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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS

FACULDADE DE DIREITO

EDUARDO SCHENFEL GARCIA BAENA – RA: 21005998

KHALIL MANSUR SILVA – RA: 21008777

AVALIAÇÃO 01 – FILOSOFIA DO DIREITO

CAMPINAS

2021
c) Soberania, exceção e legalidade;

Tendo em vista que as noções de república e de democracia estão na antessala da


filosofia jurídica contemporânea, torna-se necessária a avaliação de conceitos chaves que,
necessariamente, foram abordados por expoentes da filosofia política.
Com o surgimento do Estado de Direito e com a ascensão da política moderna,
diversos debates passaram a tomar conta do cenário jurídico, político e filosófico. Isto
porque diversas alternativas apareceram com o intuito de reconhecer a existência do
estado de exceção ou de trata-lo como sinônimo de uma legalidade que seria advinda de
um pressuposto bem negativo. Tal pressuposto negativo seria em decorrência da
capacidade legal dos Estados recorrerem, de modo crescente, às aprovações de
legislações de exceção que, possivelmente, dariam margens às medidas autoritárias, por
exemplo. Certamente, a grande maioria dos textos constitucionais apresentam algumas
previsões relativas aos estados excepcionais e, assim, creem estar resguardados das
ameaças que a emergência oferece para a ordem política já estruturada. Entretanto, nem
sempre foi – ou é - assim.
À vista da história constitucional do Brasil, por exemplo, o estado de exceção
vigorou em diversos períodos da história, transitando em diversos termos e expressões.
A Segurança do Estado – Constituição de 1824; o estado de Sítio – Constituições de 1891,
1934, 1946, 1967 e 1988; estado de emergência – Constituição de 1937; estado de guerra
– Constituição de 1937; estado de defesa – Constituição de 1988. Ainda, o estado de
exceção marcou com intensidade alguns momentos da história brasileira, sendo
caracterizado por opressões e restrições de direitos e garantias nos seguintes períodos:
Governo de Floriano Peixoto, golpe do Estado Novo e nas intervenções de 1964 e 1968
(GODOY, 2020).
Já no que tange às relações entre soberania, estado de exceção e legalidade, urge
ressaltar as concepções de Carl Schmitt e de Giorgio Agamben para todos estes conceitos
e como eles se relacionam. Isso porque são considerados doutrinadores acerca do tema e
que, necessariamente, configuram diversas correlações entre os temas arguidos por esta
prova.
Soberano é aquele que decide sobre o Estado de exceção. Essa definição pode
ser atribuída ao conceito de soberania como um conceito-limite em si mesmo.
O conceito-limite não é um conceito confuso, como na feia terminologia da
literatura popular, mas um conceito da esfera extrema; isso quer dizer que sua
definição não se encaixa num caso normal, mas sim num caso limite
(SCHMITT, 1996).

Para o jurista alemão, soberano é “aquele que decide sobre o estado de exceção”
e “soberania é o ponto culminante do poder e não o desvio de poder”. Portanto, aqui já
há de ser observada a relação entre dois conceitos, isto é, exceção e soberania. Além disso,
as concepções acerca de soberania não causam conflitos maiores (sobretudo em relação
à sua definição), mas sim como tal conceito é aplicado. Em geral, briga-se para saber
sobre sua aplicação concreta, ou seja, quem toma as decisões em caso de conflitos, quem
determina aspectos sobre a segurança e a ordem pública, por exemplo.
Em relação às definições de “estado de exceção”, já não há certa concordância em
relação aos diversos doutrinadores, pois esse tema, nas tradições jurídicas dos Estados
europeus, apresenta uma divisão, sobretudo entre ordenamentos que regulamentam o
estado de exceção no texto da constituição ou por meio de uma lei e ordenamentos que
preferem não regular expressamente o problema. Ao primeiro grupo, pertencem a França
– berço do estado de exceção moderno, por conta da revolução – e a Alemanha; ao
segundo, a Itália, a Suíça, a Inglaterra e os EUA. Além dessa divisão, há segmentações
no que se refere aos que defendem a oportunidade de uma previsão constitucional ou
legislativa do estado de exceção e outros. Dentre essa parcela, se destaca Carl Schmitt,
que critica sem restrição a pretensão de se regular por lei o que, por definição, não se
pode ser normatizado (AGAMBEN, 2003, p.22).
Conforme Agamben (2003), embora a famosa definição de Schmitt do soberano,
como "aquele que decide sobre o estado de exceção" tenha sido amplamente comentada
e discutida ainda hoje, falta uma teoria do estado de exceção no direito público; e tanto
juristas quanto especialistas em direito público, parecem considerar o problema muito
mais como uma quæstio facti (questão de fato) do que como um genuíno problema
jurídico. Não só a legitimidade de tal teoria é negada pelos autores que, retomando a
antiga máxima de que necessitas legem non habet (a necessidade não tem lei), afirmam
que o estado de necessidade, sobre o qual se baseia a exceção, não pode ter forma jurídica,
mas a própria definição do termo tornou-se difícil por se situar no limite entre a política
e o direito.
Portanto, o estado de exceção é um assunto paradoxal. Tal conceito se apresenta,
muitas vezes, com forma legal daquilo que, no plano ideal, não deveria poder ter forma
legal – por conta de todas as prerrogativas que dão margem às violações de direitos e
garantias fundamentais. Por outro lado, se a exceção é um dispositivo originado graças
ao direito à vida, e a inclui em si por meio de sua própria suspensão, uma teoria do estado
de exceção é, então, condição primária para se definir a relação que liga e abandona,
simultaneamente, o vivente do direito. É esse vácuo, entre o direito público e o fato
político, e entre a ordem jurídica e a vida (AGAMBEN, 2003, p.12).
Eis aí a convergência entre os três temas propostos, isto é, soberania, exceção e
legalidade. Soberania é quem detém o poder, sobretudo no estado de exceção. No que
tange à legalidade, como exposto acima, há divergências doutrinárias em relação ao tema.
Uma parcela de juristas considera o conceito como fator legal – tendo Carl Schmitt como
exemplo, que tenta articular em suas obras relações entre o estado de exceção e a ordem
legal, e, alguns outros consideram, muitas vezes, com parâmetros e artifícios que fogem
do escopo da legalidade, sendo, assim, prejudicial ao Estado de Direito e a ordem legal.
Por fim, vale citar que, para Schmitt, grosso modo, todo o Estado dotado de poder
decisório deveria ter um elemento que constituísse o estado de exceção em sua
constituição (Ausnahmezustand). Soberania é, para ele, a capacidade e o direito de
exercer o estado de exceção, como muito bem retratado em suas obras e esclarecido por
Agamben.
A cunho de curiosidade, Agamben ainda destaca que Schmitt passou a se opor ao
estado de exceção, que fomentaria a manutenção da ordem legal – que seria a suspensão
temporária a fim de garantir a reestruturação política, jurídica, social e econômica de um
país, sendo esta vertente dotada de princípios morais e regidas pelo direito legal. Schmitt
passou a defender, portanto, o estado de exceção, não para a manutenção da constituição,
mas sim para a criação de uma outra. E foi assim que Hitler ascendeu ao poder, pois a
Constituição de Weimar nunca foi ab-rogada, mas sim suspensa por quatro anos, sendo a
primeira suspensão em 28 de fevereiro de 1933 pelo Decreto do Incêndio do Reichstag,
e os atos de suspensão passaram a ser renovados a cada quatro anos, decretando-se um
contínuo estado de emergência, ou melhor, um estado de exceção, sendo estas posições
de Schmitt essenciais para o apoio jurídico, político e filosófico para a nova ordem legal
que estava sendo construída na Alemanha.
d) Constituição de Weimar, democracia e heterogeneidade;

A Constituição de Weimar é, por muitos doutrinadores, considerada o ponto de


inflexão do Direito Constitucional. Seu caráter inovador, no que diz respeito a criação de
leis voltadas para o usufruto da sociedade, garantiu, ao menos no âmbito jurídico, direitos,
não só fundamentais, como também de cunho social e até mesmo liberal, à população.
Não obstante, para entender a importância deste documento para a Alemanha e
para o mundo, é preciso se ater, de forma breve, aos antecedentes e ao contexto histórico
que englobou a produção da Constituição de Weimar. Este movimento, que parte da
História para explicar as influências políticas, sociais e culturais que estavam presentes
na Carta Magna, se faz necessário para compreender não apenas sua elaboração, como
também seus impactos e desdobramentos.
Maria Claudia Pinheiro, professora de Teoria Geral do Estado e de Direito
Constitucional no Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB), aborda o caminho
supracitado em seu artigo “A Constituição de Weimar e os direitos fundamentais sociais”,
no qual busca expor, por meio da comparação entre a Constituição Mexicana de 1917 e
a de Weimar (1919), os motivos pelos quais estes dois documentos foram, e ainda são,
marcos para a história do constitucionalismo.
Pinheiro sinaliza, ao analisar a constituição da república alemã de 1919, que,
assim como o caso mexicano, ela foi o fruto de diversos acontecimentos históricos
sociais. A autora estabelece em Bismarck, em específico na guerra franco-prussiana, em
1870, a gênese de todo o processo. Desde a unificação da Prússia, que culminou na
consolidação na união dos estados alemães, passando pela necessidade de expandir o
Império, que resultou na Primeira Guerra mundial em 1914, até a revolução alemã em
1918. Todos estes acontecimentos influenciaram, diretamente, na redação da
Constituição de Weimar, ou seja, entender, mesmo que de forma superficial, alguns
pontos chaves destes eventos, é essencial para produzir uma análise crítica sobre um dos
documentos mais relevantes do constitucionalismo. (PINHEIRO, 2006, p.113)
Revisitando a cronologia proposta por Pinheiro, há de se ressaltar a unificação da
Prússia, movimento que integrou as distintas regiões do país e fortaleceu, no aspecto
econômico a nação recém criada. No entanto, como consequência de sua unificação
tardia, o país possuía desvantagem em relação as outras nações, principalmente no que
diz respeito ao imperialismo e a divisa do continente africano. Ademais, havia uma
discrepância considerável em relação a industrialização do país, enquanto alguns locais
mantiveram suas tradições agrícolas, em outros, as industrias haviam se consolidado
enquanto forças econômicas.
Era preciso ampliar o mercado consumidor, além de garantir matéria prima para
as fábricas. Essa necessidade, dentre alguns outros fatores, resultou na eclosão da
Primeira Guerra, conflito que a Alemanha, em conjunto com Itália, Império Austro-
Húngaro e Império Otomano, saiu como grande derrotada. Como consequência, além da
destruição de grande parte das cidades alemãs, da pobreza que assombrava o país, da crise
econômica, o Tratado de Versalhes impôs diversos embargos e sanções econômicas que
a nação deveria pagar – uma forma de restituir os países vitorioso pelos estragos da
guerra.
O cenário caótico e crítico em que o país se encontrava, em especial, as camadas
populares e parte da burguesia, em consonância com os ideais socialistas que se
alastravam por todo o mundo, decorrente do sucesso da Revolução de 1917, inflou a
população. Diante de tanta desigualdade e condições de vida precárias, a população
arquitetou um golpe – apoiado pela marinha - na então monarquia alemã, destituindo o
então Imperador William II, e instaurando a República Alemã.
No entanto, a discordância entre as vertentes políticas que compunham o
movimento revolucionário, e os diferentes projetos de nação, fragmentaram e
enfraqueceram o poder da recém República. Os revoltosos ligados a uma vertente mais
radical, que defendiam uma espécie de ditadura do proletariado, foram sufocados pelos
militares, e a ala social democrata consolidou, em parte, seus poderes, contando com a
maioria no parlamento, o que não assegurou um governo sem oposições, afinal, outros
ideais estavam em pauta e sendo difundidos – o conservadorismo, o socialismo, a extrema
direita, e o liberalismo. (PINHEIRO, 2006, p.104)
A República de Weimar foi o resultado de todo esse processo histórico. E o que
há tornou tão importante para o direito, e para o mundo, foi um documento promulgado
no dia 11 de agosto de 1919, a Constituição de Weimar. A Carta tinha como intuito
assegurar direitos fundamentais a população, mas também garantir direitos sociais, algo
quase que inédito para a época – a constituição mexicana era a que mais se aproximava -
, afinal, até aquele momento, as Cartas não tinham um valor propriamente dito, eram
letras mortas, que serviam apenas para consolidar os interesses das elites.
Essa mudança radical se deu muito pelo momento histórico. A população estava
insatisfeita com a monarquia, tal descontentamento, resultou na revolução, que, apesar de
sufocada, teve desdobramentos que impactaram a sociedade alemã como um tudo,
principalmente na redação da Carta. Era preciso desenvolver uma constituição que
abarcasse as reivindicações populares, que garantisse, as camadas sociais que atravessam
um período de crise, direitos para que estes pudessem superar tais adversidades - é de
extrema importância enfatizar que a Carta não foi uma concessão, muito pelo contrário,
ela foi consequência de processos, de lutas, que reivindicavam por uma sociedade
igualitária, por melhores condições de vida.
O primeiro aspecto que indica uma ruptura entre as constituições que antecederam
a de Weimar é a importância do papel do Estado enquanto órgão responsável por garantir
a efetividade dos direitos previstos no documento, isto é, o Estado deveria intervir de
forma direta na sociedade para possibilitar o acesso e colocar em prática o texto legal.
Até então, as nações entendiam o Estado enquanto um órgão político que não deveria
interferir na sociedade a ponto de fornecer proteção e assegurar direitos, era apenas uma
marionete manipulada pelas elites. A virada nessa concepção tem como base a
Constituição de Weimar, que transferiu responsabilidades e as colocou sobre tutela do
Estado, este deveria instaurar a ordem, proteger a população e impedir a violação dos
direitos.
É com base nessas transformações, acerca da função do Estado, que doutrinadores
alegam que Weimar é o marco do Estado Social de Direito, no qual o órgão ficaria
encarregado de fiscalizar e impedir violações dos direitos da população. Entretanto, por
mais que a função do Estado fosse importante, existiam outros projetos políticos que
estavam presentes na Constituição, como, por exemplo, as ideias liberais, que se fizeram
presentes na garantia de liberdade dos indivíduos, na livre iniciativa e na proteção dos
indivíduos por meio das leis presentes na Carta. Essa miscelânea teórico-política foi um
elemento intrínseco a Constituição, que marcou profundamente as disputas entre os mais
variados projetos políticos de nação em pauta. (PINHEIRO, 2006, p.106)
Destarte, o Estado estava encarregado de colocar em vigência os direitos
fundamentais e proteger qualquer tentativa de violá-los. Maria Pinheiro, em seu artigo, já
mencionado, elenca alguns desses direitos:

Desse modo, entre o extenso rol de direitos fundamentais de primeira geração


constantes da Constituição de Weimar, destacam-se os seguintes: direito à
igualdade (art. 109); igualdade cívica entre homens e mulheres (art. 109, § 1o
); direito à nacionalidade (art. 110); liberdade de circulação no território e para
fora dele (art. 111 e 112); direito das minorias de língua estrangeira (art. 113);
inviolabilidade de domicílio (art. 115); irretroatividade da lei penal (art. 116);
sigilo de correspondência e de dados telegráficos ou telefônicos (art. 117);
liberdade de manifestação do pensamento (art. 118); vedação à censura, exceto
para proteger a juventude e para combater a pornografia e a obscenidade47
(art. 118, § 1o ); (PINHEIRO, 2006, p. 116-117)

Além dos direitos fundamentais, outra inovação de Weimar foram os direitos


sociais, também analisados por Pinheiro:

Entre os direitos de segunda dimensão – que conferem o caráter social à


Constituição de Weimar –, devem-se destacar as seguintes garantias: proteção
e assistência à maternidade (art. 119, § 2o e 161); direito à educação da prole
(art. 120); proteção moral, espiritual e corporal à juventude (art. 122); direito
à pensão para família em caso de falecimento e direito à aposentadoria, em
tema de servidor público (art. 129); direito ao ensino de arte e ciência (art.
142); ensino obrigatório, público e gratuito (art. 145); gratuidade do material
escolar (art. 145); direito a “bolsa estudos”, ou seja, à “adequada subvenção
aos pais dos alunos considerados aptos para seguir os estudos secundários e
superiores, a fim de que possam cobrir a despesa, especialmente de educação,
até o término de seus estudos” (art. 146, § 2o ); função social da propriedade49;
desapropriação de terras, mediante indenização, para satisfação do bem
comum (art. 153, § 1o ); (PINHEIRO, 2006, p.117)

Estes são apenas alguns direitos, pertencentes a um extenso rol, que tinham como
intuito oferecer melhores condições de vida paras a população. Ao serem analisado no
campo das ideias, são direitos inéditos, que permitiriam ao povo uma proteção e
assegurariam o acesso a bens até então restritos a uma parcela da sociedade. Em outras
palavras, eram direitos que compreendiam a heterogeneidade social, mas que não previam
mecanismos para impedir a ascensão de ideais contrárias a visão democrática prevista na
Constituição. O que aparentava ser um avanço, rumo a uma sociedade realmente
igualitária, não passou de uma ilusão.
Apesar de garantir o acesso a diversos direitos, na prática, a Constituição não
possuía efetividade; as elites continuaram tendo poder sobre o âmbito jurídico, impedindo
a participação política e não colocando em prática os direitos sociais e até mesmo
fundamentais – havia (e ainda há) uma grande diferença entre prever e garantir. A
constituição era um instrumento jurídico das elites que governavam a república
parlamentarista; ela se camuflava, através de leis que previam uma democracia - uma
forma de governo equânime, que garantiria direitos iguais a todos, a liberdade, e
entenderia, no âmbito legal e social, a população de forma equitativa -, com o intuito de
aquietar a população e defender os interesses políticos e econômicos dos dominantes.
É interessante colocar em perspectiva o impacto que a Constituição teve no campo
teórico e no empírico. As inovações que ela abarcou aparentavam contemplar as
reivindicações sociais que assolavam toda a Alemanha, isto é, ela incorporou os desejos
da população, que era extremamente heterogênea, o que acabou dando brecha para a
criação e o fortalecimento de grupos extremistas. Ao garantir os mais diversos direitos, a
Constituição não se atentou para as fissuras do projeto, que foram percebidas por alguns
cidadãos, que tinham como intuito a construção de um novo projeto político, o nacional-
socialismo.
Ao se mostrar incapaz de assegurar todos estes direitos, o Estado passou a sofrer
diversos ataques, afinal, que Estado era esse que deveria proteger e impedir a violação
dos direitos, mas ele mesmo os violava, em prol dos interesses das elites econômicas?
Esse descaso, que impediu a instituição de uma sociedade democrática, propriamente
dita, na qual os indivíduos teriam não só direitos como acesso a eles, e viveriam em
igualdade, no sentido de terem condições igualitárias, acabou servindo de base para o
crescimento de um movimento popular que iria acabar com a República de Weimar - e
ab-rogar a constituição, suspendendo-a por 4 anos - e instaurar um sistema, de acordo
com seu projeto político, capaz de “superar” a crise socioeconômica alemã.
Há, de certa forma, uma romantização, por parte da doutrina constitucional acerca
da Constituição de Weimar, pois apesar de conter e apresentar direitos inéditos, tanto
fundamentais quanto sociais, a não garantia dos mesmos teve drásticas consequências.
Houve uma mudança no campo jurídico, mas a estrutura social permaneceu inalterada, as
desigualdades sociais continuaram a imperar, e a Alemanha continuou se afundando em
crises intermitentes. A população, detentora de diversos direitos, não conseguiu usufruir
dos mesmos, pois a elite continuou negando o acesso a tais direitos - o acesso significaria
o fim dos privilégios das camadas abastadas.
Portanto, de forma superficial, é possível concluir que a Constituição
revolucionou o Direito, mas ao destrinchar sua redação e entender os projetos políticos
que a compuseram, assim como os impactos reais das leis na sociedade, é possível
concluir que a Carta não visava uma democracia, muito menos atender aos gritos dos
populares ( a heterogeneidade intrincada na sociedade alemã), pois ela foi penas um
instrumento ilusório, responsável, num primeiro momento, por apaziguar a relação entre
governo e população, e, num segundo, por reestabelecer a ordem e os interesses
econômicos da elite.
REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção; tradução de Iraci D. Poleti. - São Paulo:


Boitempo, 2003.
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Estado de exceção e anormalidade constitucional
no contexto da CF. Revista Consultor Jurídico, 29 de março de 2020. Disponível em:
>https://www.conjur.com.br/2020-mar-29/embargos-culturais-estado-excecao-
anormalidade-constitucional<.
PINHEIRO, Maria Claudia Bucchianeri. A Constituição de Weimar e os direitos
fundamentais sociais, a preponderância da Constituição de República Alemã de 1919 na
inauguração do constitucionalismo social à luz da Constituição Mexicana de 1917.
Brasília, a.43 n.169 jan/mar. 2006.
SCHMITT, Carl. A crise da democracia parlamentar; tradução Inês Lohbauer. – São
Paulo: Scritta, 1996 – (Coleção Clássica).

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