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CONCEIÇÃO LIMA, Dulcilei Da. Tá Na Cabeça Tá Na Web - Significados Simbólicos e Historicidade Do Turbante No Brasil
CONCEIÇÃO LIMA, Dulcilei Da. Tá Na Cabeça Tá Na Web - Significados Simbólicos e Historicidade Do Turbante No Brasil
Tá na cabeça, tá na
web! Significados
simbólicos e
historicidade do uso do
turbante no Brasil
[ 21 ]
It’s on the head, it’s on the web! Symbolic meanings
and historicity of the use of the turban in Brazil
[palavras-chave]
turbante no Brasil; cabelo crespo; transição capilar;
estética negra; mulheres negras.
Não foi a primeira vez que o uso do turbante gerou controvérsia na in-
ternet, mas em fevereiro de 2017 o debate ganhou grandes dimensões por ter
sido iniciado após o relato de uma moça em tratamento de um câncer.
O caso
Em 4 de fevereiro de 2017, T.C.1 publicou em sua página no Facebook o
post abaixo, acompanhado de uma fotografia:
Vou contar o que houve ontem, pra entenderem o porquê de eu estar brava com
esse lance de apropriação cultural:
#VaiTerTodosDeTurbanteSim
É som de preto
De favelado
Mas quando toca ninguém fica parado
O nosso som não tem idade, não tem raça e não tem cor
Mas a sociedade pra gente não dá valor
Só querem nos criticar pensam que somos animais
Amilcka e Chocolate (Som de preto)
Esse processo não tem sido feito sem grandes enfrentamentos, basta acom-
panhar as denúncias de mulheres negras hostilizadas em entrevistas de emprego
ou forçadas, por seus empregadores, a alisar os cabelos4. Tais denúncias desve-
lam o racismo contido na reprovação ao cabelo natural da população negra.
[ 29 ]
Escravas de ganho, cerca de 1860. Imagem da esquerda de autor desconhecido, acervo Museu
Imperial de Petrópolis. Imagem da direita de autoria de Christiano Júnior, coleção particular.
Desde o início dos anos 2010 se disseminou via redes sociais um movimen-
to de valorização do cabelo crespo natural. Uma busca numa das redes sociais
mais utilizadas pelo brasileiro, o Facebook, revela a existência de vários grupos
dedicados a trocar dicas de produtos, cortes, coloração e penteados para a
realização do processo de transição capilar e manutenção do cabelo crespo.
[ 33 ]
Tutoriais no YouTube dão dicas de uso do turbante durante a transição capilar. Nas
imagens (da esquerda para a direita) Diário da transitete e Canal Nina Gabriella.
[ 34 ]
[ 35 ]
[...] não é o ato de usar turbante que ofendem (sic) esses gru-
pos, mas o fato de usar o turbante sem ter consciência de que
para muitas comunidades o significado do turbante se mostra
para além da estética, possuindo um valor simbólico no âmbito
da religiosidade, de crença ou de posição social dentro dessas
comunidades. E mais ofensivo ainda é utilizar-se desse símbolo
para fins econômicos, como mercadoria ou valor de troca, den-
tro da lógica capitalista de inovação de produtos, surgimento de
modas ou objetos de consumo que alimentam e empoderam o
referido sistema. (PINHEIRO, 2015, p. 8)
Considerações finais
[ 39 ]
NOTAS
1
Em respeito à pessoa diretamente envolvida optou-se por utilizar apenas as iniciais de seu nome.
2
Ver o texto Tirem as mãos dos nossos símbolos de luta, de Eliane Oliveira. Disponível em: <http://blogueirasnegras.
org/2013/11/27/tirem-maos-simbolos-luta/>. Acesso em: 05 jun. 2017
3
Marcha do Empoderamento Crespo: ver página do coletivo sob o mesmo nome no Facebook. Trata-se de um
coletivo de Salvador (Bahia), dedicado a promover ações de valorização do cabelo crespo e enfrentamento ao
racismo. Há coletivos similares em outras regiões do Brasil como “Manifesto Crespo” e “Coletivo Encrespa” de São
Paulo e o “Meninas Black Power” do Rio de Janeiro.
4
Alguns dos casos noticiados pela mídia em que pessoas negras foram hostilizadas pelo uso do cabelo crespo
natural ou instadas a fazer chapinha ou alisamento para garantir empregabilidade: <https://oglobo.globo.com/
sociedade/justica-condena-loja-indenizar-vendedora-obrigada-alisar-cabelo-18983944>.
<http://www.pragmatismopolitico.com.br/2011/12/estagiaria-negra-e-forcada-alisar.html>.
<https://estilo.uol.com.br/beleza/listas/nao-consigo-emprego-por-causa-do-meu-cabelo-afro-veja-casos-de-
racismo.htm>.
Caso da jornalista que ao tentar renovar o passaporte teve a fotografia recusada pelo sistema da Polícia Federal
devido ao cabelo crespo: <http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/sistema-de-passaporte-da-pf-
recusa-pessoas-com-cabelo-afro-1606656>.
5
Abdias do Nascimento (1914-2011). Paulista de Franca, viveu a maior parte da vida no Rio de Janeiro. Fundador
do Teatro Experimental do Negro, organizador do 1o Congresso do Negro Brasileiro em 1950. Foi deputado
federal, senador, Secretário de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Estado do Rio de Janeiro
e o primeiro titular da Secretaria Estadual de Cidadania e Direitos Humanos. Escreveu obras importantes para
a compreensão da questão racial e da cultura negra no Brasil como O quilombismo (1980), O negro revoltado
(1982) e Orixás: os deuses vivos da África (1995). É um dos ativistas mais respeitados na história do movimento
negro brasileiro. Fonte: IPEAFRO – Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-brasileiros. Disponível em: <http://www.
abdias.com.br/>. Acesso em: 2 jun. 2017.
6
Configura-se como “um complexo movimento de ideias, teorias, arranjos e visões de mundo surgido na
primeira metade do século XIX, a partir dos contatos entre negros da Grã-Bretanha, Antilhas, EUA e lideranças do
continente africano. Trata-se uma resposta às teorias raciais desenvolvidas ao longo do século XIX, a exemplo da
poligenia e do darwinismo social” (LIMA, 2011).
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