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QUEM NUNCA TEVE ALGO A ESCONDER?

A sobreposição de narrativas pessoais não é uma elaboração introduzida recentemente na obra de


Hirokazu Kora-eda. O filme After Life de 1998, considerado por muitos como o Magnum Opus do diretor,
propõe a audiência a seguinte pergunta: e se você tivesse que se desfazer de todas as suas memórias e
escolher apenas um momento da sua vida para carregar consigo para a eternidade?

O filme nos apresenta uma miscelânea de indivíduos que, após se encontrarem com a morte, ficarão
alojados em uma uma casa antiquada pelos próximos 7 dias. Nesse interim, um grupo de assistentes
sociais é encarregado de auxiliá-los na escolha da memória que guardarão para a eternidade. Os
residentes temporários então são sujeitos a longas entevistas, contatos com cartas, livros, fitas de vídeo
fitas cassete e outros registros fidedignos de suas vidas ao passo que os trabalhadores desta estação
antiquada procuram entender o que fundamentalmente torna o momento da vida escolhido por cada
uma dessas almas tão importante.

A compreensão minuciosa desass futuras permanências não é uma atividade infrutífera ou com um fim
em si mesmo. Pelo contrário: mais do que auxiliar os espíritos na escolha de uma lembrança perpétua, o
papel central dos funcionários se encontra na imortalização dessas verdades através da linguagem
cinematográfica. Ao fim de uma breve e intensiva curadoria ao longo de uma semana, os mortos entram
em uma sala e são apresentados a um filme, produzido com limitados recursos pelo staff desse
escritório. Esta é a memória que será guardada pela eternidade

After Life pouco se preocupa em justificar os meandros desse processo, raros são os momentos de
exposição a respeito de aspectos técnicos e burocráticos dessa organização — estando interessado em
investigar as implicações filosóficas de sua premissa, experimentar com a metalinguagem e argumentar
importância em até mesmo a mais insignificante das vidas.

A realidade é vivida, reecontrada, reproduzida e, por fim, sentida.

Monster, do mesmo diretor, subverte aspectos dessa ordem. A vida de suas personagens aqui é,
evidentemente, vivida, mas por onde, como e por quem ela é reencontrada? Por quais meios seria ela
reproduzida? E acima de tudo, seriam essas vidas apenas sentidas? De que forma esse sentimento
promove conflito? De que forma esse sentimento se materializa?

O filme começa com um incêndio cujas chamas são observadas à distância por uma mulher, Saori
Mugino que prontamente chama o seu filho, Minato, que corre em direção à sacada para observar junto
a ela. O garoto, de início dócil com a mãe, começa a apresentar um comportamento antisocial, falando
de humanos com cérebro de porco, chegando em casa com ferimentos sem explicação e desaparecendo
por um dia.

As atitudes de Minato ganham uma nova camada de estranheza quando os professores e a diretora da
escola —quando confrontados sobre esse comportamento por Saori — respondem com frieza, falas
ensaiadas e malabarismos linguísticos que desviam das reais preocupações relatadas pela mãe.

Somos levados a acreditar que o professor, Michitoshi Hori, é o agressor de Minato. Não é difícil de
imaginar o porquê: funcionários e alunos o descrevem como de aparência ameaçadora, boatos de que
ele estava em um bordel na noite do incêndio rapidamente se espalham e, da mesma forma que fazem a
diretora e os professores da escola, Hori, durante ss reuniões que está presente, repete feases
inconclusivas, realiza acusações contraditórias e parece estar sob constante vigilância da diretora e de
outros professores. Essa série de embates culminam na demissão do professor, que admite violentar o
garoto e cujos abusos são estampados nas manchetes dos jornais.

O filme então decide retornar incêndio, mas dessa vez com a câmera voltada para o professor. Vemos
um homem apaixonado por sua namorada, que coicidentemente andavam pelas ruas quando um grupo
de estudantes da turma que lecionava começaram a grava-lo, acusando-o de frequentar um bordel.

O dia a dia de Hori no trabalho, surpreendentemente, comprovam o que relatou a mãe de Minato: o
garoto apresenta comportamento agressivo, jogando o material escolar de seus colegas para todo o
lado, está constantemente batendo em seu colega de classe, Yori Hoshikawa, chegando em uma ocasião
a prendê-lo numa cabine do banheiro e matar um gato. Apesar disso, o professor é constantemente
detido pelos membros do corpo docente, sendo obrigado a falsr meias verdades e participar de reuniões
meticulosamente cenografadas pela diretora da escola.

De nada isso adianta, após Saori acionar um advogado, Hori é obrigado a se demitir e começa a ser
perseguido pelos tablóides por causa de seus cruéis atos de violência. Ele se vê obrigado a assumir e se
desculpar formalmente na frente de dezenas de pessoas por atos que não cometeu, arruinando a sua
vida.

É nesse momento que o filme nos propõe o seguinte questionamento: seria a perspectiva (por mais
lacunada que seja) de Saori menos verdadeira que a do professor? Por estar distante das chamas, o fogo
seria portanto menos real para mim do que por aqueles que foram queimados por ele?

A terceira parte do filme examina estes questionamentos


Os colegas são dessa maneira, mais que perpetuadores de uma violência, são manifestações da
audiência (falar sobre como o filme utiliza de artimanhas para conduzir a audiência a sentimentos
conflituosos a partir do contraponto entre a perspectiva da mae e do professor e como essa
ambivalência e a omissão é também presente na história da figura do garoto, como ele realmente se
sente? Como ele se mostra para os colegas? As amigas do menino mais baixinho se solidarizam com a
violência sofrida, mas são apenas observadoras do conflito

Os garotos,

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