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AULA 2

TERAPIA COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL NA
PREVENÇÃO DO SUICÍDIO

Profª Sílvia Helena Brandt


TEMA 1 – TERMOS UTILIZADOS

Se hoje podemos falar em comportamento suicida e estudar como preveni-


lo, é porque ao longo da história aprendemos algo que diferencia os humanos dos
animais: a comunicação por palavras. Sabemos que a comunicação se dá em
diferentes níveis, dentre eles, os mais conhecidos são a linguagem corporal e a
linguagem verbal.
Por isso, é possível ver, ao longo da história, inúmeros modelos de brigas,
desentendimentos e até guerras por uma comunicação falha. Se conceitos forem
claros e objetivos, podemos prevenir e diminuir consideravelmente os mal-
entendidos.
Na linguagem científica, é importante conhecer o exato significado dos
termos que usamos.
No que tange aos comportamentos suicidas, é comum vermos termos
diferentes, inclusive apontando ou permitindo diferentes pontos de vista que
podem induzir ao erro na interpretação.
É importante compreender que a linguagem profissional nem sempre é a
mesma utilizada pelo grupo de pacientes. Existem alguns termos que, para o
âmbito profissional, são considerados inadequados por trazerem um julgamento
negativo ou ainda generalizar de modo pejorativo, colocando assim rotulações aos
pacientes. Essas rotulações podem cristalizar crenças disfuncionais, prejudicando
a prevenção ou o tratamento de comportamentos suicidas. Não obstante, muitos
desses termos são utilizados pelos pacientes, como por exemplo: cometer
suicídio, tentar sem sucesso, suicídio exitoso, tentativas frustradas, e, ainda, gesto
suicida, suicídio consumado ou completado, perfil do suicida etc.

Saiba mais
Vamos pensar a respeito de alguns desses termos?
Vejamos, o termo cometer implica pensar em ato criminoso – ninguém
comete boas ações. O paciente, então, ao utilizar essa palavra, pode estar
generalizando crenças de que não é uma boa pessoa, e de que por isso, não tem
merecimento disso ou daquilo.
“Conseguir” se matar, após tantas tentativas “frustradas” (ineficientes),
parece mesmo ter sido um ”êxito”! Diante disso, o suicídio pode passar a assumir
um papel de vitória no espaço psicológico do indivíduo.

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Mas por que dar ênfase aos termos utilizados?
A linguagem comum entre os profissionais que atendem pacientes com
comportamentos suicidas e pesquisadores da área é importante para coletar e
analisar dados de qualquer parte do país e do mundo, melhorando, assim, a
qualidade da prevenção e da intervenção.
A importância de conhecer os termos e de questioná-los, então, se coloca
no espaço criativo, permitindo, desse modo, a busca de maiores informações
clínicas e novas ideias mais apropriadas para o tratamento do tema. Já no que
tange ao vínculo entre paciente e terapeuta, questionar termos pode ser um
exercício que fortalece essa aliança, uma vez que permite clarear os
pensamentos, dar segurança e controlar a ansiedade.
A palavra suicídio tem origem do latim sui caedere, cujo significado é matar
a si mesmo. Essa palavra substitui o termo que trazia a ideia de homicídio de si
próprio, o qual denota uma conotação autodestrutiva e agressiva. Porém, como
vimos anteriormente, “suicídio é todo caso de morte que resulta, direta ou
indiretamente, de um ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e
que ela sabia que deveria produzir esse resultado” (Durhheim, 1982).
A ideia central do suicídio está ligada ao desejo voluntário de terminar com
a própria vida. Durkheim distingue duas formas de suicídio:

• Ativa: ato realizado pela própria pessoa, podendo contar ou não com a
ajuda de outro.
• Passiva: situações em que a pessoa se submete conscientemente, com
alta probabilidade de levar à morte (greve de fome etc.).

1.1 Postura profissional para abordar o suicídio

Há, de forma geral, o mito de que falar sobre suicídio aumenta o risco de
aumentar a incidência dos casos. Porém, é importante falar sobre o tema para
criar espaços de reflexão com oportunidades de que a pessoa encontre auxílio
para os sentimentos que frequentemente estão associados à ideação de morte,
como por exemplo o desamparo, a falta de sentido de vida etc.
Para falar sobre suicídio, é importante que seja criado um clima de
confiança para que a pessoa sinta que pode ser ouvida com acolhimento e
empatia. Neste sentido, é importante que o profissional que medeia essa conversa
tenha algumas posturas básicas:

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• Proporcionar um ambiente acolhedor;
• Escutar atentamente;
• Tentar entender o que a pessoa está sentindo – empatizar;
• Falar de maneira aberta, honesta e com afeto;
• Demonstrar respeito por opiniões e valores do sujeito à sua frente;
• Compreender que o que importa naquele momento é a visão do paciente
sobre o tema, evitando realizar qualquer julgamento;
• Aceitação e respeito pela dor da pessoa;
• Não chorar, não se desesperar, nem ficar chocado;
• Não tentar amenizar ou comparar a dor da pessoa com outro indivíduo ou
situação;
• Não dar falsas garantias.

TEMA 2 – DEFINIÇÕES

• Sobreviventes: pessoas que estão enfrentando a perda de um ente


querido que se suicidou. A morte por suicídio de uma pessoa querida pode
impactar fortemente a vida das pessoas. É comum vermos, na prática
clínica, filhos e netos de pessoas suicidas que sofrem de transtornos
depressivos ou outros que tiveram origem em sentimentos de culpa, de não
valorização pela vida, de rejeição, dentre outros, que foram causados a
partir das crenças criadas no momento do acontecimento. Como exemplo,
usaremos a série 13 Reasons Why: nela, é possível acompanhar a
trajetória dos sobreviventes, ou seja, dos adolescentes que conheciam a
protagonista suicida e que passaram a questionar seus próprios papéis na
história dela. Alguns sentiam-se culpados, outros passaram a ver suas
histórias com maior aceitação e naturalidade para o suicídio.
• Tentativa de suicídio: há diferentes graus de intencionalidade de se matar.
O que nem sempre pode ser determinado. De acordo com estudos,
aproximadamente um quarto das pessoas que chegam até o atendimento
médico após uma tentativa de suicídio relatam que a intenção era a morte.
Muitos pacientes não possuem palavras para traduzir o que estavam
pensando e desejando no momento, o que nos leva a crer que há um forte
componente de impulsividade no ato. Essa impulsividade pode ser gerada
em diferentes sentimentos, sendo os mais comuns o desamparo a partir da

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sensação de não pertencimento e a desadaptação à situação e ao
momento. A tentativa de suicídio pode ser definida, por alguns estudiosos
como Nock et al. (2008), como o ato com intenção clara de morrer, mas
outros estudiosos vão ampliar para a perspectiva do desejo, mesmo que
intrínseco.
• Parassuicídio: aqui, a pessoa realizou um ato contra si própria que gerou
lesão, porém sem a intenção de tirar a própria vida. Neste caso, considera-
se que a intenção é de pedir ajuda, lidar com angústia e desamparo ou
ainda punir e castigar alguém (Silverman et al., 2007).
• Autópsia psicológica: em alguns casos, não se sabe se a causa da morte
foi suicídio. Por isso, algumas vezes o especialista forense precisa revisar
prontuários médicos, analisar registros deixados pelo falecido, entrevistar
familiares, amigos, profissionais, cuidadores etc. para registrar no obituário
que a causa foi realmente suicídio. Esse procedimento é usado hoje
também nas pesquisas científicas.
• Comportamento suicida: este conceito é muito empregado nas práticas
clínicas e em textos que falam sobre a prevenção. Ademais, essa definição
engloba as circunstâncias, motivação e significado que o ato tem para o
sujeito, pois se trata de todo ato em que o sujeito causa lesão física,
independentemente do grau da intencionalidade de suicídio e da
consciência dos motivos pelos quais está agindo de tal maneira. Nem
sempre, no comportamento suicida, o que o sujeito busca é a morte; em
muitos casos, a pessoa está pedindo ajuda, ou ainda tentando castigar
alguém.

Há duas concepções de comportamento suicida entre os teóricos dessa


área: uma que concebe tal conceito como apenas um ato específico, e outra que
o percebe dentro de um continuum:

Ideia de suicídio > Ameaças > Parassuicídio > planejamento > tentativa > suicídio

Saiba mais
Ideias pessoais: cognição; Ações de autoagressão: comportamento.
Assim, deve-se levar em consideração toda cognição e comportamento
para que seja buscado significado e então tratar a prevenção do suicídio.

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• Pacto suicida: é feito entre duas ou mais pessoas que decidem se matar
conjuntamente ou ao mesmo tempo. Quando há a ideia de um pacto,
observa-se um alto risco do suicídio acontecer, e esse risco não cessa se
um dos parceiros desistir. Curiosidade: em 2018, o maior suicídio da
história completou 40 anos. Na ocasião, 918 pessoas morreram induzidas
a beber um veneno por ordens de um pastor (Jim Jones). Quem não bebeu
foi morto a facadas e tiros. Isso ocorreu na Floresta Amazônica, na Guiana.
• Suicídio assistido: o indivíduo pode colocar fim à sua vida quando está
acometido por uma situação médica considerada fatal, irreversível e que
cause sofrimento intenso. Nesta situação, é necessário que haja
concordância entre representantes médicos do paciente e o poder
judiciário. Quem dá início a esse processo é o próprio paciente. Na
eutanásia, quem aplica a injeção ou auxilia na ingestão do remédio que
dará fim à vida da pessoa é um familiar.

Saiba mais
A Holanda legalizou a eutanásia e o suicídio assistido em 2002.
Holanda, Bélgica e Luxemburgo permitem o suicídio assistido de portadores
de transtornos mentais, desde que tragam sofrimento insuportável – é necessário
que a pessoa tenha consciência de suas escolhas.
Na Suíça, há uma clínica que oferece suicídio assistido para pessoas com
doenças crônicas, sem a necessidade de serem terminais.
Alemanha, Canadá e Colômbia também já regulamentaram o suicídio
assistido.
Nos Estados Unidos, o suicídio assistido é aceito em alguns estados
(McCormack; Fléchais, 2012).

TEMA 3 – PREVENÇÃO

Até a Idade Moderna, o Suicídio não era pensado e discutido como questão
de saúde pública, e sua prevenção, então, ficava a cargo de organizações não
governamentais, mais especificamente de igrejas e instituições de cunho
filantrópico (Botega, 2015).

• 1906 – Exército da Salvação em Londres;


• 1906 – Liga nacional Salve uma Vida – NY;
• 1936 – Samaritans – Reino Unido;
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• 1962 – Centro de Valorização da Vida (CVV).

A partir do final da década de 1960, e mais enfaticamente na década de


1990, o suicídio passou a ser concebido como um problema a ser enfrentado
também na área da saúde pública.
A OMS passou a divulgar informações sobre o suicídio, estatísticas e
estudos científicos que expuseram a gravidade da situação a nível mundial. Diante
disso, sugeriu aos países-membros que organizassem programas e estratégias
de prevenção.
De acordo com Bertolote (2012), prevenção é qualquer ação que vise à
evitação de uma doença antes que ela acometa um indivíduo.
O início da prevenção sistemática se deu com a descoberta do campo de
estudo da microbiologia, que aliado à observação clínica das doenças conhecidas,
abriu espaço para o desenvolvimento de vacinas.

Quadro 1 – Coeficiente de mortalidade por suicídio, por acidentes de trânsito e


por homicídio em países selecionados

País Suicídio Acidente de Homicídio


Trânsito
Brasil 5.1 22,5 27,4
Argentina 8,1 9,7 5,8
Uruguai 15,5 10,5 4,5
Venezuela 4,2 21,3 29,5
Estados Unidos 11,0 16,1 6,0
Suécia 12,8 5,9 1,1
Lituânia 38,6 25,9 9,2
Kuwait 2,0 15,7 1,1
Japão 23,7 7,2 0,5
África do Sul 1,0 11,5 10,4
Fonte: Waiselfez, 2008.

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TEMA 4 – MODELOS CONCEITUAIS DE PREVENÇÃO

4.1 Prevenção de etapas da doença

Este modelo foi proposto por Leavell e Clark (1965) no início dos anos 1960
e se baseia na história natural das doenças e permite considerar a prevenção
mesmo na ausência de um conhecimento acabado de sua etiologia. É um modelo
que trabalha sob a perspectiva de 3 etapas de prevenção:

• Prevenção Primária – cobre atividades relacionadas tanto à promoção geral


da saúde (que funciona de maneira inespecífica, seja no plano físico, seja
no plano psíquico; seja para doenças infecciosas, seja para doenças
degenerativas e transtornos mentais) quanto à proteção específica contra
determinadas doenças também específicas (por exemplo, a imunização,
que é sempre específica para uma dada doença infecciosa e, por vezes,
para determinadas formas de doenças causadas por uma variedade em
especial de um dado agente etiológico, como é o caso da vacina contra a
gripe, que protege apenas contra determinadas variantes do vírus que a
causa). Esta etapa constitui o que tradicionalmente se considerava como
prevenção, no sentido de interceptar o agente antes que este atingisse uma
pessoa e desencadeasse um processo mórbido.
• Prevenção Secundária – corresponde à detecção precoce de um processo
patogênico e à pronta instituição de um tratamento, com o propósito de
interromper e, se possível, reverter aquele processo, desta forma
prevenindo o sofrimento, eventuais incapacidades e, por extensão, o óbito.
Aqui, não se trata mais de prevenir a doença no sentido de impedir que ela
ocorra, mas de prevenir sua evolução e seu agravamento, uma vez que ela
já se tenha iniciado.
• Prevenção Terciária – diz respeito a medidas que se tomam, uma vez que
o processo patogênico é interrompido ou estabilizado, para devolver à
pessoa afetada o máximo possível de sua capacidade funcional que tenha
sido afetada pela doença, ou para evitar mortes prematuras.

4.2 Prevenção baseada em nível de risco

Alguns cientistas ao estudarem comportamentos normais que, quando


realizados em exagero ou de maneira perigosa, tornavam-se patológicos,
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resultando em doenças, perceberam que o modelo de prevenção proposto por
Leavell e Clark não conseguiam avaliar as nuances de tais comportamentos.
Assim, não conseguiam definir, por exemplo, o momento de transição do normal
para o patológico, o que resultava em verdadeiras barreiras na concepção de
Programas de Prevenção para estes comportamentos.
Exemplos de comportamentos: comer, beber, violência doméstica,
comportamentos autoagressivos, autodestrutivos e suicidas.
Assim, Gordon, um cientista que estudava violência doméstica,
desenvolveu um modelo de prevenção para questões comportamentais baseado
no risco que uma pessoa ou populações podem apresentar ao desenvolver tal
comportamento:

• Prevenção Universal – destinada a toda a população, independentemente


do grau de risco que apresenta, e mesmo sem risco algum. Seu objetivo é
impedir o início de um dado comportamento e prescinde de seleção dos
indivíduos a quem se destina a intervenção. A observância em diversas
partes do mundo do Dia da Prevenção do Suicídio, iniciada Pela
Associação Internacional de Prevenção do Suicídio (IASP), e apoiado pela
OMS, é um bom exemplo de prevenção universal do suicídio. Nesse dia,
por meio de diversas atividades, a população é informada sobre o suicídio,
seu impacto e como enfrentá-lo.
• Prevenção Seletiva – destinada a populações (ou indivíduos) que
apresentam um baixo grau de risco, e que ainda não começaram a
apresentar o comportamento-alvo. Seu objetivo é impedir a instalação de
um dado comportamento ou o surgimento de suas consequências por meio
da identificação e da redução de fatores de risco. Utiliza-se a busca ativa
dos sujeitos assim que sua vulnerabilidade seja estabelecida. Um exemplo
de prevenção seletiva de comportamentos suicidas é a busca ativa de
certos indivíduos com transtornos mentais fortemente associados ao
suicídio, como a depressão, o uso indevido de álcool e a esquizofrenia.
Contudo, a equipe que desenvolve atividades de prevenção seletiva deve
ser capacitada para ir além do simples tratamento farmacológico daqueles
transtornos e lidar com diversos outros aspectos socioculturais e
econômicos, tais como relacionamento familiar, adolescência, velhice,
idade e outros transtornos comportamentais associados ao risco de
suicídio.

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• Prevenção indicada – para populações (ou indivíduos) que apresentam
risco considerável e/ou que já começaram a manifestar o comportamento
em questão, ou seja, quando o processo suicida já foi iniciado e está em
andamento. Um bom exemplo de prevenção indicada de comportamentos
suicidas é a atenção e o seguimento de perto de pessoas que já tentaram
o suicídio, principalmente nos dias ou semanas imediatamente após a
tentativa de suicídio.

De acordo com esse modelo de prevenção, devemos distinguir entre, por


exemplo, (a) a prevenção do surgimento da ideação suicida, (b) a elaboração de
planos suicidas e (c) o engajamento em atos suicidas, porque em cada um desses
casos, o local de intervenção preventiva é, respectivamente, (a) o espaço
intrapsíquico, (b) o espaço cultural tanto interno quanto externo dos indivíduos e
(c) o espaço físico subjacente, particularmente.

TEMA 5 – PREVENÇÃO DO SUICÍDIO

Já vimos que os primeiros esforços na prevenção do suicídio se deram por


meio de Instituições religiosas e filantrópicas. Muitas dessas tentativas eram
realizadas de modo individual, tendo metodologia clínica, porém, nem sempre
eram baseadas em princípios científicos. Tal modelo de atendimento não era
viável quando começamos a falar em saúde pública, o que se deu a partir da
década de 1990, pois percebeu-se a ineficácia em atingir objetivos amplos e no
aspecto custo-benefício.
O que realmente se busca com a prevenção ao suicídio é mais do que a
diminuição do comportamento suicida. Busca-se, na verdade, a melhoria das
condições de vida, a identificação dos gatilhos que levam as pessoas a
dispararem crenças centrais que gerem pensamentos e comportamentos
suicidas, bem como a diminuição de estressores, a níveis comunitários e sociais,
que também possam despertar esses gatilhos. Portanto, compreende-se que seja
um trabalho a ser desenvolvido em rede, com esforços coordenados das
diferentes políticas, levando-se em consideração os aspectos biológicos,
psicológicos, sistêmicos (sociais e familiares), econômicos, religiosos e culturais.
É importante, quando Programas de Prevenção ao Suicídio forem
elaborados, que os objetivos estejam definidos, como redução de mortalidade e
de comportamentos suicidas, o público-alvo, cronograma, estratégias de

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aplicação, metodologia e avaliação.
Com relação à aplicação de Programas de Prevenção ao Suicídio no que
tange à saúde pública, é importante ressaltar que, apesar do número de suicídios
ser elevado no Brasil, por exemplo, territorialmente falando, eles se dividem ao
longo de 8 milhões de m², o que dificulta concentrar o Programa em um único
território, levando em conta ainda que, em um país continental, as culturas são
diferentes, o que gera a necessidade de territorialização, não cabendo, talvez,
uma única abordagem para o país como um todo.
Outro aspecto relevante de ser mencionado é o tempo pelo qual a pessoa
que teve comportamento ou tentativa de suicídio é acompanhada por profissionais
da saúde focados na prevenção. Como o ser humano subjetiva suas vivências,
um fato precipitante (como um abuso sexual na infância, um luto não trabalhado
etc.) pode ser guardado a nível de crença central e somente tempos depois, horas
ou anos, pode ser acionado um gatilho que leve, então, ao comportamento suicida
ou ainda ao suicídio em si.

5.1 Aspectos gerais

Os planos de Prevenção ao suicídio devem contar, de modo geral, com os


seguintes aspectos:

• Conscientização da população;
• Divulgação responsável pela mídia;
• Redução do acesso a meios letais;
• Programas em escolas;
• Detecção e tratamento de depressão e de outros transtornos mentais;
• Atenção a pessoas que abusam de álcool e de outras drogas psicoativas;
• Atenção a pessoas que sofrem de doenças que causam incapacidade e
dor;
• Acesso a serviços de saúde mental;
• Avaliação e seguimento de casos de tentativa de suicídio;
• Apoio emocional a familiares enlutados;
• Intervenções psicossociais em crises;
• Políticas voltadas para a qualidade do trabalho e para situações de
desemprego;
• Treinamento de profissionais da saúde em prevenção do suicídio;

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• Manutenção de estatísticas atualizadas sobre suicídio;
• Monitoramento da efetividade das ações de prevenção idealizadas pelo
plano.

5.2 Programas de prevenção no Brasil

Apesar da recomendação da OMS (WHO, 2014) para que os países-


membros elaborassem e implementassem planos de prevenção, e de 28 países
terem posto em ação seus planos até a data da publicação deste relatório, o Brasil
havia apenas publicado diretrizes gerais e assumiu o compromisso de reduzir em
10%, até 2020, o número de mortes por suicídio.
Para Botega e Garcia (2004), em nosso país, ao menos até o ano de 2000,
o suicídio não entrava no radar da saúde pública. Discutiam-se as mortes por
doenças, pobreza, violência como homicídio e acidentes etc., mas o suicídio era
uma morte negligenciada.
Então, em 2005, o Ministério da Saúde montou um grupo de trabalho para
elaborar o Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio, resultando nas Diretrizes
Nacionais. O grupo de trabalho contou com a participação da ANVISA (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária); da UNICAMP, por meio do Departamento de
Psiquiatria da Faculdade de Medicina; dos Institutos de Psicologia da PUCRS e
da UnB; do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ (NESC/UFRJ); do
Núcleo de Epidemiologia do Instituto Phillipe Pinel do Rio de Janeiro; e da CVV.
O produto desse trabalho, chamado, como vimos acima, de Diretrizes
Nacionais, propõe ações de desenvolvimento e fortalecimento em um trabalho de
Rede, tendo como base a política de Saúde Mental. Infelizmente, apesar desse
esforço, o Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio ainda não foi elaborado. Veja,
a seguir, algumas estratégias que as diretrizes propõem:

• Sensibilização e mobilização da sociedade em geral;


• Qualificação dos profissionais de saúde na gestão e na atenção;
• Organização dos serviços de modo que ofereçam tratamentos mais
efetivos;
• Promoção de estudos e pesquisas;
• Restrição e redução dos meios utilizados;
• Melhora nos sistemas de informação e de vigilância em saúde;
• Apoio à organização da sociedade nas suas iniciativas de promoção e

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atenção à saúde.

Quadro 2 – Marcos recentes da trajetória da prevenção do suicídio no Brasil

1962 Início das atividades do Centro de Valorização da Vida (CVV)


1984 Lançamento de O que é suicídio – Coleção Primeiros Passos. Ed.
Brasiliense (Cassoria, 1984)
1998 Simpósio Suicídio: você já estudou sobre isso? – USP
2000 Estudo multicêntrico de intervenção no comportamento suicida
(SUPREMISS), da OMS, o qual inclui o Brasil e traduz e
disponibiliza na internet vários manuais da entidade sobre
prevenção do suicídio.
2003 Revista Superinteressante traz matéria de capa Suicídio: por que
as pessoas se matam?
2004 Grupos de pesquisa de quatro centros universitários brasileiros
– (Unicamp, PUCRS, USP, UFMG) lançam três livros sobre suicídio
2006 (Botega; Werlang, 2004; Meleiros et al., 2004; Correa; Barros,
2006).
2006 Lançamento das Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio
e de manuais do Ministério da Saúde.
2007 Dois jornalistas lançam livros sobre suicídio (Dadpieve, 2007;
– Fontenelle, 2008)
2008
2007 II Congresso da Associação de Suicidologia da América Latina
(ASULCA) em Belo Horizonte.
O Instituto Lundbeck traduz e distribui gratuitamente para
psiquiatras brasileiros o manual Manejo do risco de suicídio: um
manual para profissionais de saúde (Kutcher; Checil, 2007)
2008 Em março, ocorre o Simpósio Internacional sobre Epidemiologia e
Prevenção do Suicídio, em Salvador.
Série de reportagens sobre o suicídio é publicada em setembro no
jornal Zero Hora de Porto Alegre.
2009 Campanha de prevenção do suicídio da Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP). A partir de setembro, o CVV passa a atender
pessoas também via chat. Manual de prevenção de suicídio ABP,

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destinado a profissionais da imprensa, é lançado em novembro.
2010 O seminário Suicídio na imprensa: entre informação, prevenção e
omissão, na Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, reúne vários
jornalistas. Veiculação de chamada sobre prevenção de suicídio na
Rede Globo de Televisão.
2012 Início da Rede Brasileira de Prevenção do Suicídio na internet:
<rebraps.com.br>.
2014 O Congresso Nacional e o Memorial Juscelino Kubitscheck, em
Brasília, são iluminados de amarelo no dia 10 de setembro, dia
mundial da prevenção do suicídio. O conselho Federal de Medicina
e a Associação Brasileira de Psiquiatria lançam manual de
prevenção ao suicídio.
2010 200 estudos brasileiros ao suicídio são publicados em revistas
– científicas internacionais.
2014
2015 A ideia de uma Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do
Suicídio (ABEPS) é lançada em Belo Horizonte, e uma diretoria
provisória é formada.
2016 O I Congresso Brasileiro de Prevenção do Suicídio, da ABEPS, é
realizado em junho, em Belo Horizonte. Uma ata de fundação da
ABEPS é assinada, e sua primeira diretoria é eleita pelos
presentes.

Fonte: Botega, 2015.

Apesar dos esforços do Ministério da Saúde à época, como já mencionado,


a nível de política pública, pouco avançamos. Não obstante, a comunidade civil
vem se organizando para unir esforços a fim de realizar campanhas de Prevenção
ao Suicídio.

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REFERÊNCIAS

BERTOLOTE, J. M. O suicídio e sua prevenção. São Paulo: Editora Unesp,


2012.

BOTEGA, N. J. Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed; 2015.

DURKHEIM, E. O Suicídio. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

MCCORMACK, R.; FLÉCHAIS, R. The role of psychiatrists and mental disorder in


assisted dying practices around the world: a review of the legislation and official
reports. Psychosomatics, v. 53, n. 4, p. 319-326, jul./ago. 2012.

RESMINI, E. Tentativa de Suicídio: Um Prisma para Compreensão da


adolescência. São Paulo: Revinter, 2004.

SILVERMAN M. M. et al. Rebuilding the tower of Babel: a revised nomenclature


for the study of suicide and suicidal behaviors. Part 1: Background, rationale, and
methodology. Suicide and Life-Threatening Behav., v. 37, n. 3, p. 248-263, jun.
2007.

VENCO, S.; BARRETO, M. O Sentido social do Suicídio no Trabalho. Rev. TST,


Brasília, v. 80, jan./mar. 2014.

WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência 2008: os jovens da América Latina. São


Paulo: Instituto Sangari; 2008.

WHO – World Health Organization. Preventing Suicide: a global imperative.


Geneve: WHO; 2014.

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