em purrado para fora do seu espaço? Você sem pre
se sen te assim na vida? V ocê se sen te assim em c a sa ? ” O pro­
c e sso de uma criança num exercício esp ecífico é m uitas vezes
bastante indicativo do seu processo na vida.
Tenho pedido a grupos grandes de crianças que desenhem algo
juntas. Há m uitas m aneiras de fazê-lo, sendo o mural a m ais
com um . Num grupo de oito crianças, dou a cada uma um pedaço de
papel e peço que com ecem um desenho. Então, a um sinal meu,
todos os desenhos são interrom pidos e cada folha de papel é p as­
sada para a pessoa seguinte, que acrescenta algo ao desenho.
O ciclo se repete até que no final tem -se oito figuras para serem
observadas e com entadas. As crian ças apreciam esta experiência.
E las s e divertem fazendo com entários acerca do que a figura lhes
p arece, e partilhando seu s próprios sentim entos sobre o fato de
colocar a sua m arca num desenho grupai.
Outro modo de fazer um desenho em grupo é ter apenas um
pedaço de papel; cada um dá sua contribuição para o desenho
na sua vez, enquanto os outros esperam . Tal qual numa estória
grupai, a criança poderá falar sobre o que está fazendo, enquanto
os outros observam ou escutam . Às v ezes eu m esm a dou início
ao desenho com um tem a particular. Ou com eço desenhando uma
linha, form a ou m ancha colorida, ao m esm o tem po que principio
uma estória. A pessoa seguinte continua a estória enquanto a cr es­
centa algo ao meu desenho, e assim por diante. Aqui, m ais uma
vez, o que é interessan te é o processo de cada criança. Eu posso
com eçar: “ Era uma vez um pequeno círculo verm elho que vivia
num grande esp aço. Certo d i a . . . ” A criança seguinte poderia
então dizer: “ Certo dia veio um quadrado roxo e d isse para o
círculo: ‘V ocê gostaria de brincar com igo?’ O círculo disse: ‘Sim ’
e eles com eçaram a brincar” . A crian ça seguinte poderia dizer:
“ Então um grande triângulo preto veio e com eçou a em purrar o
círculo e o quadrado” (linhas pretas saindo do triângulo em dire­
ção ao círculo e ao quadrado, para rep resentar o em purrão) e
assim por diante. Quando o desenho está acabado posso perguntar
à criança que desenhou o círculo com o este se sentiu sendo em pur­
rado. D epois posso perguntar se ela algum a vez empurra os outros
na vida real. Se nenhum m aterial esp ecífico com o e ste vem à
tona, não tem im portância. O que im porta é o que acontece: a
cooperação grupai (ou a falta de coop eração), a p aciência ou
im paciência de uma crian ça esp ecífica , e assim por diante. O
divertim ento que quase com certeza é parte da experiência tam
pouco deve ser m inim izado. M uitas crianças com problem as emo­
cionais n ecessitam de m ais experiên cias prazenteiraâ para m anter
o seu gosto de viver.

D esenho L iv re

Freqüentem ente as crianças preferem desenhar ou pintar


aquilo que bem querem , e não aquilo que se lhes m andam. Isto
não prejudica o processo terapêutico; a im portância reside no que
está cm prim eiro plano para a criança.
A llen, de 9 anos, desenhou um enorm e dinossauro comendo
o topo de uma árvore. D e início foi fá cil para ele conversar com o
dinossauro. Então e le se tornou o anim al e falou do seu grande
poder e m agnitude, em con traste direto com a im potência que
sentia em sua vida.
Phillip, de se is anos, desenhou uma casa com um ônibus
próxim o a ela. Contou um a estória b astante elaborada sobre aonde
o ônibus o levava.
Todd, de 5 anos, desenhou uma grande flor ao lado de uma
árvore. P edi-lhe que fiz e sse am bas conversarem entre si. Ele
disse: “ ô i, árvore e flor. E u quero con versar com elas. Ói, árvore
e flor. Eu gosto de vocês. V ocês crescem , ficam grandes e altas.
V ocês acham que um dia eu vou crescer e ficar grande e alto?”
E screv i isto no seu desenho enquanto ele falava, e reli quando

61
term inou. Nós discutim os os seu s sentim entos referen tes ao cres­
cer, e então ele m e pediu que a crescen ta sse no texto, em resposta
à pergunta que ele próprio fizera: “ Sim ” .
Cari, 5 anos, desenhou d iversas form as. Olhou para sua obra
acabada e ditou: "Isto é uma piscina de bebês, e esta é para as
m am ães e papais e gente grande. Eu estou indo na piscina grande
porque sou grande” . Isto levou a uma discussão sobre com o teria
sido quando ele era bebê. “ Eu vivia com m am ãe e papai.” (A tual­
m ente ele m orava num lar de ad oção.) N um a sessã o subseqüente,
com entou a respeito de outra figura: “ E sta é uma piscina gigante.
Um gigante está nadando nela. Só isso ” . E le ficou m aravilhado
em se tornar o gigante. Com referên cia a ainda outra figura:
“ Isto é um bicho de batata com olhos. Isto é um caranguejo. Isto
é o King-Kong. E sta é a viúva-negra. E la vai pegar algum as
pessoas e o bebê m orde a aranha. O bebê não quer ser morto
por um m onstro” . A través do seu próprio processo, Cari estava
com eçando a perm itir e experienciar os seus sentim entos de raiva,
e recuperar parte da sua própria força.

P in tu ra

A pintura possui o seu próprio valor terapêutico especial.


Quando a pintura flui, am iúde o m esm o ocorre com a em oção. As
crianças têm prazer em pintar, especialm ente as que já passaram
da idade da creche ou jardim da infância. M uitas vezes elas não
têm a experiência de pintar outra vez depois d essa idade, com

62
exceçã o ta lv ez de pequenas pinceladas com aquarela. As crianças
adoram o caráter fluente e o brilho das tintas de pintura. Elas
adoram a experiência de pintar, e eu com freqüência sugiro que
pintem qualquer coisa, e espero para ver o que acontece.
N ancy, de s e te anos, pintou um céu com nuvens e um grande
avião voando. Quando term inou conversam os sobre a sua pintura
e sobre voar. E la pegou o pincel e colocou um pontinho numa
das ja n ela s. “ E sta é a m inha m ãe” , d isse, P edi-lhe que fa la sse
m ais a respeito disso: para onde esta v a indo a sua m ãe? “ A minha
m ãe está no avião. E la está indo para algum lugar — eu não sei
para on de.” P edi-lhe que d isse sse algo à sua m ãe no avião. “Eu
não quero que você v á em bora e m e d e ix e .” P erguntei a ela se
à s vezes con versava com a m ãe sobre isto. (E la e a m ãe viviam
juntas — som ente as duas.) E então veio um a enxurrada de tem o­
res secretos de abandono. “ N ão, não contei isso à minha m ãe:
uma vez eu contei e ela d isse que era b ob agem .” E stes tem ores,
baseados num divórcio, numa m udança para um lugar distante,
na sep aração do pai e de outros m em bros próxim os da fam ília,
tinham m uito a ver com a atitude queixosa e agarrada em relação
à m ãe. O fato de isto ter sid o trazido à luz, perm itindo que ela
tiv esse e sse s sentim entos levados a sério , tev e um efeito enofm e
sobre N ancy. P a sse i várias se ssõ e s deixando-a focalizar esses
sentim entos — contando estórias, pedindo-lhe que fizesse desenhos
ou rep resen ta sse cenas de estar sendo abandonada, com o isto pode­
ria se fazer sentir pela sua bonequinha, o que ela poderia fazer,
e assim por diante.
Um a vez que a cor, a tonalidade e a fluidez da pintura se
prestam tão bem a estados de sentim ento, posso pedir a uma cri­
ança que fa ça uma pintura de com o está se sentindo naquele exato
instante, ou com o s e sen te quando está triste, e com o se sente
quando está feliz. As crian ças parecem representar sentim entos
com tinta com uma facilid ade maior do que com qualquer outro
m eio de ex p ressão artística. Quando lhes são dados lápis de cor
ou can etas h idrográficas ela s tendem a ser m ais g rá fica s e
rep resentativas.
P ed i a Candy, 9 anos, para pintar com o se sentia quando
estava feliz e com o se sen tia quando esta v a triste. Num lado do
papel ela fez um desenho abstrato, sobre o qual com entou poste­
riorm ente: “ Eu m e sinto separada e aberta. Eu sinto que estou
em todo lugar. Os pontinhos são os m eus sentim entos que vão e
vêm , de todos os tipos, m as a m aioria sã o bons” . Do outro lado,
com entou sobre suas linhas e cores: “ Eu m e sinto nervosa, espre­
m ida com o um besourinho preto, uma centopeia que se fecha.
E sta é uma figura de quando penso em fica r dorm indo” .
Um menino de 13 anos fez uma enorm e pintura de com o se
sen tia m olhando a cam a. A pintura consistia em grandes áreas

63
azuis, pretas e cinzas. Antes disso, eu havia perguntado a ele
qual era a sua sen sação, e ele sim plesm ente encolhera os ombros
e dissera: “ Eu não s e i” .
C rianças pequenas gostam de pintar sem instruções. E las
ficam muito absortas espalhando e m isturando cores. M ais tarde,
descrevem o que estão vendo com o uma esp écie de estória fan ta­
sio sa . John, de seis anos, com entou acerca de sua pintura: “Isto
é uma m áquina e uma coisa está saindo dela. Isto sã o canos com
óleo saindo. E le entra lá . É óleo quente e você não pode tocar
n ela” . P edi-lhe que fo sse a m áquina, e m e fa la sse outra vez sobre
o óleo. E le o fez com energia. Eu disse: “ P a rece uma máquina
que é lou ca” . “É ” , d isse ele, “ e eu vou cuspir o meu óleo em
todo mundo que me incom oda” . Então realm ente se levantou e
andou pela sa la numa posição curvada, braços esticados, fazendo
ca reta s, cuspindo e berrando palavras iradas, tais como: “Eu
vou pegar você! Cuidado!” F inalm ente sentou-se no chão, ao meu
lado, e nós conversam os um pouco sobre os seus sentim entos de
raiva.
Num a se ssã o com outro m enino de 6 anos, tiv e uma exp e­
riência sim ilar. A sua pintura era quase toda preta. Separado,
num dos lados, havia um pequeno anel de cores fortes. Ele disse:
“ Isto é óleo e água. E stá entrando um pouco de sujeira aqui.
E stá entrando um pouco de água do m ar” (apontando para o anel
colorido). P edi-lhe que tiv e sse uma conversa entre o óleo e a água
do m ar. E le d isse, enquanto era óleo: “N ão chegue perto de mim.
Eu vou estragar você. V ocê vai ficar toda su ja” . Quando per-

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guntei depois se o óleo ou a água eram algo parecido com os seus
sentim entos, e le respondeu: “ E ste óleo é quando eu estou bravo!
Não chegue perto de mim quando eu estou b ra v o !” E ste menino
tinha feridas por todo o corpo nos lugares onde se coçava e se
arranhava — a única m aneira (até então) de fazer algo com a
sua raiva. T ivem os m uitas sessõ es de pintura e de outros m eios
para ajudá-lo e exp ressar a sua raiva de m aneiras outras que
não a autodestruição.

P in tu ra com os D edos

A pintura com os dedos e o trabalho com argila possuem


am bos qualidades táteis e cin estésica s sem elhantes. A pintura com
os dedos é uma d essa s atividades que, infelizm ente, é geralm ente
restrita a crian ças em idade pré-escolar. Ela possui m uitas qua­
lidades boas. A pintura com os dedos é calm ante, fluente. O pintor
tem a possibilidade de fazer desenhos e figu ras com o tentativas,
e logo em seguida apagá-los. E le não experiencia o fracasso, e
tam bém não n ecessita de muita habilidade. P ode contar uma
estória a respeito de uma pintura que ele decida estar term inada,
ou pode falar de algum a coisa que a figura o faz recordar. Eu
preparo as m inhas próprias tintas para pintura com os dedos,
utilizando tinta de cartaz em pó salp icad a sobre um recipiente
contendo gom a líquida para roupa. V ocê já experim entou algum a
vez pintar com os dedos usando vaselin a, crem e de leite, ou então
pudim de chocolate?
P hillip, de dez anos, freqüentem ente pintava com os dedos
nas n o ssa s se ssõ e s. Era um m enino agitado, que ach ava muito
difícil fica r sentado quieto na escola. Com bastante freqüência
batia nas outras crian ças, discutia com todo mundo, tinha muita
dificuldade na su a coordenação m otora. P orém toda vez que fazia
pintura com os dedos fica v a absorvido pela atividade, parecia
calm o e sa tisfeito , e resp irava profundam ente. Por m uitas sessõ es
de pintura com os dedos não com pletou um único quadro. No
entanto, com eçou a m e contar sobre a sua vida, seu s sentim entos
ruins em rela çã o a si m esm o, e seu s sentim entos de raiva em
relaçã o aos pais e professores.
Finalm ente, um dia, Phillip com pletou a sua experiência de
pintar com os dedos, acabando um quadro. Ele parecia pronto
para assum ir um com prom isso — suficientem ente forte para colo­
car a sua m arca. O quadro era o rosto de um palhaço. Pedi-lhe
que m e con tasse uma estória sobre o seu palhaço. "O m eu palhaço
faz afe p esso a s darem risad a. Todo mundo acha ele engraçado.
Mas por dentro ele é um palhaço m uito triste. E le precisa pintar
a cara e s e v estir gozado para fazer a s p essoas darem risada.

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Senão elas poderiam chorar porque se ele realm ente m ostrasse
com o é, todo mundo teria m uita pena d ele.” Phillip agora era
capaz, pela prim eira vez, de falar acerca do desespero que estava
sentindo.

P in tu ra co m os P és

Pintura com os pés? É, pintura com os pés! Os pés são muito


sen sív eis, e na m aior parte do tem po acham -se aprisionados dentro
de sapatos, onde não podem sentir nada. Lynn P elsin ger, que
trabalha em aconselham ento fam iliar, de c a sa l e de crianças, sendo
tam bém educadora de c la sses esp ecia is, utiliza a pintura com os
pés com grupos de crian ças em escolas públicas. Ela pede às
crianças que tirem os seus sap atos e m eias — o que não é feito
com muita freqüência nas esco la s, infelizm ente — e que d escre­
vam com o s e sentem agora que estão livres. Diz à s crianças que
elas vão pintar com os pés. D epois que a idéia foi absorvida, pede
que as crian ças digam o que im aginam que seu s pés são capazes
de fazer. Entãfc coloca papel-m anteiga no chão, e pequenas ban­
dejas de tinta. E la orienta as crianças a descobrir quanta tinta
conseguem pegar com os dedos dos pés, e o que acontece quando
a tinta é solta. As crian ças experim entam isto por algum tempo
e então continuam pintando com todas as partes dos pés, andando
sobre o papel para form ar uma variedade de m arcas, pintando
com d iferentes artelhos, pintando com o calcanhar, com os lados
do pé, experim entando com cada um dos pés para perceber quais­
quer diferenças.
Às vezes P elsin ger d irige continuam ente o foco de consciência
para os pés; outras v ezes as crianças experim entam livrem ente,
sem qualquer orientação. Há sem pre por perto um balde de água
para lavar os pés, e toalhas para enxugar.
Quando a sessã o term ina, sentam -se todos juntos e conversam
sobre a exp eriên cia. As crianças acabaram de vivenciar um a das
experiências m ais relaxantes, sensu ais e prazenteiras de suas
jovens vidas. P elsin ger afirm a que nunca, em todo seu tem po de
trabalho com esta técnica, a atividade fugiu do controle de suas
m ãos (ou p és). E x iste uma sen sação de calm a e prazer, as crian­
ça s sabem que estã o s e envolvendo numa atividade considerada
esp ecial e privilegiada num estabelecim ento de ensino.
Há várias m aneiras de se utilizar a pintura com os pés. As
crianças podem fazer pinturas individuais, pintura em grupo, e
m urais. O processo na interação grupai é frutífero para discussões
posteriores. P elsin ger conta a respeito da consciência que adqui­
riu sobre os pés e sapatos das crian ças depois de ter introduzido
pela prim eira vez a pintura com os pés, escutando o que as crian-

66
ças tinham a dizer sobre seu s pés, sapatos, m eias, andar e correr.
Ela com eçou a o lh a r para o modo com o a s crianças andavam .
Algum as que tinham m eias rasgad as pareciam estar cam inhando
sobre vidro. C rianças com sapatos ou m eias que não serviam
direito tinham tem peram ento ruim, rabugento — você tam bém
não teria? Ela notou que depois de uma chuva, estas crianças,
a cam inho da escola, se desviavam para molhar os pés, sabendo
que a professora as deixaria tirar os sapatos.
D epois de as crian ças terem acabado a pintura e lavado os
pés, P elsin g er as ajuda' a se enxugarem com uma toalha, e as
encoraja a se ajudarem m utuam ente. M assagear os pés desta
m aneira é algo delicioso e calm ante, e a s crian ças adoram . (Ela
notou que após uma chuva, as crian ças tam bém estavam ansiosas
para que ela lhes en x u g a sse a cab eça com uma toalha, e sfr e ­
gando o couro cabeludo.)

67
.

• •

■ •

.
3

Meu Modelo de Trabalho

E x iste um núm ero interm inável de técn icas esp ecífica s para
ajudar a s crian ças a exprim ir sentim entos por interm édio do
desenho e da pintura. Independente do que a criança e eu e sco ­
lhem os fazer em qualquer sessã o , o meu propósito básico é o
m esm o. M inha m eta é ajudar a criança a tom ar consciência de
si m esm a e da sua ex istên cia em seu mundo. Cada terapeuta
encontrará o seu próprio estilo para conseguir e sse delicado equi­
líbrio entre dirigir e orientar a sessã o , de um lado, e acom panhar
e segu ir a direção da criança, de outro. As su g estõ es aqui apre­
sentad as tem apenas o intuito de m ostrar a você as infinitas
possibilidades e libertar o seu próprio p rocesso criativo. N ão se
pretende que sejam segu id as m ecanicam ente. O processo de tra­
balho com a crian ça é d elicado, fluido — um acontecim ento orgâ­
nico. O que se p assa dentro de você, o terapeuta, e o que se passa
dentro da criança numa se ssã o qualquer, constituem uma suave
fusão.
As figuras podem ser usadas de inúm eras m aneiras, com uma
variedad e de propósitos e em diferen tes n íveis. O próprio ato de
desenhar, sem qualquer intervenção por parte de um terapeuta,
é uma poderosa ex p ressão de si m esm o que ajuda a estab elecer
a auto-identidade e proporciona um a form a de exp ressar sen ti­
m entos. Tomando isto com o ponto de partida, o processo terapêu­
tico poderá evoluir conform e se segue:
1) F azer a criança com partilhar a e x p e riê n c ia de desenhar
seus sentim entos em relação a abordar e executar o trabalho,
com o ela com eçou e continuou o trabalho, o seu processo. D esta
m aneira ela estará com partilhando a sua form a de ser.
2) F a zer a crian ça com partilhar o desenho em si, d escre­
vendo a figu ra à sua m aneira. D este modo ela estará com parti­
lhando ainda m ais a sua form a de ser.

69
3) Num nível m ais profundo, prom over m aior autodescoberta
da criança, pedindo-lhe que elabore sobre partes da figura; que
torne certas partes m ais claras, m ais óbvias; que descreva as
form as, contornos, cores, representações, objetos, pessoas.
4) P edir à criança que d escreva a figura com o s e fo sse ela
m esm a, usando a palavra “ e u ” : “ Eu sou esta figura; tenho linhas
verm elhas de todos os lados e um quadrado azul no m eio” .
5) E scolher co isa s esp ecífica s na figura para que a criança
s e identifique com elas: “ Seja o quadrado azul e continue se d es­
crevendo — com o você é, qual é a sua função, e tc .” .
6) Fazer perguntas à criança, se necessário, para auxiliar
o processo: “ O que você fa z ? ” , “ Quem usa v o cê ? ” “D e quem
você está m ais perto?” . E stas perguntas sairão da sua habili­
dade de “ entrar” no desenho juntam ente com a criança, e de se
abrir para as m uitas form as possíveis de existir, funcionar, e
relacionar-se.
7) F ocalizar ainda m ais a atenção da crian ça e aguçar a sua
con sciên cia, enfatizando e exagerando uma parte ou partes da
figura. Encorajar a criança a ir o m ais longe que possa com uma
parte esp ecífica , esp ecialm en te se houver algum a energia ou exci-
tam ento dentro de você ou dentro da criança, ou se houver alguma
a u sên cia excepcional de en ergia e excitam ento. Muitas vezes, per­
guntas podem ajudar: “ Aonde ela está indo?” , “ O que e ste cír­
culo está pensando?” , “ O que ela vai fa zer?” , “ O que vai acon­
tecer com e le ? ” E assim por diante. Se a criança disser: “ Eu
não s e i” , não desista; passe para outra parte da figura, faça
outra pergunta, dê a sua própria resposta e pergunte à criança se
está certa ou não.
8) F azer a criança m anter um diálogo entre duas partes da
sua figura, ou entre dois pontos de contato ou de oposição (tais
com o a estrada e o carro, ou a linha em torno do quadrado, ou
o lado triste e o lado contente).
9) Incentivar a criança a prestar atenção nas cores. Ao dar
su gestõ es para um desenho enquanto a criança está com os olhos
fechados, m uitas vezes digo: “ P e n se nas cores que você vai usar.
O que significam para você as cores fortes? O que significam as
cores escuras? Você vai usar cores fortes ou apagadas, cores
escuras ou cla ra s? ” U m a crian ça desenhou seu s problem as em
cores escu ras, e su as co isa s alegres com cores fortes e claras,
e havia até m esm o uma diferença na força com que apertava o
lápis ao usar diferen tes cores. Eu poderia dizer: “ E ste parece
m ais escuro do que os outros” , para encorajar a expressão, ou
" P arece que e ste aqui você apertou com m ais fo rça ” . Quero que
a criança tenha a m aior consciência p ossível daquilo que fez,
m esm o que não esteja disposta a falar sobre o assunto.
10) P restar atenção a pistas dadas pelo tom de voz da crian­

70
ça, pela sua postura corporal, pela sua expressão facial e corporal,
pela respiração, pelo silên cio. O silên cio pode sign ificar censura,
pensar, recordar, repressão, ansiedade, m edo, ou consciência de
algum a coisa. U tilize esta s pistas para tornar se u trabalho fluido.
Eis um exem plo de com o a ob servação de um a pista corporal
constituiu o fator m ais im portante no esclarecim ento de uma
situação difícil.
Cindy, de 5 anos, foi trazida a mim porque esta v a tendo d ifi­
culdade em dormir. N a nossa prim eira sessã o , pedi-lhe que d ese­
n h asse a sua fam ília, e ela desenhou a si m esm a, a irm ã e a m ãe
com m uita disposição. Eu sabia que a m ãe e o pai eram divor­
ciados, e que ela via o pai regularm ente. D ei-lhe outro papel e
disse: “Eu se i que o seu pai não m ora m ais com você, m as ele
ainda é sua fam ília: e então você não quer desenhá-lo aqui?”
Por um instante, o pânico cruzou su a fa c e e desapareceu com
a m esm a rapidez. M as eu captei su a fugaz exp ressão, e delica­
dam ente d isse: “ V ocê tem m edo de algum a coisa quando eu lhe
peço para fazer isso ” . E la respondeu bem , bem baixinho: “ Bem ,
é que a Jill tam bém m ora lá ” . Então eu disse: “ Ah — bom, e se
você desenhar o seu pai e a Jill neste outro papel?” E la sorriu
feliz e pôs m ãos à obra. (F oi quase com o se p recisa sse da minha
p erm issão.) E la g o stava da Jill (fa to este que veio à tona nos
seu s diálogos com as figuras da fa m ília ), m as a m ãe não gostava.
E sta m enina de cinco anos esta v a se sentindo responsável pelos
sentim entos da m ãe, e por causa disso tev e m edo de incluir Jill
no seu prim eiro desenho. Quando eu d isse: “ Eu acho que a sua
m ãe não gosta muito da J ill” , ela fez que sim e olhou para mim
com um ar tímido e consciente.
Com a perm issão de Cindy, pedi à m ãe, que estava na sala
de espera, que s e ju n tasse a nós. Eu queria lhe dizer que por
cau sa dos seu s próprios sentim entos n egativos em relação a Jill,
Cindy não se sen tia com direito a gozar os sentim entos positivos
que tinha: e que ela precisava ajudar Cindy a saber que cada
um podia ter os seus próprios sentim entos, que era direito Cindy
gostar de J ill, m esm o que ela não g o sta sse. Com esta consciência
recém -adquirida, a m ãe de Cindy pôde parar de impor seu s pró­
prios sentim entos à filha, e não precisei atender Cindy outra vez.
Um fecham ento rápido, baseado num pequena pista corporal.
11) Trabalhar com id en tificação, ajudando a crian ça a
“ assu m ir” o que foi dito sobre a figu ra ou partes da figura. P osso
perguntar: “ V ocê algum a vez se sentiu d esse jeito?” “Você cos­
tum a fazer isso ? ” “ Isso tem algum a coisa a ver com a sua vida?”
“E x iste algum a coisa do que você d isse com o roseira que você
pode dizer de si com o p e sso a ? ” e assim por diante. Perguntas
com o esta s podem ser form uladas de m uitas m aneiras. F aço as
perguntas com muito cuidado e delicadeza.

71
As crianças nem sem pre precisam “assum ir” as coisas. Às
vezes elas se recolhem e ficam muito assu stad as. Às vezes não
estã o prontas. Às vezes parece su ficien te que tenham trazido algo
à luz por m eio da figura, m esm o que não o reconheçam como
seu. E la s podem dizer que eu ouvi o que tinham a dizer. E xp res­
saram o que tinham necessid ad e ou vontade de expressar naquele
momento, à sua própria m aneira.
12) D eixar o desenho de lado e trabalhar com as situações
de vida da criança, seu s negócios inacabados que surgem a partir
do desenho. À s v ezes isto é precipitado diretam ente pela pergunta:
“ Isto tem a ver com a sua v id a ? ” ; outras vezes a criança fará
espontaneam ente a asso cia çã o com algo da sua vida. As vezes
fica rá subitam ente em silêncio, ou um olhar cruzará o seu rosto.
Eu poderei dizer: “ O que aconteceu agora?” e geralm ente a crian ­
ça com eçará a falar de algo da su a vida, agora ou no passado,
que de algum modo se relacione com a situação presente. (E às
vezes a criança poderá responder: “ N ada” .)
13) O bservar as partes ausentes ou espaços vazios nas figu ­
ras, e cham ar a atenção para isso.
14) P erm anecer com o fluxo do prim eiro-plano da criança,
ou prestar atenção ao m eu próprio prim eiro-plano — onde encontro
in teresse, excitam ento e energia. À s v ezes acom panho o que está
aí, e outras v ezes acom panho o oposto do que está aí. O menino
que desenhou a D isneylândia na fan tasia da caverna ressaltou
o prazer e a diversão do lugar. Acom panhando o oposto do seu
prim eiro-plano, eu disse: “ Acho que a sua própria vida não tem
tanto prazer e d iversão” .
G eralm ente trabalho prim eiro com o que é fácil e confortável
para a criança, antes de entrar nos lugares m ais d ifíceis e d es­
con fortáveis. Acho que s e conversam os com as crianças sobre as
coisas m ais fá c e is, ela s então se abrem m ais para falar sobre
as dificuldades. Num a figura em que lhes peço que desenhem os
sentim entos tristes de um lado e os alegres de outro, com fra-
qüência lh es é difícil com partilhar os sentim entos tristes antes
de terem com partilhado os sentim entos m ais seguros e alegres. No
entanto, isto nem sem pre é verdade. Às vezes crianças que estão
contendo m uita raiva n ecessitam soltá-la antes que os sentim entos
bons possam fluir.
P o sso optar em lidar com o m eu próprio primeiro-plano. Ao
estar com a criança, posso sentir algum tipo de tristeza ou des­
conforto. Ou posso ficar im pressionada pela postura corporal da
criança ao fa la r, e concentro a atenção neste fato.
Quando estou com crianças que revelam algum tipo de per­
turbação, se i que ex iste algum a disfunção no equilíbrio e no fluxo
do organism o total, na pessoa. F azer terapia pode ser descrito
como voltar para localizar e restaurar a função mal colocada.

72
0 desenvolvim ento e crescim en to norm al de uma criança é
parte essen cial do meu modelo de trabalho. A criança de colo está
muito em contato com os seus sentidos: ela s e deleita em sua
nova consciência de cheiro, som , luz, cores, fa ce s, gosto e tato.
E la se delicia na sua sensoriedade, e nela floresce. Em breve o
bebê toma con sciên cia do seu corpo e aprende que pode tocar,
alcan çar, agarrar, soltar. E le m exe a s pernas, os braços, e d es­
cobre o domínio e o controle. Enquanto seu s sentidos e seu corpo
vão alcançando novos cum es de consciência, o m esm o s e dá com
os seu s sentim entos. E le não fa z nenhum a força para ocultá-los;
expressa-os plenam ente. Quando um a crian ça pequena está brava,
nós o sabem os. Quando está contente, nós o sabem os. Sabem os
quando está m agoada, assustad a, calm a ou satisfeita . E la já des­
cobriu que aq ueles sons que ouviu, e depois fez, tinham sig n ifi­
cado, que podia com eçar a se com unicar verbalm ente com os
outros de modo a tornar conhecidas as su as necessidades: inicial­
m ente através de sons, depois palavras, e depois sen ten ças, à
m edida que o seu intelecto se d esen volve ela com eça a expressar
curiosidade, pensam entos, idéias. Durante todo e sse tem po seus
sentidos e sentim entos corporais estão atingindo níveis cada vez
m ais sofistica d o s de desenvolvim ento. O bebê não tem problem as
de auto-estim a até aqui; ele sim plesm ente é. E le é em todos os
sentidos um ser existen cial.
O desenvolvim ento sadio, contínuo dos sentidos, do corpo, dos
sentim entos e do intelecto da criança constitui a base subjacente
do sen so de eu da crian ça. Um sen so de eu forte contribui para
um bom contato com o m eio am biente e com as pessoas d esse
m eio am biente.
As crianças logo aprendem que a vida não é perfeita, que
vivem os num mundo m uito caótico, um mundo de dicotom ia e con­
tradição. M ais ainda, os pais que estã o criando seu s filhos têm
eles próprios as su as dificuldades p esso a is a enfrentar. As crian­
ças aprendem a enfrentar e com pensar. M uitas se saem bastante
bem no viver, no crescer e aprender. M uitas não.
P en so que a m aioria das crianças consideradas necessitadas
de ajuda possuem um a coisa em com um : algum a deficiên cia em
su as fu nções de contato. Os instrum entos de contato são olhar,
falar, tocar, escu tar, m over-se, cheirar e sentir o gosto. Crianças
com problem as são incapazes de fazer bom uso de um a ou m ais
de su a s fu nções de contato ao se relacionarem com os adultos de
su as vidas, com outras crianças ou com o am biente em geral.
A form a com o fazem os uso de n ossas funções de contato evidencia
a força ou fraqueza rela tiv a que sentim os. Um a vez que um senso
de eu forte predispõe a um bom contato, não é de adm irar que
quase toda crian ça que atendo em terapia não pense muito bem
de si m esm a, em bora possa fazer tudo ao seu alcan ce para manter

73
e ste fato oculto. C rianças pequenas não jogam a culpa de seus
problem as sobre os pais ou o mundo exterior. E las im aginam
que elas próprias são m ás, que fizeram algo errado, que não são
suficientem en te bonitas ou inteligentes. E no entanto, em algum
n ível, e x iste uma vontade muito forte de sobreviver, de ultra­
p assar. Ainda ex iste algo do bebê original que não foi esm agado.
D e algum a m aneira a s crianças se protegem . Algum as se
retraem para não serem feridas. Algum as criam fan tasias para
s e entreterem e tornarem suas vidas m ais fá ce is de serem vividas.
A lgum as brincam -trabalham -aprendem (pois tudo está ligado)
com o s e nada im portasse, deixando de fora o que é doloroso.
Algum as se protegem querendo aparecer; estas são as que rece­
bem m ais atenção, o que freqüentem ente tende a reforçar o com ­
portam ento m ais detestado pelos adultos.
As crian ças fazem o que podem para ir em frente, para sobre­
viver. A investida das crian ças é em direção ao crescim ento. Em
fa c e de ausência ou interrupção no funcionam ento natural, elas
adotam algum com portam ento que parece servir para fazê-las
avançar. E las poderão agir de modo a g ressivo, hostil, irado, hipe-
rativo. P oderão s e recolher para mundos de sua própria criação.
P oderão falar o m ínim o possível, ou talvez nada. Poderão vir a
ter m edo de todo mundo e de tudo, ou de algum a coisa em parti­
cular que a feta a sua vida e a todos com ela envolvidos. Poderão
se tornar exagerad am en te solícitas e "boazinhas". Poderão se
apegar de form a irritante aos adultos em suas vidas. Poderão
fazer x ix i na cam a, cocô nas ca lça s, ter asm a, alergias, tiques,
dores de barriga, dores de cab eça, acidentes. Não há lim ite para
o que a criança pode fazer na tentativa de atender as suas
n ecessid ades.
Quando a criança se torna adolescente, estes com portam entos
podem se tornar m ais exagerad os, ou se transform ar em com por­
tam entos novos tais com o sedução e prom iscuidade, uso e x cessiv o
de álcool e outras drogas. D ebaixo destas tentativas de lidar com
o mundo existem sem pre n ecessid ades não-satisfeitas que resu l­
tam numa perda do sen so de si próprio.
Às vezes a criança funciona na vida com idéias que não lhe
pertencem , que não são dela. Com m uita freqüência as crianças
crescem acreditando no que ouvem acerca de si próprias, engo­
lindo toda inform ação fa lsa a seu respeito. Por exem plo, uma
criança poderá acreditar que é estúpida porque o seu pai, numa
hora de raiva, a cham ou de estúpida por causa da sua própria
frustração. Ela poderá captar algum a m ensagem subjacente, não
dita, de que é d esajeitada porque os pais riem dela quando deixa
cair algo, ou estão continuam ente im pacientes com suas dem o­
radas ten tativas de fazer as coisas. As crianças am iúde assum em
e põem para fora as característica s e d escrições que absorveram

74
dos outros. O m eu d ever, então, com o terapeuta, é ajudar a cri­
ança a separar-se destas a v a lia çõ es externas e autoconceitos
errôneos, auxiliando-a a redescobrir o seu próprio ser.
A ssim , sem pre que trabalho com um a criança, adolescente,
ou, em vista disso, um adulto, sei que precisam os voltar e relem ­
brar, recuperar e renovar, fortificar algo que uma vez a criança
tev e com o bebê, m as que p arece ter perdido. À m edida que os
seu s sentidos despertam , que com eça a conhecer novam ente o seu
corpo, ela pode reconhecer, aceitar e exp ressar os seus sentim en­
tos perdidos. Aprende que pode fazer escolh as e verbalizar seus
desejo s, n ecessid ad es, pensam entos e idéias. Ao a p ren d er.e a c e i­
tar quem ela é, na sua individualidade diferente de você, ela
estará em contato com você, e você o saberá. E ela pode fazer
isso, tenha 3 ou 83 anos de idade.
Eu trabalho para construir o senso de eu da criança, para
fortalecer as funções de contato, e para renovar o seu próprio
contato com seu s sentidos, sentim entos e uso do intelecto. Ao fazer
isso, os com portam entos e sintom as que ela tem utilizado para a
exp ressão e crescim en to m al dirigidos freqüentem ente caem por
terra sem que ela tenha plena con sciên cia de que su a conduta
está mudando. A sua con sciên cia é redirigida para a percepção
sadia de su a s próprias funções de contato, seu próprio organism o,
e desta m aneira, em direção a com portam entos m ais satisfatórios.
O bebê se d esen volve através do experienciar. A consciência
está tão ligada ao experienciar que são um a coisa só. Igual­
m ente, quando a criança em terapia e x p e r ie n c ia os seu s sentidos,
o seu corpo, os seu s sentim entos, e o uso que pode fazer do seu
intelecto, ela recupera um a postura sadia frente à vida.
Então proporciono à criança o m áxim o p ossível de experiência
nas áreas em que m ais n ecessita. E quando posso, encorajo-a a ter
p resente o seu p rocesso de experienciar. Quando peço a uma
crian ça uma fr a se para escrever junto ao seu desenho, que resu­
ma a sua posição, esta fr a se é um a afirm ação da sua consciência.
Quando digo: “V ocê algum a vez s e sen te a ssim ?” em resposta
a um a rosa que caiu da roseira e e stá m orrendo, ou “ Isso tem a
ver com a su a v id a ? ” em resp osta a uma estória acerca de um
urso que está à procura de sua m ãe, estou buscando uma con s­
ciên cia exp lícita. T al consciência fa cilita de fato a m udança, à
m edida que se d esen volve a consciência da criança, podemos
com eçar a exam inar as opções e escolhas disponíveis, experim en­
tar novas form as de ser, ou lidar com os tem ores que a criança
tem ocultos, que a im pedem de fazer novas escolhas que pode­
riam m elhorar a sua vida.
Em algum as das historietas d este livro eu digo: “N ão sei real­
m ente o que acon teceu” . Eu, sim , se i que a criança experienciou
algo com igo e então sentiu-se m elhor — freqüentem ente sem qual­

75
quer afirm ação exp lícita de com preensão ou consciência. Com
uma crian ça fiz um bebê com um punhado de argila, disse-lhe
que era ela , e fiz de conta que esta v a dando um banho. A criança
sentiu-se feliz e sa tisfeita , e naquela noite d isse à sua m ãe que
queria com eçar a tom ar chuveiro. (A ntes ela se recusava a tomar
banho ou chuveiro.)
Se esta criança tiv e sse dito: “ Tenho consciência de que sinto
falta de ser tratada com o bebê de novo, agora que o m eu irmão-
zinho está aí, e não vou tom ar banho enquanto alguém não reco­
nhecer isto ” , eu provavelm ente teria “ entendido o que aconteceu” .
Tudo que sei é que pude dar à criança uma experiência sa tisfa ­
tória que lhe perm itiu sentir-se segura o suficiente para dar com
facilidad e outro passo pequeno rumo ao crescim ento.
Se você m e acom panhou nesta discussão, poderá dizer: “Muito
bem, estou disposto a uma tentativa neste sentido. O que faço a
seg u ir? ” O im portante é o com o. Como construím os o senso de
eu da criança, com o fortalecem os as suas funções de contato, como
renovam os o seu próprio contato com os seus sentidos, com seu
corpo, com seu s sentim entos e com sua m ente? Como ajudam os
a criança a e x p e rie n c ia r os seu s sentidos, o seu corpo, seu s sen ti­
m entos, o uso do seu intelecto?
A resposta a esta s perguntas pode parecer muito sim plista,
m as devo advertir você de que e ste livro não pretende ser utili­
zado como manual de reparos. R ecordo-m e do meu trabalho em
esco la s, auxiliando crian ças a superar as su as incapacidades de
aprendizagem . E xiste um trabalho bom, feito por pesquisadores,
delineando os problem as que m uitas d essas crianças tem com as
áreas de percepção. Algum as crianças têm dificuldade na d ife­
renciação figura-fundo, e são incapazes de apontar uma letra
ou palavra num mar de letras c palavras. Algum as têm problem as
visuais direcionais que fazem com que as letras b e d, ou as
p alavras ora e aro, pareçam iguais. T em -sc inventado jogos e
ex ercícios m aravilhosos que auxiliam a corrigir estas deficiências,
e fortalecer áreas em que as crianças estão fracas. A ssim , p as­
sam os horas com a criança, ajudando-a a separar cubos verm e­
lhos de cubos de outras cores, e separar quadrados de triângulos
e círculos, no sentido de aprim orar sua habilidade de d iscerni­
m ento entre figura e fundo. A criança torna-se adepta disso depois
de m uita prática, m as freqüentem ente ainda não sab e ler. É que
não é tão sim ples assim .
Quando dou su gestões para aprim orar os sentidos, não estou
querendo insinuar que logo que a criança seja capaz de discernir
entre co isa s m oles e coisas duras, ou notas altas e notas b aixas,
ela se sentirá repentinam ente melhor em relação a si própria e
mudará o seu com portam ento. C rianças sã o criaturas com plicadas
e m uitas coisas ocorrem sim ultaneam ente. Por exem plo, ofere­

76
ce-se a uma criança a pintura com os dedos para que ela expe-
rien cie e fortaleça o seu sentido do tato. A fluidez da pintura e a
percepção sensual da m esm a, bem com o o sim p les prazer pro­
porcionado pela atividade, abrem a crian ça a com partilhar alguns
sentim entos profundos: isto lev a à conversa sobre algum pro­
blem a da sua vida, que por sua vez lev a a uma discussão das
opções que tem para resolver aqueles problem as. Ou talvez não
acon teça nada disto. A criança poderá talvez pintar com os dedos,
perm anecendo em silên cio durante toda a sessã o . Ou talvez rejeite
a idéia em si de pintar com os dedos, julgando-a infantil. O tera­
peuta d eve esta r intim am ente sintonizado com a crian ça na form a
com o esta responde à atividade, no sentido de reconhecer o. fluxo
e reflu xo no p rocesso da m esm a. O terapeuta d eve m over-se
ju n to c o m a criança no sentido de saber quando falar e quando
perm anecer em silêncio.
Em outra parte deste livro dou m uitos exem plos de técnicas
para o ferecer à criança experiên cias sen soriais, corporais, ver­
b ais, in telectuais e de sentim entos. E stas idéias devem abrir a
im aginação do terapeuta para as infinitas possibilidades criativas.
Ao trabalhar com uma crian ça em esp ecial, não m e é muito difícil
decidir qual a técnica n ecessá ria . Quando passo a conhecer a
criança, tudo cai no seu devido lugar. Com freqüência é a própria
crian ça quem m ostra o que p recisa, pela própria atividade que
escolh e. E à s vezes m ostra exatam en te o que precisa pela r e sis­
tên cia que tem a uma determ inada atividade.
D evo dizer que à s vezes me preocupa o papel da intervenção
terapêutica com crian ças. E starei trabalhando de modo a fazer
com que elas se com portem de um modo que m uitas vezes é con­
traditório com o se u próprio m eio cultural e com suas exp ecta­
tivas? Ou estarei subjugando o seu próprio crescim ento e auto­
d eterm inação para ajudá-las a ajustar-se a uma situação inumana,
varrendo os problem as para baixo do tapete? P reciso lem brar a
mim m esm a que a minha tarefa é ajudar a s crianças a sentirem -
s e fortes dentro de si próprias, ajudá-las a ver o mundo à sua
volta tal com o ele realm ente é. Quero que ela s saibam que têm
escolh as quanto à form a de viver po mundo, e com o reagirão
a ele, com o o m anipularão. Não posso ter a presunção de fazer
e sta escolha por e la s. P o sso apenas fa zer a minha parte para
lh es dar a força n ecessária para fazerem as escolh as que qui­
serem fazer, e saberem quando as escolhas são im possíveis. P r e ­
ciso ajudá-las a saber que não podem assum ir a responsabilidadje
por escolh as que não existem para ela s. Ao ficarem m ais velhas
e m ais fortes, sendo capazes de ver a si próprias em relação ao
mundo com m ais clareza, poderão talvez determ inar-se a modi­
fica r estruturas socia is que as im pedem de fazer os tipos d.e
escolha que n ecessitam .

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Há certos fundam entos básicos que qualquer pessoa que tra­
balhe com crianças precisa: gostar de crian ças, estab elecer com
elas um a relação de aceitação e confiança, conhecer algo acerca
de com o as crianças se desenvolvem , crescem e aprendem , e com ­
preender as questões im portantes que correspondem a fa ix a s etá ­
rias esp ecífica s. D eve-se estar fam iliarizado com os tipos de
dificuldades de aprendizagem que afetam a s crianças, não só
bloqueando o cam inho da aprendizagem , como m uitas v ezes cau ­
sando efeitos colaterais em ocionais. Creio que se deve ter a
habilidade de ser direto sem ser invasor, de ser leve e delicado
sem ser dem asiadam ente passivo e não-diretivo.
P en so que algucm que trabalhe com crianças p recisa saber
algo sobre os funcionam entos dos sistem as fam iliares, e ter cons­
ciên cia das influências am bientais que agem sobre a criança —
lar, esco la , outras instituições com as quais a criança possa estar
envolvida. P en so que, se deve estar fam iliarizado com as ex p ec­
tativas culturais depositadas na criança. D eve-se acreditar firm e­
m ente que cada criança é uma pessoa única e digna, com todos
os direitos hum anos. D eve-se estar à vontade com o uso de boas
técn icas b ásicas de aconselham ento, tais com o a escuta refletiva,
bem com o técn icas de com unicação e resolução de problem as.
Creio essen cia l ser aberto e honesto com a criança. E é preciso
ter sen so de humor, para perm itir a m anifestação da criança
brincalhona e exp ressiv a que ex iste em todos nós.
G ostaria de fazer um apelo a todos os terapeutas que têm
relutância em trabalhar com crian ças. As crianças precisam de
aliadas, e espero que m ais e m ais terapeutas que estejam inte­
ressados em hum anism o e igualdade com ecem a ver que quando
recusam crianças como clien tes, estão perpetrando uma discri­
m inação que dá continuidade à opressão sobre os jovens. As
crianças m erecem m ais.
A abordagem que apresento é controlada pelo próprio tera­
peuta. Acredito que não e x iste com o com eter um erro s e se tem
boa vontade e se evitam interpretações e julgam entos — se se
aceita a criança com respeito e consideração. Fazendo isso, você
poderá estab elecer contato com qualquer criança, e ajudá-la e fe ti­
vam ente. Dentro destes am plos lim ites, não há como falhar. As
crianças abrir-se-ão a você apenas na m edida que se sentirem
segu ras para fazê-lo.
Os pais podem usar as técn icas descritas para descobrir
com o são seus filhos, e ajudar as crian ças a descobrir com o são
os seus pais. P ro fesso res têm relatado resultados surpreendentes
depois de terem experim entado algum as destas técnicas. Pode-se
ficar em águas ra sa s ou aventurar-se em locais m ais profundos
dependendo do treino e habilidade de cada um.
Em quase toda c la sse onde lecionei, alguém levanta o tem a

78
das contra-indicações, ou seja, quais sã o as coisas que você não
faria com uma criança.
A lém dos “n ã o fa ç a ” m ais óbvios que são o oposto direto dos
" fa ç a ” (não fa ça julgam entos, e tc.) tenho muito pouco a dizer
sobre e ste assunto. N ão consigo pensar numa gen eralização ab so­
luta que abranja todas as crian ças. N ão digo: “N ão use pintura
com os dedos em casos de crian ças h ip erativas” , porque eu uso,
e com resultados ex celen tes. É verdade que pode haver algum as
crian ças hiperativas que não respondam a e sta atividade. Porém
as crianças em geral lhe inform am se algum a coisa não é boa
para e la s. D ev e-se estar sintonizado com as n ecessid ad es da
criança, resp eitar as su as d efesa s, entrar no mundo dela com
delicadeza.
A lgum as p essoas têm dito: “ Bem , não se d eve utilizar a fa n ­
tasia com uma criança que v iv e só num mundo de fa n ta sia ” . Sim,
eu utilizo a fan tasia com uma crian ça d essas. Começo com ela no
ponto onde ela está, qualquer que seja . Quero estab elecer contato
com a criança, e talvez tenha que fazê-lo através da segurança
da fan tasia. C hegará uma hora em que eu a trarei delicadam ente
de volta à realidad e. Se estiv er pronta, ela m e acom panhará.
Se não estiver, não virá.
J am ais forço uma crian ça a fazer ou dizer algo que não queira
absolutam ente fazer ou dizer. Procuro evitar interpretações, de
modo que v erifico as m inhas su speitas e su posições com a criança.
Se ela não estiv er in teressad a em responder, tudo bem . N ão insisto
que ela “ a ssu m a ” algo s e sente a n ecessid ad e de m anter as coisas
protegidas em segurança.
Tam bém procuro não fa zer nada que eu não m e sinta à von­
tade para fazer, ou que não goste de fazer. Se não estiver real­
m ente disposta a jogar dam as, sugiro uma outra alternativa que
m e agrada m ais.

M ais Id é ia s p a ra F a n ta sia e D esenho

A lista a seguir contém m uitas das inspirações, m otivações,


instruções e técn icas que em prego para trazer à tona as em oções
das crian ças por interm édio do desenho e da fan tasia. Muitas
delas tam bém se prestam à pintura, argila, redação, m ovim ento
corporal e outros m eios. E sta lista de form a nenhuma esgota
todas as possibilidades; ao contrário, pretende dar apenas uma
idéia g era l dos tipos de coisas que tenho feito com as crianças,
coisa s que eu m esm a inventei, que li em algum lugar, que ouvi
falar, que pensei, ou planejei usar. A gam a de idéias é tão am pla
quanto a im aginação. Algum as delas são d escritas m ais detalha­
dam ente em outra parte do livro.

79
A presente à criança uma variedade de m ateriais para que
ela possa escolher — papéis de todos os tam anhos (pode ser papel
jorn al), can etas hidrográficas, cra yo n s, pastel, lápis de cor, um
lápis, “ pincéis atôm icos” . As crianças tam bém gostam de dispo­
sitivos. U se à s v ezes um relógio de cozinha, um cronôm etro que
pare autom aticam ente, um despertador, m arcadores de contagem ,
lista s de todos os tipos (lista de com pras, por exem plo), colares
de contas, etc. Você poderá dizer: “ Vam os olhar para esta flor
por um minuto. Eu vou m arcar o tem po pelo meu cronôm etro
autom ático e então vou lhe pedir que desenhe — não a flor, m as
com o você se sente olhando para ela ou com o se sentiu quando
eu a v isei o tempo.
V isualize o seu mundo em cores, linhas, form as e sím bolos.
V isualize com o você gostaria que o seu mundo fosse.
F a ça alguns ex ercícios de respiração; desenhe com o você
está se sentindo agora.
D esenhe: O que você faz quando está zangado. Como você
gostaria de ser. O que deixa você zangado. Um lugar que dá medo.
A últim a vez que você chorou. Um lugar que o deixa contente.
Como você s e sente n este instante.
D esenhe você m esm o: com o você é (pensa que é ), com o você
gostaria de parecer, quando for m ais velho, quando ficar velho,
quando era menor (idade esp ecífica ou não).
V olte para uma época ou para uma cena: Uma época em que
você s e sentiu com m uita vida. Um a época que você lem bra; a
prim eira coisa que aparecer na sua cab eça. Um a cena de fam ília.
O seu jantar preferido. Um a época da infância. Um sonho.
D esenhe: Onde você gostaria de estai*: um lugar ideal. O seu
lugar preferido ou um lugar de que você não gosta. Um a época
preferida ou um a época de que você não gosta. A pior coisa que
você conseguir pensar.
Olhe para isto (use uma flor, folha, concha, pintura, qual­
quer coisa ) durante dois m inutos. D esenhe os seus sentim entos.
(A juste o cronôm etro. U se tam bém uma peça m usical.)
D esenhe: A sua fam ília agora. A sua fam ília em sím bolos, como
anim ais, como m anchas coloridas. A sua fam ília com cada pessoa
fazendo algum a coisa. A parte de você de que você m ais gosta. A
parte de que você m enos gosta. V ocê por dentro, você por fora.
Como você se vê. Como os outros vêem você (com o você im agina).
Como você gostaria que eles o vissem . Um a pessoa de quem você
goste, odeie, adm ire, tenha ciúm es. O seu monstro; o seu demônio.
D esenhe: Como você faz para cham ar a atenção. Como você
consegue o que quer de diferentes p essoas. O que você faz quando
se sente deprimido, triste, m agoado, com ciúm es, sozinho, etc.
Como é a sua solidão; um sentim ento de solidão; quando você se
sen te ou s e sentiu sozinho. Um animal im aginário. Alguma coisa
que incom oda você em alguém aqui, em alguém que está perto
de você, em você m esm o, no mundo em volta de você. 0 seu
dia, a sua sem ana, a sua vida agora, o seu passado, o seu presente,
o seu futuro.
D esenhe: Linhas felizes, linhas carinhosas, tristes, zangadas,
com m edo, etc. (F a ç a sons, m ovim entos com o corpo, junto com
o desenho.) Com a m ão direita ou a esquerda.
Quando você estiv er trabalhando com alguém , peça-lhe para
desenhar uma seqüência mostrando com o se sente agora, ex a g e­
rando e sse sentim ento, esta parte do desenho, etc.
D esenhe o que você está d escrevendo ou tendo dificuldade
para descrever, em cores, form as, linhas.
D esenhe em resposta a uma estória, uma fan tasia, um poema,
uma peça m usical.
D esenhe polaridades: fra co /fo rte; con ten te/triste; gosto/não-
gosto; bom /m au; positivo/n egativo; zangado/calm o; responsá­
vel/lo u co ; sério/bobo: sentim entos b ons/sentim entos ruins; quando
você está para fora/quando você está para dentro; am or/ódio;
felicid a d e/in felicid a d e; con fian ça /su sp eita ; separado/junto; aber­
to/fech a d o ; sozinho./não-sozinho; corajoso/com medo; a melhor
parte de v o c ê /a pior parte de você, etc.
D esenhe: Quando você era criança, adolescente, com o adulto.
(P a ra adultos, três im agen s de você m esm o.) Um lugar de faz-de-
conta. O seu problem a m ais oprim ente. U m a dor física — a sua
dor de ca b eça , a sua dor de costas, o seu cansaço.
F a ça um rabisco — descubra uma figura. F aça um traço —
com plete uma figura.
A rte pré-escolar: pintura com fios, pintura com os dedos, etc.
Pintura com tinta de autom óvel (a tinta de autom óvel seca rapi­
dam ente e pode escorrer form ando lindas pinturas fantasiosas;
boa em tábuas de com pensado).
F a ç a você um desenho da criança, e diga a ela que com ente
o seu desenho.
Num grupo, form am pares e cada um desenha o outro. D e se­
nhe algo com um parceiro. Entrem em acordo quanto ao tem a:
ser ridicularizado, chateado, escolhido por últim o, etc.
D esen he um m apa rodoviário da sua vida: m ostre os lugares
bons, os lugares d ifíceis, as barreiras. F aça o m apa m ostrar onde
v o cê estev e, e aonde você quer ir. D esenh e situações e experiên­
cia s e sp ecífica s (com o você se sen te quando faz xixi na cam a).
Um grupo, uma fam ília, ou um grupo que esteja encenando
uma fam ília , pode escolh er um tem a e todos juntos fazerem um
desenho. (M antenha contato com o p rocesso e a interação.) Onde
eu estou agora na m inha vida. D e onde venho. Onde eu estava.
Aonde eu quero ir. O que está m e impedindo de chegar lá (blo­
queios, ob stácu los); o que preciso para ch egar lá. “Eu e s t a v a ...

81
m as a g o r a ...” Organize um desenho por turnos, onde cada pessoa
acrescen te algo na sua vez.
D esenhe: Como você s e sentiu ontem , hoje, agora, com o você
vai se sentir am anhã. Como é ser egoísta, estúpido, louco, feio,
m esquinho. Algum a coisa que você queira. Como você consegue
aquilo que quer. Um segredo. Como é estar sozinho. E star com
os outros: ser sério; ser bobo.
D esenhe um retrato de si m esm o exagerando com o você acha
que parece ser.
D eix e a sua m ão correr sim plesm ente sobre o papel e fazer
qualquer coisa que ela queira.
Jogue uma palavra e faça as pessoas desenharem rapidam ente
algo que represente a palavra: am or, ódio, beleza, ansiedade,
liberdade, caridade, etc. Como você se sen te com o m ulher/ho-
m em /crian ça/ad u lto/m en in o/m en in a. Como você im agina que se
sentiria se fo sse do sex o oposto?
F a ça o contorno da criança numa folha de papel grande;
faça a criança conversar com o contorno de si própria. D esenhe
a sua im agem corporal em cores, form as e linhas. Com os olhos
fechados im agine-se em frente a si m esm o.
D esenhe: você com o um anim al, e um lugar para colocá-lo.
Uma im agem da sua m ã e/p a i em cores, linhas e form as.
R ecorde-se de quando você era bem pequeno e desenhe algum a
coisa que o deixou muito feliz, excitado, que fez você se sentir
muito bem , algum a coisa que você tev e, algum a coisa que você
fez, alguém que você conheceu, algo que deixou você triste, etc.
D esenhe com o s e você tiv esse aquela idade.
D esenhe algo que você gostaria que tiv e sse acontecido quando
era pequeno.
Quando a criança fa la e algo vem à tona, peça-lhe que desenhe
essa coisa: uma dor física , um incidente, um sentim ento, etc.
D esenhe um anim al im aginário*. Seja e sse anim al — o que
ele pode fazer? Num grupo, fa ç a com que dois dos anim ais tenham
um encontro. D esenhe um anim al, ou dois anim ais, e escreva (ou
dite) três p alavras para d escrever cada um .-A gora seja o animal
e fa le sobre si m esm o.
D esenhe algo que você não gosta do que eu faço, e eu vou
desenhar tam bém . D esenhe algum a coisa que está deixando você
preocupado. D esenhe três desejos. F a ça a criança lhe dizer o que
desenhar, enquanto você desenha.
Toque o seu rosto, e depois desenhe-o.
Im agine que hoje você tem o poder de fazer qualquer coisa
que queira no mundo. D esenhe o que você faria. Se você fo sse
m ágico, onde gostaria de estar?

* V . B ib lio g r a fia — // / Ran the Zoo — S e E u D irig is se o Z o o ló g ico .

82
D esenhe um presente que você gostaria de receber, e de dar.
Quem daria esse p resente a você? A quem você daria o seu
presente?
D esenhe: algum a coisa que você gostaria de não ter feito.
Algum a coisa de que você se sen te culpado. Ou o sentim ento da
culpa. O seu poder. Algum a coisa que você p recisa abandonar.
Muitos outros tipos de coisas podem ser utilizados com o tem as
para desenhos. M uitas fan tasias, estórias, sons, m ovim entos e
visões prestam -se ao desenho. Você tam bém pode com binar poesia
e redação com qualquer um d esses tem as.
F a ça a s crian ças usarem cores, linhas, form as, curvas: traços
leves, traços fortes, traços longos e curtos; cores fortes, cores
lev es, cores claras e escuras; sím bolos, figuras.
F a ça as pessoas trabalharem depressa. Se você notar um
certo padrão repetido, faça com que experim entem com o oposto
daquilo que habitualm ente fazem .

83
.
4

Fazendo Coisas

A rg ila

De todos os m ateriais que em prego com as crian ças, a argila


ò decididam ente a minha favorita. G eralm ente trabalho na argila
junto com as crian ças, e isto faz com que eu m e sinta bem e
relaxada. A flexibilidade e m aleabilidade da argila adaptam -na às
n ecessidad es m ais variadas. Considerem os suas qualidades: ela
é m aravilhosa porque é m ole, m acia, sensual e faz sujeira, sendo
atraente para qualquer idade. P rom ove a m anifestação ativa de
um dos processos internos m ais prim ários. Proporciona a oportu­
nidade de fluidez entre m aterial e m anipulador com o nenhum
outro. É fá c il tornar-se uno com a argila. E la o ferece tanto ex p e­
riência tátil quanto cin estésica . M uitas crianças com problem as
m otores e perceptuais n ecessitam deste tipo de experiência. Ela
aproxim a as p esso a s de seus sentim entos. T alvez por causa da
sua fluidez, ocorre a união entre o m eio e a pessoa que o usa.
Freqüentem ente ela parece penetrar na arm adura protetora, nas
barreiras da crian ça. P esso a s muito distanciadas do contato com
seu s sentim entos e que continuam ente bloqueiam sua expressão,
geralm ente estão fora de contato com seus sentidos. A qualidade
sensual da argila m uitas vezes o ferece a essa s p essoas uma ponte
entre seu s sentidos e seu s sentim entos. A criança ag ressiv a pode
usar a argila para bater e socar. C rianças zangadas podem d es­
carregar sua raiva na argila de num erosas m aneiras.
Aqueles que estão inseguros e tem erosos podem ter uma sen ­
sa çã o de controle a dom ínio através da argila. Ela constitui um
m eio que pode ser “ desm anchado” e que não tem regras esp e­
cífic a s, definidas para o seu uso. É bastante difícil com eter um
"erro” ao trabalhar com argila. C rianças que precisam forta­
lecer a sua auto-estim a experienciam um sen so incom parável de

85
si próprias atra v és do seu uso. É o m ais vívido de todos os m eios
de exp ressão, pois perm ite ao terapeuta observar o processo das
crian ças. O terapeuta pode realm ente ve r o que se p assa com a
criança observando a form a com o ela trabalha com a argila. E sta
constitui um bom elo de ligação com a exp ressão verbal para
crianças que não falam . E proporciona às crianças altam ente
verbais, inclusive aquelas que os pais e professores acusam de
falar em dem asia, um m eio de expressão que se a fasta do am on­
toado de palavras. A argila ajuda as crianças a cultivar e sa tis­
fazer a sua curiosidade em torno do sexo e das partes e funções
corporais. A criança pode ter prazer no uso da argila com o uma
atividade solitária, e o trabalho com argila pode ser tam bém uma
atividade altam ente so cia l. As crianças m antêm conversas m ara­
vilhosas entre s i durante uma atividade não-dirigida. Com fr e ­
qüência interagem num nível a té então desconhecido, partilhando
pensam entos, idéias, sentim entos e experiências.
Algum as p essoas sentem -se repelidas pela sujeira da argila.
Na verdade, trata-se do m ais limpo de todos os m ateriais de arte,
depois da água. Ela seca transform ando-se numa cam ada de
poeira fina e pode-se lim par facilm ente as m ãos, roupas, tapetes,
pisos, m esas — lavando, escovando, rem ovendo ou tirando com
aspirador de pó. A argila possui propriedades curativas. E scu l­
tores e ceram istas têm observado que os cortes cicatrizam m ais
depressa se deixados expostos durante o trabalho com a argila.
A m aioria das crianças aceita prontam ente o m aterial, embora
ocasionalm ente s e possa ver uma criança receosa da m assa m olha­
da e “su ja ” que a argila lhe representa. E ste fato, por si só, já
conta ao terapeuta m uita coisa sobre a criança e constitui uma
direção proveitosa a ser seguida em terapia. Certam ente existe
um elo direto entre a com pulsão de lim peza da criança e seus
problem as em ocionais, e isto pode não ficar óbvio com nenhum
dos outros m ateriais apresentados a ela. Eu trabalharia delicada­
m ente, voltando a introduzir a argila aos poucos após a resistência
inicial. E sta criança, com muita freqüência, ao m esm o tempo que
se sente repelida, sen te-se fascinad a, e com eça a se envolver
cautelosam ente.
Quando trabalho com crian ças que retêm a sua evacuação ou
que sujam as ca lça s, em prego argila. Um m enino de nove anos
adorava deixar a argila bem mole e m olhada, deleitando-se em
derram ar água sobre ela e em cavid ades que ele m esm o fazia.
Então, de repente, sem aviso, parecia que algo se passava dentro
dele, ele se a fa sta v a de um salto, ficando tenso e m e informando
que tinha acabado de brincar com a argila. Por longo tem po foi
incapaz de com unicar abertam ente quais sentim entos, pensam en­
tos e recordações lhe ocorriam naquele instante em que deixava
o m aterial de lado. Então, um dia ele falou do seu fascínio pelo

86
seu próprio cocô. Contou-me que certa vez, quando tinha cerca
de quatro anos, lem brou-se de querer sentir a consistência daquele
m aterial que ele próprio havia fabricado, enfiando a mão na
privada; foi fortem ente im pedido pela sua m ãe, que lhe passou
um severo serm ão. D epois fez outras ten tativas de tocar aquela
coisa, m as era tão consum ido pela vergonha e pela culpa que
cessou essa atividade proibida. E ste incidente em si pode ou não
ter provocado os seu s problem as intestinais, m as certam en te foi
um fator im portante. Após com partilhar esta lem brança (que pode~
ter vindo à tona apenas com o resultado do seu contato com a
arg ila ), e le passou a sentir-se muito m ais à vontade com o m ate­
rial de trabalho, e m ais relaxado de m aneira geral. Esta rela­
xação o ajudou a trabalhar no sentido de abrir-se a outros m eios
de expressão, e e le veio a ganhar um controle normal sobre seu s
intestinos.
Acho que as crianças m uitas vezes têm um repertório lim i­
tado do que fa zer com argila. D ê a uma criança um punhado
de argila e in evitavelm en te ela fará um cinzeiro, ou uma tigela,
ou talvez uma cobra. Quanto m ais experiência a criança possui
com a surpreendente flexibilidade e versatilidade deste m eio,
maior a sua oportunidade de expressão. P en so que é útil fornecer
uma caixa de " ferram en tas” para serem usadas com argila: uma
m arreta de borracha (e sse n c ia l), em cortador de queijo, uma esp á ­
tula, um am assador de alho, um ralador ou cortador de comida
(m anu al), um lápis para fazer furos, um am assador de batata,
etc. Estou sem p re à procura de outros utensilios interessantes,
que podem ser tirados da cozinha, das ferram en tas, de qualquer
lugar. Quanto m ais distante o utensílio (isto é, não especificam ente
destinado a ser usado com a rg ila ), melhor.
N ão tem im portância onde trabalham os. Às v ezes a criança
sen ta-se junto a uma m esa, usando a argila sobre uma prancha
grossa (com o uma tábua de carne, por exem plo). Às vezes pega­
mos a prancha e sentam os no chão. F icar sentado ao ar livre é
delicioso. Quando uso a argila em grupos geralm ente ficam os sen
tados em roda, no chão, e dou a cada criança um prato de p ap e­
lão bem grosso (que dura m uitas v e z e s), e trabalham os sobre
jornal. F orneço toalhas de papel e toalhinhas úm idas para fa c i­
litar qualquer ansied ade em relação à sujeira. P equenas vasilhas
de água são im portantes para molhar a argila, am olecer certas
áreas, ou sim p lesm en te derram ar sobre o m aterial.
Com freqüência fa ço o segu in te ex ercício para dar às crianças
experiência nas inúm eras coisas que podem ser feitas com argila:
"F eche os olhos enquanto fazem os isso. Note que com os seus
olhos fechad os, as suas m ãos e dedos são m ais sen sív eis à argila,
e podem senti-la m elhor. Quando os olhos estão abertos eles podem
atrapalhar o seu modo de sentir a argila. Experim ente dos dois

87
jeitos para verificar. Se você de vez em quando sentir necessidade
de dar uma olhadela, tudo bem ; depois, fech e os olhos de novo.
F ique um m om ento sentado com as m ãos sobre o monte de argila.
Dê um as respiradas bem profundas. (Eu trabalho junto, com um
pouco de argila, enquanto dou as instruções, para ter um senso
de tem po.) Agora siga as m inhas instruções.
“ Sinta o m onte de argila como ele é — fique am igo dele. Ele
é liso? Áspero? Duro? Mole? Ondulado? Frio? Quente? Molhado?
Seco? Agora pegue-o e segure-o. E le é leve? P e sa d o ? . . . Agora
quero que você o coloque de volta e o belisque. U se as duas m ãos.
B elisque d e v a g a r ... Agora m ais d e p r e s s a ... D ê beliscões grandes
e belisca d ela s pequenas. F a ça isto por algum te m p o ...
“ Agora aperte a sua a r g ila ... Agora alise. U se os dedões, os
outros dedos, as palm as das m ãos, as costas das m ãos. D epois
de alisar sinta os lugares que você a lis o u ... Junte tudo form an­
do uma b o la ... Dê um soco n e la ... Se ela se achatar, junte de
novo e dê outro s o c o ... Experim ente com a outra mão ta m b é m ...
Junte tudo e a c a r ic ie ... D ê um as p a lm a d in h a s.. . U m as batidas
m ais f o r t e s ... Sinta o lugar m ais liso que você fez depois de
b a t e r ...
“ Junte tudo. R asgue. R asgu e pedacinhos pequenos e pedaços
g r a n d e s ... Junte tudo. P egu e e jogue no chão. P ara isso você
vai ter que e s p ia r ... F a ça outra vez. Com m ais força. F aça um
barulho forte. Não tenha m edo de bater COM F O R Ç A ...
“ Agora junte tudo d e n o v o ... F a ça furinhos com os d e d o s ...
U se um dedo e ca v e um buraco na a r g ila ... F aça m ais alguns
b u r a c o s ... F a ça um buraco até chegar ao outro lado. Sinta as
paredes do buraco que você f e z . . . Junte tudo e procure fazer
linhas de saliên cias e buracos com os dedos e as unhas, e sinta
o que você f e z . .. E xperim ente as juntas dos dedos, a parte dura
da m ão perto do pulso, a palm a — diferentes partes da m ão. Veja
o que você consegue fazer. T alvez você queira até m esm o tentar
os co to v elo s. . .
“ Agora destaque um pedaço e fa ça um a cobra. E la vai ficando
cada vez m ais fina e com prida à m edida que você continua rolan­
do. Ponha e ssa cobra em volta da sua outra m ão ou de um dedo.
Agora pegue um pedaço e role entre as palm as das m ãos, e faça
uma bolinha. Sinta e ssa b o lin h a ... Agora junte tudo de novo.
Fique m ais uma vez sentado por um mom ento com as duas mãos
em cim a do seu pedaço de argila. Agora você já o conhece
bastan te bem .”
Quando as crianças fazem e ste exercício pela primeira vez em
grupo, há muito risinho e falação. Eu falo baixinho, quase conti­
nuam ente, dando instruções, e em pouco tem po as crianças ficam
quietas, concentrando-se em m e escu tar, muito envolvidas e em
contato com a argila.
Depois conversam os sobre a exp eriên cia. “Do que foi que você
m ais gostou? O que você detestou?” à s vezes exploro m ais o que
eles gostaram ou não gostaram . Um menino responde: “ Adorei
beliscar a argila. Eu não queria p arar.” Eu disse: “ F aça isso
agora — belisque. Em que você pensa enquanto está fazendo isso?
V ocê tem algum a lem brança rápida, ou você s e recorda direito
de algum a coisa, ou com o você s e se n te ? ” O m enino diz: “ Estou
beliscando a minha irm ã. Eu gostaria de ficar beliscando um
tem pão. E la ia d etestar. Eu não posso bater nela. Meu pai uma
vez m e bateu com o cinto porque bati na minha irm ã. E le diz
que eu não posso bater nela porque ela é m ulher. E ntão ela fica
m e provocando e m e deixa louco da vida, e à s vezes m e belisca,
e eu fico com vontade de m atar a m inha irm ã, m as ela sab e que
eu não posso tocar n e la !” E le sorri para todos nós enquanto
assentim os e escutam os.
E então ele prossegue: “ Na verdade ela não é tão ruim o
tempo todo — eu tenho esse jogo que eu ensinei a jogar e é diver­
tido jogar com ela de noite quando não podem os sa ir .” Talvez em
outra ocasião venham os a lidar com outras partes de seu s com en­
tários, tais com o o fato de o pai surrá-lo com um cinto, e atitudes
que estão se form ando dentro d ele em rela ção às m eninas.
Outra crian ça diz: “ Eu gosto de a lisar a a r g ila .” P eço-lhe que
fa ça isto outra vez. E la diz: “É com o acariciar o meu gato. Eu
gosto de acariciar o meu g a to .” E la continua alisando. “Lembro-
me que à s v ezes ia para a cam a da m inha m ãe e ela m e abraçava."
(Sua m ãe havia m orrido no ano anterior.) “ V ocê deve sentir muita
falta d ela” , digo eu. “ Sim ” , diz ela, “ sinto m uita fa lta . Eu achava
que não ia conseguir viver sem a minha m ãe. Como é que eu
podia viver sem uma m ãe para tom ar conta de mim? M as a gente
está conseguindo. Eu posso fazer m uita coisa para ajudar. Nós
conversam os sobre isso na fam ilia. M as é claro que às vezes eu
sinto muito a fa lta dela. M as às vezes eu a té esqueço d isso !”
O casionalm ente é divertido tocar m úsica enquanto as crianças
exploram a argila sozinhas. Ou bater num tam bor em vários ritm os
enquanto ela s fazem furos, beliscam e batem na argila acom pa­
nhando a minha cadência.
M uitas vezes trabalho com argila da m esm a m aneira que
trabalho com outros m ateriais de arte. “ F ech e os olhos e penetre
no seu espaço. Sinta a su a argila com as m ãos durante alguns
segundos. R esp ire fundo algum as vezes. Agora eu gostaria que
você fizesse algum a coisa com a su a argila, m antendo os olhos
fechados. Sim plesm ente deixe os dedos s e m overem . Veja se a
argila quer seguir o seu próprio cam inho. Ou talvez você queira
que ela acom panhe você no seu cam inho. F a ça um a form a, algo
qualquer. Se você tem em m ente algum a coisa que quer fazer,
fa ç a com os seu s olhos fechados e veja o que acontece. Ou sim-

89
plesm ente m ova a argila daqui para lá. D eixe que você tenha
uma surpresa. V ocê terá apenas alguns m inutos para fazer isso.
Quando tiver acabado, abra os olhos e veja o que fez. Você pode
adicionar alguns toques de acabam ento, m as não mude a form a.
Olhe de novo. Vire e olhe a sua form a de diferentes lados e
ân gulos.”
Eis alguns exem plos dos resultados deste últim o exercício,
tirados de um sessã o de grupo. As crian ças foram solicitadas a
descrever o seu objeto de argila com o se elas próprias fossem o
objeto: “S e ja e ste pedaço de argila — você é a a rg ila .”
Jim m y, 11 anos: Eu sou um cinzeiro. Tenho um fundo m ole
e uma parte m ais alta em volta. Tenho dois lugares de cada lado
para colocar os cigarros. Tenho alguns lugares duros e uns riscos.
Jim m y, quem usa você? /'
Jim m y: O m eu pai.
B em , com o ele usa você?
Jim m y: Ele deixa cair cinzas em mim e então am assa os
cigarros para apagar. (Jim m y fica silencioso ao olhar para o seu
pedaço de argila.)
(B em baixinho): Isto com bina de algum a forma com a sua
vida de Jim m y?
Jim m y: (Olha para mim, erguendo a voz) Sim! É isso que
ele faz com igo. Ele m e am assa — ele m e esm aga como um
cigarro.
V ocê gostaria de dizer m ais algum a coisa sobre isso para nós?
Jim m y faz que sim e com eça, pela prim eira vez no grupo,
a nos contar acerca do seu relacionam ento com o pai, e seus sen ­
tim entos de não ser com preendido. E le com eça a chorar. As outras
crianças entram delicadam ente na discussão, partilhando algum as
de su as próprias experiências, dem onstrando uma com preensão
genuína daquilo que Jim m y está experienciando. A certa altura,
quando julgo ser um momento bom para term inar o foco de aten­
ção sobre Jim m y, agradeço-lhe por ter com partilhado conosco os
seu s sentim entos e se i, pelo olhar calm o do seu rosto, que ele deu
m ais um passo rumo a um ser inteiro e maduro. E sta sessão
com argila abriu a porta para sessõ e s posteriores, nas quais
Jim m y foi capaz de expressar grande parte da sua raiva em
relação ao pai, falar de com o segu rava sua raiva, exam inar algu­
m as das form as pelas quais ele na verdade m anipulava o pai
de modo a deixá-lo zangado, o que queria do pai, e assim por
diante.
Sheila, 11 anos: Eu sou um sol. Eu sou achatado. Tenho dois
olhos e m arcas em toda a minha cara. Eu gosto do sol porque
ele é quente e faz as coisas brilharem .
V ocê pode dizer “ de m im ” em vez de “ do so l” , e dizei isso
outra vez?

90
Sheila: Eu gosto de mim porque sou quente e faço as coisas
brilharem , e tenho um rosto sorridente.
Alguma coisa disso que você falou com o sol tem a ver com
você — Sheila?
Sheila: Bem , às vezes eu posso fazer as co isas — as p essoas —
se sentirem quentes. Às vezes eu m e sinto quente e brilhante.
Agora eu estou sorrindo e m e sinto bem . (Um sorriso largo. De
repente Sheila s e curva, a fa sta o olhar de mim e dos outros, perde
o sorriso.) Eu não sorrio sem pre! N a maior parte do tem po eu
nunca tenho vontade de sorrir.
Uma das outras crianças pergunta a Sheila que tipos de coisas
fazem com que ela não tenha vontade de sorrir. E la conta alguns
dos conflitos da sua vida com am igos, professores, irm ãos e pais.
Todo mundo escuta atentam ente. Então eu lhe pergunto quais
sã o algum as das co isa s que a fazem sorrir com o o seu sol. Ela
olha em volta, para nós, colocando-se de volta na sala e nos seus
sentim entos bons, e sorri largam ente outra vez: "Eu m e sinto
feliz quando sou o so l” , ela diz dando risadinhas.
Sheila tem m uitos conflitos na vida. P reocupa-se um bocado
com tudo, sem pre esperando o pior, uma vez que com o pior ela
já está fam iliarizada. E la está agora aprendendo a perm itir-se
o prazer das coisas boas na sua vida, em vez de arruinar essas
coisas boas com previsões m elancólicas. E stá aprendendo a lidar
com seu s verdadeiros conflitos. E stá descobrindo que na sua
existên cia ela não é apenas uma vítim a indefesa. E stá desco­
brindo o conceito das polaridades da vida e de si própria, que
se algum as v ezes ela se sen te triste ou zangada, pode aceitar e
experienciar estes sentim entos sabendo que outras vezes sentir-
se-á calm a e feliz. Ela está se perm itindo experienciar seus
m om entos alegres bem com o os m om entos infelizes, sem medo.
Joe, 12 anos: Eu não fiz nada.
Eu vejo que você tem uma coisa aí — a sua argila. Eu g o s­
taria que você a d escrev esse, exatam ente com o ela é.
Joe: (olhando para o seu pedaço d e argila por um m om ento).
Eu sou um m onte de nada. E é d esse jeito que eu m e sinto a maior
parte do tem po — um m onte de nada.
E agora?
Joe: E agora eu me sinto um monte de nada.
V ocê sen te que não tem muito valor.
Joe: Isso m esm o, eu não tenho m esm o.
Obrigado por nos contar o seu sentim ento Joe. Eu m e sinto
muito grata por você ter feito isso.
Joe: (ligeiro sorriso) E stá bem.
O que é eviden te aqui é a pouca auto-estim a de Joe, que ele
com partilhou abertam ente conosco. Ao fazê-lo, ao nos contar sobre
a sua existên cia na vida tal com o a percebia, acredito que Joe

91
deu um passo g igan tesco rumo a uma identidade renovada. N este
ponto, o fato de e u experienciá-lo com o uma criança sim pática
pouca diferença faz; eu preciso aceitá-lo da m aneira com o ele
vê a si m esm o. D iscutir com e le a respeito das suas próprias
percepções en fraqueceria, e não fortaleceria, a sua auto-estim a.
Num a se ssã o individual, um menino de nove anos disse: "Eu
sou um pedaço de argila. O que m ais vocc quer que eu d iga?”
Conte-me com o é a sua aparência. Você é ondulado?
Doug: Bom , eu tenho um m onte de ondas, e tenho rachaduras.
Tenho um lugar para sentar. Eu pareço uma cadeira sem pernas.
O que aconteceu com a s suas pernas?
Doug: Bom , a fam ília que m e teve não m e usou direito. E les
ficavam pulando em cim a de mim, e quebraram as m inhas pernas.
E aí, o que aconteceu?
Doug: E les m e jogaram fora.
E onde você está agora?
Doug: Estou no m onte de lixo. E les não m e deram para a
B en eficiên cia nem nada. E les só m e jogaram fora num monte
de lixo.
Como é estar aí no m onte de lixo? V ocê gosta de estar aí?
Doug: N ão. (A sua voz com eça a mudar — torna-se m ais
baixa, m ais su a v e.) Não, não gosto daqui.
Doug, há algum a coisa que você d isse sobre si que se rv e para
a sua própria vida?
Doug: Sim. E les tam bém podem m e jogar num monte de lixo.
Quem são “ e le s ” ?
Doug: A minha m ãe e o meu pai. E les nunca m e escutam ,
eles nunca acham bom nada que eu digo. E les não dão im por­
tância para mim. E les gostam m ais das outras crianças. E les
estão sem pre m e atorm entando. Eu estaria melhor num monte
de lixo.
A qualidade da ex p ressão de Doug nesta sessã o foi bastante
diferente de outras vezes que levantou queixas. Em vez do seu
tom usual, lam uriento ou rebelde, ele falou com profundo sen ti­
m ento. N a verdade assum iu sobre si próprio muita coisa que
percebia com o vindas de seu s pais. N as nossas sessõ es posterio­
res, d isse que realm ente sentia, acreditava, que “não prestava,
não p restava” . E le se sen tia perdido, tão insignificante na vida,
que adm itia sentim entos de querer estar morto (o que não é um
desejo tão incomum entre as crian ças pequenas). E le reagia a
estes sentim entos com um corportam ento nervoso, pobre desem ­
penho escolar, explosões de raiva em ca sa resultantes de ocor­
rências relativam ente insignifican tes, e fortes dores de cab eça.
Foi só quando os seus m ais profundos sentim entos de desespero
com eçaram a em ergir que pudem os principiar o trabalho no sen ­
tido de ajudar Doug a ter o sen so do seu próprio valor e respeito.
A lgum as das sessõ es subseqüentes com toda a fam ília tornaram -se

92
e fetiv a s e dinâm icas quando e ste s sentim entos som brios vieram
à luz.
Sem pre e sem pre volto a m e im pressionar com o excepcional
poder da argila. É como s e o sentido do tato e o m ovim ento dos
m úsculos com e contra o m ovim ento resisten te, porém flex ív el,
da argila, proporcionassem um a cesso , um a abertura para os
lugares m ais profundos. Seja a sessã o dirigida ou não-dirigida
(quer eu introduza um exercício esp ecífico , quer a criança sim ­
plesm ente brinque com a a rg ila ), algo de novo p arece vir à tona
de m aneira que a crian ça e eu podem os ver e exam inar.
É com a argila que o processo da criança se m ostra m ais evi­
dente. Enquanto a crian ça trabalha com a argila ou com partilha
a experiência que teve com o m aterial, eu a observo atenta­
m ente; presto atenção a risad as, g estos e m udanças no tom de
voz ou na postura. O corpo p arece com unicar-se através da argila;
quando recebo estas m ensagens, sei que algum a coisa está se
passando dentro da criança, algo que é im portante para ela. N estes
m om entos posso m e decidir a dizer: “ V ocê algum a vez se sente
d esse jeito?" ou “ Isso acon tece algum a vez na su a vid a?” Às vezes
e stes m om entos passam tão dep ressa que a m enos que o tera ­
peuta fique sintonizado para captá-los, o m omento fértil lhe
escap ará.
Outras perguntas que você poderá fazer são: Como você é
usado? Como você poderia ser usado? V ocê tem algum a utilidade?
V ocê é bonito de se olhar? O que acon teceu com você? E o que
aconteceu depois? V ocê é bom? V ocê é mau? Você gosta de si
m esm o com o pedaço de argila? Os outros gostam de você como
pedaço d e argila? Isto com bina de algum jeito com a sua vida?
A lgum a coisa que você d isse com o argila serve para você como
pessoa? Onde você está? E assim por diante.

O utros E x e rc íc io s com A rg ila

M antendo os seu s olhos fechados fa ç a uma form a, uma coisa


— d eix e a argila conduzir você. F a ça um anim al, um peixe, um
pássaro reais, e, depois, im aginários. F a ça algum a coisa im agi­
nária. F a ç a algum a coisa real. F ech e os olhos e visualize o seu
mundo, a sua vida. M ostre isto em argila. F a ça algo especial ou
que não seja esp ecia l. F a ça algo de outro planeta. F a ça algo que
você gostaria de ser. F aça algum a coisa de um sonho. F a ça uma
estória, uma cena com a sua argila.
F aça a sua fam ília com o gente, ou objetos, ou anim ais, ou
sím bolos. F a ça o seu problem a. F a ça a sua fam ília ideal — como
você gostaria que ela fo sse. F a ça uma im agem sim bólica de si
m esm o. M antenha os olhos fechad os, e fa ça uma im agem de si
m esm o quando você era bebê, ou quando era bem pequeno.

93
D eixe duas p essoas trabalharem juntas num m esm o monte
de argila. F a ç a duas p essoas trabalharem cada uma com seu
pedaço, m as fazendo co isa s que com binem com as coisas feitas
pelo outro. F a ça um grupo criar em conjunto uma paisagem cole­
tiva. D eixe que aconteça espontaneam ente ou discuta o tem a
antes.
Um lim ite de tem po de três minutos com qualquer um dos
tem as acim a m encionados elim ina o p erfeccionism o e m uitas vezes
oferece um resultado m ais interessante do que seria conseguido
com um tem po m ais longo.
Crianças pequenas preferem m uito m ais trabalhar com a
argila m antendo os olhos abertos. C rianças muito pequenas (com
4, 5 ou talvez 6 anos) gostam de brincar com a argila e falar,
freqüentem ente resistindo a instruções em dem asia — embora
gostem do exercício de beliscar, fazer furos, bater, etc.
Num grupo bastante pequeno de crian ças, com idades que
variavam entre 6 e 8 anos, fizem os todos juntos a escultura de
uma fam ília. P ed i à s crianças que cada uma delas m e acom pa­
nhasse na feitura de figuras que representassem a s nossas fam í­
lias. Ao conversarm os sobre cada p essoa, algum as das crianças
contaram pequenas estórias sobre uma situação fam iliar. Gail
contou com o o pai a levantava quando iam ficar juntos. E la movia
as figuras enquanto fa la v a , para grande in teresse dos outros, que
eram todos filhos de pais divorciados. Alguns deles perguntaram
se deveriam fazer os pais! Quando eu d isse que sim , Gail re s­
pondeu com um “ Que b om !” , e dedicou-se a fazer e refazer seu
pai, cerca de oito vezes, m ostrando m uita ansiedade no processo.
D epois do relato, eu disse: “ V ocê tev e dificuldade em fazer a
figura do seu pai. V ocê parece de algum modo preocupada com
e le .” E la com eçou a chorar e d isse que dificilm ente o pai vinha
vê-la.
P ed i às crianças para dizerem , uma de cada vez, algo de que
gostavam e algo de que não gostavam , a cada uma das figuras.
Na minha vez, depois de fazer o meu com entário “eu gosto” ao
meu ex-m arido, Tim disse: “ Eu esperava que você estiv esse brava!
Como você pode ser boazinha se é divorciada?” E les escutaram
fascinados enquanto eu exp licava a minha dor e m eu pesar iniciais,
e a minha presente rela çã o am igável e atenciosa com Harold.
Em outra sessã o , cada criança fez um objeto, e identificou-se
com ele, falando na prim eira pessoa — “ eu sou ” . Tim: “Eu sou
um pato que joga beisebol, (para m im :) Eu jogo bem b eiseb ol.”
Gail: “ Eu sou uma vela . Eu sou quente, clara e bonita.” (E sta
afirm ação foi seguida de um largo sorriso.)

M a ssa P lá stic a de M o d ela g em

E ste tipo de m assa, tam bém cham ada de P lastilin a, nunca

94
seca nem endurece totalm ente, e tam pouco é levada ao forno.
É difícil de ser usada quando está fria , e requer “ trabalho” com
a m ão para d eixá-la m ais m ole e m aleável. P elo fato de não
p recisar dos cuidados que a argila verdadeira requer (em balagem
molhada para evitar o endurecim ento, e tc .) é muito vantajosa
para ser levada de um lugar a outro e ter à disposição para uso
espontâneo. E la não é tão lim pa quanto a argila de verdade;
tende a grudar nas m ãos e na m obília, e é m ais difícil d e ser
lavada.
Ao conversar com uma crian ça, posso ficar brincando com
um pedacinho desta m assa, e dar outro pedacinho para a criança
tam bém . Se a criança fa la do seu irm ão, posso fazer rapidam ente
um irm ão de m assa e dizer: "Aqui está o seu irm ão. D iga a ele
o que você está dizendo.” D esta m aneira posso trazer a situação
para a experiência presente, de modo que se possa lidar com ela
de form a muito m ais fru tífera do que se a crian ça continuasse
falando “ sobre” a situação. O falar “ so b re” tende a não levar
a lugar nenhum, e com m uita freqüência encobre os verdadeiros
sentim entos envolvidos.
Quando Julie, de 7 anos, veio para a su a sessã o , sua m ãe
com entou: “ V eja se consegu e descobrir por que Ju lie não quer
tom ar banho. E la sim plesm ente não to m a !” A ssim , Julie e eu
conversam os sobre o seu problem a de tom ar banho. E la não
d isse m uita coisa a respeito da sua aversã o ao banho, m as com e­
çou a falar sobre o seu irmãozinho bebê, e com o ela ajudava a
m ãe a banhá-lo. O m eu palpite era que Ju lie estava com ciúm e
da hora do banho do irm ão. Isto m e estim ulou a encontrar um
jeito de lhe proporcionar uma exp eriên cia substituta de ser
um bebê recebendo um banho; assim , enquanto ela fa lava, con­
feccio n ei rapidam ente um bebê e uma banheira. Anunciei que o
bebê era Julie e com ecei a “ banhá-la” , em pregando todas as
expressões geralm ente m urm uradas a bebezinhos durante o banho.
(“ Agora eu vou lavar os seus pezinhos lindos” , e tc.) Julie sorria
largam ente enquanto a ssistia , às v ezes respondendo com o o bebê,
dando risadinhas, arrulhando. D ei o banho do com eço ao fim .
Então Julie ficou m uito concentrada fazendo uma figura com a
sua própria m assa. Anunciou que a figu ra era ela m esm a, e se n ­
tou-a num grande m onte de m assa, que, segundo ela, era uma
cad eira de recostar. "O m eu pai tem uma cad eira de recostar,
m as nunca m e d eix a sentar nela. E le diz que vou quebrar a
cadeira. E sta sou eu sentada na cadeira, e eu estou lendo.”
Pergunto à figura de m a ssa com o é a sen sa ção de estar sentada
na cadeira. Ju lie, falando pelo boneco de m assa, respondeu que
era confortável. Continuamos o diálogo por algum tem po, e fin al­
m ente, bem no fin al da sessã o , Ju lie anunciou: "Acho que vou
dizer à minha m ãe que já tenho idade para tom ar chuveiro.”
(Anteriorm ente ela havia ignorado esta sugestão útil de sua m ãe.)

95
N ão tenho certeza do que sucedeu nesta sessã o , em bora possa
seguram ente dar uma sé r ie de palpites interpretativos. O que
realm ente se i é que Ju lie e x p erien cio u algum a coisa que a ajudou
a crescer com o indivíduo.
Num a situação d e grupo, a s crianças podem form ar pares e
fazer objetos que devem encaixar-se e com binar de algum a m anei­
ra. Quando o grupo todo volta a s e juntar, as crianças, como
objetos, devem contar com o são. “ Eu sou uma árvore.” “ Eu sou
uma flor que cresce debaixo da árvore.” E las podem dialogar
entre si com o árvore e flor, criando uma interação espontânea.
P odem tam bém , posteriorm ente, conversar acerca do processo:
qual foi a sen sação de trabalhar junto desta form a, quem tomou
a maior parte das d ecisões, e assim por diante.

M a ssa de F arin h a

Você pode com prar uma m assa já pronta, ou então fabricar


a sua própria. Eis aqui a receita: 4 xícaras de farinha de trigo,
2 xícaras de sal, uma xícara de água, 2 colheres (d as de chá)
d e óleo, 1 colher (das de ch á) de corante de com ida à sua escolha.
M isture o sal e a farinha. M isture a água, o óleo e o corante
separadam ente. Adicione lentam ente o líquido ao resto da m istura,
até obter a consistência desejada. E sta m assa se conserva por
algum tem po num sa c o plástico sem ar.
E ste m aterial o ferece um tipo de sen sação diferente para o
tato, m as não substitui a argila. É especialm ente divertido para
crianças m ais velh as que já “ cresceram m uito” para brincar com
ela em ca sa . Podem ser feita s figuras que endurecem e podem
ser pintadas. M exer n essa m assa, m oldá-la, utilizando todos os
tipos de ferram entas e equipam ento, são atividades que oferecem
boas experiências táteis e sen soriais. A pintura com os dedos
utilizando m assa de farinha proporciona outro tipo de experiência.
Adicione água até a m assa adquirir uma consistência m ole, como
a de um pudim, e passe-a no papel, na m esa ou no tabuleiro
exatam ente da m esm a m aneira que se faz na pintura com os dedos.

Á gua

E x iste algo de muito calm ante na água. A m aioria de nós


tem consciên cia dos efeito s relaxan tes de um banho. A água tem
o m esm o efeito sobre as crian ças. Quando os meus próprios filhos
estavam em idade pré-escolar, ficavam horas e horas num banqui­
nho ao lado da pia da cozinha, de aven tal, lavando e enchendo,
enchendo e lavando.

96
à s vezes dou a uma crian ça uma bacia de água e uma varie­
dade de objetos que servem para encher. A criança e eu m antem os
um a conversa m uito boa enquanto ela se envolve na brincadeira
com a água. Tenho um a m aleta de m édico que inclui alguns reci­
pientes em m iniatura. C rianças de a té 12 anos s e com prazem em
enchê-los de águ a, e depois esvaziá-los. A lgum as crian ças, esp e­
cialm ente as m ais n ovas, não com eçam a se expressar verbal­
m ente, ou através de qualquer outro m eio, sem antes terem prati­
cam en te se saturado de brincar com água. Dou um a descrição
m ais am pla do trabalho com água associado com areia numa parte
posterior, onde focalizo a areia.

E sc u ltu ra e C o n struções

E xistem m uitas m aneiras de se fazer um a escultura sim ples.


Entre os m ateriais úteis estão a argila, g esso , cera, sabão,
m adeira, aram e, m etal, papel, lim padores de cachim bo, caixas
e m uitos outros. Livros de arte para crian ças pequenas dão algum as
idéias boas de esculturas que sã o fá c e is de serem executadas por
crian ça s. M uitas das su gestões dadas para a pintura e desenho,
argila e colagem , podem ser adotadas para a escultura. No entan­
to, não creio que se ja sem pre n ecessário dirigir o trabalho; algu­
m as crian ças s e envolvem facilm en te sozinhas, e eu posso tra­
balhar efetivam en te com qualquer coisa que seja trazida, ou sim ­
plesm ente com o p rocesso de trabalho delas.
F ios de aram e, com o os utilizados em enrolam entos ou fiação
elétrica , ou qualquer outro tipo encontrado em ca sa s de ferragens,
podem produzir resultados in teressan tes. Com o uso de alicates
e cortadores de aram e, bem com o rolos de papel, lápis, ou peque­
nas ca ix a s para enrolar o fio, adquire-se dom ínio sobre o m aterial.
Um a escultura de aram e se assem elha muito a um desenho de
rabiscos tridim ensionais. A peça pronta pode ser presa a um bloco
de m adeira ou enfiada na argila ou gesso . O g esso também pode
ser despejado sobre partes da escultura de modo a conseguir novos
efeitos.
U m a m enina de 9 anos, depois de ter perm anecido algum
tem po absorta em fazer um pássaro, contou-m e a seguinte estória:
“O passarinho uma vez já foi um passarinho livre. Um dia ele
voou para dentro de um quintal que tinha uma porção de arbustos
que precisavam ser cortados. E le ficou preso nos arbustos e não
sabia com o sair. E le puxou e puxou, e quebrou uma perna. Aí
ficou chorando pedindo ajuda, m as não veio ninguém . O tempo
passou e e le ficou preso d esse jeito para sem p re.” Quando lhe
perguntei se havia algo na sua estória que ser v isse para sua
própria vida, ela respondeu, depois de muito pensar: “ Às vezes

97
eu sinto que estou chorando pedindo ajuda dentro de mim, e não
vem ninguém para ajudar.” M uitas v ezes um a crianças é aju­
dada a revelar os lugares secretos do seu coração por m eio de
um envolvim ento criativo.
A m assa plástica de m odelar constitui um a ótim a b a se para
escultura, e não endurece. Um a grande variedade de m ateriais
podem ser enfiados nessa base para produzir uma criação abs­
trata e interessante.
Uma dás atividades de escultura m ais bem sucedidas que já
exp erienciei com crian ças foi a cham ada “escultura de lixo” .
Quando trabalhava em esco la s com crianças em ocionalm ente per­
turbadas, esta atividade era precedida apenas, em term os de e fe ­
tividade, pelo trabalho com m adeira. As crianças e eu juntávam os
todo o lixo que podíam os em n ossas garagen s, ca sa s e sa las de
aula. Nada que tiv esse algum a possibilidade de uso era jogado
fora. Cada criança escolhia o que queria numa caixa coletiva.
Em blocos de m adeira individuais elas pregavam , colavam ,
gram peavam , prendiam com fita s a d esivas, pregavam m ais, até
cada um a ter a sua própria criação, fa n tástica e original. Então,
dourávam os ou prateávam os a escultura com tinta sp ra y , elas
brilhavam com o verdadeiras obras de arte. O orgulho que as crian­
ça s tinham (sem m encionar com o s e divertiam durante a execução
do trabalho) era im ensam ente terapêutico, uma vez que freqüen­
tem ente são consideradas desajeitadas, inábeis, sem coordenação.
Às vezes nós (inclusive eu) inventávam os estórias fan tásticas
sobre as esculturas — as crianças quase im ploravam para serem
conduzidas à fan tasia — e outras v ezes nos divertíam os analisando
os elem entos particulares das nossas criações. “ Eu sou um a lfi­
nete. Eu espeto. P osso espetar com fo r ç a !” “ Eu sou um parafuso
com uma porca. A m inha porca sobe e d esce, m as eu não posso
sair. É ! Eu tam bém não posso sair. Estou preso nesta e sc o la !”
“ Eu sou uma bola que gruda. É fá cil grudar coisas em m im . Eu
tenho coisas grudadas por todo lado. E stá b em .” “Eu sou só um
pedaço de lixo feito de m ontes de lixo que ia ser jogado fora.
O Jim acha que sou linda. Eu sou linda. F oi bom eu não ter sido
jogada fora. (Sussurro): Às vezes eu acho que a minha m ãe, se
ela pudesse, m e jogaria fora junto com o lix o .”

M adeira e F e rra m e n ta s

Com pedaços de m adeira, serrotes, m artelos, furadeiras de


iiiAti. pregos, e um ca v a lete, as crian ças podem fazer todos os
iijinfi de objetos in teressan tes. Se possível, deve-se dar às crian­
ç a MMirtuiildudes de utilizar ferram en tas no trabalho com madei-
<m " fm iu atividade é enorm e, até m esm o com as crianças

MM
m ais hiperativas e m ais descoordenadas. É p reciso deixar claro
que existem regras e lim itações que devem ser estritam ente seg u i­
das, uma vez que as ferram en tas podem ser bastante perigosas.
Em toda minha exp eriên cia, porém , jam ais tive um a criança que
tiv esse usado as ferram entas erradam ente. A m aioria d elas, esp e­
cialm ente as que têm problem as, não possuem muita oportunidade
de usar ferram en tas: ela s adoram isto, e estã o dispostas a tom ar
todo o cuidado. Quando trabalhava em esco la s, esta era a ativi­
dade favorita; tam bém em terapia individual, uma vez tendo o fe ­
recido m adeira e ferram en tas às crian ças, é difícil conseguir que
elas façam qualquer outra coisa. Logo que sabem da possibili­
dade d essa experiência, é o que querem fazer sem pre. Isto me
diz que esta é um a ativid ade que a s crian ças adoram e nunca
lhes é su ficien te.
Durante a moda da m odificação do com portam ento fui criti­
cada pela universidade local (que colocava estagiários em edu­
ca ção excepcional na minha c la sse ) por não utilizar o trabalho
com m adeira com o recom pensa por bom com portam ento ou tra­
balho com pletado. N a minha c la sse, “ construir” , com o as crianças
a cham avam , era uma atividade de todas as m anhãs. A linha de
pensam ento era que qualquer coisa de que a criança gosta tanto
deve ser m antida quase fora do seu a lcan ce, com o incentivo
para sair-se cada v ez m elhor. F ico de cab elos em pé ao ouvir tal
pronunciam ento. E stas crian ças tinham o direito de construir!
Eu poderia racionalizar a atividad e dizendo que se tratava de
uma boa exp eriên cia de aprendizagem , que prom ovia a resolução
de problem as, a cam aradagem , e a v iv ên cia em grupo. Por m ais
que isto possa ser verdade, não vem ao caso. As crianças tinham
direito à atividade, e a m ereciam , não porque fo sse bom para elas,
m as sim plesm ente porque gostavam .

C olagem

A colagem é qualquer desenho ou quadro feito grudando-se


ou prendendo-se m ateriais de qualquer esp écie a um fundo plano,
tal com o um pedaço de pano ou papel. Às vezes a colagem é feita
em conjunto com desenho, pintura ou algum tipo de escrita. O
trabalho sobre colagem é uma atividade conhecida nas escolas
m aternais, onde pedaços de papel cortado ou rasgado, bem como
outros m ateriais, são colados a uma grande folha de papel de
modo a form ar um desenho. D escobri que a colagem é um ex c i­
tante m eio de ex p ressão para todas as idades.
E is alguns dos m ateriais que podem ser usados para colagem :
P apel — todos os tipos: papel de seda, cartolina, papel de em bru­
lhar presentes, velhos cartões postais ou de cum prim entos, jornal,

99
sa co s de papel, papel corrugado, papéis de lim peza, papel de
parede. V á ria s te x tu r a s de te c id o — algodão, lã, estopa, flanela,
seda, renda. C oisas m o les — penas, algodão, coisas felpudas.
Coisas d u ra s — esponja, palha de aço, lixa. O utras coisas — fios,
barbante, botões, folha de alum ínio, celofane, tela contra m os­
quitos, sa co s de laranja, em balagem de ovos, plásticos, tam pas
de garrafa, folhas, conchas, fita s, sem entes de todos os tipos,
m acarrão, tela de aram e para galinheiro, m adeira com pensada,
seixos, m echas de algodão, rolha, e qu a lq u er co isa que seja leve
e possa ser grudada, am arrada ou presa de algum jeito a uma
su p erfície plana.
Um bom trabalho de colagem pode ser feito sim plesm ente
com figuras de rev ista s, uma tesoura, cola, e algum tipo de fundo.
As coisas m ais im portantes para um a colagem são figuras —
revistas velh as (ou n o v a s), calendários e agendas com figuras,
qualquer coisa com figuras ou fotografias. Alguns se sentem atraí­
dos por palavras cortadas de rev ista s ou jornais. Livros de colorir,
livros de atividades infantis, e velhos livros de contos também
constituem m aterial útil para term os à mão.
O fundo pode ser de cartolina ou papel-cartão, papel de dese
nho, papel de embrulho grosseiro, algum tecido forte (com o esto­
p a), jornal, parte de uma caixa de papelão, vidro, m adeira, ou
plástico. Tesouras, gram peador, prendedores de papel, fita ad e­
siv a , cola líquida ou em pasta, furador de papel, barbante, são
todos m ateriais úteis. Todas as idéias e tem as encontrados no
final do Capítulo 3 podem ser usados com o base para uma colagem .
P ode-se trabalhar com a colagem de inúm eras m aneiras, do
m esm o modo que com a desenho ou a m esa de areia. Às vezes a
criança sim plesm ente com partilha a visão que tem da sua própria
colagem : “ E sta figura de um avião é porque eu gostaria de v ia ­
jar num .” Ou então: “ E sta lixa é por cau sa das dificuldades
que estou tendo na e sc o la .” Ou: “ E ste relógio é porque eu sem pre
tenho que me preocupar com as horas.” Às vezes a criança conta
uma estória m ais longa acerca da colagem .
Um menino de 12 anos cortou uma variedade de figuras e
colou-as num pedaço de cartolina. Quando terminou, d isse que
tinha sim plesm ente cortado as figuras que o atraíam , que elas
não tinham significad o nenhum para ele. Então pedi-lhe que me
con tasse uma estória sobre cada figura: “E ra uma vez um carro
de c o r r id a ...” D este exercício surgiu muito m aterial para
trabalhar.
Uma m enina de 14 anos tam bém d isse que tinha apenas esco ­
lhido as figu ras de que gostava. P ed i a ela para se r cada elem ento
das su a s figuras. No papel de um cereal que se com e no c a fé da
m anhã, ela disse: “ Eu sou um cereal. As crianças gostam de
mim. Eu gosto de ser gostada. Meu irm ão gosta de mim — não

100
de mim, m as do cerea l." Isto abriu cam inho para uma conversa
sobre os seus próprios sentim entos de querer ser am ada.
O p ro cesso de fazer a colagem ou do relato posterior acerca
da m esm a pode ser o m ais sig n ificativo. Um m enino de 13 anos
contou algum as estórias curtas sobre as suas figuras e depois
de cad a um a disse: “ Isso não faz sen tid o !” ou “Que coisa boba.”
Quando term inou, m ostrei-lhe isto, e com entei que e le era duro
consigo m esm o. A sua resposta: “ É sim ! N a escola quando eu
com eto três erros fico lo u co !”
Às vezes não surge nada para s e trabalhar, m as a criança
tev e ao m enos a oportunidade de s e expressar, de fazer uma
a firm ação sobre si m esm a. Se nada m ais, a colagem é divertida
de fazer e ajuda a liberar a im aginação.
A colagem pode se r utilizada com o experiência sensorial, e
tam bém com o m an ifestação em ocional. No livro A rt fo r th e F a m ily
(A rte para a F a m ília ), de Victor D 'A m ico, F ran cis Wilson e
M oreen M aser, a colagem é citada com o “sentir e ver figu ras” .

V ocê sabe que pode ver com os seu s dedos? É claro


que você pode ver com os olhos, m as os seus dedos lhe
contam m uita coisas que os olhos não contam . Os dedos
lhe dizem que as coisas são quentes ou frias, duras
ou m oles, ásperas ou lisa s. Todos nós gostam os de tocar
as co isa s. Isso nos ajuda a descobrir o mundo e como
nos sentim os em rela çã o a ele. Podem os descobrir que
gostam os de tocar coisas que outras pessoas não go s­
tam . Isso acon tece porque todo mundo é diferente. A
sua arte conta o que v o c ê sente, vê e sabe. Você pode
form ar um a figura daquilo que sente. (pág. 11).

E ste livro dá algum as su g estõ es m aravilhosas para colagem


individual e grupai:

F a ç a um retrato “ v isto e sentido” de uma pessoa


que você conhece, com o a su a m ãe; alguém que você
tenha visto, com o uma m enina vestida para uma festa;
ou alguém que você im agina, com o um a princesa ou
um m endigo. E scolha os tipos de m aterial que pareçam
falar sobre a pessoa que você tem em m ente. Corte-os
em form as e tam anhos que contem m ais sobre a pessoa,
e arranje-os sobre o fundo de modo que form em um
desenho que seja in teressante de olhar e tocar,
(p ág. 15).

E scolha os m ateriais que digam como você está se


sentindo por dentro. F elicid ade, tristeza, excitam ento,

101
tim idez, solidão, e outros sentim entos que podem ser
expressos atra v és das cores, texturas e form as que
você escolher, e do jeito que você as cortar e arrum ar,
(pág. 6).

Vez por outra peço às crianças para darem um título à cola­


gem depois que esta foi com pletada (um a vez que ela pode se
desviar da instrução tem ática original); e ste título pode ser “ E u” ,
ou “ As M inhas P reo cu p ações” , ou qualquer outra coisa que surja.
A colagem é uma atividade confortável, seja ela feita aos
pares, em grupo, ou com uma fam ília. Às vezes faço uma co la ­
gem quando trabalho individualm ente com uma criança, porque
creio ser e ste um modo muito proveitoso de m otivar a criança
a fazer a sua livrem ente.

F ig u ra s

Ao escrever sobre colagem e estórias baseadas em colagem ,


m encionei o uso de figuras tiradas de revistas ou qualquer outro
lugar. R ecentem en te ouvi falar numa técn ica de usar as figuras
que experim entei e foi bem sucedida.
Fiz uma coleção de figuras que julguei interessantes — figu ­
ras que cham aram a minha atenção num jornal ou revista. A cres­
centei a ela s algum as figuras de cartões postais, ilustrações de
livros infantis já g astos, alguns trabalhos artísticos im pressos,
cartas de Tarot, cartões com várias p alavras escritas tais com o
amor, ódio, quieto e barulhento, e figu ras tiradas d e calendários
e agendas. N ão são figu ras “ infantis” , em bora haja m uitas figu­
ras de crianças e crian ças fazendo coisas. Além das figuras que
sim plesm ente m e atraem , procurei reunir uma am ostra represen­
tativa baseada nas im agens do livro M a n A n d H is S y m b o ls — O
Homem e Seus Sím bolos — de Jung, e nas im agens tão cuidadosa­
m ente delineadas por A ssagioli em P s y c h o sy n th e sis — P sicossín te-
se. A ssagioli divide os sím bolos em categorias; sím bolos da natu­
reza, sím bolos anim ais, sím bolos hum anos, sím bolos artificiais,
sím bolos religiosos e m itológicos, sím bolos abstratos (núm eros e
form as), e sím bolos individuais ou espontâneos tais com o em ergem
em sonhos e devaneios.
A criança é solicitada a escolher algum as figuras — talvez
dez — e espalhá-las no chão ou sobre uma m esa ou folha de
papel grande (sem colar, uma vez que eu guardo as fig u ras).
P o sso pedir à criança para selecionar ao a ca so qualquer coisa
que lhe cham e a atenção, ou posso pedir que a escolha esteja de
acordo com algum título ou tem a. Muita coisa é revelada através
da seleçã o das figuras. O estado de espírito revelado pelo conjunto

102
escolhido pode contar algo sobre o que a criança e stá sentindo
naquele m om ento ou na sua vida em geral. Trabalham os com
e ssa s figuras da m esm a m aneira que foi discutida anteriorm ente.

C artas d e T a ro t

Um trabalho de cartas de Tarot é um dispositivo de id en tifi­


caçã o muito fértil, e o baralho de Rider é o m ais detalhado. Possuo
um baralho barato que utilizo com crian ças de todas as idades.
As crian ças pequenas escolhem um a carta que lhes atraia, e
tecem uma fantasia em torno da m esm a. Com crian ças m ais
velhas, que escolham duas ou três cartas que tenham algum tipo
de im pacto — bom ou m au — e que se identifiquem com as ilu s­
trações escolhidas.
“Eu sou a im peratriz. D igo a todo mundo o que fazer. Sou
muito sábia e o povo m e procura para pedir conselhos” , d isse uma
m enina de 13 anos.
É assim que é a sua vida? — perguntei.
N ão, m as eu com certeza queria ter algum as respostas para
algum as coisas.
Como o quê? (digo d elicad am en te). Im agine que você pode
perguntar o que quiser à im peratriz da carta. Escolha algum a
coisa para perguntar agora.
E la deu início a um diálogo consigo m esm a acerca de alguns
problem as urgentes na sua vida e, para surpresa sua, descobriu
que realm ente tinha uma sabedoria interior.
Às v ezes fazem os o Jogo de Tarot de acordo com a s instru­
ções, e isto nos ajuda muito a conversar sobre a vida da criança.

103
5
Estórias, Poesia e Bonecos

E stó ria s

O uso de estórias em terapia envolve: invenção das minhas


próprias estórias para contar às crianças; as crianças inventa­
rem suas estórias; a leitura de estórias de livros; escrever estó­
rias; ditar estórias; utilizar coisas para estim ular estórias, tais
com o figu ras, testes projetivos, bonecos, o painel de feltro, a m esa
de areia, desenhos, fan ta sia s de final aberto; e envolve também
o em prego de recursos e aparelhos ta is com o gravador de fita,
aparelho de vid eo -ta p e, aparelhos portáteis de intercom unicação
(w a lk ie -ta lk ie s ), m icrofone de brinquedo, ou um televisor im a­
ginário (um a ca ix a grande).
O Dr. R ichard Gardner d escreve detalhadam ente a sua técni­
ca de relato mútuo de estórias, em seu livro T h e ra p e u tic Com-
m u n ica tio n w ith C hildren (C om unicação Terapêutica com Crian­
ç a s ). Em essên cia , e le prim eiram ente faz a criança contar uma
estória; a seguir, conta a sua própria estória, usando os m esm os
personagens que a crian ça usou, m as oferecen do um a solução
m elhor. Um a vez que a estória da criança é uma projeção, ela
geralm ente r e flete algum a coisa acerca da situação de vida da
m esm a. Cada estória é encerrada com uma lição ou moral a ser
tirada da situação. Ao utilizar esta técn ica é im portante saber
algo sobre a crian ça e sua vida, e entender rapidam ente o tem a
central da estória narrada.
Tenho usado a técnica de Gardner, à s v ezes acrescentando
algum as das m inhas próprias varia çõ es. Julgo-a muito efetiva
com algum as cria n ça s. O uso do víd eo -ta p e ou do gravador é
essen cial; uma esta çã o de rádio ou TV de m entira é montada
para criar a atm osfera apropriada para a sessã o de narrativa.
Em bora o Dr. Gardner peça à s crian ças para inventarem
uma estória em vez de usarem id éias de livros ou da televisão,

105
descobri que não tem m uita im portância se a s crianças o fizerem .
E las escolhem aquilo que por algum m otivo as atraia, e sem pre
m odificam o escolhido segundo a sua própria versão.
O exem plo a segu ir m ostra como utilizei esta técnica com
um menino de 6 anos. Bobby foi trazido a mim em virtude de
problem as que incluíam fazer x ix i na cam a, com er dem ais, sonam ­
bulism o e pesadelos. Era um menino gorducho, am igável, tran­
qüilo. À m edida que seus sintom as com portam entais foram m elho­
rando, ele com eçou a agir de m aneira m uito agressiva, passando
a berrar e gritar quando esta v a zangado, jogar ovos nas outras
crianças quando fic a v a bravo com ela s, bater nas outras crianças.
E stava com eçando a perder m uitos am igos. E is a nossa sessão:
(F alando no m icrofone do gravador — m eu gravador possui
um m icrofone em butido, m as acho m ais atraente um m icrofone
com um , que a criança possa segu rar.) Alô, Senhoras e Senhores,
M eninos e M eninas. E sta é a Rádio KOAK e sejam bem -vindos
à nossa Hora de E stórias. Tem os com o nosso convidado o
Bobby ---------. (Viro-m e para Bobby.) E stam os contentes em ter
você aqui no program a. V ocê pode nos dizer quantos anos
você tem?
Bobby: S eis anos.
Vam os com eçar já o program a. As regras são as seguintes,
caro radiouvinte. O Bobby vai nos contar uma estória. E la pre­
cisa ter com eço, m eio e fim . Quando ele acabar, eu contarei uma
estória usando os m esm os personagens que ele usou. Cada estória
terá uma lição ou m oral. P ode com eçar, Bobby.
Bobby: (um a longa pausa, e então sussura) Eu não se i o
que dizer.
Eu vou ajudar você. “E ra uma v e z . . . ” (esta é uma sugestão
dada por Gardner para auxiliar as crianças a com eçar).
Bobby: “ Um tubarão.”
“ E este tu b a r ã o ...”
Bobby: “ G ostava de com er g en te.”
E o que aconteceu?
Bobby: “ Ele andava pelo mar com endo gente. Só isso .”
Isso é só o com eço. N ós precisam os de um m eio e de um fim .
Bobby: “ Bom , ele viu alguns pescadores e e le s ficaram a ssu s­
tados. E les caíram do barco e o tubarão nadou e com eu todos
inteirinhos. Aí nadou para o fundo do m ar, para bem longe e bem
fundo. E ra aí que ele m orava. F im .”
M uito obrigada pela sua bela estória. Qual é a lição?
Bobby: Eu não sei.
Muito bem. Agora é a minha vez. “ Era uma vez um tubarão
que andava pelo m ar com endo gente. E le com ia todo mundo que
via. Alguns pescadores chegaram perto e ficaram tão assustados
que rem aram para longe o m ais depressa que puderam para fugir
do tubarão. Todo mundo tinha medo dele. Até os outros peixes,

106
e até os outros tubarões tinham m edo, porque às vezes ele tentava
com ê-los tam bém . Em pouco tem po ele s e cansou de tudo isso.
E le queria brincar m as ninguém queria brincar com ele. Todo
mundo fugia d ele.”
Bobby: E aí, o que aconteceu?
“ B em , ele não sab ia o que fazer. F inalm ente procurou o rei
dos tubarões numa grande cavern a no fundo do m ar e pergun­
tou-lhe o que deveria fazer. O rei dos tubarões disse: ‘V ocê tem
que achar alguém que não tenha m edo de você, que confie em
você, para todo mundo ver que você está realm ente querendo
ser am igo. Alguém que não tenha m edo de você poderá brincar
com você — alguém que não saib a com o você tem com ido e a ssu s­
tado as p e sso a s.’ E o tubarão disse: ‘Onde vou encontrar essa
p essoa?' O rei dos tubarões d isse que ele tinha que descobrir
sozinho.”
Bobby: (sussurrando alto para mim, evitando o m icrofone)
Eu sei! Um bebê!
“ E ntão o tubarão saiu nadando para encontrar alguém que
con fia sse nele. Logo encontrou um grande barco e nele havia uma
fam ília com um bebê recém -nascido. Quando as p essoas viram o
tubarão, todas correram para se esconder na cabine, e na pressa
esqueceram o bebê. O tubarão com eçou a fazer gracinhas para
o bebê. O bebê riu e arrulhou. Quando os pais viram isso voltaram
e fizeram am izade com o tubarão, percebendo que ele queria ser
am igo e que não iria m achucá-los. Então e le s ficaram am igos e o
tubarão ficou muito feliz. Fim . A lição da minha estória é que
se v o cê quer fa zer am izade com as p essoas tem que agir
am igavelm en te.”
Bobby: Podem os ouvir outra vez?
F a ço voltar a fita e escutam os am bas as estórias. A minha é
bastan te com prida com parada com a dele, m as ele escuta muito
envolvido. Quando a estória term ina, com eçam os a conversar
sobre o próprio problem a dele com am igos, e algum as coisas
que poderia fazer quando está zangado que não fariam com que
se afa sta ssem . D epois d essa sessã o , Bobby pediu para ouvir a
minha estória quatro ou cinco vezes segu id as, pedindo à sua m ãe
que v ie sse escu tá-la tam bém .
S usie, 7 anos: “ E ra uma vez um leão. E sse leão tinha muito
cabelo. Um dia a m ãe do leão d isse para o leão para pentear o
cab elo e o leão não quis. A m ãe e o leão tiveram uma briga feia.
O leão não queria pentear o cabelo dela — a liás, dele. Então
a m am ãe-leão não deixou o leão sair para b rin car.”
O que acon teceu no final?
Susie: “ O leão tev e que ir para o quarto dele. F oi muito tr iste.”
E o leão acabou conseguindo sair para brincar?
Susie: N ão. “ Fim . A lição é que s e o leão não penteia o cabelo
ele vai para o quarto.”

107
M uito obrigado, Susie. Agora a minha estória. "Era uma vez
uma leoa que tinha muito cabelo. Um dia ela queria sair para
brincar m as a sua m ãe queria antes que ela penteasse o cabelo,
porque esta v a todo em baraçado e ela parecia desleixada. A
m am ãe-leoa tinha m edo que todos os vizinhos pensassem que ela
era uma m ãe ruim s e v issem o cabelo da filha despenteado. Ela
queria que pensassem que era um a m ãe boa, que m antinha o
cabelo da filha bonito. M as a leoa não queria pentear. E la d e te s ­
ta v a pentear o cabelo. E la achava que assim parecia bem . E estava
ansiosa para sair e brincar. Os am igos dela estavam lá fora se
divertindo. M as a m ãe não a d eixava sair. A leoa ia deitar no
chão e gritar, m as a m ãe com eçou a lhe dizer com o era im por­
tante para ela que os vizinhos pensassem que ela era uma boa
m ãe. J á que a leoa g o stava um pouco da m ãe e não queria que
os vizinhos pensassem m al dela (apesar de não entender o que o
cabelo tinha a ver com isso ), penteou o cabelo. A m ãe ficou muito
contente. A leoa saiu para brincar com os seu s am igos e se diver­
tiu muito até a hora do jantar. A liçã o da minha estória é que
às vezes é m ais fá c il fazer o que a m ãe manda porque aí você
pode sair para brin car.”
Susie: Que estória boa!
Muito obrigada! Isso já aconteceu algum a vez com você?
V ocê à s vezes tem que fazer coisas que a sua m ãe quer, m esm o
que você não queira, e precisa ir para o seu quarto se não fizer?
Susie: Sim! (faz que sim com a cabeça, vigorosam ente).
C onversam os sobre isto por algum tem po, e então ela m e pediu
para jogar Teim osia (B lo c k h e a d ) — Susie e a m ãe estavam envol­
vidas numa grande luta de poder, que nós estávam os com eçando
a destrinchar.
E stes dois exem plos não foram cuidadosam ente selecionados
para dar uma am ostra do seu su cesso. São típicos da m aioria
das sessõ e s de narrativa que tenho tido. Trata-se de uma técnica
atraente e efetiva. O casionalm ente, descubro que uma criança
não quer contar estórias d esse jeito, e então passam os para outro
tipo d e atividade.
M uitas vezes em prego as figuras do CAT (C hildren’s A p p e r­
cep tio n T e s t — T este de A percepção Infantil) com o estím ulo para
narrativas. E stas figuras m ostram anim ais em situações hum a­
nas. Um a vez levei as figuras a um grupo de terapia com a idéia
de que cada criança escolheria uma figura diferente para contar
uma estória. Cada criança quis contar uma estorinha sobre cada
figura, e todas as estórias foram d iferen tes. N ão tive o problema
de crianças copiando as estórias dos outros. S e tiv esse, poderia
dizer: “ Ah, a sua estória com eça do m esm o jeito que a dele.
Agora, o que acontece com o seu urso?” Todas as estórias deste
grupo foram gravadas (eu não contei nenhum a), e na sessão

108
segu in te toquei algum as delas para term os a oportunidade de
conversar sobre as experiências e sentim entos m anifestados. Um a
das figuras m ostra três ursos brincando de cabo-de-guerra. De
um lado está o urso m aior, e do outro o bebê-urso e provavel­
m ente a ursa-m ãe.
E is a estória de Donald, 12 anos: “ Há três ursos, papai,
m am ãe e o bebezinho, e eles estã o brigando por causa de um
pote de m el! E stão puxando a corda, o papai perde. Então o
papai-urso, ele tapeia o ursinho e corta a corda, e todos caem
e rolam a m ontanha.”
Qual é você? S eja um deles.
Acho que eu sou o ursinho.
F a le com o seu papai-urso — diga a ele com o você se sente
sendo tapeado.
P rosseguim os nesta linha até que finalm ente pergunto a Donald
se algum a vez ele s e sentiu tapeado pelo pai. Surge uma porção
de sentim entos a serem considerados por nós.
U m a m enina de 10 anos, que era filha adotiva, contou uma
estória sobre um ursinho procurando seus pais verdadeiros. A
figura do CAT sobre a qual ela se concentrou, m ostra dois ursos
grandes dormindo numa caverna enquanto o ursinho está deitado
com os olhos abertos. “ Quando os ursos finalm ente caíram no
sono, o ursinho fugiu correndo.” E la tinha uma sé rie de senti­
m entos que não podia exp ressar aos seu s pais adotivos.
Às vezes, em grupo, depois de contadas as estórias peço às
crian ças para representarem uma delas, acrescentando as suas
próprias interpretações. Ou a crian ça que contou pode desem ­
penhar os diferentes papéis. O in teresse aum enta quando a cri­
ança que contou escolh e vários atores para a encenação.
P ossuo uma ca ix a esp ecia l de figuras para m otivar a nar­
rativa. E xistem no cam po escolar e educacional alguns conjuntos
de figuras criados para o trabalho terapêutico. Os conjuntos
M oods a n d E m o tio n s (E stados de Espírito e E m oções) e J u s t
Im a g in e (A penas Im agin e) são ex celen tes. O conjunto do TAT
(T h e m a tic A p p ercep tio n T e s t — T este de A percepção T em ática)
é esp ecialm en te apropriado para ad olescen tes. As figuras de
T h e F a m ily o f M a n (A F am ília do H om em ) tam bém são excelen tes.
Outra técnica interessante de contar estórias, que atrai crian­
ças de todas a s idades, é o teste M APS (M a k e a P ic tu re S to ry
— F a ça uma E stória de F igu ras.) O conjunto traz pequenas figu ­
ras em preto e branco, recortadas em papel cartão, e diversos
recortes de cartolina onde aparecem cen as, tam bém em preto e
branco, que retratam lu gares, desde um cem itério até uma sala
de aula. A criança selecion a figuras e a s coloca sobre uma das
cen as, tam bém por ela escolhida. A seguir conta uma estória ou
representa uma pecinha. E la pode m over as figuras e acrescentar

109
outras no decorrer da estória. G eralm ente a s estórias são b as­
tante curtas, e algum as crian ças gostam de fazer m ais de uma
vez, mudando a cena. Com uma seqüência de estórias, os tem as
e padrões freqüentem ente se tornam claros. Allen, de 11 anos,
fez cinco cen as. Enquanto ele contava as estórias, eu as fui
anotando.
1) Cena de rua: “Um assaltan te tenta roubar uma mulher.
Um m enino tenta ajudar — ele sab e karatê, m as não adianta. O
Super-Homem d esce do céu, ajuda a m ulher, dá um beijo nela,
eles vão embora jun tos.” (Quando foi indagado quem ele era,
Allen respondeu que era o Super-Hom em .)
2) Um a jangada: “ O navio afundou, o homem está m orrendo,
e há outro homem e um menino e um cachorro. E les estão com
fom e. (E le segura a barriga enquanto conta isso.) Os pais do
m enino estavam no navio que afundou, m as eles m orreram . Na
jangada, o homem que está morrendo, m orre, m as o resto é salvo.
O m enino ganha pais novos depois de ficar num orfanato. Ele
está fe liz .” (Allen identifica-se com o m enino.)
3) Caverna: "Um a cobra pica uma mulher. Ela está presa.
N ão ex iste saída. Chegam dois hom ens que m atam a cobra, encon­
tram um a saída e tudo fica b em .”
4) Consultório m édico: “ Um hom em entra. Ele m achucou a
perna num acidente. (A figura está de m uletas.) O m édico cham a
outro m édico e eles consertam a perna. Quando eles estão saindo,
eles abrem a porta e cai um hom em , todo ensangüentado. Eles
cham am a am bulância. ‘V ocê precisa de m ais ajuda, nós somos
só m édicos de consultório' os m édicos dizem para o homem e
ele fica bom .”
5) Sala de aula: “ A figura de um fantasm a na lousa. É Dia
das B ruxas. A professora diz para a c la sse que um policial vai
falar sobre segurança no D ias das B ruxas. Um menino faz barulho
e perturba. E le vai em bora. A professora não sab e o que fazer
com ele. O menino tem problem as. E le é in feliz.” (N as últim as
três cen as Allen não quis se identificar com nada.)
Cada uma destas estórias está repleta de m aterial que pode
ser usado para exploração terapêutica. N este caso, optei por olhar
para o padrão que s e repetiu em todas as cinco. No início dessa
sessã o , Allen havia levantado a idéia de que podia com eçar a se
desligar da terapia — sentia que agora a sua vida esta v a cor­
rendo bem . Conversam os sobre as cenas. Em cada um dos casos
havia uma esp écie de catástrofe ou problem a: e exceto no último,
sem pre ap arece uma ajuda. A vida de Allen fora repleta de c a tá s­
trofes. Concentramo-nos na últim a estória e no menino que tem
problem as. Allen diz: “ E le vem ver você e fica bom .” Conver­
sam os sobre alguns dos acontecim entos da sua vida e os seus senti­
mentos agora em relação a esses fatos.

110
0 painel de feltro (um a prancha coberta de feltro ou flan ela)
é um auxílio para o relato de estórias. A crian ça pode construir
m uitas estórias ou cen as, e m anipulá-las no painel de feltro
enquanto fala. F lan ela, feltro, lixa de papel, e entretela ou forro
prendem -se bem ao quadro. Colam -se pedacinhos de qualquer um
d esses m ateriais às costas de pequenas figu ras recortadas de livros
ou desenhadas, e isto é su ficien te para prender as figu ras ao
quadro. Ou pode-se fazer figuras diretam ente de flan ela, feltro
ou entretela, e desenhar seu s contornos (ou não) com caneta
hidrográfica. J á existem ca sa s esp ecializad as em m aterial edu­
ca tiv o que possuem pacotes com erciais para a construção de um
painel de feltro. E lem entos tais com o m em bros da fam ília, ani­
m ais, estórias fo lclóricas, figuras fan ta sio sa s, prédios do bairro
e da cidade, árvores, e assim por diante, prestam -se a um tra­
balho interessante.

L ivro s

F aço uso de m uitos tipos d iferen tes de livros no m eu trabalho


com crian ças. Acho que as crianças gostam que se leia para elas,
ainda que pareçam ter passado da idade. (Será que alguém chega
a p assa r da idade de gostar de ouvir a leitura de um conto?) Os
livros, conform e o assunto, servem para d iferentes tem as de s e s ­
sõ es. P rocuro livros in teressan tes em livrarias e bibliotecas, e
possuo uma pequena coleção de livros esp ecia is com que trabalho.
T h e T e m p e r T a n tr u m B ook (O Livro do A cesso de R aiva) é muito
bem aceito; as crianças pequenas pedem sem pre de novo que o
volte a ler. W h ere th e W ild T h in g s A re (Onde E stão as Coisas
F ero zes), que trata de m onstros, atrai as crian ças e nos leva a
conversar acerca de co isa s que dão m edo. T h e r e ’s a N ig h tm a re
in m y C loset (Há um P esa d elo no m eu Arm ário) nunca falha em
trazer lem branças de sonhos às crianças. Um livro cham ado Go
A w a y , D og (V á Em bora, Cachorro) presta-se a conversas sobre
rejeição; A F ro g a n d T o a d a re F rie n d s (Sapo e R ã sã o Am igos)
e I ’ll B u ild m y F rie n d a M ountain (Construirei uma Montanha para
o m eu A m igo) levam a falar sobre relacionar-se com outras
crian ças. Um livro para crianças bem pequenas cham ado Is T h is
You? (E ste é V ocê?) p resta-se para despertar assuntos tais como
a criança, sua fam ília, seu lar, e assim por diante.
S y lv e s te r a n d th e M a g ic P e b b le (S ilvestre e o Seixo M ágico)
e T h e M a g ic H a t (O Chapéu M ágico, que conta a estória de uma
m enina que, quando põe na cab eça um chapéu m ágico, pode fazer
qualquer coisa que um menino fa z ), levam à exploração das
fan tasia s e d esejos da crian ça. M enciono aqui apenas su p erficial­
m ente os livros que tenho usado, para dar ao leitor algum a idéia

111
de com o podem ser usados. A partir daí com eça-se a desenvolver
um “ olho” para as possibilidades de livros. P enso que as crianças
não respondem tão bem a livros escritos esp ecificam en te com o
intuito de ch egar aos seu s sentim entos com o respondem a livros
escritos não com esse propósito, e sim apenas para contar uma
estória e entreter a criança. As crian ças se “enchem ” quando os
livros são piegas — elas os percebem im ediatam ente.
T h e S to r y o f F e rd in a n d (A Estória de Ferdinando) trata de
um boi que é d iferen te dos outros, e m uitas crianças sentem -se
exatam ente assim . L e o T h e L a te B lo o m er (Leo, o Animal que
D espertou T arde) trata de um anim al que não conseguia fazer
muita coisa a té um certo dia m ágico. S p e c ta c le s (Ó culos) é um
livro encantador sobre uma m enininha que precisa usar óculos.
N ob o d y L iste n s to A n d re w (N inguém Liga para André) diz res­
peito a m uitas crian ças, e um livro cham ado N ot T H I S B ea r (N ão
ESTE U rso) se r v e para conversas sobre sem elhanças e diferenças.
F ish is F ish (P e ix e é P e ix e ) é um livro encantador sobre um
peixe que tenta viver fora da água com o gente, pássaro, sapo
ou vaca. E le aprende a tem po que fora da água o peixe morre;
peixe é peixe, e não pode ser o que não é.
Alguns dos m elhores livros para crianças são encontrados em
livrarias fem inistas, pois habitualm ente são cuidadosam ente se le ­
cionados. Livros tais com o G row nups C ry Too (Adultos Também
Choram ), M y B o d y F e e ls G ood (M eu Corpo é Bom de Sentir) e
S o m e T h in g s Y o u J u s t C a n ’t Do B y Y o u rse lf (A lgum as Coisas
V ocê Sim plesm ente não P ode Fazer Sozinho) são livros m ara­
vilhosos que raram ente tenho visto em outros lugares.
W h a t is a B oy? W h a t is a G irl? (O que é um Menino? O que
é uma M enina?) é um livro que m erece um a m enção especial.
É ex celen te, com fotografias de prim eira qualidade, e fala das
d iferenças corporais entre meninos e m eninas, hom ens e m ulheres.
T h e S en sib le B ook (O Livro Sen sível) é bom para ser usado em
con versas sobre ver, tocar, provar, cheirar, e ouvir; F eelin g s,
In sid e Y o u a n d O utloud Too (Sentim entos, Dentro de Você e Fora
Tam bém ) é outro livro ótimo.
Contos de fad as e contos populares oferecem uma grande
riqueza de m aterial para trabalho com crian ças, e acho que elas
ainda gostam d esses contos tanto quanto nós gostávam os quando
pequenos. A estória da “ P equena Á rvore Azul” , que se encontra
no livro F a m o u s F o lk T a le s to R e a d A lo u d (Contos Populares F a ­
m osos para Serem Lidos em Voz A lta) fala de uma arvorezinha
numa floresta que, apesar de ser muito bonita, quer ser com o
os outros tipos de árvores da floresta. A secular estória d e “João-
zinho e M aria” leva diretam ente a conversar sobre as condições
da fam ília da própria criança.
Muito significado psicológico tem sido atribuído aos contos
de fada. Independentem ente de s e concordar ou não com estas

112
interpretações, os contos de fad as exercem grande atração e pos­
suem muito valor para as crian ças. Os contos de fadas c os contos
populares, assim com o as canções populares, em ergem das pro­
fundezas da hum anidade e envolvem todas as lutas, conflitos,
tristezas e alegrias que as pessoas encontraram através dos
tem pos. Às v ezes ta is estórias não sã o agrad áveis. Bruno Bet-
telheim escrev e em seu livro T h e U ses o f E n c h a n tm e n t — T he
M ea n in g a n d Im p o rta n c e o f F a iry T e le s (Os U sos do E ncanta­
mento — O Significado e Im portância dos Contos de F ad as):
A cultura dom inante d eseja fingir, particularm ente
no que concerne às cria n ça s, que o lado escuro do
homem não ex iste, e professa uma cren ça num melho-
rism o o tim is ta ...

E sta é exatam ente a m ensagem que os contos de


fada enviam à criança de inúm eras m aneiras: que
uma batalha contra as séria s dificuldades da vida é
inevitável, constitui parte intrínseca da existência
hum ana — m as que s e a pessoa não se intim ida, se vai
firm em ente ao encontro das adversidades inesperadas e
m uitas vezes injustas, todos os obstáculos sã o vencidos
e no final a pessoa em erge vitoriosa.

As estórias m odernas escrita s para crian ças peque­


nas geralm en te evitam estes problem as existen ciais,
em bora sejam assuntos cruciais para todos nós. A cri­
ança precisa receber particularm ente su gestões em
form a sim bólica sobre com o lidar com e sse s assuntos
e crescer em segurança até atingir a m aturidade. As
estórias “ seg u ra s” não m encionam nem a m orte nem
a velhice, os lim ites da nossa existên cia, e tam pouco o
desejo de uma vida eterna. O conto de fad as, ao con­
trário, confronta honestam ente a criança com as v icis­
situdes hum anas (págs. 7 e 8).
Os contos de fad a s são únicos, não só com o forma
de literatura, m as com o obras de arte totalm ente com ­
p reen síveis para a criança, com o nenhum a outra for­
ma de arte é. Como toda arte sign ificativa, o sentido
m ais profundo dos contos de fada será diferente para
cada p essoa, e diferente para a m esm a pessoa em
m om entos diversos de sua vida. A criança extrairá um
sentido d iferente do m esm o conto de fad as, dependendo
dos seus in teresses e n ecessid ad es do momento. Sendo-
lhe dada a oportunidade, ela voltará ao m esm o conto
quando estiv er pronta a am pliar sign ificad os, ou su b s­
tituí-los por novos (pág. 12).

113
Os contos de fada de fato atingem diretam ente as em oções
b ásicas universais: amor, ódio, m edo, raiva, solidão, e sentim entos
de inutilidade, isolam ento e privação.
Eu concordo com o Dr. B ettelheim quando ele diz que se não
fa sse o fato de o conto de fad a s clá ssico ser, acim a de tudo, uma
obra de arte, não teria o im pacto que tem . E xiste algo de rítm ico
c m ágico na form a com o o conto de fadas se desenrola, propor­
cionando um fluxo dentro e fora da m ente e do coração daquele
que ouve. Em bora m uitas vezes e ste s contos em preguem um voca­
bulário muito distante da com preensão da criança, esta escuta
enlevada, absorta, inteira, sugando tudo que pode.
Alguns educadores e pais têm levantado sua preocupação em
relação ao fato de os contos de fad as apresentarem um mundo
irreal — um mundo que o ferece uma solu ção perfeita e m ágica
para tudo. Além disso, m uitos d esses contos são bastante sex istas:
a s m ulheres são valorizadas apenas pela sua beleza, ao passo que
os hom ens são m ostrados com o heróis galantes. Apesar destas
d eficiên cias, e x iste muita coisa nos contos de fadas e contos popu­
lares clá ssico s com que a criança pode prontam ente se identificar.
Como antídoto para e ssa s d eficiên cias, o Dr. Richard Gardner
escreveu diversos livros para crianças: Dr. G a rd n er’s F a iry T a le s
fo r T o d a y ’s C hildren (Os Contos de F adas do Dr. Gardner para
as C rianças de H oje), Dr. G a rd n e r’s M o d ern F a iry T a les (Os
Contos de F adas M odernos do Dr. G ardner) e Dr. G a rd n e r’s
S to rie s about th e R e a l W orld (A s E stórias do Dr. Gardner sobre
o Mundo R eal.)
Quando uso esta s estórias no meu trabalho com crian ças, acho
proveitoso com parar explicitam ente as fan tasias e soluções m ági­
ca s apresentadas nos contos de fad as, bem com o a tendência
sex ista , com a própria vida da criança. M ais ainda, concordo
com o Dr. B ettelheim quando e le diz que estórias que acabam
com "e viveram felizes para sem pre” não enganam as crianças
nem um minuto. Sinto-me inclinada a pensar que a nossa cultura,
com a sua busca geral da felicid ade eterna, a nossa sede pelas
últim as novidades em artigos elétricos, ou pelo carro esporte m ais
vistoso, é o que causa grande parte da confusão dos jovens em
relação à vida. São os valores contraditórios daqueles que con ­
trolam as atividades da vida real das crian ças que desconcertam
as m esm as, e não aquilo que lêem nos livros. Os valores apre­
sentados nos contos de fad as são sim ples e claros, preto no branco.
Há num erosas variações na form a de contar estórias, e algu­
m as delas conduzem a outras áreas tais como trabalhar com
bonecos, representar a s estórias, ou escrever estórias. Às vezes
é divertido com eçar uma estória em grupo e fazer cada criança
a crescen tar o que quiser, form ando uma colagem narrativa.
Às vezes principio uma estória c peço à criança para termi-

114
ná-la; ou o contrário, ela com eça e eu term ino. Às vezes deci­
dim os inventar um final diferen te para uma estória que lem os
juntas.
Em P sy c h o th e ra p e u tic A p p ro a ch es to th e R e s is ta n t C hild
(A bordagens P sicoterap êu ticas para a Criança R esisten te), o
Dr. Gardner d escrev e vários jogos por ele inventados com o obje­
tivo de realçar a técnica de contar estórias. Alguns deles envolvem
apanhar um brinquedo ou objeto de uma sacola e contar uma
estória sobre o m esm o, ou contar a estória de uma palavra tirada
de um monte de palavras, ou contar a estória ao form ar uma
palavra no jogo de “ P a la v ra s C ruzadas” (ou “M exc-M exe”).

R edação

R aram ente peço às crian ças que façam su as própria reda­


ções, não porque não veja valor nisto, m as porque a m aior parte
delas não tev e boas exp eriências com redação. Lam ento que a
m aioria das crian ças tenha relutância em escrever, pois acho que
a redação é um dos instrum entos m ais satisfatórios, valiosos e
efetiv o s para a auto-expressão e autodescoberta.
R epetidas v ezes volto a fazer ten tativas de encorajar as
crian ças a escrev er, m as devido à sua resistên cia e à falta de
tem po para com eçar a ajudar as crian ças a descobrir o excita
mento de escrev er, passo para outras técn icas.
Entretanto, uma vez que a redação é apenas uma outra form a
das m esm as palavras que em pregam os para falar, posso com eçar
a dar às crian ças a sen sa çã o de já serem escritores. Quando uma
crian ça conta uma estória no gravador, posso datilografar a estó
ria e apresentá-la de volta em form a escrita. Ou posso escrever
ou datilografar a estória enquanto a criança está contando.
A credito que uma afirm ação verbal direta por parte da criança
possui grande poder no crescim en to da força interior, e por isso
m uitas v ezes peço à criança que fa ça algum tipo de afirm ação
acerca de um desenho feito no decorrer do trabalho terapêutico
entre nós. Ao fazer a sua afirm ação, eu a escrevo diretam ente
sobre o desenho, de modo a ser relida depois como um reforço
posterior. Às v ezes incentivo as crian ças a escreverem algum as
palavras, com o iniciação a um escrev er m ais fluente. “ E screva
as palavras que você quiser, o que você pensar, algum a coisa que
com bine com o seu desenho zangado.” Um m enino de 11 anos
escrev eu no seu desenho: “ Sr. e Sra. F od ed ores” , ao lhe ser dada
a instrução. Se você quer que as crian ças se expressem plena­
m ente, você não pode censurá-las!
P en so que as crian ças freqüentem ente relutam em escrever
porque as esco la s colocam a ê n fa se na ortografia correta, na

115
form a e estrutura da sentença, e até m esm o na caligrafia,
desta form a bloqueando e sufocando o fluxo criativo da criança.
P arece-m e que a gram ática e a ortografia deveriam ser separadas
da verdadeira redação, ensinadas separadam ente ou talvez mais
tarde, depois de a redação ter se tornado uma atividade fam iliar
à criança. Im agine o que aconteceria se insistíssim os para um
bebê form ular su as sen ten ças perfeitam ente corretas antes de per­
m itir que ele sim plesm ente diga palavras! Os bebês aprendem
a falar certo imitando a fa la dos adultos que os cercam . Se d ei­
x ássem os às crianças à vontade e não as assu stássem os com
regras, elas aprenderiam a escrever da m esm a m aneira que
aprendem a falar.
Dou a toda criança com que trabalho um pequeno caderno
espiral para escrever. P o sso pedir-lhe que use o caderno para
anotar os episódios em que faz xixi na cam a, ou escrever “coisas
que deixaram você zangado esta sem an a” , ou registrar os seus
sonhos. Eis as anotações feitas por um m enino de 9 anos, sobre
as co isa s que o deixaram zangado. 1) O Sr. S. não deixou os
m eninos jogarem bola. 2) Eu tive que limpar o banheiro, lavar
roupa e pendurar as toalhas. 3) Eu tenho que ir para a cam a às
oito e m eia e acordar à s sete e m eia da m anhã. E eu tenho que
com er, pentear o cabelo, m e vestir e sair de casa à s oito e m eia.
Sobre este m esm o tem a, uma m enina de 10 anos escreveu: A
minha m ãe não m e deixou dizer uma coisa para uma m enina. Ela
m e fez tom ar banho quando eu queria dizer uma coisa para a
minha am iga.
Às vezes com pletam os os livretos com cap as e títulos tais
como: “ Q ueixas” , “ R a iv a s” , “ A legrias” , “Orgulhos” , “Coisas que
eu D etesto” , “ Coisas de que Eu G osto” , “ M eus D esejos” , “ Se Eu
F o sse o P resid en te” , “ Se Eu F o sse a Minha M ãe” , e assim por
diante. Um caderninho recebeu o título “ Algo Sobre M im ” . Um
m enino de 8 anos escreveu “ Olhos C astanhos. Menino Comum.”
Outro desenhou uma elaborada figura de si m esm o e escreveu “ Eu
tenho cabelo castanho e preto. Tenho olhos verdes. Estou vestindo
ca lça s de brim azul. Estou de sapato preto. Tenho dois braços.
Tenho duas pernas. Tenho dois olhos verdes. Tenho dez dedos nas
m inhas duas mãos. Tenho dez anos. Tenho 1 m c 30 de altura.
Sou m eio m agricela. Tenho duas orelh as.” Outro menino, de £
anos, sim plesm ente escreveu: “ Eu sou fe io .” E outro, de 10 anos,
escreveu: “ Eu tinha um cachorro quando tinha 1 e 2 anos, ele
era maior do que eu, muito m aior. E le brincava com igo o tempo
todo.” F ez um pequeno desenho de um menininho brincando de
bola com um cachorro m aior do que ele.
Um menino de 6 anos trouxe consigo um livro que havia feito
na escola, com o título: “Sentim entos” . Cada página com eçava
com uma frase que a professora escrev era no quadro-negro para

116
as crianças copiarem e com pletarem com as suas próprias idéias.
Eis algum as das páginas deste menino:
Amor é . . . quando uma pessoa diz eu te am o e ninguém briga
e isto faz todo mundo se sentir m al. Então é bom . (A professora
havia escrito “ R efa zer” porque não tinha ficado satisfeita com a
ca lig r a fia !)
Eu sinto medo q u a n d o ... eu entro numa briga. Eu fico perdido
no m eio de nada (um a pequena figura de um menino parado no
m eio de um deserto.)
Outras sen ten ças eram : N ão é justo q u a n d o ... Eu m e sinto
feliz q u a n d o ... Eu m e sinto triste q u a n d o ... Eu m e sinto sozinho
q u a n d o ... Eu tenho vontade de cantar q u a n d o ... O meu melhor
am igo é . . . O que eu gosto em mim m e s m o ... Três coisas im por­
tantes que aconteceram na minha vida s ã o ... A melhor coisa
que eu s e i fazer é . . . Três d esejos que eu gostaria que aconte­
c e s s e m ... O dia m ais feliz da minha vida foi q u a n d o ... A coisa
m ais gozada que já m e aconteceu f o i . . . A coisa m ais linda do
mundo é . . . Se eu fo sse a p r o fe s s o r a ... Se eu fo sse o presi­
d e n t e ... M eus pais ficam contentes q u a n d o ... Se eu fo sse pai
e u . . . Se eu fo sse o diretor da e s c o la ...
Completar sen ten ças inacabadas é um m eio excelen te de en co­
rajar as crian ças a fazerem d eclarações a respeito de si próprias,
a entrarem em contato com seu s desejos, vontades, n ecessidades,
decepções, pensam entos, idéias e sentim entos. Os testes de sen ­
ten ças incom pletas oferecem m ais idéias para fra ses d esse tipo.
Um a vez que gosto de incentivar as crianças a terem con s­
ciên cia das polaridades da personalidade e do sentim ento hum a­
nos, m uitas v ezes form o pares de a firm ações opostas, tais como:
F ico contente q u a n d o ... e fico zangado q u a n d o ...; P a ra mim é
f á c i l . . . e para mim é d if íc il... Um a coisa que gosto em você
é . . . e uma coisa que não gosto em você é . . .
Às vezes peço à s crian ças que escrevam uma página inteira
de senten ças com eçando com “ eu sou ou estou ” ou “eu quero” .
Um m enino de 12 anos escreveu: “ Eu sou um menino. Eu
sou a legre, eu sou engraçado. Eu sou frio. Eu sou quente.
Eu estou m e enchendo de fazer isto .” E do outro lado do papel ele
escrev eu uma lista de “ Eu não sou ” (id éia dele m esm o). “ Eu
não sou bobo. Eu não sou m enina.” Etc.
P a ra crian ças dispostas a com eçar com redações, posso dar
as instruções segu intes: Im agine que hoje você tem o poder de
fazer qualquer coisa que você queira no mundo. E screva sobre o
que você fa ria . Ou: E screva uma carta para algum a parte do
seu corpo, tal com o “ Querido E stôm ago: Há uma coisa que eu
gostaria de lhe dizer.”
Num grupo, um a colega minha pediu à s crianças que cada
uma e sc r e v e sse um segredo, m as sem assinar o papel, depois

117
dobrasse o papel, e co lo ca sse num m onte no m eio da sala. Cada
criança pegou um papel e o leu para o grupo, com o se o segredo
fo sse seu. Foi uma sessã o ex citan te e com ovente.
H erbert Kohl, em seu livro M a th , W ritin g a n d G a m es in th e
O pen C lassroom (M atem ática, R edação e Jogos na Sala de Aula
A berta), fala do problem a de levar as crianças a escrever. Ele
argum enta que ao m enos nas escolas, as crian ças não escreverão
se tiverem m edo de falar. As crian ças s im escreverão se puderem
escrev er a respeito das co isa s que conhecem melhor, a s coisas
que lhes são im portantes. S e não podem falar d estas coisas livre­
m ente, com o podem os esperar que escrevam ? Ao d escrever suas
experiên cias com crian ças e redação, ele dá m uitas sugestões
excelen tes para encorajar as crian ças a s e expressarem através
da redação.
D uas publicações valiosas, que incluem grande variedade de
artigos sobre crianças c escrever são os dois volum es do T he
W hole W orld C atalogue — O C atálogo do Mundo Inteiro.

P oesia

P e ç a à criança para escrev er um poem a, e ela autom atica­


m ente com eça a se debater para fazer rim as entre as palavras.
N ão estou dizendo que um poema não deve ser rimado, m as a
arte de rim ar é uma habilidade à parte. A poesia rim ada não
é a m ais proveitosa para uma expressão que d eve fluir livrem ente.
A poesia vem do coração. P ode-se dizer coisas em forma
de poema que talvez fossem d ifíceis de serem ditas numa lingua­
gem falada ou escrita com um . N a poesia e possível deixar-se fluir
livrem ente, até m esm o loucam ente.
E xistem alguns livros bons que tratam da redação poética
das crian ças. Entre os m elhores encontra-se W ish es, L ie s and
D rea m s (D esejos, M entiras e Sonhos), de Kenneth Koch. Ele
su g ere várias m aneiras de liberar as crianças para que elas e scre­
vam poesias, e inclui no livro muitos poem as escritos por crianças;
tais poem as, à prim eira vista, podem parecer ter pouca relação
com os sentim entos das crian ças que os escreveram . Num cap í­
tulo cham ado “M entiras” , eis por exem plo o poem a de um
menino de 11 anos.

Eu vôo para a escola à m eia-noite


Eu corro para alm oçar à s nove
Eu desço debaixo da terra para ir para casa às onze
O meu nome é Palhaçodom undo Jam es F eijãossaltante
D iego Giramundo Jim m y e Flipflop Tom
Minha cab eça nasceu em Saturno m eus braços nesceram
na Lua

118
M inhas pernas em P lutão e o resto de mim nasceu na
Terra
A minha am iga abelha m e levou voando para casa.
(pág. 196)

A ssim como o rabisco, assim com o as fan tasias encontradas


em P u t Y o u r M o th er On T h e C eiling (Ponha a Sua M ãe No T eto),
um poem a com o e ste pode ser o prim eiro passo no cam inho de
proporcionar a liberdade e fluidez de revelar o que se passa no
coração e na alm a da pessoa. Considerem os este poem a, escrito
por um menino de 12 anos, que se acha num capítulo cham ado
“ R uídos” :

O vento saindo da sua boca


É com o o vento numa passagem escura
Quando a gente ouve pessoas m ais velhas falando
A gente ouve gem idos
B ater na cad eira com a régua
É com o ouvir os tiros de uma m etralhadora
Ouvir um cachorro uivando
É com o uma siren e de bom beiros
Ver dois lutadores ligados por um soco
É com o uma bala batendo numa lata (pág. 124)

P en so que um dos modos m ais efetiv os de fazer com que as


crian ças se interessem em escrev er poesia é ler para elas os
poem as de outras crian ças. Os poem as encontrados em W ishes,
L ie s a n d D re a m s (D esejo s, M entiras e Sonhos), M y S iste r L ooks
L ik e a P e a r (A M inha Irm ã P a rece Um a P e r a ), M e th e F lu n kie
(Eu, o B ajulador), T h e M e N ob o d y K n o w s (O Eu que Ninguém
C onhece), S o m eb o d y T u rn e d on a T a p in T h e se K id s (Alguém
Abriu um a Torneira N esta s C rianças), T h e W hole W orld C ata­
logue, 1 a n d 2 (O Catálogo do Mundo Inteiro, 1 e 2), B egin Stveel
W orld (C om ece Mundo D oce), M ira cles (M ilagres), e I N e v e r
S a w A n o th e r B u tte r fly (E u Nunca Vi Outra B orboleta), são poem as
poderosos, m aravilhosos, honestos. O meu livro predileto é H ave
Y o u S een a C o m et? (V ocê Viu um C om eta?) E ste livro, produ­
zido pelo Comitê dos E stados Unidos para a UNICEF, inclui tra­
balhos artísticos e escritos de crianças do mundo inteiro.
Quando leio um poem a, peço à crian ça para fechar os olhos
e deixar o poem a atravessá-la. Quando acabo de ler, peço a ela
que fa ça um desenho dos seu s sentim entos acerca do poem a, c
do que ela tomou co n sciên cia atra v és do m esm o. Ou então, peço
que fa ça o desenho de algum a coisa que o poem a a tenha feito
recordar: talvez algum a palavra, ou uma sentença inteira, tenha
tocado algum a corda dentro da criança.

119
0 poem a “ E xiste um N ó” , que se encontra em H a ve You
Seen a Cc/met? (V ocê Viu um C om eta?), jam ais falha em trazer
à tona alguns sentim entos que geralm ente são mantidos ocultos.
Esta é a tradução de um poema escrito por um menino turco
de 8 anos:

E xiste um nó dentro de mim


Um nó que não pode ser desatado
Forte
E le dói
Como se tiv essem colocado uma pedra
Dentro de mim

Eu sem pre me lem bro dos velhos tem pos


Brincar na nossa ca sa de verão
Ir ver a vovó
F icar na ca sa da vovó

Eu quero que e sse s dias voltem


T alvez o nó se desate
quando voltarem
M as ex iste um nó dentro de mim
Tão forte
E ele dói
Como se ex istisse uma pedra dentro de mim (pág. 32).

D epois de ouvir e ste poem a, uma m enina de 10 anos desenhou


uma figura parada no alto de uma colina, com um ponto preto
bem no meio, os braços esticad os, e as p alavras: “Eu odeio você,
eu odeio v o cê” escritas em torno da figura. E la ditou para que
eu e screv esse: “ O meu nó é a raiva dentro de m im .” Antes disto
ela havia negado d efensivam ente quaisquer sentim entos de raiva,
apesar do seu com portam ento rebeld e na escola e no lar.
Outra criança, de 9 anos, fez o desenho da casa da sua avó
e a figura de uma m enina parada a uma certa distância da casa.
E sta m enina, tam bém , tinha um ponto preto no seu abdóm en. O
ponto representava “ uma m entira que eu d isse para a minha m ãe.”
Ela se sentia culpada por causa d essa m entira e sentia tam bém
que não podia dizer isso à m ãe porque esta ficaria muito zangada.
(A esta altura ela m e contou o que era .) A sua avó tinha morrido
recentem ente, e ela era a única pessoa que a criança sentia
realm ente am á-la, a única a quem poderia revelar o que fizera
sem receber punição sev era . A partir do desenho, pudem os lidar
com as preocupações da m enina, bem com o com a sua tristeza.
É divertido fazer um poema em grupo. Cada criança escreve
uma linha, talvez contando um desejo. Eu junto então as linhas

120
e as leio de volta para o grupo com o poem a. As crianças ficam
bastante im pressionadas com as su as habilidades poéticas. Às
vezes peço à s crianças que cada uma seja um anim al ou estação
do ano ou v egetal, conform e queiram , e escrevam algum as linhas
sobre si m esm as. G eralm ente leio os seus poem as em voz alta
— as su as palavras sem pre parecem soar m elhor quando outra
pessoa as lê.
Os poem as podem ser escritos em conjunto com trabalhos
artísticos. P ed i a um grupo que d esen hasse, em cores, com o se
sentiam naquele m om ento. Quando term inaram pedi que e sc r e ­
vessem palavras, expressões ou sen ten ças para d escrever o sen ­
tim ento que tinham ao olhar para o desenho. U m a criança e sc r e ­
veu: “ As cores m e inundam e m e alisam e confortam suavem ente
— prim eiro de lev e, e depois com fo r ç a .”
Às vezes, antes de dar início a um a sessã o de poesia, pode­
mos conversar sobre palavras que podem d escrever sentim entos,
palavras que evocam figuras, p alavras das quais se gosta, pala­
vras que soam ásp eras. F azer experiências com palavras e expan­
dir a consciência delas ajuda a escrever poesia.
Com freqüência em prego uma form a sim ples de haicai com
as crian ças. O haicai é um poem a japonês de três linhas com
cinco, sete e cinco síla b a s cada um. Eu utilizo um a form a sim pli­
fica d a de cin co linhas, consistindo em um a palavra, depois duas
palavras que digam algo a resp eito da prim eira palavra, depois
três palavras que digam m ais algum a coisa sobre a prim eira,
depois quatro p alavras que digam ainda m ais algum a coisa sobre
a prim eira, e a quinta linha repetindo a prim eira palavra.
E is alguns exem plos ditados pelas crianças:

M eninas
Amo vocês
Eu am o m eninas
Gosto m uito de m eninas
M eninas
(m enino de 8 anos)

Dinossauros
Eu gostaria
Que eles vivessem
Montar nas costas deles
Dinossauros
(m enino de 7 anos)

Fogu etes
P retos, lindos
D eixam sair fogo

121
Fogo saindo debaixo
F oguetes
(m enino de 8 anos)

F oguetes
Têm janela
Voam no espaço
Homens flutuam no espaço
F ogu etes
(m enino de 9 anos)

M eninos
M oleques estúpidos
Brigam com m eninas
Caras feia s, cabelos feios
M eninos
(m enina de 9 anos)

M eninas
Bonitas, boas
Têm cabelo bonito
E las sem pre são boas
M eninas
(m enino de 10 anos)

Escola
Fugir dela
B ater em alguém
Não gosto de ler
E scola
(m enino de 8 anos)

Meninos
Amam m eninas
B atem em mim
Gosto de alguns meninos
M eninos
(m enino de 8 anos)

Nada
Só isso
N ão digo nada
Não vou dizer nada
Nada
(m enino de 10 a n o s).
M ulheres
Grandes, bonitas
Têm cab elo bonito
A doráveis, eu amo elas
M ulheres
(m enina de 9 anos)

E stes pequenos poem as contam m uita coisa a respeito dos


pensam entos e sentim entos interiores das crianças. Constituem
outra janelinha para os seu s quartos secreto s, um a rachadura na
porta tornando p ossível abri-la cada vez m ais.
P o em a s escritos por adultos para as crianças freqüentem ente
atraem m ais os próprios adultos do que as crian ças. Não é fácil
escrev er coisas com as quais a criança possa estab elecer con­
tato. Em certas oca siõ es m e deparo com um livro que aprecio
m uito, e tenho certeza que uma criança vai gostar dele tanto
quanto eu, só que acabo descobrindo que estou enganada. Um
livro que realm ente atinge as crianças é W h ere th e S id ew a lk
E n d s (Onde Term ina a C alçada), poem as e desenhos de Shel
Silverstein. I S ee a C hild (Eu Vejo uma C riança), de Cindy Her-
bert, foi escrito para adultos que trabalham e vivem com crianças,
m as descobri que tam bém as crianças são tocadas por alguns de
seus poem as, tais com o este:

D esculpe
Quando algo está faltando
Quando algo está quebrado
Eu levo a culpa
P a r e c e que sem pre sou culpada
Então
M e desculpo —
Sentindo-m e zangada
E hum ilhada
Mas nem um pouco
Culpada.

A grande poesia pode tocar o coração, m as a m aioria das


crianças foge dela, talvez devido à form a, m ais uma vez, como
sã o su jeitas a ela na esco la . Em seu livro R o se, W h ere D id G et
T h a t R e d ? (R ose, Onde V ocê Conseguiu E sse V erm elho?) Kenneth
Koch d escreve com o introduziu poetas com o B lake, Shakespeare,
Whitman e outros, à criança da escola prim ária. E le estim ulou as
crianças a im itarem os estilos de poetas c lá ssico s ao escreverem
sua própria p oesia, criando assim muito in teresse na variedade
de poetas e poem as apresentados. Por exem plo, “ O T igre” , um
poem a de W illiam B lake, com eça:

123
Tigre! Tigre! brilho ardente
N as florestas da noite
Que m ão ou olho imortal
Forjou tua. terrível sim etria? (pág. 33)

N este poema Blake interroga um tigre, e Koch pediu a seus


alunos que interrogassem da m esm a m aneira algum a criatura
bela e m isteriosa. A poesia que daí resultou é m aravilhosa:

Oh! borboleta oh! borboleta


Onde conseguiu suas asas verm elhas a r d e n te s? ... (pág. 43)

Oh! pequeno que vive num buraco


Como vocc se sen te hoje?
As rosas estão florindo e o sol
verm elho está brilhando
Como vocc se sente quando bombas
de terra são j o g a d a s ? ... (pág. 53)

Por que você é tão pequeno, insetinho?


Você vai ser pisado, in se tin h o ... (pág. 55)

Canções tam bém são poem as. Em nenhum outro tempo a nossa
cultura estim ulou tanto a criação de letras para m elodias. As
letras de m uitas de nossas m úsicas contem porâneas constituem
poem as fortes e com oventes. As crian ças sem pre estão a par das
m úsicas do momento, e geralm ente têm a s suas favoritas, as que
atraem os seus gostos p essoais. M uitos escrevem secretam en te as
suas canções. Um m enino de 12 anos m e mostrou uma m úsica que
tinha criado com um tem a de rock conhecido. Fiquei profunda­
m ente com ovida com o conteúdo, que falava dos seus sonhos e
anseios. Recordo-m e da estória que um am iga m e contou acerca
de sua filha de 6 anos. Certo dia ela ouviu a menina tocando
piano à su a m aneira, acom panhando com uma voz cantada que
dizia: “ Odeio a minha professora. Ela é chata. Ela não m e deixou
contar o que eu queria. Ela é chata. N ão há tempo, ela d is s e ..."
A m enina foi adiante, compondo a sua canção de protesto até o
fim ; depois veio feliz ajudar a su a m ãe a aprontar o jantar.

B onecos

Muitas vezes é m ais fácil uma criança falar por interm édio
de um boneco do que exp ressar diretam ente o que acha difícil
dizer. O boneco proporciona um certo distanciam ento, e a criança
sente-se m ais segura para revelar desta form a alguns dos seus
pensam entos m ais íntimos.

124
Tenho usado bonecos de d iversas m aneiras — em exercícios
diretos, espontaneam ente no decorrer da terapia, e em teatro de
bonecos. E is aqui alguns exem plos:
P e ça à criança para escolher no canto dos bonecos um com
que d eseje trabalhar; peça-lhe para se r a voz deste boneco —
s e r o boneco. Diga por que foi você o escolhido. (Eu poderia per­
guntar: ‘‘Boneco, por que o John escolheu v o c ê ? ” )
Como boneco, apresente-se. Conte-nos algum a coisa sobre você
m esm o. (Com crianças m enores, eu faço ao boneco perguntas tais
com o: “ Quantos anos você tem ? ” “ Onde você m ora?” )
Como boneco, apresente o John (a criança que o escolheu).
E scolha um (ou dois) bonecos que lhe recordem alguém que
você conhece.
Em qualquer uma destas situ ações eu (ou a s outras crianças,
se a atividade for em grupo) posso fazer ao boneco perguntas de
todos os tipos. Há tam bém ex ercícios onde ocorre m ais interação:
Enquanto o resto do grupo a ssiste, a criança e eu (ou duas
das cria n ça s), escolhem os um boneco, e e ste s dois bonecos e sc o ­
lhidos interagem não-verbalm ente por algum tem po. Depois,
am bos conversam entre si.
Um a crian ça escolhe dois bonecos e eles interagem não-ver-
balm ente, e depois verbalm ente, enquanto o resto do grupo perm a­
n ece assistindo.
B onecos apresentam outros bonecos ou outras crianças.
D escobre-se muita coisa a respeito da criança através do
boneco que ela escolhe. John escolhe o tigre. “ Eu sou feroz. Todo
mundo tem m edo de mim. Eu mordo as p essoas que chegam perto
de m im .” P osso estim ular m ais m aterial, form ulando perguntas
tais como: “ Quem é que m ais incomoda você, tigre?” Ou “Você
tem algum am igo — alguém que você não m orda?” Ou “O que é
que você fa z para as p essoas terem tanto m edo de você, tigre?”
Em algum momento posso querer perguntar à criança se algum a
coisa que d isse a cerca do tigre tem a ver com ele, John. "Você
costum a fazer isso? Algum a vez você já se sentiu assim ? As pes­
soas têm medo de v o c ê ? ” Ou então: “ V ocê tem medo de alguém
que se com porta com o tig re? ”
P osso pedir ao boneco para dizer do que gosta e do que não
gosta na criança que o escolheu, ou posso pedir ao boneco que
diga algo deste tipo aos outros bonecos ou às outras crianças no
grupo. Creio que é im portante que eu participe o m áxim o possível
com a criança, de modo que geralm ente escolho um boneco, e
faço com que ele diga os pedidos ou as perguntas em m eu lugar.
Às vezes, no decorrer de uma sessã o na qual outras técnicas
estejam encontrando resistên cia , o boneco pode vir com o salvação.
Por exem plo, Jan ice, um a m enina de 10 anos, estava vivendo num
orfanato havia m ais ou m enos um ano. Sua m ãe abandonara os

125
filhos, e estes haviam sido postos em orfanatos. As crianças tinham
sido “ transferidas para o E stado” . (O pai era desconhecido.)
F inalm ente Janice, separada do seu irm ão e da sua irm ã, foi
colocada num lar adotivo. Tudo corria bem. N a época da adoção
legal, J an ice d isse à assisten te social: “ V ocê tem um outro lar
para m im ?” E la recu sava a adoção, e não estava disposta a
discutir o assunto.
Em terapia, ela tam bém não o discutia com igo. Sim plesm ente
encolhia os ombros e dizia: “ Eu não s e i.”
Eu d isse a ela que sabia que devia haver dentro de si uma
voz que à s v ezes lhe dizia coisas. P ed i-lhe então que fo sse esta
voz. E la não foi capaz de fazê-lo, e então pedi-lhe que escolh esse
um boneco, e que este fo sse a “ sua voz” . E la escolheu uma bone-
quinha mole e engraçada, com um sorriso bobo na cara. Sendo a
voz da boneca, ela m e contou que tinha medo de ser adotada.
Não tinha m uita certeza do que era este medo. Pedi-lhe então
que d esen h asse o seu m edo. E la desenhou uma grande caixa
preta, bem sólida. D isse que tam bém tinha felicidade — uma caixa
retangular azul que suspendia e clareava um pouco o seu medo.
Foi a boneca que descreveu o desenho, e foi a boneca também
que de repente disse: “ Tenho m edo de nunca ver outra vez a
minha m ãe, o meu irmão e a minha irm ã.” Ela preferia ficar em
orfanato a ser “ trancada lon ge” . Voltei-m e para Janice e d eli­
cadam ente perguntei: “ É a ssim que você se sente, Janice? A bone­
ca está certa sobre com o v o c ê se sen te? ” Jan ice fez que sim ,
os olhos se enchendo de lágrim as. C onversam os algum tempo
sobre a situação. Eu sabia que teríam os que trabalhar todas as
ansied ad es, tem ores e tristezas de Janice, e que agora podíam os
com eçar. No final da sessã o , Jan ice m e d isse: “É gozado que
eu consigo conversar com você melhor do que com a Dona
L ------” (a sua assisten te social, com quem ela tinha uma relação
ex celen te). Respondi: “ Bem , foi por isso que a Dona L ------quis
que você v ie sse aq ui.”
Com crianças m enores, à s v ezes eu escolho um boneco (o
meu predileto é um pequeno ratinho de colocar no dedo) e con­
verso com a criança. E sta, no seu fascínio, responde muito m ais
depressa ao rato do que a mim.

T ea tro de B onecos

As crianças adoram fazer teatrinho de bonecos. É bom ter


um teatro pronto, embora às vezes eu u se o lado de trás de uma
cadeira, ou a parte de trás do m eu enorm e painel de feltro. A
criança vai para trás do m óvel, e usa a parte de cim a da cadeira
ou do painel com o palco. Se estam os numa sessã o individual, a

126
platéia sou eu. Às v ezes duas crianças m ontam um espetáculo
com o uma aventura conjunta. E outras v ezes eu dou o espetáculo.
Os espetáculos de bonecos são m uito sem elhantes a contar
estórias; a criança conta a sua estória por interm édio dos bonecos.
Se eu estiver apresentando o espetáculo, posso escolher o m eu
próprio tem a ou pedir à crian ça que dê uma sugestão — “Sobre
o que d eve ser e ste esp etá cu lo ? ” P osso escolher um tem a baseado
em algum a situ ação problem ática da vida da criança, com o por
exem plo o m étodo que ela usa para cham ar a atenção. Ou então
posso inventar uma estória engraçada apenas com o entretenim ento.
Quando a criança faz o teatro, geralm ente sa b e exatam ente
aquilo que quer fazer; assim , não dou palpites a m enos que a
criança tenha dificuldade em com eçar, ou fique encalhada no
m eio da estória. O teatro de bonecos feito por criança na m aioria
das vezes caracteriza-se por duas co isa s: estórias conhecidas e
m uita pancadaria. Eu encorajo a crian ça a contar a estória,
e assisto p acientem ente as brigas e surras. Com freqüência p es­
soas m e perguntam por que as crianças fazem isso quando brin­
cam com teatro de bonecos. Eu posso apenas presum ir a resposta.
T alvez estejam influenciadas por program as violentos a que a ssis­
tem . T alvez n ecessitem despejar seus sentim entos agressivos em
segurança. T alvez bater se ja um reflexo de suas vidas.
A lgum as crianças nunca precisam de su gestões. E las sabem
exatam en te o que querem fazer, escolhendo seus bonecos com cu i­
dados e encenando algum tem a grandioso, geralm ente relacionado
com as su as próprias vidas, quer rea is quer de fan tasia. Porém
m uitas crian ças precisam de algum a ajuda para romper o rep e­
titivo padrão de m ostrar dois bonecos batendo-se m utuam ente.
A ssim sendo, sugiro tem as, e isto m uitas v ezes as estim ula a esco ­
lherem um tem a m elhor sozinhas. Os espetácu los que faço para
as crian ças oferecem m odelos para as próprias criações das m es­
m as. Ao a ssistirem as m inhas estórias, ela s recebem idéias acerca
das diferentes possibilidades.
A lgum as v ezes em prego uma técnica que consiste em bonecos
contando estórias uns aos outros. D epois de a crian ça ter term inado
o seu espetáculo, pego os m esm os personagens e faço a minha
própria apresentação; à s v ezes esta é algo totalm ente novo,
outras vezes o conflito apresentado é o m esm o, e eu ofereço uma
solução m elhor. Se o tem po for su ficien te, podemos conversar
sobre os espetáculos em term os das nossas próprias vidas, da
m esm a form a com o seria feito com qualquer situação contada
numa estória.
P en so que tam bém os adolescentes gostam de montar esp e ­
táculos com bonecos. Às vezes eu lhes dou um a situação para
encenar, algo baseado nas problem as de su as próprias vidas.
Alguns jovens gostam de fazer exp eriên cias com situações mais

127
envolventes. A lgum as vezes tam bém utilizo provérbios, tais como:
“Quando o gato está fora, o rato faz a fe s ta ” : o provérbio fica
sendo uma esp écie de enigm a a ser desvendado. Um espetáculo
onde as crian ças encenam as suas interpretações de um provérbio
é sem pre divertido, desafiador, bem com o revela coisas sobre a
criança. Ou então, elas podem escolh er um provérbio de uma
lista, ou pegar um ao acaso num monte de papéis escritos, d ei­
xando que eu ou o resto do grupo adivinhe qual é. (Em qualquer
biblioteca existem livros de provérbios.)
Um a form a interessante de fazer teatro de bonecos pode ser
lida no artigo de Adolf G. Woltman, “ O U so dos B onecos em
T erapia” , em C onflict in th e C la ssro o m (Conflito na Sala de Aula.)
Woltman em pregou sua técnica com crianças numa instituição
hospitalar. Escolheu um personagem principal para ser o herói
em m uitos espetáculos, um menino cham ado Casper, que vestia
uma roupa m ulticolorida e um chapéu pontudo. E screveu m uitas
estórias sobre C asper, estórias que tratavam de com portam entos
asso cia is, m aterial de fa n ta sia , valores éticos e m orais que dizem
respeito à s crianças. No m eio de cada estória, fazia com que
Casper v iesse à frente do palco e p edisse à s crianças o seu conse­
lho, o que ela s diriam ou fariam em seguida com o com pletariam
o drama.
Num a das estórias, o espetáculo se abre com o pai de Casper
saindo de ca sa para ir trabalhar. A m ãe dá um beijo de despedida
no pai, expressando o desejo de que Casper venha algum dia a
seguir os seus passos. Sozinho no palco, Casper conta para a
audiência que está cheio e cansado de ter que ir à escola, e faz
planos de ir jogar bola. E le sa i correndo, e deixa os livros. A m ãe
encontra o m aterial, e corre para levá-lo à escola, acreditando
que Casper o esqueceu. O segundo ato m ostra Casper sozinho numa
rua. O jogo não esta v a tão divertido com o ele esperava. E le não
t.em nenhum dinheiro e sen te-se sozinho. O diabo chega perto
dele, o ferece os seu s serviços, e diz que pode com prar qualquer
coisa que queira. Casper resolve ser um rei. No terceiro ato ele
aparece vestido com as roupas de um rei, e está num castelo.
E le tem o poder de fazer o que quiser com o mundo. E le pede à
audiência que o ajude a tom ar as suas decisões referen tes a
esco la s, p rofessores, hospitais, pais, etc. Um a revolução irrom pe
quando as ordens de Casper são levad as a cabo segundo as su g es­
tões das crianças, e a sua vida é am eaçada. Ele chora c pede
ajuda, e aí ap arece o diabo, pronto para levá-lo ao inferno, mas
bem na hora certa, seus pais o salvam .
As crian ças que assistem a e ste espetáculo ficam trem enda­
m ente excitad as, e s e envolvem muito. As su g estões oferecidas são
as m ais diversas, e ocorrem inúm eras d iscu ssões. Trata-se real­
m ente de um encontro vívido. Embora este tipo de teatro de

128
bonecos, com os seu s cenários e figurinos, talvez possa ser am bi­
cioso dem ais para a m aioria de nós, a idéia em si é excitan te e
pode ser facilm en te adaptada de modo a sa tisfazer a s nossas
n ecessid ad es.
Em bora haja vários tipos de bonecos, acho que os bonecos de
mão são os m ais fá c e is de serem m anipulados pelas crianças.
Tenho alguns bonecos para serem colocados nos dedos; algum as
crianças gostam muito d eles, m as a m aioria acha que são d ifíceis
de m anipular. Tenho usado bonecos em varetas (é feito o d e se­
nho d e uma figura, depois recortado e colado numa régua ou v a re­
ta, com cola ou fita a d esiv a ), m as penso que as crian ças ficam
muito m ais envolvidas num esp etáculos feito com bonecos de mão,
talvez porque uma parte m aior de si m esm as — seu s corpos —
esteja envolvida.
P ossu o uma grande variedade de bonecos. A lgum as vezes não
tenho o boneco certo para uma determ inada estória, porém a s cri­
an ças adaptam -se facilm en te e enquadram os bonecos nos perso­
n agens de que necessitam . Tenho um hom em , uma mulher, um par
de m eninos, um par de m eninas, um diabo, uma bruxa, um cro­
codilo, um tigre, um bebê, um rei, um cachorro de orelhas com ­
pridas, e diversos anim aizinhos e outras figuras que uso como
bonecos. E is m ais algum as su g estõ es que podem ser proveitosas:
um m édico, um policial, um lobo, uma cobra, algum as figuras
de avó s, e a figura de uma fada-m adrinha. As crianças não so ­
m ente encenam situ ações de vida atra v és dos diferentes perso-
nagens-bonecos, m as identificam -se prontam ente com as várias
partes de s i próprias: a parte boa, a m á, a feroz, a angelical, rai­
vosa, o bebê, e a parte sáb ia. Algum as vezes, por interm édio de
uma peça de bonecos, elas sã o capazes de resolver conflitos inter­
nos bem com o externos, e equilibrar e integrar muitas aspectos
de si m esm as.
Às vezes a s crian ças se com prazem em fazer os bonecos. E x is­
tem nas bibliotecas infantis livros que dão um sem -núm ero de
su g estõ es e instruções para a feitura dos m esm os. Eu própria
fiz m uitos bonecos de feltro, deixando uma abertura entre a parte
da fren te e a de trás para enfiar a minha m ão, com o uma luva,
costurando os dois pedaços e grudando outros pedacinhos de feltro
de m odo a form ar a s partes do rosto e o cabelo.

129
6

Experiência Sensorial

N este livro inteiro escrevo sobre com o proporcionar à criança


exp eriên cias que a tragam de volta para si m esm a, experiências
que renovem e fortaleçam sua consciência daqueles sentidos b ási­
cos que o bebê descobre e nos quais floresce: visão, som , tato, pala­
dar e olfato. É através deles que experienciam os a nós m esm os e
estab elecem os contato com o mundo. Todavia, em algum ponto de
cam inho m uitos de nós perdem os a consciência plena dos nossos
sentidos: e ste s se tornam em botados e nebulosos, e parecem
operar autom aticam ente, desligados de nós. C hegam os a funcio­
nar na vida quase com o se os nossos sentidos, nossos corpos e
n ossas em oções não existissem — com o se não fôssem os nada
além de cabeças gigan tes, pensando, analisando, julgando, im a­
ginando, adm oestando, lem brando, fantasiando, adivinhando, pre­
vendo, censurando. Por certo o intelecto é uma parte importante
daquilo que som os. É atra v és do nosso intelecto que conversam os
com as pessoas, tornam os conhecidas as n ossas n ecessidades,
m anifestam os nossas opiniões e atitudes, afirm am os nossas esco ­
lhas. M as a s n ossas ca b eça s são apenas parte do nosso organism o
total, d esse organism o que nós possuím os e que p recisa ser cui­
dado, cultivado e usado. F ritz P erls costum ava dizer: ‘‘P erca a
cab eça e chegue aos sen tid o s” . P recisam os respeitar essa s partes
de nós m esm os que nos trazem tanto poder e sabedoria.
Não é minha intenção d escrever aqui todos os tipos de exer­
cícios e experim entos que existem para ajudar as p essoas a elevar
as suas funções sen soriais. Há inúm eros livros que tratam disso,
com centenas de su gestões e idéias.
M encionarei brevem ente cada um dos sentidos e darei alguns
exem plos de com o os focalizo. Interessante observar que muitos
d esses exercícios podem ser encontrados em livros relacionados
com arte dram ática, bem com o em livros educativos destinados à

131
criatividade no uso da linguagem . P e sso a s envolvidas n estes dois
cam pos há muito reconheceram a n ecessid ade de proporcionar a
crian ças e adultos m uitas experiên cias sensoriais de modo a aum en­
tarem suas habilidades.

T a to

A rgila, pintura com os dedos, areia, água, pintura com os pés,


são técnicas que oferecem boa exp eriên cia táctil. W hat is Y o u r
F a v o rite T h in g to Touch? (Qual é a Coisa que Você Mais G osta de
T ocar?) é um livro que tenho usado muito com crianças. Trata-se
de um livro encantador, que fa la de m uitos sentim entos e texturas
que sã o agradáveis de tocar. A través dele as crianças são moti­
vadas a falar de su as experiências tá cteis favoritas. P ara a exp e­
rim entação táctil, reuni um a variedade de superfícies: lixas,
veludo, pelica, borracha, papel, m adeira, pedra, conchas, m etal,
etc. N ós tocam os e conversam os sobre a sen sação que cada uma
d essa s co isa s desperta, que parte das nossas vidas cada um a nos
faz recordar.
Às vezes coloco os objetos num saco e peço a uma criança que
en fie a mão e pegue algum a coisa ásp era, ou mole, ou lisa.
Então eu m esm a tiro algo, com a criança m e dizendo o que devo
tirar.
A capacidade de discrim inar através de sen sações tá cteis é
uma im portante função cognitiva. Coloco num saco um lápis, um
carrinho de brinquedo, uma noz, um prendedor de papel, um
botão, e peço à criança que tire esp ecificam en te um dos objetos,
sem olhar. Ou digo: “ Ache algo que serve para e screv er” ou
“ Ache algo que com ece com P ” . Letrinhas de plástico ou m adei­
ra podem ser tam bém colocadas num saco, de modo a ajudar as
crianças na discrim inação das letras. Traçar letras e palavras
em areia é um bom exercício, e fazer letras de argila ou m assa
de farinha é divertido. A lgum as vezes desenho com o dedo uma
letra, palavra, nome ou objeto nas co stas da criança, e vejo se
ela consegue adivinhar o que desenhei.
Tem os feito um exercício de consciência sensorial no qual
escrevem os todas as palavras que d escrevam algum a sensação
táctil. Podem os fazer desenhos para representar algum as das
palavras (quais são as cores desta palavra?) ou algum a coisa que
a palavra nos faça lem brar; podem os tam bém fazer algum tipo de
movim ento corporal que com bine com a palavra. Eis algum as
delas: ondulado, fofo, escorregadio, duro, m ole, liso, grudento,
pegajoso, quente, frio, morno, gelado, áspero, esburacado, em bara­
çado, espinhento, peludo, borrachoso, fino, esponjoso, polposo e
acetinado.

132
Tam bém tiram os os sapatos e procuram os sentir uma varie­
dade de texturas com os nossos pés. D am os passeios com os pés
d escalços, dentro e fora de ca sa , e conversam os sobre com o os
nossos p és podem sentir. Comparamos a sen sação dos nossos pés
sobre cartolina, jornal, p ele, tap etes, alm ofadas, areia, gram a,
folhas, uma toalha, m adeira, borracha, veludo, lixa, algodão, fe i­
jão, m etal, cim ento, tijolo, terra, feltro, arroz e água.
C onversam os tam bém sobre coisas que m achucam a nossa
pele.
D uas crianças podem tentar m anter uma conversa entre si
sem palavras — apenas atra v és de g esto s e toque.
D uas crian ças podem tocar-se m utuam ente no rosto e contar
como se sentiram tocando e com o se sentiram sendo tocadas.
Isto pode ser feito com os olhos abertos ou fechados.
Podem os tocar a nossa própria fa ce, cab eça, braços, pernas,
ou qualquer outra parte do corpo, e descrever, verbalm ente ou
por escrito quais foram as n ossas sen sações.
Podem os brincar de cabra-cega, adivinhando quem tocam os
quando estam os com a venda nos olhos.
Podem os levar uma criança a p a ssear com os olhos vendados,
conduzindo-a pelas diferentes partes da ca sa ou m esm o do lado
de fora.
Com freqüência encorajo os pais a aprenderem algo sobre m as­
sagem e desenvolverem o hábito de m assagear seu s filhos. As
crian ças tam bém gostam quando m assageiam a si próprias ou
um as à s outras. Em grupo, ela s podem form ar pares e seguir ins­
truções para m a ssagear as costa s, cab eça, braços, pernas e pés.

V isão

As crian ças pequenas não têm m edo de olhar. E las vêem ,


observam , notam , exam inam , inspecionam tudo, e m uitas vezes
parecem fixar o olhar atentam ente. E ste é um dos modos impor­
tantes que a s crian ças têm a seu dispor para aprender e conhecer
o mundo. As crianças c e g a s fazem o m esm o tipo de coisa com
seus outros sentidos.
À m edida que vam os crescendo, geralm ente “ abandonam os os
nossos sentidos". C om eçam os a ver o mundo e nós m esm os atra­
vés dos olhos das outras p essoas; é exatam en te o que ocorre
com a população na fábula “ A Roupa N ova do Im perador". Nós
os adultos incentivam os as crian ças a abandonarem os seu s olhos.
Dizem os: “ N ão o lh e !” ou “ O que vão pensar de nós!" (quando
nos referim os aquilo que os outros nos enxergam fazendo). Preo-
rupamo-nos com as roupas e os modos com que nossos filhos apa
recem aos outros.

133
P a rte do p rocesso de recuperar os olhos envolve a tom ada
de consciência e o fortalecim ento do próprio eu, a capacidade de
encontrar conforto e fam iliaridade consigo m esm o, de confiar em
si próprio.
A habilidade de en xergar o am biente e as pessoas que nos
cercam é necessária para o estabelecim ento de um bom contato
com a parte exterior a si m esm o. A capacidade de ver os outros
claram ente expande os nossos horizontes.
Recordo-m e de uma m oça que precisava sem pre passar por
um ponto de ônibus apinhado de p essoas à espera de condução.
Ter que p assar por e sse grupo de gente era algo que a deixava
extrem am en te constrangida. E la im aginava que cada pessoa a
observava com algum tipo de julgam ento. Fedi-lhe que na vez
seguinte cam in hasse bem d evagar, com o experiência, e olhasse
para as pessoas que esperavam o ônibus. P edi-lhe que en xergasse
a s pessoas como se fo sse uma câm ara fotográfica e tirasse uma
fotografia m ental de duas ou três pessoas para que pudesse me
contar o que tinha visto. N a vez seguinte ela veio e contou como
se sentira inicialm ente em baraçada (o que é um sinal seguro de
que os olhos foram abandonados), m as que seu em baraço d esa ­
pareceu quando se lem brou da tarefa. Na verdade, d isse ela, uma
vez tendo conseguido entrar na ta refa , achou-a extrem am ente
interessante, e notou que na realidade ninguém olhava para ela,
exceto talvez um garotinho que lhe sorriu quando percebeu que
ela o estava olhando. D escreveu algum as das pessoas, a cor de
seus cabelos, suas ex p ressões fa cia is, o que vestiam , com o esta­
vam paradas. Foi m ais adiante e falou do que im aginara que
estavam pensando e sentindo, que dram as poderiam estar ocor­
rendo em suas vidas. D iscutim os a diferença entre o que podia
realm ente ver e aquilo que estava im aginando.
Ver e im aginar m uitas vezes se entrelaçam . Podem os ver
apenas o que é observável — não podem os ver os processos inte­
riores da m ente c do coração de ninguém . Podem os apenas im a­
ginar o que uma pessoa está pensando e sentindo; não podemos
enxergar e sse s processos.
Muitas co isa s s e colocam no cam inho da visão além do im a­
ginar o que a s pessoas sentem e pensam . Um a delas é saltar para
o futuro em vez de ficar no presente. Com freqüência estragam os
visões e experiências agrad áveis com a nossa preocupação sobre
o que poderá vir em seguida. Podem os olhar para um lindo pôr-
do-sol, esforçando-nos para agarrar todos os detalhes antes que
o sol desapareça no horizonte. E sse esforço, uma esp écie de ten­
tativa de apegar s e ao momento, já atrapalha o prazer de ver a
beleza d esse m om ento. E ste tipo de apego é universal. Eu adoro
tirar fotografias quando estou viajando. D escobri, no entanto, que
m uitas vezes o desejo de capturar uma vista bonita atrapalha o
prazer que sinto com essa vista.

134
A mim parece im portante o ferecer à s crianças m uitas e x p e­
riên cias com a visão, não som ente olhar. Conforme diz Frederick
Franck, em seu m aravilhoso livro T h e Zen o f S eein g (O Zen
de V er):

Nós olham os muito: Olhamos através de lentes,


telescópios, tubos de t e le v is ã o ... O nosso olhar torna-se
m ais aperfeiçoado dia a dia — m as nós vem os cada
vez m enos. N unca foi tão urgente falar sobre ver. Cada
v ez m ais os aparelhos e objetos, de câm aras a com pu­
tadores, de livros de arte a vid eo -ta p es, conspiram para
assum ir o controle do nosso pensar, do nosso sentir, do
nosso exp crien ciar, do nosso ver. Nós sim plesm ente
assistim os, som os e sp e c ta d o r e s ... Somos “ su jeitos” ,
que olham “ objetos” . R apidam ente colocam os rótulos
em tudo que ex iste, rótulos que são grudados uma vez
para sem pre. A través d estes rótulos reconhecem os tudo,
m as não VEMOS m ais nada. Conhecem os os rótulos
em todas as g a rrafas, m as não provam os nunca o vinho.
M ilhões de p essoas, sem o prazer de ver, zunem pela
vida em seu sem i-sono, batendo, chutando e matando
o que m al conseguiram perceber. E las jam ais apren­
deram a VER, ou esqueceram que o homem tem olhos
para VER, para experienciar (p ágs. 3 e 4).

Em bora os ex ercício s descritos no livro de Franck concen-


trem -se em aum entar a habilidade de desenhar através do que ele
d escrev e com o “ ver desenhar com o m editação” , são tam bém ex ce ­
lentes com o exp eriên cias para aum entar a capacidade d e visão
das pessoas. E le fa la do ver/d esen h ar com o a arte de desaprender
as coisas:

Ao desenhar uma rocha, eu não conheço nada


“sobre” rochas, m as deixo esta rocha esp ecífica reve­
lar a su a “ rochidez” . Ao desenhar a relva, eu não co­
nheço nada “ sobre” relva, m as desperto para a m ara­
vilha d esta relva e do seu crescim ento, para a m ara­
vilha de que a relva sim p lesm ente ex iste, (pág. 5)

A ssim , e le sugere, por exem plo, prim eiro sentar-se diante de


uma flor (ou de um galho, de um pé de a lfa c e, de uma folha, ou
de uma árvore) numa esp écie de estado de m editação, perm i­
tindo-se ser uno com o objeto, v e r o objeto em toda a sua m aravi­
lha, e depois deixar a m ão seguir o que os olhos vêem . Seguindo
e ste m étodo, os olhos com eçam a ver m ais do que jam ais s e julgou
possível.

135
Ao perm itir que os olhos absorvam tudo, a visão torna-se una
com todos os sentidos e sentim entos da pessoa. Tenho pedido a
crian ças que escolham um objeto e fixem o olhar nele por um
certo período de tem po, talvez três m inutos; e depois, que d ese­
nhem seu s sentim entos ou lem branças evocadas por interm édio
deste exercício m editativo, utilizando apenas cores, linhas e
form as.
Outros tipos de exercício: Experim entos com sen sações e tato
com os olhos fech ados, e então com os olhos abertos. Olhar para
as co isa s através de vidro, água, celofan e. Olhar para a s coisas
de diferentes p erspectivas — de perto, de longe, de cim a, de cab e­
ça para baixo. O livro Y o u r C hild’s S e n so ry W orld (O Mundo Sen­
sorial do Seu Filho) fornece alguns ex ercícios excelen tes para
ajudar a criança a aum entar sua consciência visual.

Som

P erm itir que os sons penetrem na nossa consciência é o pri­


meiro passo para tom ar contato com o mundo, o início da com u­
nicação. Todos nós sabem os que muitos ouvem apenas aquilo que
querem ouvir, deixando de fora o que. não querem . As crianças
fazem isto aberta e diretam ente, tampando os ouvidos com as
m ãos quando não querem escutar; os adultos freqüentem ente mu
dam o sentido daquilo que ouvem . A queixa de m uitas crianças
é “O meu p a i/a minha m ãe sim plesm ente não ouve o que eu d ig o !”
Duvido que exista uma condição tal com o “ não ter ouvido
para m ú sica” . Todavia, m uitas crian ças acreditam que não têm
ouvido porque alguém lhes d isse isso, e som ente com b ase nisso
elas se fecham para alguns dos prazeres do som , com o por exem ­
plo, perm itir que suas vozes experim entem a m úsica. Ajudar as
crianças a apreciar o som increm enta o seu senso de ser no mun­
do. E is alguns exercícios destinados a aum entar a consciência da
criança dos sons que a cercam .
Fique sentado em silêncio com os olhos fechados e d eixe os
sons que você ouve chegarem a té você. Note os seu s sentim entos
ao absorver cad a som . M ais tarde poderem os com partilhar as
nossas im pressões. E ste tipo de exercício assum e dim ensões com ­
pletam ente novas em locais diversos — am bientes internos, cid a ­
de, praia, campo.
C onverse sobre sons. Diga que sons são ásperos, m acios, lisos,
gostosos, agradáveis, fortes, su aves. O livro W h a t Is Y o u r F a v o rite
T h in g T o H e a r? (Qual é a Coisa que V ocê M ais Gosta de Ouvir?)
é excelen te para ser lido à s crian ças com o introdução a este tipo
de exercício.
M istura de sons. P egu e pequenos vasilham es e frascos de

136
rem édios velhos e coloque neles uma variedade de objetos — arroz,
feijão , tachinhas, botões, m oedas, qualquer coisa que caiba. Tam ­
pe ou cubra os fra sco s com fita ou papel, de modo que não se
possa ver o que há dentro. A crian ça sa co d e cada frasco e des­
cobre a m istura que há nele atra v és dos sons.
Com um xilofone de brinquedo, toque notas diferentes para
dar à criança prática com notas m usicais, percebendo quando são
as m esm as, m ais altas, m ais baixas, m ais fortes, m ais fracas. A
criança tam bém pode testar você. Isto pode ser feito com qual­
quer instrum ento m usical.
Um a brincadeira divertida é o jogo de reconhecim ento de
sons. Com a criança virada de co sta s, fa ça algum tipo de som,
com o derram ar águ a, bater um lápis na m esa, am assar papel.
A criança deve adivinhar qual é o som que você está fazendo.
D eixe sem pre que a crian ça tam bém teste você.
Sons e sentim entos com binam . C onverse sobre sons tristes,
sons a legres, sons am edrontadores, e sons que evoquem qualquer
outro tipo de sentim ento. Um a esca leta ou gaita é um bom ins­
trum ento para fazer experiência com sons e sentim entos. Também
o tom de voz indica sentim ento. As crian ças podem ouvir raiva,
por exem plo, na voz dos adultos, m esm o quando estes estão pro­
curando escondê-la. F a le sobre isto abertam ente. F aça sons vocais
para indicar em oções.
A fa la sem sentido é sem pre divertida. P rocure com unicar-se
atrav és de sons e de palavras sem sentido, sem usar qualquer
palavra real. V eja se consegue adivinhar o que está sendo expresso.
Tam bores e outros instrum entos rítm icos prestam -se a uma
varied ade de ex p eriên cias e jogos sonoros. F a ça a criança acom ­
panhar o seu ritm o, ou evocar uma im agem com b ase na sua
m arcação rítm ica.
E scu te m úsica com a criança e a seguir conversem sobre os
sons ouvidos. P e ç a à criança que desenhe sentim entos, m em ó­
rias, im agens, durante ou após a m úsica.

M ú sica

Num artigo intitulado "Terapia M usical” , que aparece em


C o n flict in lh e C lassroom (Conflito na Sala de A ula), Rudolph
Dreikurs discute os efeito s benéficos da m úsica sobre várias
crian ças psicóticas:

O uso da m úsica trouxe resultados em casos onde


outras abordagens haviam falhado. P a r ece que a exp e­
riên cia prazenteira com m úsica, m uitas vezes apenas
com o fundo, estim ula a participação, perm ite um au

137
mento no cam po de atenção da criança, e eleva a to le­
rância à fru stração. As ten sões internas e externas
d esaparecem à m edida que a realidade vai se tornando
m ais agrad ável e m enos am eaçadora. As exigências de
participação são tão sutis que a criança não se re s­
sen te delas e tam pouco as d esafia, (p ágs. 201-202).

A entonação m elódica tem sido usada com crianças retarda­


das para ajudá-las a aprender a falar. As palavras são a sso cia ­
das a m elodias fam iliares, e com m uita repetição da canção, a
crian ça aprende a dizer a s palavras, primeiro com a m úsica e
depois, gradualm ente, sem ela. E ste é ainda outro exem plo do
poder da m úsica.
A m úsica e as batidas rítm icas são form as antiqüíssim as de
com unicação e exp ressão. O em prego deste recurso com bina adm i­
ravelm ente com o trabalho terapêutico com crianças.
A maior parte da m úsica que utilizo com crianças sou eu
m esm a que faço com um velho e gostoso violão. Acho que o violão
é um instrum ento poderoso na terapia com crian ças. Quando tra­
balhava em esco la s, tocava violão todo dia, e crianças de todas
as idades esperavam ansiosam ente o intervalo m usical. O violão
p arece encerrar algum a esp écie de m agia para elas. Eu sei que
não tem nada a ver com talento m usical, pois eu, na m elhor das
hipóteses, sou uma tocadora m edíocre; eu sim plesm ente conheço
algum as posições com uns, prendo-me a elas e toco procurando
acom panhar as canções que canto.
Quando a minha filha estava no jardim de infância toda m ãe
era obrigada a passar um dia por sem ana trabalhando com as
crian ças. A ssim que correu a notícia de que eu sabia tocar violão,
fui solicitada a passar parte dos m eus dias de trabalho tocando
para cad a grupo de crianças. E sta s, cujas idades variavam entre
3 e 5 anos, ficavam sentadas absortas por m eia hora, pelo m enos.
Em pouco tempo as m ães estavam m e pedindo que v iesse para
a s fe sta s de aniversário de seus filhos, e m e pagavam 10 dólares
(o que na época era b asta n te!) para entreter a garotada por uma
hora. Nunca tive que lutar para conseguir a atenção das crianças.
P en so que isto tem a ver com o tipo de canções que considerava
apropriadas, e com minha habilidade de se r muito exp ressiva com
essa s can ções, convidando todos a participar sem pre que possível,
e — acim a de tudo, com o violão em si. Cheguei a tentar outros
instrum entos, uma harpa fá cil de tocar, tam bores e piano, m as
estou convencida de que o violão é o m ais poderoso de todos,
talvez porque dê a maior oportunidade de m anter contato com as
crianças enquanto se toca.
No jardim de infância, pela prim eira vez experim entei usar
a m úsica com o form a de fazer as crianças se expressarem . Eu

138
cantava uma canção com o “ Go Tell Aunt R hody”*, que fala de
um ganso que m orre, e em pouco tempo estávam os falando acerca
de m orte, pesar e tristeza. Ou depois da sessã o de m úsica uma
crian ça vinha e m e contava que o seu gato tinha morrido, ou que
o vovô tinha morrido, dando-nos uma oportunidade de conversar
sobre o assunto. Quando eu cantava “ Sim baya M am m a’s Baby",
que d escreve as violentas rea çõ es que um novo bebê provoca
na fam ília, m uitas das crian ças conseguiam se identificar com
essa situação.
Às vezes esta s can ções tinham m ais força do que livros de
contos. N ão tem fim o núm ero de can ções populares que atraem
as crianças e abrangem as em oções de qualquer fa ix a etária. Por
exem plo: Amor ( “ Sw eetie Little B ab y” — P e te Seeger; “Magic
P en n y ” — M alvina R eynolds): reconhecim ento, pertinência ( “ Mary
Wore Her R ed D r e ss” , “ Train is a C om ing” ); hostilidade, raiva
( “Sim baya” , “ D on’t P ush M e” — Woodie Guthrie; “ Let E veryone
Join In The G am e” , usando a palavra “ não” ); T risteza, pesar,
m orte ( “ Go Tell Aunt R hody” , “ T hree Caw” , “ I Had a R ooster” ,
usando o verso sobre o choro do bebê, "M am m a’s Got a B aby”
— Woody G uthrie).
E xistem can ções que em balam (com o “ Hush Little B ab y” , e
outras que apelam para o sen so de humor da criança, (com o
“ Jenny Jenk ins” ). M uitas can çõ es (com o “ I Wish I Were an Apple
On a T ree” ), possuem final aberto, com versos a serem inventados.
E xistem can ções m uito bonitas para crian ças, encontradas na
tradição folclórica m usical e nos arquivos de m úsica, que se pres
tam a todas as necessid ad es. E xistem canções sobre todo e qual­
quer sentim ento ou situ ação de vida, can ções absurdas e canções
que contam estórias. Um a vez que elas se m antêm através dos
tem pos, nunca parecem “ arranjadinhas” . E las acrescentam v ita ­
lidade, beleza, e força às em oções, im aginação e experiência das
crian ças. São can çõ es geralm ente muito fle x ív eis — passaram por
m uitas m udanças e são ad aptáveis a m udanças. N asceram nos
corações das p essoas e se m antiveram porque foram am adas e
com partilhadas.
M uitas dessas can çõ es podem ser encontradas cm livros e
discos. E xistem m uitos com positores e cantores de canções atraen­
tes (P ete S eeger, Woodie Guthrie, E lla Jenkins, M alvina R eynolds,
Sam Hinton, M arcia Berm an e Hap P alm er.)

* N os p arág rafo s a se g u ir a a u to ra cita um a se rie d c canções e a u to re s p o ­


p u la re s c fo lcló rico s, e x p lic a n d o o c o n te ú d o b ásico d c ca d a canção. C ita re m o s aqui
o s n o m es com o e x e m p lo p a ra o s le ito re s q u e têm c o n ta to com a m úsica norte-
am erican a. D e s n e c e s sá rio , p o ré m , d iz e r q u e o im p o rta n te é o tem a a b o rd a d o , e
q u e n o e m p re g o d esta técn ica d eve-se p ro c u ra r n o folclore e n a m úsica p o p u la r
b ra sile ira can çõ es q u e tr a te m d o s tem as m en cio n ad o s e q u e sejam d c fácil a p re e n ­
são p o r p a rte d a c rian ça. — ( N .d o T .I

139
A m úsica pode ser utilizada de m uitas m aneiras. P ode-se
tocar m úsica enquanto as crianças pintam com os dedos ou tra­
balham com argila. A m úsica pode servir com o fundo, ou pode ser
o centro da atividade. Tenho pedido às crianças que desenhem
form as, linhas e sím bolos e usem cores para a m úsica. As peças
c lá ssica s são especialm ente apropriadas para entrar em con­
tato com sentim entos e evocar im agens e estados de espírito.
Em seu livro T o rn a r-se P re se n te , John Stevens apresenta algum as
su gestõ es excelen tes para com binar a fan tasia com peças m usi­
cais esp ecífica s. E is aqui um exem plo (Gabor Szabo: Spellbinder,
lado 1, fa ix a s 1 e 2.)

D eite-se com esp aço em volta, e fech e os olhos. Im a­


gine-se com o m atéria inerte no fundo do mar pré-his­
tórico. E x iste água por todos os lados — às vezes cor­
rentes su aves, e outras v ezes ondas bravias. Sinta a
água escorrendo pela sua sup erfície in e r te ...
Agora, enquanto a vida se desenvolve, você se
transform a em algum tipo de erva ou planta m arinha.
E scu te o tam bor e deixe o som penetrar nos seus
m ovim entos enquanto as correntes o a r r a sta m ...
Agora torne-se um anim al sim ples, que se arrasta
pelo fundo do m ar. D eixe o tambor fluir através do seu
corpo e dos seus m ovim entos com o anim al marinho.
Agora m ova-se vagarosam ente em direção à ter­
r a . . . e quando a alcan çar, fa ça crescer quatro pernas
e com ece a se arrastar pela terra. Explore a sua e x is­
tência com o anim al t e r r e s t e ...
A gora fique aos poucos m ais ereto, sobre duas
pernas, c explore a sua ex istên cia e m ovim entos com o
b íp e d e ...
A gora continue se m ovendo e abra os olhos, e inte­
raja com os outros através dos m o v im en to s... (págs.
332-333).

E ste tipo de experiência pode ser m odificado e adaptado à


idade das crian ças bem com o ao espaço utilizado. É sem pre
revelador com partilhar os sentim entos em seguida a este exer­
cício. P ode-se pedir às crian ças que desenhem seu s sentim entos
ou o anim al conform e o experienciaram .
As crianças gostam de usar tiras de chiffon colorido ao se
m overem com a m úsica, e adoram dançar ao som do rock e outros
ritm os contem porâneos.
Os tam bores atraem muito a s crianças — até m esm o aqueles
entre nós que têm pouca habilidade são capazes de criar um ritmo
aceitável. P ode-se dizer: “ M ostre-m e que tipo de ritm o você faria

140
se se sen tisse triste, ou a le g r e ” , ou “ F a ça um a batida de tambor
e vam os ver s e conseguim os adivinhar o que v o cê está sentindo” .
As crian ças adoram usar instrum entos de ritm o. Tam borins,
m aracas, tam bores de todos os tipos, sinos — na verdade, qual­
quer coisa que fa ça som , — podem ser usados para m archar,
dançar, ficar escutando a m úsica, acom panhar o violão, e tudo
junto pode constituir uma sinfonia em si. Tenho registrado os tra­
balhos de crianças em grupos com um gravador ca ssette , e depois
toco a fita para deleite das m esm as. E las ficam radiantes, com
a sen sa çã o de terem realizado um a façan ha, quando ouvem os
sons que produziram e descobrem o sentim ento da cooperação
grupai e do sinergism o.
É divertido tam bém inventar estórias cantadas acerca de
crianças ou situ ações. Um a estudante m e contou que inventava
d iferentes estórias sobre a m esm a p essoa, acom panhando-as ao
violão, e a s crianças pediam m ais episódios. Tam bém as próprias
crian ças podem inventar e ssa s estórias.
Continuam ente fico pasm ada com o poder do violão. Certa vez
fui designada com o a ssisten te da professora numa c la sse de
quinta série. Im ediatam ente fiquei encarregada de m úsica por­
que a professora não gostava. Quando perguntei se podia usar o
m eu violão, foi-m e dito que não, pois isso estim ularia dem ais as
crian ças (um a con cep ção errônea bastante com um ). No meu últi­
mo dia, ela m e deu perm issão de trazer o instrum ento. No final da
sessã o , uma m enininha aproxim ou-se de mim e muito zangada per­
guntou porque eu não o havia trazido antes. E la sentiu-se tapea­
da, privada, e eu lam entei não ter insistido m ais no início. Jam ais
achei que a m úsica fo sse estim ulante dem ais. Ao contrário, em
geral ela possui um efeito trem endam ente calm ante, apazigua­
dor. P a is relatavam que as crian ças ch egavam a ca sa cantaro­
lando baixinho depois de algum as das m inhas sessõ e s m usicais.
A té m esm o a s crian ças m ais h iperativas ficam muito envol­
vidas e acalm adas pela m úsica. Ao trabalhar com e ssa s crianças,
às vezes eu m e sen tava e, sem dizer palavras, pegava o violão;
as crian ças corriam a sen tar-se e ficavam muito quietas, numa
feliz exp ectativa.
Certa vez, e sta v a dando aula a um grupo de crianças da
quarta série rotuladas com o “ culturalm ente c a ren tes” . Um dia a
diretora entrou enquanto estávam os tendo m úsica. Cantávam os
“In The Woods There Was a T ree” , e eu acom panhava no violão.
E sta can ção, que fa la de um a árvore num buraco no chão, requer
a repetição de uma longa lista de p alavras enquanto vai-se avan­
çando. Eu m uitas v ezes m e confundia, m as a s crianças lem bra­
vam a seqüência inteira. Eram crian ças que estavam tendo difi­
culdades em ler e lem brar, e a diretora fico u estupefata. “Talvez
devêssem os ensinar m atem ática e tudo m ais deste jeito ” , disse ela.

141
Paladar

A língua é uma parte im portante do corpo, todavia nós g era l­


m ente não lhe dam os im portância e a tem os com o algo qualquer.
A língua é muito sen sív el; ela nos conta quando as coisas são
doces, azedas, am argas, salgad as. A língua é usada para m as­
tigar, engolir e, acim a de tudo, para falar. F aço experiências com
essa s funções para que as crian ças se tornem m ais conscientes
daquilo que a língua pode fazer. A língua nos ajuda também a
exp ressar em oções — m ostrar a língua para alguém é uma grati
fican te m an ifestação de desgosto por aquela pessoa. (Em algum as
culturas, m ostrar a língua é uma ex p ressão de agradecim ento!)
A língua é tam bém um órgão sen su al que à s vezes proporciona
prazer erótico. Todas as crianças estão fam iliarizadas com o pra­
zer de lam ber. Com freqüência ofereço algum a experiência com
o lam ber, para rea lça r a consciência d este prazer. (Uma coisa
boa para isso são os sorvetes de casquinha.)
C onverse sobre sabores. D iscuta quais são os sabores fa v o ­
ritos e os m enos apreciados. T raga am ostras para que as crianças
provem o gosto. Com pare o sabor e a textura. A língua não apenas
discrim ina se as coisas são doces e azedas, ela pode contar se
algo é duro, m ole, frio, quente, rugoso e áspero.
Os dentes, lábios e bochechas estão intim am ente ligados à
língua. N ão s e esqueça de inclui-los nestas discussões e e x p e­
rim entos.

O lfato

D iscuta o nariz, as narinas e a respiração. F aça experim entos


de respiração através do nariz, da boca, de uma narina de cada
vez. Sinta o ar com a palm a da mão quando ele sai.
C onverse sobre cheiros — cheiros preferidos e cheiros não
apreciados. P ropicie uma experiência com cheiro — flor, fruta,
doce, condim ento. Coloque uma variedade de coisas com arom as
distintos em potes ou frascos — perfum e, m ostarda, alcaçuz, bana­
na, artem ísica, av elã , m açã, chocolate, baunilha, sabão, pétalas
de flor, cebola, pinha, vinagre, ca fé, ca sca de laranja, talco de
banho, extrato de lim ão, a celga, la sca s de m adeira, pimenta.
Veja se as crian ças conseguem reconhecer e sse s arom as.
Converse sobre os que ela s gostam e não gostam , bem com o as
lem branças que cada arom a evoca. T raga outros objetos tais com o
galhos de pinheiro, ca sca de árvore, se iv a , folhas e assim por
diante.
Como mudaria a sua vida se você não fo sse capaz de cheirar
nada, com o acon tece quando você está resfriado e o nariz fica

142
tampado? Tente dizer dez coisas que não têm odor nenhum. D ê
um p asseio pela c a sa ou pelos arredores, e descreva os odores.
M uitas experiên cias sensoriais na verdade envolvem uma com ­
binação de sentidos. D e fato, p rovavelm ente é d ifícil citar uma
única experiência sensorial que não envolva m ais do que um dos
sentidos.

Intuiçã o

E x iste m uita g en te estudando um a outra capacidade que


conhecem os muito pouco, e esta capacidade parece envolver algu­
m a coisa além do cam po claram en te conhecido.
Eu vejo este sexto sentido com o algo b asicam ente intuitivo,
um conhecim ento que reside em algum a parte do corpo diferente
da m ente. Os anim ais parecem possuir esse sentido, e o m esm o
ocorre com as crian ças pequenas. Estou com eçando a prestar m ais
atenção à verdade que o m eu corpo p arece conhecer, antes de
se form arem quaisquer palavras ou pensam entos.
Tenho feito com clien tes um ex ercício que envolve este tipo
de sentido, com o objetivo de lhes o ferecer m ais experiência para
confiar neste lugar que se encontra dentro de nós. Eu o chamo
de exercício sim -não, ou às vezes exercício verdadeiro-falso. Sugi­
ro à criança uma afirm ação com o “ Eu gosto de vagem ” . Instruo
a criança a responder verdadeiro ou fa lso baseando-se naquela
parte do corpo que dá a resposta, e não na cab eça. P ara mim, a
fonte da resposta à s vezes é o peito e outras vezes um ponto pouco
acim a do umbigo. Com prática, pode-se aprender a sintonizar
e sse s lugares que p arecem conter uma verdade intuitiva.
Acho difícil falar esp ecifica m en te sobre este sentido, e no
entanto sei que ele é im portante e p recisa ser desenvolvido. E ste
sentido pode ser praticado e desenvolvido com o todos os outros.
T em os o som , o paladar, a vista e o tato com o algo corriqueiro,
e todavia o potencial do seu uso é muito m aior do que jam ais
im aginam os. O sentido intuitivo cobre um largo cam po e pode
envolver processos tais com o a fa n ta sia , a im aginação, a cria­
tividade, cam pos corporais e cam pos de energia. Alguns sentem
que e ste sentido está relacionado com o espírito dentro de nós
— e ssa parte da nossa própria essên cia que vai além do corpo
e da m ente.
P en so que ex ercício s envolvendo a fan tasia e experiências
im agética s desen volvem o sentido intuitivo. Quando peço a uma
crian ça para que ela d eixe uma figura form ar-se na sua m ente
— por exem plo, im aginar sím bolos para os m em bros da sua fam í­
lia — acredito que ela está perm itindo o desenvolvim ento da sua
intuição. Um bom exem plo de exercício de abertura para novas

143
partes dentro de si m esm o é deixar que se form em figuras
enquanto s e escuta m úsica. Em seu livro G o See T h e M o vie in
Y o u r H e a d (V á Ver o F ilm e na sua C abeça), Joseph Shorr apre­
sen ta m uitas técn icas para estim ular a habilidade de form ação
de im agens no sentido de prom over o autocrescim ento. A criação
de im agens dirigida é outro p rocesso d e ajudar as p essoas a d es­
cobrir novas p assagen s para lugares dentro de si próprias.
E stab elecer contato com a sabedoria interior de cada um é
talvez outra form a de em pregar o sentido da intuição. Às vezes
este eu sábio, que conhece as respostas a perguntas que envol­
vem a dinâm ica da vida, pode ser contactado através da fan ta­
sia: a crian ça pode ser instruída de form a a encontrar uma pessoa
sábia numa m ontanha com quem possa conversar e descobrir as
respostas a su as perguntas.
Qualquer fantasia pode ser utilizada para contactar o aspecto
sábio e criativo da p essoa. Josh, de oito anos, era um menino
que adorava usar telefon e de brinquedo no meu consultório, e
m antinha con versas interm ináveis com igo pelo telefone. Um dia
ele m e orientou para lhe fazer uma pergunta que tinha a ver com
“ um dos m eninos que veio aqui e tinha problem as” . Então eu d isse
pelo telefone, “ Josh, eu tenho e sse m enino que não quer abso­
lutam ente ir para a cam a quando a sua m ãe m anda. (E ra um
problem a na fam ília de Josh .) O que devo dizer a ela para fa zer? ”
E le respondeu: “ D esligue, e eu cham arei de novo” . D iscou então
um número e gritou ao telefone: “ Alô! Alô! É o Homem de M arte?
Ê? Ótimo. P reciso de um conselho” . E le perguntou então ao Ho­
mem de M arte o que fazer em rela çã o ao m eu menino problem á­
tico, escutou atentam ente, desligou, e fingiu telefonar outra vez
para mim. Atendi o telefone, e ele disse: “ V iolet, diga a m ãe d esse
menino que ela p recisa fazer um trato com ele. Ele pode assistir
televisão m eia hora depois de sua irm ã ir para a cam a, e assim
ele irá sem qualquer problem a” .
Fazem os m uitas vezes essa brincadeira (a pedido de Josh ),
tocando em m uitas de su as próprias dificuldades em casa e con­
sigo próprio. Em outra se ssã o eu disse: “ Josh, tenho esse menino
que joga beisebol num cam peonato mirim, m as o técnico não o
deixa arrem essar, e ele tem violentos a cessos de raiva, e não
consegue jogar o melhor que pode, m as m esm o assim não s a i do
tim e. E le nem m esm o deixa a m ãe conversar com o técnico sobre
isso, e ela está muito aborrecida com toda a estória” . Josh re s­
pondeu, depois de escutar por algum tem po as palavras do Homem
de M arte: “ O Homem de M arte d isse que o técnico devia dar
ao m enino m ais chances de arrem essar, para ele poder aprender.
Uma vez e le arrem essou, e não foi muito bem, então agora o
técnico só coloca o melhor arrem essador, então com o é que o
menino vai aprender a arrem essar? E le ADORA arrem essar” .

144
Josh então colocou o telefo n e de lado e d isse em voz baixa: “Se
a m inha m ãe for conversar com ele, todo mundo vai saber, e vão
achar que eu sou um b eb ê” . N este ponto ele sucum biu aos solu­
ços. C onversam os por algum tempo sobre os vários aspectos desta
situação. Então Josh disse: “ T alvez eu encontre um outro
jeito de treinar a arrem essar, e depois eu digo para o técnico
e ele m e deixa tentar de novo” .

S e n tim e n to s

Algum as crianças não estão fam iliarizadas com o que são


sentim entos. E sta afirm ação parece estranha, pois certam ente as
crian ças sentem . M as penso que elas têm uma capacidade lim i­
tada de com unicar seu s sentim entos. E las tam bém tendem a ver
as coisa s em branco e preto. Creio ser muito útil proporcionar às
crianças exp eriên cia com a grande variedad e de sentim entos e
suas nuances. E xistem tam bém jogos e ex ercícios que ajudam as
crianças a estab elecer contato com seu s próprios sentim entos.
Um a boa form a de com eçar a conversar sobre o que as pessoas
sentem é através da leitura de um livro sobre sentim entos, como
por exem plo F e e lin g s In sid e Y o u a n d O utloud T o o (Sentim entos
Dentro de V ocê e Fora Tam bém ) ou G row nups C ry T oo (Adultos
Tam bém C horam ). P en so que conversar sobre sentim entos é um
passo inicial im portante com as crian ças. E las precisam saber
quais tipos de sentim entos existem , que todo mundo tem sen ti­
m entos, que os sentim entos podem ser exp ressos, com partilhados
e com entados. Tam bém precisam aprender que podem fazer esco ­
lhas em relação a m aneiras de exp ressar sentim entos. As crianças
necessitam estar fam iliarizadas com as m uitas variações dos sen ti­
m entos, para que isto as ajude a entrar em contato com o que
estã o sentindo. E is algum as das p alavras d esignativas de senti­
m entos sobre as quais tenho conversado com a s crianças: feliz,
bom, orgulhoso, zangado, m edo, m agoado, aborrecido, desapon­
tado, frustrado, dor, sozinho, solitário, am or, gostar, cium ento,
inveja, esp ecial, particular, ruim , a legria, prazer, lam ento, ver­
gonha, desgosto, radiante, seguro, forte, fraco, pena, em patia,
com preensão, com preendido, adm iração, tristeza, cansado.
Falo com as crian ças acerca da relação do corpo com os
sentim entos, que todos os sentim entos são experienciados através
de sen sa çõ es corporais e expressos p ela m usculatura do corpo. A
nossa respiração e a nossa postura corporal são form as de m ani­
festa r o que estam os sentindo. Fazem os experiências exagerando
vários m ovim entos e posturas que possam indicar determ inadas
em oções. Quando a criança está se sentindo triste ou com medo,
zangada ou ansiosa ao estar com igo, posso ajudá-la a sintonizar

145
o seu corpo e tom ar con sciência do que está fazendo com o corpo
no instante da ex p ressão do sentim ento.
Às vezes trabalham os de dentro para fora. O sintonizar o
corpo pode contar o que se está sentindo. C onversam os sobre a
m aneira com o evitam os sentim entos, com o os afastam os, enco­
brim os, ocultam os, com o os tornam os nebulosos. É só quando
reconhecem os os nossos sentim entos e os experienciam os que
podem os liberá-los e usar o nosso organism o total para outras
coisas. De outro modo, uma parte de nós está continuam ente ali­
m entando os sentim entos que estam os ignorando, deixando-nos
apenas parte de nós m esm os para o processo de viver. Assim
aprendem os a escutar os nossos corpos de modo a entrar em con­
tato com os nossos sentim entos.
Uma técnica denom inada “co n tin u u m de con sciên cia” (ou o
foco de con sciên cia) é um método ex celen te de nos ajudar a tornar
nossos corpos m ais p resen tes. C onsiste num jogo que a criança
faz, e às vezes eu tam bém , no qual ficam os relatando o que tem os
p resente dentro e fora de nós.
Tenho presente os seu s olhos (fo ra ). Tenho presente o meu
coração batendo (dentro). Vejo a luz brilhando pela jan ela. A
minha boca está seca . Eu noto o seu sorriso. A cabei de perceber
que os m eus ombros estão levantados.
No decorrer deste jogo fica claro que nada jam ais perm anece
o m esm o; o nosso m eio am biente está sem pre se m odificando, e
as n ossas sen sações corporais estão sem pre mudando.
P resto m uita atenção ao corpo da criança, sua postura, sua
exp ressão facial e seu s gesto s. Às vezes posso cham ar sua atenção
para um gesto particular, pedindo-lhe que o exagere. A criança
que e sta v a balançando a perna para frente e para trás exagerou
e ste m ovim ento a meu pedido, e percebeu que estava querendo
chutar a pessoa de quem falava. Ao chutar a alm ofad a/p essoa,
foram trazidos para fora os seus sentim entos de raiva dessa pes­
soa — sentim entos que tinham estado a se interpor no seu cam i­
nho, prejudicando o fluxo sadio do seu processo.
A criança que senta toda encolhida quando conversa com igo,
quando lhe peço que fique n essa posição ou se encolha ainda m ais,
descobre que está m uita assu stad a com igo e com o que aconte­
cerá em n ossas se ssõ e s. Quando isto vem à tona, podem os lidar
com o assunto.

R e la x a m e n to

Algum as v ezes as crianças precisam tanto quanto os adultos


de uma ajuda para aprenderem a relaxar. E las enrijecem seus
m úsculos, ficam tensas, sofrem de dores de cabeça e de barriga,

146
sentem -se can sadas ou irritadas. A ten são física e em ocional às
vezes se m anifesta através de com portam ento que à primeira
vista parece irracional. Ajudar as crian ças a relaxar alivia a
tensão, e m uitas v ezes lhes torna m ais fácil expressar a fonte
da sua tensão. P rofesso res acreditam que o ferecer oportunidades
para que as crianças relaxem na sa la de aula é algo que b eneficia
a todos.
As im agens constituem um ótim o auxílio para o relaxam ento.
As crianças respondem positivam ente a ex ercícios tais com o este,
tirado da T a lk in g T im e :

Finja que você é um hom em de neve. Algum as cri­


anças fizeram você e agora o deixaram aí parado sozi­
nho. V ocê tem ca b eça , corpo, dois braços que saem
retos, e as suas pernas são sólid as. A m anhã está linda,
o sol está brilhando. Em b reve, o sol fica tão quente
que você sente que está derretendo. Prim eiro é a sua
cab eça que derrete, depois um braço, depois o outro.
G radualm ente, pouco a pouco, o corpo com eça a der­
reter. Agora só restam os seu s p és, e eles com eçam a
derreter. Em pouco tem po você é só um poça de águn
no chão.
Vam os fingir que som os v ela s num bolo. Você pode
escolher a cor que quer ter. No com eço estam os em pé,
eretas e altas. P a recem os soldadinhos de chumbo. Os
nossos corpos são rijos com o a s v elas. Agora o sol vem
saindo m uito quente. V ocê com eça a derreter. Prim eiro
a sua c a b e ç a ... depois os o m b r o s... depois os bra­
ç o s . . . a cera está derretendo lentam ente. As suas per­
nas d e r r e te m ... d e v a g a r ... d e v a g a r ... até que você
está todo derretido, você virou uma poça de cera no
chão. Agora vem um vento frio e sopra “ ú ú ú ... ú ú ú ...
ú ú ú . . . ” , e você fica de novo em pé, ereto. (pág. 19)

R elaxam ento não quer dizer que a s crianças tenham que se


deitar. Freqüentem ente dobrar e estica r o corpo ajuda muito m ais
a relaxar. Os ex ercício s de ioga são ex celen tes. Há d iversos livros
de ioga para cria n ça s. Um dos que tenho usado cham a-se L e t's
do Y o g a (V am os F azer Ioga), escrito por Ruth R ichards e Joy
Abram s. O livro possui ótim as ilu strações e instruções fá ce is de
serem segu id as. Outro bom exem plo é Y o g a fo r C hildren (Ioga
para C rian ças), bem com o B e a F r o g ; a B ird or o T r e e (Seja uma
R ã, um P á ssa ro ou uma Á rvore.)
T h e C en terin g B o o k (O Livro do C entrar-se) apresenta alguns
dos m elhores ex ercício s de relaxam ento e respiração para crianças
que encontrei até hoje:

147
Vam os fech ar os olhos. Agora tensione cada m ús­
culo do seu corpo, todos ao m esm o tempo. P ern as,
braços, m axilar, rosto, om bros, barriga. S e g u r e -o s...
aperte. Agora rela x e e sinta a tensão sair do seu corpo.
D eixe toda a tensão correr para fora do seu corpo e da
sua m e n te .. . substitua a tensão por uma energia calm a,
s o s s e g a d a ... deixe cada respirada trazer calm a e rela­
xam ento para o seu c o r p o ... (p ágs. 46-47)

Algo que tam bém funciona bem é levar a criança a uma


viagem fan tasiosa dirigida, que seja relaxante e agradável. Algu­
m as vezes peço á criança que fech e os olhos e vá em fantasia
para algum lugar muito confortável — um lugar que ela conheça
e goste, ou um lugar que im agine ser gostoso. D epois de um tempo,
peço que retorne à sala. E sta experiência a deixa refrescad a, rela­
xada, e muito m ais presente.
Às vezes, no início de um grupo, posso sentir a tensão das
crian ças girando pela sala. P osso pedir a ela s para fecharem os
olhos e respirarem algum as vezes profundam ente, deixando sair
sons enquanto expiram ; peço tam bém que im aginem estar de volta
à situ ação anterior à vinda ao grupo. Peço-lhes que term inem ,
m entalm ente, qualquer coisa que precise ser term inada e que não
havia sido; e então, gradualm ente, peço que voltem à sala, abrindo
os olhos vagarosam ente. Com pletam os o exercício convidando as
crianças a olharem em volta da sala, estabelecendo contato de
olhar um as com as outras. E ste exercício nunca falha em reduzir
a tensão e trazer todo mundo muito m ais para dentro da situação
presente.

M ed ita çã o

M editação é uma ótim a form a de aprender a relaxar, e as


crianças são ótim as para m editar. T h e C entering B ook (O Livro
do C entrar-se), T h e S ec o n d C en terin g B o o k (O Segundo Livro do
C entrar-se), e uma obra cham ada M ed ita tin g w ith C hildren (M edi­
tando com C rianças) trazem boas su g estõ es para ajudar as crian ­
ça s a aprender a arte da m editação. Eis um exem plo de um dos
exercícios tirados do livro M ed ita tin g w ith C hildren:

F eche os olhos e sinta que você está num m ar de


luz azul; sinta e acredite que você é uma onda n esse
m ar, e você está flutuando para cim a e para baixo, su a­
vem ente, para cim a e para baixo, com o uma onda.
Agora sinta que você se desm ancha e d esaparece n esse
mar, exatam ente da m esm a m aneira que uma onda

148
d esap arece no m ar, aahhhh, sinta que você está rela­
xando. Agora você e o m ar d e luz azul são uma coisa
só, e não ex iste onda, não e x iste nenhuma diferença
entre você e o m ar. Agora e s c u t e ... bem quieto por
d e n tr o ... ouça o som do m ar dentro da sua cabeça,
e sinta que você e e sse som se tornam uma coisa só.
A gora o som está d esaparecendo e a onda está com e­
çando a voltar, do m esm o modo que a onda no mar
volta depois de ter desaparecido, e form a outra onda
e outra e outra a té que ela quebra na praia e nós
abrim os os olhos. (pág. 66)

Após este ex ercício as crianças podem fazer pintura com os


dedos, ou m over-se segundo uma m úsica, com o ondas no mar.
Tenho usado um sininho para ajudar as crianças a m editar,
instruindo-as a escu tar o som até que e le d esapareça. P rossigo
este processo por algum tem po — tocar o sino e acom panhar
o seu som a té e ste virar silêncio.
Se você não estiv er fam iliarizado com m editação, leia um
livrinho cham ado H ow to M e d ita te (Como M editar), escrito por
L aw rence L eshan. E ste livro discute a m editação de form a clara
e m eticulosa, explicando as variedades de m editação, bem como
instruções precisas sobre com o m editar.
E is uma v ariação de um ex ercício de aikidô; ensinei-o às
crianças para elas voltarem a si próprias, para se sentirem fortes,
calm as e centradas. Eu m esm a faço o ex ercício com freqüência,
e e le tem um efeito instantâneo sobre mim: fico im ediatam ente
centrada.
“F ique em pé, sentado ou deitado — a posição não é im por­
tante. F ech e os olhos. R espire duas vezes profundam ente, deixando
que o ar sa ia cada vez com um som . Agora im agine que há uma
bola de luz su sp en sa bem em cim a da sua cab eça. Ela não toca
a sua cab eça , m as flutua acim a. É redonda e reluzente, cheia de
luz e energia. Agora im agine que raios de luz estão saindo desta
bola de luz em direção ao seu corpo. E stes raios vêm continua­
m ente, pois a bola de luz tem m ais do que p recisa e está conti­
nuam ente recebendo nova energia lum inosa de outra fonte. E stes
raios ou fe ix e s de luz penetram no seu corpo através da sua
cab eça . E les penetram com facilid ad e, sem qualquer esforço.
Quando cad a raio entra im agine que e le vai para uma parte esp e­
cial do seu corpo. Im agine um raio atravessando a sua cabeça
para entrar no seu braço esquerdo, descendo a té chegar aos dedos,
depois saindo das pontas dos dedos e penetrando no chão. Outro
raio d esce pelo seu braço direito e depois sa i tam bém . Ainda
outro a tra v essa a parte posterior do seu tórax, outro atravessa o
peito, e outros as laterais do seu corpo. Um chega até a perna

149
esquerda e outro a té a direita. Continue a lavar a parte interna
do seu corpo com este s raios de luz até você sentir que foi o
bastante. Os raios dão uma sen sação morna e gostosa ao pas­
sarem por todas a s partes do seu corpo. Quando você sentir que
chega, abra lentam ente os olhos.”

M o v im e n to C orporal

Em seu livro Y o u r C hild’s S e n so ry W orld (O Mundo Sensorial


do Seu F ilho), L ise Liepm ann c la ssific a o m ovim ento como um
dos nossos sentidos. “ M over-se, ou percepção cin estésica, é um
tipo de sen sa çã o do tato internalizada. É o que sentim os quando
os nossos m úsculos, tendões e articulações trabalham .”
O modo com o ficam os parados e nos m ovem os, a form a como
usam os o corpo, a sen sação que e ste nos dá, as m aneiras de aper-
feiçoá-lo, sã o assuntos tão im portantes que seria m uita presunção
julgar que em alguns poucos parágrafos poderiam fazer-lhes ju s­
tiça. Eu posso apenas oferecer um as poucas su gestões para se
fazer um trabalho de corpo com crian ças, e espero que o leitor
leia alguns dos livros que existem n essa área.
O bebê faz pleno uso do seu corpo. Observe com que absor-
vim ento a criança de colo exam ina suas m ãos e seus dedos, e mais
tarde com o ela s e deleita com a descoberta das habilidades do
corpo — chutar, agarrar, rolar, levantar o tronco, abaixar. À
m edida que a criança vai crescendo, observe com que absorvi-
mento ela pega pequenos objetos com o polegar e o indicador ao
descobrir o controle m uscular fino. O bserve-a engatinhando, esti­
cando os braços, virando-se, e finalm ente quando ela consegue se
erguer e andar, correr, saltitar, pular. A criança parece ter en er­
gia ilim itada, e se lança em cada atividade corporal com pleta­
m ente absorta. Às vezes surgem dificuldades, mas ela não desiste.
Ela tenta e tenta outra vez, praticando, praticando, até finalm en­
te gozar o prazer do sucesso.
Porém em algum ponto da infância ocorre algum a coisa que
com eça a bloquear e ste processo. T alvez seja uma doença, ou
um dos pais correndo a ajudar a criança, ou esta chora de fru s­
tração enquanto o pai fica confuso sem saber o que fazer, ou
ainda uma desaprovação sutil ou aberta em relação a gozar o
prazer do corpo, ou críticas a um desajeitam ento ou inépcia inicial.
A contecem m uitas coisas que podem restringir o corpo de cada
um. A com petição com eça a entrar em cena, perpetuada pelos
estabelecim entos de ensino, e a criança restringe-se ainda mais
na sua tentativa de corresponder à s expectativas dos outros. Ela
principia a contrair os seus m úsculos de modo a conter as lágri­
m as ou a raiva porque está assustada. Ela afunda em seu s ombros

150
e encolhe o pescoço para proteger-se de ataques, ou palavras, ou
para esconder seu corpo em desenvolvim ento.
Quando a crian ça se torna d esligada de seu corpo, perde o
senso de si própria bem com o grande dose de força físic a e
cm ocional. A ssim , precisam os fornecer-lh e m étodos para ajudá-la
a readquirir seu corpo, ajudá-la a conhecer seu corpo, sentir-se
à vontade nele e aprender a usá-lo novam ente.
A respiração é um aspecto im portante da consciência corporal.
N ote que quando você está assustado ou ansioso, a sua respiração
se torna bastante superficial. D esta m aneira perdem os grande
p arte da nossa capacid ade física . A ssim , os exercícios de respi­
ração são im portantes. Comparamos a respiração superficial com
a respiração profunda. Aprendem os a sentir os efeitos que o res­
pirar profundam ente ex erce em todas as partes do nosso corpo,
e notam os a expansão e o aquecim ento ao fazer isso. C onversam os
sobre a diferença nos sentim entos quando respiram os fundo, e o
que im aginam os que estam os fazendo quando contem os a nossa
respiração. Conter a respiração parece ser uma proteção, uma
couraça, uma contenção do eu. M as, ao fazer isso ficam os ainda
m ais indefesos. E xperim entam os o contraste entre o que podem os
fazer quando contem os a respiração, e com o podem os fazer muito
m ais ao respirarm os plenam ente.
M uitas crian ças e joven s com quem tenho trabalhado utili­
zaram respiração profunda ao terem que fazer provas escolares,
e os resultados foram bons. Um jovem de 17 anos sofria de uma
g ra v e ansiedade relativa a provas. E le estudava e sabia a M até­
ria, m as sem pre s e saía m al, devido ao seu medo e ansiedade.
Contou-me que lhe dava um branco na cab eça, à s vezes trem ia
tanto que mal conseguia segurar a can eta, e o coração batia tão
d epressa que ele sentia que ia desm aiar. A lém de lidar com seu
sentim ento básico de insegurança, suas exp ectativas e assim por
diante, conversam os sobre respiração. E le n ecessita v a de instru­
m entos im ediatos para s e ajudar. Á m edida que fom os com eçando
a entender os m ecanism os do seu corpo e o que ele fazia consigo
m esm o ao não s e perm itir respirar, iniciou a prática de prestar
atenção à sua respiração nessas o casiões. Experim entou alguns
ex ercícios de concentração que praticam os, e com eçou a adquirir
o hábito de respirar profundam ente, de modo que m ais oxigênio
flu ísse para seu s pés e pernas, e principalm ente para sua cabeça.
A sua com postura durante as provas m elhorou sensivelm ente.
As crian ças sofrem de ansiedade sem pre que precisam entrar
em situ ações novas — mudar de ca sa , conhecer uma nova pro­
fesso ra , entrar num grupo novo, e a ssim por diante. Algum as
crian ças que conheci recusam -se a experim entar qualquer situ a­
ção ou atividade nova por causa da sua intensa ansiedade.
E x iste uma íntim a relação entre oxigênio, ansiedade e exci-

151
tam ento. Quanto m ais excitam ento a pessoa sente, m ais oxigênio
é necessário para sustentar o excitam ento. Quando não tom amos
ar su ficien te, sentim o-nos ansiosos em vez de ter a sen sação m ais
agradável do excitam ento. P ode ser excitante entrar em alguma
coisa nova. A ntecipação e visu alização de situações novas m uitas
v ezes resultam em ansiedade, quando m erecem excitam ento. R e s­
pirando profundam ente podem os expulsar a ansiedade e permitir
que sentim entos ex citan tes, prazenteiros, surjam através de nossos
corpos, e nos proporcionem a sen sa çã o de poder e sustentação
que necessitam os n essa s ocasiões.
Crianças h iperativas não se sentem no controle de seus corpos,
em bora possam fazer grande quantidade de m ovim entos corpo­
rais casu ais. P a ra e la s, sã o e ssen cia is os exercícios de controle
corporal. Um grupo d essa s crianças, todas de 11 anos, inventou
um jogo que queria sem pre fazer. F icávam os numa roda de
oito crian ças e dois adultos dentro do meu consultório, que não
é grande. Criávam os assim um espaço m inúsculo dentro do círculo,
onde púnhamos várias alm ofadas grandes. Cada criança tinha a
sua vez de ir para o m eio da roda e fazer algum a esp écie de brin­
cadeira. G eralm ente esta consistia em cair de uma form a deter­
m inada sobre duas alm ofadas. Por causa do espaço lim itado, a
queda tinha que ser m uito controlada. Alguns caíam para trás,
outros para o lado, outros para frente, e assim por diante. E les
a d o ra v a m esta brincadeira, e ficavam nela por longo tem po, esp e­
rando pacientem ente a sua vez, aplaudindo entusiasticam ente cada
m em bro quando inventava uma nova form a de cair. P e n sei a
respeito desta exp eriên cia e procurei descobrir porque as crianças
gostavam tanto. (A s vezes m e surpreendo questionando quando
im agino que m uitos de vocês talvez pensem : “Isto é terap ia?” )
F inalm ente com preendi que e ssa s crian ças, a m aioria delas c la s­
sifica d a s na escola com o hiperativas, estavam gozando a sen sa ­
ção do controle corporal.
As crianças tam bém gostam de brincar com saquinhos de
feijão, bolas de gude, e coisas assim . Tenho no meu consultório
uma grande variedade de jogos inventados para ajudá-las a expe-
rienciar o m ovim ento e o controle m uscular. Um a criança usava
uma vara com o bastão, e se divertia rebatendo bolas para mim.
Um a fonte ex celen te de ex ercícios de m ovim entos corporais
acha-se no livro M o v e m e n t G a m es fo r C hildren o f A li A g e s (Jogos
de M ovim ento para C rianças de Todas a s Idades). O m ovim ento
corporal está intim am ente ligado a toda uma área de jogos dra­
m áticos criativos, uma vez que as m elhores im provisações reque­
rem um alto grau de envolvim ento e controle corporal. M uitas
id éias proveitosas podem ser encontradas em livros de teatro, e
na minha discussão sobre im provisações dram áticas não posso ev i­
tar de falar sobre m ovim ento corporal. Aqui, portanto, vou m e

152
lim itar a falar sobre experiências que sim plesm ente envolvem o
uso do corpo.
Atualm ente é fato aceito que o m ovim ento corporal e a apren­
dizagem estão interrelacionados. C rianças com dificuldades de
aprendizagem ca racteristicam en te tam bém apresentam um lapso
no desenvolvim ento de su as habilidades m otoras. P arecem ineptas
e d esajeitad as, e às v ezes lhes é difícil aprender a am arrar os
sapatos, pular, andar de b icicleta, e assim por diante. A frustração
e infelicidade resultan tes agravam o problem a, e levam a criança
a evitar as próprias atividades nas quais n ecessita se envolver,
alienando d essa form a ainda m ais o seu sen so de si m esm a.
R ecentem en te dei uma palestra a um grupo de professores,
conselheiros e psicólogos escolares num curso colegial. O tem a foi
com o poderiam eles ajudar seu s alunos a m elhorarem seus con­
ceitos de si próprios. F a lei da n ecessid ad e de reconhecer que as
crian ças têm sentim entos e são seres hum anos — que aquilo que
sentem , o que se p assa em su a s vidas, tem muito a ver com a
form a de aprender em c la sse. A credito que m uitas escolas estão
se tornando m ais m ecan icistas e m enos hum anistas, com efeitos
perigosos sobre o p rocesso de aprendizagem . A credito que os pro­
fesso res precisam com eçar a dedicar algum tem po em suas c la s­
se s para estab elecer contato com seu s alunos com o seres hum a­
nos, e que as esco la s e adm inistrações escolares devem dar um
tempo para que isto seja possível, no sentido de facilitar uma
m elhor aprendizagem .
F alei particularm ente a respeito da educação físic a nas
escola s. A m aioria dos alunos do segundo grau e do colegial com
quem tenho trabalhado d e te s ta m ed ucação física . Podem gostar
de esportes esp ecífico s, m as, a m enos que o jovem seja um ótimo
atleta, ele perde o interesse tam bém por estes esportes. Comentei
a tristeza d este fato, uma vez que o professor de educação física
tem a seu dispor todo um período para trabalhar com m ovim ento
corporal e consciência corporal — am bos aspectos im portantes da
consciência do sentim ento. D istintam ente do professor de M ate­
m ática ou de C iências, o professor de E ducação F ísica está em posi­
ção de ajudar a crian ça a exp ressar alguns sentim entos que podem
estar bloqueando a sua atenção à s aulas do dia, sem ter que
“roubar’' tem po do currículo de aulas.
Fiquei com ovida com a reação dos p rofessores de Educação
F ísica . E les falaram sobre as expecta tiv a s que seus supervisores
n eles colocam , e das exigên cias do currículo que tam bém são obri­
gados a atender. E les sim plesm ente não têm tempo de prestar
atenção a n ecessid a d es individuais, e prom over prazer e auto­
consciên cia no program a de E ducação F ísica . E sses professores
sentiam -se resign ados ao que tinham que fazer, e uma falta de
esperança perm eava o ar enquanto falavam . Outros professores

153
expressaram a su a n ecessid a d e de serem tratados com o seres
hum anos, a su a n ecessid ad e de terem uma oportunidade de m ani­
festar os s e u s sentim entos!
Eu tinha acabado de dar uma olhada em T h e N ew G a m es B ook
(O Livro de Jogos N ovos) e no livro de G eorge Leonard, T h e Ulti-
m a te A th le te (O Atleta M áxim o). Ambos propõem uma dim ensão
inteiram ente nova para a área de educação fisica , esportes, jogos
e uso do corpo — uma dim ensão que salienta a participação de
todos, prazer em jogar e experienciar o fluxo, m ovim ento e energia
do corpo, a cooperação e interação harm oniosa entre os joga­
dores. A presentei e ste s livros aos p rofessores na esperança de
que e les, de algum a form a, pudessem introduzir m odificações nos
currículos de ed ucação física . C ertam ente ficaram anim ados,
porém não otim istas em relação à colocação destas idéias em
prática.
A m aneira com o jogam os conta m uita coisa sobre a m aneira
com o som os na vida. Quanto m ais aprendem os acerca de como
som os na vida, m ais podem os escolher novas form as de ser, se
não estam os satisfeito s. Um jogo que tenho usado para indicar
a nossa postura em jogos, e portanto, a nossa postura na vida,
consiste em duas p essoas paradas frente a frente, a m enos de
um braço de distância, pés firm es no chão, ligeiram ente sep a­
radas. O objetivo do jogo é desequilibrar a outra pessoa — alguém
perde se levantar ou m over um dos pés. As duas pessoas tentam
desequilibrar-se m utuam ente apenas através do contato entre as
palm as das m ãos. Cada um d eve m anter as palm as abertas e
levantadas, e o outro pode bater de modo a fazê-lo perder o equi­
líbrio (com am bas as m ãos, ou com uma só ), curvando-se, des­
viando-se, girando o corpo, contanto que os dois pés perm aneçam
firm es no chão, sem se m over. É interessante experim entar o
jogo com os parceiros m ais variados: do m esm o sexo, do sexo
oposto, alguém m ais alto, alguém m ais baixo, alguém m ais velho.
A estratégia em pregada e os sentim entos que experienciam os aos
nos defrontarm os com cada parceiro são com partilhados ao final
do jogo.
A form a de m overm os os nossos corpos está intim am ente
relacionada com a nossa capacidade de serm os assertivos, com os
nossos sentim entos de auto-sustentação e daquilo a que tem os
direito. Um a das exp eriências que torna evidente esta correlação
é o uso da poesia haicai. Num laboratório de m ím ica de que
participei alguns anos atrás, aprendi tanta coisa a meu respeito
através deste exercício que o tenho usado com outras pessoas
desde então. O prim eiro verso do haicai é lido em voz alta, e a
pessoa que faz o exercício m ove-se espontaneam ente de algum a
m aneira para exprim ir as palavras que ouviu. A seguir, é lido
o segundo verso, e é feito outro m ovim ento, e assim por diante.

154
E is aqui um exem plo:
A neve m acia se derrete (cair lentam ente ao chão).
Longe nas m ontanhas nebulosas (g esto com um braço, num
m ovim ento am plo e abrangente, enquanto o outro braço fica ondu­
lando, e a cabeça d esce em direção aos joelhos: em seguida subir
com os braços estica d o s).
O som de um corvo (assum e-se a posição de um pássaro
voando).
No início os m ovim entos podem ser artificiais ou desajeitados.
Com a prática tornam -se fluentes, exp ansivos, m ais variados e
espontâneos.
As crian ças gostam de m over-se ao som de vários tipos de
m úsica. Tenho usado a batida de um tam bor, variando o ritmo
a cada poucos segundos. Ou posso instruí-las a cam inharem rigi­
dam ente, ou solta s, ou com o s e estiv essem atravessando uma
gram a alta, ou com o s e estiv essem andando no barro ou na areia
m ovediça, ou pela água, ou sobre pedras, ou como se o asfalto
e stiv esse muito quente, etc. Algum as v ezes fingim os que som os
anim ais diversos, ou um a das crianças m ove-se como se fo sse um
determ inado anim al e nós tem os que adivinhar qual é. Ou ex p e­
rim entam os qual a sen sa çã o de arrastar-se, contorcer-se e enro­
lar-se com o uma m inhoca, ou uma cobra, rodopiar e fazer outros
movim entos que não são com uns. M uitas vezes movim entam o-nos
com os olhos fechados.
Às vezes peço à s crian ças que exa g erem ou enfatizem algum
gesto ou m ovim ento, e posso pedir-lhes que contem o que aquele
movim ento esp ecífico as faz recordar, ou qual a sensação que
lhes dá.
M encionei o uso do rabisco para ajudar as crianças a se
tornarem m ais livres nas su as ex p ressõ es a rtísticas. Um a tera ­
peuta de m ovim ento que assistiu ao meu curso descobriu que usar
o rabisco antes de um a sessã o de m ovim ento com seus
clien tes ajudava os m esm os a se tornarem m ais livres em suas
m anifestações.
Todas as em oções possuem um correspondente físico. Quer
estejam os com m edo, com raiva ou a leg res, os nossos músculos
reagem de algum modo. Freqüentem ente reagim os de modo cons-
tringente, contendo a m anifestação natural. Até m esm o nas situ a­
ções de excitam ento e alegria tendem os a evitar uma resposta
plena, que poderia ser dançar, correr ou berrar.
As crian ças não só entram em contato com aquilo que seus
m úsculos fazem quando solicitados a se m over de form as esp ecí­
fica s para exp ressar em oções (por exem plo, raiva), m as tam bém
descobrem m eios de exp ressar e ssa s em oções para fora, em vez
de interiorizá-las. Creio que o melhor m étodo para fazer com que
as crianças cheguem a isto é inventar algum tipo de estória

155
na qual, por exem plo, algum a coisa aconteça a uma criança,
que conseqüentem ente fic a muito zangada, “Seja essa criança
e m ovim ente-se para exp ressar os seus sentim entos de raiva.
Invente uma dança de r a iv a .”
Em M o v e m e n t G a m e s fo r C hildren o f A li A g e s (Jogos de
M ovim ento para C rianças de Todas as Idades), Esther Nelson
sugere e ste jogo curioso:

Encha um balão de ar, e segure-o pelo bico; jogue-o


para o alto, e veja o que acon tece. O balão executa
sozinho uma dança selvagem , girando, mergulhando,
virando, sacudindo, até que o ar saia totalm ente. F aça
a experiência com vários balões — observe-os. Cada
um deles se m ove de form a diferente. P eç a à crianças
para descreverem verbalm ente os m ovim entos dos ba­
lões. Conversem sobre a form a e as direções que os
m ovim entos assum em , e procurem encontrar uma lin­
guagem vívida — zum e bips, uuás e ôôôs e tchás.
Então, quando as crianças estiverem ativam ente
envolvidas, peça-lhes que soltem o seu próprio a r . . .
Lem bre aos “ balões” que cada parte deles d eve se
m over, que nada pode ser deixado atrás ou sim p les­
m ente arrastar-se junto. P ro ssig a usando as palavras
descritivas que as crianças deram com o contribuição.
E stas p alavras ajudarão a m anter os m ovim entos
fresco s e vívidos.

O jogo das estátuas sem pre atraiu as crianças. N este jogo


uma pessoa gira a outra, c quando esta últim a é solta, fica con­
gelada numa posição. Nós então adivinham os o que é. Uma varia­
ção do jogo é fazer com que as crianças se m ovim entem ao som
de um tambor, e quando a m úsica cessa r, elas deverão se con­
gelar numa posição.
Num exercício que já utilizei m uitas e m uitas vezes, peço às
crian ças para fecharem seu s olhos e se lem brarem da ocasião
em que se sentiram m ais vivas. Eu as encorajo a reviverem esta
ocasião cm fan tasia, a se recordarem dos sentim entos, o que e sta ­
vam fazendo, e com o seus corpos s e sentiam . P eç o à s crianças
que se levantem e que s e m ovim entem do jeito que quiserem , de
modo a expressarem os sentim entos que tiveram n essa época em
que se sentiram m ais vivas. E ste exercício é especialm ente efetivo
com adolescen tes que podem ter necessid ade de estab elecer con­
tato com e ssa sen sação perdida de vividez.
Algum as vezes, após um desenho, posso pedir à pessoa que
assum a uma pose com o corpo, ou que fa ça um m ovim ento para
expressar aquele desenho. D epois de desenhar seu lado forte e

156
seu lado fraco, outras áreas ocultas da p essoa podem vir à tona
através da expressão corporal. U m a jovem , por exem plo, ficou
deitada no chão para exp ressar a sua fraqueza. A partir dessa
posição, veio à tona uma torrente de sentim entos. O m ovimento
pode constituir um m eio im portante de ex p ressão posterior em
qualquer um dos exercícios de expressão já citados, escultura,
argila, colagem , etc.
Em L e ft-H a n d e d T e a c h in g (E nsino de C anhotos), Gloria Cas-
tillo d escreve num erosas atividades que envolvem o uso de lençóis.
Cada criança tem um lençol de cam a de ca sa l para ser usado
com uma variedade de propósitos. O lençol da criança torna-se
um esp aço esp ecial, pertencente a ela m esm a, um esp aço no qual
ela pode se deitar, usar para proteger-se, enrolar-se, criar fan ta­
sias, dançar. Quando a crian ça s e deita sobre ou sob seu lençol
particular, ela entra rapidam ente e fa cilm en te em fan tasias diri­
gidas. E is aqui um dos exercícios tirados d esse livro:

Sentem -se em roda, sem tocar ninguém.


Ponha o seu lençol sobre a sua cabeça.
Agora procure pensar com o você se sente quando
ninguém o quer.
V ocê sab e que está numa roda. Quando tiver von­
tade, a fa ste -se da roda em câm ara lenta.
Encontre um lugar para ficar.
V ocê está com pletam ente sozinho. Não há ninguém
por perto. Apenas você, o lençol e o chão. Fique com ­
pletam ente sozinho por um pouco de tempo. (D eix e m ais
ou m enos três m inutos.)
Agora d eite-se no chão — sem pre coberto pelo seu
lençol.
E nrole-se no seu lençol o m ais apertado que puder.
Fique bem quieto. Sinta o lençol todo em volta de você.
Agora com ece a rolar de um lado a outro. Se você
rolar de encontro a alguém , m esm o assim pode que­
rer continuar sozinho. Se for assim , afaste-se outra
vez. S e você quiser ficar perto de alguém , fique perto
da pessoa que você tocar.
V olte para a roda.
D iscutam o que aconteceu. Como vocês se sentem
quando estã o sozinhos?
Isto faz algum de vocês se lem brar de algum a vez
que e ste v e realm ente sozinho?
Como cad a um de vocês s e sentiu quando outra
pessoa os tocou depois de terem ficado algum tempo
sozinhos? (p ág. 207)

157
Num laboratório de m ovim ento do qual participei, o líder
amontoou grandes pedaços de pano de m uitas cores diferentes
no m eio da nossa roda. Eu pus os olhos num lindo pedaço de
pano violeta (tenho sido tendenciosa em relação a esta cor apenas
nos últim os anos, desde que aprendi a gostar do meu nom e), mas
resolvi esperar até que o corre-corre inicial para pegar os panos
tiv esse acalm ado um pouco. O pano violeta sobrou para m im , e
eu o arranquei da pilha já reduzida. O exercício consistia em enro-
lar-se no pano, ou deitar-se sobre ele, ou cobrir-se, ou usá-lo para
giros e rodopios numa dança. Fom os instruídos a nos transfor­
m arm os em vários personagens enquanto nos m ovim entávam os
em diversos ritm os; depois, tivem os que criar uma dança própria,
segundo a m úsica interior de cada um. Ao olhar em volta, percebi
que todo mundo esta v a envolvido no seu próprio dram a, da m esm a
form a que eu. F inalm ente deitei-m e enrolada no m eu pedaço de
pano, experienciando as m inhas sen sa çõ es, em oções, recordações,
bem com o o m eu corpo — tudo isto parecia embrulhado no meu
pano violeta. D epois de acabado o exercício, escrevem os sobre a
exp eriên cia, da form a que bem quisem os. O grupo com partilhou
algum as experiên cias com oventes, algum as relacionadas com a
representação da cor do tecido, outras com sentim entos que vieram
à tona por interm édio dos m ovim entos corporais. Eu com partilhei
o poema que escrevi:

Eu quero violeta
M as não m e apresso
E le aí está para mim
Finalm ente o pego
Sinto-me triunfante
Só quero m e enrolar nele
E le representa todos os m eus humores
A legria, tristeza, pesar, júbilo
E m ais de tudo
Eu

Sinto-me perto da minha m ãe que m e deu o nome


Sinto-m e perto da infância que perpetuou o nome.
Sinto-me perto da m enina que sofreu dor
Sinto-m e perto da m enina que riu e se alegrou.
Sinto-m e perto de mim inteira agora.

158
7
Representação

Jogos D ra m á tico s C ria tivo s

Era a vez de A llen. E le m eteu a m ão no monte de cartas que


esta v a no centro da roda e pegou um a. A llen, 9 anos, tinha pro­
blem as de leitura, então dirigiu-se a mim e pediu-m e que o aju­
d asse. Cochichei no seu ouvido: “ E stá escrito: ‘V ocê está cam i­
nhando pela calçad a e v ê algum a coisa caíd a no chão, na calçad a.'
Nós tem os que adivinhar o que é pelo que você fizer com isso".
E le respirou fundo, endireitou a sua postura habitualm ente d es­
leixad a , e com eçou a passear lentam ente pela sala. De repente
parou, olhou para baixo, abriu a boca, arregalou os olhos e abriu
os braços num gesto de surpresa. Curvou-se, pegou o objeto im agi­
nário, e exam inou-o atentam ente. Eu achei que podia ser uma m oe­
da — pela form a com o ele tocou a coisa ela era redonda. Ele
correu os dedos sobre o objeto. N ão, não era m oeda. Agora ele
o esta v a erguendo a té a altura do ouvido, sacudindo-o. Agora
estava fazendo algum a outra coisa. Olhei com m ais atenção, era
um m ovim ento giratório com o s e e stiv e sse querendo desatarraxar
algo. D evia ser um pequeno recipiente. Olhou o que havia dentro,
virou-o de ca b eça para baixo. E sta v a vazio. M eteu a mão no
bolso, puxou algo im aginário e colocou no recipiente, voltou a
atarraxar, pôs no bolso, e com um largo sorriso no rosto, olhos
brilhando, anunciou que tinha term inado. As crianças gritaram
seu s palpites. F in alm ente alguém adivinhou: uma caixinha redon­
da de m etal na qual ele colocou um a m oeda de um centavo.
Fiquei radiante quando Allen, sorrindo, sentou-se diretam ente no
m eio de duas crian ças, com todos nós no chão. Seria este o m esm o
Allen que g eralm en te se sen tava sozinho, curvado, rosto tenso
e cenho franzido?
A rep resen tação ajuda às crian ças a s e aproxim arem de si

159
m esm as dando-lhes perm issão para saírem de si m esm as. Esta
afirm ação aparentem ente contraditória na verdade faz muito sen ­
tido. Ao brincar de representar as crian ças de fato nunca saem
de si m esm as; elas usam m a is de si na experiência da im provi­
sação. No exem plo acim a, Allen usou seu eu inteiro — m ente,
corpo, sentidos, sentim entos, espírito — para m ostrar o que queria.
Habitualm ente parecia um garoto tím ido e retraído, que sen tava
afastad o dos outros, arqueado q uase com o uma bola, com o se
qu isesse conter a si próprio. Com a perm issão do jogo dram ático
(e da confiança que ele esta v a experienciando dentro do grupo),
pôde mobilizar tudo de si. E quando se sentou, era evidente pela
sua postura e exp ressão fa cia l, que havia fortalecido o contato
consigo próprio e desta m aneira pode estab elecer um contato
melhor com os outros.
Carla, de s e te anos, veio para a sua prim eira se ssã o após
o N atal, e jogou-se no chão sobre uma enorm e alm ofada. “ Estou
cansada dem ais para fa zer qualquer co isa ” , d isse ela. Sugeri que
jogássem os algo, e trouxe o Jogo de F a la r, S e n tir e F a zer. N este
jogo, lançam os dados e andam os sobre o tabuleiro o núm ero de
ca sa s assinaladas pelos dados. Se cairm os numa casa am arela,
tem os que pegar um cartão am arelo; c a sa branca, cartão branco;
casa azul, cartão azul. Cada cartão faz algum a pergunta ou dá
algum a instrução. M uitos dos cartões possuem um sabor de impro­
visa çã o dram ática.
Carla caiu numa c a sa branca. O cartão dizia: “Você acabou
de receb er uma carta. O que está escrito n ela ? ” Eu acrescentei
algum as instruções: “ F in ja que você vai até a sua ca ixa de correio
para pegar a correspondência. Olhando depressa as cartas você
v ê uma para você. Aja do jeito que você faria se isso realm ente
a co n tecesse com você. Então abra a carta e le ia ” . Carla d isse
que não tinha vontade de s e levantar, m as que im aginaria “na
ca b e ç a ” que esta v a pegando a correspondência. Concordei. Carla
fechou os olhos e ficou sentada quieta. De repente abriu os olhos,
levantou-se, e m e d isse que tinha a carta na m ão. Pedi-lhe que
lesse o endereço para mim. Ela segurou a “ ca r ta ” , virou-a, apro­
ximou-a dos olhos e disse: “É para mim! E stá escrito CARLA” ,
e recitou o endereço. “ De quem é ? ” , perguntei. Agora Carla estava
muito excitada, gritou: “ Eu s e i de quem é! É do meu p a i!” (O
pai de Carla tinha s e mudado recentem ente para outro E stado.)
“Que m ara v ilh a !” d isse eu. “Abra depressa! O que está escrito?”
Carla fez calm am ente todos os m ovim entos de abrir uma carta.
Desdobrou uma grande folha de papel de carta, e olhou algum
tem po para mim, sem falar. D epois de um tem po, eu d isse bai­
xinho: “ O que está escrito, C arla?” Eu podia sentir que ela estava
num espaço m uito seu, e não queria m e introm eter desastrada­
m ente. Finalm ente Carla respondeu, suas palavras mal podiam

ItH)
ser ouvidas. “ E stá escrito: ‘Querida Carla, eu gostaria de ter
estado com você no N atal. Eu lhe m andei um p resente m as talvez
você não tenha recebido. Amor, do p apai’.” “ Você sen te m uita
fa lta do seu pai, não é ’? ” , disse eu. Carla olhou para mim e assen ­
tiu. Então sussurrou: “ Eu acab ei de inventar a ca rta .” Eu fiz
que sim com a cabeça, e ela com eçou a chorar.
Carla havia se d esligad o de si m esm a para evitar os seus
sentim entos. Sentia-se can sada, pesada, inerte. A través do episó­
dio de encenação, ela perm itiu em ergir aquilo que se achava sob
a superfície de sua couraça de proteção. Todo o jeito de Carla
mudou na nossa sessã o quando ela se soltou e chorou. E stava
m agoada e zangada por não ter recebido um presente do pai,
todavia não se sentia livre para adm itir e ste sentim ento para a
m ãe, que havia duplicado os seu s próprios esforços durante o
feriado, numa tentativa de com pensar a ausên cia do pai.
Nos jogos dram áticos criativos as crian ças podem aum entar
a autoconsciência que possuem . P odem d esen volver uma cons­
ciência total de si próprias — do corpo, da im aginação, dos sen­
tidos. O dram a torna-se um instrum ento natural para ajudá-las a
encontrar e dar ex p ressão a partes ocultas e perdidas de si m es­
m as, e com isso desenvolver força e identidade.
Nos jogos dram áticos criativos, as crian ças são cham adas a
experienciar o mundo à sua volta, bem com o suas próprias form as
de ser. N o sentido de interpretar o mundo à su a volta e transm itir
idéias, a çõ es, sentim entos e exp ressões, ela s m obilizam todos os
recursos que podem reunir dentro de si: visão, audição, paladar,
tato, olfato, ex p ressão fa cia l, m ovim ento corporal, fan tasia, im a­
ginação, intelecto.
T rata-se da representação de n ossas próprias vidas, de nós
m esm os. Nós encenam os partes de sonhos, criam os os cenários,
vam os reescreven d o à m edida que avançam os. N ão falam os ape­
nas da dor que sentim os no peito, dam os a e ssa dor uma voz, tor­
nam o-nos essa dor. Interpretam os nossa m ãe, nós m esm os enquan­
to crian ças, o nosso lado crítico, e assim por diante. D escobri­
m os, ao representarm os e sse s papéis, que nos tornam os m ais
cônscios de nós m esm os, m ais envolvidos, m ais reais. Nós nos
encontram os, estab elecem os contato conosco, experienciam o-nos
de m aneira genuína, sólida, autêntica e clara. Tem os a possibi
lidade de experim entar novas form as de ser quando estam os no
cam po do teatro. Tem os tam bém a possibilidade de perm itir que
as nossas partes reprim idas em erjam . Podem os nos perm itir expe
rim entar a absorção, excitam ento e espontaneidade que podem
estar faltando nas n ossas vidas cotidianas.
A pantom ina de im agens sen soriais sim p les — utilizando
exp ressões fa cia is e m ovim entos corporais sem falar — intensifica
grandem ente a consciência sensorial de cada um. Num nível m ais

161
com plexo, a pantom im a pode ch egar a envolver uma ação exp res­
siv a e a interação atra v és do m ovim ento corporal, com unicando
sentim entos e estados de espírito, desenvolvendo caracterizações
de personagens, contando uma estória — tudo sem falar. Num
n ível ainda m ais elevad o podemos introduzir palavras nas im pro­
v isa çõ es. C rianças que já participaram de m uitas experiências
d esse tipo, geralm ente acham fá cil adicionar palavras a uma
im provisação dram ática feita em form a de pantomima.
O que se seg u e são algum exem plos de jogos, atividades e
experiências de im provisação.

T a to

P a s s e um objeto im aginário a ser segurado, observado; o


objeto provocará algum a reação por parte da pessoa, a seguir
será passado adiante. P ode ser uma faca, um copo de água, um
gatinho, uma carteira velha e suja, uma pulseira de valor, uma
batata quente, um livro. 0 líder pode anunciar o objeto, ou as
crian ças podem decidir o que é quando for a sua vez de passar,
ou o m esm o objeto pode passar pelo grupo todo antes de mudar,
ou o grupo pode procurar adivinhar qual é o objeto.
Im agine uma m esa coberta com uma variedade de objetos.
Cada pessoa deve ir e pegar algum a coisa, mostrando, pela sua
form a de segurar, que coisa é.
Entre numa sé r ie de lugares diferentes procurando algum a
coisa que tenha perdido, tal com o uma m alha. E sses lugares
podem ser: uma sa la grande, um arm ário escuro, o seu próprio
quarto, um banheiro.

V isão

Você está assistindo a uma situação ou uma atividade esportiva.


E xp resse as em oções que você se n te enquanto assiste. O grupo
pode tentar adivinhar o que você está vendo, ou uma pessoa pode
contar uma estória enquanto a outra assiste.
M ostre com o você reagiria ao ver um pôr-do-sol, uma criança
chorando, um acidente de autom óvel, um gam bá, uma cobra, um
tigre solto nas ruas, dois nam orados se beijando, etc.
Im agine que você está se vendo no espelho. Continue olhando
e reagindo a isto.

Som

R eaja a diferentes sons: uma explosão, um som leve que você

162
está tentando identificar, uma banda m ilitar descendo a rua, uma
canção de su cesso no rádio. Outros son s podem ser: um bebê cho­
rando, um ladrão no escuro enquanto você dorm e, alguém que
você conhece entrando nesta sa la , o trovão, a cam painha da
porta, etc.
Você acabou de ouvir uma notícia ruim , uma notícia boa, uma
notícia intrigante, uma notícia surpreendente, etc.

O lfaío

M ostre com o você reagiria cheirando odores diferentes: uma


flor, uma cebola, borracha queim ada, etc.
Im agine uma varied ade de situ a çõ es que envolvem cheiros:
cam inhar na floresta e sentir o cheiro de um fogo de acam pa­
mento, diferentes perfum es num balcão, algum odor desagradável
que você está tentando identificar, o cheiro de biscoitos no forno
quando você está chegando a casa.

P a la d a r

F a ça a m ím ica de estar provando uma variedade de coisas:


sorvete, um lim ão, etc.
Im agine que está com endo algum a coisa enquanto os outros
tentam adivinhar o que é.
Coma uma m açã. Antes de com er considere cada aspecto da
m a ç ã ... Coma lentam ente e em silêncio, e esteja consciente do
movim ento do seu m axilar.
Coma algum a coisa gostosa, tal com o um pedaço de choco­
late ou doce crem oso. De uma mordida numa m açã azeda, ou
prove algo que você nunca provou antes.
F a ça a m ím ica de estar tomando algum a coisa com canudi­
nho, de estar chupando pirulito, assobiando, enchendo um balão
de ar.

O Corpo

Em bora o corpo naturalm ente seja usado nos exercícios que


acabam os de ver, as su gestões a seguir focalizam m ais a cons­
ciên cia e o m ovim ento do corpo inteiro.
Um a das su g estõ es dadas do livro T h e a te r in m y H ead (T ea­
tro na Minha C abeça) fala de um jogo do tipo “o ch efe m andou” :
“ O ch efe mandou ‘andar na corda bam ba, ser uma lesm a, ser um
monstro, ser um cachorro, ser uma b a ila r in a ...’ ” As crianças
podem revezar-se no papel do líder.

163
F azer m ím ica de estar andando: andar depressa, p reguiçosa­
m ente, atravessar um lam açal, pisar na gram a, pisar descalço
no asfalto quente, subir um a montanha, cam inhar na neve, descer
uma trilha íngrem e, cam inhar sobre pedras, na areia quente, andar
com um pé m achucado, com sapatos grandes dem ais, pequenos
dem ais.
E xecute uma ação, com o por exem plo pôr a m esa, fazer um
bolo, dar com ida ao cachorro, vestir-se, fazer a lição de ca sa . As
ações podem ser ordenadas, tiradas ao acaso de cartões ou papei-
zinhos dobrados num monte, ou inventadas por cada criança e
adivinhadas pelo restante do grupo.
Im agine que você está num caixa m inúscula, numa caixa
enorm e; im agine que você é um pinto dentro de um ovo.
F a ça alguns experim entos do tipo “ com o s e ” : Ande com o se
fo sse um homem com pressa, uma criança atrasada para a escola,
uma rainha do cinem a, um a pessoa m íope, um co w boy, uma cri­
ancinha levada à força para a cam a, alguém com aparelho de
gesso, um gigante.
F aça experiências usando os dedos de diferentes m aneiras:
costurar, cortar, fazer um pacote, etc.
F a ça um jogo de cabo-de-guerra com uma corda im aginária.
E ste jogo pode ser feito individualm ente com d iversas pessoas
im aginárias, com alguém hostil, alguém muito forte, alguém muito
fraco (duas pessoas jogam , ou o grupo inteiro).
Im agine que você está brincando com uma bola que fica o
tem po todo se m odificando. Pode ser uma pequena bola de bor­
racha, uma bola de praia, uma bola de pingue-pongue, uma bola
de futebol, uma bola de basquete, um a bola de tênis, uma bola
que pula alto, etc. E la muda de tam anho e de peso e pode até se
transform ar num saquinho de feijão ou numa bola de m assa.
Brinque de pular corda com o grupo, utilizando uma corda
im aginária.

M ím ica d e S itu a çõ es

Duas pessoas decidem fazer algum a coisa, e o restante do


grupo adivinha o que é: fazer a cam a; jogar pingue-pongue; jogar
xadrez; qualquer coisa que possa ser feita por dois.
Você acabou de receber um pacote. Abra-o. R eaja.
V ocê estev e num p asseio com am igos. D e repente percebe que
está sozinho.
V ocê está num elevador. De repente ele pára entre dois
andares. Depois de um tem po ele volta a andar.

164
Caracterização de Personagens

V ocês são um grupo de pessoas esperando o ônibus. Cada um


de vocês será uma pessoa d iferen te (não contem quem sã o ), como
por exem plo uma m ulher de idade indo v isitar seu s netos, um
com erciante atrasado para o trabalho, uma m enina indo para o
colégio, um cego que precisa de ajuda para subir no ônibus, etc.
V ocê é um assaltan te que está entrando numa casa à noite.
Enquanto você está lá, as p essoas voltam inesperadam ente. Você
escu ta e finalm ente dá um jeito de fugir.
V ocê entra num restaurante para com er uma refeição. F aça
isso com o: 1) um adolescen te que está com muita fom e, 2) uma
mulher de m eia idade que não tem apetite e não consegue encon­
trar no menu nada que lhe agrade, 3) um velho bem pobre que
está fam into, m as p recisa lim itar a sua escolha àquilo que pode
pagar.
F a ça as crianças representarem diferen tes ocupações ou tipos
de p essoas: fa ça representar um de cada vez e o resto adivinhar.
P ara alguns torna-se m ais fá cil escrev er su gestões em cartões
a serem tirados ao acaso.
F a ç a as crian ças representarem algum aparelho ou máquina
para o grupo adivinhar, ou serem um a cor para o resto do grupo
adivinhar através daquilo que fazem .
Com crian ças muito pequenas, eu utilizo uma “ch ave m á gica”
ou “ varinha m á g ica ” . B ato com a varinha e digo: “ Agora você
é um ca ch orro!” e por alguns m om entos a crian ça se transform a
num cachorro. Então bato novam ente e digo “ Agora você é um
v elh o !” , a crian ça se transform a em velho, e assim por diante.

Im p ro v isa ç õ e s co m P a la v ra s

Qualquer objeto pode ajudar a crian ça ou grupo de crianças


a encenar uma estória im provisada. Em C re a tive D ra m a tics in
th e C lassroom (Jogos D ram áticos C riativos na Sala de A ula),
M cCaslin d escrev e um a elaborada estória inventada por um grupo
de crian ças com nada além de um apito servindo de estím ulo.
Eu coloco v árias co isa s num sa co de papel, coisas caseiras
que parecem não ter nenhuma relação entre si, tais com o um
funil, um m artelo, um cach ecol, uma caneta, um chapéu velho,
uma colher grande, e assim por diante. Quatro ou cinco itens são
su ficien tes em cad a saquinho. Um grupo pequeno pode criar uma
p eça inteira a partir d esses poucos objetos.
F orneça à s crian ças uma série de situações a serem repre­
sentadas:
Um vendedor chega a uma porta. E le in siste em dem onstrar

165
um aspirador de pó, em bora v o cê lhe diga que já tem um. Como
você lida com e ssa situação?
V ocê está entregando jornais. V ocê joga um na direção de
uma ca sa , m as em vez de cair na soleira da porta, e le quebra
a janela. O dono da casa e sua esp osa saem para ver o que
aconteceu.
As crian ças podem tam bém encenar situações que reflitam
diretam ente episódios de suas vidas. T ais situações podem ser
tiradas da vida real, ou sim uladas. N essa s circunstâncias é apre­
sentado um conflito a ser elaborado por interm édio de uma dram a­
tização espontânea. G eralm ente são as próprias crianças que
apresentam os m elhores tem as a serem encenados.
As crian ças adoram usar chapéus, m áscaras e fan tasias em
seu trabalho teatral. F orneça uma varied ade de chapéus e elas
m udarão de personagem com a m esm a rapidez com que trocam de
chapéu.
Tenho uma grande coleção de m áscaras do D ia das B ruxas,
e m uitas crianças gostam de usá-las. Um espelho ajuda a criança
que usa uma determ inada m áscara a ver o personagem que ela
representa. A m áscara, assim com o o boneco, dá à criança per­
m issão de dizer coisas que ela própria não diria.
Uma criança em se ssã o individual às v ezes passará uma rev is­
ta geral nas m áscaras, escolh erá uma para usar, e conversará
com igo com o m onstro, diabo, bruxa ou princesa. Algum as vezes
peço à criança que use cada uma das m áscaras e faça algum a
afirm ação sobre aquela personagem .
Num artigo sobre o uso de fan tasias em ludoterapia, Irwin
M arcus (T h e ra p e u tic U se o f C hild’s P la y (U so Terapêutico da
B rincadeira da C riança), advoga o uso de fan tasias para e sti­
mular m anifestações lúdicas espontâneas em crianças m ais velhas,
e d essa form a ajudá-las a externar suas im agens fan tasiosas,
sentim entos e situações traum atizantes. E le forn ece fan tasias, que
incluem um bebê, m ãe, pai, m édico, Super-Homem, bruxa, diabo,
palhaço, esqueleto, bailarina, bem como três grandes pedaços de
pano colorido a serem usados para fan ta sias inventadas pela pró­
pria criança. Cada uma é solicitada a inventar uma peça usando
qualquer das fa n ta sia s. M arcus descobriu que a brincadeira de
fan ta sia s trazia muito m aterial valioso, envolvendo não só conteú­
do, m as uma grande dose do processo da criança.
B rincar de teatro, seja com fan tasias, m áscaras, chapéus,
objetos, bonecos, ou sem estím ulo m aterial algum , é uma esp écie
de narração de estórias com alto grau de envolvim ento por parte
da criança. Aqui tem os a oportunidade de ajudar a criança a
fazer uso do seu organism o total numa situação terapeuticam ente
visível. Podem os ver claram ente os buracos da criança — as áreas
em que o seu desenvolvim ento está precário e precisa ser forta-

166
lecido. Podem os ver com o ela se m ovim enta e usa o seu corpo;
podem os observar rigidez e constrição, ou facilid ad e e fluidez de
m ovim ento. Podem os prestar atenção à organização do que é en ce­
nado. Podem os trabalhar com o conteúdo que transparece através
da encenação, bem com o o p rocesso que pode ser notado dentro
do conteúdo da m esm a. Há muita briga? O personagem principal
perde? T alvez ninguém preste atenção a ele. E além disso tudo,
podem os nos divertir muito.
Em bora as atividades m encionadas neste capítulo pareçam
servir para o trabalho grupai, tenho podido .adaptar m uitas delas
facilm en te para a terapia individual. Com freqüência tenho a
possibilidade de lidar com o m aterial m ais profundam ente nas
se ssõ e s individuais.
Um menino de 12 anos m e apresentou uma peça com objetos
e fan ta sia s. Interpretou todos os papéis, inclusive o do apresen­
tador. E ste m enino esta v a com um desem penho fraco na escola,
era acusado de preguiça e lassid ão pela sua m ãe, e na maior
parte do tem po aparentava estar em burrado. N a verdade era mui­
to bem organizado; capaz de montar uma peça bastante com ­
p lexa, m anter a integridade de cada personagem , e ainda tinha
um fantástico sen so de humor.
N unca se i aonde cad a atividade vai levar. Lembro-me de ter
feito um jogo com um menino de 8 anos no qual cada um de nós
representava um tipo de anim al para o outro adivinhar. D evíam os
esperar até o outro anunciar que tinha acabado antes de fazer as
adivinhações. Isto nos dava a oportunidade de representar uma
situação m ais longa do que sim plesm ente fazer o m ovim ento do
anim al. Steven deitou-se no chão e enrolou-se com o uma bolinha.
Em seguida levantou a ca b eça , m oveu-se para frente e para trás,
m exeu os olhos de um lado a outro, sorriu, e voltou a esconder a
cab eça no seu corpo-bola. F ez isto várias vezes. D e repente m os­
trou os dentes com o se e stiv e sse sentindo algum a dor, m exeu o
corpo convulsivam ente, deitou-se de co sta s, esticou os braços e
ficou deitado quieto — fingindo-se de morto. No final, eu d isse
que achava que era uma tartaruga, e que tinha acontecido algu­
m a coisa e ela tinha morrido. Steven então m e contou que uma
vez tivera uma tartaruga, e que seu irm ãozinho a tinha matado.
Sugeri que ele devia ter ficado muito bravo com o irm ão, e muito
triste com a perda da tartaruga. Steven reagiu ao m eu com entário
com uma raiva violenta: “ Eu odeio ele! Eu vou m atá-lo!” , disse
entre os dentes.
N a vida real, Steven era cordial quase em dem asia com o
irm ão, desviando seu s sentim entos de raiva para a m ãe: “ Pelo
m enos e le s e dá bem com o irm ão” , disse-m e ela uma vez. Im a­
ginei que ele esta v a aterrorizado com sua própria raiva e se n ti­
m entos de vingança em relação ao irm ão, e achava m ais seguro

167
fica r zangado com a m ãe. Por cau sa da experiência teatral, eu
podia agora dar a Steven uma oportunidade de exprim ir su a raiva
reprim ida em rela çã o ao irm ão atra v és da argila, desenhos. O
incidente da tartaruga não era a causa única de sua raiva. Muitos
episódios cotidianos o irritavam e se acum ulavam sobre este in ci­
dente m aior; Steven tinha m edo de perm itir-se ter raiva do irmão
por q u a lq u e r coisa.
Às v ezes ao final de uma experiência com im provisação dra­
m ática, conversam os sobre o que aconteceu, como foi para nós,
o que estam os sentindo agora, e assim por diante. P enso, contudo,
que é a própria exp eriên cia que traz o m ovim ento e a m udança,
e não a discussão. Um a m enina que representou num cenário o
papel de um velho, estab eleceu contato consigo m esm a de uma
form a que seria difícil de ser m anifestada em palavras. E não
é im portante que ela converta os seu s sentim entos em palavras.
P a ra mim e para todo mundo que a cerca é óbvio que a ex p e­
riência a deixou m ais expansiva em sua natureza e exp ressões,
que agora ela a ge de form a m ais segura e confiante do que antes.

Sonhos

Fritz P erls, em su as “ Quatro P a le str a s” (Capítulo 2 de G esta lt


T h e r a p y N ow — G estalt Terapia A gora), coloca grande ên fa se no
trabalho com sonhos com o form a de contactar e experienciar a
si próprio.

. . . 0 sonho é uma m ensagem existen cial. Ela é m ais


do que uma situação inacabada; é m ais do que um
desejo não satisfeito; é m ais do que uma profecia. É
uma m ensagem de você m esm o para você m esm o, para
qualquer que seja a parte de você que esteja e scu ­
tando. 0 sonho é possivelm ente a expressão m ais espon­
tânea do ser hum ano, um a obra d e arte que nós escu l­
pimos a partir de nossas vidas. E cada parte, cada
situação no sonho é uma cria ção do próprio sonhador.
É claro que alguns pedaços vêm da m em ória e da rea ­
lidade, m as a questão im portante é o que faz o sonha­
dor escolher e ste pedaço específico? Nenhum a escolha
no sonho é m era c o in c id ê n c ia ... Todo aspecto do sonho
é uma parte do sonhador, m as uma parte que em certa
m edida não é reconhecida pelo sonhador como proprie­
dade sua, sendo projetada nos outros. 0 que sign ifica
projeção? Que afastam os, alienam os certas partes de
nós m esm os, colocando-as no mundo exterior em vez
de tê-las à disposição do nosso próprio potencial. E sv a ­

168
ziam os uma parte de nós m esm os; portanto nos restam
buracos, vazios. Se querem os essa s partes nossas de
volta, tem os que em pregar técn ica s esp eciais por inter­
médio das quais possam os reassim ilar e ssa s ex p e­
riências. (pág. 27)

As crianças não contam seu s sonhos com m uita facilidade,


pois freqüentem ente os sonhos de que se recordam são os m ais
assustadores. Ou podem ser tão intrigantes e estranhos que elas
tentam tirá-los de su a s ca b eça s. Creio ser esta uma razão que
lev a as crianças a terem com freq üên cia sonhos repetidos. Elas
procuram tão intensam ente tirá-los de su as ca b eças, que os sonhos
sem pre voltam para lem brá-las. N ão é incom um adultos recorda­
rem sonhos de su a s in fân cias que ainda perm anecem inacabados.
E stão inacabados porque o conflito apresentado não foi resolvido;
as partes alienadas eram assustadoras dem ais para serem recupe­
radas. Lem bro-m e de dois ou três sonhos que tive vezes e vezes
seguidas quando crian ça. R ecentem en te trabalhei com um d esses
sonhos que tive há tanto tem po e receb i dele uma m ensagem
existen cial presente; aprendi algo sobre mim m esm a e sobre o
que está se passando na minha vida n este momento.
Às vezes leio um livro envolvendo sonhos, de modo a estim ular
as crianças a contá-los. Um livro ex celen te é o d e M ercer M ayer,
T h e r e ’s a N ig h tm a r e in Y o u r C loset (Há um P esad elo no seu Ar­
m ário). Alguns anos atrás um a colega e eu conduzim os um grupo
de terapia de crian ças que tinham um vínculo comum: todas elas
tinham pais que estavam num program a de tratam ento alcoólico.
M inha am iga trouxe o livro para uma das sessõ es, e o lem os para
o grupo. P erguntam os às crian ças se elas tinham pesadelos. Duas
delas se dispuseram voluntariam ente a trabalhar com seu s sonhos
depois que lh es d issem os que e ste s lh es contariam algo acerca de
sua vida.
Jim m y, dez anos, contou o seguinte sonho: “A minha fam ília
e eu estávam os andando de carro numa estrada. D e repente che­
gam os a um a ladeira. A minha m ãe e sta v a guiando e não conse­
guiu brecar o carro. Os breques não funcionavam . P e n sei que o
carro ia despencar para o lado da estrada. Fiquei muito assu s­
tado e agarrei a direção. D e rep ente h avia um monte de água,
como se fo sse um lago, no fim . N ão havia jeito de desviar. Ou
nós virávam os e tom bávam os para o lado, ou entrávam os direto
na água. Acordei antes do carro chegar em baixo” .
P edim os a Jim m y que recon tasse o sonho no presente. E le o
fez e parecia qu ase que esta v a revivendo (ressonhando) o sonho.
No trabalho pedim os a Jim m y que rep resen tasse todas as partes
do sonho, com o se fo sse uma peça, e fa la sse por cada coisa e
pessoa. E le representou a si próprio, sua m ãe, seu pai, uma das

169
su as irm ãs que e sta v a no carro, o carro, a estrada, e o lago. Em
cada situação entrava em pânico e perdia o controle. Enquanto
lago, ele era grande, fundo, assustador. P edim os que im agi­
n a sse um fim para o sonho. D isse: “ O meu pai salva a minha
m ãe, que não sab e nadar. E le perm anece calm o e tira todo mundo
da água. Eu não consigo pensar no que fazer, m as ele também
m e tira .” Perguntam os a Jim m y qual e le julgava que era a m en­
sagem do sonho, o que o sonho estava lhe contando acerca da sua
posição na vida naquele momento. Ele respondeu: “Eu se i muito
bem o que o sonho está m e dizendo! Eu tenho medo, tanto medo
que o meu pai co m ece de novo a beber! E le não está bebendo
agora e tudo está bem m esm o na nossa fam ília. Era tão ruim
quando ele bebia! Se ele com eçar a beber vai ser terrível outra
vez, um d esastre! Tenho tanto m edo disso! B em aqui no fundo
eu tenho m edo m as nunca digo nada. Tenho medo de dizer aos
m eus pais que tenho m edo. Ninguém m ais parece ter m edo. Se
ele com eçar a beber eu não vou poder fazer nada. Eu sou o m ais
novo da fam ília. O que e u posso fazer? Eu inventei e sse final
— m eu pai nos sa lv a . É assim que eu quero que seja na nossa
fam ília".
Jim m y experienciou grande alívio em com partilhar o seu medo.
Um a das outras crian ças, um menino de 9 anos, comentou: “ Eu
tenho uma estrad a d e ssa s” . Quando solicitado a contar m ais sobre
essa estrada, disse: “Às v ezes sinto que estou descendo uma lad ei­
ra num carro que não consegue parar, tam bém . Eu não posso
controlar nada” .
Vicki, de 13 anos, esta v a ansiosa para contar o seu sonho.
“ No meu sonho todo mundo pensa que eu estou m orta. Eu estou
num caixão. M as não estou morta! Só que todo mundo acha que
eu estou. Um a velhinha sim pática está tomando conta de mim e eu
durmo no caixão. É a minha cam a. M as as pessoas ficam dizendo
para a velhinha: ‘Ela está m orta’. Há tam bém uma trovoada.”
P ed i-lh e que fo sse a trovoada do seu sonho. Vicki pensou um
pouco, e então, com um sorriso nos lábios, levantou-se e andou
pela sa la “ fulm inando” as pessoas (explicando que era um relâm ­
p ago). F azia com o braço um m ovim ento largo e rápido, “ fulm i­
nando” cada um, e gritando “ z a p !” a cada vez. E la o fez com
grande entusiasm o, relatando-nos o prazer que sentiu. E ntão lhe
pedim os que fo sse a velhinha do sonho. E la se transform ou numa
velhinha gentil que fala v a delicadam ente com Vicki, pondo-a para
dormir no caixão. Vicki contou que a velhinha lem brava a sua avó,
que está muito doente, p restes a morrer. Sua avó sem pre fora
gentil com ela, e era uma das poucas p essoas de quem Vicki
realm ente gostava m uito na vida.
A esta altura nos defrontam os com uma escolha no seu traba­
lho: pedir-lhe que d eixasse o sonho e trabalhasse com seus senti-

170
m entos em relação à avó moribunda ou p erm an ecesse com o sonho.
D ecidim os continuar no sonho, e pedim os a ela para deitar-se num
caixão de m entira e dizer como era deitar-se ali e o que estava
acontecendo. V icki deitou-se no chão numa posição rígida. “ Eu
estou deitada aqui neste caixão. Eu devo só estar dormindo mas
todo mundo acha que eu estou m orta. Ninguém presta atenção à
velhinha que está dizendo para as p essoas que eu não estou m orta."
Como é estar deitada aí no caixão?
Vicki: N ão é muito confortável. Eu não posso m e m exer muito.
(Seguindo uma indicação nossa, as outras crianças s e apro­
xim aram para serem as pessoas que olhavam para ela. Dizíam os
coisas com o: “ Oh, coitada da Vicki. E la é tão nova para morrer.
Que terrível! N ós estam os nos sentindo tão m a l!” P edim os a Vicki
que respondesse ao que as p essoas diziam .)
Vicki: Êi! Eu não estou m orta. N ão chorem . Eu estou viva.
Eu posso fazer coisas. Eu posso fazer coisas.
O que você pode fazer?
Vicki: M uitas coisas. Eu posso fazer m uitas coisas.
Nós não vem os você fazer nada, você só fica aí deitada. Você
quer se decidir a fazer algum a coisa, ou você vai continuar aí
deitada?
Vicki (levantan d o-se): Eu não quero fica r aí deitada, com
todo miundo pensando que estou m orta! V ocês estão vendo? Estão
vendo? (E la estica os braços e corre pela sa la .) Eu estou viva!
F a ç a uma a firm ação que conte a m ensagem do sonho para
você.
Vicki: (P en sa por um m om ento, depois seu rosto se ilumina
e ela d iz): Eu estou viva e posso fazer escolh as! Eu posso fazer
uma porção d e escolh as.
Como o quê? (um menino de 9 anos).
Vicki (Olha para ele, indecisa por um m om ento): Bom, eu posso.
Menino: Quando?
Vicki, ande pela sa la , pegue algum as pessoas, e escolha o que
você vai fazer com cada uma delas.
Vicki parou na frente de cada um de nós e fez as suas e sc o ­
lhas: “ Eu escolho apertar a sua m ã o ... Eu escolho dar um abraço
em v o c ê ... Eu escolho fazer uma careta para v o c ê . . . ” Vicki e o
grupo gostaram tanto d esse exercício que cada pessoa insistiu em
ter a sua vez de dar uma volta pela sa la e fazer su as escolhas.
Tam bém tenho trabalhado com sonhos em sessõ e s individuais
com crian ças. Dou à m aioria das crianças que atendo (exceto
aquelas que abertam ente detestam escrev er) um caderno espiral
barato. N esse caderno peço às crian ças que escrevam várias coisas,
inclusive sonhos. P a tricia , uma m enina de 12 anos, fez a seguinte
anotação:
“ No fundo a D isneylàndia. Com eça quando estou numa sala

171
su as irm ãs que esta v a no carro, o carro, a estrada, e o lago. Em
cada situação entrava em pânico e perdia o controle. Enquanto
lago, e le era grande, fundo, assustador. P edim os que im agi­
n a sse um fim para o sonho. D isse: "O m eu pai salva a minha
m ãe, que não sabe nadar. E le perm anece calm o e tira todo mundo
da água. Eu não consigo pensar no que fazer, m as ele tam bém
m e tira .” P erguntam os a Jim m y qual ele ju lgava que era a m en­
sagem do sonho, o que o sonho esta v a lhe contando acerca da sua
posição na vida naquele momento. E le respondeu: "Eu se i muito
bem o que o sonho está m e dizendo! Eu tenho medo, tanto medo
que o m eu pai co m ece de novo a beber! E le não está bebendo
agora e tudo está bem m esm o na nossa fam ília. Era tão ruim
quando ele bebia! Se ele com eçar a beber vai ser terrível outra
vez, um d esastre! Tenho tanto m edo disso! Bem aqui no fundo
eu tenho m edo m as nunca digo nada. Tenho m edo de dizer aos
m eus pais que tenho m edo. Ninguém m ais parece ter medo. Se
ele com eçar a beber eu não vou poder fazer nada. Eu sou o m ais
novo da fam ília. O que e u posso fazer? Eu inventei e sse final
— m eu pai nos sa lv a . É assim que eu quero que seja na nossa
fa m ília ” .
Jim m y experienciou grande alívio em com partilhar o seu medo.
Um a das outras crian ças, um m enino de 9 anos, com entou: “Eu
tenho uma estrada d e ssa s” . Quando solicitado a contar m ais sobre
essa estrada, d isse: “ Às v ezes sinto que estou descendo uma la d ei­
ra num carro que não consegue parar, tam bém . Eu não posso
controlar nada” .
Vicki, de 13 anos, estava ansiosa para contar o seu sonho.
“ N o m eu sonho todo mundo pensa que eu estou morta. Eu estou
num caixão. M as não estou morta! Só que todo mundo acha que
eu estou. Um a velhinha sim pática está tom ando conta de mim e eu
durmo no caixão. É a minha cam a. M as as pessoas ficam dizendo
para a velhinha: ‘E la está m orta’. Há tam bém uma trovoada.”
P edi-lhe que fo sse a trovoada do seu sonho. Vicki pensou um
pouco, e então, com um sorriso nos lábios, levantou-se e andou
pela sa la “ fulm inando” as pessoas (explicando que era um relâm ­
p ag o ). F azia com o braço um m ovim ento largo e rápido, “fulm i­
nando” cada um, e gritando “ za p !” a cada vez. E la o fez com
grande entusiasm o, relatando-nos o prazer que sentiu. E ntão lhe
pedim os que fo sse a velhinha do sonho. E la se transform ou numa
velhinha gentil que fa la v a delicadam ente com Vicki, pondo-a para
dormir no caixão. Vicki contou que a velhinha lem brava a sua avó,
que está muito doente, prestes a morrer. Sua avó sem pre fora
gentil com ela, e era um a das poucas pessoas de quem Vicki
realm ente gostava m uito na vida.
A esta altura nos defrontam os com uma escolha no seu traba­
lho: pedir-lhe que d eixasse o sonho e trab alh asse com seus senti-

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m entos em relação à avó moribunda ou p erm an ecesse com o sonho.
D ecidim os continuar no sonho, e pedim os a ela para deitar-se num
ca ixão de m entira e dizer com o era deitar-se ali e o que estava
acontecendo. V icki deitou-se no chão numa posição rígida. “ Eu
estou deitada aqui neste caixão. Eu devo só estar dormindo mas
todo mundo acha que eu estou m orta. N inguém presta atenção à
velhinha que está dizendo para as p essoas que eu não estou m orta.”
Como é estar deitada aí no caixão?
Vicki: N ão é muito confortável. Eu não posso m e m exer muito.
(Seguindo uma indicação nossa, as outras crianças s e apro­
xim aram para serem as pessoas que olhavam para ela. Dizíam os
coisas com o: “ Oh, coitada da Vicki. E la é tão nova para m orrer.
Que terrível! Nós estam os nos sentindo tão m a l!” P edim os a Vicki
que resp ond esse ao que as pessoas diziam .)
Vicki: Èi! Eu não estou m orta. N ão chorem . Eu estou viva.
Eu posso fazer coisas. Eu posso fazer coisas.
O que você pode fazer?
Vicki: M uitas coisas. Eu posso fazer m uitas coisas.
N ós não vem os você fazer nada, v o cê só fica aí deitada. Você
quer se decidir a fazer algum a coisa, ou você vai continuar aí
deitada?
Vicki (levantando-se): Eu não quero fica r aí deitada, com
todo mundo pensando que estou m orta! V ocês estão vendo? E stão
vendo? (E la estica os braços e corre pela sa la .) Eu estou viva!
F a ça uma afirm ação que conte a m ensagem do sonho para
você.
Vicki: (P en sa por um m om ento, depois seu rosto se ilumina
e ela diz): Eu estou viva e posso fazer escolh as! Eu posso fazer
uma porção de escolhas.
Como o quê? (um m enino de 9 anos).
Vicki (Olha para ele, indecisa por um m om ento): Bom, eu posso.
M enino: Quando?
Vicki, ande pela sa la , pegue algum as p essoas, e escolha o que
você vai fazer com cad a uma delas.
Vicki parou na frente de cada um de nós e fez as suas e sco ­
lhas: “ Eu escolho apertar a sua m ã o ... Eu escolho dar um abraço
em v o c ê ... Eu escolho fazer uma careta para v o c ê . . . ” Vicki e o
grupo gostaram tanto d esse ex ercício que cada pessoa insistiu em
ter a sua vez de dar uma volta pela sa la e fazer suas escolhas.
Tam bém tenho trabalhado com sonhos em se ssõ e s individuais
com crian ças. Dou à m aioria das crianças que atendo (exceto
aquelas que abertam ente detestam escrev er) um caderno espiral
barato. N esse caderno peço à s crian ças que escrevam várias coisas,
inclusive sonhos. P a tricia , uma m enina de 12 anos, fez a seguinte
anotação:
“ No fundo a D isneylândia. C om eça quando estou numa sala

171
grande sem telhado e uma caixa grande com balões da D isneylân-
dia está perto de mim. E fan tasias de personagens estão pendu­
radas do meu lado.. A trás de mim um a tenda. Entra um homem
e eu m e escondo. M as aí ele vai em bora e eu sa io do esconderijo
e visto uma fan tasia e encho os balões e saio para vender os
b alões.”
E la desenhou um pequeno esboço deste sonho no pé da página.
D ei-lhe papel e pedi-lhe que desenh asse um esboço em esca la
m aior; ela o fez de form a muito m ais elaborada. Explicou-m c o
desenho enquanto eu anotava os pontos essen ciais dos seus
com entários:
" P ared es, m as sem telhado. Eu estou no m eio da sala. Um
homem entra. Eu m e escondo porque acho que ele vai m e c a s­
tigar. Eu entro na tenda para m e esconder. M as ele sim plesm ente
pega balões e sa i. E le não sabe que estou ali porque m e ca sti­
garia. N inguém , fora eu, sabe que sou eu por causa da fan tasia
que visto. Todo mundo pensa que é só um funcionário.”
P a trícia freqüentem ente desenha figu ras da D isneylândia em
nosso trabalho conjunto. D epois de trabalhar com e sse sonho (era
a prim eira vez que ela tinha a m em ória de realm ente sonhar com
a D isn eylând ia), foi rápida em form ular a seguinte m ensagem :
"Eu tenho m edo de ser eu m esm a. P refiro fingir que sou algum a
outra coisa, como um personagem da D isneylândia” . Agora podía­
mos pelo m enos com eçar a descobrir a P a trícia que estava sem pre
se encobrindo e se escondendo.
Pouco depois disso, P atrícia trouxe um a outra anotação de
sonho. E la a introduziu dizendo; “ Não é a prim eira vez que sonho
isso. Eu tive e s s e sonho quando tinha 8 anos, e depois m uitas
outras vezes, e n esta noite tam bém ” . E is o que ela anotou:
“Um quarto escuro só com uma luzinha, uma cam a, uma tábua
de passar, a minha m ãe (rea l). Eu estou na cam a bem do lado
dela. D e repente a s luzes apagam e eu ouço um grito.” Num canto
da página havia um m inúsculo esboço do sonho com a palavra
ESCURO escrita de form a a abranger todo o desenho.
Senti que e ste era um sonho muito significativo. A m ãe verda­
deira de P a trícia havia sido vítim a de um assassinato-suicídio
(o padrasto matou-a e depois suicidou-se) quando ela tinha m ais
ou m enos 8 anos. Foi P atrícia quem descobriu os corpos ensangüen­
tados ao entrar no quarto deles pela m anhã. Eu ouvi a estória da
boca de seu pai, que a trouxe para terapia quatro anos depois;
m as até m e revelar e sse sonho, P atrícia só encolhia os ombros
toda vez que eu levan tava o assunto, e dizia que não se lem brava.
E la trabalhou com o sonho e disse: “ A minha vida ficou escura
para mim quando a minha m ãe se apagou com o uma luz” . E ste
foi o início da elaboração da perda que, junto com muitos outros
sentim entos. P atrícia jam ais tinha chegado a com pletar.

172
Até m esm o a s crianças m enores podem trabalhar com sonhos.
O m enino Todd, de se is anos, am iúde acordava de noite por causa
de sonhos assustadores. P ed i-lh e que m e contasse um d esses
sonhos. E le d isse que um m onstro sem pre o perseguia, e às vezes
era um carro que o perseguia. R esistiu à m inha sugestão de d ese­
nhar uma figura do m onstro, então eu desenhei enquanto ele o
descrevia. Trabalhando com o m eu desenho, pedi-lhe que d issesse
ao monstro aquilo que ach ava dele. Berrou: “P are de m e am e­
drontar!” Então pedi-lhe que im agin asse que podia falar pelo
m onstro, com o se e ste fo sse um boneco. D isse a si m esm o, falando
em lugar do monstro: “ V ocê é um m au m enino, um m au menino!
Eu tenho que am edrontar v o c ê !” P edi-lhe que continuasse sendo
o m onstro e d isse sse a si m esm o por que o m enino era m au. “Você
é mau! V ocê tirou um dinheiro da bolsa da sua m ãe e ela nem
sabe. V ocê fez x ix i na ca lça e ela não sab e. V ocê é mau, mau,
m au.” E ste menino achava-se em terapia por causa de um com ­
portam ento perturbador na escola: a p rofessora havia recom en­
dado à m ãe que esta procurasse auxílio. A través d esse sonho
tivem os a possibilidade de com eçar a conversar sobre seu s opri-
m entes sentim entos de culpa, bem com o sentim entos de ressen ti­
m ento e raiva intensos em relação à m ãe, que pouco antes voltara
a se casar. Em bora Todd g o sta sse do seu novo pai, tinha todavia
ciúm es de uma pessoa nova dentro do lar. E stes sentim entos
m isturados o confundiam , e foi preciso trazer todos à luz para
poder lidar com e les. E m vez do desenho, eu poderia ter pedido
a Todd que esco lh esse uma figura de m onstro (ou carro) e uma
figura de menino, e en cen a sse a p erseguição na m esa de areia,
ou no chão.
Em geral, os sonhos têm uma grande variedade de funções
para as crian ças. P odem se r m a n ifestações de ansiedade — coisas
que as preocupam . P odem exprim ir sentim entos que as crianças
se sentem incapazes de exprim ir na vida real. Podem retratar
d esejos, vontades, necessid ad es, fa n ta sia s, dúvidas e curiosidades,
atitudes. O sonho pode ser um indício d e uma postura ou sen ti­
m ento geral em rela çã o à vida. P od e ser um meio de elaborar
sentim entos e experiên cias — situações com que as crianças são
incapazes de lidar direta e abertam ente.
Ao trabalhar com um sonho, procuro partes que são alheias
à crian ça, partes que esta tem m edo de assum ir. Procuro coisas
que pareçam esta r faltando no sonho, ta is com o um carro sem
rodas, um cavalo sem p atas. Procuro a s polaridades e cisões no
sonho, tais com o o perseguidor e o perseguido, a planície e a
montanha. P rocuro pontos de contato tais com o um raio atingindo
um a c a sa num tem poral, ou pontos que im pedem contato, tais
com o um a parede que separa duas co isa s. P osso focalizar um
desejo que se m an ifeste através do sonho, ou algo que pareça

173
estar sendo evitado. P o sso m e concentrar no processo do sonho
— um sonho de corridas apressadas, ou de nada dar certo, ou de
sentir-se perdido. P osso exam inar o padrão repetitivo de um a série
de sonhos. A qualidade do am biente em que se desenrola o sonho
pode ser m uito im portante: uma região d esértica, uma rua api­
nhada de gente, uma c a sa enorm e com m uitos quartos. Podem os
reescrever o sonho, ou adicionar um fin al. Às vezes trabalho com
lem branças, d evaneios, ou fan tasias da m esm a m aneira que com
sonhos.
O que quer que escolham os para trabalhar, fico sem pre perto
da criança. Enquanto ela representa os papéis, ou se envolve
num diálogo, ou d escreve o am biente, presto m uita atenção à sua
respiração, postura corporal, ex p ressões fa cia is, gestos, inflexões
de voz. A qualquer mom ento posso resolver focalizar o que está
se passando com a criança enquanto ela trabalha com o sonho,
ou deixar o sonho de lado com o propósito de trabalhar com algum
conteúdo que se m anifesta a partir do sonho.
A m eta é ajudar a criança a aprender algo sobre si m esm a
e sua vida através do sonho. Evito analisar e interpretar: só a
própria criança pode tornar-se consciente daquilo que o sonho
está tentando lhe dizer. Às crian ças são plenam ente capazes de
aprender sozinhas através do trabalho com sonhos.

A C ad eira V a zia

A técn ica da cadeira vazia foi desenvolvida por Fritz P erls


com o m eio de trazer uma m aior consciência e clareza para o
trabalho terapêutico. É tam bém em pregada para trazer situações
inacabadas para o aqui e agora. Por exem plo, a pessoa pode ter
m aterial e sentim entos não expressos em relação a um dos pais
que já m orreu há tem po. Quando s e fa la so bre isso é m ais fácil
evitar sentim entos e em oções. A experiência de im aginar o pai ou
a m ãe na cadeira vazia e dizer aquilo que pede para se r dito,
em vez de sim plesm ente falar sobre, é algo muito m ais forte, e
m uitas vezes serv e para fechar um a g e sta lt inacabada na vida da
pessoa. Quando isso ocorre, um sentim ento de calm a e relaxam ento
torna-se v isív el na postura corporal da pessoa, e às vezes eu noto
que esta dá uma respirada profunda, parecida com um suspiro.
A cadeira vazia é uma técnica que ajuda a converter situações
p assadas, não resolvid as, numa experiência presente, focalizada.
A m ãe de um rapaz de 15 anos com eçou a m e contar, numa
voz alta e queixosa, o seu desespero com o filho, que não se achava
presente na sala. P ed i a ela que o im agin asse sentado numa
cadeira próxim a e d issesse a ele o que estava dizendo a mim.
Ela olhou para a cadeira, e com eçou a lhe contar baixinho a sua

174
tristeza, relatando seu s sentim entos de culpa em relação a ele.
D essa form a, a nossa se ssã o prosseguiu de modo muito m ais pro­
dutivo do que se eu a tiv e sse deixado usar-m e com o muro de
lam entações.
Às v ezes partes ou sím bolos de uma p essoa são postos na
cad eira vazia. Um a m oça de 16 anos, que e sta v a trabalhando com
o seu hábito de com er em dem asia, colocou na cadeira o seu
“eu supercom edor” e foi capaz de descobrir muito m ais acerca
daquilo que a fazia com er dem ais — razões estas que o seu pró­
prio “ eu supercom edor” expressou quando ela sentou-se na cadeira
e respondeu à parte de si m esm a que queria perder peso.
A técn ica da cad eira vazia constitui um auxílio na cla rifi­
ca ção das cisõ es e polaridades de cada um, cla rifica çã o esta que
é essen cial para o processo de centrar-se. Fritz P erls fa la da
reconciliação das partes opostas da p essoa, de modo a se jun­
tarem numa com binação e interrelação produtivas, e não desper­
diçarem m ais energia na inútil batalha m útua. A m ais séria dessas
cisõ es é o que Fritz P erls cham a de dom inador e dominado (topdog
e u n d erd o g ).
A voz do dom inador assola e tortura o dominado com críticas:
“ V ocê deve fazer isso ” , “ V ocê deve fazer aquilo” , “ Você deve ser
m elhor do que é ” . E sses “ d ev es” caracterizam -se basicam ente
por um ar de im posição e de dono da verdade. O dominador sem ­
pre sa b e o que o dom inado deveria fazer.
O dominado é uma força contrária. E le reage ao dominador
fazend o-se de im potente, cansado, inseguro, incapaz, à s vezes
rebelde, am iúde desonesto, e sem pre um sabotador. As suas res­
postas às exigên cias do dominador são: “ N ão p o sso !” (em tom
lam uriento), “ Sim , m a s . . . ” , “ T alvez am anhã” , “T entarei” , "Estou
tão can sad o” , e a ssim por diante. E stes opostos vivem uma vida
d e fru stração m útua e contínuas ten tativas de controlarem um ao
outro. E ste beco sem saída gera um estado de paralisia, exaustão
e uma incapacidade de experienciar plenam ente cada momento
com o organism o total e harm onia integrada.
A dolescentes sã o com freqüência atorm entados com conflitos
dom inador/dom inado que os m antêm num estado constante de fru s­
tração. Sally, uma m oça de 16 anos, queixava-se que lhe era
m uito difícil estudar — ela sim plesm ente não conseguia concen­
trar-se. Então d eix a v a de lado o estudo para ficar com os am igos,
e aí não podia s e divertir porque fic a v a s e preocupando com
o dever de ca sa inacabado, datas de en trega de trabalho, e assim
por diante.
P ed i a Sally que d escrev esse uma situ ação esp ecífica. Ela
m e contou que seu s avós queridos, que viviam no L este, a esta ­
vam visitando, que a fam ília ia jantar junta naquela noite, m as
ela tinha um trabalho para entregar na m anhã seguinte, — um

175
trabalho que adiara d iversas vezes por causa da sua fa lta de con­
centração. Sally era boa aluna e tinha altas exp ectativas em rela­
ção a s i m esm a. E sta v a nervosa, ansiosa e com eçando a achar que
estava "ficando lou ca ” , conform e ela própria colocou. Sally repre­
sentou os papéis do seu dominador e dominado, usando a cadeira
vazia.
Dom inador (com aspereza): Sally, você só dá tristezas! Nem
p en se em sair esta noite. A culpa é sua m esm a de não ter feito
o trabalho antes. V ocê sa b ia que a vovó e o vovô vinham para cá.
V ocê não pode sair esta noite.
Dom inado (em tom lam uriento): M as eu tentei fazer antes.
Eu sim plesm en te não consigo m anter a ca b eça no que estou fazen ­
do. E stou cansada d e fazer lição de casa. Eu quero ir junto esta
noite. T alvez eu possa perguntar ao professor se posso entregar
esse trabalho com atraso.
Dom inador: V ocê sa b e que não v a i se r muito gostoso para
você s e for jantar. V ocê vai ficar preocupada com o trabalho.
Eu m e encarrego disso!
E ste diálogo prosseguiu por algum tempo: finalm ente Sally
olhou para m im , sorriu, e com entou: "Não é de adm irar que eu
nunca consiga fazer nada se é isto que se passa o tem po todo
dentro de m im ” .
Expliquei a ela que esta s duas forças opostas desperdiçam
energia, deixando-a indubitavelm ente sem nenhuma. O dominado
p arece vencer sem pre a batalha, um a vez que nada é feito; m as
já que o dominador não desiste, não fazer nada tam bém não é
algo satisfatório. (O dominador se encarrega d isso!) Um a vez
claro o conflito, é proveitoso distanciar-se e "observar” essa s duas
força s discutindo dentro de nós. Aí podem os fazer a nossa livre
escolha, talvez negociando um pouco com cada um dos lados.
A ssim , Sally d isse ao seu dominador: "Olhe, eu quero estar
com os m eus avós. Eu não os vejo com m uita freqüência. Saia
de cim a de mim e deixe-m e fazer isso. Quando eu chegar a
ca sa , vou fica r acordada e fazer o trabalho” . E para o seu dom i­
nado ela disse: "R esolvi sair esta noite para jantar; isso deve
deixar você contente. Então, quando eu voltar para c a sa e for
fazer o trabalho, m e deixe em paz e lem bre-se que você teve
uma ch an ce de d esca n sa r” .
Posteriorm en te Sally contou que de fato saiu para jantar, e
cada vez que p assava algum tem po sentia o puxão do seu dom i­
nador, ao que ela respondia: “ Suma! Eu fiz a escolha e vou redi­
gir o trabalho depois. Agora não posso fazer m esm o” . Ao voltar
para casa, ficou acordada até as duas da m adrugada, e não teve
dificuldade nenhum a em redigir um trabalho dificílim o.
Em algum as das n ossas sessõ e s posteriores, exploram os as
fontes d essa s duas poderosas forças. E la com eçou a descobrir

176
com o estavam se interpondo no cam inho da su a vida, e tornou-se
hábil em lidar com elas.
No meu trabalho em esco la s, com crian ças em ocionalm ente
perturbadas cham ávam os a técn ica que acabei d e descrever de
jogo da cadeira vazia. H avia sem pre duas cadeiras prontas para
serem usadas, e freqüentem ente serviam para ajudar as crianças
a clarificar o que estavam fazendo num a situação esp ecífica ,
resolver conflitos, assum ir a responsabilidade pelo seu próprio
com portam ento, e encontrar solu ções p ara problem as. Alguns
exem plos m ostrarão o poder desta técn ica:
Todd, 12 anos: P reciso usar a s cad eiras! (Ao voltar de um
recreio no p la y g ro u n d .)
M uito bem .
Todd: Eu odeio o senhor, Sr. Sm ith. (V irando-se para m im :)
E le está sem pre brigando com igo.
D iga isso a ele.
Todd: Eu odeio o senhor! O senhor está sem pre brigando
com igo! N ão é da sua conta o que eu fa ço com as m inhas próprias
m ãos. (Agora noto que Todd e stá com as m ãos todas pintadas
de tinta preta.)
A gora troque de lugar e se ja o Sr. Sm ith, e diga o que ele
diria ou d isse para você.
Todd (em tom sa rcá stico ): B em , Todd, só que não é uma idéia
muito boa fazer isso. A sua m ãe fica rá zangada e vai jogar a
culpa na esco la , e eu não se i o que a tinta pode fazer para a
su a pele.
Todd: (trocando novam ente de lugar para ser ele m esm o, sem
qualquer sarcasm o na v o z). M as o senhor não p recisa ser tão
estúpido por causa- disso.
Todd (sendo o Sr. S m ith ): M as Todd, quando eu lhe pedi para
lavar as m ãos, você não quis ir. Eu fui obrigado a ficar zangado
com você.
Todd (sendo ele m esm o, em voz b a ix a ): Acho que fui bem
safad o. (Todd olha para mim com ex p ectativa.)
O que você quer fazer agora?
Todd: Acho que vou ver se consigo tirar e ssa coisa das m ãos.
(Todd sa i da sa la cam inhando de ca b eça levan tada, e não curvado
com o geralm ente ocorre quando está na d efen siva.)
D anny, 12 anos: Eu gostaria de trabalhar com as cadeiras.
(Senta-se numa d ela s.)
Quem está na outra cadeira?
A senhora.
Vá cm frente.
D anny: Eu não quero fazer m atem ática agora, Sr.a Oaklander.
A senhora não pode m e obrigar.

177
Danny (sendo eu ): M as todos nós vam os fazer m atem ática
agora. É o que geralm en te fazem os nesta hora.
D anny: M as eu quero term inar aquilo que estava fazendo
antes do recreio. Só fa lta um pouquinho.
D anny (sendo eu ): M as Danny, se eu deixar você fazer, todo
mundo vai querer tam bém .
D anny: M as eu só preciso de uns cinco minutos para fazer
um a coisa, e aí vou prestar atenção à m atem ática.
Danny (sendo eu ): M uito bem , D anny, parece que vo cê está
sendo sincero.
Então D anny se levan ta, vai para o fundo da sala, trabalha
no seu projeto por uns cinco m inutos, volta e senta-se e se dedica
à m atem ática com m ais em penho do que de costum e. D urante
todo o episódio, eu não digo um a única p alavra. (D anny havia
realm ente feito e ste m esm o pedido antes do diálogo acim a, e eu
tinha respondido “ N ão” .)
Poder-se-ia encarar e ste exercício com o uma m anipulação do
menino; m as à luz do trabalho de m atem ática que ele realm ente
fez, eu o vejo com o um esforço m agnífico por parte de um garoto
que estava com eçando a su stentar-se sozinho, aprendendo a aten­
der a s suas próprias n ecessidades, assum indo responsabilidade
por si m esm o, e m ostrando a um a professora (pelos próprios
m étodos dela) o quanto podia ficar presa a um horário de aulas
que ela própria desaprovava — um horário que às vezes parecia
m ais im portante que as n ecessid ades da criança.
0 exem plo a seguir ilustra com o utilizo a técnica da cadeira
vazia com uma criança muito m ais nova. Gina, uma m enina de
7 anos, esta v a brincando ao ar livre quando eclodiu uma briga
terrível entre ela e outra criança. E la veio correndo para mim,
em lágrim as. Sentam o-nos na gram a enquanto m e contava, em
m eio a soluços, que tinha sido em purrada por outra criança para
fora de um dos brinquedos. E scutei sem fazer nenhum com entário.
Quando ela acabou de fa la r, eu disse: “ Vejo que você está cho­
rando. V ocê d eve estar se sentindo m agoada e zangada com a
T erry.” Gina continuou chorando, fazendo que sim com a cab eça.
Q uase com o exigên cia, perguntou: “ V ocê vai castigar a T erry?”
Eu disse: “ Prim eiro quero que você fa ç a algo para m im . Finja
que a Terry está sentada bem aqui na sua frente e diga para ela
com o você está zangada e m agoada por cau sa daquilo que ela
fe z com v o cê.”
Gina: V ocê é bruta! Eu odeio você! V ocê quer sem pre estar
prim eiro nos brinquedos! Eu não gosto quando você m e empurra!
(Eu falo com um pedaço vazio do gram ado.) Terry, por favor
diga para a Gina o que você tem para dizer a ela. G ina, quer
fa zer o favor de sentar aqui e ser a Terry? (Gina muda de lugar.)
Gina (com o T erry): Gina, desculpe.

178
D evo cham á-la agora e ouvir o que aconteceu entre vocês
duas do lado dela?
Gina: Não.
Quer dizer m ais algum a coisa para a T erry de m entira?
Gina: T erry, acho que chutei você: m e desculpe tam bém .
O que você quer fazer agora?
Gina (sorriso largo): Ir brincar.
Ela correu então na direção de Terry e eu a s vi brincando
sem problem as.
Em outra situação, uma m enina de 7 anos foi acusada de
roubar um ca sa co . A lguém d isse que ela o tinha vestido e descido
do ônibus para ca sa com ele. E la negou. P ed i para conversar
com a menina e fui com ela para um cantinho da sa la onde
ninguém podia nos ver. T entei fa zer com que m e fa la sse do casaco.
E la negou que so u b esse algum a coisa a cerca dele. Então pedi-lhe
que fin g isse que a outra m enina (que tinha perdido o casa co )
estava sentada ao seu lado, e lhe d isse sse que não sab ia nada
sobre o casaco. E la disse: "Sinto que você perdeu o seu ca sa co
e . . . ããã, não peguei o seu ca sa co e . . . ” E la com eçou a chorar.
Contou-me que havia realm ente levad o o ca saco. Pedi-lhe que
d isse sse à outra m enina na cadeira v a zia algum a coisa sobre o
casaco — qual a sen sação de vesti-lo. E la disse: “ Eu gosto do
seu casaco. E le é bonito e quente. Eu gostaria d e ter um casaco
a ssim .” P ergun tei-lhe s e tinha m ais algum a coisa a dizer à outra
m enina. “ Amanhã vou trazer o ca sa co de v o lta .”
P a rece-m e que n este ca so a criança foi surpreendida numa
situação cm que era incapaz de adm itir ter pegado o casaco — pre­
c isa v a m anter-se na d efen siva e negar o ato. D e que outra form a
poderia reagir a uma acusação? M as ao trazer a situação para a
experiên cia presente, com as cad eiras vazias que não constituem
nenhum a am eaça, foi im possível ocultar os seu s sentim entos. No
dia em que trouxe o ca sa co de volta, lev ei-a para a seçã o de
achados e perdidos da esco la , e escolh em os para ela um casaco
que não havia sid o reclam ado.
R ichard, de 10 anos, o ferece outro exem plo da possibilidade
de salv a r as ap arên cias com as cad eiras v a zia s. O garoto esqueceu
de trazer de c a sa os livros que havia retirado da biblioteca, e a
bibliotecária não o deixou retirar outros. E le chorou am argam ente.
Aí com eçou a im portunar outro m enino, L ee, e continuou a fazê-lo
o dia inteiro. L ee lev a v a consigo o tem po todo um m acaquinho
de brinquedo, e a cad a oportunidade R ichard pegava o m aca­
quinho e o jo g a v a na cesta de papéis. L ee finalm ente se encheu
e revidou, o que provocou um a c e sso de choro ainda m aior por
parte de R ichard. E le com eçou a berrar e gritar, e finalm ente der­
rubou sua carteira no chão. A parentem ente tinha chegado tão longe
nas suas em oções que não sabia com o voltar. A qualquer coisa

179
que eu d issesse, ele só g ritava e chorava m ais. R ecusou-se a fazer
qualquer trabalho, e recusou-se a té m esm o a brincar durante o
recreio. F inalm ente, eu d isse: “ R ichard, venha para as ca d eira s.”
E le veio correndo. As outras crian ças estavam ruidosam ente
envolvidas em su a s atividades livres.
R ichard, coloque na cadeira a pessoa com quem você está
zangado.
Richard: É o Lee.
O que v o cê gostaria de dizer para ele?
R ichard: Eu não estou zangado com você. D esculpe eu ter
jogado o seu m acaquinho na cesta . N ão é culpa sua.
Richard (troca de lugar, sendo L ee): D esculpe que eu apertei
a sua garganta.
R ichard (sen do ele m esm o): D esculpe-m e por ter ficado zan­
gado com você.
Richard (sendo L ee): E stá tudo bem.
D e repente am bos notam os que a sala inteira esta v a em
silên cio. Os outros garotos estavam assistindo e escutando. O L ee
real grita do fundo da sa la “ E stá tudo bem ” . Um sorri para o
outro. R ichard então in siste em colocar a bibliotecária na cadeira.
R ichard: D esculpe eu ter esquecido os livros. Vou tentar lem ­
brar de trazer.
Richard (com o bibliotecária): R egras sã o regras. Quando você
trouxer, poderá retirar outros livros.
Richard agora m e coloca na cad eira, tendo obviam ente muito
prazer consigo m esm o.
R ichard: D esculp e eu ter jogado a carteira no chão e tudo
m ais.
R ichard (sendo eu ): E stá bem , R ichard, está bem . (E le sai
da sa la e vai para ca sa de bom hum or.)

P olaridades

Quero enfatizar a im portância de se trabalhar com polari­


dades. A p essoa d e pouca idade fic a assustada com as divisões
que ocorrem dentro d e si, bem com o as cisões que en xerga em
adultos que participam da sua vida. E la fica confusa quando se
percebe sentindo raiva e ódio em relação a alguém que am a.
E la fic a espantada quando v ê alguém que considera com o forte
e protetor dem onstrar que está se sentindo fraco e desam parado.
A criança tem dificuldade em aceitar os aspectos de si m esm a
dos quais não gosta, ou aqueles aspectos que seus pais criticam .
Seus pais a acusam de ser trem endam ente egoísta porque prefere
muito m ais brincar e s e divertir do que ajudar nos trabalhos da
ca sa , e ela no íntim o s e pergunta s e não é realm ente egoísta e

180
preguiçosa. Quando despreza e se a fa sta destas partes de si pró­
pria, ela alarga ainda m ais a sep a ra çã o entre suas form as de ser
polarizadas, causando fragm entação e auto-alienação ainda m aio­
res. Um a integração, reconciliação, ou sín tese dos lados que fun­
cionam com o oponentes, positivo e negativo, constitui um pré-
requisito para um p rocesso de vida dinâm ico e sadio.
Eu proporciono à s crian ças grande número d e exercícios e
experim entos para que elas travem contato e se fam iliarizem com
o conceito das polaridades em si m esm as, de modo a ajudá-las a
com preender que as polaridades sã o um aspecto inerente à perso­
nalidade de todas as pessoas.
Os opostos podem ser discutidos em rela ção a sentim entos e
personalidades que a s crian ças conhecem : am or/ódio, triste /c o n ­
tente, d escon fiad o/ confiante, bom /m au, seguro/inseguro, c la r o /
confuso, doen te/sau d ável, e assim por diante. Tenho a meu
dispor inúm eras técn ica s que posso utilizar para focalizar essa s
polaridades:
A r ie s p lá stic a s: F a ç a o desenho de algum a coisa que deixa
você contente e de um a coisa que d eixa você triste. Ou desenhe
com o você se sen te quando está relaxad o e quando está tenso.
Ou ainda, desenhe com o você s e vê quando está fraco e quando
está forte.
A rg ila : F a ç a um a im agem do seu eu interior. F a ça um a outra
im agem do seu eu exterior — a form a com o você se apresenta
para as outras pessoas.
E stó ria s: “ E ra uma v ez um elefa n te que era muito bobinho
quando esta v a com os seu s am igos, e muito sério quando estava
na su a ca sa . A gora seja e s s e e le f a n t e ... e você m esm o vai contar
o resto d esta estó ria .”
M o v im e n to C orporal: R etrate vária s partes de v o cê m esm o
por m eio de ch arad as que devem ser adivinhadas.
C olagem : F a ç a uma represen tação de algum as partes opostas
de si m esm o.
N as técn icas de P sico ssín tese encontram os uma grande varie­
dade de m étodos destinados a ajudar os clien tes a identificarem
as várias partes de si próprios, partes e sta s que são cham adas de
subpersonalidades. Um d esses ex ercício s con siste na pessoa ficar
continuam ente s e perguntando: “ Quem sou eu ?” , e anotar cada
uma das respostas conform e ela sai: “ Eu sou uma pessoa que
trabalha duro. Eu sou preguiçoso. Eu tenho medo de alturas. Eu
se i nadar muito b em .” Ao exam inar todas e ssa s respostas, a
pessoa obtém um a excelen te inform ação sobre a s suas várias
partes d iferen tes.
Ainda outro ex ercício consiste em desenhar um bolo dividido
em v árias fa tia s. Em cada uma das fa tia s coloca-se um a palavra
ou um desenho esboçado que represente uma das partes da pessoa.

181
E sta pode então dar início a um diálogo com cada parte, deste
modo esclarecen do os conflitos, as ex ig ên cia s ou os aspectos de
cad a uma. Aumentando m ais e m ais a consciência, a com preensão
e a aceitação das diferentes partes, a pessoa vai adquirindo uma
força m aior dentro de si m esm a, e justam ente com isto, uma maior
autodeterm inação e m aior oportunidade de fazer escolhas.

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