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ECONOMIA E

POLÍTICA SOCIAL
Profa. Ariana Celis Leite
BLOCO 6. POLÍTICAS SOCIAIS E FUNDO PÚBLICO

6 Apresentação
Dívida pública, austeridade, fundo público, parceria público-privada são termos que
têm sido muito utilizados nesse período de crise que o país vem vivenciando, mas você
sabe o que realmente significam esses termos? Nesse bloco, vamos entender um
pouco mais dessas políticas e como elas afetam o trabalho do assistente social.

6.1 Políticas públicas x políticas sociais


Políticas públicas e políticas sociais são sinônimos?
Não são! Porém, é comum nos depararmos com pessoas fazendo essa associação de
forma errada. Confira o significado de cada termo.

6.1.1 Políticas públicas


Política pública é uma modalidade particular de intervenção estatal. No vídeo a seguir,
esse conceito é explicado de forma detalhada.

O que são políticas públicas

Texto adaptado de vídeo da Escola Virtual de Cidadania – Câmara dos Deputados

7 nov. 2016

Sabemos que o Estado é o responsável por organizar e exercer a vontade coletiva por meio
de um governo eleito e por instituições públicas, tais como congresso nacional ou a câmara
de vereadores da sua cidade.
A cada eleição, os partidos e os candidatos se apresentam à sociedade com uma série de
propostas reunidas nos programas partidários. Os eleitores votam nos candidatos e nas
suas propostas. Ao fazerem isso, deixam claro quais são aquelas que têm as suas
preferências. Uma vez eleitos, os governantes desenvolvem as propostas que apresentaram
nas eleições e as transformam em plano de governo.
É nesse plano que vão ser definidas as políticas públicas para cada área específica como
saúde, segurança, educação, transporte e meio ambiente.
Detalhando um pouquinho mais: vamos supor que os eleitores escolheram um candidato
que tem a área de saúde como sua principal plataforma eleitoral. Ele elabora seu plano de
governo e as equipes técnicas vão então trabalhar essa prioridade, definindo como será a

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política pública de saúde, seus principais objetivos e metas. Também são os técnicos do
governo que vão viabilizar a execução dessa política pública, fazendo orçamentos, cuidando
das contratações necessárias, gerindo contratos.
Finalmente, aquela política pública de saúde vai se concretizar na construção de hospitais e
postos de saúde, por exemplo. Fica claro, então, que é por meio das políticas públicas que o
Estado desenvolve sua atuação. Por isso, podemos dizer que elas são um conjunto de
decisões, projetos, objetivos e metas para resolver problemas em áreas específicas e
garantir o melhor interesse público, mas o trabalho não acaba com a execução dos
projetos, porque depois de efetivadas as políticas públicas ainda precisam ser avaliadas e
isso acontece em dois níveis.
A primeira avaliação é feita pelo próprio governo verificando se o que foi concebido foi
realizado, se tudo aconteceu de acordo com a lei e os procedimentos adequados, se os
resultados imaginados foram produzidos.
A segunda avaliação é aquela feita pela população. Os governantes têm o dever de mostrar
a todos se cumpriram com aquilo que apresentaram como propostas no momento
eleitoral. A população vai, então, julgar se os governantes atenderam ou não as
expectativas que geraram quando se apresentaram como candidatos. Isso também faz
parte do exercício da cidadania, mas ainda devemos lembrar que os cidadãos não precisam
esperar o ciclo eleitoral para exercerem essa cidadania.
Hoje eles são chamados a participar a qualquer tempo, levando suas demandas aos órgãos
do Estado principalmente por meio do poder legislativo, que é o órgão de representação
máxima do povo e que pode mobilizar diversas instâncias para que as políticas públicas
sejam executadas ou alteradas.
Vamos recapitular: políticas públicas são a forma como o governo traduz as necessidades e
prioridades que os eleitores escolheram por meio de seus votos em ações práticas; por isso,
é importante que você cidadão conheça sobre elas e saiba como participar.

Confira esse conteúdo em:


Políticas públicas: https://www.youtube.com/watch?v=406y7gDN-ZE

6.1.2 Políticas sociais


Política social é um conjunto de políticas públicas, voltadas para o campo da proteção
social. Refere-se

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[...] a ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo
Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando
à diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento
socioeconômico (HOFLING, 2001).
Exemplos de políticas sociais são: as políticas de seguridade social (saúde, assistência
social e previdência social), política educacional, habitacional, de trabalho, de
saneamento e ambiental etc.

Conclusão
Podemos afirmar que toda política social de iniciativa do Estado é uma política pública,
mas nem toda política pública é uma política social. O assistente social pode estar
inserido e trabalhando nessas diversas políticas públicas.

6.2 Apropriação do fundo público

Uma das medidas preconizadas pelo Estado de Bem-Estar que acarretou


mudanças significativas na área da seguridade social foi a criação de fundos
públicos para financiar as ações do Estado no que tange à proteção social de sua
população.
Os fundos são estruturas formais para transferência de recursos que surgiram
como mecanismos de controle administrativo e financeiro durante as reformas
administrativas do Estado brasileiro, tendo incorporado posteriormente funções
de controle político (ELIAS, 2004, p. 21 apud ARAGÃO Jr., 2011).

Todavia, o capital tem construído maneiras para se apropriar desses recursos e uma
dessas formas é a Desvinculação de Receitas da União (DRU).
A DRU é um mecanismo que permite ao governo usar, da forma que considerar
adequado, parte da arrecadação que seria, constitucionalmente, destinada à
Seguridade Social. [...] A Constituição Federal (CF/88), artigo 195, estipulou que a
Seguridade Social deve ser financiada pelo orçamento da União, Estado e
Municípios e por contribuições sociais. Essas contribuições não são passíveis de
partilha entre União, Estado e Município; já os impostos, que fazem parte do
orçamento fiscal, devem ser compartilhados entre os entes federados. Caso
aumentasse os impostos, haveria partilha entre os entes federados, o que não

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ocorreria com as contribuições. A partir dessa lógica, começa a surgir um
mecanismo para retirar parte do orçamento da seguridade sem precisar “dividir”
com os entes federados e financiar a dívida pública. [...]
Para “burlar” a constituinte, o Estado criou, em 1994, o Fundo Social de
Emergência [...], que permitiria a retirada de 20% dos recursos da Seguridade
Social para utilizar do modo que bem entender, com o argumento de estabilizar a
economia após o Plano Real. A partir de 2000, esse sistema passou a ser chamado
de DRU. [...]
A DRU deveria ser provisória, mas acabou se renovando por diversas vezes (de
quatro em quatro anos), retirando o percentual de 20% da Seguridade Social.
No projeto enviado por Dilma Rousseff (PEC 87/2015), o percentual a ser
usurpado aumentou de 20% para 30% e o tempo de vigência passou de quatro
anos para oito anos. O projeto foi aprovado no governo Temer e passou a ser a EC
93 de 2016. (LEITE, 2017)

Segundo Salvador (2016), por meio da DRU ocorre uma perversa “alquimia” que
transforma os recursos destinados ao financiamento da Seguridade Social em recursos
fiscais para a composição do superávit primário e, por consequência, os utiliza para
pagar juros da dívida.
A DRU é um movimento que segue na linha de acabar com as vinculações
constitucionais e é mais uma prova de que a seguridade social não é deficitária.
(LEITE, 2017)

6.3 Política da dívida pública


Acabamos de falar sobre a DRU e seu uso para a dívida pública. Agora chegou a hora
de entender o que é, afinal, essa tal dívida pública de que tanto ouvimos falar.

O que é a dívida pública?


por Nexo Jornal
22 jan. 2016
Para explicar a dívida pública, primeiro a gente precisa falar sobre as contas do governo. As
coisas funcionam como na vida de qualquer pessoa, o governo tem receitas e gastos. A

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principal fonte de receitas do governo são os impostos que pagamos e esses recursos são
gastos com saúde e educação, aposentadorias, pensões, salários dos servidores etc.
Quando gasta mais do que arrecada, o governo tem que cobrir o buraco pegando
empréstimos. O acúmulo desses empréstimos ao longo do tempo é o que forma a tal dívida
pública.
Quem empresta dinheiro do governo?
Qualquer um, você se quiser. Quando falta, o governo capta recursos através dos chamados
títulos de dívida, recebe dinheiro e assume o compromisso de devolvê-lo em uma data
futura e pagar juros periódicos ao credor. Grande parte desses títulos está nas mãos de
grandes investidores como fundos de pensão, fundos de investimentos e bancos.
Diferentemente do que muita gente imagina, apenas um quinto dos títulos são de
investidores estrangeiros. Pessoas físicas também podem investir nesses títulos através do
tesouro direto. É possível investir quantias pequenas, o retorno é maior do que o da
poupança e o investimento é sempre garantido pelo tesouro.
O único risco é o governo dar um calote, o que é pouco provável atualmente. A economia
pós-Plano Real não é mais caótica como nos tempos da hiperinflação. O país possui mais
reservas e o controle das finanças públicas melhorou com a lei de responsabilidade fiscal.
Além disso, o perfil da dívida mudou: em 2002, 45,8% do total era indexado ao dólar; hoje,
apenas 5,4% é. Agora, quando o dólar sobe muito, a dívida pública não sobe junto.
O Brasil deve quase R$ 3 trilhões de reais, o equivalente a 65,5% do PIB. Sim, é muito
dinheiro, mas não é anormal. Países ricos como os Estados Unidos devem mais de 100% de
seu PIB. Esse dado não assusta os investidores porque há certeza de que o governo
americano tem e terá no futuro capacidade de pagar, mas, no caso do Brasil, que já deu 11
calotes desde 1826, dever 65,5% do PIB é preocupante e o ritmo de crescimento da dívida
também é.
Nos últimos anos, com dificuldade para fechar as contas, o governo viu sua dívida aumentar
bastante. Esse foi um dos pontos que levaram as agências de classificação de risco a tirar
nosso selo de bom pagador.

Confira em:
https://www.youtube.com/watch?v=FmSqT_mnZNg

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Entrevista de Maria Lucia Fatorelli para a TV Carta Capital
2 set. 2015
A dívida pública, em tese, é um instrumento muito importante que deveria ajudar a
financiar o Estado. O Estado como instituição tem uma obrigação perante as pessoas,
perante o próprio país, ou estado ou município. O setor público, como Estado organizado,
tem uma obrigação. Essa obrigação deve ser financiada pelo conjunto dos cidadãos através
dos tributos que pagamos. Se esses recursos arrecadados não são suficientes, é legítimo
que o Estado lance mão do instrumento de endividamento público para complementar
esses recursos para que ele tenha como cumprir devidamente a sua missão perante a
sociedade.
Então, em princípio, o endividamento público é um instrumento muito importante e pode
ser algo muito bom, algo que viabilize políticas públicas e investimentos públicos, respeito
aos direitos humanos, de necessidades sociais etc.
Qual é o problema da dívida pública brasileira?
O grande problema é que quando nós investigamos, temos encontrado a utilização do
instrumento de endividamento público às avessas. Ao invés do endividamento público
trazer esses recursos, servir para aportar recursos e complementar os recursos à disposição
do Estado, o que está acontecendo é o que nós chamamos de sistema da dívida. A
utilização desse instrumento como uma contínua engrenagem que retira recursos públicos
e transfere para o sistema financeiro privado. Para dar um exemplo bem recente aqui no
Brasil, os jornais acabaram de anunciar que até julho o Banco Central teve uma perda em
operações chamadas de swap cambial. O que isso? É uma garantia que o Banco Central dá,
principalmente para o setor financeiro, referente à variação do dólar. É como se o setor
financeiro quisesse comprar dólar há mais tempo e o Banco Central dissesse “não, não
compre não, faça aqui comigo esse contrato que, se o dólar subir, eu lhe pago a diferença”.
Então, o Banco Central garante essa variação de forma irresponsável, na nossa opinião. O
Banco Central chegou a fazer contratos, desse tipo, de mais de 300 bilhões de reais e só
nesses sete primeiros meses deste ano [2016] a perda com esses contratos, porque o dólar
disparou, foi de 83 bilhões de reais. Isso gerou uma dívida pública. Eu pergunto a vocês:
“isso é dívida?”. O Brasil recebeu alguma coisa? Não, pelo contrário, o Banco Central pagou
essa diferença para os bancos e registrou uma dívida sobre a qual vão incidir juros, uma
dívida que terá que de ser paga ou com recursos públicos ou com venda de patrimônio para
“honrar” essa obrigação.
E qual a consequência desse tipo de dívida para o país?

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Nós já estamos com uma dívida, só a dívida chamada interna, em títulos emitidos pelo
tesouro que supera 3 trilhões e 600 bilhões de reais. É um escândalo, porque quando a
gente olha para essa cifra de 3 trilhões e 600 bilhões, qual é a contrapartida dessa dívida?
Então, começamos a investigar. Em vez de encontrarmos investimentos que poderiam estar
aí financiando a construção de hospitais (quantas cidades brasileiras não tem hospital?),
financiando a construção de escolas, a recuperação de universidades públicas, que várias aí
estão com problemas de infraestrutura e de investimentos em equipamentos necessários e
tudo mais, todo esse recurso poderia estar financiando esse tipo de investimento que
justificaria a sociedade se sacrificar para pagar os juros dessa dívida, porque os recursos
estariam sendo aplicados em seu benefício. Mas não. Quando investigamos essa dívida,
encontramos esse tipo de mecanismo meramente financeiro, que não serve à sociedade de
forma alguma, que são operações especulativas e operações que interessam unicamente o
setor financeiro privado. É por isso que os bancos aqui no Brasil têm lucros crescentes
bilionários. Ano passado, o lucro dos bancos superou 80 bilhões de reais em um ano e, nos
últimos anos, superou 70 bilhões, em nenhum lugar do mundo isso acontece.

Confira os vídeos:
A emissão de títulos públicos:
https://www.youtube.com/watch?v=Z5CtY2BlKxc

Como a dívida pública afeta a sua vida:


https://www.youtube.com/watch?v=hBXRHYwKgPA

6.4 Medidas de austeridade


Austeridade é “um conceito emprestado da filosofia moral que, inicialmente, buscava
transpor, sem mediação, virtudes individuais (sobriedade, parcimônia, prudência) para
o plano público”. (ROSSI, 2017)
No plano econômico, é a política de ajuste fundada na redução dos gastos
públicos e do papel do Estado em suas funções de indutor do crescimento
econômico e promotor do bem-estar social. [...]
No Brasil, o orçamento público tem um lado que aumenta a desigualdade social,
que é a arrecadação e outro que diminui que é o gasto primário. (ROSSI, 2017)

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Orçamento Federal (Fiscal e Seguridade Social)

Executado (Pago) em 2017 = R$ 2,483 TRILHÕES

Fonte: Auditoria Cidadã.

As medidas de austeridade fiscal propõem cortes nos gastos primários.


O corte de gastos primários no Brasil enfraquece o lado distributivo e aumenta a
desigualdade. Nesse sentido, a austeridade é seletiva, pois prejudica os mais
pobres. (ROSSI, 2017)

Nos últimos 20 anos, o gasto do governo central aumentou em proporção ao PIB para
atender as demandas da Constituição Federal de 1988. Esse gasto foi essencialmente
social.
Porém, a ideia da Emenda Constitucional (EC) no. 95 é retroceder 20 anos. Essa EC
“congela” os gastos públicas por 20 anos. Veja o gráfico a seguir.

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Fonte: Rossi (2017).

Em julho de 2018 no Senado, a austeridade econômica foi alvo de crítica dos


debatedores em uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação
Participativa (CDH). Ao longo do debate, houve críticas à PEC do Teto de gastos e os
cortes em programas sociais. Confira a reportagem:

Austeridade fiscal prejudica o desenvolvimento social, dizem especialistas

Senado Notícias

6 jul.2018

De acordo com uma estimativa da ONU, cerca de 2 milhões e meio de brasileiros entraram
na faixa da pobreza em 2017 com risco de o país voltar ao mapa da fome. O dado foi
lembrado pela especialista em gestão governamental do IPEA, Fabíola Vieira. Durante o
debate sobre a situação econômica do país, ela lembrou que numa crise as pessoas estão
sujeitas a se endividar, perder o emprego e sofrer consequências negativas até na saúde.
Fabíola: Quando vem a austeridade fiscal que corta políticas, programas sociais e corta
também na saúde, você tem uma dupla carga agindo e causando esses malefícios.
O secretário executivo do sindicato nacional dos auditores e técnicos federais de finanças e
controle, Bráulio Cerqueira, criticou as políticas de austeridade adotadas no país. Segundo
ele, somente em 2020 o PIB terá superado o patamar de 2014, o que configura a
recuperação mais lenta já registrada na economia brasileira.

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Cerqueira: E as finanças públicas, a austeridade resolveu o problema do déficit público?
Não, aprofundou. As políticas de austeridade foram acompanhadas por piora dos
resultados fiscais.
Autor do pedido para realização do debate na Comissão de Direitos Humanos, o senador
Paulo Paim, do PT gaúcho, disse que o Brasil deve priorizar políticas que ajudem no
desenvolvimento social do país.
Paim: Nós temos que ter políticas humanitárias, esse para mim é o eixo de qualquer debate
para quem quer um projeto de nação decente que pense efetivamente no povo brasileiro.
Durante o debate, os convidados também criticaram a proposta de emenda à constituição
que impõe um teto aos gastos públicos pelos próximos 20 anos.
Com supervisão de Celso Cavalcante, da rádio Senado, Marciana Alves.

Clique para conferir essa reportagem:


https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/07/05/austeridade-economica-
prejudica-politicas-sociais-afirmam-debatedores
Podcast:
https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2018/07/austeridade-fiscal-prejudica-o-
desenvolvimento-social-dizem-especialistas

6.5 Parcerias público-privadas


Trecho do projeto profissional, espaços ocupacionais e trabalho do assistente social na
atualidade

Por: Marilda Villela lamamoto

CFESS, 2012

[...]
As condições e relações de trabalho em que estão inscritos os assistentes sociais são
indissociáveis da Reforma do Estado, que redimensiona as relações entre o Estado e a
sociedade e atinge as políticas e/ou ações voltadas à questão social. Segundo a ótica oficial,
verifica-se um esgotamento da “estratégia estatizante”, afirmando-se a necessidade de
ultrapassar a administração pública tradicional, centralizada e burocrática. Considera-se
que o Estado deva deslocar-se da linha de frente do desenvolvimento econômico e social e
permanecer na retaguarda, na condição de promotor e regulador desse desenvolvimento.

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Observa-se uma clara tendência de deslocamento das ações governamentais públicas — de
abrangência universal — no trato das necessidades sociais em favor de sua privatização,
instituindo critérios de seletividade no atendimento aos direitos sociais. Esse deslocamento
da satisfação de necessidades da esfera pública para a esfera privada ocorre em detrimento
das lutas e de conquistas sociais e políticas extensivas a todos. É exatamente o legado de
direitos conquistados nos últimos séculos, que hoje está sendo desmontado nos governos
de orientação neoliberal, em uma nítida regressão da cidadania, que tende a ser reduzida
às suas dimensões civil e política, erodindo a cidadania social. Transfere-se para distintos
segmentos da sociedade civil significativa parcela da prestação de serviços sociais, afetando
diretamente o espaço ocupacional de várias categorias profissionais, entre as quais os
assistentes sociais.
Esse processo expressa-se em uma dupla via: de um lado, na transferência de
responsabilidades governamentais para “organizações da sociedade civil de interesse
público” e, de outro lado, em uma crescente mercantilização do atendimento às
necessidades sociais, o que é evidente no campo da saúde, da educação, entre muitos
outros. Ambos expressam a forma despolitizada de abordagem da questão social.
O chamado “terceiro setor”, na interpretação governamental, é tido como distinto do
Estado (primeiro setor) e do mercado (segundo setor). É considerado como não
governamental, não lucrativo e voltado ao desenvolvimento social; daria origem a uma
“esfera pública não estatal”, constituída por “organizações da sociedade civil de interesse
público”.
Nessa proposta merece destaque a noção de sociedade civil, a qual, por um malabarismo
ideológico, tende a ser reduzida ao terceiro setor e com ele identificada. No marco legal do
terceiro setor, são incluídas entidades de natureza as mais variadas, que estabelecem um
termo de parceria entre entidades de fins públicos de origem diversa (estatal e social) e de
natureza distinta (pública ou privada). Engloba, sob o mesmo título, as tradicionais
instituições filantrópicas; o voluntariado e organizações não governamentais: desde
aquelas combativas que emergiram no campo dos movimentos sociais, àquelas com
filiações político-ideológicas as mais distintas, além da denominada “filantropia
empresarial”. Chama atenção a tendência de estabelecer uma identidade entre terceiro
setor e sociedade civil. Esta passa a ser reduzida a um conjunto de organizações — as
chamadas entidades civis sem fins lucrativos —, sendo dela excluídos os órgãos de
representação política, como sindicatos e partidos, dentro de um amplo processo de
despolitização. A sociedade civil tende a ser interpretada como um conjunto de

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organizações distintas e “complementares”, destituída dos conflitos e tensões de classe,
onde prevalecem os laços de solidariedade. Os antagonismos desaparecem nessa
interpretação, pois na teoria é fácil eliminá-los por meio de um malabarismo ideológico,
ainda que continuem a ser produzidos e reproduzidos na vida social real. A coesão social é
salientada, acompanhada de um forte apelo moral ao “bem comum”, discurso esse que
corre paralelo à reprodução ampliada das desigualdades, da pobreza e da violência. Estas
tendem a ser naturalizadas, onde o horizonte é a redução de seus índices mais alarmantes.
Na contrapartida, colocar a questão social como matéria do Serviço Social é afirmar o
reconhecimento da sociedade de classes.
A universalidade no acesso nos programas e projetos sociais abertos a todos os cidadãos,
só é possível no âmbito do Estado. Este, ainda que seja um Estado de classe, dispõe de uma
dimensão pública que expressa a luta pelos interesses da coletividade. Projetos levados a
efeito por organizações privadas apresentam uma característica básica que os diferencia:
não se movem pelo interesse público e sim pelo interesse privado de certos grupos e
segmentos sociais, reforçando a seletividade no atendimento, segundo critérios
estabelecidos pelos mantenedores e não fruto de uma negociação coletiva. A decisão
quanto ao acesso ou não aos serviços, ao passar da esfera pública para a esfera privada,
deixa de ser um direito resguardado por lei e passível de ser defendido na justiça. Portanto,
ainda que o trabalho concreto do assistente social seja idêntico — no seu conteúdo útil e
formas de processamento, — o sentido e resultados sociais desses trabalhos são
inteiramente distintos, visto que presididos por lógicas diferentes: a do direito privado e do
direito público, alterando-se, pois, o significado social do trabalho técnico-profissional e o
seu nível de abrangência.
[...]
O texto na integra está disponível em:
http://www.cfess.org.br/arquivos/atribuicoes2012-completo.pdf

Referências do bloco 6
ARAGÃO Jr., G. A. A função do fundo público na seguridade social brasileira e no
financiamento da saúde. In: V Jornada Internacional de Políticas Públicas. São Luís
(MA), Universidade Federal do Maranhão (UFMA), ago. 2011.
AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA. Disponível em: <https://auditoriacidada.org.br>.
Acesso em: set. 2018.

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CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Atribuição privativa do/a assistente
social em questão. Brasília, 2012. Disponível em:
http://www.cfess.org.br/arquivos/atribuicoes2012-completo.pdf. Acesso em ago.
2018.
ELIAS, P. Fundos de Saúde. In: MAGALHÃES JÚNIOR, J. C.; TEIXEIRA, A. C. C. (Org.).
Fundos públicos e políticas sociais. São Paulo: Instituto Pólis, 2004, p. 21-24.
HOFLING, E. M. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, n. 55,
2001.
LEITE. A. C. (Des)proteção previdenciária e saúde do trabalhador: formas de
resistência coletiva. Dissertação de mestrado. São Paulo: PUC/SP. 2017. Disponível
em:
<https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/20475/2/Ariana%20Celis%20Leite.pdf>
Acesso em: jul. 2018.
ROSSI, P. Impactos da austeridade fiscal no Brasil. Audiência Pública Comissão de
Direitos Humanos e Legislação Participativa – CDH. Out. 2017. Disponível em:
http://pedrorossi.org/wp-content/uploads/2017/10/2017_AudienciaSenadoCDH.pdf>.
Acesso em: ago. 2018.
SALVADOR, E. Por que não há déficit na Seguridade Social e na previdência social? In:
Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil
(SINDIFISCONACIONAL). 2016. Disponível em:
<https://www.sindifisconacional.org.br/images/justica_fiscal/RGPS/textos_artigos/por
que-nao-ha-deficit.pdf>. Acesso em: jul. 2017.

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