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INTRODUÇÃO À FARMACOTÉCNICA

No rol das Ciências Farmacêuticas, a Farmacotécnica destaca-se por reunir


subsídios teóricos e práticos para aquele que, talvez, seja o maior objetivo do
profissional farmacêutico: produzir medicamentos. E, quando se fala em
medicamentos, fala-se de um produto que, por ser destinado à promoção da saúde,
é atrelado a um rígido controle de qualidade.
Desde os mais remotos tempos, a qualidade é embasada nas relações da
Farmacotécnica com as demais Ciências Farmacêuticas. O próprio Galeno,
considerado o pai da Farmacotécnica (se não da profissão farmacêutica), em seus
escritos no início da Era Cristã, demonstrava uma enorme coerência científica,
sendo que algumas de suas fórmulas são utilizadas ainda hoje.
Quando se pensa na técnica e todas as implicações relacionadas à escolha
da forma física do medicamento, dependemos de pré-requisitos muito importantes,
como a Química - em especial a Físico-Química e a Química Orgânica. O
conhecimento da primeira leva à otimização da técnica de preparo, e orienta quanto
ao perfil biofarmacêutico (velocidade de absorção) que se pretende atingir. Já a
Química Orgânica, além de sua importância nesses aspectos técnicos, também
subsidia nas questões críticas, como a estabilidade dos componentes envolvidos em
uma formulação e suas incompatibilidades.
Por outro lado, quando se pensa no propósito do medicamento, ou seja, a
que se destina, um dos pré-requisitos mais importantes da Farmacotécnica é a
Farmacologia, e consequentemente, Fisiologia, Bioquímica, Anatomia, entre outras
ciências. O conhecimento da Farmacologia definirá a melhor via de administração do
medicamento para o sucesso terapêutico, a melhor forma de apresentação e, por
conseguinte, a técnica envolvida no preparo.
Outras Ciências Farmacêuticas, como a Farmacognosia e a Química
Farmacêutica, têm relação direta com a produção de medicamento, uma vez que
são responsáveis pela obtenção e desenvolvimento dos princípios ativos. Desse
modo, estão relacionadas num eixo horizontal e vertical com a Farmacotécnica.
De modo semelhante, as disciplinas de Controle de Qualidade têm também
esta característica - exceto pelo fato de que no eixo vertical elas complementam a
Farmacotécnica, enquanto a Farmacognosia e Química Farmacêutica poderiam até
ser consideradas como pré- requisitos.
A Deontologia, por sua vez, vem complementar a questão do medicamento
nos aspectos legais e éticos, assumindo uma relação paralela com a
Farmacotécnica.
Farmacotécnica é, enfim, a ciência responsável pelo desenvolvimento e
produção de medicamentos, levando-se em conta o efeito terapêutico e a
estabilidade (prazo de validade) desejados, condições de acondicionamento,
transporte e armazenamento, bem como a forma ideal de administração e
dispensação. Seus principais pré-requisitos incluem outras Ciências Farmacêuticas,
como Farmacologia, Farmacognosia e Química Farmacêutica, além de ciências
básicas, como Físico-Química, Química Geral e Orgânica, Fisiologia, Patologia,
Parasitologia e Microbiologia

CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Considerando-se que a Farmacotécnica tem como função básica desenvolver


medicamentos ou meios de veiculação e administração de fármacos, alguns
conceitos se fazem importantes. Segundo a Farmacopeia Brasileira, em sua quarta
edição, temos como definições:
Fármaco: substância ativa, droga, insumo farmacêutico ou matéria-prima
empregada para modificar ou explorar sistemas fisiológicos ou estados patológicos
em benefício da pessoa a qual se administra o medicamento.
Medicamento: produto farmacêutico tecnicamente obtido ou elaborado, que
contém um ou mais fármacos juntamente com outras substâncias, com a finalidade
profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico.
Medicamento magistral: medicamento preparado na farmácia cuja
prescrição estabelece a composição, a forma farmacêutica e a posologia.
Medicamento oficinal: medicamento preparado na farmácia ou
industrializado, cuja fórmula está descrita nos compêndios oficiais (farmacopeias,
formulários).
Especialidade farmacêutica: produto farmacêutico industrializado que pode
ser:
Medicamento de referência: medicamento cuja patente expirou, podendo
então ser reformulado.
Medicamento genérico: bioequivalente a um medicamento de referência.
Medicamentos bioequivalentes: medicamentos que não apresentam
diferenças estatísticas no perfil farmacocinético (quantidade absorvida e velocidade
de absorção).
Medicamento similar: possui o mesmo princípio ativo, forma farmacêutica e
dose do medicamento de referência.
Equivalentes farmacêuticos: são medicamentos que contêm o mesmo
fármaco (ou mesmo sal, ou mesmo éster da molécula terapeuticamente ativa) na
mesma quantidade e forma farmacêutica, podendo ou não conter excipientes
idênticos.
Alternativas terapêuticas: são medicamentos que contêm a mesma
molécula terapeuticamente ativa ou seu precursor, mas não necessariamente na
mesma dose, forma farmacêutica, sal ou éster.
Forma farmacêutica: é a forma na qual o medicamento é apresentado,
podendo ser líquida (ex.: gotas, xarope, elixir), sólida (ex.: comprimidos, cápsulas),
semissólida (ex.: creme, gel, pomada) ou gasosa (ex.: spray, aerossol).
Fórmula farmacêutica: composição do medicamento, considerando a dose
do fármaco e percentuais dos demais componentes.
Dose: quantidade de fármaco suficiente (mínima) para produzir efeito
terapêutico ideal. A dose usual segura e eficaz é definida por estudos clínicos e
depende de fatores fisiológicos, patológicos e genéticos.
Posologia: frequência com que uma dose é administrada para manter níveis
plasmáticos terapêuticos. Pode ser determinada empiricamente ou por estudos
farmacocinéticos, por meio de duas possíveis abordagens:

a. Abordagem empírica: administração de determinada dose e


observação do efeito. Reajuste da dose e dos intervalos e nova
observação.
b. Abordagem cinética: os efeitos terapêuticos e tóxicos relacionam-se
com a concentração plasmática. Envolve a avaliação farmacocinética
da absorção, distribuição, metabolismo e excreção do fármaco no
organismo.

CLASSIFICAÇÃO DOS MEDICAMENTOS

Assim como os fármacos, que podem ser divididos em específicos ou


inespecíficos, e subclassificados sob vários aspectos (químico, farmacodinâmico,
terapêutico), os medicamentos também podem ser classificados sob vários critérios.
Entre os critérios mais populares está a forma de apresentação: comprimido,
drágea, solução, creme, supositório, pó, pomada, entre outros.
Quanto à farmacografia, ou seja, à forma de prescrição, existem
preparações oficinais (ex.: farmacopeicas), magistrais (prescritas pelo médico,
veterinário ou dentista) e as especialidades (registradas no Ministério da Saúde e
produzidas em escala industrial). Por outro lado, segundo o princípio terapêutico,
existem medicamentos alopáticos e homeopáticos.
Quanto ao grau de dispersão ou diâmetro (∅) das partículas dispersas dos
ativos e coadjuvantes no veículo, temos as dispersões moleculares (∅ < 0,01 μ),
dispersões coloidais (∅entre 0,01 e 0,5 μ), dispersões finas (∅entre 0,05 e 10 μ), e
dispersões grosseiras (∅< 10μ). As dispersões moleculares são favorecidas pela
afinidade com que as interações intermoleculares ocorrem. Nos demais casos, a
falta de afinidade pode requerer o uso de técnicas especiais e maior número de
operações unitárias. São exemplos de dispersões moleculares: as soluções líquidas,
as ligas metálicas e algumas formas plásticas, como pomadas, supositórios e géis.
Como exemplos de dispersões coloidais, temos alguns géis e suspensões. As
dispersões grosseiras incluem a maioria das suspensões, emulsões e formas
sólidas. As dispersões não moleculares são também conhecidas como dispersões
mecânicas.
Assim, quanto à técnica de preparo (dispersão) temos dispersões moleculares
e mecânicas.
No que diz respeito à segurança, os medicamentos são classificados quanto
ao seu uso: medicamentos de uso externo ou interno, que podem também,
dependendo da ação desejada, ser classificados como medicamentos de ação
sistêmica ou local.
Nesse contexto, quando se pensa no local seguro para utilização do
medicamento, há ainda a classificação quanto à via de administração, que é uma
das mais importantes e merece um capítulo à parte. Entre as principais vias de
administração temos: oral, injetável, intramuscular, tópica, oftálmica, nasal, auricular,
retal e vaginal.
Finalmente, uma das classificações mais úteis do ponto de vista
farmacotécnico diz respeito à forma física:
Líquidos: soluções, suspensões e emulsões.
Plásticos: formas semissólidas (pomadas, géis, pastas e cremes),
supositórios, óvulos e velas.
Sólidos: pós, granulados, cápsulas, comprimidos, drágeas, pílulas, pastilhas,
entre outros.
Gasosos: sprays, aerossóis, fumigações, entre outros.

OPERAÇÕES BÁSICAS

Embora o número de operações envolvidas na elaboração de medicamentos


seja bastante grande, existem duas ou três operações básicas que podem ser
consideradas inevitáveis – entre estas a Pesagem e/ou Tomada de Volume e o
processo de Mistura. As duas primeiras justificam-se pela necessidade de
garantirmos a correta dosagem do principio ativo, e a terceira garante a
uniformidade do medicamento.
Outras operações, até comuns, podem ser consideradas secundárias ou
derivadas dos processos de mistura. Como exemplo, podemos citar a Trituração,
que consiste em subdividir partículas sólidas, e a Tamisação, que consiste em
separar partículas de tamanhos bem definidos.
Para entender a importância destas operações, basta entender os
medicamentos como formas de dosagem e liberação de fármacos. Essa ideia
implica que a proporção do princípio ativo na formulação deve ser respeitada. Logo,
a pesagem ou tomada de volume de cada componente deve ser feita sempre com
muita exatidão. Da mesma forma, a liberação dos fármacos ou princípios ativos
deve ocorrer de maneira adequada. Para tanto, esta liberação precisa ser uniforme
em cada dose terapêutica da forma farmacêutica, encerrando quantidades
equivalentes dos ativos. A mistura dos componentes do medicamento buscando, se
não um sistema homogêneo, ao menos uniforme, é fundamental.
Convém ressaltar ainda que, além das práticas supracitadas, são também
imprescindíveis em uma farmácia magistral às práticas relacionadas ao Controle de
Qualidade de matérias-primas (MP), que na verdade antecedem a manipulação.
Segundo as exigências da RDC 067, de 2007 (Anvisa), são operações básicas no
controle de qualidade de MP:
a) Caracteres organolépticos;
b) Solubilidade;
c) pH;
d) Peso;
e) Volume;
f) Ponto de fusão;
g) Densidade;
h) Avaliação do laudo de análise do
fabricante/fornecedor.

A busca pela melhoria da qualidade de produtos manipulados vem sendo


perseguida pelas farmácias não apenas como um diferencial, mas também pela
reconquista de sua credibilidade frente aos produtos industrializados. Para tanto, a
garantia da qualidade dependerá não apenas da implementação do Controle de
Qualidade, mas de um sistema de qualidade regido por um Manual de Qualidade e
Boas Práticas de Manipulação (RDC 210 de 2003) que envolva todos os processos
da produção do medicamento. Tais processos dizem respeito a todas as etapas, que
vão desde a compra das matérias-primas até o acompanhamento terapêutico.
Entre as principais responsabilidades e atribuições do profissional
farmacêutico responsável técnico estão:
• Supervisionar a preparação, incluindo a
conferência das fórmulas, o que exige do farmacêutico,
competência prática e conhecimentos científicos.
• Estudar e acompanhar a legislação vigente.
• Adquirir matérias-primas de fornecedores
confiáveis e qualificados, criando meios e critérios para
este procedimento.
• Avaliar certificados de análise emitidos pelos
fornecedores.
• Implementar e supervisionar o controle de
qualidade de acordo com aspectos éticos e legais.
• Avaliar prescrições médicas quanto a sua
adequação, concentração, compatibilidades, posologia e
via de administração.
• Estipular as condições adequadas de
manipulação, conservação, transporte, dispensação e
controle do produto.
• Elaborar procedimentos operacionais padrão
(POP´s), treinando e qualificando o pessoal responsável
para que sejam seguidos com rigor.
• Supervisionar e inspecionar rotinas
operacionais de manipulação.
• Conferir o rótulo.
• Fazer a manutenção de arquivos
informatizados de documentação correspondente às
etapas envolvidas no processo: laudos de compra,
certificados de análise de fornecedores e controle de
qualidade, relatórios de preparação da formulação, datas
de entrada e saída, entre outras.
• Registrar as substâncias e medicamentos
controlados.
• Participar e viabilizar a participação de
membros da equipe em programas de qualificação
continuada em todas as áreas pertinentes à produção,
incluindo: desenvolvimento de formulações, garantia de
qualidade, farmacovigilância, informática, entre outras.
• Prestar atenção farmacêutica necessária aos
pacientes, objetivando a administração correta dos
produtos.

Conferência de Fórmulas

A receita médica em uma farmácia de manipulação poderia ser comparada a


uma ordem de serviço. Entretanto, antes de iniciar a produção de um medicamento,
o responsável técnico farmacêutico deve analisar a prescrição com atenção. Os
aspectos relevantes a serem observados podem ser divididos em questões legais e
técnicas.
No que diz respeito às questões técnicas, a conferência da prescrição exigirá
conhecimentos específicos relacionados a problemas de incompatibilidade, erro de
dosagem, bem como a simples questão de cálculos matemáticos.
Em relação aos aspectos legais, um receituário ou prescrição deve
apresentar os seguintes requisitos:
• Identificação do médico, incluindo o número
de registro no Conselho Regional de Medicina (CRM);
• Identificação do paciente;
• Data;
• Legibilidade da receita e concordância dos
termos segundo a DCB;
• Dose do fármaco e indicação posológica.

Em caso de dúvida, o profissional deve entrar em contato com o prescritor


(receitante), não sendo conveniente aviar a receita. Juridicamente, somente o
farmacêutico será responsabilizado por acidentes relacionados a erro de receituário.

Tipos de Prescrições

As prescrições podem ser de três tipos: especialidades farmacêuticas,


oficinais e magistrais.
As especialidades dizem respeito aos medicamentos industrializados. Logo,
cabe ao profissional competente prestar atenção farmacêutica, avaliando questões
relacionadas à posologia, interações medicamentosas, bem como perfil fisiológico
do cliente.
No caso das preparações oficinais, em geral não apresentam erros de
dosagem, já que são descritas em literatura confiável. Entretanto, a atenção
farmacêutica se estende também à área de manipulação, assim sendo, é passível
de erro nos cálculos matemáticos, e a conferência desses se faz imprescindível.
Por fim, temos as prescrições magistrais, as quais são elaboradas por
médicos, veterinários ou dentistas, profissionais esses especializados em clínica e
terapia, e não em medicamentos. Assim sendo, cabe ao profissional farmacêutico,
sempre que pertinente, consultar a literatura de referência a fim de evitar danos
algumas vezes irreparáveis.

Pesagem

A pesagem de fármacos ou insumos farmacêuticos é um procedimento


essencial, pois pretende garantir a correta proporção do princípio ativo no
medicamento. Sem a garantia de uma proporção predefinida e adequada do
fármaco, o medicamento perde seu valor terapêutico e a farmácia perde sua
credibilidade.

Entre os erros ou acidentes mais comuns no processo de pesagem estão

1. Falha na interpretação ou conversão das unidades, por exemplo:


miligramas (mg) por gramas (g).
2. Descuido na observância de fatores de conversão (Fc) sal-base (por
exemplo: fluoxetina base PM = 309,33; fluoxetina cloridrato PM =
345,79; Fc = 1,12).
3. Descuido na observação dos fatores de correção relacionados à
diluição aplicados a fármacos muito potentes (por exemplo: o hormônio
T3 é convenientemente diluído geometricamente 1:100, logo deve-se
aplicar fator 100).
4. Não observação de concentrações constantes nos laudos de qualidade
emitidos pelos fornecedores (por exemplo: na vitamina E 50% deve-se
aplicar fator 2; no betacaroteno a 10 % deve-se aplicar fator 10).

Tipos de Balança

Entre os vários modelos de balanças disponíveis, os mais comuns poderiam


ser divididos quanto a sua precisão em:
▪ Balança Roberval: para pesagem de massa maior que 1
g, utilizada para produções em grande escala.
▪ Balança Granatária: para pesagem de massa a partir de
0,01 g, útil em situações de emergência (como um “apagão”) e em caso
de produções em pequena escala.
▪ Balança semianalítica: com precisão para pesagens a
partir de 0,001 g, sendo a mais utilizada na rotina das farmácias.
▪ Balança analítica: de grande precisão (0,0001 g), útil no controle
de qualidade.

O custo das balanças varia de acordo com o modelo e fabricante e, em geral,


aumenta em ordem crescente em função da precisão e capacidade.

Cuidados na Pesagem

Independentemente do tipo de balança todas requerem os seguintes


cuidados básicos:

1. Acerto do prumo (nível);


2. Uso de recipientes leves ou compatíveis*;
3. Tara da balança;
4. Tempo de estabilização de aproximadamente 15 minutos (para
balanças eletrônicas).

*O recipiente deve ser o mais leve possível e grande o suficiente para garantir
que não haja queda de insumos no equipamento, especialmente se esses forem
corrosivos.

Tomada de Volume

A tomada de volume de líquidos, assim como a pesagem de insumos sólidos,


pretende garantir a proporção correta entre o(s) princípio(s) ativo(s), o(s)
coadjuvante(s) técnico(s) e o veículo.
Para esse procedimento utilizam-se diversas vidrarias, sendo as mais
comuns, em ordem crescente de precisão: béquer, cálice, proveta e pipeta. Estas
podem ainda ser encontradas na versão de material plástico, úteis para formulações
que contenham substâncias que atacam o vidro, como ácido fluorídrico ou
hidróxidos alcalinos muito concentrados.
Ressalta-se ainda que no caso de líquidos viscosos, como a glicerina, a
trietanolamina e os óleos vegetais, em geral, opta-se pela pesagem ao invés da
tomada de volume, sendo proibido o uso de pipetas.

Mistura
Após a tomada dos insumos farmacêuticos em suas devidas proporções,
deve-se misturá-los de forma a obter um medicamento com aspecto o mais
homogêneo possível.
No caso de formas farmacêuticas líquidas nas quais os sólidos são livremente
solúveis, ou os líquidos são miscíveis ao veículo utilizado, tem-se uma solução
(sistema homogêneo).
Entende-se por mistura todo processo que busca a dispersão entre partículas
com a maior uniformidade possível. Já por dissolução entende-se como sendo uma
mistura na qual, por exemplo, partículas sólidas se dispersariam intimamente em um
líquido de modo a obter-se um sistema homogêneo verdadeiro (dispersão
molecular). Bons exemplos de dispersões moleculares são os casos das ligas
metálicas (solução de aço: carvão e ferro; solução de latão: cobre e zinco) e das
pomadas (pomada amarela: vaselina e lanolina; pomada branca: vaselina e cera
branca), sistemas estes que, embora não sejam líquidos, constituem dispersões
moleculares.
Assim, percebe-se que uma dissolução é um processo de mistura, mas nem
toda mistura caracteriza-se por um processo de dissolução, ou seja, por uma
dispersão molecular.
Para que uma dissolução ocorra, é necessário que soluto e solvente
apresentem afinidades, como, por exemplo, graus de polaridade ou constante
dielétrica semelhante. De modo que o processo de dissolução é facilitado por estes
aspectos físico-químicos.
Já nos casos de sistemas de polaridade muito distintos, o grau de
miscibilidade ou solubilidade será mínimo ou desprezível, e o processo de mistura
se caracterizará por uma dispersão mecânica. Nesses sistemas, têm-se as
dispersões grosseiras, cujo diâmetro da partícula é superior a 0,5 μ, e as dispersões
coloidais, que apresentam dimensões intermediárias entre as soluções e as
suspensões (0,01 a 0,5 μ). São exemplos de misturas não moleculares: pó
antisséptico, suspensão de leite de magnésia, loção hidratante, leite, café, entre
outras.
Independente do tipo de dispersão, os medicamentos devem possuir, sempre
que possível, o máximo de uniformidade. Para tanto, vários procedimentos
farmacotécnicos são
empregados, os quais envolvem uso de coadjuvantes técnicos e de tecnologias
específicas. De modo geral, as partículas sólidas devem ser trituradas e tamisadas
antes de serem misturadas, tanto no preparo de um pó quanto de uma suspensão.
Para misturas entre líquidos não miscíveis (loções e cremes), uma melhor
uniformidade pode ser garantida com o uso adequado de tensoativos ou substâncias
anfifílicas.

COMPONENTES DE FORMULAÇÕES

Uma formulação medicamentosa é composta basicamente por três classes de


componentes: os princípios ativos (fármacos), os coadjuvantes e os veículos, dos
quais da combinação correta depende o sucesso de uma farmacoterapia.
Igualmente, não necessariamente um medicamento será composto pelas três
classes, havendo três possibilidades:

I. FÁRMACO
II. FÁRMACO + VEÍCULO
III. FÁRMACO + ADJUVANTES + VEÍCULO

Os fármacos são responsáveis pela ação farmacodinâmica propriamente dita,


enquanto os coadjuvantes atuam na promoção da estabilidade ou biodisponibilidade,
bem como correção de propriedades organolépticas. Já os veículos, em princípio,
são inertes e têm a função básica de veicular o fármaco, ou seja, conduzi-lo pela via
de administração escolhida em sua devida proporção.

Princípios Ativos

Os princípios ativos ou fármacos são os elementos-chave responsáveis pela


ação terapêutica de um medicamento alopático ou fitoterápico. São classificados em
função de vários aspectos, como: classe química, classe terapêutica, alvo molecular
ou especificidade.
Quanto à especificidade, existem apenas duas classes: a dos fármacos
específicos e a dos inespecíficos.
Os específicos correspondem à maioria dos mais de sete mil fármacos
constantes no arsenal terapêutico, tais como os analgésicos e anti-inflamatórios, os
agentes cardiovasculares, anti-histamínicos, hormônios, agentes antiparasitários
diversos, antineoplásicos, entre outros.
Já os fármacos inespecíficos, em número bastante reduzido, são aqueles que
não atuam seletivamente sobre determinados receptores. A ação farmacodinâmica
desta classe depende apenas de suas propriedades físico-químicas, sendo esses
pouco vulneráveis às modificações estruturais.
Entre os fármacos inespecíficos mais comumente manipulados temos os
antissépticos, rubefacientes, vesificantes, adstringentes, emolientes, umectantes,
hidratantes, queratoplásticos, queratolíticos e cáusticos.
Os antissépticos podem atuar por mecanismos diversos, tais como poder
redox, pKa (acidez), quelação, alquilação.
Os rubefacientes e vesificantes possuem ação irritante que provoca aumento
da circulação local e contribui para dissipar processos inflamatórios.
Os adstringentes causam precipitação de proteínas e, consequentemente,
auxiliam no bloqueio da difusão de um processo inflamatório.
Os emolientes atuam na epiderme por meio da sua hidrofobicidade,
impedindo a desidratação da pele. Da ação de manter os tecidos mais macios ou
moles deriva o termo emoliente. Por outro lado, tecidos mais hidratados viabilizam a
dispersão da inflamação ou, muitas vezes, processos de absorção.
Os umectantes são substâncias hidrofílicas, em geral compostos sintéticos
poli- hidroxilados, que por sua natureza mantêm a pele umedecida, enquanto os
hidratantes possuem características igualmente hidrofílicas. Entretanto, são mais
absorvíveis, dada sua origem natural (bioquímica), sendo capazes de hidratar os
tecidos em níveis mais profundos, incluso intra e intercelular.
Os queratoplásticos e queratolíticos, por sua vez, não possuem nenhuma
relação com processos inflamatórios, e sim com síntese e lise de proteínas,
respectivamente.
Enfim, os agentes cáusticos são agentes corrosivos utilizados com fins
terapêuticos na remoção de verrugas e calosidades.

Adjuvantes Farmacêuticos

Os adjuvantes ou coadjuvantes são componentes ou excipientes que


integram os medicamentos com funções diversas.
Dependendo de suas aplicações, podem ser divididos em coadjuvantes
terapêuticos e coadjuvantes técnicos.

Coadjuvantes Terapêuticos

O emprego do termo coadjuvante terapêutico está diretamente ligado às


fases farmacodinâmica e farmacocinética, sendo, principalmente, de competência da
Farmacologia. Nesse campo, tem-se uma infinidade de associações
medicamentosas entre fármacos “principais” e “coadjuvantes”, seja para sinergismo,
redução de efeitos adversos ou aumento da meia-vida. Assim, temos a carbidopa e
ácido clavulânico, que associados à levodopa e penicilina aumentam a meia-vida
destes por inibição metabólica.
A diferença entre o papel terapêutico e técnico do coadjuvante poderia ser
traduzida, de modo simplista, pela influência deste, respectivamente, nos aspectos
farmacológicos e físico- químicos. Entretanto, muitas vezes, é impossível definir uma
fronteira entre tais funções.
Alguns exemplos de componentes que poderiam ser considerados como
coadjuvantes terapêuticos são: os queratolíticos, os emolientes, os promotores de
penetração percutânea, os molhantes, os tampões, todos relacionados à eficácia de
ação do fármaco.
Como exemplos, temos o ácido salicílico, que atua como coadjuvante
terapêutico em preparações antimicóticas por sua ação queratolítica, removendo
tecido necrosado e viabilizando a ação dos princípios ativos antifúngicos.
Pomadas indicadas em contusões superficiais têm, na inerente ação
emoliente de suas bases lipófilas, funções de veículos e coadjuvantes terapêuticos
de fármacos anti-inflamatórios específicos.
Muitos medicamentos de uso tópico poderiam ser inúteis sem os promotores
de penetração percutânea. Estes agentes, em geral, são solventes polares e
apróticos, tais como dimetil sulfóxido (DMSO) e dimetilformamida (DMF), moléculas
anfifílicas como polietilenoglicol, propilenoglicol, etanol, derivados da ureia,
tensoativos, ou ainda compostos apolares como ácido oleico e miristato de
isopropilo.
FIGURA – PROMOTORES DE ABSORÇÃO PERCUTÂNEA

Nesse contexto, os molhantes e tampões, além de suas funções técnicas, são


imprescindíveis no processo de absorção de fármacos hidrofóbicos ou
impermeáveis, desempenhando, assim, também uma ação coadjuvante terapêutica.
Coadjuvantes Técnicos

O uso correto e adequado de coadjuvantes técnicos é de competência direta


do farmacotécnico. Os coadjuvantes técnicos possuem as mais variadas e
importantes funções, podendo interferir nos aspectos químicos, físicos, físico-
químicos e biológicos da formulação.
Entre os coadjuvantes técnicos que influem nos aspectos químicos destacam-
se os estabilizantes químicos, que atuam reduzindo a susceptibilidade de um ou
mais componentes da formulação a reações químicas diversas.
No que diz respeito aos aspectos físicos, estão relacionados à estabilidade
física do medicamento. Os aspectos físico-químicos dizem respeito às interações
físico-químicas envolvidas na estabilidade de um medicamento e marcam a interface
entre as duas classes anteriores. Com relação aos aspectos biológicos, temos os
coadjuvantes envolvidos na resistência do medicamento frente à contaminação
microbiana e aqueles envolvidos nas propriedades organolépticas.

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