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Data da Publicação: 17/01/2018

Autor: CRISTIANO ROCHA


AFFONSO DA COSTA

A Síndrome de Estocolmo

A Síndrome de Estocolmo é muito falada, mas bastante desconhecida


e envolta em mitos. É usada como uma ferramenta importante nas situações
críticas que englobam a negociação de reféns. O objetivo deste artigo é
entender e desmistificar a Síndrome.

1 O Evento Original que Batizou o Nome “Síndrome de Estocolmo”

A “Síndrome de Estocolmo” é uma expressão criada pelo Dr. Nils


Bejerot e estudada e popularizada no meio policial pelo detetive policial e
psicólogo clínico Dr. Harvey Schlossberg, a partir de eventos ocorridos durante
um assalto na cidade de Estocolmo, na Suécia. É um fenômeno psicológico,
caracterizado pela tolerância involuntária.
O evento original ocorreu em 23 de agosto de 1973, no Banco de
Crédito de Estocolmo (Sveriges Kreditbank). O assalto foi frustrado com a
chegada rápida da polícia. O causador da crise[1], Jean Erick Olsson, se
refugiou no cofre forte do banco, junto a quatro reféns, sendo 3 mulheres e 1
homem. Na sequência, Olsson exigiu que um antigo comparsa, que se
encontrava preso, de nome Clark Olofsson, fosse trazido até o banco. Ele foi
atendido e o número de causadores subiu para dois.
O evento todo durou 6 dias (134 horas). Os reféns ficaram expostos à
todas as tentativas das autoridades policiais de resolver o evento. As
autoridades utilizaram bombas de gás e até água, pois o cofre forte era
hermeticamente fechado em sua parte inferior. Teve-se a ideia de encher o
cofre com água para forçar a rendição, mas os criminosos amarraram os reféns
no chão, obrigando as autoridades a abortarem a tentativa.

Isso tudo foi criando uma espécie de “fixação psicológica” nos reféns,
fazendo-os acreditar que o causador do mal a eles eram as autoridades, pois
para resolver a situação era só dar aos “bandidos”, o que eles queriam. Na
visão dos reféns era fácil resolver a crise, mas as autoridades não queriam
isso.

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Ao final do processo de negociação, os assaltantes aceitaram se


render e saíram do banco com os reféns. Estes, por vontade própria, fizeram
um escudo humano para evitar que os policiais agredissem os bandidos.

Após o acontecimento, outras situações chamaram a atenção, como o


fato de todos os reféns se recusarem a depor contra os criminosos. Ainda,
fizeram uma campanha de coleta de dinheiro para que houvesse uma defesa
de melhor qualidade. Mantiveram, depois da condenação, uma rotina de visitas
na cadeia. Dois anos após o evento, uma das reféns declarou que casaria com
um dos criminosos, no caso Olsson, estando este ainda preso.

Esse sentimento ficou tão arraigado nas vítimas que uma das reféns,
Kristen Enmark, declarou em uma entrevista televisiva após o incidente, que a
polícia estava brincando com a vida dos reféns e, também, que ela estava com
medo da polícia e não dos sequestradores.
Olsson, em entrevista anos depois do incidente, declarou que não
conseguiria matar os reféns, pois se sentia muito próximo a eles. Tal síndrome
era um fenômeno conhecido anteriormente e já estudado desde a década de
1950, mas com a ocorrência e desfecho inusitado desse assalto, que foi
amplamente divulgado na época, houve a consagração do nome “Síndrome de
Estocolmo”.

2 Como a Síndrome se Instala e os Fatores que a Impedem

Normalmente, o fenômeno começa a se manifestar a partir de 45


minutos. As manifestações iniciais são de pensamentos, por parte dos reféns,
compreendendo que os causadores não tinham outra alternativa, a não ser
cometer o sequestro, pois estavam encurralados pelas autoridades. Quanto
maior o risco de morte, normalmente com mais força a síndrome se manifesta.
A síndrome também tem uma característica que, para a negociação, é
considerada a mais importante: ela ocorre nos dois lados. Os causadores, ao
ficarem “estocolmizados”[2], não cometem violências aos reféns, por se
sentirem próximos a estes eles.

Uma pergunta frequente é: quem desenvolve e quem não desenvolve a


síndrome? Isso é de vital importância, porque nem todas as pessoas em uma
situação crítica irão desenvolver o fenômeno. Ela se desenvolve normalmente
entre pessoas desconhecidas. Entre conhecidos, principalmente entre casos
amorosos e parentes ela comprovadamente não se desenvolve. Também não
se desenvolve entre pessoas que têm valores culturais conflitantes, como
religião e crenças, além de estereótipos pré-existentes, como racismo, etc.

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Dentre os fatores que podem dificultar o desenvolvimento da síndrome


e até impedir o seu desenvolvimento, podemos citar a falta de tempo, a barreira
da língua, a violência injustificada ou tortura contra os capturados e o
isolamento. Um exemplo de isolamento: manter os capturados vendados e sem
contato com os captores – muito utilizado por grupos terroristas e
sequestradores que já conhecem o fenômeno. As pessoas que conhecem a
síndrome também conseguem se precaver dela.

3 Componentes dos Capturados e dos Sequestradores

As pessoas capturadas passam a apresentar sentimentos positivos e


afeto em relação aos captores e sentimentos negativos às autoridades, pois
acreditam que os culpados da situação são as autoridades que não atenderam
as exigências dos causadores e assim não quiseram resolver rapidamente a
crise. Na cabeça dessas pessoas é muito fácil resolver a crise: é só fazer o que
os causadores querem. E quando um causador comete uma violência contra
algum refém, é apenas uma defesa deste, provocada pelas atitudes hostis das
autoridades. Após a libertação, os capturados sentem empatia e compaixão
pelos seus algozes e acreditam que têm uma dívida de gratidão com estes pela
manutenção da sua vida.
Os sequestradores, por sua vez, passam a apresentar sentimentos
positivos em relação aos capturados. A criação desse vínculo faz com que o
causador se identifique com o refém e veja que a manutenção da integridade
física do sequestrado é a garantia de sua própria vida. O fato de o causador
começar a se identificar com o refém, diminui a ansiedade e o stress no ponto
crítico[3], pois o causador se sente mais à vontade, em um ambiente menos
hostil, com pessoas que para ele representam menor perigo. Todos esses
fatores chegam ao ponto crucial da importância do fenômeno da Síndrome de
Estocolmo que é a diminuição da violência em relação aos capturados.

4 Aspectos Positivos e Negativos

Como aspecto positivo, o desenvolvimento da síndrome diminui


consideravelmente a possibilidade de violência contra os capturados. Somente
esse aspecto, por si só, já justifica a importância de se induzir a Síndrome de
Estocolmo no Ponto Crítico. Principalmente, levando-se em conta o objetivo
principal do trabalho do Negociador, que é salvar vidas.
Como aspecto negativo, as informações prestadas às autoridades
pelos capturados acometidos pela Síndrome podem não ser confiáveis. Além
da dificuldade de descrever os captores e a transmissão de informações falsas,
também há o risco de ocorrerem ações contrárias às ordens em caso de

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resgate tático. Já houve casos de reféns que se jogaram na frente dos


causadores com o intuito de salvar a vida destes durante troca de tiros.

5 Como Induzir a Síndrome

Como forma de criar o ambiente propício para a indução, deve-se


procurar um bom relacionamento com o captor. Isso ocorre por meio do diálogo
e do estabelecimento do rapport, que é um vínculo de confiança que começa a
se desenvolver entre o causador e o capturado. Isso leva à tomada de
decisões em conjunto, criando a ideia do “nós” ao invés do “eu”. Deve-se,
ainda, incentivar a interação “captor x capturados”, com atividades diversas que
priorizem as tarefas em conjunto. Exemplo pode ser visto no envio de comida,
não com os sanduíches prontos e embalados, mas com um pacote com o pão,
outro com o queijo, outro com a manteiga e a bebida num vasilhame tipo “pet”
acompanhado de alguns copos descartáveis. Isso fará com que comece a
interação de tarefas entre os reféns e o contato destes com os causadores [4].

6 Indicadores de Alto Risco

O negociador deve se preocupar sempre com os fatores de alto risco


que indicam que a Síndrome provavelmente não vai ocorrer. Dessa forma,
pode comprometer consideravelmente o desenrolar do processo de
negociação. Quando esses indicadores aparecem, a luz vermelha de alerta
deve acender para o negociador.
Os fatores de alto risco são:

- O sequestrado é uma pessoa conhecida ou previamente selecionada,


principalmente, parente ou caso amoroso;

- Existem ameaças diretas ou dano real à pessoa sem haver


exigências em troca;

- O elemento sofreu revés recente (econômico, demissão, trauma


emocional, entre outros);

- Não pertence a grupo familiar e há um isolamento crônico;

- Revela intenção de suicídio, ou fez acerto de testamento e


documentos antes da crise.

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Apresentando esses fatores, a Síndrome não se desenvolve e o


negociador deve atentar para essa dificuldade.

7 Conclusão

A ”Síndrome de Estocolmo” é uma poderosa ferramenta a ser usada


pelo negociador. Quanto mais ela se desenvolver, menor é a probabilidade de
violência.
Para saber mais sobre a Síndrome de Estocolmo e o trabalho do
Negociador de Crise, vejam o livro: Negociação de Crises e Reféns – o
Trabalho do Negociador no Gerenciamento de Eventos Críticos, disponível em:
https://www.clubedeautores.com.br/book/230145NEGOCIACAO_DE_CRISES_
E_REFENS

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Imagem:
Assalto em Estocolmo, 1973.
(Fonte):
Arquivo digital do autor.
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Fontes consultadas:
[1] Ver:

“Causador da crise” ou apenas “causador” é o termo usado na negociação para


identificar a pessoa que está fazendo a tomada de reféns, o sequestrador ou
em casos que não tem refém, o suicida, o agitador, entre outros.
[2] Ver:
Termo usado na negociação quando uma pessoa está acometida da síndrome.

[3] Ver:
Ponto Crítico é o termo técnico usado na negociação que define o local sob
controle dos causadores da crise, normalmente o local onde se encontram os
reféns.

[4] Ver:
As variadas formas e técnicas de indução da Síndrome de Estocolmo são
trabalhadas nos cursos de formação de Negociadores de Crise.

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