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Introdução à Química
Farmacêutica
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Introdução
A Química Farmacêutica é uma ciência voltada para o planejamento e o
desenvolvimento dos fármacos.
Trata-se de uma área interdisciplinar que combina os conhecimentos
de Química avançada com diversas outras disciplinas, a fim de aperfeiçoar
o processo de desenvolvimento de fármacos.
Inicialmente, os fármacos se originaram a partir de produtos de origem
natural, como as plantas medicinais, no entanto, com o avanço da ciência,
inclusive da Química Orgânica, a origem dos fármacos passou a ser, em
sua maior totalidade, atribuída à síntese química.
Atualmente, a Química Farmacêutica dispõe de várias estratégias de
planejamento e desenvolvimento de fármacos, como a síntese química,
a latenciação e a modelagem molecular, além de estratégias como o
reposicionamento de fármacos e outras.
Neste capítulo, você vai aprender os princípios e as etapas básicas da
Química Farmacêutica e as estratégias utilizadas no planejamento e no
desenvolvimento de fármacos. Tais conhecimentos servirão como base
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Descoberta
A primeira etapa, ou a descoberta de fármacos, consiste basicamente em
pesquisar novos candidatos a fármacos, sendo os dois principais processos: a
síntese química e a semissíntese, ou a partir de produtos naturais de origem
vegetal, animal ou mineral.
Embora a descoberta de fármacos tenha iniciado com os resultados obtidos
por intermédio da medicina popular, hoje com a evolução e o desenvolvimento
de disciplinas, como a Biologia Molecular, a Farmacologia e até mesmo a
Química, também é possível desenvolver fármacos direcionados a um alvo
terapêutico específico. Tal processo também é conhecido como modelagem
molecular.
A etapa de descoberta engloba ainda ensaios biológicos pré-clínicos de
triagem in vitro e in vivo de um possível candidato a fármaco. A triagem de
um novo candidato pode ser entendida como um processo no qual o composto
protótipo descoberto é avaliado frente a uma determinada atividade farma-
cológica, podendo ser uma atividade antiviral, antitumoral, antibacteriana,
antifúngicas, entre diversas outras. A triagem se caracteriza por ensaios
iniciais que fornecem informações farmacológicas a respeito do composto.
Muitos protótipos de fármacos têm sua pesquisa e seu desenvolvimento
interrompidos nessa etapa, caso apresentem baixa ou nenhuma atividade
terapêutica e/ou pronunciada toxicidade.
A etapa da descoberta de um novo agente terapêutico é de fundamen-
tal importância, haja vista que é o alicerce inicial para a produção de um
medicamento.
A Figura 1 mostra alguns exemplos de fármacos descobertos a partir da
síntese química e de fármacos provenientes de produtos naturais de origem
vegetal.
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Morfina
Fonte vegetal: Papaver somniferum
Uso terapêutico: analgésico
Cisplatina
Fonte sintética: derivado da platin
Uso terapêutico: antitumoral
Otimização
Depois de descoberto o novo agente terapêutico, inicia-se a fase da otimização,
cujo principal objetivo consiste em melhorar, potencializar a ação terapêutica
ou ainda reduzir os potenciais efeitos colaterais.
Nessa etapa, é possível inserir ou retirar grupamentos químicos existentes
na molécula inicial, o que irá fornecer a síntese de um composto que atenda,
o mais próximo possível, às expectativas esperadas de uma droga ideal. Di-
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O
N H
S OH
(E)
HN
a) O OH O
O
S
H2N N OH
O
b) O OH O
O O
O
N OH
H
Acetaminossalol
Figura 3. Estrutura química do fármaco acetaminossalol.
Fonte: Adaptada de Araújo et al. (2015).
Desenvolvimento
A última etapa da Química Farmacêutica se preocupa com o desenvolvimento
de um novo fármaco e consiste, basicamente, em estudar as fases clínicas I,
II, III e IV (ensaios com humanos), os quais envolvem estudos a acerca da
farmacodinâmica, da farmacocinética, da farmacotécnica e da farmacovigi-
lância do candidato a fármaco.
Nessa etapa, o agente terapêutico é conduzido a experimentos, a fim de
serem coletadas as informações sobre:
A FDA é um órgão dos EUA que é responsável pelo registro e controle de medica-
mentos e alimentos. Cada candidato a fármaco, depois de ser aprovado nas etapas
de descoberta, otimização e desenvolvimento, passa a receber um registro, com o
nome e o número de lote de produção.
A cada novo fármaco introduzido no mercado, a FDA lança uma nota em seu site
com todas as informações acerca do composto.
O OH O OH
O O O
OH H2SO4 O O
+ H3C O CH3 CH3 + H3C
OH
Ácido salicílico Anidrido acético Ácido acetilsalicílico Ácido acético
Para tentar responder essas e outras perguntas e ainda registrar tais res-
postas, em 1906, foi promulgada, no EUA, a lei que cria a FDA, existente até
os dias de hoje. A FDA tem como princípio garantir a eficácia e a segurança
dos medicamentos oferecidos à população, de forma a minimizar os potenciais
riscos existentes. Com o surgimento da FDA, passou-se a estabelecer critérios
e usar a notificação de medicamentos, o que foi um grande avanço na área
farmacêutica.
Apoiadas pela FDA, as pesquisas e as buscas por novos compostos tera-
pêuticos continuaram em ritmo crescente. Essas pesquisas ganharam força
com o desenvolvimento de ciências, como a Biologia Molecular, a Fisiologia,
a Anatomia e a Química. O avanço no conhecimento acerca dessas disciplinas
permitiu planejar e executar estratégias mais promissoras no que se refere à
busca por agentes terapêuticos. Um bom exemplo de avanço é a introdução
do modelo chave-fechadura de ação dos fármacos, proposto por Emil Fischer
em 1902. O modelo de Fischer serviu como ponto inicial para o entendimento
de mecanismos de ação dos fármacos. A partir de então, diversos outros
medicamentos foram introduzidos no mercado farmacêutico, porém, esses
compostos passaram a ser regulamentados e registrados pela FDA.
Outra descoberta marcante que não devemos deixar de mencionar aqui foi
a da penicilina, por Alexander Fleming, em 1928. A descoberta da penicilina
ocorreu por acaso. Fleming desenvolvia pesquisas com bactérias causadoras
de infecção e o seu objetivo era identificar possíveis alvos terapêuticos no
combate desses microrganismos. Antes de sair de férias, Fleming aciden-
talmente esqueceu uma de suas placas de cultura de Staphylococcus aureus
aberta. Quando retornou de férias, percebeu que ela estava contaminada com
um certo tipo de mofo (fungo) e ainda notou que, nas regiões onde o fungo se
alojou, não havia mais colônias de Staphylococcus aureus. O cientista resolveu
então estudar o fungo para entender como esse microrganismo era capaz de
inibir as colônias de bactérias.
Mais tarde, Fleming descobriu que se tratava do fungo pertencente ao gênero
Penicillium e que este produzia uma substância com ação bacteriostática. Com
base no gênero do fungo, surgiu então o analgésico penicilina.
Os achados de Fleming contribuíram para a inserção de outras fontes na
busca por moléculas com potencial terapêutico, mas não apenas as advindas
de produtos vegetais e sintéticos.
Na sequência, diversos outros fármacos foram descobertos e introduzidos
no mercado, como a indometacina, o propranolol, o aciclovir, o captopril, o
imatinibe, entre outros.
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Formulações
Galenas AAS Penicilina
Propanolol Captopril
S*
5%
S*/NM
11%
ND
27%
S
39%
N
6%
S/NM
12%
Podofilotoxina Etoposídeo
Figura 7. Estrutura química do etoposídeo, fármaco análogo a podofilotoxina.
O O
O O
N N
H N H N
O O
O O
Simplificação molecular
A simplificação molecular, como o próprio nome sugere, tem como objetivo
simplificar a estrutura molecular de um determinado protótipo de fármaco. Essa
estratégia visa ao desenvolvimento de uma estrutura química mais simples,
quando comparada com o protótipo de partida.
Semelhante a outras estratégias, a simplificação molecular tem como
propósito potencializar o efeito terapêutico e diminuir os efeitos tóxicos, bem
como melhorar os aspectos referentes à fase farmacêutica do protótipo. Para
que você entenda de forma mais clara a simplificação molecular, vamos tomar
como exemplo a síntese da mefloquina (Figura 9).
N
HO
HO N
H
Simplificação
MeO molecular
N CF3
N
CF3
7 8
Quinina Mefloquina
Latenciação
A latenciação é uma estratégia de planejamento de fármacos que se baseia
na ideia de pró-fármaco.
O pró-fármaco é uma substância inativa que, ao ser metabolizada in
vivo, converte-se para um composto ativo por meio de reações enzimáticas.
A latenciação de fármacos é bastante útil quando há compostos que, depois
de absorvidos, são facilmente degradados (compostos instáveis). De maneira
mais didática, podemos dizer que a latenciação é um processo de proteção
do fármaco.
É importante que você compreenda que a latenciação pode ser obtida tanto
com reações químicas (p. ex., reações de proteção de grupos farmacofóricos)
como por processos farmacêuticos (encapsulação, nanopartículas e sistemas
de liberação controlada). Em resumo, a latenciação busca manter as atividades
terapêuticas de um determinado fármaco, alterando apenas os seus parâmetros
farmacocinéticos.
https://goo.gl/Z39mFo
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Reposicionamento de fármacos
A estratégia de descoberta e otimização e o desenvolvimento de novos fár-
macos, além de ser um processo bastante trabalhoso e demorado, também é
bastante caro e pode demorar, em média, de 12 a 15 anos.
O reposicionamento de fármacos surgiu como uma estratégia de recolo-
cação, ou uso de um fármaco já registrado para outra ação terapêutica que
não usa a ação original. Trata-se de uma prática que visa a reduzir os custos
com a pesquisa e a descoberta e ganhar tempo, uma vez que o fármaco já está
registrado e aprovado pela FDA.
Um exemplo clássico de reposicionamento de fármacos é o obtido para o
fármaco citrato de sildenafila (Viagra®), o qual foi planejado, inicialmente,
para a atividade anti-hipertensiva, porém, com o passar do tempo, descobriu-
-se que esse medicamento poderia lançar uma nova luz sobre o tratamento de
disfunções eréteis. Assim, o citrato de sildenafila foi reposicionado e hoje é
amplamente utilizado no tratamento da disfunção erétil.
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Leituras recomendadas
BARREIRO, E. J.; FERREIRA, V. F.; COSTA, P. R. R. Substâncias enantiomericamente pu-
ras (SEP): a questão dos fármacos quirais. Química Nova, São Paulo, v. 20, n. 6, nov./
dez. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi
d=S0100-40421997000600014>. Acesso em: 17 set. 2018.
BARREIRO, E. J.; FRAGA, C. A. M Química medicinal: as bases moleculares da ação dos
fármacos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.
CERA, T. P.; PANCOTE, C. G. Planejamento de fármacos. Revista Científica Unilago, 2013.
Disponível em: <http://www.unilago.edu.br/revista/edicaoanterior/Sumario/2013/
downloads/2013/PLANEJAMENTO%20DE%20F%C3%81RMACOS.pdf>. Acesso em:
17 set. 2018.
CHIN, C. M.; FERREIRA, E. I. O processo de latenciação no planejamento de fármacos.
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br/pdf/qn/v22n1/1141.pdf>. Acesso em: 17 set. 2018.
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Williams & Wilkins, 2012.
LIMA, L. M. Química Medicinal Moderna: desafios e contribuição brasileira. Química
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PATRICK, G. L. An introduction to medicinal chemistry. 5. ed. Oxford: Oxford University, 2013.