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Os Dez Mandamentos

Por Cornelius Van Til


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Traduzido do Inglês
The Ten Commandments
By Cornelius Van Til

Philadelphia: Westminster Theological Seminary,


Syllabus, 65 pp. 1993

Este raro resumo fornece uma exposição da ética do Decálogo antes que John Murray começasse a ensinar este curso no
STW.

Tradução e Revisão por William Teixeira e Camila Almeida


Edição e Capa por William Teixeira

1ª Edição em Português: Abril de 2016

OEstandarteDeCristo.com © 2016

Salvo indicação contrária, as citações bíblicas nesta tradução são da versão Almeida Corrigida Fiel | ACF Copyright © 1994,
1995, 2007, 2011 Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil.

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Sumário
Introdução — Pressupostos

O Primeiro Mandamento — Religião

O Segundo Mandamento — Adoração

O Terceiro Mandamento — Revelação

O Quarto Mandamento — O Sabath

O Quinto Mandamento — Autoridade

O Sexto Mandamento — Vida Humana

O Sétimo Mandamento — Pureza

O Oitavo Mandamento — Propriedade

O Nono Mandamento — Verdade

O Décimo Mandamento — Desejo


Os Dez Mandamentos
Por Cornelius Van Til

Introdução — Pressupostos

1. O principal pressuposto da lei moral é o teísmo Cristão. A única pergunta suprema que aparece
momentaneamente quando a lei é tema de discussão é se a lei é autossuficiente ou se ela repousa sobre
personalidade absoluta. A questão colocada desta maneira, obriga-nos a ser ou teístas Bíblicos ou Pragmáticos.
Lei que não repousa na personalidade absoluta deve ter se originado a partir do continuum espaço-tempo de um
universo autossuficiente e é, por esse motivo, suficiente em si mesma. A questão entre o teísmo Cristão e outro
pensamento não é o de personalidade, porque isso pode significar não mais do que a lei ser baseada na
personalidade humana, ou pelo menos, personalidade finita. As Escrituras contemplam a lei como o anúncio de
Deus como personalidade absoluta.

Como corolário deste pressuposto segue-se que a totalidade do universo espaço-temporal é criada por Deus.
As leis que existem neste universo criado são manifestações do plano de Deus. A uniformidade da natureza sobre
a qual a ciência tanto fala não existe em independência de Deus, mas existe como uma expressão de um Deus que
ordena. Deus é imanente em Sua criação. Se alguém quebra uma lei da natureza, quebra uma lei de Deus. A
indiferença para com qualquer lei, seja essa lei física ou normal, é uma ofensa a Deus. Definir a lei em oposição a
Deus é como colocar uma criança em oposição ao seu pai. Esse foi o pecado do Deísmo. Por outro lado, um Deus
absoluto não pode ser identificado com a lei no universo temporal. John Fiske tenta interpretar a teologia de
Atanásio desta forma, a fim de mostrar que o “Teísmo Cósmico” é realmente o teísmo bíblico. 1 Se a interpretação
de Fiske fosse verdadeira, a personalidade absoluta teria que ser — embora isso seja impossível — negada pelo
teísmo. Identificar a lei com Deus é identificar uma criança com seu pai. Esse foi o pecado do Panteísmo.

Novamente segue-se a partir do pressuposto teístico de um Deus absoluto que a lei na história é expressiva
de um propósito de Deus. Outrossim, uma visão deísta da história envolve uma separação arbitrária de Deus e das
leis na história incorrendo na destruição de ambos. Por outro lado, uma visão panteísta da história envolve uma
identificação arbitrária de Deus com as leis da história, o que também incorre na destruição de ambos. Tanto o
Deísmo quanto o Panteísmo buscam elevar a lei, mas ambos destroem a lei em sua tentativa de elevação. O Teísmo,
ao elevar a Deus, também elevou a lei. Nem o Deísmo nem o Panteísmo podem dizer que a violação da lei é um
insulto a Deus, uma vez que ambos identificaram a lei com Deus. Eles devem, portanto, dizer que a violação da
lei é a violação de Deus, ou seja, a negação de que Deus existe. Quando isso é feito, a autoridade da lei se vai e a
sua respeitabilidade não pode durar muito.

1
The Idea Of God [A Ideia de Deus].
A autoridade absoluta é, portanto, característica de e implícita na concepção da lei, no sentido teísta.
“Porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”, não é um comando arbitrário. Qualquer criatura
pecando contra a lei pecou contra um Deus absoluto e uma absoluta separação de Deus naturalmente se segue.

Assim também a condição da existência do homem e do seu realizar seu destino é um completo
cumprimento da lei de Deus por parte do homem. O Deísmo e o Panteísmo podem dizer que é aconselhável ao
homem ser obediente à lei, uma vez que ao fazê-lo, ele fará um progresso mais rápido do que o faria de outra
forma, mas apenas o teísmo pode dizer que o homem destrói a si mesmo se ele é desobediente à lei.

Por assim adulterar a lei, o Deísmo e o Panteísmo estão brincando com fogo. Mais do que isso, a fim de
sustentarem os seus pontos de vista relativistas da lei, eles devem primeiro sustentar uma visão relativista de Deus;
eles brincam com fogo e estão eles próprios em chamas. Segundo, isso nos leva ao segundo pressuposto da lei
moral, ou seja, o caráter restaurador e suplementar do Cristianismo. O Cristianismo exige ser restaurador e
suplementar em um teísmo original. Apenas no Cristianismo o homem se encontra com um Deus absoluto. No que
diz respeito à questão da lei, isso significa que apenas o teísmo Cristão pode falar de lei absoluta ou lei com
autoridade absoluta.

O Cristianismo implica que o homem quebrou a lei devido ao pecado. Com isso, ele ipso facto destruiu a
própria condição de sua existência e trouxe punição eterna sobre si mesmo. O homem tornou-se um Deísta ou um
Panteísta. Se o homem deveria viver, em absoluto, ele deveria ser restaurado quanto ao respeito e obediência à lei.
Cristo realizou esta restauração. Através de Seu sofrimento, Ele satisfez a penalidade da lei. Mais do que isso, por
meio de Seu ativo e completo cumprimento da lei, Ele supriu a perfeição original do homem, para que aqueles que
estão em Cristo sejam herdeiros da vida eterna, sem falha. Através da Sua Palavra e Espírito, Cristo fez “Seus
próprios” participantes da Sua relação correta com a lei.

O homem deve receber o conhecimento da lei a partir das Escrituras. Originalmente, o homem encontrou
na experiência a manifestação e a resposta espontânea à lei de Deus, mas desde a entrada do pecado, teve que ser
dada uma manifestação objetiva, e uma resposta renovada à lei. A Escritura, como algo concomitante a Cristo,
concede a manifestação objetiva da lei absoluta e o Espírito de Cristo dá ao homem a renovada resposta subjetiva
quando a lei é vista. Somente os verdadeiros Cristãos são verdadeiros teístas. Apenas os verdadeiros Cristãos
conhecem e obedecem a lei.

Para ilustrar o ponto do parágrafo anterior, podemos contrastar a concepção Cristã e Kantiana sobre a lei.
A razão para escolher Kant é que ele é mui geralmente pensado ter um maior respeito pelo caráter absoluto da lei
do que até mesmo um Cristão poderia ter. Se Kant for encontrado ser antiteísta, a maioria das outras filosofias
serão certamente assim. Em primeiro lugar, então, quanto à origem do conhecimento do homem sobre a lei Kant
olha “para dentro”, enquanto o Cristão olha para a Escritura. Kant pensa que é possível entrar mediatamente em
contato com a lei absoluta, enquanto o Cristão afirma que o homem, por ser agora um pecador, deve buscar
imediatamente entrar em contato com a lei absoluta. Em outras palavras, Kant nega que o pecado separou o homem
de Deus e, portanto, também de um verdadeiro conhecimento e respeito pela lei. Consequentemente, Kant nega
que o Cristianismo é objetiva e subjetivamente restaurador de um verdadeiro teísmo. O “mal radical” de Kant não
é radical em absoluto em comparação com a concepção do pecado como entretida pelo Cristão. O mal radical de
Kant é apenas uma má relação. Que isto é assim é ainda mais claro se em segundo lugar, observamos que a recusa
de Kant de uma epistemologia Bíblica como falada acima envolve e baseia-se no relativismo em metafísica. Buscar
a solução do mal na experiência, porque alguém considera-o como um ingrediente erradicável e inerente a toda
experiência possível, é negar qualquer Experiência que seja absoluta. O mal é destrutivo da coerência e qualquer
experiência absoluta deve ser completamente coerente. Daí, dizer que o mal é inerente a toda experiência possível
é negar o absoluto de Deus e, portanto, o caráter absoluto da lei. Assim, o “du sollst” de Kant é reduzido ao nível
de conselhos pragmáticos. Somente o Cristianismo sabe algo sobre uma lei absoluta.

As observações anteriores podem ajudar-nos a compreender a profundidade inclusiva da lei, como


promulgada nas Escrituras. Deus dirige-Se ao homem genericamente, embora diretamente ao “Seu povo” somente.
Todos os homens desobedeceram a lei, ainda assim, todos os homens devem obedecer à lei. O fato de que o
comando vem diretamente ao “povo de Deus” só é devido à economia da redenção, e não por qualquer diferença
de obrigação entre uma nação e outra. Deus lida com o homem genérica e federalmente. Novamente, se é verdade
que, tanto quanto a demanda essencial da lei está em causa, não há diferença entre o crente e o não-crente; é, se
possível, mais verdade que a demanda de Deus é a mesma para o povo de Deus em todas as eras. As várias etapas
na economia da redenção não afetam no mínimo os requisitos da lei de Deus. As várias etapas da economia da
redenção, na medida em que relacionam-se à lei, têm a ver apenas com a forma da lei. Durante a antiga dispensação
houve uma ênfase no exterior e no nacional. Durante a nova dispensação, a ênfase é sobre o interno e o universal.
Durante o Antigo Testamento, a lei foi dada, em muito, externamente. Muitas leis cerimoniais foram elevadas,
tanto quanto a necessidade de obediência está em causa, a uma igualdade com os Dez Mandamentos. Por outro
lado, este grande detalhe exterior desapareceu desde a aparição de Cristo, porque com Ele é dada ao Seu povo uma
revelação objetiva mais clara e mais central da lei de Deus e uma mais profunda, e mais ricamente espiritual e,
portanto, uma resposta subjetiva mais central à lei de Deus. Assim, na nova dispensação, pode tornar-se necessário,
a fim de viver de acordo com a exigência verdadeiramente espiritual de uma perfeita obediência, acabar com
muitos dos detalhes exteriores da forma da lei do Antigo Testamento. Paulo diz que é uma negação da obra de
Cristo agarrar-se às exigências do Antigo Testamento depois da vinda de Cristo. O caso é semelhante no que diz
respeito ao nacionalismo do Antigo Testamento. Esse nacionalismo não é uma negação essencial do alcance
universal da lei. Daí o universalismo do Novo Testamento não se opõe ao nacionalismo do Antigo Testamento,
mas é apenas um florescimento dele.

E se é verdade que, tanto quanto a manifestação objetiva da lei está em causa, não há diferença essencial
entre a Antigo e a Nova dispensação, isso é igualmente verdade com a resposta subjetiva em cada caso. Não é
mais verdade do Antigo Testamento do que do Novo que uma mera observância exterior da lei era suficiente. A
lei de Deus é sempre espiritual e exige sempre o amor a Deus como o motivo para a sua realização. Daí, também,
não é verdade que a obediência à lei era uma exigência do Antigo Testamento, enquanto no Novo Testamento o
amor foi substituído pela obediência. A obediência é amor e o amor é obediência, e somente eles podem responder
adequadamente a uma lei espiritual.

O mesmo ponto em que não há diferença real entre o povo do Antigo e Cristãos dos dias atuais no que diz
respeito à lei de Deus pode ser ilustrado também apontando para a unidade essencial da lei e do Evangelho. Há
uma grande diferença entre eles, tanto quanto a economia da redenção está em causa. Disso João fala quando diz
que a lei veio por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo. Mas o próprio conteúdo do Evangelho
é que Cristo cumpriu a lei. Assim, a alegria do Evangelho é que o homem pode, em Cristo, conhecer e obedecer à
lei e, portanto, viver na presença de Deus para sempre. Não há Evangelho, senão o que é da lei. Por outro lado, o
Evangelho é lei, porque todos devem obedecê-lo. Em resposta à pergunta dos judeus, quanto ao que eles devem
fazer para realizar as obras de Deus, Jesus responde que eles devem crer no nome do Filho de Deus.

Ainda mais, se não houver diferença essencial, mas apenas uma diferença econômica entre a promulgação
e a resposta à lei na Antiga e na Nova dispensações, segue-se que a forma em que a lei pode vir não pode ser usada
como um argumento a favor ou contra a validade da lei. A forma de propagação da lei no Antigo Testamento era
necessariamente exterior e temporal. As promessas e as ameaças, por exemplo, dizem respeito às coisas desta vida.
A longa vida em Canaã debaixo da videira e da figueira constituíam a essência da promessa, enquanto a morte
corporal era a substância da punição sob a Antiga dispensação.

Mas esse fato não fez a lei menos espiritual. Canaã aqui embaixo era, como Abraão viu, profética da futura
Canaã, e a morte física é para um pecador não-reconciliado o portão de entrada para a morte exterior. Isso não
negará devidamente o significado universal e permanente do mandamento que promete aos filhos uma vida longa
e terrena se eles forem obedientes aos pais pelo fato de que é manifestamente uma promessa do Antigo e não do
Novo Testamento. O cumprimento dessa promessa pode não vir em uma mesma forma agora, como uma vez veio,
mas o cumprimento não é menos real ou certo.

Um outro ponto deve ser mencionado quanto à forma da lei dada no Antigo Testamento, e este é que a lei
diz constantemente, “tu não irás” em vez de “tu irás”. Por que essa forma negativa? Para responder a esta pergunta,
devemos recordar o caráter geral do Cristianismo como restaurador de um teísmo original. Originalmente não
havia razão para essa ênfase negativa. O homem espontaneamente obedecia a lei e na medida em que não havia
ocasião para Deus adicionar mandamentos pela comunicação direta com o que foi dado ao homem pela criação,
as formas positivas e negativas de dar tais mandamentos poderiam ser equilibradas. Mas com a entrada do pecado,
o homem constantemente evitou e quebrou a lei de Deus. Além disso, a sua ignorância da verdadeira lei aumentou.
Portanto, se Deus deveria trazer a Sua lei ao conhecimento e obediência do homem, Ele tinha que dizer mais vezes
o que o homem não deve fazer do que o que ele deveria fazer. A criança, porque é uma criança pecadora, tentará
ser uma lei em si mesma. É impossível, então, que os pais não devam dizer mais frequentemente “não faça” do
que “faça”.

No entanto, este fato não deve nos cegar para a verdade de que é a obediência positiva, o positivo
cumprimento do bem, e não apenas uma abstenção negativa do mal que Deus requer. Por conseguinte, é necessário
que nós façamos dessa demanda positiva da lei de Deus, o nosso ponto de partida. Devemos perguntar, no caso de
cada mandamento o que é que Deus quer do homem, a fim de usá-lo como um padrão pelo qual julgar o quão
longe o homem ficou aquém de satisfazer essa demanda.

Quanto ao método, isso é o oposto da filosofia moderna e da psicologia das escolas religiosas. Eles
trabalham com a suposição de que o mal é tão básico quanto o bem no homem e no universo. Daí eles simplesmente
traçam o caminho pelo qual o homem com o auxílio da lei permitiu a si mesmo escapar um pouco do controle
completo do mal. Do ponto de vista deles, é o máximo do dogmatismo pressupor que o mal neste universo é devido
a uma deserção humana a partir de um Deus absoluto. Nós, por outro lado afirmamos que, a menos que isso seja
verdade não existe uma lei em absoluto e toda a moralidade carece de fundamento. Por isso, não podemos fazer
diferente, senão seguir o caminho exigido pelo pressuposto central do teísmo.

A Lei Moral

Antes de iniciar a discussão sobre o Primeiro Mandamento devemos ter claramente em mente não só o que
se entende por lei em geral, mas o que se entende por lei moral. Nós propositadamente não fizemos distinção entre
os tipos de lei até este ponto, a fim de chamar a atenção para o fato de que um teísta considera toda lei de forma
diferente do que um não-teísta. Mesmo lei física ou natural significa algo completamente diferente para um teísta
Cristão do que ela significa para um antiteísta. De acordo com o teísmo, o homem vive e se move e tem a sua
existência em uma atmosfera da lei de Deus, tanto em relação ao seu corpo quanto à sua alma. Viver neste ambiente
significava a sua liberdade, como significa liberdade que um peixe viva em seu ambiente natural. Mas quando o
homem quebrou a lei em um ponto, ele quebrou em cada ponto. O moral e o físico estão inextricavelmente
interligados. Como profeta, sacerdote e rei, o homem deveria conhecer, dedicar-se a Deus e governar para Ele todo
o universo físico. Mas quando o homem, devido ao pecado, tornou-se um profeta sem manto, um sacerdote sem
sacrifício e um rei sem coroa, ele trouxe o seu corpo, juntamente com a sua alma e o universo ao seu redor,
juntamente à ruína. Por outro lado, com Cristo no mundo físico, assim como o corpo do homem bem como a sua
alma, são restaurados às suas relações normais para com a lei de Deus.

Por esta maneira de conceber a relação entre o físico e o moral estamos novamente em oposição ao
pensamento antiteístas que assume que não há nenhuma conexão entre o físico e o moral. Em todas as discussões
por escritores não-teístas sobre a responsabilidade, enquanto a lei física está em causa, o homem pode ser tanto
um filho da fortuna ou do azar, e nada mais. Considera-se ser obviamente ridículo pensar sobre a humanidade
como se esta de alguma forma fosse responsável pela fome ou peste. Mas, novamente, não podemos fazer outra
coisa senão sustentar o nosso ponto de vista, uma vez que faz parte do teísmo Cristão, e o teísmo Cristão parece-
nos a filosofia de vida mais razoável a ser sustentada.

1) Lei Física e Moral

Sustentando, então, a estreita ligação entre e a origem comum e a autoridade tanto da lei física quando da
lei moral, podemos, no entanto, distinguir entre elas. A lei física é a ordenança de Deus para a criação não-
responsável. A lei moral é a ordenança de Deus para as suas criaturas racionais. No caso da lei física, Deus não
espera uma resposta autoconsciente, enquanto no caso da lei moral, Ele espera. Na medida, então, que o homem é
capaz — em virtude de sua criação à imagem de Deus — de reagir conscientemente em qualquer direção à lei de
Deus, o homem age moralmente. Por agir moralmente, nós apenas queremos dizer, neste caso, que ele age
conscientemente a respeito da lei de Deus. Nós não podemos mesmo dizer que ele age moralmente apenas quando
nos preocupamos com questões de obrigação, enquanto que em assuntos intelectuais, a moralidade não entra. O
homem deve pensar direito, ou seja, ser um verdadeiro profeta; o homem deve fazer direito; ou seja, ser um
verdadeiro rei; e o homem deve sentir direito, isto é, ser um verdadeiro sacerdote. No sentido mais amplo do termo,
então, toda a resposta autoconsciente à lei de Deus, onde for revelada, é a ação moral. Quando o termo moral é
usado, ele é oposto a não-moral.

2) O Moral e o Religioso

Para o homem como um ser autoconsciente e assim, ser que age moralmente, havia duas principais esferas
de resposta autoconsciente nas quais ele poderia obedecer à lei de Deus. Havia um aspecto da lei geral de Deus
para o homem que diz respeito mais diretamente à relação do homem com Deus. Havia um segundo aspecto da lei
geral de Deus para o homem que diz respeito mais diretamente à relação do homem para com o seu semelhante.
Estes aspectos sobrepõem-se, mas é certo que — na medido que em sentido último toda a lei é a lei de Deus — há
uma distinção relativa entre elas. Quando o homem obedecia ao primeiro aspecto da lei, ele era verdadeiramente
religioso e quando ele quebrava este primeiro aspecto da lei ele era irreligioso ou falsamente religioso. Quando o
homem obedecia ao segundo aspecto da lei ele era moral no sentido mais estrito do termo e quando o homem
desobedecia ao segundo aspecto da lei ele era imoral, 2 no sentido mais estrito do termo. Quando, na linguagem
comum, falamos de um homem sem religião, que é aquele que não atende às devoções, não dizemos que ele
também é um homem imoral, isto é, que ele não pode ser um bom pai e bom vizinho. Por outro lado, a Escritura e
a experiência concedem numerosas ilustrações daqueles que disseram que o bem que o seu pai ou sua mãe
poderiam aproveitar dele era corbã, e ainda assim se diziam dedicados ao Senhor. O homem verdadeiramente
moral também deve ser um homem verdadeiramente religioso e o homem verdadeiramente religioso, também deve
ser um homem verdadeiramente moral. Um homem imoral, por mais que ele pareça ser religioso, é, na verdade,
irreligioso, somente peca menos diretamente contra Deus do que aquele que quebra abertamente a lei de Deus, na
medida em que se refere diretamente à relação do homem para com Deus.

Agora, com estas distinções em mente, ao olhamos para o Decálogo ou lei “moral”, vemos que os primeiros
três mandamentos lidam principalmente com a religião. Por esta razão eles não são estritamente os mandamentos
que dizem respeito à moralidade. Ainda assim, eles são partes da lei moral, no sentido mais amplo do termo, desde
que na Lei, Deus vem ao homem como um ser autoconsciente. Em segundo lugar, notamos que os Mandamentos
do Sexto ao Nono lidam mui definitivamente com as normas da relação do homem para com seu semelhante. Mas,
novamente, isso não implica que a quebra de qualquer uma ou todas essas leis não afeta a sua posição religiosa. A
unidade da lei, nos seus aspectos religiosos e mais definitivamente morais deve sempre ser mantida em vista. O
Quarto e Quinto mandamentos são de um caráter misto, indicando a estreita união entre o religioso e moral,
enquanto o Décimo mostra claramente que uma e a mesma motivação produz a verdadeira religião e a verdadeira
moralidade.

O quão contrária esta maneira de conectar o religioso e o moral é do temperamento moderno pode ser visto
a partir de um artigo de W. E. Pitkin na Century Magazine de outubro 1926, em: “Our Moral Anarchy” (Nossa

2
Mesmo assim, nós não usamos imoral no sentido ainda mais restrito quando significa uma dependência de um
tipo especial de pecado.
Anarquia Moral). Das quinhentas pessoas instruídas que responderam a um questionário sobre o valor relativo dos
vários Mandamentos do Decálogo, não menos do que cento e dois relataram que “eles não poderiam lidar com os
Quatro Primeiros Mandamentos, porque na sua opinião estes não têm nenhum valor moral”. 3 Em seguida, havia
um grande grupo que lidaria, em algum sentido, com as duas tábuas da lei, mas que, pelo menos, fariam a segunda
tábua da lei vir em primeiro lugar. Como exemplo destes, ele fala dos Modernistas. Deles, ele diz: “O que Jesus
colocou em primeiro lugar, os modernistas colocaram em segundo; e o que Jesus colocou em segundo lugar, os
modernistas colocaram em primeiro”. 4 Adicione a estes os comunistas morais que professam que não se
preocupam com a primeira tábua da lei em absoluto e a declaração de Pitkin que há cinco modernistas morais e
dois socialistas para cada fundamentalista moral e torna-se evidente que, como ministros Cristãos, devemos
salientar a irreligiosidade da religião sem moralidade e ressaltar ainda mais a imoralidade da moral sem religião.

5
Não será possível tentar traçar as várias manifestações da geral moralidade autonômica sobre nós hoje.
Menos ainda será viável buscar as razões que acarretam moralidade que, como teístas, nós não podemos deixar de
estar tristes em ver.

A tarefa do ministro do Evangelho é fazer isso em primeiro lugar. Mas este não é o fim de sua tarefa. Ele
deve pregar a demanda total da lei de amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo. Como,
infelizmente, o púlpito tem negligenciado a sua missão a este respeito. Há muitos que citam superficialmente a lei
para defender a Décima Oitava Emenda 6 ou qualquer outra coisa que chama a sua atenção. Mas que bem fará isso
se a congregação não foi alimentada sobre a pregação da lei no sentido de colocar diante dos homens todo o seu
dever em relação a Deus e ao homem? “À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque
não há luz neles” (Isaías 8:20).

3
p. 643.
4
p. 645.
5
Cf. W. Lippmann, Preface to Morals [Prefácio à Moral].
6
A Décima Oitava Emenda (Alteração XVIII) da Constituição dos Estados Unidos efetivamente estabelecida a
proibição de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos, declarando ilegal a produção, transporte e venda de álcool,
embora não o consumo ou a posse privada (Nota de Tradução).
O Primeiro Mandamento — Religião

1. Observações

Uma discussão completa sobre o Mandamento exigiria uma exposição da origem e natureza da religião.
Nós apenas discutiremos a natureza da religião e não a questão da origem. A questão da origem da religião não
surge, porque o teísmo é o pressuposto do Decálogo.

Em segundo lugar, notamos que a resposta que alguém dá à questão da natureza da religião é também
determinada pela sua posição teísta. De acordo com o teísmo, o homem é inerentemente religioso. Mas há muitos
que hoje admitirão esse fato e ainda assim não são teístas. 7 A razão para tal visão é o fato de que a História e a
Psicologia não têm sido capazes de encontrar qualquer fase irreligiosa do desenvolvimento do homem. No entanto,
de volta à História, eles devem posicionar o misterioso vazio. E esse vazio muda a natureza da religião. No
máximo, a religião se torna uma vaga reverência ao que é misterioso. 8 O teísmo Cristão, por outro lado, pressupõe
Deus de volta à História. Assim, uma base razoável é dada à religião. Assim, a natureza da religião é determinada
por este fundamento de Deus.

Então, além disso, está envolvido no teísmo que o homem originalmente tinha a verdadeira religião.
Novamente, há muitos não-teístas que admitem esta alegação. Eles sustentam que todas as religiões são
verdadeiras religiões. Mas o teísta sustenta que apenas o Cristianismo é a religião verdadeira. As outras religiões
são desvios de um teísmo original.

Nós mencionamos este fato porque é bastante comum hoje falar sobre a religião como se fosse
completamente possível determinar a natureza da religião sem fazer qualquer discussão metafísica. Diz-se que esta
é uma questão para a Psicologia somente. Que tal posição é insustentável é imediatamente visível se for lembrado
que a religião lida com o invisível. Como a religião diz respeito ao Invisível, nenhuma resposta completa pode ser
dada pela Psicologia. 9 Nós encontramos ser um fato, então, que algum tipo de metafísica está sempre envolvido
em nosso estudo sobre a natureza da religião. O assim chamado método científico de determinar a natureza da
religião difere do método teísta na medida em que o “método científico” assumiu uma metafísica pragmática
relativista.

Outros admitirão que uma metafísica está envolvida na determinação da essência da religião, mas são
obrigados a ser “científicos” no método pelo qual eles estabelecem sua metafísica. Dr. Harry Emerson Fosdick
pode servir como uma ilustração desta forma de lidar com a natureza da religião. Em um sermão pregado em 9 de
novembro de 1930 ele falou da relação do homem com o Invisível. Ele advertiu contra confiar naqueles que

7
Cf. Qualquer um dos escritores idealistas sobre a história e filosofia da religião ou muitos pregadores
Modernistas, como Dr. Fosdick.
8
Cf. Carlyle, Heroes and Heroworship [Heróis e Adoração a Heróis].
9
Eddington, Science and the Unseen World [Ciência e o Mundo Invisível].
afirmam saber tudo sobre o Invisível, seja positiva ou negativamente. O Invisível é incerto. No entanto, podemos
estar confiantes em relação a isso. Cada nova revelação que veio a nós a partir do Invisível mostra que ele é mais
maravilhoso do que antes. Esta posição é dita ser bíblica. Na prova da alegação de que o Invisível é incerto para
nós, as palavras de Cristo: “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste”, foram citadas dentre outras.

Agora parece claro que tal sermão não é nem Cristão, nem teísta. Sem justificação, presume-se que Cristo
não é mais que uma personalidade humana, em vez de uma personalidade Divina, que assumiu a natureza humana.
Sem justificação supõe-se que não existe um Deus absoluto para quem o invisível é um livro aberto. Se Deus é o
que o teísmo sustenta que Ele seja, a saber, uma personalidade absoluta, a pura religião é determinada pela relação
do homem para com Deus, em vez de para com o Invisível em geral. O ponto em disputa entre o Modernismo e o
Teísmo é o absoluto de Deus; uma deidade finita, ou o Politeísmo é tudo o que o Modernismo pode permitir. À
primeira vista, parece ser muito científica a referência de base para o desconhecido exclusivamente sobre os
“fatos”. Mas quando os argumentos baseados nesses “fatos” devem pressupor um completo relativismo metafísico
para a contingência deles, o caráter científico de tais argumentos é muito prejudicado. Nós não protestamos contra
a aceitação do relativismo ou o seu pressuposto, se apenas for indicado claramente como isso difere do
Cristianismo e do Teísmo tradicional. Se isso fosse feito as “pessoas comuns” não seriam seduzidas pela
terminologia que pareceu Cristã. Se isso fosse feito exceto os da “intelligentsia 10” seriam desviados porque, então,
veriam as consequências da sua escolha.

2. O que é Comandado

A. Religião Para Adão

A lei que temos foi promulgada após a entrada do pecado. Originalmente não havia necessidade de uma tal
promulgação externa. Adão era espontaneamente religioso. A lei foi escrita em seu coração. O profeta Jeremias
prometeu que o Messias, em princípio, restauraria esta condição. Cristo nos deu mais uma vez o verdadeiro amor
a Deus e, portanto, também o amor verdadeiro pela lei de Deus.

Quando a lei tal como a conhecemos diz: “Tu farás, etc.”, ela direciona-se diretamente ao homem Israelita,
e a ninguém mais. Ainda assim, uma vez que na história Israelita o princípio de redenção é operativo, o homem
em geral não é excluído, mas definitivamente incluído no termo “tu”.

Assim, podemos concluir também com respeito a tudo O que é Comandado nos vários mandamentos que,
mesmo sem a necessidade de qualquer comando, a relação do homem para com Deus já foi o que está aqui
contemplado na lei.

10
Intelligentsia: usualmente refere-se a uma categoria ou grupo de pessoas envolvidas em trabalho intelectual
complexo e criativo direcionado ao desenvolvimento e disseminação da cultura, abrangendo trabalhadores
intelectuais (Nota de tradução).
Por sua vez, agora, para determinar o que a verdadeira religião era no Paraíso, devemos lembrar que o
homem foi criado como profeta, sacerdote e rei. Como um profeta, o homem tinha que pensar o pensamento de
Deus por ele. Aqui reside o reino do intelecto e da verdade ou ciência. Como um sacerdote, o homem devia dedicar
a si mesmo e toda a criação a Deus. Aqui está o reino das emoções e da estética ou da arte. Como um rei, o homem
devia reinar sobre toda a criação abaixo de Deus. Aqui está o reino da vontade e da ação. Mas o intelecto, as
emoções e a vontade são apenas aspectos de um ego central, a personalidade humana. Agora é este o ego central
que é colocado face a face com a personalidade absoluta de Deus no Primeiro Mandamento. Nos Mandamentos
que seguem o homem será informado sobre as várias maneiras e métodos pelos quais e através dos quais ele pode
ser verdadeiramente religioso na moral, mas neste Mandamento o homem no mais santo dos santos de seu ser é
colocado diretamente face a face com Deus. A relação do coração do homem para com Deus é tudo o que realmente
importa. Se essa relação é boa, tudo está bem. Se essa relação é falsa, todo o restante é falso. O homem
verdadeiramente religioso é o verdadeiro homem moral. Ao pregar sobre este mandamento nós não devemos dizer
mais nada, senão acerca dessa relação interna da alma do homem para com Deus.

Ouve, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Esse foi um refrão recorrente que veio a Israel. Somente após
o homem haver caído em profundidades inconcebíveis do pecado é que é possível que ele alguma vez pense em
outros deuses. O politeísmo não é um trampolim natural para o teísmo, mas um triste desvio dele.

Este ponto se torna ainda mais claro se levarmos em conta que somente o homem foi criado à imagem de
Deus. Somente o homem pode ser religioso. A religião envolve uma relação entre duas personalidades. A religião
é sempre uma relação de aliança. Somente a partir de um ser autoconsciente como Ele mesmo, Deus poderia
receber adoração religiosa. Quanto da pesquisa moderna derivou desta posição que pode ser notado quando alguém
lembra que alguns evolucionistas têm pensado que eles observaram a religião em animais. Esta posição extrema
não é mui comumente sustentada. No entanto, quase sem exceção, as principais escolas de filosofia da religião
sustentam que a moralidade tem historicamente descendido da não-moral e a religião da não-religião. Agora este
ponto de vista, implicitamente, se não explicitamente, nega não somente a criação do homem à imagem de Deus,
mas nega o próprio Deus. Se Deus não existe, então o homem é criado à sua imagem, já que nesse caso nenhuma
personalidade autoconsciente poderia se originar de qualquer outra fonte. Por outro lado, se a personalidade finita
autoconsciente existe, Deus existe como seu Criador, uma vez que a personalidade finita não pode encontrar sua
explicação em nada a não ser em Deus. De qualquer forma, se a religião derivou-se do não-religioso, então, a sua
essência é totalmente expressa em lealdade a princípios vagos de bondade, verdade e beleza em vez de reverência
a um Deus absoluto, uma vez que o Universo é, nesse caso, um conceito mais amplo do que Deus.

Estamos agora preparados para ver que religião está na base do teísmo Cristão. O intelecto do homem devia
fixar-se em Deus. Em Deus o homem encontraria uma profundidade inesgotável de conhecimento. Assim e assim
somente o homem podia ter conhecimento genuíno e ser um verdadeiro profeta. Em segundo lugar, a verdadeira
religião envolve uma fixação de nossos desejos em Deus, um esforço diligente por comunhão com Ele, a posse
dEle em nossas almas. Isto é verdadeiro misticismo. Em terceiro lugar, a verdadeira religião implica toda a
submissão da nossa vontade a Deus. A vontade de Deus para o homem não deve ser sentida pelo homem como
um fardo para ele. Antes, ela deve ser considerada como a principal fonte de alegria para o homem.
Estes três elementos juntos constituem a verdadeira religião. Elas implicam a fé em Deus, o amor de Deus,
a confiança em Deus. Isso, às vezes, é chamado de “piedade”, às vezes, “temor de Deus”, e, por vezes, “amor a
Deus”.

B. Religião Após a Entrada do Pecado

Há um grande elemento de verdade na alegação da filosofia recente de que a religião é, em essência, a


mesma. Não poderia ser de outra forma. A falsa religião deve ser uma imitação da verdadeira religião. O homem
não tem recursos, senão os derivados de Deus. Não há um pingo de originalidade no homem para além da
originalidade implicada na revelação de Deus. Assim, o teísmo e antiteísmo estão de acordo sobre este ponto. No
entanto, o seu acordo é formal e nada mais. O não-teísta sustenta que as religiões são essencialmente as mesmas,
porque o teísmo é apenas um pouco mais elevado do que outras religiões. O teísmo sustenta que as religiões são
semelhantes na forma, porque as outras religiões são uma deformação imitativa de um teísmo original.

Devido à operação da graça comum de Deus essas falsas religiões têm sido capazes de chegar a um grande
grau de similaridade com o teísmo Cristão. Uma vez que estes pontos são claramente entendidos, que teísmo é
original e que o princípio da graça comum permitiu que o homem pecador desenvolvesse uma pseudo-religião que
se assemelha muito à verdadeira religião, isso nos impedirá de confusão.

Por um lado, tem havido muitas vezes uma subestimação das religiões pagãs por parte dos Cristãos
ortodoxos. Há alguma verdade na acusação feita repetidas vezes que os Cristãos ortodoxos têm procurado defender
a verdade da sua religião por um isolamento artificial. 11 É bem verdade que tal política é autodestrutiva. O
Cristianismo é o teísmo vindo a si mesmo. Nós desejamos a base mais ampla possível para o Cristianismo. A
“recriação”, ou seja, a redenção baseia-se na e é restauradora da criação. No correto sentido da palavra, o
Cristianismo é tão antigo quanto a criação ou pelo menos tão antigo quanto o protoevangelium. não pode ser muito
repetidamente reiterado que o Cristianismo nada introduz de novo, mas que reintroduz o antigo.

Por outro lado, há uma tendência para obliterar a distinção entre a religião Cristã e a Pagã. Sua semelhança
formal tem levado muitos escritores a não verem nada mais do que uma diferença de quantidade entre elas. Agora,
vamos esperar isso de não-teístas declarados. Mas também há muita estima sobre esta matéria por parte dos
professos teístas Cristãos. O Cristianismo é dito estar em uma relação de clímax quanto às outras religiões. Assim,
o autor de Christ of the Indian Road (Cristo da Estrada Indiana) parece conceber a matéria. Agora, esta maneira
de colocar a questão é ambígua. É a verdade, e ainda assim não toda a verdade. Cristo é “o desejo das nações”,
mas em que sentido? No sentido em que eles estão buscando apenas este tipo de realidade? Se isso fosse verdade,
a declaração de Paulo de que o “homem natural” está “em inimizade” contra Deus deve ser revista. Mas, desde
que nós tomamos as Escrituras como sendo coerentes consigo mesmas, podemos ver “o desejo” das nações, em
suas aspirações de busca da verdade não mais do que numa vaga sensação de carência. No que diz respeito à sua
ação autoconsciente e intencional, eles têm definitivamente virado as costas para Deus. Eles são apóstatas de Deus.
Ou isso é verdadeiro porque o teísmo é verdadeiro ou isso não é verdade, porque o teísmo não é verdade. No
entanto, como o filho pródigo da parábola de Cristo, às vezes, eles sentem que eles estão tentando satisfazer as

11
A. C. Knudson recentemente acusou-nos com isso. Veja Doctrine of God [Doutrina de Deus].
suas necessidades com as alfarrobas do antiteísmo. Eles, às vezes, até mesmo constroem um altar ao “Deus
desconhecido”. Todavia, mesmo quando um apóstolo vem enviado diretamente deste Deus desconhecido para
eles, a fim de torná-lO conhecido, eles respondem que ele fala “loucura”. Somente quando for do agrado do
Espírito “salvar por meio da loucura da pregação os que creem”, eles aceitarão esse Deus a quem eles por tanto
tempo “procuravam”.

Concluímos, então, que a fim de dar ao Cristianismo sua base mais ampla, como sendo em verdade a
religião do homem, devemos tomar cuidado com um falso isolamento. Por outro lado, a fim de preservar o
Cristianismo de modo que seja considerado como a religião do homem, nós não devemos temer manter, para isso,
um verdadeiro isolamento. Um falso isolamento poderia permanentemente reter o estágio inicial do Cristianismo
impedindo o seu enraizamento nos campos abertos da humanidade e frutificação para a raça. Um verdadeiro
isolamento elimina os espinhos e abrolhos que sufocam a planta, uma vez que esta floresce em campo aberto. Pela
doutrina verdadeiramente bíblica da graça comum nós somos preservados do perigo de subestimação indevida ou
superestimação indevida da religião e da moral do paganismo.

A fraseologia utilizada pela teologia da igreja pode ajudar-nos a fazer uma distinção clara em relação ao
assunto em questão. A melhor tradição da Igreja tem procurado dar expressão, por um lado à imagem de Paulo da
depravação total do homem e, por outro lado à imagem de Paulo dos pagãos como acusando-se ou desculpando-
se de acordo com o padrão de uma lei moral interna. Claramente, então, o Cristianismo é qualitativamente distinto
do Paganismo.

Não há nenhum outro nome dado debaixo do céu pelos quais os homens podem ser salvos por toda a
eternidade além do nome de Jesus. O homem natural não pode fazer nenhum bem espiritual. Mas igualmente claro
é que o homem natural ainda não executa a plena gama de impiedade. Os germes de todos os pecados estão no
interior. Um Nero pode evoluir para um verdadeiro diabo, enquanto ainda na terra, mas a maioria dos homens não.
Pela operação do Espírito na graça comum, eles são temporariamente restritos de desenvolver a plena medida do
mal inerente a eles.

Portanto, eles podem fazer coisas que são úteis para uma vida tolerável na terra; eles podem fazer o
moralmente bom. Esta distinção entre o espiritual e o moralmente bom não é totalmente inequívoca uma vez que
em outro contexto foi salientado que para alguém ser verdadeiramente moral deve-se também ser verdadeiramente
religioso. Neste contexto, os termos são contrastados e podem ser assim usados para indicar o mais claramente
possível que o “relativamente bom” no “absolutamente mal” é de valor para esta vida, mas não para a eternidade.

C. A Religião Depois da Entrada do Princípio Redentivo.

As religiões tornaram-se verdadeira religião, em princípio, mais uma vez após o poder redentivo tornar-se
ativo no mundo. Devemos enfatizar o princípio da palavra. Isso faz menção ao fato de que a religião ainda não é
perfeita em grau. Este será o caso no Céu. Mas as Escrituras não hesitam em falar dos remidos como totalmente
santos, completamente justos. Existe uma antítese profunda entre os redimidos na terra. Esta antítese profunda
finalmente será “um grande abismo” no futuro. Os remidos, em quem a vida que agora vivem é a vida de Cristo,
dizem do fundo do seu coração: “Oh, como amo a tua lei, ela é a minha meditação o dia e a noite”.

Devemos observar mais uma vez que isso vale para todo o “Israel de Deus”, incluindo o Israel do Antigo
Testamento. Os verdadeiros filhos de Abraão são os que criam no Messias cuja relação exterior e temporal com
Abraão é internalizada e externalizada em Cristo.

É de grande importância para o crente entender a sua relação com a lei de Deus. Deus fez um Pacto de
Obras com o homem. Essa aliança significa que aqueles que satisfazem plenamente a lei de Deus e,
consequentemente, são perfeitos como o Pai Celestial é perfeito terão a vida eterna. Por outro lado, aqueles que
não tiverem cumprido a lei de Deus terão a morte eterna. Podemos ver dois homens caminhando juntos, ambos
com aparentemente boa saúde. Quarenta anos depois, vemos um deles vir à velhice. O outra há muito tempo já
morreu. Já quando vimos os dois a princípio, um tinha os germes da doença operando em seu corpo, embora ele
parecesse estar tão saudável quanto o outro. Da mesma forma, dois homens podem imediatamente parecer serem,
no que diz respeito à moral, igualmente sãos. No entanto, um está “bem com Deus” e, portanto, vive e viverá
enquanto o outro não está bem com Deus e, embora ele pareça viver, está realmente morto.

A fim de compreender esta diferença entre as duas classes de homens, devemos ver claramente o que a obra
de Cristo tem sido com relação à lei. Ora Cristo tem negativamente, por Sua obediência passiva, removido para
aqueles que estão nEle a maldição e a penalidade da lei. Ou seja, aqueles em Cristo já não são culpados diante de
Deus, mas justos. Portanto, eles não podem entrar em condenação. A ira de Deus contra o pecado passou a Ele,
Quem Se tornou pecado por nós. Assim, somos “libertos” da “ira vindoura”. É isso que como ministros de Cristo
podemos anunciar para aqueles que estão enfrentando a morte. Poucos Cristãos hoje parecem experimentar o
conforto indescritível que vem da certeza de que a justiça de Cristo é nossa. A maioria dos Cristãos desejam limpar
e purificar até certo ponto, os “trapos de imundícia” de sua própria justiça. Seu esforço constante para chegar ao
Céu pela regra de ouro não lhes dá nenhum momento de paz. A ameaça de Deus: “Maldito todo aquele que não
pratica a lei de Deus”, paira sobre todo aquele que busca sem Cristo ou meramente por Seu auxílio cumprir a lei
de Deus. Por outro lado, a perfeita liberdade do medo do julgamento vem aos corações daqueles que confiam na
justiça de Cristo.

O segundo aspecto da obra de Cristo com respeito à lei é que, por Sua obediência ativa Ele merece o Céu
para nós. Ele cumpre o requisito do Pacto de Obras, que o homem deve obedecer perfeitamente e, em consequência
disso, entrar no Céu. Assim, todos aqueles em Cristo não são apenas libertos da maldição, mas têm a promessa da
vida eterna. Somos herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo.

Se agora a obra de Cristo em relação à lei é clara, devemos notar especificamente que Cristo fez o mesmo
pelo crente do Antigo Testamento que Ele fez pelo do novo. Não há nenhuma diferença essencial entre um crente
do Antigo Testamento e um crente do Novo Testamento, tanto quanto a lei está em causa. Para ambos, Cristo
sofreu a penalidade da lei. Para ambos, Cristo obteve o Céu. Pois, a lei não foi uma maneira pela qual ele mesmo
poderia ganhar a liberdade da maldição e uma entrada para a terra prometida. Pois, a lei não pretendia ser um
caminho para a vida, independentemente de Cristo. Para ambos a lei foi dada como um regulador de uma vida de
gratidão pela redenção recebida.
Prontamente afirmadas como estas questões são com relação aos crentes do Novo Testamento, elas não são
tão facilmente perceptíveis em relação ao crente do Antigo Testamento. Paulo na Epístola aos Gálatas parece fazer
uma grande distinção entre as duas dispensações enquanto refere a relação do crente com a lei em cada caso. Mas,
embora ele faça a distinção, ele nem por um momento esquece a ainda maior distinção entre aqueles que procuram
por sua própria justiça herdar a vida e aqueles que buscam a salvação através da justiça de Cristo. Na verdade, a
distinção de Paulo entre a dispensação do Antigo e do Novo Testamentos quanto à lei é feita explicitamente, no
interesse de aprofundar o abismo entre a justiça de Deus e a justiça do homem. Seu próprio ponto no argumento
contra o Judaizante foi que, a menos que eles interpretassem o propósito do Antigo Testamento sobre a
espiritualidade da lei, e com isso percebessem que a verdadeira justiça era — mesmo para os crentes do Antigo
Testamento — realizada por Cristo, eles seriam contados dentre aqueles que buscam entrar no Céu por meio de
sua justiça própria. O próprio Paulo tinha experimentado que a tentativa de chegar ao Céu pelas obras da lei é
como tentar carregar água em uma peneira. Daí, ele procura definitivamente provar que nem mesmo no Antigo
Testamento os homens foram ensinados a buscar por obras para que merecessem a vida. Desde a entrada do
pecado, o homem somente pode entrar no Céu pelo Pacto da Graça. E este Pacto da Graça não é anulado — Paulo
nos diz — pela lei, que foi dada a Moisés que veio depois. Esta lei em si é subsidiária ao Pacto da Graça. A sua
severidade e a natureza irrevogável que parecia tão terrivelmente sob a dispensação “da condenação”, foi calculada
para obrigar os homens a buscarem a salvação pela graça. Assim, a lei deveria ser um aio que conduzia a Cristo.
Assim, disse a lei: “A salvação está em mim, mas somente em Cristo”.

Assim, vemos que ainda podemos pregar a lei no mesmo duplo sentido que tinha para Israel. Em primeiro
lugar, as demandas de Deus sobre os homens são tão absolutas como sempre, e o homem é tão incapaz de atender
a essas demandas como sempre. Assim eu posso aprender “quão grandes são os meus pecados e misérias”, e a lei
torna-se para mim o “aio, conduzindo a Cristo”. Em segundo lugar, quando eu sinto a minha culpa e impotência
em relação à lei de Deus e fujo para Cristo por refúgio, eu posso aprender a partir da lei em todos os seus detalhes
como posso regular minha vida de gratidão pela redenção recebida.

Em ambos os aspectos, é altamente necessário pregar a lei hoje. Muita confusão reina sobre o primeiro
ponto. É dito muitas vezes que todos podem conhecer a miséria humana a partir da experiência. Nós precisamos
apenas apontar para os hospitais para convencer os homens da necessidade de Cristo. Ou, se isso não é suficiente,
pelo menos, a consciência no homem condena-o suficientemente para fazê-lo perceber a necessidade de um
Redentor. No entanto, a consciência e a experiência de ninguém, a parte da lei como encontrada na Escritura,
jamais lhe disse que ele é digno de castigo eterno. A experiência, exatamente por ser experiência pecaminosa, não
pode amar a lei de Deus. A experiência, porque é experiência pecaminosa, está em inimizade contra Deus. Por
isso, ela não admitirá que haja tal coisa como uma lei que é absoluta, porque estabelecida por um Deus absoluto.
A experiência, porque é experiência pecaminosa, procura ser uma lei em si mesma e não se sente culpada diante
de Deus, mas na melhor das hipóteses, culpada diante de si mesma por causa da transgressão da lei.
Consequentemente, não há tristeza “segundo Deus” que leva ao arrependimento; a experiência assim não pode ser
um aio conduzindo a Cristo. Nós não podemos omitir a pregação da lei como a fonte, a única fonte de nosso
conhecimento do pecado.
Em seguida, quanto à pregação da lei, como reguladora da vida do crente, podemos dizer que esta também
tem sido negligenciada. E, mais uma vez, a nossa pronta ênfase na falha da experiência como mestre. É verdade,
quando a experiência é a experiência “Cristã” deve deixar de ser contrastada com a lei, porque, neste caso, tem se
desenvolvido em conexão com a lei. Mas esse é exatamente o ponto. Nós tendemos muito facilmente a separar a
experiência da lei. E isso é fatal para a experiência. A consciência, como tal, não é “a voz de Deus”, apenas a
consciência “Cristã” o é, e isso apenas indiretamente. Mesmo a consciência Cristã deve ser constantemente
renovada. Ele “se desgasta” muito facilmente. Em primeiro lugar, o seu campo de visão estreita-se muito
facilmente. Muitas coisas não são conhecidas serem pecado pela consciência, sem que a lei fale sobre isso. Mas a
lei de Deus é “amplíssima”. Em segundo lugar, a consciência deixada a si mesma perde a sua sensibilidade. Mas
a lei penetra nas recâmaras do coração. De longe, ela perscruta mais profundamente ao ser do homem do que a
Psicologia de Freud. A tocha da Psicologia humana deixa as profundezas do coração humano como um pântano
congelado, enquanto o Sol da lei de Deus descongela o pântano pondo em movimento os muitos escorpiões,
víboras e insetos venenosos. Assim, a lei, quando vista como “espiritual” nos faz anelar por pureza, por libertação
da contaminação do pecado, como uma vez já nos fez clamar pela libertação da sua culpa. O Cristão que procura
guiar a sua vida com cuidado por meio da lei de Deus está sempre consciente sobre o fato de violar a lei. O Cristão
nominal, pelo contrário, prontamente dirá: “Todas essas coisas tenho observado desde a minha juventude”.

Podemos notar, a propósito, que, se a lei for assim pregada em toda a sua espiritualidade servirá como uma
melhor cura para os males sociais do que a educação que é muito elogiada em nossos dias. A máxima socrática de
que o conhecimento é virtude, ou seja, que os homens cumprirão a lei se eles apenas a virem, levou os homens a
propagar a ideia de que a educação, como tal, tornará os homens bons. Mas a educação, como tal, não pode permitir
que os homens vejam a espiritualidade da lei. Para ver esta espiritualidade, o homem deve ser regenerado.
Regeneração e educação, em vez de educação somente deveria ser o nosso lema.

3. O que é Proibido

A substituição de “outros deuses” pelo verdadeiro Deus, vimos, é a substância das falsas religiões. Pois
“mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito
eternamente. Amém” (Romanos 1:25). Maior subversão não pode ser concebida. O homem, especialmente, mas
também toda a criação é feita objeto de culto. Quão radicalmente diferente é a interpretação moderna da religião
pagã. De acordo com ela o homem estava tateando em busca do verdadeiro Deus, enquanto em seu caminho, quase
incidentalmente, como um auxílio à sua fé, adorou o sol, a lua e as estrelas. De acordo com esta interpretação o
não-moral precede o moral e é neste ponto que a batalha entre as duas formas de interpretação deve principalmente
ser combatida. Sustentamos que fazer a religião derivar do não-moral destrói não somente toda a religião e
moralidade, mas toda a experiência humana, em geral, uma vez que envolve o homem em um vazio sem sentido.
Sustentar a doutrina bíblica de uma perfeição original do homem é, portanto, não só agarrar-se a uma “autoridade
externa” ou “mera tradição”, mas é, ao mesmo tempo agarrar-se ao teísmo.

Agora, os fatos de uma religião pagã estão em desarmonia com a concepção teísta da religião. Há uma
diferença qualitativa entre qualquer uma e todas as religiões do paganismo e a religião do teísmo como encontrada
no Cristianismo. Não importa o quão próxima seja a semelhança formal ao Cristianismo, a religião pagã sempre
adora a criatura, enquanto o Cristianismo adora a Deus.

Não se segue a partir disso que não há gradações entre as religiões pagãs, de modo que todas elas sejam
igualmente sem valor. A doutrina da graça comum nos permite fazer muita diferença entre uma e outra, enquanto
a doutrina da graça especial nos proíbe de alguma vez acabar com a distinção qualitativa que separa todas elas do
Cristianismo. A própria diferença entre essas religiões se deve a medidas muito diferentes da graça comum de
Deus. Através da graça comum, a civilização tem gradualmente avançado para que o homem fosse habilitado
somente para livrar-se de algumas das formas mais sensuais de culto da criatura. Mas permanece a adoração da
criatura, mesmo na forma mais refinada de religião não-Cristã. Mesmo quando adora, de acordo com o
modernismo, os ideais do bem, da verdade e da beleza ainda este ainda é um culto da criatura, uma vez que esses
ideais não são concebidos como colocados por Deus.

Devemos agora examinar brevemente as principais formas de religião antiteísta.

a. O ateísmo é a negação mais desafiante e aberta da própria existência de Deus. Nele o princípio do pecado
atingiu o seu clímax. Mesmo assim, o homem não pode totalmente livrar-se da ideia de Deus. A própria luta do
ateu contra Deus pode ser uma indicação do temor de Deus. Há muito do espírito desafiador no movimento. Este
espírito desafiador só pode ser temporariamente mantido. No Inferno não haverá ateus. Será impossível negar a
existência de Deus no dia do juízo e depois.

O ateísmo é pior do que o paganismo. O paganismo, ao menos, serve a deuses. Ele admite algo de sua
insuficiência; isso indica algum desejo de entrar em contato com os poderes superiores. O ateísmo, por outro lado,
tem se vedado hermeticamente contra Deus. A questão terá de ser decidida por um teste de força somente.

Há muito ateísmo prático em todas as terras civilizadas. O reino da lei tem feito muitos dizerem, em prática,
se não em palavras: “O Senhor não faz o bem nem faz o mal” (Sofonias 1:12). A religião tornou-se para muitos
uma questão secundária na vida. Deus não é pensado como controlando e afetando as nossas vidas a cada momento,
em cada aspecto, por todas as vias possíveis. Em vista desse fato é necessário pregar a mensagem profética que o
Senhor castigará “os homens que se espessam como a borra do vinho, que dizem no seu coração: O Senhor não
faz o bem nem faz o mal”. A imagem do dia do juízo final não é em nenhum outro lugar mais terrível do que
quando estabelecido diante daqueles que ignoram o Senhor. Ser ignorado é quase tão grande insulto quanto ser
desafiado abertamente. Talvez isso possa até mesmo ser considerado um insulto maior, enquanto um desafio aberto
ao menos “imagina” Deus, dando-Lhe crédito por algum poder.

b. Religiões Naturais

O homem, embora tendo declarado a sua independência, ainda tem de viver como o filho pródigo dos bens
do pai. Além disso, ele sente algo do absurdo de ter se elevado à posição de Deus. Mais tarde na história, ele
declarará abertamente sua autonomia moral (Kant). No presente, ele deve olhar sobre si por algum objeto de
adoração. Ele encontra esses objetos na criação inferior. A criação inferior afeta-o de muitas maneiras, e isso está
além de seu próprio controle. O homem é como uma criança que derrubou a chaleira de água quente sobre si
mesma e culpa a chaleira por sua miséria. O homem apenas busca escapar das más consequências do pecado,
enquanto estas consequências o encaram, nos vários poderes de destruição. Em vez de perceber que os poderes de
destruição são as agências de Deus, para que ele vá a Deus para encontrar libertação deles, o homem desafia essas
agências e adora-as. A estupidez e futilidade do pecado são nisso estrita e tipicamente ilustradas.

(1) As formas inferiores da religião natural realmente não têm nenhuns deuses, mas apenas almas.
Animismo e fetichismo são exemplos deste tipo.

(2) As formas mais elevadas de adoração natural têm deuses. A imaginação criativa foi introduzida para
criar escultura e mitologia.

(a) As formas Semíticas das religiões naturais mais elevadas desenvolveram algum tipo de ideia de
transcendência. O pecado trouxe incluiu Deus na esfera de Sua criação, e com isto negou a transcendência de Deus
sobre a Sua criação. A este respeito, toda a ênfase na imanência de Deus na teologia moderna é uma forma clara e
extrema da transgressão do Primeiro Mandamento. No entanto, em momentos diferentes e em diferentes graus, o
homem sentiu que ele precisava de um Deus transcendente. Não que ele tenha de si mesmo chegado a qualquer
verdadeira ideia de transcendência. Tal verdadeira ideia de transcendência só poderia vir a ele novamente por
revelação de Deus; e isso não por revelação através da experiência humana como tal, pois a experiência humana
como tal é pecaminosa. A transcendência como concebida pelo pensamento não-teísta é separação. Este é o
deísmo.

(b) As formas indo-germânicas de religiões naturais mais elevadas ressaltaram a necessidade da


proximidade de Deus. Elas falam muito da relação entre pai e filho. Mas, novamente, a verdadeira ideia da
imanência é pervertida até que signifique identidade. Este é o panteísmo.

Assim, o pêndulo móvel das religiões antiteístas foi do deísmo ao panteísmo. E a filosofia motivada pelo
mesmo princípio antiteísta desenvolveu-se por um curso similar.

Deve-se notar que correspondendo ao falso objeto na religião, o homem antiteísta tem igualmente
valorizado uma falsa atitude subjetiva. Não há nada do verdadeiro serviço do coração a ser encontrado. Como um
falso profeta, o homem procura interpretar o universo sem referência a Deus. Os poderes do mal são assumidos
existirem como poderes independentes de Deus. O homem não será “ensinados por Deus”. Ele perdeu sua
reatividade de espírito. Como um falso rei, ele procura pronunciar-se sobre a natureza para o seu próprio interesse
somente. Natureza, ciência, arte e governo, todos eles por sua vez, são feitos servos do homem, sem também serem
feitos servos de Deus. O homem não governará abaixo de Deus. Ele não receberá nenhuma ordem, mas apenas
dará ordens. Ele perdeu a obediência. Como um falso sacerdote, ele dedica todas as coisas para si mesmo, em vez
de oferecer todas as coisas para Deus. Aquilo que serviria a Deus, ele impede de servir a Deus. Seu coração é
afastado de Deus e evita Deus totalmente ou procura uma falsa familiaridade. O homem ora aos deuses, mas não
a Deus. Ele ora por alívio, mas não por perdão. Se ele tem remorso, não é uma “tristeza segundo Deus”, mas uma
tristeza que vem devido à sua própria loucura.

c. Religiões Éticas

As religiões éticas são mais elevadas do que as religiões naturais e se aproximam mais, em sua forma, do
teísmo. Em primeiro lugar, elas são monoteístas. Consequentemente, Deus é representado como não apenas
controlando o natural, mas também como controlando a ordem moral do mundo. Em segundo lugar, essas religiões
acreditam em uma revelação de Deus na forma de escrituras sagradas; o Bramanismo tem sua Vedas, o Budismo
sua Pittakas, o Confucionismo seus Reis, o Parzismo sua Avesta e o Islamismo seu Alcorão. No entanto, em
nenhum caso, a lei moral é concebida como emanando com autoridade inviolável a partir de um Deus absoluto. E,
como acontece com a religião subjetiva, não encontramos aquela piedade que combina um verdadeiro sentido de
exaltação e proximidade de Deus. Se for lembrado que nos Primeiros Mandamentos Deus estabelece a Si mesmo
diretamente diante do centro da personalidade do homem, exigindo do homem que ele não olhe para nenhum outro
lugar buscando por sua alegria e paz, é facilmente visto que todas essas religiões são tristes desvios do teísmo.

Sair para as nações para levar o Evangelho do Cristianismo significa mais do que difundir o conhecimento
da civilização ou um modo ético mais elevado de vida. Significa, antes, trazer os homens ao conhecimento das
exigências de um Deus santo e justo, que não pode, em sentido algum tolerar o pecado, mas que em Seu amor
condescendente perdoará o pecado em Cristo, a fim de tornar os homens verdadeiros profetas, sacerdotes e reis
novamente. Uma vez que eles conheçam este Deus em Cristo, eles não adorarão a natureza, mas o Deus da
natureza, eles não adoração a lei, mas o Deus da lei.

Mas, será que esta idolatria ocorreu predominante somente em países pagãos? O Primeiro Mandamento
como o fundamento de todo o restante precisa ser pregado neste país e em todos os países civilizados, bem como
em terras pagãs.
O Segundo Mandamento — Adoração

1. Observações

O Primeiro Mandamento trata da religião adequada como o fundamento da moralidade. O Segundo


Mandamento trata da expressão externa da religião. O Primeiro Mandamento nos ensina que devemos servir a
Deus; o Segundo como podemos fazer isso corretamente, tanto quanto a expressão exterior da religião está em
causa. Assim, estes dois Mandamentos se referem a questões completamente distintas. Isto é facilmente esquecido.
Por vezes, ouve-se um sermão sobre o Primeiro Mandamento em que todos os tipos de materiais que servem para
fabricar imagens de Deus são mencionados. No entanto, quando os homens usam imagens na adoração eles não
estão necessariamente procurando substituir um deus falso pelo verdadeiro Deus. Pode ser uma adoração
defeituosa ao verdadeiro Deus. É, de fato, uma transgressão do Segundo Mandamento leva muito facilmente a
uma transgressão do Primeiro. Imagens muito facilmente atraem a atenção exclusiva a si mesmas e, portanto,
tornam-se objetos em vez de meios de adoração. No entanto, isso não faz com que se identifique a adoração das
imagens com a idolatria. Se, de algum modo, nós podemos fazer a comparação entre os vários mandamentos da
lei, o Primeiro Mandamento é mais central do que qualquer outro objetivamente e, portanto, também mais central
do que o Segundo. Uma vez que é feita uma substituição do único Deus verdadeiro, toda a verdadeira religião e a
moralidade simultaneamente são reduzidas a nada.

2. O que é Comandado

Para saber qual é o conteúdo positivo do Segundo Mandamento é necessário antes de tudo que nós
formemos uma concepção verdadeiramente bíblica do que se entende por “a imagem de Deus”. Agora podemos
falar da imagem de Deus no sentido da ideia que Deus tem de Si mesmo. Só Deus conhece Seu próprio ser. Só Ele
tem a imagem completa e verdadeira de Si próprio. Esta concepção da imagem de Deus é um dos fatores que se
relacionam à religião e também à adoração. Nenhuma verdadeira religião ou verdadeira adoração são possíveis a
menos que Deus revele ao homem, de acordo com a capacidade do homem, algo da Sua imagem de Si próprio.
Todas as religiões e cultos não-teístas tornam-se vãs por serem desprovidas desta autorrevelação de Deus. Este
Mandamento começa por analisar o homem. Agora é importante termos a certeza — a fim de formar uma
verdadeira concepção de adoração — de sabermos o que o homem é. Entretanto, como se pode saber o que o
homem é, a menos que se saiba o que Deus é? A natureza do homem e, portanto, a natureza da verdadeira religião
e verdadeira adoração — na medida em que é determinada pela natureza do homem — é determinada pela natureza
de Deus.

Portanto, quando falamos da imagem de Deus no segundo sentido do termo, a saber, a imagem de Deus no
homem, temos o segundo e também secundário fator determinante da composição da religião e da adoração. Pela
imagem de Deus no homem, não estou me referindo à ideia de Deus que o homem pode ter formado, por si mesmo.
Não é a “minha ideia minha de Deus”, mas “a ideia de Deus a meu respeito” o que aqui é referido. Isto é, devemos
saber a composição do homem, como ele foi formado de Deus. Como tal, podemos distinguir entre a imagem de
Deus no homem, no mais amplo e no sentido estrito do termo. Por imagem de Deus no homem, no sentido mais
amplo se entende que o homem, pelo fato de haver sido criado por Deus, o Espírito, tem um espírito como
personalidade absoluta, uma autoconsciência e uma personalidade finita autodeterminando-se. Por imagem de
Deus no sentido mais restrito pretende-se que originalmente o homem era eticamente perfeito, que ele possuía
verdadeiro conhecimento, justiça e santidade (Colossenses 3:10; Efésios 4:24).

A partir destes dois fatores determinantes: Deus como um Espírito, imortal, invisível e o homem que como
um espírito finito e eticamente perfeito expressa-se através de seu corpo, podemos verificar os princípios da
verdadeira adoração.

A adoração deve ser espiritual. Isso decorre da espiritualidade de Deus. Qualquer adoração deve ser fixada
em Deus como Espírito. Ele nunca pode ser pensado como representado por coisas materiais ou sensuais. Isso
seria nivelar o Criador ao nível da criatura. Esta espiritualidade na adoração também está implícita na composição
do homem. Este também é, antes de tudo, espiritual. Entretanto, verdade é que seu corpo é uma parte essencial de
sua personalidade finita. Disto se segue que o homem pode e até deve dar expressão externa ao culto de seu espírito.
Mas essa expressão externa não reduz a espiritualidade de culto se o que é externo é usado apenas como um meio
para o interno. A adoração se torna não-espiritual ou sensual, se (a) Deus é pensado sensualmente e (b) se o homem
usa o externo como um fim e não como um meio.

Em segundo lugar, a adoração deve ser regulada por Deus. Isto está implícito no fato de que Deus é o
Espírito absoluto e o homem, a personalidade finita. A adoração naturalmente não pode deixar de ser baseada na
revelação. Não estamos aqui falando da Bíblia. O homem original respirava na revelação de Deus e estava
perfeitamente sem qualquer necessidade de revelação especial. Segue-se que se o homem privou-se a si mesmo
desta verdadeira revelação, ele não pode mais saber como regular o seu culto a Deus, a menos que Deus mais uma
vez venha a ele em revelação especial. Depois do advento do pecado, é imperativo sobre o homem ter seu culto
direcionado de acordo com as instruções da revelação especial, sob qualquer forma que possa vir. A história de
Mica no Antigo Testamento nos fornece uma ilustração interessante neste assunto. Mica pensou, em senso comum,
que deveria se opor à regulação do Senhor, que todos os israelitas deviam vir ao lugar central de adoração em
épocas determinadas. Assim sendo, ele fez o seu próprio pequeno santuário e estabeleceu seu próprio sacerdote,
com o resultado disto ele fracassou por sua desobediência. O princípio envolvido deve ser enfatizado hoje, quando
as pregações via rádio e nos automóveis, mais uma vez parecem usar o “senso comum” contra o regulamento de
Deus de que não devemos negligenciar a nossa congregação. É claro que a questão da regulação do culto não se
limita ao local de reunião, mas envolve muito mais.

Em terceiro lugar, o local de adoração de culto deve ser mediado. Como o primeiro princípio foi derivado,
pelo menos em parte, a partir de considerações metafísicas, isto é, a partir da composição do homem como uma
criatura, semelhantemente este terceiro princípio é derivado de considerações éticas, isto é, a perda do homem da
imagem de Deus no sentido mais restrito. Quando o homem era eticamente perfeito, ele podia olhar imediatamente
para Deus. Visto que o homem, em sentido estrito, perdeu a imagem de Deus, ele não pode mais vir a Deus a não
ser através de um mediador. “Ninguém vem ao Pai, senão por mim” [João 14:6]. Em Cristo, Deus restaura a Sua
imagem ao homem. “E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade”
(Efésios 4:24). “E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o
criou” [Colossenses 3:10]. Agora, na medida em que somente em Cristo a imagem de Deus, no sentido mais
restrito, é restaurada ao homem, ninguém pode realmente adorar a Deus exceto por meio de Cristo. Mesmo durante
a dispensação do Antigo Testamento isso era verdade. Mesmo então, o culto teve que ser mediado através do
sacerdote com suas vestes sacerdotais e o tabernáculo que em conjunto prefiguravam a Cristo. Mais diretamente,
desde a encarnação, a adoração é em primeiro lugar a comunhão entre a Igreja, ou seja, o corpo de Cristo, e o
próprio Cristo como Sua cabeça.

3. O que é proibido

O que é proibido é, naturalmente, qualquer forma de transgressão ou negligência de qualquer um ou de


todos os princípios da verdadeira adoração enumerados. E se qualquer um destes princípios é ignorado, todos eles
o são. Qualquer adoração carnal e sensual é diretamente uma violação do princípio da espiritualidade na adoração,
torna-se imediatamente um culto de nossa própria vontade. Outrossim, qualquer forma de adoração baseada em
nossa própria vontade tende, de forma evidente e imediata, a se tornar sensual. Finalmente qualquer adoração não-
mediada é, ipso facto, baseada em nossa própria vontade e também tende a tornar-se sensual.

Pode ainda ser observado que o princípio da espiritualidade na adoração foi mais grosseiramente violado
em épocas passadas do que acontece hoje em dia. Era natural que o homem, tendo uma vez se apartado de Deus,
devesse ainda sentir a necessidade de um deus, e que em fases passadas da história ele viesse a tentar incorporar
sua ideia de Deus em formas sensuais. Primeiramente, ele fez seu deus à imagem de animais, porque ele ainda não
havia se atrevido a colocar-se como Deus. Israel estava em constante perigo de ceder a esta tendência pecaminosa.
Consequentemente, quando Deus foi reestabelecer a verdadeira adoração de Deus no mundo, através de Israel, era
necessário dar um aviso especial contra a adoração sensual. Em Deuteronômio 4:15ss Deus conecta a ideia da
verdadeira adoração com Sua própria espiritualidade: “Guardai, pois, com diligência as vossas almas, pois
nenhuma figura vistes no dia em que o Senhor, em Horebe, falou convosco do meio do fogo para que não vos
corrompais, e vos façais alguma imagem esculpida na forma de qualquer figura, semelhança de homem ou
mulher...”.

A imagem de Deus, pode a princípio, ter sido usada como um símbolo para representar a Deus, a fim de
ajudar o homem a adorar a Deus. É assim que a Igreja Romana persiste em querer usar tais imagens. Todavia, a
Escritura não pode tolerar tal sabedoria do homem. Deus sabe melhor do que o homem o melhor caminho para o
homem adorá-lO. Além disso, a imagem como símbolo torna-se prontamente a imagem como fetiche pelo que
Deus é identificado com a imagem e a imagem é substituída por Deus. Desta forma, uma transgressão do Segundo
Mandamento leva prontamente a uma transgressão do Primeiro Mandamento.

A forma moderna de transgressão do primeiro princípio da verdadeira adoração, muitas vezes assume a
forma de um hiper-espiritualismo. A ênfase do modernismo em “valores espirituais” é uma boa indicação da falta
da verdadeira espiritualidade. Podemos ver este exemplo na visão que o modernismo tem a respeito dos
sacramentos. Estes sacramentos têm sido tão vazios em sua acepção a ponto de significar não mais do que símbolos
vagos de uma realidade ainda mais vaga. A ressurreição corporal de Cristo é sacrificada para sua “ressurreição
espiritual” e, portanto, estamos procurando “comunhão espiritual” com o “espírito de Cristo”. Isto ataca a raiz do
verdadeiro culto de adoração, uma vez que lida com a expressão externa da religião. O modernismo é tão não-
espiritual em seu culto como o era a forma mais baixa de cultos a animais.

O segundo princípio da verdadeira adoração, que deve ser regulada por Deus, foi violado ao longo dos
tempos, não tanto através de um desejo expresso de autorregulação como através de uma negligência factual da
verdadeira revelação de Deus. Desnecessário será dizer que as nações pagãs não consultam a verdadeira revelação
de Deus, a fim de estabelecer os seus princípios de adoração. Mas o ponto não é tão óbvio e, ainda assim, verdade
é que em muitas igrejas Cristãs muito pouca atenção é dada à Escritura na hora de determinar sobre quais princípios
e práticas de culto serão adotados. O senso comum é que é determinante, em lugar das Escrituras. O que parece
útil do ponto de vista da popularidade, muitas vezes tem mais peso do que o que é realmente ensinado nas
Escrituras. No recente argumento sobre o lugar da mulher na adoração não foi tanto uma diferença de interpretação
da Escritura que prevaleceu quanto a diferença entre aqueles que realmente consultam a Escritura como
autoritativas e aqueles que consideram as necessidades do século XX como autoritativas. Segundo a visão
ortodoxa, o que a Escritura ensina será, afinal de contas, melhor para o século XX não se importando com o que o
próprio século XX pode pensar a respeito disso no presente. A autorregulação prenuncia a morte de qualquer
igreja. Lembre-se de Mica.

O terceiro princípio da verdadeira adoração, ou seja, o da mediação, é violado por todos esses movimentos
que retiram ou minimizam a centralidade objetiva da posição redentora de Cristo como o novo e vivo caminho
para Deus. Mais uma vez nos deparamos com várias formas de transgressão. Podemos observar algumas das mais
comuns:

Em primeiro lugar cabe dizer novamente que todas as nações que não possuem a verdadeira revelação de
Deus em Cristo procuram entrar na presença de Deus, na medida em que eles realmente procuram vir à Sua
presença, de maneiras independentes de Cristo. O homem pecador não pode ver nenhuma razão pela qual ele não
seja, em si mesmo, bom o suficiente para apresentar a sua oferta a Deus. O homem pecador se ofende com a
sugestão de que ele precisa de um mediador, como Cristo demanda ser.

Do nosso próprio meio, vêm as várias correntes místicas de pensamento que têm tido mais ou menos contato
com a igreja ao longo dos séculos. Agora existe uma forma muito sólida e bíblica do misticismo. Este misticismo
atribui-se, tanto quanto possível, à revelação de Deus em Cristo na Escritura e por isso procura se apropriar
emocionalmente da alegria do crente e da glória de Deus, tanto quanto pode na revelação de Deus. Ao lado da, ou
como substitutos para este verdadeiro misticismo, já houve um falso misticismo que nega a revelação da
necessidade da mediação e funciona independentemente dela. Pode até haver um hiper-espiritualismo que nega
totalmente o uso ou a necessidade da expressão externa da religião por detrás deste misticismo. Este misticismo
que por si mesmo é falso, quando de algum modo é posto em contato com a revelação em Cristo consiste em uma
tentativa de elevar-se a si mesmo à uma teoria das faculdades. Ele afirma ter uma escadaria particular para o grande
trono branco.

Nos tempos medievais, Dionísio, o Areopagita e Mestre Eckhart representam uma forma extrema de
misticismo não-bíblico. No caso de Mestre Eckhart o que aconteceu foi realmente não mais do que uma variedade
especial de panteísmo. Ele não só removeu a Cristo como mediador, mas também a distinção entre o Criador e a
criatura.

Hugo de São Vítor e Bonaventura foram menos extremos. De acordo com Bonaventura, “de Deus a luz
desce a todos; mas esta luz é multiforme no seu modo de comunicação. A luz exterior ou a tradição ilumina as
artes mecânicas; a luz inferior, que é a dos sentidos, provoca em nós ideias experimentais; a luz interior que
chamamos de razão, nos faz conhecer verdades inteligíveis; a luz superior vem da graça e das Sagradas Escrituras,
e nos revela as verdades que santificam”. 12 Bonaventura pensou que ele poderia receber algumas revelações
individuais da verdade de Deus. É isso que fez com que ele e muitos outros místicos se tornassem infiéis ao
princípio da mediação na adoração.

Que a Igreja Romana deva ser especialmente sujeita a tais desvios místicos é devido ao fato de que ela
própria é fraca no mesmo ponto da centralidade da revelação de Deus em Cristo. Sua doutrina da Tradição,
infalibilidade papal, etc., mata na raiz o próprio princípio da mediação. Não admira então que Roma tem sido
sempre disposta a abrigar os místicos mais extremos, visto que ela nunca fez qualquer forte oposição doutrinária
contra o falso misticismo.

Entre as comunhões Protestantes também houve manifestações do mesmo espírito. Destes, podemos citar
as várias formas de pietismo, bem como o movimento Quaker. A ideia de “luz interior” é uma violação do princípio
da mediação na adoração.

Mais perigoso do que estes, no entanto, e mais subversivo do Protestantismo, sim do Cristianismo, são as
formas modernas de misticismo, por exemplo, a de Dean Inge e a do modernismo em geral, o perigo iminente que
ameaça o Cristianismo a partir desta fonte é ocultado pela homenagem verbal que este movimento dá a Cristo
como mediador. Mas a sua própria doutrina, de que Jesus ensinou a paternidade universal de Deus, prova que eles
O negaram como mediador em qualquer sentido muito específico. Cristo, de acordo com este ponto de vista,
revelou o valor da alma humana per se. Consequentemente cada alma pode realmente em si mesma entrar em
contato imediato com Deus. Ninguém precisa ir para o Céu ou para o Hades por nós para descobrir para nós o que
é o caminho para Deus. “Olhe para dentro” é o lema. Olhe bem o suficiente e você encontrará a Deus, porque, na
verdade, você é Deus. O Ideal dentro de você é a realidade de Deus. Assim diz o modernismo. Assim também diz
o pragmatismo moderno, com sua hostilidade declarada ao Cristianismo. Se a religião pode prosperar sem a
revelação 13 de qualquer tipo, por que então a adoração tem que ser mediada através do Cristo?

A ênfase moderna na imanência de Deus, que tem virtualmente negado a Divindade específica de Cristo e
afirmado Sua humanidade essencial em tudo ajuda a desenvolver este falso misticismo pagão. Ou podemos ainda
dizer que o falso misticismo promove a falsa ênfase na imanência de Deus.

Finalmente, podemos notar que grande parte da recente ênfase na arte como essencialmente religiosa é
devida a uma manifestação do mesmo falso misticismo moderno. Muitas vezes, recitais de órgão são substitutos

12
Ozanan, Dante e Ph. Th., P. 86, New York, 1898.
13
Cf. Huxley, Religion Without Revelation [A Religião Sem a Revelação].
da pregação do Senhor. Ou, menos grave, os números musicais artísticos tornaram-se realmente grandes
características do culto na igreja. Agora, admitindo-se que a arte é essencialmente religiosa e que a verdadeira arte
não pode ser separada da religião, entretanto, nem toda a arte está seguramente em consonância com a religião
Cristã. Como pessoas ortodoxas não temos qualquer objeção à forma mais artística de louvar ao Criador. Na
verdade, acreditamos que só um Cristão pode ser verdadeiramente artístico, posto que somente ele pode realmente
trazer a arte em conexão com a fonte da beleza. Mas estamos definitivamente convencidos de que o Criador não
pode realmente ser louvado, exceto através de Cristo. Disso segue-se que a arte, se é para ser um elemento da
verdadeira adoração a Deus deve estabelecer a sua ligação com Cristo como o restaurador do homem para com
Deus.

Antes de passarmos ao Terceiro Mandamento ainda temos que observar a ameaça e a promessa conectadas
com o Segundo Mandamento. A primeira coisa a notar é que essas ameaças e promessas realmente dizem respeito
a toda a lei, pois a lei é um organismo e não há nenhuma boa razão para limitarmos qualquer ameaça ou promessa
ao Segundo Mandamento. Em segundo lugar, a ameaça e a promessa trazem vividamente para o primeiro plano
aquilo que já estava envolvido, como vimos no fundo teísta da lei, que a própria pessoa de Deus que está por trás
da lei. Aqui está a autoridade final. É a autoridade que o homem precisa, sem a qual ele não pode viver. O homem
quebra a lei por sua própria conta e risco. Quebrar a lei é um insulto pessoal direto contra com o Deus vivo. Nós
nunca podemos ser imunes ao julgamento. Em terceiro lugar, há uma diferença entre a ameaça e a promessa, à
medida que a punição ameaçada na lei se segue naturalmente sobre a quebra da lei, enquanto a recompensa que é
prometida é uma adição agradável. “Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos
servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer” (Lucas 17:10).

Quanto ao conteúdo da ameaça e da promessa devemos primeiro notar que elas são dadas às pessoas que
estão dentro do âmbito da aliança. Agora vimos que a punição uma vez devida àqueles que são de Cristo desceu
sobre o próprio Cristo. O mal que vem para os Cristãos é castigo e não punição. Como, então, Deus pode falar de
punição a Israel, isto é, o povo de Deus? Porque nem todo o que é de Israel, é Israelita. Há aqueles que parecem
ser de Israel e devem ser tidos como pertencentes a Israel por causa de sua profissão, ainda que em seus corações
não sejam crentes. Sobre tais virá a punição. Esta não era uma ideia inserida mais tarde em Ezequiel 18:20: “A
alma que pecar, essa morrerá”, que fez com que os homens postulassem um Deus justo, mas foi um Deus justo,
que disse já em Deuteronômio 24:16: “Os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um
morrerá pelo seu pecado”. É aqui que lidamos com a questão fundamental do nosso assunto. No entanto, isto não
exclui o fato de que nesta vida os filhos de Deus e os filhos do mundo estão frequentemente unidos por laços
familiares. Igualmente verdade é que Deus estabeleceu leis físicas e morais que vigoram através das gerações.
Deus trata, de fato, em toda a história da redenção, com indivíduos como membros da raça. Os filhos de Deus são
membros da humanidade redimida. Aqueles não-resgatados realmente não pertencem mais à humanidade.

Por conseguinte, ocorrerá muitas vezes que os filhos de crentes podem sofrer as consequências do mal dos
pecados de seus pais descrentes ou crentes. Mas, em todos esses casos, o crente não recebe punição, mas somente
castigo e isto não necessariamente pelos pecados cometidos por ele, mas para que a glória de Deus seja manifesta.
O Terceiro Mandamento — Revelação

1. Observações

Para a correta compreensão do Terceiro Mandamento é necessário, antes de tudo, compreender o que as
Escrituras, em geral, querem dizer com um “nome”. Chegamos a pensar em nomes como marcas convenientes
usadas para fins de identificação. Mas isso é na melhor das hipóteses um uso subordinado de um nome. No “reino
dos céus” cada nome é uma expressão significativa da essência dos vários membros. Podemos até mesmo ampliar
esta ideia. Em um teísmo bíblico cada membro pode ter um significado porque a adesão a um sistema teísta implica
relação com Deus. Por outro lado, em “sistemas” antiteístas nenhum nome pode ter mais do que uma marca de
identificação, uma vez que não existe um sistema no qual podemos ser membros. Mesmo a marca de identificação
é uma importação teísta, já que em um nativo antiteísmo não há nada, senão pluralidades alheias entre si, em que
ninguém pode significar nada para ninguém.

Agora, uma vez que através da redenção o teísmo é restaurado esperamos achar que haverá alguma
indicação do significado de nomes. O “nome” de Cristo restaura o centro da unidade. Ele re-liga o homem a Deus,
que é o centro e a fonte de toda a predicação significativa. Assim, o homem está habilitado a ter um nome real
novamente.

Novamente, uma vez que na dispensação do Antigo Testamento temos uma expressão mais exterior do
princípio da redenção do que no Novo Testamento, esperamos que nomes do Antigo Testamento sejam mudados
mais frequentemente à medida que eles são postos em relação com a promessa do que acontece no Novo
Testamento. Especialmente àqueles que ocupam um lugar de importância estratégica no processo da redenção
serão dados nomes que se encaixam à sua posição. Tais nomes podem ser dados no momento em que os
destinatários são elevados para uma posição mais elevada na nação redimida, como no caso de Jacó, que é mudado
para Israel. Outrossim, o nome pode ser dado quando pela primeira vez alguém recebe formalmente uma posição
de importância como quando Abrão e Sarai são mudados para Abraão e Sara. Novamente tal nome pode ser dado
de acordo com a direção de Deus no nascimento ou mesmo antes do nascimento, como foi o caso do nome que
estava acima de todo nome.

Não é de admirar, então, que o “nome” seja de grande importância. Os apóstolos fizeram milagres em nome
de Jesus, e batizaram os homens em nome do Triuno Deus.

Mas se este for o caso, o nome de Jesus ou o nome de Deus deve ser mais do que “a minha ideia sobre
Deus”. Assim vemos que nas Escrituras Deus diz ao Seu povo o que o Seu nome é e como Ele quer que eles o
usem. O nome Yahwéh não é dado a Deus pelo povo, mas por Deus para Si mesmo.

O nome de Deus representa Sua personalidade. Isso significa algo diferente para o Seu povo do que para
aqueles que não são o Seu povo. O nome de João por exemplo pode significar muito para sua esposa enquanto que
para um estranho pode significar pouco ou nada. Então, o povo de Deus conhece o nome Yahwéh, porque eles são
conhecidos, ou seja, amados por Ele. Deus revelou Seu propósito gracioso para o Seu povo em Seu nome. Yahwéh
significa aquele que será fiel para consumar Suas promessas de redenção para os Seus próprios. Assim, quando
Deus em Cristo Se revelou a você, e você recebeu a plena posse desta revelação, você expressa tudo isso,
invocando por seu Deus numa relação de aliança, Yahwéh.

Não é de admirar, então, que o nome do Senhor torne-se um ponto de discórdia em um mundo de pecado.
Os homens vão trabalhar por sua honra ou buscarão arrastá-lo na lama. Mesmo ser “neutro” é impossível e
pecaminoso, uma vez que explicita o escárnio de um coração altivo contra o Deus gracioso e Seu amor
condescendente pelo qual Ele Se revelou ao pecador. Não há, pois não pode haver, por exemplo, um conhecimento
imparcial que investigará as reivindicações da revelação especial de Deus nas Escrituras que não seja mais ou
menos do que a explicação do nome de Yahwéh.

2. O que é Comandado

A. Seus Povo Deve Conhecer Esse Nome ou Revelação

Se o nome Yahwéh significa a revelação do gracioso poder salvífico de Deus para com Seu povo, segue-se
que o Seu povo deve buscar conhecer a plenitude da revelação na medida em que pode compreendê-la. Todos os
homens têm alguma revelação de Deus dentro deles, a voz da consciência, um anseio por algo acima deles, um
medo dos seus pecados serem descobertos. Mas o crente teve as escamas de escuridão que estavam sobre seus
olhos, por causa do pecado, removidas pelo Espírito Santo. Assim sendo, ele pode ver o verdadeiro caráter da
revelação geral e mais particularmente a revelação especial que veio a ele. No entanto, há muito progresso a ser
feito. Pois, muitos dos que entraram em contato salvífico com Jesus enquanto Ele estava na terra demoraram muito
tempo antes que eles pudessem conhecer mais e mais a profundidade da redenção graciosa que haviam recebido.

Portanto, o estudo particular das Escrituras é uma obrigação sagrada para cada crente. A negligência nisto
resulta inevitavelmente em pobreza espiritual. Quem pode calcular até que ponto o fracasso do estudo das
Escrituras de forma privada e familiar, é responsável pelo fato de que a igreja é invadida pelo Modernismo? Tanto
pelo modernismo, bem como por outros ismos especialmente todos os tipos de ocultismo como o Buchmanismo
florescem quando as pessoas são ignorantes das Escrituras.

O indivíduo deve ter um conhecimento sistemático da Escritura. A falta disto faz dele uma presa fácil do
Russelismo, Mormonismo, etc. Muitas dessas seitas afirmam basear seu sistema na Escritura e não encontram
nenhuma dificuldade em citar passagens que soam como se corroborassem a interpretação colocadas sobre elas.
O russelita cita João e diz que Deus é amor de modo que não pode haver qualquer punição eterna. Como crentes
se manterão preservados de se desviarem para todos os tipos de caminhos a menos que possam interpretar a
Escritura com a Escritura e, portanto, tenha uma concepção integral e holística dos propósitos e natureza de Deus?
Agora, os Catecismos visam dar justamente tal conhecimento sistemático da Escritura. Haveria uma melhor
proteção para a igreja contra todos os tipos de heresias do que um ensinamento fiel das crianças e dos jovens nos
Catecismos da Igreja? É claro que uma política consistente e a única segura política de instrução Cristã, inclui a
provisão de uma escola Cristã primária e do ensino médio, na qual apenas um conhecimento muito sistemático do
geral, bem como a revelação especial de Deus sejam lecionados.

A responsabilidade coletiva do povo de Deus é tão grande quanto a responsabilidade individual no que diz
respeito à questão de conhecer a revelação de Deus.

Como “o corpo de Cristo”, a igreja deve prover a formação de ministros. A igreja como uma instituição é
responsável pela perpetuação especialmente dos oficiais de ensino e dos anciãos regentes. Disso segue-se que
seminários teológicos devem ser providos. Não é como se esta fosse uma maneira baseada no senso comum de
promover a propagação da verdade apenas. É isso, porém é muito mais. É dever sagrado da igreja estabelecer
seminários verdadeiros em favor da promoção da revelação de Deus sem se importar se haverá ou não quaisquer
resultados visíveis. Aqueles que são fiéis podem deixar o futuro nas mãos de Deus.

O currículo de tais seminários não será formado de acordo com os caprichos passageiros de ensino, mas
serão formados de acordo com os requisitos da maneira mais eficaz de ensino da Palavra. Naturalmente, então, as
línguas originais da Escritura estarão entre as primeiras prioridades do programa. Sem que se trabalhe para
conhecê-las não se pode realmente interpretar a Escritura em nome e com a autoridade de Cristo.

Em seguida, ainda mais, a igreja instituída recebe o dever sagrado de levar o conhecimento da revelação de
Deus até os confins da terra. Missionários bem preparados de modo que possam “manejar bem a Palavra” são
muito necessários hoje. Não é possível calcular os tristes resultados já colhidos por nós, por causa da falha da
igreja a este respeito.

Mas a responsabilidade coletiva do povo de Deus não se esgota quando, enquanto igreja instituída, eles
foram fiéis no ensino doméstico e na promoção pública de ensino. Como um organismo, ou seja, como um grupo
de Cristãos, concebidos agora não como a igreja, mas em suas relações mais amplas, o povo de Deus deve procurar
honrar o nome de Deus em todo o mundo em todos as áreas de empreendimento humano. A terra é do Senhor. A
ciência, a arte e a moral são do Senhor. Daí a obrigação dos Cristãos de conhecer e dar a conhecer o nome do
Senhor nestes domínios. Para o efeito, procurará estabelecer faculdades e universidades verdadeiramente Cristãs,
totalmente equipadas com a melhor técnica para anunciar o nome do Senhor sobre “o universo estrelado acima de
mim e a lei moral interior”. Nós podemos estar certos de que seminários ortodoxos por si só não podem conter a
onda de incredulidade. Seu trabalho é de caráter mui especial, mas limitado. Para se obter uma vida Cristã e uma
visão de mundo realmente eficaz, a média dos estudantes precisa de mais do que um curso de seminário de três
anos. Não é justo esperar que nossos ministros tenham uma visão muito abrangente e realmente Cristã das coisas,
a menos eles sejam ajudados a relacionar todos os seus interesses à concepção central do nome de Deus.

B. Nós Confessamos o Nome do Senhor

A confissão, no sentido de dar a conhecer o nome do Senhor, seria a tarefa profética original que o homem
deveria executar. O homem estaria buscando a verdade, envolvendo-se cada vez mais profundamente na revelação
de Deus. Nesta base teria sido realizado o que é agora tão frequentemente apresentado como sendo o verdadeiro
esforço da ciência, isto é, a busca cooperativa e mutuamente apreciativa pela verdade.

Desde a entrada do pecado, no entanto, a guerra chegou ao acampamento dos buscadores da verdade. No
início, eles se dividiram sobre a questão de onde a verdade pode ser encontrada. Um grupo diz que não pode ser
encontrada em Deus, mas deve ser encontrada no Universo como revelado na mente do homem. O outro grupo diz
que isso tornaria a busca desesperançada. A verdade deve ser fundada em Deus e, desde a entrada do pecado, em
Deus através de Cristo. A ciência verdadeira, como vimos, também deve ser mediada assim como a verdadeira
adoração tem que ser.

Ora, é a coisa mais fácil para o Cristão omitir-se em relação ao princípio da revelação justamente neste
ponto. Aqui, se é que isso existe em qualquer lugar, a neutralidade parece ser possível. Por isso, é o dever sagrado
da igreja afirmar a verdade da Escritura sistematicamente e sob a forma de Confissões. Devemos trazer essas
confissões sempre atualizadas no sentido de que uma visão mais profunda da revelação de Deus é dada à igreja
em cumprimento da promessa do Espírito, a igreja deve dar expressão a esta visão mais profunda.

Há um slogan que possui uma grande sonoridade piedosa muito em evidência nos dias de hoje. Esse slogan
é: “nenhum credo, senão Cristo”. Com este slogan um autoenganado e bem-intencionado grupo de líderes
eclesiásticos procura ganhar novos convertidos para Cristo em uma era “científica”. Que pobre serviço tal slogan
presta a Cristo! Além do fato de que todas as pessoas, na realidade, têm um credo de algum tipo, o que reduz o
slogan à manifestação de um absurdo psicológico, nada poderia ser menos fiel ao espírito de Cristo do que
contrastar Ele com um credo. Ele mesmo procurou nos dar uma crença sobre Deus e sobre Si mesmo, ou seja, que
Ele e o Pai com o Espírito Santo é o único Deus absoluto e Triuno. A igreja não tem feito nada mais do que
transmitir o credo que Cristo nos deu. Um credo não pode, mesmo na natureza do caso, de acordo com o modo
Cristão de pensar, ser contrastado com a Pessoa de Cristo. Um credo não é nada mais do que uma declaração sobre
o Cristo. Esta afirmação pode ser verdadeira ou falsa, pelo que credos verdadeiros e falsos podem ser contrastados,
mas a própria declaração não pode ser contrastada com a Pessoa.

Em vez de prestar um serviço a Cristo, o slogan: “nenhum credo, senão Cristo”, fortalece as mãos daqueles
que negam a Cristo. Foi o pecado de Eva dizer que não havia nenhum credo sobre Deus. O Diabo disse que não
havia. Ele disse que o credo que Deus disse sobre Si mesmo era questionável, que estava aberto a questionamentos.
De quem? De sua majestade, o próprio homem. Será que o homem ouvindo o arquienganador lançou fora o credo?
Não, ele mudou o credo. Ele agora acreditava em si mesmo, em vez de acreditar em Deus. Por esta razão, Satanás
gosta de questionar crenças sobre Cristo. Ele ama a atmosfera enevoada da imprecisão e da generalidade.
Transfigurado em um anjo de luz ele diz a ministros “piedosos” que eles não devem anunciar uma Pessoa e não
um princípio intelectual frio. Como se estivessem anunciando a Pessoa de Cristo, ao mesmo tempo que
negligenciam o credo da Sua Divindade. Se eu sou um homem com uma dor de dente, eu preciso saber se o homem
que se apresenta como cirurgião-dentista é mesmo um dentista ou um encanador. Nesses casos eu não evito o
credo nem o comparo com uma pessoa. Eu o conecto com a pessoa que deve me salvar. Assim o credo tem o mais
direto e prático significado para mim.
Vemos que a tarefa da igreja como uma instituição é estabelecer e também defender o credo. Aqui há
novamente uma atitude de paz a qualquer preço. Ministros testemunham que eles próprios são ortodoxos, mas não
movem um dedo quando outros ministros na mesma igreja minam a própria fé em Cristo como Deus. Agora, além
da consideração de que tal atitude seria considerada subversiva mesmo em qualquer organização de negócios, é
altamente desonroso para Cristo. Aqueles que negam as verdades do Cristianismo não são tolerantes. Chamar o
que os homens creem de uma questão de diferença é negar a importância da crença em si. Não se pode crer sem
um objeto em que acreditar. Qualquer descuido sobre as doutrinas de Cristo a respeito dEle ou de Deus é ipso facto
uma negação de Cristo e de Deus. Dizer que você crê em Cristo como Filho de Deus, e ao mesmo tempo dizer que
aqueles que não creem nEle são seus irmãos é, no sentido Cristão do termo, contradizer-se. Você não diz em
linguagem comum que você ama sua esposa e filhos ainda que você tenha feito nenhum esforço para protegê-los
contra o assassino que os matou. Você não diz que você é um verdadeiro soldado americano quando no exercício
de guerra você nunca movimentou tanto quanto um dedo para proteger as estrelas e listras. Fracassar em ser um
defensor em tempo de guerra é traição ao país. Agora, a tarefa do Cristão é uma guerra. “Não penseis que vim
trazer paz sobre a terra...”. Na medida em que o mal e o pecado estão aqui, e na medida em que Cristo veio com o
propósito declarado de destruir as obras das trevas, o Cristão deve lutar, frequentemente pela honra de Cristo (Tito
2:10; 1 Coríntios 11:19; Gálatas 5:19-20; 2 Pedro 2:1).

O dever sagrado da controvérsia está implícito na própria tarefa de sustentar o testemunho confiado aos
cuidados da Igreja. Alguém não pode testemunhar fielmente de Cristo se não testemunhar contra aqueles que se
opõem a Cristo. Se o conhecimento do nome de Cristo deve avançar é preciso avançar em face de obstáculos. O
“homem natural” odeia as coisas de Deus e tentará se opor a elas. Apenas no confronto com a oposição é que o
Cristianismo pode avançar. Ele se encontrará com a oposição em todos os lugares. Como pode algum fiel discípulo
de Cristo, então, esperar testemunhar de Cristo em qualquer lugar sem testemunhar contra a oposição a Cristo?

Em consonância com o que foi citado anteriormente, podemos observar que o pregador não deve fazer
nenhum desprezível pedido de desculpas por apresentar sua mensagem. Ele deve, antes, falar com autoridade. Ele
fala não as suas próprias palavras, mas as palavras de Cristo e as palavras de Cristo nunca podem ser anunciadas
aos homens, exceto com autoridade. O pregador não vende ações e títulos que podem ser resgatados acima do
valor no banco do Céu algum dia. Nem ele aconselha as pessoas a terem um interesse nisso junto com outras
coisas. Pelo contrário, ele traz as demandas de Deus sobre o homem. O julgamento deve ser sempre o plano de
fundo, mesmo quando ele usa para seu texto as palavras de Jesus: “Vinde a mim todos os que estais cansados e
oprimidos e eu vos aliviarei”. Jesus ofereceu descanso, mas Ele também disse que aqueles que não aceitassem o
Seu descanso, seriam lançados nas trevas exteriores.

Aplicando ainda mais as exigências de Cristo sobre o fato de que nós devemos confessar o Seu nome diante
dos homens, podemos considerar a questão da disciplina doutrinária na congregação local. Está se tornando muito
comum na igreja, este costume de sessões permitindo qualquer um e todos à membresia da igreja caso eles deem
uma garantia razoável de concordar com as normas da igreja ou não. Tal coisa não é digna de qualquer organização
humana. Tornar-se um cidadão da América pressupõe pelo menos algum conhecimento da constituição deste país.
Muito mais, então, é um dever sagrado daqueles a quem estão confiadas as chaves do reino dos Céus que estejam
razoavelmente certos de que aqueles que procuram a adesão plena naquele reino saibam algo sobre o amor e a
constituição que rege os seus cidadãos. Falha em ser fiel, significa, além disso, consequências desastrosas. Em
breve, membros admitidos absolutamente sem qualquer padrão podem ser eleitos para se tornarem presbíteros da
igreja. O que então pode impedir o púlpito de apresentar um evangelho pagão em vez de um Evangelho Cristão?

Finalmente, nós podemos notar que, como foi o caso em conhecer a revelação de Deus, assim também
acontece no que diz respeito ao confessar o nome de Deus; o dever dos Cristãos não é plenamente cumprido na
qualidade de membros da igreja eu Cristo institui, se eles não forem fiéis em todas as questões enumeradas. O
povo de Deus, além disso, tem um dever a cumprir em campos mais amplos do que o abrangido pela igreja
instituída. O mundo propaga a mentira, instigado pelo príncipe das mentiras, pelas avenidas da ciência e da arte.
Consequentemente os Cristãos não podem limitar o seu anúncio da verdade à palavra pregada na igreja. Os Cristãos
devem entrar no campo da ciência. Se possível, eles devem treinar Cristãos físicos, biólogos, etc. Tais cientistas
devem investigar e interpretar a natureza como a obra de Deus, nunca temendo a farsa muito elogiado da
“neutralidade”. Assim, também os Cristãos devem entrar no campo da arte para reivindicá-la para Cristo. O dano
feito à causa de Cristo, por romances e literatura não-Cristãos, em geral, é incalculável. Um jornal Cristão diário
pode ser um ideal impossível de realização no momento presente, no entanto, é um ideal verdadeiro.

3. O que é proibido

O que é proibido é naturalmente a negligência ou uma oposição aberta à revelação de Deus. Podemos omitir
uma discussão completa sobre este ponto, simplesmente apontando que a negligência da e oposição à revelação
de Deus irá, naturalmente, revelar-se em uma negligência de e oposição a qualquer tentativa de conhecer e
confessar o nome do Senhor. Nós já sugerimos várias formas de transgressão, a fim de deixar claro o que foi
ordenado. No entanto, pode ser de alguma utilidade enumerar algumas formas mais específicas do espírito geral
da oposição à revelação de Deus.

Como a primeira destas, podemos citar novamente as nações pagãs. Sua “busca da verdade” não é algo tão
inocente como ela é muitas vezes apresentada ser. O paganismo é uma deflexão de um teísmo original, ou em si o
teísmo não é verdade. O paganismo é antiteísta. Se ele procura a verdade, pesquisando no universo à parte de
Deus.

Em segundo lugar, nós podemos mencionar cada movimento no pensamento que aparece no meio de uma
civilização “Cristã” e ainda não realmente contemplar a revelação de Deus. É claro que todo o pensamento
civilizado tem, em certo sentido especulado sobre o fenômeno do Cristianismo. Mas a implicação da cruz de Cristo
é que a própria essência da personalidade humana é corrupta. Portanto, se o Cristianismo for levado a sério em
absoluto, aqueles que o aceitam devem levar “seus pensamentos cativos à obediência de Cristo”. Assim uma
ciência ou filosofia que procura interpretar a natureza da realidade em toda a independência da Escritura é ipso
facto não-Cristã. Não que gostaríamos de pedir a Einstein que fosse diretamente à Bíblia. Ele lida, obviamente,
com os fatos da natureza. Mas quando ele conclui a partir dos fatos da natureza que não pode haver Deus absoluto,
ele não somente é não-Cristão, mas não-científico. Ele assumiu a existência independente dos “fatos” desde o
início e com isso assumiu a não-existência de Deus. Depois disso era desnecessário e impossível provar algo sobre
Deus. Assim, descobrimos que a chamada abordagem “neutra” na ciência ou filosofia é, na realidade, uma
abordagem negativa, tanto quanto a revelação de Deus está em causa e, como tal, é condenada pelo Terceiro
Mandamento.

[...]

O Espiritismo apresenta um fenômeno que é mais difícil de explicar. Mesmo que nós o consideremos como
repleto de fraudes, e como um controle incrementado dos poderes da natureza, continua sendo difícil excluir os
poderes do mal como fonte de explicação. Como Cristãos, acreditamos na existência real do Diabo. Acreditamos,
ainda, que ele tem um grande talento. O nosso grande conforto com respeito a Satanás é que ele está totalmente
sob o controle de Deus. Por isso, se obedecermos a revelação de Deus não precisamos temer nenhum Diabo.

Deve-se observar que, mesmo se o poder satânico, não for realmente operativo através de um determinado
médium, o próprio médium afirma comunicar-se com o “outro mundo”. Além disso aqueles que vão ao médium
esperam obter através dele uma revelação do outro mundo. Estas considerações são suficientes por si só para os
Cristãos, para evitar o Espiritismo. Para o Cristão deve ser uma abominação sequer tentar ir a outro lugar além de
a Deus para a sabedoria que ele precisa. Se ele vai para outros lugares, ele reduziu Deus ao nível de um mago. “À
lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles” (Isaías 8:20).

Na Teosofia, uma falsa filosofia antiteísta combina-se com o ocultismo, a fim de levar o povo de Deus ao
erro. Em 1877, Henry Olcott e Madame Blavatsky publicaram “The Isis Unveiled” [A Ísis Sem Véu]. Agora,
Madame Blavatsky tinha viajado ao Tibete, onde ela esteve em contato com os sábios do Oriente. isso, sem dúvida,
explica o panteísmo ateísta da teosofia. O panteísmo dos Vedas reside aparente em sua doutrina de Brahma.
Brahma é o princípio eterno de todo o ser. Agora, a alma humana está em sua profundidade íntima idêntica com
este Brahma, e por isso é divina. Da mesma forma a doutrina de Deus da teosofia é a de um princípio impessoal
falado pelo pronome neutro “isso”. O mundo é um sopro disso, e o homem como uma parte do mundo, segue no
caminho de rarefação e condensação a partir de e para “isso”. Não é de maravilhar-se que sobre um tal fundamento
não seja necessária nenhuma revelação salvífica de Deus. Não é a existência do mal, mas o mal da existência que
perturba a mística oriental.

Não é de admirar que estas seitas orientais estão encontrando entrada pronta nas terras ocidentais. Elas
encontram o solo preparado para elas. Radhakrishman, em seu livro, “The Reign of Religion in Contemporary
Philosophy” [O Reino da Religião na Filosofia Contemporânea], aponta que a filosofia idealista é muito
semelhante às filosofias orientais. Ambas mantêm a autossuficiência do homem. Não precisa de revelação. Não é
tanto uma sociedade ímpar de teosofia que a igreja precisa temer como o espírito teosófico do modernismo dentro
da igreja. O inimigo está dentro dos portões.

O uso de lançar sorte apresenta um problema diferente novamente. O mundo não pode realmente falar do
uso de sorte. Uma pessoa descuidada pode tomar alguma decisão importante, através do estabelecimento de um
determinado sinal. Quando ela faz isso, está apelando para um destino ou acaso. Quando mais científico, ele pode
usar a lei das médias, como as companhias de seguros de vida fazem. Agora, essa utilização seria perfeitamente
legítima se fosse reconhecida que não são mais do que formas da providência de Deus, mas quando isso é
esquecido — como quando acontece que algum computador nos diz quantos seres humanos podem,
eventualmente, nascer de acordo com a lei das chances —, tal uso se torna antiteísta.

Mas, e sobre o uso de lançar sortes pelo Cristão? Parece que a primeira condição de qualquer uso correto
de sorte seria o reconhecimento da verdade de Provérbios 16:33: “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor
procede toda a determinação”. Este é o reconhecimento da providência de Deus. Agora esse reconhecimento de
uma só vez coloca Deus, em vez da chance, por detrás da sorte. Por conseguinte, parece também diminuir a ocasião
para a utilização de sorte. A genuína confiança na providência de Deus normalmente é suficiente para o Cristão.

Então, além disso, a vida do Cristão deve ser guiada mais diretamente pela revelação especial de Deus. Esta
revelação especial contém princípios de orientação. É o Cristão deve procurar entender estes princípios.
Normalmente, um claro entendimento destes princípios salvará de muitas perplexidades. Nós geralmente estamos
em dúvida quanto ao que fazer, não porque não há nenhuma orientação, mas porque não conseguimos observá-la.
Se, então, em tal caso, procurarmos uma pessoal dispensação da revelação de Deus, isso seria desonrar a Deus, e
não poderíamos esperar obter nenhuma resposta.

Deve ser notado ainda que, como Cristãos, nós temos a revelação especial de Deus concluída.
Consequentemente, descobrimos que duas formas de uso de sorte que eram comuns na dispensação do Antigo
Testamento não são mencionadas no Novo Testamento. A primeira é a sorte de previsão (Sors divinatoria); o Urim
e o Tumim eram muitas vezes, e isso legitimamente, usados para determinar qual seria o resultado de um curso de
ação (Números 27:21; Êxodo 28:30). A segunda é a sorte de consulta (Sors consultatoria, em Josué temos o caso
de Acã ou em Levítico 16:8, os dois bodes). Os moralistas Cristãos geralmente consideram estas duas formas de
usar a sorte como pertencentes à dispensação de sombras ou como estabelecidas por razões pedagógicas.

Resta ainda, então, a sorte de divisão (Sors divisoria) usada no Antigo Testamento na divisão de Canaã.
Esta forma, se usada sobre a base do reconhecimento da providência de Deus e segundo os princípios da revelação
de Deus tendo sido consultadas com oração, podem ser usadas pelos Cristãos de acordo com a maioria dos
moralistas Cristãos. Esta é, então, uma oração mais solene para um testemunho de Deus com relação a alternativas
possíveis a fim de resolver uma diferença de julgamento.

O juramento é amiúde considerado como sendo a principal forma de transgressão do Terceiro Mandamento.
A profanação pública, naturalmente, um mau uso grosseiro da natureza de Yahwéh. Isso reduz esse nome tão cheio
de santidade a um palavrão vazio. Assim também qualquer uso leviano do nome é desonroso a Deus.

Mas a questão agora surge é se os Cristãos podem alguma vez usar o nome de Deus de modo que, assim,
deem testemunho da veracidade de suas declarações. Muitos disseram que isso é ilícito por si. A fim de verificar
se esta afirmação é bíblica é preciso primeiro discutir o que se entende por juramento.

Ora, o juramento é a tentativa do homem de trazer as suas declarações à presença imediata de Deus, a fim
de testificar a sua verdade. Enquanto não havia pecado no mundo não havia nenhuma ocasião de usar o juramento.
Adão estava constantemente consciente da presença imediata de Deus. Mas, por causa do pecado, o homem pensa
que Deus está mui longe. Parece ao pecador que ele lida com Deus somente em ocasiões especiais. Por isso, se
houver necessidade especial de veracidade, o homem coloca-se logo diante do julgamento de Deus admitindo que
a ameaçada punição de Deus pode justamente descer sobre ele se ele não tiver falado a verdade.

Agora, encontramos que Deus tem condescendido com as necessidades do pecador tanto quanto ao uso do
juramento. Deste juramento Yahwéh duplamente assegurou que as promessas de Deus devem ser cumpridas. “E
disse: Por mim mesmo jurei diz o Senhor, pois por teres feito isso e não me negaste o teu filho, o teu único filho...”
(Gênesis 22:6). Em Hebreus 6:17 é feita uma referência a isso a fim de nos dizer que o Senhor propositalmente
usou o juramento para confirmar o Seu pacto (Hebreus 6:17). O apóstolo compara esse ato de Deus com atos
similares dos homens 14 (Salmos 95:11; 110:4).

Por conseguinte, não somos surpreendidos ao descobrir que o próprio Jesus fez juramento em uma ocasião
importante quando Se apresentou perante o tribunal de Pilatos. Ele não usou a forma usada hoje, mas Ele usou a
forma vigente na época. Os Apóstolos seguiram esta prática. “Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de
Deus testifico que não minto” (Gálatas 1:20). Nós até mesmo encontramos que Deus mesmo comandou ocasiões
para usar o juramento. “O Senhor teu Deus temerás e a ele servirás, e pelo seu nome jurarás” (Deuteronômio 6:13).
“Então haverá juramento do Senhor entre ambos” (Êxodo 22:11).

Mas aqueles que sustentam que nenhum Cristão pode, a qualquer momento, utilizar o juramento apelam
diretamente para as palavras de Cristo em Mateus 5:36: “Não jurarás”. Mas estas palavras não poderiam muito
bem significar um comando ilimitado, a menos que estivéssemos prontos a sustentar que o próprio Cristo não fez
jus a este comando quando jurou diante de Pilatos. Por causa dos dados bíblicos aduzidos, será necessário
investigar se as palavras de Jesus devem ser tomadas em um sentido ilimitado. Nós encontramos que elas podem
e devem ser consideradas em um sentido limitado. Jesus se opôs e proibiu o juramento antiteísta e nada mais. Os
fariseus tinham medo de usar o nome Yahwéh no sentido genuinamente teísta, mas eles tentavam encontrar um
reino de coisas humanas, através da qual eles poderiam jurar livremente, sem envolver o nome de Deus em
absoluto. Como se todo juramento por qualquer criatura de Deus não fosse também, ainda que indiretamente, jurar
pelo próprio Deus. Por isso, Jesus diz a eles que não jurem em absoluto por qualquer criatura pensando que tal
juramento não envolve Deus. Assim, as palavras de Jesus não são dirigidas contra aqueles que juram com propósito
sério apelando diretamente a Deus.

Se, então, a legitimidade do juramento está estabelecida, devemos perguntar sobre o seu uso.

Quem deve administrar o juramento? Nós temos nos acostumado com a ideia de que o governo tem o direito
de administrar o juramento. Agora, a razão que se sugere de imediato para a posição elevada do governo é que é
em matéria de governo a mais solene verdade é necessária. No entanto, uma razão adicional e mais profunda deve
ser procurada. O governo foi instituído por Deus. Obediência ao governo é exigida do Cristão, porque o governo
é servo de Deus. Claro que, quando o governo em si é ateu, isso reduz o seu privilégio a um sacrilégio e um
absurdo.

14
. Cf. Há ainda outros exemplos: Salmos 95:11: “A quem jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso”; e
Salmos 110:4: “Jurou o Senhor, e não se arrependerá: tu és um sacerdote eterno...”.
Quem pode fazer o juramento? No que diz respeito a natureza do caso, uma criança ou uma pessoa
irresponsável não podem fazer um juramento. Porém, mesmo um Cristão responsável deve estar certo de que ele
é verdadeiro não apenas em propósito (veritas in mente), mas também verdadeiro de fato. Além disso, o assunto
sobre o qual ele jura deve ser justo (justitia in objecto). Agora, quando os três estão presentes, (a) capacidade ou
judicium in jurante, (b) veritas in mente, e (c) justitia in objecto, o juramento não pode ser evitado. Mas nós ainda
podemos ser confundidos, apesar das precauções mais cuidadosas. Em tais casos, devemos agarrar-nos ao nosso
juramento a menos que tal apego ao nosso juramento comprometa a honra de Deus.

Chegamos agora a um assunto relacionado, a Imprecação. No discurso comum, o juramento não é usado
exclusivamente para o testemunho da verdade, mas também como uma expressão de ódio aos inimigos. Agora é
evidente que tal imprecação é antiteísta. Os homens muitas vezes recorrem a forças externas a Deus. Se eles
realmente recorressem a Deus eles também seriam muito cuidadosos em como eles recorreriam a Ele. A questão
agora é saber se é alguma vez admissível ou um dever de um Cristão apelar a Deus para a destruição de um inimigo.
Nós podemos dizer de uma vez que isso não é permitido a menos que seja um dever. Se a imprecação está errada
em todos os casos, o Cristão não pode permitir-se a qualquer momento a privilégio de ser não-Cristão. Para o
verdadeiro Cristão não é privilégio ser não-Cristão, em qualquer sentido.

O modernista e o crente ortodoxo dão respostas contrárias à questão de saber se a imprecação pode, a
qualquer momento, ser um dever para o Cristão. O modernista diz que não e o crente ortodoxo diz que sim.

Os modernistas apelam de uma vez às palavras de Jesus que nós devemos amar nossos inimigos e apelam
ainda mais para a “consciência Cristã”, que nos proíbe de odiar alguém. Assim, ele argumenta em favor de sua
posição aparentemente com grande facilidade.

O crente ortodoxo está, de uma vez, sob a suspeita de não ter nenhum amor real e nem um espírito Cristão
em seu coração, se ele sustenta o possível dever da imprecação. Sua “Consciência” é uma do tipo modernista e
não realmente Cristã. Mas isso de uma vez levanta a questão de saber que consciência é realmente a “consciência
Cristã”, a do modernista ou a do crente ortodoxo. Agora, a “consciência Cristã” do modernista em nenhum caso
hesita em modificar o Antigo Testamento, nem mesmo as palavras dos Apóstolos, nem — se considerar necessário
— as palavras de Cristo. Por conseguinte, não considera que o mal e o pecado são tão grandes que requerem um
poder realmente autorizado para a sua eliminação. A experiência é tomada como o ponto de partida e teste de toda
a verdade. Mas com essa atitude o modernismo tem perdido o nome de Cristão, desde que Cristo e os Apóstolos
claramente reivindicam autoridade absoluta. Com esta posição, o modernismo também desistiu do teísmo, uma
vez que o teísmo implica o controle absoluto de Deus sobre o mal, cujo controle é destruído caso o Cristianismo
não seja absoluto.

Como crentes Cristãos nós não nos desculpamos por considerarmos o Antigo e o Novo Testamentos como
autoritativo no assunto. Especialmente neste ponto é necessário manter a harmonia essencial de seu ensino. Há
uma certa plausibilidade sobre o argumento de que o Antigo Testamento admitia a imprecação enquanto o Novo
Testamento definitivamente a exclui. As palavras de Jesus no Sermão do Monte, parecem ser contrastadas por Ele
com o Antigo Testamento. No entanto, este não é o caso. Jesus em nenhum lugar contradiz o espírito do Antigo
Testamento. Ele somente rejeita aqueles que interpretaram mal o Antigo Testamento. Jesus, é claro, admite uma
diferença de dispensações. Ele afirma mesmo que Deus atenuou temporariamente o absolutismo de Suas demandas
por causa da dureza dos corações dos crentes do Antigo Testamento. Mas tudo isso não afeta de modo algum a
unidade do princípio entre os dois Testamentos. Além disso, pode haver uma grande diferença na forma de
manifestação por parte da experiência do crente. Devido ao externalismo da dispensação anterior, Deus pôde exigir
de Seu povo que eles matassem os inimigos do Senhor. Devido ao maior internalismo da dispensação do Novo
Testamento Deus não ordenará uma coisa dessas. Matar um inimigo de Deus, mesmo partindo do ponto de que o
Cristão estivesse certo de quem era o verdadeiro inimigo de Deus, seria um pecado na presente dispensação. Mas,
novamente, tudo isso não afeta minimamente a unidade de princípios entre os dois Testamentos. Ou, o que é o
maior mal que pode acontecer a um inimigo de Deus, ser corporalmente morto ou ser lançado na escuridão eternada
qual Jesus tanto fala? Jesus nos diz repetidas vezes que aqueles que não amam a Deus serão excluídos da vida
eterna. Em seguida, Ele Se identifica com Deus e diz que aqueles que não O desejam como rei, não amam a Deus
e devem, portanto, ser separados de Deus. Ora, Ele espera que os Seus próprios devam amar a Deus e a Ele com
todo o seu coração. E se o fizerem, devem ter a mesma atitude para com os ímpios que Deus e Cristo têm para
com os ímpios. Assim, nós encontramos que somente o mais espiritual dos filhos de Deus, o mais completamente
preenchido com o amor de Deus, se atreveu a imitar a Deus e a Cristo totalmente, pronunciando ódio contra os
inimigos de Deus. “Não odeio eu, ó SENHOR, aqueles que te odeiam?” [Salmo 119:21]. A falta de verdadeira
espiritualidade é que não consegue entender o elemento imprecatório nas Escrituras. A hiper-espiritualidade do
modernismo é um bom exemplo da flexibilidade espiritual dos nossos dias. O modernismo é tão “amável” que ele
amaria o próprio Diabo. O modernismo tanto amou o Diabo que o colocou para fora da existência. Não pode haver,
ele pensa, ninguém tão mal; o “Diabo” é apenas um símbolo do mal.

Diante deste hiper-espiritualismo é fácil para os Cristãos suavizarem a sua demanda por espiritualidade.
“Então disse eu: Não me lembrarei dele, e não falarei mais no seu nome” [Jeremias 20:9a]. Tal foi a tentação de
Jeremias. “Mas isso foi no meu coração como fogo ardente, encerrado nos meus ossos, e estou fatigado de sofrer,
e eu não posso mais” (20:9b). Tal foi a vitória do profeta. Cristo e Seus profetas e apóstolos são unânimes em dizer
que o reino de Deus não pode ser estabelecido, a menos que o inimigo seja destruído. Durante a dispensação do
Antigo Testamento, o Senhor separou o Seu povo externamente para que Seu povo soubesse diretamente quem
eram os inimigos do Senhor. Hoje esse não é definitivamente o caso, mas o princípio de que o dia do juízo é um
dia de alegria para o povo de Deus permanece inalterado. 15

15
“Meu Pai trabalha até agora” (João 5:17).
O Quarto Mandamento — O Sabath

1. Observações

O Quarto e o Quinto Mandamentos têm um caráter religioso-ético e, como tal, formam uma transição entre
a Primeira e a Segunda tábuas da lei. O Sabath e a obediência aos pais são de grande importância para a verdadeira
religião e também para a verdadeira moralidade.

Em segundo lugar, descobrimos que o Quarto Mandamento é o único que não encontra ao menos alguma
resposta espontânea no coração do pecador. Achamos pouquíssimo traço de uma semana em sete dias entre os
povos fora do âmbito da revelação especial. Os Babilônios e os Assírios tinham uma semana de sete dias, mas é
significativo que o “Sabatu” dos Babilônios era considerado um “dies ater”, ou seja, um dia sombrio. É verdade,
o dia é chamado de “um nuh libbi”, ou seja, um dia de descanso para o coração, mas Delitzsch interpretou isso
como referindo-se aos deuses, ou seja, era um dia em que os corações dos deuses tinham que ser colocados em
repouso por meio de sacrifício.

É esta circunstância que levou muitos intérpretes a encontrarem no Sabath exclusivamente uma ordenança
da teocracia e não uma ordenança para a humanidade em geral. Por isso, é importante olhar para esta questão da
origem do Sabath, antes de tudo. Mesmo se nos limitarmos ao Domingo Cristão a questão da origem ainda é
importante uma vez que é, então, parte da questão maior saber se o Cristianismo está introduzindo algo
inteiramente novo ou se ele está restaurando uma ordenança da Criação.

Alguns têm defendido que o Sabath foi instituído pela primeira vez no deserto do Sim (Êxodo 16:22-30).
Mas toda a história como aqui relatada pressupõe um conhecimento do Sabath. “Até quando recusareis guardar os
meus mandamentos e as minhas leis?” [Êxodo 16:28]. Isto aponta para uma lei conhecida anteriormente. Em
segundo lugar, as pessoas parecem reunir uma porção dupla de maná sem que seja dito. Em terceiro lugar, quando
alguns desejam procurar o maná no Sabath, Moisés fica irado com deles porque ele sugere que eles deveriam ter
conhecido melhor. Assim, o conhecimento do Sabath é muito mais anterior às ordenanças específicas dadas para
o Sabath judaico.

Assim, de acordo com isso, podemos citar ainda (a) o fato mencionado acima que os babilônios já tinham
um Sabath muito anterior ao exílio, (b) a evidência positiva encontrada em Êxodo 20:8: “Lembra-te”, mas
especialmente em Êxodo 20:11: “Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra” (Êxodo 20:8, 11). Esta última
afirmação parece apontar para Gênesis 2:3-4: “E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou
no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo, e o santificou; porque nele
descansou de toda a sua obra que Deus criara e fizera”. Em Êxodo 31:17 ainda diz que Deus “restaurou-se”.

2. O que é Comandado
O Sabath da Criação

Se, então, o Sabath é uma ordenança da criação, isto por si só lança luz sobre o modo de observância do
Sabath. O homem como uma criatura deve imitar a Deus, seu Criador. Isso é regra geral e aplica-se ao Sabath
também. O próprio Deus não deixou de trabalhar por completo,2 mas deixou o trabalho específico da criação. Ele
Se voltou para o gozo e a bênção do que Ele havia criado.

Se isso fosse sempre cuidadosamente observado dois extremos teriam sido evitados. Há o extremo do
legalismo que superestima o exterior, fazendo dele um fim em vez de um meio. Contra esse extremo legalista, é
bom lembrar que o homem — porque ele consiste de corpo bem como de alma — é certamente chamado a dar
expressão exterior de sua religião, contudo, a relação interna do homem com Deus é sempre a mais importante. A
tentação para o legalismo sempre foi grande desde que o pecador atribui motivos falsos para seus próprios atos.
Ele pensa muito facilmente que se ele fizer apenas o que parece externamente ser a coisa certa a fazer, aquela
relação interna é de menor importância. Por outro lado, há o extremo de um hiper-espiritualismo que deprecia o
valor do exterior completamente. Este hiper-espiritualismo pensa que tem a autoridade de Paulo ao seu lado quando
ele afirma que todos os dias são iguais e é preciso apenas guardar o Sabath em nossos corações. A tentação em
direção a esse hiper-espiritualismo é maior agora do que nunca antes, desde que uma civilização superior, mas
não-Cristã, sempre troca a qualidade ética da espiritualidade pelo status metafísico mais elevado do espírito sobre
a matéria. O Modernismo tem aqui adotado, como em outros lugares, o princípio pagão em vez do princípio
Cristão, substituindo um status metafísico mais elevado por um contraste ético.

Originalmente não havia nenhuma razão para tais extremos. O homem de Deus era equilibrado. Como um
profeta, ele via e enfatizava o interior; como sacerdote, ele trabalhava e destacava o exterior; e como um rei, ele
mantinha os dois em equilíbrio. Desde a entrada do pecado, os homens tentam ser ou profetas ou sacerdotes e,
portanto, não têm sucesso em ser nenhum dos dois.

O Sabath Redentivo

Nós agora vimos que, para uma compreensão correta do Sabath, devemos vê-lo antes de tudo como uma
ordenação da criação. Isso é fundamental. A redenção intenciona restaurar a criação. Portanto, nenhuma ordenança
da redenção pode ser entendida corretamente, a menos que esteja relacionada com a sua equivalente ordenação da
criação. Por outro lado, a redenção também é suplementar à criação. Por isso, é bem possível que haja uma ênfase
especial no sentido redentor de várias ordenanças dadas por Deus. Agora, nas razões dadas a Israel porque o Sabath
deveria ser observado, menção é feita não somente para imitar o exemplo de Deus (ordenação de criação), mas
também sobre a libertação de Israel da casa da escravidão do Egito. “Porque te lembrarás que foste servo na terra
do Egito, e que o Senhor teu Deus te tirou dali com mão forte e braço estendido; por isso o Senhor teu Deus te
ordenou que guardasses o dia de sábado” (Deuteronômio 5:15). Isso introduz o elemento de redenção na medida
em que a libertação do Egito é a primeira expressão típica completa de todo o processo de redenção do homem.
Como consequência, a verdadeira observância do Sabath sempre será caracterizada por referências à obra
redentora que se centra em Cristo. Consequentemente, apenas aqueles que estão em Cristo, ou seja, os crentes da
Antiga e da Nova dispensação, podem realmente observar a ordenança da criação de Deus. Aqui, como em outros
lugares, o verdadeiro Cristianismo é o teísmo vindo a si mesmo. Para que o homem realmente imite a Deus, ele
deve estar em vivo contato com Deus. Assim, o pecador deve reflexivamente virar para o Paraíso passado e
prolepticamente ao Paraíso recuperado, a fim de ver como o Sabath deve ser celebrado. E isso o pecador pode e
fará apenas se ele estiver unido a Cristo. Daí o Sabath também é chamado de sinal entre Yahwéh e Seu povo. Seu
povo deve observar o Sabath “por aliança perpétua” (Êxodo 31:16).

O Sabath Judaico

Tendo primeiro estudado o Sabath como uma ordenação da criação e, logo após conectá-lo com o princípio
de redenção, em geral, agora nos voltamos para as várias formas de observância do Sabath. Nós esperamos que
deva haver fases sob a forma de observância do Sabath, porque existem fases sob a forma do próprio princípio da
redenção. Além disso, também esperamos que — desde que o próprio Cristo é o centro de todo o processo da
redenção — isso mude o modo como a observância do Sabath terá lugar em conformidade com as mudanças da
revelação de Cristo de Si mesmo para o Seu povo.

Quanto ao Sabath judaico, nós conformemente esperamos que haja uma forte ênfase sobre a observância
exterior das ordenanças do Sabath. Havia muitas ordenanças a respeito de exatamente como o Sabath deveria ser
observado. Agora, esta ênfase no exterior não é, como vimos, contra as ordenações da criação, como tal, ainda
assim, há muito mais ênfase no exterior neste estado precoce da redenção do que havia na ordenação de criação.
A razão para isso é, sem dúvida, pedagógica. A redenção entrou a princípio num momento em que a raça humana
na presunção de sua juventude rebelou-se contra o Criador. Devia, portanto, ser domada com freios e rédeas. O
poder de discernimento espiritual — mesmo quando aqui em princípio — era tão pequeno e objetivo que a
revelação se ajustou em conformidade.

Em consonância com uma ênfase no exterior, encontramos uma igual ênfase no negativo. Os pais mais
frequentemente dizem “não” às crianças do que “façam isso”, porque a perversidade de uma criança manifesta-se
diretamente em uma direção destrutiva.

Havia, portanto, um perigo muito grande de tendência ao legalismo nesta fase inicial. Moisés diz aos filhos
de Israel que eles não conseguiram ver o objetivo final das relações religiosas em que eles estavam envolvidos.
Ou seja, eles não compreendiam que o sangue de touros e de bodes não tinham o menor valor em si, mas apenas
apontavam para o sangue do Calvário. No entanto, as pessoas persistiam em pensar que se eles somente vivessem
de acordo com os preceitos da teocracia (e neste caso os preceitos com relação ao Sabath), em um sentido exterior,
tudo estaria bem. Quando esse processo continuou e as pessoas, com o passar do tempo, em vez de obterem
conhecimento espiritual mais profundo fixaram os olhos cada vez mais sobre o exterior, é que surgiu aquele
estranho conglomerado de equívoca seriedade moral e espiritual, que chamamos de farisaísmo.

Finalmente, há um ponto de importância específica a ser observado em relação ao Sabath judaico. Ele é
muitas vezes apresentado apenas como típico do Sabath do Novo Testamento. No entanto, este não é o caso. O
período do Antigo Testamento é uma subdivisão de toda a história da redenção. Assim, as características comuns
de toda a história da redenção vêm à expressão aqui. Ora, é uma característica comum de todo Sabath redentivo
que seja uma reminiscência do Sabath do Paraíso perdido e também que seja profético do Paraíso restaurado.
Conclui-se, então, que o Sabath judaico prenuncia, mesmo que indiretamente, o Sabath eterno que resta para todo
“o povo de Deus”. A diferença entre o Sabath do Antigo e Novo Testamentos a este respeito é que o Sabath do
Antigo Testamento prefigura ambos, o Novo Testamento e Sabath eterno, enquanto o Novo Testamento prenuncia
apenas o Sabath eterno. Além disso, o elemento típico, por ser mais abundante e por que aparece numa fase mais
precoce da revelação, será expresso mais exteriormente. E esses princípios nós encontraremos ser importantes para
a determinação do significado de Sabath do Novo Testamento também.

Jesus e o Sabath

Já observamos que desde que Cristo é o centro de todo o processo de redenção, o modo de observância do
Sabath, naturalmente, será determinado por Seus atos e por Suas palavras.

Visto que Cristo assumiu a verdadeira natureza humana, Ele também observou o Sabath como uma
ordenança da Criação. Além disso, dado que, segundo a carne, Ele nasceu da nação judaica, Ele observou o Sabath
judaico. No entanto, Ele procurou restaurar e desenvolver uma compreensão espiritual no meio da dispensação
exterior do Antigo Testamento. Contra os fariseus, portanto, Ele afirmou que o Sabath era para o homem e não o
homem para o Sabath.

Enquanto isso, Ele tinha consigo a consciência de Seu lugar único no que diz respeito ao Sabath, bem como
o Seu lugar único no que diz respeito a todas as ordenanças redentivas. Ele sabia que Sua obra consumada
inauguraria uma nova era na história da redenção e, portanto, no modo da observância do Sabath. Assim sendo,
Ele começou a dar vislumbres deste Seu lugar único no que diz respeito ao Sabath. Jesus curou muito no sábado.
Às vezes, Ele parece desnecessariamente ofender os fariseus. Não se pode dizer no caso de todas as curas sabáticas
realizadas por Jesus que elas não poderiam ter esperado até o dia seguinte. Não é somente a prioridade do homem
sobre o Sabath, mas a superioridade do Filho do homem com relação ao Sabath, que devem ser consideradas para
explicar essas curas como podendo facilmente ter esperado um dia. “Porque o Filho do homem até do sábado é
Senhor” (Mateus 12:8; Marcos 2:28, Lucas 6:5).

Jesus, com certeza, não deu instruções para uma mudança em relação ao dia a ser observado. Mas isso é de
pouca importância. Jesus não deu instruções sobre muitas coisas que, no entanto, intencionou que os Seus
seguidores fizessem. É o fato de Sua obra consumada que é de importância. Quanto à instrução sobre o significado
dos fatos, esta seria dada pelo Espírito Santo prometido por Cristo à Sua Igreja.

O Dia do Senhor Cristão


Com a ressurreição de Cristo, Ele mesmo e o Seu povo entraram na realidade do descanso prefigurado no
Antigo Testamento. Não que a plenitude do grau daquele descanso já esteja inaugurada. Isso não acontecerá até
depois do Dia do Julgamento. Disso segue-se o Cristão Dia do Senhor ainda continua típico. Mas o típico é menos
exterior, menos futurista, mais interno. A realidade já está conosco desde que já estamos “nos lugares celestiais”
(Efésios 2:6).

A transição a partir do último para o primeiro dia da semana foi realizada gradualmente. Jesus
aparentemente desejava que Seus seguidores, momentaneamente, ainda observassem o Sabath judaico: “Orai para
que vossa fuga não se dê no inverno, nem no sábado” (Mateus 24:20). Ainda assim, nós poderíamos hoje agir de
forma contrária ao espírito de Cristo se procurássemos reintroduzir o Sabath judaico na questão do tempo e na
questão do modo de observância. Fazê-lo seria negar que pela ressurreição de Cristo, Ele inaugurou a verdadeira
redenção da obra do pecado.

O último dia da semana foi substituído pelo primeiro conforme o significado espiritual da ressurreição
começava a ser mais plenamente compreendido. O primeiro dia da semana foi o dia da ressurreição. Uma
compreensão mais espiritual da obra de Cristo permitiu aos apóstolos verem o significado da ressurreição. A
próprias aparições de Jesus no “primeiro dia da semana” ajudaram a fixar a atenção neste dia. Os primeiros crentes
começaram a se reunir no primeiro dia da semana (Atos 20:7). Em 1 Coríntios 16:2, Paulo ordena que os Cristãos
pusessem de parte o que pudessem ajuntar, conforme a sua prosperidade, em todo primeiro dia da semana.
Novamente em Apocalipse 1:10, João diz que ele estava em Espírito no dia do Senhor (Apocalipse 1:10). Thelop.
Brabourne é citado como dizendo: “Ai dos pastores que tentam provar a partir destes textos”. Agora, não temos
nenhum desejo de provar todo o assunto a partir desses textos, mas apenas nos referimos a eles como comprovando
o significado da ressurreição. O verdadeiro argumento para a mudança do dia é o fato da ressurreição no seu
significado redentivo.

Em corroboração podemos apontar para o argumento de Paulo contra os judaizantes. 16 Alguns tentaram
deduzir a partir de tais passagens em que Paulo queria dizer que não havia nenhuma distinção entre quaisquer dias.
Isto seria contrário ao seu ensino geral e prático, em que ele constantemente separou o primeiro dia da semana
como o “Dia do Senhor”. Além disso, o apóstolo está, definitivamente, argumentando contra judaizantes. Se os
judaizantes prosseguissem, eles reintroduziriam todo o esquema do Antigo Testamento. Não fazer isso não seria
um inocente descompasso com a atualidade, um obscurantismo inofensivo. Seria impossível restabelecer o
judaísmo. O judaísmo reestabelecido seria paganismo. Isso implicava em uma negação do significado redentor
dos fatos mais centrais da obra de Cristo. Assim, o descanso sabático não é uma fantasia inofensiva. É inofensiva
na medida em que é inconsistente. Se consistente, ele substitui o todo do judaísmo por Cristianismo. Agora, no
tempo de transição, a consistência desse princípio ainda não era totalmente compreendida. Consequentemente,
descobrimos que Paulo não milita contra o Sabath 17 em vez da observância do Domingo, sendo que isso não

16
“Guardais dias, e meses, e tempos, e anos” (Gálatas 4:9-11). “Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo
beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados” (Colossenses 2:16).
17
Muitas vezes ele pregou no dia de Sabath.
levasse a mais nada. Somente quando junto com a observância do Sabath é que o conjunto do judaísmo procurava
reestabelecer-se, e ele o atacava duramente.

Lentamente, ao longo dos séculos, o princípio espiritual foi entendido. Em Tomás de Aquino, temos talvez
um ponto alto do desenvolvimento. Os reformadores em seu zelo contra o externalismo de Roma muitas vezes
desviaram-se para o outro extremo. Entre eles, os Anabatistas consideravam desnecessário observar o Sabath, em
qualquer sentido especial. Em reação a isso, Bound publicou um tratado sobre o Sabath em 1595, que inaugurou
a Sabath Puritano com a sua grande ênfase na guarda exterior do Sabath. Assim, a história das controvérsias sobre
o Sabath mais uma vez provou que é fácil cair em extremos. O perigo do Anabatismo por um lado, e o perigo do
farisaísmo, do outro, sempre cercaram a igreja. A partir desses perigos, nós podemos, em grande medida, ser
mantidos livres se reconhecermos em primeiro lugar que o Sabath é uma instituição baseada em uma ordenação
da criação. Deste modo, estamos sendo “imitadores de Deus” e como Ele, “descansamos” de nossos labores. Em
segundo lugar, a guarda interna do Sabath é de importância primordial.

Devemos nos retirar de todo o tipo de trabalho e distração que nos impediria de fixar os nossos corações
em Deus e Cristo, em privado ou em culto público. Nenhuma quantidade de detalhada observância exterior pode
alguma vez substituir este Sabath da guarda interior. Daí, também, uma vez que Deus fez a alma e o corpo do
homem, e corpo e a alma têm as suas necessidades, é bom notar que o Sabath “Puritano” não é necessariamente o
melhor Sabath. Devemos participar de exercícios espirituais no dia de Sabath, mas não podemos nos envolver em
exercícios espirituais a menos que estejamos fisicamente aptos. Em terceiro lugar, a guarda exterior do Sabath não
é uma questão de indiferença. Participar em exercícios espirituais pressupõe uma atmosfera livre de perturbações.
Se perturbamos a atmosfera do Sabath pecamos contra nós mesmos e talvez contra os nossos próximos. 18

18
Não discutiremos separadamente o que é proibido no Quarto Mandamento, uma vez que isso foi abordado
constantemente na discussão sobre o que é ordenado.
O Quinto Mandamento — Autoridade

1. Observações

Nós já falamos sobre a promessa e a ameaça como relacionadas com a lei quando discutimos o Segundo
Mandamento. A razão para observar isso aqui é que Paulo nos diz em Efésios 6:3 que este Quinto Mandamento é
“o primeiro mandamento com promessa”. Se isso não conflitar com o fato de que promessas e ameaças são
vinculadas ao Segundo Mandamento, devemos concluir que no Quinto Mandamento a promessa está ligada a esse
Mandamento particular, enquanto que no caso do Segundo a ameaça prometida incluía toda a lei.

Quanto ao conteúdo da promessa, nós podemos observar que não pode significar que cada indivíduo que
honra seus pais viverá por muito tempo. Nem isso é intencionado mesmo durante o tempo do Antigo Testamento.
Se assim fosse, os fatos teriam mostrado que a promessa é falsa muitas vezes. Isso significa que a nação cujos
cidadãos respeitam os pais e idosos, em geral, pode esperar permanecer por longos dias.

2. O que é Comandado

Para entender O que é Comandado, nós devemos notar de imediato que o Quinto Mandamento não se limita
à vida familiar, mas envolve a questão geral da autoridade onde quer que apareça. A família é a unidade a partir
da qual a sociedade é construída, e por esta razão é mencionada e não a sociedade e o Estado. Mas isso não nos
permitem concluir que as Escrituras não nos fornecem nenhuma base para a ética social.

Mesmo se não tivéssemos mandamentos específicos no que diz respeito à vida social ainda teríamos uma
base para a ética social na doutrina bíblica de Deus. É a doutrina teísta de Deus, conforme estabelecida na Bíblia
que fornece a base para toda a autoridade. Nós ousamos dizer que apenas sobre essa base existe alguma autoridade
entre os homens em qualquer lugar. Sem a concepção teísta de Deus todas as leis da natureza e da moral que
apareceriam em um mero universo do acaso. Então, não há razão para que um ser humano exerça qualquer
autoridade sobre outro. O acidente de circunstância favorável, maior força, capacidade superior etc., não são em
si nenhuma justificação para qualquer ser humano exercer autoridade sobre qualquer outro. Por outro lado, isto é
possível dada a concepção teísta Cristã de um Deus que é Ele mesmo a fonte da lei e autoridade entre os homens.
E até mesmo a natureza da autoridade é assim estabelecida. Falamos muitas vezes de autoridade moral. Por isso,
queremos dizer que alguém tem pela capacidade e esforço alcançado uma posição na sociedade que faz com que
os outros considerem a sua opinião como relevante. Então, um médico tem autoridade. Mas não é isso que é
devidamente entendido como autoridade. Por autoridade, no sentido próprio do termo, intenciona-se que alguém,
em nome de Deus, deve requerer obediência de outros a certas leis de Deus. Aqueles que exigem obediência são
servos de Deus. Eles não têm autoridade em si mesmos. Nem é a sua autoridade diretamente delegada a eles por
outras pessoas. Se for delegado a eles por outras pessoas é porque essas pessoas são os próprios agentes adequados
de Deus para delegar autoridade. Em qualquer caso, toda a autoridade entre os homens é delegada aos homens por
Deus. Sempre que alguém deixa de reconhecer isso, ele usurpa a autoridade.
Se ele ainda é obedecido por outros, pode ser que esses outros olhem para além dele, para Deus e o
obedeçam por amor de Deus somente.

A. A Família

Com a concepção teísta geral sobre autoridade como um plano de fundo, não nos admiraremos que a
concepção Cristã de família seja bastante diferente da concepção do não-Cristão. Não estamos agora discutindo o
casamento. Uma discussão sobre o casamento ocorre na exposição do Sétimo Mandamento. Aqui nós somente
falamos sobre autoridade. Mas, temos que falar de autoridade na família em primeiro lugar e, portanto, da própria
família. Se a família tivesse se originado gradualmente à medida em que o homem saiu do estágio não-moral da
existência não poderia haver nenhuma autoridade propriamente dita. Ou, aceito que houvesse uma aparência de
autoridade dos pais sobre os filhos, não haveria ao menos nenhuma razão em absoluto para falar da autoridade do
homem sobre a mulher. O feminismo moderno está certo se o antiteísmo estiver certo. Que o homem é mais forte
do que mulher, etc., em si, não justifica a autoridade. No fundamento teísta, não existe tal coisa como uma lei da
natureza à parte de Deus. Paulo fala sobre a natureza nos ensinando certas coisas, mas ele concebe as leis da
natureza como sendo expressivas da vontade do Deus da natureza.

No fundamento teísta, por outro lado, é preciso prefaciar uma discussão da autoridade parental com uma
discussão sobre a autoridade do marido. A lei da natureza nos ensina a autoridade do marido. A família precisa de
autoridade a fim de cumprir a sua finalidade. Deve haver unidade e harmonia e essa harmonia encontra sua
expressão final no marido. A história da criação de Eva é introduzida por dizer que ela deve ser uma companheira
para o homem. É com referência a isso que Paulo fala em 1 Timóteo 2:13, que Adão foi criado primeiro.

Não há nada de degradante para a mulher neste arranjo. O lugar que Deus nos designou é sempre o mais
honrado. Também não haveria qualquer conflito sobre o assunto, se não fosse o pecado. Foi como um castigo pelo
seu pecado que Deus falou para Eva que o relacionamento natural se tornaria anormal de modo que a autoridade
do homem viria a ser, realmente, despotismo (Gênesis 3:16). É em Cristo que a verdadeira relação é restaurada em
princípio. 19 “Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja...” (Efésios 5:23),
aqui Paulo indica quão santa é a questão da autoridade. Ninguém pode ousar brincar com a autoridade que é
diretamente comparada com a santa autoridade de Cristo sobre a Sua igreja. Por outro lado, ninguém pode ousar
abusar de tal autoridade uma vez que ele realmente a possui apenas enquanto a exerce no espírito de Cristo. Se os
maridos amam as suas esposas como Cristo ama a Sua igreja, a sua autoridade nunca pode parecer um fardo
pesado. Se existe amor verdadeiro, o marido considerará a esposa como “o vaso mais fraco”, e a considerará como
uma “esposa crente” [1 Coríntios 9:5], a fim de que as orações comuns “não sejam impedidas” (1 Pedro 3:7; Tito
2:3-5).

Estas questões não são um motivo de frivolidade. A sociedade está sofrendo seriamente com a negligência
das ordenanças da criação de Deus. O pecado operou estragos em todas as fases da existência humana. É

19
As seções de Efésios 5 e 6, bem como Colossenses 3, são importantes.
especialmente necessário — num caso deste tipo em que os Cristãos são tão facilmente levados a seguir os
conselhos da conveniência e as teorias da psicologia que soam plausíveis — que guiemos a nossa conduta pela
Palavra de Deus. A conduta assim guiada, a longo prazo, será a mais conveniente.

Quanto à autoridade parental, o ensino da natureza é ainda mais simples do que no caso da autoridade do
marido. A relação pai-filho é uma relação natural e não uma relação voluntária. Mas mesmo isso, por si só, não
estabeleceria a autoridade dos pais. Se não fosse que os pais têm autoridade delegada a eles por Deus, eles não
teriam nenhuma autoridade. Os pais não têm apenas uma autoridade moral, pelo simples fato deles serem mais
avançados em idade e conhecimento, no entanto, eles têm autoridade no sentido de que eles devem exigir
obediência. No caso das crianças pequenas isso pode ter que parecer arbitrário. Uma criança deve obedecer porque
o pai diz que deve, mesmo se ela não consiga entender as razões para determinadas ações. É a tarefa santa dos pais
cultivarem no coração dos seus filhos o respeito pela autoridade. Portanto, se eles não conseguem exigir obediência
a si mesmos, eles destroem já no início o que devem procurar construir. O mais rapidamente possível o pai terá
que apontar a criança para a última fonte de autoridade; heteronomia deve conduzir a teonomia, a menos que
conduza à autonomia. Pais e mães indulgentes pensam que estão apenas sendo gentis, quando na realidade eles
minam a família, a sociedade e ofendem ao Deus todo-poderoso.

Em correspondência à demanda dos pais, o filho deve, de sua parte, obedecer. Mas Paulo nos diz que, por
vezes, as crianças podem ser “a-storge”, ou seja, sem “afeição natural”. Acrescente-se que os pais parecem
frequentemente ser pouco mais do que animais irracionais e o que poderia parecer à primeira vista ser uma
consequência natural torna-se imediatamente uma questão moral. Apenas enquanto os pais realmente fazem a sua
parte, pode-se esperar que os filhos farão a deles. A parte dos filhos é respeitar, obedecer e mostrar gratidão.
Mesmo quando os pais parecem merecer o mal, os filhos não são isentos da obediência uma vez que os pais têm o
seu lugar atribuído a eles por Deus. A menos que se trate de um caso de obedecer a vontade de Deus em vez da
vontade dos homens, os filhos estão desobedecendo a Deus caso eles desobedeçam aos seus pais.

Pode-se notar, de passagem, que a melhor pedagogia atual está começando mais uma vez a reconhecer o
valor do ponto de vista Bíblico sobre este assunto. E. Hocking em seu “Human Nature and its Remaking” [Natureza
Humana e Sua Restauração] milita contra a teoria superficial da pedagogia tão prevalente há alguns anos, a saber,
que se deve ensinar à criança sobre algo com autoridade, sem toda a religião. Hocking percebe que sem que se
ensine a uma criança algo positivo que deve ser aceito como a verdade, a vontade da criança não será realmente
desenvolvida. Em vez de se tornar uma personalidade forte, e capaz de fazer escolhas responsáveis, o indivíduo
acaba por ser uma cana agitada para cá e para lá por todo vento de doutrina.

B. Autoridade Social

Chegando agora à questão da autoridade na sociedade, nós incluímos no termo sociedade todas as relações
humanas que ocorrem para além da vida da família. Mas, nós podemos dividir isso em três subdivisões: (a) a
própria sociedade, (b) o Estado, e (c) a Igreja. Agora, existem Cristãos que estão prontos para admitir que há tal
coisa como autoridade no Estado e na Igreja, mas não veem que precisamos de autoridade, também na esfera da
sociedade. Que nós precisamos de autoridade na sociedade será facilmente compreendido quando nós percebemos
que toda a vida humana deve ser regulada pelas leis de Deus. Onde quer que, então, as verdadeiras leis aparecem,
ou seja, leis que são realmente naturais e, portanto, criações de Deus, elas têm autoridade em relação a nós.

Agora podemos imaginar por nós mesmos o que, mais ou menos, o desenvolvimento da raça humana teria
sido caso o pecado não tivesse entrado no mundo. A vida em família seria expandida para a vida em grupo. Assim,
a organização teria se tornado mais e mais complexa. E neste organismo complexo a unidade de propósito
necessário para a tarefa comum de subjugar o mundo exigiria um exercício expandido de autoridade. Assim, a
autoridade na sociedade seria algo natural.

A especialização devido à maior complexidade da sociedade e devido a diferentes adaptabilidades também


seria introduzida. Portanto, haveria o que hoje chamamos de autoridade moral, bem como a própria autoridade.

Mas, agora, nós não podemos apenas imaginar o que a sociedade seria. O pecado entrou no mundo e,
portanto, também na vida social. É isso que trouxe abuso e usurpação da autoridade na sociedade em geral.
Despotismo por um lado e revolução, por outro, têm sido a ordem do dia. Foi apenas devido à aliança de Deus
com a terra e seus habitantes, ou seja, a aliança Divina de graça comum que impediu a destruição total da sociedade
da terra. Em Gênesis 6 nos é dito que a imaginação do coração do homem é má continuamente. Por conseguinte,
Deus deve destruir a sociedade. Mas se Deus assim o fizesse, isso implicaria na frustração de Seu próprio propósito.
Por isso nos é dito em Gênesis 8 que, embora o coração do homem continuou mau mesmo depois de grandes
castigos, Deus não mais considerou o coração do homem, mas a Sua própria aliança em seu lugar. Ele, assim, pôs
o arco nas nuvens. Sua premissa fez com que Deus, apesar do pecado do homem, continuasse a existência da
sociedade.

Porém, como um meio para a continuidade da sociedade Deus teve que fazer uma revelação manifesta
externamente de Sua autoridade, pois sem autoridade o homem não poderia viver por um instante e o olho do
homem se tornaria muito obscurecido pelo pecado para ver a autoridade natural. Deste modo, na sociedade Deus
levanta certos defensores da Sua autoridade. O estado é um dom da graça comum de Deus. O estado não tem
autoridade de si mesmo. Nem é tal autoridade investida no “povo livre”. Nenhum ser humano tem qualquer
autoridade pelo fato do homem ser uma criatura de Deus. Mas como uma criatura de Deus pode e deve como um
servo de Deus delegar autoridade Divina a fim de que a sociedade possa progredir ordenadamente.
Consequentemente, o negócio principal do Estado é prevenir a usurpação da autoridade por qualquer indivíduo ou
grupo sobre outro indivíduo ou grupo. O paternalismo é o pecado habitual dos governos modernos, bem como dos
antigos. Um exemplo triste da tentativa de paternalismo por voto popular foram os esforços recentes em Michigan
e Oregon para roubar os pais de seu santo direito e dever de educar os seus filhos de acordo com os ditames de sua
consciência. É muito fácil para o humanismo usar a religião para alcançar a arma do paternalismo no governo, a
fim de infligir maior mal do que a perseguição medieval em nome do esclarecimento e da cultura.

Praticar o abuso é fácil, é fácil por parte do governo. É mais fácil ainda mais por parte dos governados. O
princípio da autoridade exige que sejamos obedientes ao governo porque “quem resiste à potestade resiste à
ordenação de Deus”; “não há potestade que não venha de Deus” (Romanos 13:2). E isso é verdade mesmo se o
próprio governo não está totalmente consciente desse fato e muitas vezes possa abusar de seu poder. A revolução
pode ser um dever sagrado, mas tem sido mais frequentemente um sacrilégio. A Revolução Francesa proclamou
abertamente que não queria nem Senhor, nem mestre. Pode-se notar que em tais lugares e em tais ocasiões, as
nações que têm mais de perto aderido às ordenanças de Deus, prosperaram mais.

Outrossim, era necessário que Deus, a fim de cumprir o Seu propósito com a raça humana, não somente
mantivesse a sua existência por Seu pacto da graça comum, mas que a conduzisse ao Seu propósito por Seu pacto
de graça especial. A existência de uma raça humana que pecou contra o Seu criador não teria nenhum sentido a
menos que esta raça fosse levada ao seu objetivo. E a graça comum não era suficiente para liderar a raça ao seu
objetivo. Ela não mudou radicalmente o coração do homem. Além disso, na natureza do caso, ela foi uma medida
temporária apontando além de si para o seu pleno significado. A graça comum encontra a plena justificação de sua
existência na graça especial. O mundo existe para os crentes. Eles são o sal e a luz da terra. Somente aqueles que
estão em Cristo plena e realmente reconhecem a autoridade de Deus. Daí segue-se que no corpo de crentes a
verdadeira sociedade evidencia-se mais uma vez, mesmo que seja apenas em princípio. Cristo já é Rei das nações,
estejam elas dispostos a reconhecê-lO ou não. É, portanto, o negócio da igreja sustentar estritamente a autoridade
de Cristo dentro de suas fronteiras e pregar o verdadeiro conceito de autoridade para a sociedade em geral.

Agora, nós temos falado do Estado como uma instituição da graça comum de Deus, e da Igreja como uma
instituição da graça especial de Deus e procuramos, assim, relacioná-los com e dar-lhes um lugar dentro de uma
concepção bíblica e teísta da sociedade humana em geral. Resta agora a sociedade no sentido mais estrito do termo,
ou seja, a sociedade distinta da Igreja e do Estado. Nós já vimos que também aqui é necessário existir autoridade,
já que toda a lei é de Deus. No entanto, existe uma diferença na maneira como a autoridade opera. No Estado, ela
opera, necessariamente, por meio da espada. Na Igreja, opera através da Palavra. Mas na sociedade, ela opera pela
natureza. Estas distinções não são absolutas, mas, pelo menos, são em grande parte verdade. Não há na sociedade
nenhum poder convincente dado aos indivíduos definido pelo que eles podem e devem exercer autoridade sobre
os outros. Nem o funcionamento da sociedade como tal cai imediatamente dentro do reino da graça especial. Mas
a natureza nos diz que a sociedade se torna mais complexa enquanto o tempo avança. Consequentemente, o
desenvolvimento complexo do uso do capital é apenas um exemplo, que necessariamente resultará. Além disso,
existem várias capacidades dadas a vários homens individuais. Assim, as ideias do socialismo que procuram
nivelar por baixo todas as diferenças entre os homens são contrárias à natureza e, portanto, ao Deus da natureza.
É em relação ao abuso que o capital faz de seu poder que deve o motivo de um protesto, e talvez, de uma tomada
de uma atitude. Não há dúvida de que se o capital e o trabalho fossem mais teístas em suas atitudes, o conflito
entre eles diminuiria. É o cultivo de uma atitude genuinamente teísta na sociedade, que é oficialmente o negócio
não só da igreja, mas também das pessoas Cristãs como um organismo. Realmente, Cristãos de todos os estratos
da sociedade devem buscar um contato mais íntimo, e, na medida do possível, efetivar uma organização.

Nós podemos notar como a concepção de sociedade, Estado e Igreja conforme apresentados acima difere
radicalmente da concepção de Platão e de todos os outros escritores não-teístas. Escritores antiteístas não admitem
graça especial ou mesmo graça comum. Para eles, o pecado não é algo que tenha entrado na sociedade pela
desobediência do homem. Em vez disso, o pecado é nada mais do que um mal inerente inevitavelmente presente
em uma raça em desenvolvimento. Por conseguinte, o Estado e a Igreja são considerados como não mais do que
esforços por parte da raça em desenvolvimento para superar alguns de seus males. E segue-se daí que não há lugar
para a percepção de que em cada esfera a autoridade vem de Deus. Certo é certo. É uma questão negar as coisas
em um universo que ocorre ser o que é. Não maravilha que, em tal caso, há abuso de poder e falta de obediência.
É somente a Divina graça comum que permite que os homens, em qualquer sentido, exerçam corretamente a
autoridade e prestem alguma medida de obediência. O povo Cristão, portanto, não se manterá afastado de todo e
qualquer movimento na sociedade ou no estado que possa de alguma forma aumentar o exercício da autoridade e
da atitude verdadeiramente teísta de obediência. Por outro lado, eles permanecerão sem temor “do outro-mundano”
no sentido em que eles não esperam que a genuína autoridade e obediência ocorram na terra até que os reinos deste
mundo sejam dados Àquele que tem o direito de governar.
O Sexto Mandamento — Vida Humana

Se nós não limitarmos o significado deste Mandamento por um falso literalismo, mas buscarmos
compreender seu significado espiritual, podemos dizer que o que é ordenado é respeitar, preservar e desenvolver
a vida humana. Matar, ou como diz o original, interromper a vida humana, nada é senão a forma mais extrema de
um curso oposto àquele que respeita, preserva e desenvolve a vida humana. Podemos subdividir a discussão
naquela que lida com o respeito, preservação e desenvolvimento do indivíduo, e naquela que trata com o respeito,
a preservação e o desenvolvimento da sociedade, ou melhor, o que fala sobre nós mesmos e a que fala sobre nossos
próximos.

A. A Que é Comandado Para o Eu

O mandamento refere-se à vida humana. Não é admissível lidar rudemente com a vida das plantas e
especialmente animais. No entanto, as plantas e os animais são indicados para o uso do homem. Daí a sua vida
deve ser tomada. Mesmo a vivissecção nem sempre precisa ser errada. Se isso for feito no interesse de aliviar o
sofrimento do homem, pode ser desejável. Mas isso de passagem.

É mais importante notar que o Mandamento não tem limite quando aplicado à vida humana. É, por vezes,
pensado que somos, no mínimo, os mestres de nossa própria vida, se não da de outros. Mas este não é exatamente
o caso. Nós não temos mais direito de lidar com a nossa própria vida como queremos, do que temos de lidar com
a vida dos outros como quisermos. A vida humana pertence a Deus. Ele é o seu criador. Quando alguém dispõe da
vida humana de alguém, tal ato rouba a propriedade de Deus.

Além disso, tal ato roubaria a propriedade mais valiosa de Deus. Deus criou o homem à Sua imagem. Ele
tem ricamente dotado o homem com capacidades para que renda louvor a Deus. Seja o que for que o mundo diga
com relação ao valor do homem, é nada em comparação a simples declaração “criado à imagem de Deus”. É
impossível vestir o homem com alguma dignidade superior. Aqueles que não defendem a criação deste universo
por Deus, têm alternado na sua acusação contra a teologia ortodoxa, entre dizer que isso injustificavelmente eleva
o homem a uma posição de privilégio, ou indevidamente o diminui à posição de um pecador sem valor. E,
claramente, não é de admirar que o pensamento antiteísta seja tão inconsistente. Ele sempre embaralha metafísica
e ética. Estamos falando aqui da metafísica principalmente. Sustentando que o homem é criado à imagem de Deus,
o teísmo tem uma concepção mais elevada da dignidade inerente do homem do que antiteísmo jamais poderia ter.

Muitas vezes, é admitido, mesmo por aqueles avessos à doutrina da criação, que o Cristianismo introduziu
a ideia do valor inerente da personalidade humana. Agora, na medida em que é verdade que o Cristianismo
representa o valor da personalidade como tal, ele não introduziu, mas reintroduziu. Aqui, como em outros lugares,
o Cristianismo tem sido restaurador de um teísmo original. A doutrina da criação é o próprio pressuposto da obra
de Cristo. Ele veio para devolver ao homem a imagem de Deus em plenitude (Colossenses 3:10; Efésios 4:24).
Enquanto isso, devemos observar que até mesmo o pecado não apaga a imagem de Deus no homem
inteiramente. 20 O homem permanece, mesmo como um pecador, portador da imagem de Deus no sentido mais
amplo do termo. Por cauda disso permanece o fato de que o homem, sempre que o encontramos, é o portador da
imagem de Deus que torna a vida humana por si sacrossanta.

É este fato que nos permite respeitar a vida humana em geral. É este fato que nos permite respeitar-nos. É
este fato que faz do autorrespeito um direito humano. Devemos respeitar a nós mesmos, porque não somos de nós
mesmos.

Mas o fato de que a imagem de Deus no homem é o único objeto possível de respeito por ele, envolve o
fato de que somente um Cristão pode realmente respeitar a vida humana, de modo geral, e apenas um Cristão
entende perfeitamente o que significa ter autorrespeito. O autorrespeito Cristão é o único verdadeiro autorrespeito
humano. Apenas um Cristão realmente reconhece a imagem de Deus no homem. Ele, além disso, se alegra com o
fato de que por meio de Cristo aquela imagem de Deus foi restaurada para ele no sentido mais estrito, ou seja, que
mais uma vez ele tem verdadeiro conhecimento, justiça e santidade. Todo Cristão, mesmo aquele da menor posição
social possível carrega em seu seio a consciência de ser um real portador da imagem de Deus.

Assim, o instinto natural de autopreservação é moralizado. Paulo reconhece que “nenhum homem jamais
odiou a própria carne”, como algo que é verdadeiramente humano. No entanto, ele logo acrescenta: “antes a
alimenta e sustenta, como também Cristo à Igreja” (Efésios 5:29). Assim, até mesmo a vida corpórea é trazida em
conexão direta com a obra de Cristo. E isso é compatível com o ensino geral de Paulo de que o corpo é o templo
do Espírito Santo. Encontramos, então, que o autorrespeito Cristão é o único verdadeiro autorrespeito humano e
que esse autorrespeito é o reconhecimento da imagem de Deus em nós mesmos. Nós amamos a nós mesmos por
causa de Deus.

Um ponto de importância, neste contexto, é notar que o genuíno autorrespeito não pode existir, exceto que
uma verdadeira humildade também esteja presente. E esta verdadeira humildade não é tanto um reconhecimento
do fato de que o homem é um pequeno pontinho em um grande universo. O materialismo grosseiro tem defendido
uma tal falsa humildade. Mas um verdadeiro teísmo reconhece a prioridade do Espírito sobre a matéria. A
verdadeira humildade é o reconhecimento do fato de que o homem maculou a imagem de Deus e que ele é,
portanto, eticamente indigno do amor de Deus. É esta consideração que faz com que o profeta Isaías diga: “Deixai-
vos do homem cujo fôlego está nas suas narinas; pois em que se deve ele estimar?” (Isaías 2:22). É isso que o faz
anunciar as palavras de Yahwéh: “Num alto e santo lugar habito; como também com o contrito e abatido de
espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e para vivificar o coração dos contritos” (Isaías 57:15). Assim,
vemos que para uma concepção verdadeiramente bíblica sobre o homem, devemos ter em mente estes fatores: a
sua dignidade original como uma criatura de Deus, a sua deflexão ética de Deus, e sua restauração para Deus em
Cristo.

Quando um Cristão reconhece plenamente esses elementos, ele é salvo dos dois extremos: da
autoglorificação e da auto-humilhação. Não que o verdadeiro autorrespeito seja uma posição a meio caminho entre

20
Veja o Segundo Mandamento.
eles. O verdadeiro autorrespeito, como vimos, se baseia em um fundamento teísta. Por outro lado, a
autoglorificação e a auto-humilhação são construídos sobre uma base antiteísta. Quando o homem não reconhece
a Deus como seu Criador, ele naturalmente entrará em orgulho quando as circunstâncias são favoráveis ou ele
voltar-se-á para um pessimismo cósmico e individual se as circunstâncias são desfavoráveis. A forma mais extrema
de um é a autodeificação, e a forma mais extrema do outro é o suicídio.

Naturalmente, a loucura absoluta de ambos é patente, ainda que admitíssemos que não-teísmo é verdade.
O homem, certamente, não trouxe a si mesmo ou o universo à existência. Ele não é derivado de nada mais, senão
de Deus. Daí, que a sua autodeificação nunca pode ser mais do que autoengano e por seu suicídio o homem não
pode remover o que ele não produziu. Mas de qualquer forma, o homem não se sente responsável diante de Deus
quando se torna um antiteísta e, portanto, pode livremente fazer a tentativa de remover sua vida. Não é estarrecedor,
então, que haja tantos suicídios, mas é de se maravilhar que haja tão poucos. A única maneira pela qual podemos
explicar o fato de que há tão poucos suicídios é que Deus tem, pela Sua graça comum, suficientemente restringido
a loucura do pecado no homem a ponto de fazê-lo sentir algo de suas limitações e deveres enquanto está na terra.
Sócrates disse que não temos o direito de procurar escapar da posição aonde os deuses nos colocaram.

Um cuidado deve ser inserido aqui no que diz respeito à questão do suicídio. Temos dito que um Cristão se
absterá do suicídio. Ao dizer isso nós assumimos, no entanto, que o Cristão sabia o que estava fazendo. Mas pode
haver momentos de insanidade temporária. Por isso, nós não podemos julgar, mas deixar o julgamento para Deus.
Estamos interessados no princípio da questão e este princípio é bastante claro. Há cinco casos registrados de
suicídio no Antigo Testamento: Abimeleque tirou a sua vida para evitar a vergonha de ter sido morto por uma
mulher (Juízes 9:54); Saul e seu escudeiro cometeram suicídio para escapar de serem mortos pelos filisteus (1
Samuel 31:4); Aitofel fez a mesma coisa quando seu conselho foi rejeitado (2 Samuel 17:23) e Zinri queimou o
palácio em que vivia e morreu quando Onri capturou a cidade de Tirza (1 Reis 16:18). Agora, as Escrituras não
condenam em tantas palavras estes atos. Elas simplesmente as registram como fatos, assim como eles fizeram
muitas obras que eram más. Por conseguinte, os suicídios registrados da Escritura não afetam o seu ensinamento
claro que o homem pertence a Deus e, portanto, não pode tirar a sua própria vida. Os pagãos viram vagamente que
o homem é colocado numa posição de responsabilidade neste mundo. Eles sentiram que seria covardia procurar
fugir disso. No entanto, eles conceberam situações em que o vitae taedium justificaria o suicídio. O Cristianismo
não pode encontrar tal situação. A vida pode ser extremamente cansativa para um Cristão, às vezes. Mas tudo o
que lhe é enviado, ele está seguro de que é enviado por Deus e Deus aumentará a sua graça juntamente com seus
fardos. O Cristão buscará ser paciente na tribulação. E esta paciência não é uma mera submissão estoica às
circunstâncias irrevogáveis. O bom homem estoico e o bom Cristão não têm nada em comum a este respeito. O
Cristão está profunda e espiritualmente alerta para as circunstâncias que o rodeiam. Ele não lançará sobre os
ombros uma couraça de insensibilidade quando os outros o desprezam e o insultam. Ele é, antes, um mártir de
Cristo, suportando tudo por Ele, como Estevão orando mesmo para o perdão daqueles que o apedrejavam. “Porque,
se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte que, ou vivamos ou
morramos, somos do Senhor” (Romanos 14:8).

Mas, o suicídio é a forma mais extrema de violação contra o real autorrespeito de alguém. Existem muitas
formas menos extremas que devemos evitar. Dentre estas, podemos mencionar a indulgência imoderada dos
próprios apetites legítimos, tais como: comida, bebida e sexo. Deve-se ressaltar que nenhum dom de Deus é errado
em si. O Cristianismo não tem nada em comum com o princípio maniqueísta do mal inerente da matéria. Cada
dom de Deus pode ser usado com ações de graças. A igreja de Roma esqueceu isso com seu celibato do clero. A
proibição propagandista muitas vezes esquece isso em seu zelo contra o álcool. É o abuso ou mau uso dos dons de
Deus que são pecaminosos. Nenhum Cristão que preze a si mesmo pode deixar-se escravizar por qualquer apetite.

Pelo contrário, todo Cristão deve procurar preservar e desenvolver seu corpo e sua alma. Qualquer
organismo procura desenvolver-se. Assim também o organismo da alma e do corpo deve desenvolver-se. A alma
deve fazer isso por implicação na interpretação da realidade de Deus, ou seja, por uma verdadeira educação. Mas,
infelizmente, o pecado efetuou uma separação entre Deus e o homem. Portanto, o homem busca a sua educação à
parte de Deus. Consequentemente sua “educação” leva-o constantemente para mais para longe de Deus. Somente
uma verdadeira educação Cristã é realmente o desenvolvimento da personalidade finita. Apenas um Cristão
exercita-se no que é realmente verdadeiro, belo e bom. O termo educação não é um termo neutro ou um termo que
possui sempre a mesma conotação. A educação antiteísta opera em um vácuo, uma vez que separou os fatos de
Deus. Por isso, ela não desenvolve a personalidade. Seu desenvolvimento aparente é legítimo e aconselhável. Por
outro lado, o desenvolvimento corporal nunca é um fim em si mesmo. A recente ênfase na cultura física e a mania
sobre esporte parece esquecer que o homem é mais do que um corpo. Sua alma é muitas vezes negligenciada em
favor do corpo.

B. O que é Comandado Quanto ao Próximo de Alguém

Podemos agora voltar-nos para o significado social do Sexto Mandamento. E aqui está o nosso dever
positivo de respeitar, preservar e desenvolver a vida do nosso próximo, e nossa tarefa negativa de nos opormos a
qualquer coisa que possa interferir em tal propósito. Em suma, devemos amar o nosso próximo como a nós
mesmos. Fazer isso só é possível com base no fundamento teísta. Apenas um Cristão conserva e desenvolve sua
própria vida por causa de Deus. Consequentemente, apenas um Cristão pode realmente amar o próximo, uma vez
que o seu próximo também deve ser amado por causa de Deus. Os não-Cristãos ou não-teístas não têm nenhum
centro para o seu pensamento ou para o seu amor que possa promover a união entre os homens. Cada um é
concebido como existente por si mesmo. Disso segue-se que o autodesenvolvimento acontece em detrimento do
próximo, em vez de, como acontece no fundamento teísta, em benefício do próximo. Não pode haver verdadeira
comunidade de interesses entre aqueles que não são unidos a Deus por meio de Cristo. No máximo, eles cooperam
para o bem de utilidade momentânea. O homem rico não estava realmente preocupado com seus cinco irmãos na
terra. Aquele que não se ligou a nenhum laço de amor a Deus ou ao homem enquanto esteve na terra não foi
subitamente aquecido com um amor para com os seus próximos depois de morto. Nessa triste situação, os homens
tornaram-se semelhante ao seu líder, Satanás. É uma guerra onde cada um está contra todos. Se Adão pensou,
como Milton apresenta-o pensando, que pelo menos ele desfrutaria da companhia de Eva quando ele comesse do
fruto proibido, ele estava completamente enganado. Foi somente devido à graça comum de Deus que o homem
sentiu algo disso. B. Bosanquet nos diz, em terminologia que parece Cristã, que o indivíduo deve perder-se a fim
de encontrar-se de novo em Deus e com o próximo. No entanto, nenhum verdadeiro altruísmo pode alguma vez
existir se Deus não é mais que um correlativo do homem. Nesse caso, Ele não pode mais ser o centro e o alvo do
pensamento e amor. Podemos ter amor desinteressado pelos nossos semelhantes, mas o temos apenas se primeiro
amarmos a Deus. 1 Coríntios 13 enumera várias das características do verdadeiro amor para com os próximos.
Não nos é possível, agora, falar delas em detalhe. Podemos resumi-las, dizendo que Paulo concebe o seu próximo
como criado à imagem de Deus e, portanto, ama-o por causa de Deus

Diz-se frequentemente que a contribuição do Cristianismo para a questão do altruísmo é que ele pôs de lado
as barreiras nacionais de modo que o homem foi ensinado a reconhecer, respeitar, preservar e desenvolver o
homem, seja ele um bárbaro ou um companheiro patriota. Esta afirmação é apenas parcialmente verdadeira. Em
primeiro lugar, não pode ser suficientemente ressaltado que o altruísmo do Cristianismo é completamente diferente
em termos de qualidade do altruísmo, por exemplo, de estoicismo. O Cristianismo introduziu algo diferente do
que era conhecido em vez de apenas propagar de forma mais ampla o que já era praticado em esferas limitadas.
Em segundo lugar, o Cristianismo realmente não introduz este amor genuíno ao próximo, mas o reintroduz, porque
ele reintroduz o teísmo. E isso explica o terceiro lugar, porque havia prenúncios de um verdadeiro altruísmo em
Israel, e em nenhum outro lugar (Levítico 9:24).

A partir do que foi citado antes, segue-se que o nosso amor a Deus é anterior ao amor aos nossos próximos.
Muitos hoje afirmam que a primeira tábua da lei não tem nenhuma significância para a moralidade. A crença de
alguém em Deus é considerada um passatempo sem efeito sobre a atitude para com o próximo. Mas o oposto é
verdadeiro. Se Deus é o que o teísmo diz que Ele é, então devemos amá-lO em primeiro lugar e acima de tudo, e
se não o fizermos, não podemos sequer amar os nossos próximos. É verdade que a falta de amor aos seus próximos
é um sinal de falta de verdadeiro amor a Deus, mas é igualmente verdade que a falta de verdadeiro amor a Deus é
uma garantia certa da falta do verdadeiro amor para com o seu próximo. Ainda mais, amar o nosso próximo como
a nós mesmos de modo algum entra em conflito com o nosso dever de cuidarmos de nós mesmos em primeiro
lugar. Assim, também de alguns próximos, digo, parentes, etc., mais próximos a nós do que outros. Tudo isso é
devido à providência de Deus. Não reconhecer este fato seria contradizer a providência de Deus.

E isto leva-nos a fazer uma outra distinção. Todos os homens são nossos próximos. Devemos amar todos
os homens como a nós mesmos, ou seja, por causa de Deus. Mas nem todos os homens são Cristãos. E os Cristãos
devem se amar em um sentido singular. Jesus ama os Seus próprios com um amor único (João 13:1). Ele lhes deu
um novo mandamento: que se amassem uns aos outros (João 13:34). O amor aos irmãos é constantemente distinto
do amor a todos os homens, especialmente por João (1 João 3:23). O modernismo está muito interessado em
remover esta distinção, uma vez que, em sua suposição naturalista, deve-se ensinar a paternidade universal de
Deus e a fraternidade universal do homem. O amor aos irmãos é o que dura eternamente. Por outro lado, o amor
por aqueles que não estão em Cristo terminará quando o seu ódio a Deus for evidenciado no dia do julgamento.

Finalmente, nós devemos notar, neste contexto, o que significa que devemos amar nossos inimigos. Quem
são os nossos inimigos? Todos os que não amam o Senhor Jesus Cristo. Eles são nossos inimigos, porque eles são
inimigos de Deus. Vimos que o dever sagrado da imprecação é baseado neste fato: “Não odeio eu, ó SENHOR,
aqueles que te odeiam”? No entanto, enquanto nesta terra, devemos amá-los como criaturas, como portadores da
imagem de Deus. Neste mundo o princípio da antítese ética não pode e não deve ser cumprido absolutamente.
Cristo orou por aqueles que O crucificaram. Mas isso não deve nos fazer pensar que Cristo ou Seus apóstolos
reduziram o amor aos nossos próximos ao nível prosaico do modernismo quando Aquele sustenta, apontando para
o incidente da mulher apanhada em adultério, que há muito bem no pior de nós e muito mal no melhor de nós,
para que qualquer um de nós pense ser realmente melhor do que outros. Cristo não reduziu o ódio e o amor a uma
mistura incolor dos dois, mas mandou-nos mantê-los à parte rigidamente e ainda assim atribui ambos ao mesmo
indivíduo. E se for dito que aqui um milagre muito grande é exigido de nós, a única resposta é que todas as outras
possibilidades são impossíveis. Se o amor e o ódio fossem colocados juntos para formar uma mistura, eles
anulariam um ao outro e se reduziriam a absolutamente nada; aqui está a absoluta impotência do modernismo. O
amor do modernismo inclui o Diabo e, portanto, não significa nada quando dirigido a Deus.

Se agora este princípio de amor verdadeiro para com o próximo for cumprido, nós buscaremos desenvolver
o bem-estar geral do nosso próximo em pensamento, palavras e ações. Mas isso nos leva a um outro ponto. Até
agora, temos discutido o dever do indivíduo para consigo mesmo e para com o seu próximo. Agora chegamos ao
dever da sociedade com relação ao indivíduo. Mas, a sociedade tem dever no que diz respeito à proteção da vida
humana? Numa base antiteísta isso não pode ser sustentado. Uma sociedade com base antiteísta é organizada
apenas por causa da utilidade. Compreende-se facilmente como Nietzsche poderia negar o direito da sociedade no
que diz respeito a reprimir qualquer ambição do indivíduo. Nietzsche teve a coragem de em sua convicção
ridicularizar a moral Cristã como uma moral de escravos. Mas Nietzsche viveu à frente do seu tempo. Seus ideais
serão realizados no Inferno. Deus graciosamente conteve a ira do homem suficientemente para dar à sociedade um
certo senso de responsabilidade. A partir disso, temos visto que o estado foi organizado na base da graça comum
de Deus.

Foi ao estado que Deus delegou o poder e o dever de proteger a vida humana. A vida humana é sagrada.
Todo aquele que derramar o sangue do homem, o seu sangue deve ser derramado (Gênesis 9:6). Esta é uma lei
sagrada de todos os tempos, uma vez que é baseada no fundamento de que o homem é feito à imagem de Deus. A
justiça de Deus exige a pena capital. Nenhuma quantidade de sentimentalismo pode remover esta ordem Divina.
Nem mesmo as razões de utilidade ou a consideração de que algum tempo para o arrependimento deva ser dado.
Deus cuidará de todas essas questões como Lhe aprouver se nós somente obedecermos ao Seu comando. É uma
indicação de que a “consciência Cristã” não é genuinamente Cristã — ou seja, pronta para testar seus padrões
pelos padrões da Escritura — quando em seus argumentos ela não pergunta o que a Escritura ensina, mas o que as
Escrituras deveriam ensinar. É um falso humanitarismo que visa substituir a ideia de melhoria pela de punição. A
punição deve permanecer sempre como a concepção primária, uma vez que a justiça de Deus foi ultrajada quando
a vida humana é ceifada ou as leis de Deus têm sido quebradas de outras maneiras.

Nós encontramos outra manifestação de um falso humanitarismo em grande parte do atual pacifismo. A
guerra é certamente um dos maiores dos maus resultados do pecado. Diremos, pois, que, desde que o coração
humano é pecaminoso é inútil realizar qualquer esforço para obter a paz universal? Tal atitude é certamente muito
mais próxima da verdade do que o otimismo superficial que não lida com o pecado. No entanto, tal atitude não é
bíblica. Como Cristãos, devemos fazer todo que estiver ao nosso alcance para remover o máximo possível, por
todos os meios legítimos, das consequências do pecado. Neste sentido, os Cristãos devem ser pacifistas na política.
Mas dizer que toda guerra é errada e recusar-se a servir em qualquer guerra é falso pacifismo. O fato de que as
nações, compostas como elas são de pecadores, muitas vezes se voltarão para políticas de engrandecimento torna
necessário e justo que aqueles que são atacados defendam-se.
Mas aqui o argumento final aparecerá com base em um apelo ao Sermão do Monte. A alegação é que os
Cristãos não devem contra-atacar qualquer ataque sobre o qual eles estejam, como indivíduos ou como nações. O
verdadeiro espírito Cristão é dito nunca se opor à violência com violência, não apenas isso, mas nunca exigir
reparação em qualquer forma: “Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face
direita, oferece-lhe também a outra” (Mateus 5:39). Nós teremos que examinar, então, se as palavras ditas por
Jesus suportam a interpretação dada a elas. Em primeiro lugar, devemos fazer a concessão de que as palavras de
Jesus sejam consideradas literalmente. Não podemos leve e vagamente passar por elas e pensar que Jesus não
poderia ter intencionado dizer exatamente o que Ele disse. Jesus proíbe expressamente o Seu povo de oferecer
resistência. Mais do que isso, Jesus vai além e diz aos Seus discípulos que em vez de resistir à violência, eles
devem oferecer oportunidade e, aparentemente, provocação para mais violência. Eles devem “oferecer a outra
face”. Eles devem oferecer a capa quando a túnica for tomada, e andar duas milhas quando for forçado a andar
apenas uma (Mateus 5:38-41). Mesmo os Menonitas e Quakers nunca afirmaram que Jesus ensina dessa forma.
Eles muitas vezes se atreveram a ir apenas até a metade.

Esta interpretação está de acordo com o que temos visto ser o verdadeiro significado do amor àqueles que
são nossos inimigos. Somente a graça de Deus nos capacita para não pagar o mal com o mal (Romanos 12:17),
mas a “vencer o mal com o bem” (Romanos 12:21).

O objetivo desta atitude nós, portanto, vemos ser a conquista de outros para o mesmo espírito. Por ajuntar
“brasas de fogo” sobre as suas cabeças, nós devemos envergonhar tão completamente nossos inimigos por seus
atos de violência e ter tão genuína tristeza por isso que eles aceitem a nossa posição.

Nós notamos agora que uma tremenda atividade espiritual está envolvida na atitude de não-resistência.
Pois, isso não é, de modo algum, semelhante à passividade por vezes defendida na literatura pagã. Na verdade, é
o oposto polar do princípio budista ou estoico tantas vezes comparados com ela. O princípio antiteísta sob qualquer
forma em que se manifesta apresenta uma falsa imitação do princípio do ius talionis de Deus. Deus é um Deus de
justiça. Por conseguinte, deve haver punição equivalente na medida em que a lei de Deus é quebrada por pecadores.
Foi este princípio que foi falsificado pelas nações quando cada indivíduo pensou ser ele mesmo a fonte do direito.
Nesse fundamento, ele procurou recompensar toda a violência feita a ele causando vingança contra seu adversário.
Assim, Lameque cantou a “canção da espada”: “porque eu matei um homem por me ferir, e um jovem por me
pisar. Porque sete vezes Caim será castigado; mas Lameque setenta vezes sete” [Gênesis 4:23-24]. Assim,
Habacuque também fala das nações que fazem de seu poder o seu deus. Esta era a lógica desta posição. Mas um
método tão extremo logo destruiria a terra. Deste modo, Deus por Sua graça comum conteve a ira do homem, para
que os “homens sábios” começassem a ver uma certa proporção em matéria moral e defendessem um “olho por
olho”, o assim chamado atual ius talionis, vigente especialmente no império dos Césares.

Mas, assim, o universo não poderia continuar a existir. Deve ser feita uma compensação permanente a
Deus. A ofensa à justiça de Deus deve ser punida. Cristo suportou esta punição por todos os Seus próprios. Assim,
aqueles em Cristo não devem e não precisam dar lugar à ira. A vingança pertence ao Senhor. Toda a violência que
é feita é realmente feita contra o Senhor. Cristo identifica os Seus discípulos consigo mesmo, e Ele mesmo com
Deus.
Ainda assim, este princípio não pode ser imediatamente posto em funcionamento em sua plenitude em um
mundo que tanto havia se extraviado como o relato que nos é dado em Romanos 1. Por isso, Deus gradualmente
introduziu o princípio. Em Israel, o verdadeiro princípio foi restaurado. O ius talionis como vigente em Israel não
tem o mesmo significado que do ius talionis vigente entre as nações e nem isto poderia ser assim, pois entre Israel
isso pressupõe o teísmo, enquanto entre as nações pressupõe antiteísmo. Em Israel, conformemente, temos o
verdadeiro ius talionis e entre as nações, o falso. Ainda assim, Israel não era mais que uma prefiguração da punição
a ser sofrida por Cristo. Devido ao externalismo geral da dispensação do Antigo Testamento, a lei tinha que ser
cumprida externamente por indivíduos ou governo. Em Cristo, esse externalismo foi aniquilado. Daí o ius talionis
não foi revogado, mas cumprido por Cristo. E é com base neste cumprido ius talionis que aqueles que estão em
Cristo devem manifestar seu perdão aos seus inimigos. Somente eles o podem fazê-lo. Mas, eles podem sempre,
em todas as circunstâncias, fazê-lo?

Eles não podem! Eles podem tanto quanto as consequências para si mesmos estão envolvidas porque,
mesmo se eles morrerem eles são do Senhor e serão recebidos por Ele. Mas eles não podem se pela sua não-
resistência eles destruírem o propósito para o qual eles devem exercer a não-resistência. O propósito da não-
resistência é realizar o verdadeiro ius talionis de Deus. Ou seja, pela nossa não-resistência, queremos que os
homens aceitem “a justiça de Deus” que está em Cristo. Mas, assim como era impossível — devido ao baixo estado
das nações — introduzir completamente este princípio de uma vez, assim ainda é impossível e permanecerá
impossível introduzir este princípio plenamente. O coração do homem não mudou. A civilização tem avançado
muito devido à graça comum de Deus. E isso torna possível para o Cristianismo evidenciar-se sem ser ao mesmo
tempo aniquilado. Isso também permitiu que o Cristianismo desenvolvesse algum impulso. Todavia, mesmo assim,
nem todo indivíduo está no mesmo nível do progresso geral da civilização. E acima de tudo, se alguém deve
realmente ser vencido pela não-resistência de um Cristão, ele mesmo deve tornar-se um Cristão. E uma vez que
aquele que está no mais alto degrau da escada da graça comum ainda não colocou o seu pé no primeiro degrau da
escada da graça salvífica, a política de não-resistência pode ainda ser derrotada quando for praticada em relação
ao indivíduo mais culto.

Conclui-se, então que quando a prática da não-resistência mais provavelmente puder derrotar o seu próprio
propósito, não deve ser aplicada. Isso não é o enfraquecimento das palavras de Cristo ou de Seus apóstolos no
interesse de supostas consequências. Mas neste caso, a ação seria autocontraditória uma vez que o propósito da
não-resistência é ganhar outros. Temos aqui um exemplo semelhante ao da pregação do Evangelho e do
testemunhar a Cristo. Pregar o Evangelho é uma ordem ilimitada e literal, mas também é dito que não devemos
lançar pérolas aos porcos para que não se voltem contra nós e nos despedacem.

O próprio exemplo de Cristo confirma esta interpretação. Ele não dá a outra face quando um dos oficiais
do sinédrio bateu em Jesus. “Respondeu-lhe Jesus: Se falei mal, dá testemunho do mal; e, se bem, por que me
feres?” (João 18:23). Este exemplo prova definitivamente que Jesus não quer dizer que o Seu preceito da não-
resistência deve sempre, sob qualquer circunstância, ser aplicado. Paulo seguiu uma prática semelhante quando
ele também protestou contra ser injustamente ferido (Atos 23:3) e quando ele exigiu que os agentes dos Filipo
soltassem Silas e ele da prisão em que estavam indevidamente presos. Agora, se nós perguntarmos por que Cristo
não aplicou o Seu próprio princípio, a resposta está de fácil acesso. Se Jesus tivesse seguido o Seu princípio, Ele
apenas fortaleceria os Seus adversários em sua maldade. Eles eram muito insensíveis a qualquer justiça para reagir
da maneira pretendida.

Em segundo lugar, na instância do exemplo de Cristo e casos semelhantes, a sociedade em si seria destruída
pelo completo controle dos homens maus se o princípio da não-resistência fosse cumprido. Se, então, o objetivo
da não-resistência é salvar a sociedade, a não-resistência seria não-Cristã em tais casos.

Finalmente, o princípio da não-resistência deve ser aplicado em consonância com aquele outro princípio já
discutido, a saber, o princípio da autodefesa. Nós não podemos permitir que outros a tirem a nossa vida. Se o
fizéssemos, nós lhes permitiríamos fazer injustiça a Deus.

Certamente, quando este mandamento for colocado diante do povo de Deus em seu rico significado, uma
grande bênção para a sociedade pode ser esperada em resposta à oração.
O Sétimo Mandamento — Pureza

O Sexto Mandamento corresponde ao Primeiro Mandamento. A transgressão do Primeiro Mandamento


busca destruir Deus, como tal, e a transgressão do Sexto Mandamento busca destruir o homem como tal. O Nono
Mandamento corresponde ao Terceiro, este defende o bom nome do nosso próximo e o anterior o bom nome de
Deus. O Sétimo e o Oitavo correspondem ao Quarto, este defende a Deus na medida em que Ele deseja culto
externo e os anteriores defendem meu próximo em sua aparência exterior. Dentre estes dois Mandamentos o
Sétimo vem em primeiro lugar, uma vez que nossos corpos são mais próximos de nós do que as nossas posses.

Além da união da alma e do corpo, que juntos formam o mistério da personalidade humana, Deus trouxe
os seres humanos individuais à união uns com os outros, a fim de formar uma raça. O indivíduo humano não é
completo em si mesmo. Deste modo, Deus criou uma companheira para o homem e formou essa companheira
como complemento para o homem, tanto na alma quanto no corpo. Com a Sua própria mão, Ele uniu os dois e
ordenou que a partir de sua união a raça nascesse. Apenas na raça concluída, a imagem de Deus no homem poderia
ser verdadeiramente expressa.

Estas simples ordenações da criação têm enormes consequências. Nelas reside, antes de tudo, o
reconhecimento das diferenças entre homem e mulher. Tentar remover essas diferenças é contra a natureza. Nós
já encontramos nos tempos do Antigo Testamento que isso foi feito. Daí as ordenanças proibindo a troca de roupas
entre os sexos, etc. Cada um dos sexos tem um espaço natural de trabalho e o intrometer-se no campo de trabalho
do outro tende a remover as distinções criadas por Deus, e geralmente resultam em tristes consequências.

Em segundo lugar, a santidade do casamento está envolvida na ordenação Divina da criação. Deus colocou
na raça uma atração natural entre os sexos. Mas essa atração natural envolve também uma relação moral. Não
haveria nada moral originalmente, testemunha disso era a ausência de qualquer sentimento de vergonha.
Originalmente, o natural era bom. Devemos ter o cuidado de distinguir este sentido do termo natural daquele
muitas vezes dado a ele. Muitas vezes a transgressão do Sétimo Mandamento é tolerada sobre o fundamento de
que transgredir assim é “natural”. Agora, é verdade que a transgressão do Sétimo Mandamento é particularmente
“natural” desde a entrada do pecado, mas isso é porque o pecado fez com que o verdadeiro natural seja “natural”
no sentido de pecaminosidade.

Por conseguinte, também encontramos em terceiro lugar que, a fim de obter uma ideia verdadeiramente
bíblica da relação entre os sexos não devemos começar por admitir algo deste antinatural “natural” ser verdadeira
e originalmente natural. Roma erra aqui. Todo o seu ascetismo, e em particular o seu celibato do clero, é baseado
na suposição de que o natural original é mau até certo ponto. Portanto, aqueles que pretendem ser mais espirituais,
devem abster-se do contato com o natural, tanto quanto possível. Assim, a posição de Roma não é meramente um
retorno à dispensação do Antigo Testamento quando havia ordenanças peculiares no que diz respeito ao casamento,
etc., para o sacerdócio. Pelo contrário, a posição de Roma é sim uma reintrodução do semi-paganismo. As
ordenanças do Antigo Testamento não foram dadas na hipótese do mal inerente da matéria, mas na suposição de
que o homem tinha corrompido o natural. Mesmo a elevação Católica Romana do casamento à posição de um
sacramento não escapa da acusação de ter nascido de um princípio semi-pagão. Os sacramentos na igreja Cristã
têm relação com ordenanças da redenção e não da criação. E embora seja verdade e importante que a redenção
restaurou o verdadeiro significado do natural e, portanto, restaurou a santidade do casamento também, esta
santidade não envolve, mas, antes, exclui a ideia de sacramento. É exatamente porque Roma não tem claramente
insistido sobre a santidade original do matrimônio que posteriormente inclinou-se a fazer do matrimônio um
sacramento.

Então, ainda mais, a sacralidade da infância está envolvida na ordenança da criação. Parece ser algo mais
do que uma fantasia desenfreada ou alegoria injustificável ver na família, composta por pai, mãe e filho, uma
analogia da Trindade. A raça humana, e não apenas o indivíduo humano, deve expressar analogicamente algo do
mistério da Divindade. E um dos maiores mistérios da Divindade é a interação eterna das três Pessoas da
Divindade. Assim, apenas na Trindade da família algo disso poderia ser expresso. Por isso, qualquer interferência
com o processo da família humana por razões triviais é uma interferência relativa ao plano de Deus. Parece ser
seguro dizer que a literatura sobre o atual controle de natalidade é quase sempre motivada pela concepção antiteísta
de que a vida humana pertence ao homem, em vez de a Deus.

Ainda mais, a originalidade do casamento monogâmico está implícita na ordenação da criação. Este não é
apenas o caso porque Deus trouxe Eva a Adão como se fosse com Sua própria mão. Isto é significativo. Igualmente
direta é a palavra de Cristo de que as concessões feitas no que diz respeito aos tempos do Antigo Testamento não
modificam minimamente as ordenanças monogâmicas originais. Mas o próprio fato de que Deus criou diretamente
apenas um homem e uma mulher confirma estas palavras de Jesus; também vimos que somente por meio de
casamento monogâmico a família poderia ser elevada a ser realmente expressiva da Trindade de Deus. Assim,
vemos que o casamento monogâmico precede a revelação especial. A Redenção também restaurou isso, mas não
o apresentou pela primeira vez.

Não pode ser facilmente observado o quão radicalmente a atual concepção evolucionista da origem e
natureza do matrimônio e da família se opõe à nossa posição. Deve-se observar que a visão atual não é baseada na
descoberta de fatos pela antropologia moderna. Será que a antropologia prova que a relação sexual era
originalmente promíscua? Será que a antropologia ensina que o casamento e a família têm gradualmente surgido
até o ponto que vemos agora de modo que existam a partir da esfera não-moral da vida inferior? Negamos que ela
o fez. Negamos que ela possa fazê-lo. O contexto de toda a questão não pode sequer ser tocado por qualquer
ciência histórica. O cerne da questão deve ser travado entre o teísmo e antiteísmo como dois sistemas fatalmente
opostos de filosofia. Tanto quanto os fatos são averiguados, eles não militam contra um casamento monogâmico
original instituído por Deus.

O pecado operou estragos em toda ordenança de Deus e tem feito o maior estrago possível aqui. O primeiro
capítulo de Romanos nos dá uma ideia dos estragos feitos. Toda a relação normal foi subvertida. Mesmo em nome
da religião, imoralidades grosseiras foram perpetradas. E Paulo nos diz que ele não ousa sequer falar de toda a
extensão à qual estas questões foram. Os pais da igreja, consequentemente, muitas vezes falaram como se a própria
natureza do pecado pudesse ser expressa na palavra concupiscência.
O antiteísmo pode não ver, em tudo isso, motivo para reprovação moral. Por isso, o que existe, é certo. No
máximo, pode-se falar de detritos desfigurados das algas do fundo do mar quando se vê a humanidade apenas
emergindo lentamente a partir da prática animal. Consequentemente, a maior sagacidade é gasta para encontrar
desculpas para o que é uma completa transgressão da lei de Deus. Ou, o que mais é o casamento de
companheirismo? E o que mais é a concepção bolchevista de casamento, senão a conclusão lógica do motivo
antiteísta nesta matéria? É somente devido a uma medida de graça comum de Deus que tem restringido a fruição
completa deste princípio antiteísta. Devido à graça comum em conexão com os subprodutos do Cristianismo, a
civilização tem sido capaz, até certo ponto, de acorrentar a besta maligna do pecado. Mas somos informados de
que no futuro a medida da graça comum será reduzida de forma que o caos irá desenvolver-se na medida em que
os homens perderão até mesmo sua afeição natural.

É somente com este pano de fundo que podemos entender o matrimônio e a família Cristãos. O Cristianismo
é aqui, como em outros lugares, restaurador. E isto é verdade para a dispensação do Antigo Testamento, bem como
para a do Novo. A única diferença é que durante na Nova Dispensação o princípio restaurador pode e deve ser
mais completamente cumprido. Já vimos que o próprio Cristo disse que a posição mais baixa do Antigo Testamento
era uma questão de tolerância devido às circunstâncias.

O âmago da ideia redentiva de casamento é que ele simboliza a relação da Igreja com Cristo, a sua cabeça.
E uma vez que Cristo restaura o homem a Deus, o casamento simboliza toda a relação de pacto entre Deus e Seu
povo. É isso que torna o casamento, se possível, ainda mais belo e sagrado do que já era como uma ordenação da
criação.

Somente assim nós entendemos por que a ideia do casamento é dada com tanta proeminência no âmbito da
noção de aliança durante o Antigo Testamento. Israel, como o povo de Deus, é apresentado como a noiva de
Yahwéh. Toda a profecia de Oséias lida com este motivo. Yahwéh espera que Sua noiva seja impecavelmente
pura. Idolatria é prostituição. E o grande amor de Yahwéh é expresso em Sua disposição de receber novamente
em Seu seio a Sua esposa terrivelmente infiel. Ela era indigna de Sua escolha, em primeiro lugar. E, tendo sido
feita a Sua escolhida, ela faz de si mesma alguém indigna de confiança uma e outra vez. Ainda assim, Yahwéh a
ama e a purifica de toda impureza.

No Novo Testamento, a mesma ideia é demonstrada. Como um aspecto dessa ideia, podemos notar a ênfase
de Paulo sobre o corpo como um templo do Espírito Santo (1 Coríntios 6:19; 2 Coríntios 6:16). Por meio de Seu
Espírito Santo, Cristo está atraindo os Seus próprios, Sua noiva, para uma relação íntima conSigo mesmo. Sendo
isso totalmente realizado, toda a personalidade — o corpo bem como a alma — deve pertencer a Cristo. Por isso
o Espírito Santo habita nos corpos daqueles que são de Cristo. O Cristão “não é de si mesmo”, mas de Cristo. A
impureza corporal é, portanto, um insulto direto a Cristo e ao Seu amor redentor. Aqueles que são “comprados por
bom preço” cofiaram aos seus cuidados os tesouros de Cristo. Ainda assim, a tentação é tão grande exatamente
neste ponto. Daí a ênfase de Paulo sobre a pureza. Essa pureza deve ser interior, em primeiro lugar. Um Cristão
deve especialmente controlar seus pensamentos e imaginação. Assim sendo, ele deve evitar o que é sugestivo do
mal. Será que o filme que, às vezes, anuncia-se como “erótico, excêntrico, exótico, fantástico, fatalista e futurista”,
ajudar o jovem Cristão, moço ou moça, a serem puros em sua imaginação? E a falta de pureza interior leva à
impureza exterior em palavras ou por obras, o que é expressamente proibido no Novo Testamento. A impureza faz
um Cristão impróprio para o trabalho que é de valor para o reino de Cristo. Isso retarda ou impede uma livre vida
de oração, e portanto, a verdadeira espiritualidade para o indivíduo, e facilmente se torna um motivo de injúria por
parte do mundo.

Mais centralmente, no entanto, o fato de que o casamento simboliza a relação de Cristo com os Seus
próprios aparece quando consideramos a Igreja como um todo, em vez de seus membros individuais. Já vimos que
era o povo como um todo que simbolizava a noiva do Deus da aliança no Antigo Testamento. Esta mesma ideia
vem ao seu clímax final no livro de Apocalipse. O mundo é apresentado como a grande prostituta e a igreja é a
noiva. E a vida futura em glória é apresentada como a união ininterrupta e pura de Cristo, o Esposo, e a Igreja, Sua
Noiva. Quão santo, então, e quão belo é o amor, glorificado duplamente deste modo. Aquele que peca contra isso,
peca contra a sua própria vida, seu Criador e seu Redentor.

Inculcar essa concepção teísta Cristã do amor e do casamento é o privilégio de ministros Cristãos e do povo
Cristão. Se, então, o pecado tem sido e é tão excepcionalmente virulento nesta esfera, isso parece ser
completamente a fim de soar uma nota especial de alerta contra qualquer influência dentro e fora do lar que tornaria
mais difícil de viver conforme as exigências de Cristo. Os Cristãos não devem brincar com os inimigos que estão
de fora dos portões, há, além disso, os perigosos inimigo que estão dentro dos portões. Uma coisa em particular
pode ser mencionada. Como pode qualquer Cristão esperar expressar algo da bela relação de Cristo com a igreja
se ele se casar com quem é incrédulo? Casamentos firmes são mui facilmente consumados em tempos em que as
linhas entre a Igreja e o mundo são muito tênues. O mundanismo permitido em um lugar leva a mundanismo em
outros lugares. Daí o dever sagrado de pais Cristãos fornecerem o mais sadio ambiente dentro e fora da casa, o
mais puro e o melhor do deleite e da associação. É mais difícil do que costumava ser para um jovem rapaz guardar
o seu caminho. Somente se, em todos os aspectos, ele for ensinado a guardá-lo de acordo com a Palavra, ele
escapará das armadilhas e ciladas, e ao mesmo tempo expressará algo nessa vida daquele amor de Cristo, que Ele
tem pelos Seus próprios.
O Oitavo Mandamento — Propriedade

O significado deste Mandamento pode ser resumido dizendo que ele solicita ao homem que respeite,
preserve e desenvolva a sua própria propriedade e a de seu próximo. Mas isso pressupõe o direito do homem ter
propriedade. Deste modo, é esta pressuposição que deve ser atestada primeiro. Agora, a fim de fazer isso, devemos
voltar para a criação, em primeiro lugar. Tudo o que é logicamente dedutível no que diz respeito ao homem e à
sua esfera de atividade — a partir do fato de que ele é uma criatura — pode ser dito ser bem fundamentado na
Escritura como qualquer coisa poderia ser. Agora, já que o homem é criado tendo sido constituído de alma e corpo,
ele precisa de um plano externo no qual ele possa agir livremente. Ele precisa dessa esfera que favoreça e conexão
e união com os outros, desde que juntos eles formam uma unidade, mas ele também precisa de uma esfera para si
mesmo onde ele possa desenvolver-se em relativa independência. A propriedade dá liberdade para a atividade
racional e moral.

O pecado fez o homem negar que ele era uma criatura sujeita às leis de Deus. Assim sendo, ele olhou para
este mundo como se apenas estivesse nele de alguma forma. Assim, cada homem apossou-se dele conforme estava
em seu poder. Além disso, quando alguém conseguia se apossar de uma parte dele, sentia que poderia fazer com
esta tudo o que lhe agradasse, sem responsabilidade em relação aos seus companheiros ou para com Deus. O
resultado foi que se alguém, pelo seu grande êxito em obter para si mesmo muita terra, desenvolvia uma teoria de
direito de propriedade, esta seria era uma falsificação de uma teoria teísta. Ele diria que isso era necessário para a
sociedade. Isto é verdade, mas não o fundamento definitivo do direito de propriedade, desde que não há razão para
que a sociedade exista a menos que seja para Deus. Não era de admirar, então, que o engrandecimento não
conheceu limites. Quando o dinheiro foi inventado para se tornar representante da ou mesmo um substituto para a
propriedade, o espírito de engrandecimento aumentou. Especialmente quando, devido ao desenvolvimento do
comércio e dos negocias o dinheiro poderia aumentar a si mesmo por mero investimento, isso permitiu que os
homens atuassem como verdadeiros deuses sobre a terra. Os menos afortunados do que eles próprios eram
desprezados e reduzidos a serem meras porções de propriedade. A escravidão foi o resultado natural do abuso do
original direito legítimo à propriedade. Na escravidão isso realmente atingiu o seu clímax. Assim, desenvolveu-se
dois extremos. O extremamente rico perdeu todo o senso de responsabilidade e os extremamente pobres perderam
todo o senso de autorrespeito. Considerar a si mesmo a propriedade de Deus é enobrecedor; conhecer a si mesmo
como um escravo do pecador egoísta é degradante

Assim as lutas de classe surgiram e foram relativamente justificadas. Se nenhuma das partes reconheciam
Deus como Criador, é um procedimento lógico e totalmente legítimo organizar e usar a força para criar um espaço
de atuação por si mesmos. O mundo é, então, livre-para-todos. Poder é direito. Foi sobre este princípio que os ricos
detentores de propriedade, industriais e financiadores têm atuado muitas vezes. Hipocritamente, ou sob uma ilusão,
eles defenderam a sua posição com uma linguagem piedosa. Mais direto e mais lógico, Karl Marx escreveu o seu,
“Das Kapital”. Nele, ele francamente abraçou uma filosofia materialista e, portanto, necessitarista da história. A
hipótese da evolução reforçou ainda mais as suas ideias. O homem e, portanto, a moralidade e a racionalidade
derivaram-se do não-moral e do irracional. Apenas a utilidade pode restringir os homens de buscarem apossar-se
de tudo. Os governos, posto que são eles próprios derivados de tal sociedade, não têm poder maior do que o
derivado da sociedade. Logo, esses governos também só podem aconselhar dois lobos sobre o fato de que seria
desvantajoso devorarem-se um ao outro.

A razão por que tudo isso não tem levado à destruição da sociedade é devido à graça comum de Deus. Por
meio da graça comum, Ele tem restringido o pecado dos homens. Apenas de vez em quando um Lameque, ou um
Nietzsche aparece. Para a maioria dos homens e especialmente para os homens que estão em posição de elevada
autoridade, Deus tem graciosamente dado algum senso de honestidade e responsabilidade. Ele até fez com que
essas bênçãos da graça comum se desenvolvessem ao longo dos tempos, de modo que os governos e sociedades
mais ordenadas se desenvolveram. No entanto, conforme o tempo passa e os homens têm plenamente demonstrado
a sua indignidade, mesmo de receber essas bênçãos temporais, os dias de Noé voltarão, e ouviremos falar de
guerras e rumores de guerras. Quando os homens perderem a sua “afeição natural” eles serão adúlteros, ladrões e
mentirosos. A ironia do Inferno será que os homens buscarão exercer plenamente todos esses “dons” deles, mas
não encontrarão nenhum campo para o seu exercício.

A este mundo de pecado veio o princípio redentivo, vindo a partir de Cristo, seu centro. Isso restaurou, em
princípio, a verdadeira ideia de propriedade. Vemos isso já no Antigo Testamento e mais plenamente no Novo. O
primeiro ponto que precisava de restauração era a própria ideia de criação. Uma vez feito isso, os abusos dos ricos
e a insatisfação dos pobres naturalmente desaparecerão. “Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque
a terra é minha; pois vós sois estrangeiros e peregrinos comigo” (Levítico 25:23). Se a terra é do Senhor e,
consequentemente, tudo que é útil para o homem é do Senhor, o homem não pode ser mais do que um mordomo
que certamente terá que prestar contas de sua mordomia. Certamente, nesse caso, um homem não pode reduzir seu
semelhante a uma porção de propriedade. Seu companheiro tem o direito de propriedade como ele. Durante o
Antigo Testamento esse princípio ainda não podia ser totalmente posto em aplicação. Por isso os judeus ainda não
foram diretamente proibidos de reduzir os estrangeiros a escravidão. Apenas nos tempos do Novo Testamento este
princípio poderia ser mais plenamente expresso. Da mesma forma, durante a dispensação do Antigo Testamento
os excessos de riqueza e pobreza eram verificados pelo regulamento de que todas as propriedades após sete anos
voltariam a pertencer aos seus donos originais ou aos seus herdeiros.

No tempo de Jesus, bem como nos outros, os judeus infelizmente tinham abusado daquelas ordenanças
teocráticas-teístas Divinas. Os fariseus tinham adicionado tantos encargos aos já prescritos no Antigo Testamento
que o pobre homem nunca poderia esperar suportá-los. Consequentemente, a maior parte dos pobres estavam
insensíveis e desanimados. O que Jesus faz em meio a tudo isso?

Ele faz o que seria de esperar que Ele fizesse como o restaurador do teísmo. Ele não necessariamente
expressa-Se plenamente sobre o assunto. Ele não fez isso com relação ao Sabath. Em ambos os casos, Ele deixou
que isso fosse anunciado muito posteriormente por Seus seguidores. No entanto, os princípios são claros.

As afirmações de Jesus que têm uma influência direta sobre a questão corroboram com a nossa expectativa
de que Ele buscará restaurar um verdadeiro teísmo. “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar
um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom” (Mateus
6:24). “E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da injustiça; para que, quando estas vos faltarem, vos
recebam eles nos tabernáculos eternos” (Lucas 16:9). “Pois, se nas riquezas injustas não fostes fiéis, quem vos
confiará as verdadeiras?” (Lucas 16:11). Quando se diz: “Não podeis servir a Deus e a Mamom”, pelo termo
Mamom, entende-se qualquer coisa de valor terreno, ou seja, propriedades em geral, e o dinheiro em particular.
Jesus reconhece em primeiro lugar, que é legítimo e necessário ter dinheiro. Se não fosse assim, Ele não poderia
ter recomendado seu uso como um meio pelo qual adquirir amigos. Ele simplesmente toma por garantida a
ordenação de criação, uma vez que tinha sido novamente expressada nas palavras do Antigo Testamento: “a terra
é minha”. Em segundo lugar Jesus reconhece o abuso feito daquilo que em si é legítimo. Quando os homens
negaram que Deus era o dono do dinheiro, então o dinheiro tornou-se o seu deus. Contra isso, Jesus diz que eles
não podem servir a dois senhores. Sua própria prática estava de acordo com o Seu princípio expresso. Não há
evidência de que Jesus e Seus discípulos eram muito pobres. Eles tinham uma bolsa e, por vezes, aliviavam os
pobres. Ele não era um sonhador que não tinha olhos para a necessidade social. Ele ajudou o centurião rico e o
pobre homem doente de Betesda, o rico Jairo e o pobre Bartimeu. O homem rico não “levanta os olhos em
tormento”, porque ele era rico, mas porque ele tinha desprezado a Moisés e aos Profetas, os quais lhe disseram
para fazer uso adequado de suas riquezas. Jesus, no entanto, nesta parábola e também em Sua recomendação ao
jovem rico, indicou que as riquezas são uma grande tentação, e que se alguém possuir riquezas, facilmente cederá
à perda de sua própria alma. Qualquer que tenha sido o motivo específico para a exigência de Jesus de que o jovem
rico vendesse tudo o que tinha, isso aconteceu pelo fato de Jesus haver considerado necessário para este homem
em particular dispor da sua riqueza, a fim de ser um discípulo Seu. A recusa do jovem rico mostra não somente
que ele não estava pronto para dar tudo por Jesus, mas que ele não estava pronto para dar algo para Jesus. Ele
olhou para a sua riqueza como absolutamente e não como derivadamente sua própria. As riquezas não são erradas
em si, mas facilmente tornam-se erradas para o homem pecador.

Vemos, então, que o importante para os Cristãos observarem com relação à questão das possessões é que a
propriedade privada deve ser respeitada, protegida e desenvolvida. Todos os meios legítimos pelos quais isso é
feito mais facilmente possível, devem receber o nosso encorajamento e ajuda. As completamente não-naturais
condições de vida nas cidades modernas tendem, como vimos, a facilitar a quebra de todos os Mandamentos e,
especialmente, os Mandamentos que dizem respeito diretamente à vida social. São oferecidas oportunidades
maravilhosas para que Ao roubo individual e ao banditismo sejam exercidos nas grandes cidades. Na medida em
que a centralização da produção e da indústria é necessária, medidas devem ser tomadas que farão de tal
centralização possível e consistente com a proteção da vida e da propriedade. Daí o pregador do Evangelho não
pregará “o evangelho social” somente, mas certamente anunciará aos homens a mensagem do Cristianismo no que
diz respeito à vida social. Essa mensagem é que os homens devem ser teístas. Se eles são, o problema do capital e
do trabalho, do socialismo e do comunismo não serão resolvidos completamente de imediato, mas eles serão
resolvidos, em princípio. Um capitalista teísta não pode reduzir seu semelhante a uma porção de propriedade. Um
trabalhador teísta reconhecerá diferenças originadas na criação entre os homens e ficará satisfeito com o seu pão
de cada dia. Obviamente, enquanto o pecado durar, as consequências do pecado durarão. O trabalho árduo será
necessário, e os homens buscarão escapar dele, transferindo-o para outros. Por isso, pode ser necessário que outros
possam organizar-se e protestar. E especialmente porque sabemos bem que nem todos os homens têm fé, isso não
somente será necessário para aqueles que têm a dizer para aqueles que não a tem, que eles também têm fé, mas
também será necessário utilizar todos os esforços legítimos para fazer a vida, tal como ela é, tão tolerável quanto
possível. O Cristão deve ajudar a remover a injustiça de homem para com homem. Desde a entrada do pecado, o
homem tem sido o lobo do homem.
Ai do pobre modernismo! Ele tem pensado levar a mensagem de Jesus para mais perto dos homens quando
desiste da especulação sobre tais doutrinas “abstratas”, como a da criação. O modernismo reescreveu “a teologia
como uma ciência empírica”. Ele procura realmente ajudar as necessidades sociais com o “evangelho social”. Mas
a sua negação do teísmo do qual a criação é o ponto diretamente significativo, neste contexto, tornou impossível
para o modernismo oferecer qualquer coisa à luta entre capital e trabalho além do que aquilo que o capital e o
trabalho já conhecem muito bem, ou seja, que o poder faz o direito. O modernismo tem sensatamente se limitado
em grande parte ao exterior, pois o verdadeiramente interior, ele não pode tocar. Ele pode aliviar a superfície, mas
não funciona para as principais doenças internas. Apenas o Cristianismo ortodoxo tem uma mensagem real para
aqueles que estão envolvidos na “luta pela existência”.

A mensagem final que ele traz é a promessa do futuro. O modernismo tem enfatizado o fato de que temos
de ajudar os homens para esta vida, em vez de consolá-los com a perspectiva da vida por vir. O triste resultado foi
que o modernismo não tem nenhuma mensagem, nem para esta vida ou para a porvir. Aquele que não tem nenhuma
mensagem para a vida por vir, não pode ter nenhuma mensagem para esta vida. Se não houver uma vida por vir,
não há nenhuma mensagem de ninguém para ninguém sobre nada. Os idealistas de todas as épocas têm sentido a
necessidade de um “além”. “Ideias” de Platão, “Noumenon” de Kant e “Absolute” de Hegel são a prova dos
esforços inúteis de idealização feitas pelo homem separado de Deus. Utopias têm existido em multidão. Todavia,
nenhuma delas ofereceu qualquer ajuda genuína. Todas elas têm procurado algo absoluto, em vez de uma Pessoa
absoluta. Nenhuma esteve disposta a admitir que o homem trouxe o mal sobre si mesmo. Portanto, apenas o
Cristianismo oferece alívio. A garantia de justiça futura permite que os pobres que estão em Cristo permaneçam
“puros de coração”. O Consolo é deles, consolo genuíno, como o mundo não conhece e não consegue entender.
Resta ainda um repouso para o povo de Deus.
O Nono Mandamento — Verdade

Podemos resumir o significado deste Mandamento, dizendo que ele requer de nós que respeitemos,
mantenhamos e desenvolvamos o bom nome de nós mesmos e de nossos vizinhos. O significado literal das palavras
refere-se a jurar falsamente em tribunal. Ou seja, de acordo com o modo de promulgação das outras leis, que cada
vez mencionam a forma mais extrema de transgressão. Neste caso, como nos outros, devemos voltar a partir desta
forma mais extrema de transgressão ao estado original das questões a fim de verificar qual era naquele tempo o
requerimento positivo, embora não expresso.

Agora, a fim de fazer isso, devemos observar que o homem como criatura de Deus e como portador da
imagem de Deus deveria dar a interpretação ao universo. Ele deveria buscar aprofundar cada vez mais a natureza
da realidade criada, da qual ele mesmo fazia parte. Deus expressou Suas ideias, Seu plano neste universo criado.
Era o privilégio dos homens buscar estes pensamentos de Deus, que são a verdade do universo criado. Este deveria
ser o homem da ciência. E ali havia espaço infinito para expansão. Além disso, havia a garantia real do progresso.
O universo criado foi o produto da interpretação de Deus; o homem poderia, portanto, ter certeza de que sua própria
interpretação estava correta se esta apenas correspondesse à interpretação de Deus. Se assim fosse, o homem teria
coerência consigo mesmo, como Deus teve coerência conSigo mesmo. Assim, o verdadeiro método científico
deveria ser a implicação na interpretação de Deus. Não era para ser nem pura indução, nem pura dedução. O
universal e o particular, sempre existiram juntos. Nenhum detalhe da existência foi considerado à parte do seu
centro de referência no universo criado, a mente do homem e, finalmente, a partir de seu centro de referência na
mente de Deus.

O homem amaria a verdade, porque a verdade era uma expressão da mente de Deus e, finalmente, era Deus.
Haveria cooperação com o seu próximo, pois cada um teria o mesmo amor por Deus.

Então, em uma má hora o homem não queria mais ser homem. Ele queria ser como Deus. Já não amava a
Deus. Fez de si mesmo, em vez de Deus, o centro de referência daquilo que ele agora chamava de a sua busca pela
verdade. O Diabo tinha ensinado os homens a olhar para além de Deus, pela verdade. Ele afirmou diante do homem
a ilusão de que ele pode, eventualmente, ser como Deus. Não havia possibilidades além Deus? O homem deveria
experimentar. Ele não vivia mais pelo ipse dixit de Deus. A história deveria provar o que era verdade.

Qual foi o resultado? Fracasso e ruína. O homem tentou ser o que ele não podia ser. Ele era uma criatura e
não poderia ser mais do que isso, visto que existe um Deus. O homem se rebelou contra esta verdade metafísica.
Ele estabeleceu-se como um Deus. Ele, em vez de Deus, viria a tornar-se o padrão último da verdade. Ele
considerou que o seu pensamento era tão original e tão abrangente quanto o de Deus. Esta foi a mentira. A mentira
é autocontraditória. O homem tornou-se uma casa dividida contra si mesma. Quando ele disse que poderia ser
como Deus, ele disse que a possibilidade era maior do que Deus. Assim, as leis de Deus, o Seu plano, em suma, a
Sua afirmação foi rebaixada. Contra Ele foi estabelecida uma negação que era apenas fundamental. Isso parecia
tão inocente. No entanto, porque Deus é a afirmação definitiva nenhuma negação pode ser estabelecida em Seu
nível. A tentativa de fazer isso nada é, senão uma fútil negação da afirmação de Deus. Foi isso que uma criatura
fez. O Diabo fez isso originalmente. Ele é, portanto, o espírito completamente autocontraditório. Ele é
autocontraditório, porque ele contradiz a Deus. A criatura é determinada por definição. Ela não pode viver, senão
na atmosfera do plano de Deus. Uma criatura tentar viver uma existência indeterminada implica a sua explosão. A
atmosfera externa é removida. Ela encontra-se no vácuo. O Inferno é o único vácuo completo. Por isso no livro de
Apocalipse nenhum som perturbador saiu dele para perturbar a glória do novo Céu e da nova Terra. Isto não é
devido a qualquer invólucro artificial. É devido à paralisia dos ocupantes no vácuo. O Diabo é a mentira metafísica.

Não é de admirar que quando o homem se identifica com a mentira metafísica, ele deve cair na mentira
lógica. Ele errou e errou tristemente em seus esforços “científicos”. Ele deveria ter sido muito mais avançado do
que ele é. Abraham em vez de Edison teria descoberto o filamento de tungstênio. Lindbergh chegou milhares de
anos depois, tarde demais. O homem tentou estudar os fatos à parte de Deus. Por isso, ele nunca encontrou a
verdade universal na experiência humana. Ele não procurou por nenhuma verdade universal definitiva a mais do
que a mente do homem em si poderia fornecer. E uma vez que a mente do homem não pode, pelo fato de ser criada,
conceber nem mesmo algo como uma verdade universal secundária a menos que seja relacionada a Deus, o
definitivo Universal, não havia nenhuma unidade trazida à experiência. A coerência tornou-se impossível para o
homem desde que ele procurou a coerência sem correspondência com Deus. As coisas não podem e não poderiam
corresponder à falsa estrutura do pensamento pecaminoso.

Desde então também, em terceiro lugar, o homem virou-se para a mentira ética, para a falsidade, para o mal
na superfície da questão da relação do pensamento e da expressão, para as coisas que ele conhece. Não poderia ser
de outra forma. Ele virou-se para longe de Deus. Ele já não amava a Deus. Por isso, ele já não respeitava a si
mesmo e ao próximo por causa de Deus. Por conseguinte, quando já não havia verdade para com Deus, ele não
concebeu nenhuma necessidade de ser fiel a si mesmo ou seu ao semelhante. Assim, a sociedade tornou-se infiel.

Mais uma vez nós devemos observar que o real estado das coisas reconhecidamente não responde
plenamente a este retrato, como dado. Se assim fosse, teríamos o Inferno. Mas que não o tenhamos não é devido
ao homem. Deus enviou a Sua graça comum. É isso que dá ao homem um certo senso de verdade metafísica. Ele
sentiu alguma necessidade de um além como um centro de referência; o que testemunha a lógica do idealismo.
Isso também deu ao homem um certo senso de verdade lógica. Seus esforços científicos fizeram algum avanço,
embora desajeitado. Isso finalmente deu ao homem um certo senso de verdade ética. A pessoa média não mente
por causa do mentir. Ele tem alguma autoestima e senso de fidelidade. Na sociedade pode-se encontrar, às vezes,
até mesmo uma grande medida de fidelidade. Mas tudo isso não afeta minimamente a afirmação de que no íntimo
dos seus corações, os homens se aliaram com o mentiroso desde o princípio, contra a verdade desde a eternidade.
Jesus diz aos fariseus que eles falam as coisas que erma próprias de seu pai, cuja natureza é uma mentira.

Por conseguinte, quando o mandado de veracidade vem a nós na lei, ele não vem para nós a fim de avivar
as brasas da graça comum, mas para levar a bom termo o dom da graça especial. Verdadeiramente, é o dever de
todo homem ser fiel. Deus não diminui nem abranda a Sua exigência somente porque o homem fez-se impotente
para cumpri-la. Todos os homens devem ser capazes. Disso segue-se que todos os homens deveriam ser Cristãos.
Mas o comando vem principalmente àqueles que são redimidos, a fim de que eles cumpram a verdade que há nEle.
Em Cristo o homem é restaurado para a verdade metafísica, antes de tudo. O homem se reconhece como
uma criatura de Deus novamente. Através de Cristo, ele busca o ponto final de referência para toda a sua vida em
Deus. O homem é retirado do vácuo. O Espírito Santo tem servido como seu respirador. Lentamente, o homem
aprende a respirar conscientemente. Sua experiência determinada revive novamente. Logo ela opera, e opera de
forma frutífera. O novo homem em Cristo está assentado “nos lugares celestiais”. Isto se dá pelo ar puro que ele
respira.

Assim, o homem progride novamente. Ele está agora na atmosfera da lógica, bem como na atmosfera da
verdade metafísica. Uma dificilmente pode ser separada da outra. Seu progresso será lento, no início. O período
da adolescência será o período de sua vida presente. Depois disso ele fará seus progressos rapidamente. O novo
Céu e a nova Terra serão seus para explorar.

A principal colheita a ser feita nesta vida é a fidelidade ética. O Cristão, ou seja, o ser humano determinado
nunca pode, nem mesmo na profundidade mais íntima de seu pensamento, pensar de si mesmo, exceto na presença
da Verdade. Os olhos dAquele com Quem temos que lidar não conhecem escuridão. Os recessos mais escuros de
nosso coração, muitas vezes escondidos para nós mesmos, estão nus e patentes para Ele. Os sete espíritos de Deus
sondam até mesmo as profundezas turbulentas de nossas almas totalmente reflexivas da verdade. A partir disso,
aprendemos a amar a verdade. A verdade nos torna livres da escravidão da mentira.

Como deveres específicos, então, podemos enfatizar esta veracidade interna conosco mesmo. O autoexame
é a nossa tarefa diária. E este autoexame deve ter a Palavra de Deus como seu padrão. Os não-Cristãos também
falam de autoexame. No entanto, seus resultados são sempre autoexaltação ou autoaniquilação. A razão para isto
é que o mundo não tem um verdadeiro padrão de autoexame. Este considera Jesus como um homem ideal ou algum
outro ideal. O Cristão tem a demanda absoluta da Palavra. Ele sabe que o ideal é a perfeição: “Sede vós pois
perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus" [Mateus 5:48]. Ele sabe que está longe, muito longe de
ter alcançado esse objetivo. Isso o mantém humilde. Mas ele também sabe que a graça de Deus está em seu coração
e que, portanto, não precisa se desesperar. Um dia ele será perfeito. A libertação do pecado e um pleno
conhecimento da verdade está diante dele. Assim, ele se esforça nobremente enquanto segue em frente.

Assim, nós devemos estar sempre mais preocupados com o que Deus pensa de nós do que com o que o
homem pensa de nós. O mundo nos diz que somos um povo peculiar, isto é, um povo estranho. Nós não gostamos
de ser assim considerados e somos tentados a ser conformados com o mundo, tanto quanto nós ousamos.
Perguntamo-nos se podemos fazer isso e aquilo como Cristãos. Especialmente neste caso em relação a todos os
tipos de prazeres mundanos. Em vez disso, Deus nos diz que devemos ousar ser um povo “peculiar”, a fim de que
possamos anunciar as grandezas dAquele que nos trouxe das trevas para a Sua maravilhosa luz. Alguns dos líderes
dos judeus acreditavam em Jesus secretamente, “Porque amavam mais a glória dos homens do que a glória de
Deus” (João 12:42). Assim, não ousamos nos alinhar com as causas impopulares, especialmente quando o ódio
que se derrama sobre nós poderia vir daqueles que professam o Cristianismo.

Em seguida, em segundo lugar, não somente devemos respeitar a nós mesmos como portadores da verdade,
devemos manter e desenvolver-nos como tal. O autoexame pode ajudar também a isso como tal, uma vez que nos
aponta para o ideal. Mas acima de tudo, obedecendo ao Senhor, que é o Espírito (2 Coríntios 3:18), quando ele
olha para Aquele que é a Verdade “somos transformados na mesma imagem de glória em glória”. Então, se em
nosso caminho de progresso houverem aqueles que procuram interferir, podemos precisar para defender nossa
reputação. Falsos irmãos podem tentar retardar o nosso progresso, porque o nosso progresso honra a Cristo. Então
para a honra de Cristo, devemos nos defender. Especialmente este é o caso, se Cristo nos honrou, dando-nos um
ofício em Sua igreja. Nesse caso, Satanás tentará o seu melhor para nos difamar, a fim de difamar a Cristo. Paulo
dá-nos uma boa ilustração do que fazer nesse caso. Ele recebeu uma quantidade excepcionalmente grande de
ridicularizarão do adversário, porque ele fez uma obra excepcionalmente grande para Cristo através do ofício
excepcional do Apostolado. Era o seu Apostolado que o inimigo ridicularizava. Eles diziam que ele era um homem
de imaginação fértil obcecado com uma ideia fixa. O que Paulo faz? Ele estava disposto a suportar muitas outras
afrontas, mas quando seu ofício é atacado, ele grita: “Não sou eu apóstolo? Não vi eu a Jesus Cristo Senhor
nosso?”, “os sinais do meu apostolado foram manifestados entre vós com toda a paciência, por sinais, prodígios e
maravilhas” (1 Coríntios 9:1; 2 Coríntios 12:12).

Em todo o tempo, o Cristão não deve apresentar-se como sendo mais do que ele é, nem, por outro lado
desnecessariamente rebaixar-se diante dos olhos dos homens. E, especialmente, ele deve crescer na fidelidade
comum que mesmo os incrédulos manifestam. Acontece com demasiada frequência que os Cristãos são menos
confiáveis no mundo dos negócios do que os não-Cristãos. Logo, os Cristãos desenvolveram consciências muito
flexíveis com relação às contas de supermercado, pesos e medidas, e com relação à honestidade nos negócios em
geral. Ora, isso é uma vergonha para Cristo. Isso dá muito motivo para o mundo blasfemar o Nome santo que está
acima de todo nome.

Semelhante às obrigações com respeito a nós mesmos, são as nossas obrigações no que diz respeito aos
nossos próximos. Devemos, em primeiro lugar, pensar fielmente sobre eles. Isso não significa que devemos
considerar todos iguais. Isso não deveria ser pensar fielmente. Sabemos que alguns não têm a verdade. Sabemos
que, no fundo, eles amam a infidelidade. No entanto, sabemos que, pela graça comum ele pode praticar certa
fidelidade geral. Por isso devemos “folgar com a verdade” (1 Coríntios 13:6). Devemos “tudo crer”, ou seja,
acreditar em todas as coisas boas ao invés de crermos nas coisas ruins. A suspeita não fundamentada é algo não-
Cristão.

Em segundo lugar, devemos falar a verdade ao e sobre o nosso próximo. O pensamento pronuncia-se no
discurso. O que dizemos deve corresponder e ser expressivo do que pensamos. Portanto, se sabemos que alguém
é um bom homem não ousamos dizer que ele é um homem ruim ou não completamente um bom homem. Por outro
lado, se sabemos que alguém é um homem mau, nós não podemos, para o nosso próprio interesse ou dele,
especialmente perante o tribunal, dizer que ele é um bom homem. “Estas são as coisas que deveis fazer: Falai a
verdade cada um com o seu próximo; executai juízo de verdade e de paz nas vossas portas. E nenhum de vós pense
mal no seu coração contra o seu próximo, nem ameis o juramento falso; porque todas estas são coisas que eu odeio
diz o Senhor” (Zacarias 8:16-17). Assim, o mexeriqueiro que fala sem ter qualquer base mais sólida do que a de
“fema” todos os tipos de histórias sobre o Sr. Fulano de Tal e, especialmente, sobre o Reverendo Fulano de Tal,
faz coisas odiadas pelo Senhor. Pois é especialmente com respeito àqueles que estão em um ofício de estado ou
igreja que devemos ter cuidado. Sua reputação significa muito para a sociedade. No Antigo Testamento, os juízes
são chamados de “Elohim”; (Êxodo 21:6) e, especialmente Salmos 82:8, a que Jesus se refere em João 10:32: “Não
está escrito na vossa lei: Eu disse: Vós sois deuses”. Os juízes foram chamados deuses porque eles eram
representantes de Deus e Deus falava através deles. E, como aqueles que têm cargo na Igreja, eles representam
Deus em Cristo. Daí, a injunção de Paulo ter um cuidado especial da reputação daqueles que eram anciãos, ou
seja, governantes representativos de Cristo. Assim, em todos estes casos, se outros têm falado mal nós devemos,
tanto quanto está em nós, buscar anular os efeitos deste mal. Procurar acabar com falsos rumores pode ser uma
tarefa difícil, mas é nossa tarefa mesmo assim.

Uma tarefa mais difícil ainda nos espera quando observamos que é o nosso dever conversar com outras
pessoas e, especialmente, com os nossos irmãos Cristãos sobre o seu dever de serem verdadeiros. Isto é mais difícil
quando eles têm, obviamente, falhado a este respeito. A atitude sou-eu-guardador-do-meu-irmão? é uma atitude
não-Cristã. Esta tarefa é mais difícil se o infrator estiver em uma em um ofício de alta posição, porém o mais
necessário é que nós cumpramos a nossa tarefa. Somente assim nós podemos procurar não somente o respeito,
mas também desenvolver a fidelidade sobre nós.

Para que estão investidos de ofícios, especialmente, para os ministros, é necessário lembrar neste momento
que, a fim de desenvolver a veracidade eles devem buscar obter confissões de falsidade por um discreto método
amigável. Ser suaviter in modo beneficia aquele que vive em uma casa de vidro. Qualquer pretensão de perfeição
nesta realização repelirá em vez de atrair. Assim, não se desenvolve, mas se retarda o desenvolvimento da
veracidade. Ao mesmo tempo, o segredo pode ser necessário. A Igreja Católica Romana tem com a sua doutrina
de sigillum confessionis proibido o seu sacerdócio de revelar os segredos revelados a eles. Agora, existem situações
concebíveis em que o sigilo seria um pecado. Suponha que alguém revele uma trama de assassinato para você. Em
tal caso, o autor quebrou suas relações com a sociedade e não tem o direito de esperar nada, senão a punição da
sociedade.

Ainda mais, se deve haver um desenvolvimento geral da veracidade na sociedade, seus membros, em suas
relações, não podem empregar quaisquer reservatio mentalis. Nem sempre é necessário dizer tudo o que nós
sabemos (Provérbios 3:7; 29:11), mas o que se entende por reserva mental é a tentativa deliberada de enganar por
não falar toda a verdade. Por exemplo, alguém pode questionar-lhe sobre algo que você não se importa em revelar.
Você responde-lhe dizendo que você não sabe sobre o assunto, e depois mentalmente reserva o pensamento
“quanto a qualquer coisa que é pública”. Tal reserva mental é desonestidade e é produtiva de desonestidade.

Mas, alguém dirá que fazemos isso porque é útil para a sociedade. Nesta base muitos moralistas têm
defendido a mendacium officiousum, ou seja, a mentira de necessidade. As razões para a defesa são (a) que tais
mentiras são feitas para um bom propósito, (b) que evitam um mal maior, e (c) que devem, por vezes, serem
empregada quando se enfrenta uma colisão de deveres. Além disso exemplo, a Escritura é citada para provar que
isso é permissível. As parteiras dos israelitas que enganaram Faraó foram abençoadas. O próprio Deus disse a
Moisés para pedir a Faraó que deixasse Israel sair, pois este não faria mais do que uma curta viagem ao deserto.
Raabe, a meretriz que escondeu os espiões foi mantida viva quando os outros foram mortos. O homem de Baurim
escondeu os espiões de Davi em um poço e foi abençoado (2 Samuel 17). Ora, quanto às razões dadas, elas não
são conclusivas. Quanto à boa intenção, respondemos que o fim não justifica os meios. Que evitam mal maior nós
não podemos aceitar. Elas podem evitar o que nos parece um mal maior. Mas, mesmo Sócrates sabia que perder a
vida não é tão grande mal quanto cortejar o desfavor dos deuses. Nem sempre somos realmente colocados diante
de uma colisão de deveres. Nosso pensamento de que somos é geralmente devido à falta de oração e estudo das
Escrituras. E se temos sido fiéis nestes assuntos, resta para o Cristão apenas pequena dúvida se ele está andando
no caminho do Senhor. Então, como os exemplos bíblicos, não temos nenhuma garantia de que as parteiras foram
abençoadas por causa de seu engano; foram abençoados, apesar dele, por sua fé. Em segundo lugar Moisés testou
o coração de Faraó com um pequeno pedido. Se ele tivesse lhe concedido, o maior assunto teria sido abordado.
Vendo que ele não concedeu-lhe, não havia necessidade de mencionar mais nada. O caso de Raabe é semelhante
ao das parteiras. Ela era a única que tinha fé e foi salva por causa disso. Finalmente, no caso do homem de Baurim
estamos diante de uma estratégia marcial e não há nenhuma garantia de que ele usou de engano. Assim, não vemos
nenhuma razão nestes exemplos para se desviar do mais estrito princípio moral que sempre condenou a mentira
de necessidade.

A mentira de necessidade é, talvez, a mais frequentemente praticada em caso de doença grave. Agora vamos
admitir, é claro que a condição mental é importante. Segue-se, então, que a grosseria desnecessária deve ser
evitada. Mas suponha que um descrente esteja mortalmente doente. É misericórdia para com ele esconder dele
esse fato? O conhecimento do fato pode levar ao arrependimento enquanto a falta de conhecimento do fato pode
levá-lo a confiar em sua falsa esperança novamente. E, quanto ao Cristão, ele também tem o direito de morrer tão
autoconsciente quanto possível. Casos difíceis, sem dúvida, surgirão, mas que Cristão se atreve a dizer que a graça
de Deus alguma vez honrará medidas que são profanas?

Muito diferente é o caso com o mendacium iocosum, ou seja, ficção por diversão. Estritamente falando,
isso não é engano. O dom da imaginação permitiu ao homem criar mundos fantásticos que deliciaram sua alma. O
mundo da ficção é baseado nisso. Assim também a conversação da vida social pode ser animada por resposta que
envolve a mendacium iocosum. No entanto, devemos observar que uma indulgência livre do imaginativo e
romântico muitas vezes nos faz perder até certo ponto, o nosso sentido de veracidade sóbria e nossa aptidão para
lidar com o mundo prosaico da realidade. Até mesmo escritores não-Cristãos admitiram que as fantásticas
apresentações de filmes futuristas fatalistas têm ajudado a preparar a juventude de nossa nação para muitas
carreiras de crime e especulação. A atração do dinheiro “fácil” em vez do dinheiro “honesto” e a atração do prazer
“fácil” em vez do prazer “honesto” tem sido frequentemente evocado pela ocupação desproporcional com o
sobrenatural.

Mesmo o mendacium humilitatis que é geralmente considerado como não mais do que o óleo que suaviza
as articulações rangentes da sociedade, às vezes, pode malmente ser distinto da hipocrisia. Demasiadas vezes
aqueles que são mais educados te ferirão “na quinta costela”, entrementes. Há aqui uma média de ouro pela qual
se esforçar.

Aquele que quer ser um Cristão, de fato, deve lembrar-se das palavras de Jesus: “Eu sou a Verdade”.
O Décimo Mandamento — Desejo

Tem sido apontado em relação a todos os Mandamentos que o significado literal das palavras utilizadas em
todos os casos em absoluto não esgota a implicação do propósito de Deus. O estado não pode esperar nada mais
do que a obediência exterior. Mas Deus não é satisfeito com isso. Ele demanda perfeição interna antes de tudo.

Neste Décimo Mandamento Deus chama especial atenção a este fato, uma vez mais. A peculiaridade deste
Mandamento não deve ser encontrada nos objetos em relação ao qual desejo é proibido. Estes objetos são
abrangidos pelo Oitavo Mandamento. A peculiaridade deste mandamento deve ser mui encontrada em sua ênfase
específica sobre a necessidade de perfeição interior.

Deus criou o homem internamente perfeito. Por qualquer nome que possamos buscar designar aquilo que
é mais íntimo e, portanto, no comando da vida humana, esse aspecto mais íntimo da personalidade humana foi
criado bom. É bom notar que o pensamento antiteísta deve negar este fato. Por isso, não pode haver bondade ética
até depois que a vontade operou. Somente a operação da vontade pode produzir “natureza” ou personagem. Agora,
pode-se afirmar seguramente que em tal caso nenhum caráter ou natureza jamais seria capaz de desenvolver-se na
medida em que o sujeito da ação seria definido em um vácuo, que não lhe conferia nenhuma força propulsora.
Cada objeto de uma ação deve ter uma “natureza”, segundo a qual ele age ou ele morrerá de fome como o burro
proverbial entre duas caixas de feno, incapaz de escolher o que comer. Em suma, uma criatura sem um caráter
seria nenhuma criatura; ela já seria metafisicamente desprendida de Deus, em Quem somente, ela pode viver e se
mover e a ter a sua existência.

Não é inconsistente com isto dizer que a própria Bíblia reconhece o valor e a necessidade da escolha
humana, a fim que o caráter seja desenvolvido. Nós consentimos com isso prontamente. O ponto é, no entanto,
que se alguma coisa deve ser desenvolvida, deve estar lá desde o início. A moral não pode se desenvolver a partir
da não-moral. A evolução fala muito de “forças inerentes” por que visa manter a continuidade entre a moral e a
não-moral, entre o homem e o animal. Por outro lado, ela ressalta a escolha do indivíduo separada da sua natureza
como a fonte da diferença entre a moral e a não-moral. Esta é uma manifestação da autocontradição na base do
pensamento não-teísta. O teísmo evita esta dificuldade. Ele apenas dá à vontade do homem um significado genuíno
porque somente ele dá a essa vontade um campo de operação. Seria bom para os Arminianos ortodoxos perceberem
que eles estão rapidamente jogando ao lado dos antiteístas pela sua posição a meio caminho neste ponto. Não há
poder mordaz contra o inimigo em uma posição que consente metade do caminho.

Dizemos, portanto, que a lei de Deus foi escrita no coração do homem na criação. Em seus desejos mais
profundos, nas forças controladoras de sua personalidade, o homem foi estabelecido para operar em relação a
Deus. A prioridade relativa do intelecto, da vontade e dos sentimentos não é de grande importância neste contexto.
Será que o subconsciente em grande parte controla o consciente? Está bem. Você enfatizaria juntamente com a
psicologia moderna a importância dos instintos? Está bem. Você enfatizaria alguma coisa mais? Está bem. Seja o
que for que você considere a maior profundidade da personalidade humana, é ali onde Deus quer que você seja
puro. E a menos que Ele tenha criado o homem puro exatamente nesse ponto, ou seja, a menos que Deus escrevesse
a Sua lei no “coração” do homem para que ele espontaneamente cumprisse essa lei, o homem não poderia sequer
começar a entender o que um mandamento moral seria. Não haveria ponto de referência moral no homem a que
os Mandamentos pudessem ser endereçados. Não seria a imoralidade, mas não a não-moralidade que levaria o
cachorro a rejeitar o seu sinal: Não furtarás.

O pecado estabeleceu este âmago interior da personalidade do homem em oposição a Deus. O homem tem
procurado ser a fonte da lei em vez de satisfazer-se em estar sujeito à lei. Ele tem impulsionado esta questão até o
ponto dele ainda não saber mais ser ele mesmo um transgressor da lei. Sem a lei (que é a lei promulgada no Sinai),
não há conhecimento do pecado. O homem pensa que a carne é verdadeiramente natural. E tudo o que é “natural”
é dito ser bom. Rousseau fez deste o fundamento da sua teoria da educação. Por isso, é necessário para nós que
ensinamos que (a) o natural como criado a partir das mãos de Deus era realmente bom, (b) que o presente “natural”
é não-natural e, portanto, não é bom.

Cristo veio restaurar o original natural ou verdadeiro. Ele exigiu perfeita obediência. Ele enfatizou isso
especialmente no Antigo Testamento, enviando a lei promulgada diante dEle. Este era o único padrão pelo qual os
homens poderiam realmente conhecer a si mesmos. Sua exigência absoluta foi calculada para conduzir os homens
a Cristo como o Único a cumprir as Suas exigências. Assim, a lei era o aio para conduzir a Cristo. Aqueles que
estão em Cristo são perfeitos. Eles são santos. Eles estão “livres da lei”. Eles amam a Deus de novo. O núcleo do
seu ser é verdade novamente. “Oh, como amo a tua lei”, é o refrão de sua canção. Daí o seu esforço constante para
rastrear todas as suas motivações até o seu covil mais profundo. A partir daí, são expurgados os últimos vestígios
de idolatria; do culto a imagens; da quebra do Sabath; do desrespeito à autoridade, à vida humana, à pureza, à
propriedade e honestidade. Nenhuma leve satisfação exterior vai levá-los a dizer: “todas essas coisas tenho
observado desde a minha mocidade”. Eles sabem que não têm guardado nenhuma das leis de Deus, em princípio.
Nem eles alguma vez dividirão a lei de Deus mecanicamente como se um mandamento fosse quebrado e os outros
permanecessem intocados. Especialmente este é o caso em relação à primeira e a segunda tábuas da lei. Nenhum
homem pode amar o próximo, a menos que ele também ame verdadeiramente a Deus.

Uma saudade do céu será encontrada no coração do Cristão, quando ele olha para o Décimo Mandamento.
Quando todos os motivos realmente serão puros como meu Senhor espera que eles sejam e como eu
fervorosamente gostaria que eles fossem? Não até que eu seja reunido com os vinte e quatro anciãos ao redor do
trono, vestindo as vestes brancas da justiça de Cristo, sem mancha nem ruga, nem coisa semelhante. Essas vestes
não mais tocaram na lama do pecado; elas permaneceram perfeitas para sempre naquela atmosfera de justiça.

Enquanto isso, eu não esqueço a minha tarefa como um pregador da justiça na terra. Eu busco pelos meios
de graça para desenvolver retidão e obediência à lei de Deus em geral, dentro de mim, e também dentro do meu
companheiro Cristão. E quanto a meu semelhante que não é Cristão, eu sei que ele está “morto em delitos e
pecados” [Efésios 2:1], e odeia a Deus e ao próximo em seu coração. No entanto, também sei que Deus tem
refreado esse ódio, a tal ponto de que, enquanto na terra, é possível para ele fazer o “bem natural”. Ele tem um
certo senso da necessidade da lei. Ele, com certeza, pensa que a lei realmente existia à parte de Deus, e, portanto,
serve a um Deus desconhecido, mas por este serviço ele é guardado de transformar a terra no Inferno.
Consequentemente eu ainda vejo nele algo da imagem de Deus, e respeito a justiça exterior que ele pratica. Eu até
colaboro com ele para procurar desenvolver um respeito geral pela lei e ordem, a nível local, nacional e
internacional. Por essa justiça geral exterior, Deus providenciou uma atmosfera na qual o verdadeiro povo de Deus
não foi imediatamente destruído, mas na qual eles poderiam praticar a justiça, pela graça. Assim, a antítese entre
os justos e os injustos não aparece de forma tão clara quanto poderíamos pensar que seria. Mas, conforme o tempo
passa e até o final da história deste mundo, Deus permite que princípio fique contra princípio, o exteriormente
justo aparecerá cada vez mais injusto. Então, aquele “sem lei”, “o homem da injustiça” que se exaltará acima da
lei de Deus aparecerá e os injustos vão adorá-lo e obrigar o justo a adorá-lo. Mas, então, também Aquele que foi
achado digno de abrir o livro com os sete selos, porque Ele tinha sido morto como o Justo, para trazer a vitória e
promover a justiça, aparecerá para lançar a injustiça e os injustos no abismo que é sem fundo porque ali não há
nenhuma lei, nenhuma ordem, e para receber aqueles que obedecem a lei de Deus no reino onde a lei e a ordem
estão, e, portanto, descansam. 21

ORE para que o ESPÍRITO SANTO use esta Exposição para trazer muitos ao conhecimento salvífico de JESUS CRISTO para a glória de
DEUS PAI.

Sola Scriptura!
Sola Gratia!
Sola Fide!
Solus Christus!
Soli Deo Gloria!

21
Van Til, C., & Sigward, E. H. (1997). The works of Cornelius Van Til [As Obras de Cornelius Van Til], 1895-
1987 (ed. eletrônica). New York: Labels Army Co.

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