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URL: https://journals.openedition.org/lusotopie/6855
DOI: 10.4000/lusotopie.6855
ISSN: 1768-3084
Editora
Idemec - UMR 7307
Refêrencia eletrónica
Teresinha Maria de Castro Vilela e Aristóteles de Paula Berino, «Ressignificar: Paulo Freire e a
Escolinha de Arte do Recife», Lusotopie [Online], XXII(1) | 2023, posto online no dia 01 outubro 2023,
consultado o 07 dezembro 2023. URL: http://journals.openedition.org/lusotopie/6855 ; DOI: https://
doi.org/10.4000/lusotopie.6855
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Ressignificar: Paulo Freire e a Escolinha de Arte do Recife 1
atenção para o termo auto expressão da criança, pois fazia parte da fundamentação
teórica, tanto da Escolinha de Arte do Recife, quanto do Instituto Capibaribe, como
identificado a seguir.
11 Em outro trecho da carta, Noêmia escreve sobre a participação de Paulo Freire em um
projeto. Ressaltamos que neste período, entre 1955 e 1959, Freire era membro da
diretoria da Escolinha de Arte do Recife, como Conselheiro Consultivo, quem
geralmente elabora e implementa os projetos.
Precisamos dar ao nosso projeto propósitos claros, imediatos, feição prática. (Não o
vejo tão longe, em seus fundamentos, de um plano de desenvolvimento econômico.
Leia o capítulo de ARTE E INDÚSTRIA, de Read, sobre arte e educação na idade
industrial.) com essa observação. Paulo deseja defender nosso projeto frente ao
julgamento do M. de Educação. (Brasil 1980: 77) [Grifo nosso]
12 A influência das ideias de Herbert Read, desenvolvidas no livro Educação pela Arte, de
1943, ficou conhecida em vários países (Read 1943). A obra foi traduzida em vários
idiomas, além do autor realizar palestras e exposições em várias viagens, incluindo ao
Brasil. Herbert Read visitou a Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1953. A
proposta de Read era utilizar a arte como método educacional, com base no
desenvolvimento da experiência artística dos estudantes: “a Arte deve ser a base de
toda a Educação” (Read 1943: 13).
13 Adotando esta referência, a Escolinha de Arte do Brasil teve várias propostas, entre elas
a livre expressão para crianças e os cursos de formação para professores. Além dos
cursos oferecidos, passou a ser um centro de pesquisas com intercâmbios através de
palestras, exposições, visitantes, educadores e artistas. A rede chegou a
aproximadamente 140 Escolinhas, incluindo duas no Paraguai, uma na Argentina e uma
em Portugal. Em 1965, a Escolinha de Arte de Portugal, em Lisboa, foi fundada com a
seguinte observação: “A Escola Cecília Menano passou a denominar-se Escolinha de
Arte para melhor identificação com o Movimento Escolinhas de Arte” (Brasil 1978: 529).
Segundo o depoimento de Noêmia Varela (1972), o Movimento Escolinhas de Arte foi
uma consequência da filosofia e da própria dinâmica da Escolinha de Arte do Brasil,
como um modelo gerador e não como uma proposta a ser copiada.
14 O nome “Escolinha” foi sugerido pelas crianças que frequentavam o espaço, de início
um pequeno corredor da Biblioteca Castro Alves, e puderam testar na prática alguns
métodos pedagógicos inovadores: “O ato de oferecer tinta para as crianças, nos anos
1940 e 1950, era uma grande prova de confiança e ousadia, o que resultou em adultos
que souberam lidar melhor com os desafios da liberdade” (Miranda 2019: 9).
15 Uma outra sugestão de Paulo Freire:
16 Quando Paulo Freire sugere conferências sobre a realidade brasileira para um dos cursos
oferecidos pela Escolinha de Arte do Recife, ele traz a experiência de estudos
desenvolvidos por ele com famílias operárias, entre 1947 e 1957 (Souza 2001):
Sugeriu também que o curso poderia ter uma parte introdutória — série de
conferências sobre a realidade brasileira no plano da educação de base.
Levantamento de problemas críticos da educação entre nós, fundamentação
filosófica ligada à arte e educação, como também à indústria e ao desenvolvimento
econômico. (Brasil 1980: 77) [Grifo nosso]
17 Na década de 1950, em Recife, Paulo Freire e sua esposa Elza Freire iniciavam uma série
de experimentos com a alfabetização. Segunda ela, o educador “estava alfabetizando
por palavração. Eram vinte e oito palavras geradoras do mundo da criança e estavam
dando um resultado fabuloso” (Freire 2001: 348). Elza Freire tinha experiência com
alfabetização infantil, e desta forma adaptaram os métodos para a alfabetização de
adultos, a partir das “palavras geradoras”. Paulo e Elza Freire utilizavam desenhos e
palavras: “Não fizemos por cartaz. Na hora, fazíamos o desenho e escrevíamos também
a palavra” (ibid.). As “fichas de cultura”, como ficaram conhecidas depois no Método
Paulo Freire, são imagens constituidas por desenhos, fotografias, cartazes ou slides, que
surgiam depois de um levantamento realizado a partir do contexto dos estudantes.
Dessa forma, a alfabetização não era desvinculada da vida dos estudantes.
18 Nos anos de 1960, Paulo Freire pôde confirmar o resultado de seus projetos de
educação, trabalhando cada vez mais com uma alfabetização voltada para a
conscientização crítica. A metodologia usada ficou mais conhecida com a experiência
desenvolvida em 1963 em Angicos, no Rio Grande do Norte, na qual Paulo Freire atuou
com 300 adultos em quarenta horas (Lyra 1996).
19 A carta que Noêmia Varela escreve para Augusto Rodrigues, além de ser um dos poucos
documentos de domínio público que confirma o nome de Paulo Freire na história da
Escolinha de Arte do Recife, também demonstra com clareza suas ideias no campo da
arte e da educação. Nesta carta, assim como em um texto de Ana Mae Barbosa na
década de 1990 intitulado “Paulo Freire e a Arte-Educação”, referem-se à participação
de Paulo Freire na Escolinha de Arte do Recife (Barbosa 1996) e colaboraram para este
estudo. Ana Mae Barbosa foi aluna de Paulo Freire e de Noêmia Varela. Fernando
Azevedo (2001) fez uma pesquisa com Noêmia Varela e Ana Mae Barbosa fazendo uma
relação delas com Paulo Freire.
20 Ana Mae Barbosa conheceu Paulo Freire em 1955 quando fez um Curso de preparação
para o Concurso de Professores de Quarta Instância. Ana Mae Barbosa mudou sua
opinião sobre Educação depois que Paulo Freire foi seu professor e Noêmia Varela foi
também sua professora. Ana Mae Barbosa passou em concurso para o cargo de
professora, alfabetizou durante dois anos com a orientação de Paulo Freire. Depois
estagiou e trabalhou na Escolinha de Arte do Recife (Barbosa 2021).
21 Paulo Freire, professor catedrático da Faculdade de Belas Artes da Universidade de
Recife4 (Silva 2003, Brandão 2005) desde 1952, se manteve como membro do Conselho
Consultivo da Escolinha de Arte do Recife até a Assembleia Geral de 1959, quando
passou para suplente do Conselho Fiscal. O ano de 1959 é também o da obtenção do
doutorado por Paulo Freire, com a tese intitulada “Educação e atualidade brasileira”. O
trabalho lhe daria repercussão nacional, porém despertaria também perseguição a
partir do golpe militar de 1964 (Haddad 2019). Para ele, o processo de desenvolvimento
do Brasil dependia do processo educacional no país, fator chave para a construção de
uma sociedade mais consciente e mais participativa.
22 Aqui ressaltamos a importância do trabalho com as fontes primárias nesta pesquisa,
pois sem o Livro de Atas da Escolinha de Arte do Recife, não teríamos como entrecruzar
as informações com a carta de Noêmia Varela endereçada a Augusto Rodrigues e com as
sugestões de Paulo Freire, para reconstruir aos poucos esta história. Depois do ano de
1961, a Assembleia Geral da Escolinha de Arte do Recife foi retomada somente quatro
anos depois, em 29 de março de 1965. O ano de 1964 iniciou o período da ditadura
militar e provocou de fato uma série de mudanças para a Escolinha. A sua Assembleia
Geral de 1965 já não constava mais com a presença de Ana Mae Barbosa e Paulo Freire,
exilado após duas prisões. Ana Mae Barbosa foi perseguida e teve sua casa “invadida
por polícia e exército” (Barbosa 2010: 9), em Recife. Elza Freire e os filhos partiram para
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NOTAS
1. A Escolinha de Arte do Recife registrada como sociedade civil é uma instituição sem fins
lucrativos, que continua funcionando no mesmo local, situada a Rua do Cupim, número 124,
Bairro Graças, na cidade do Recife, Pernambuco, Brasil.
RESUMOS
Este estudo tem como objetivo apresentar pontos que entrecruzam a pedagogia freireana no que
concerne a Arte e a Educação, com o projeto da Escolinha de Arte do Recife (Brasil). Para tanto,
nos detemos em uma carta escrita pela educadora Noêmia Varela, endereçada ao multiartista
Augusto Rodrigues, em 1958, com sugestões de Paulo Freire para a Escolinha. Como resultado,
propomos ressignificar questões ligadas ao pensamento freireano na Arte e Educação.
L’objectif de cette étude est de présenter les points d’intersection entre la pédagogie de Paulo
Freire en matière d’art et d’éducation et le projet de l’Escolinha de Arte à Recife (Brésil). Pour ce
faire, nous concentrons l’analyse sur une lettre écrite par l’éducatrice Noêmia Varela, adressée à
l’artiste multifacette Augusto Rodrigues, en 1958, avec des suggestions de Paulo Freire pour
l’Escolinha. Nous proposons en conséquence de revisiter certaines questions liées à la pensée de
Freire dans les domaines de l’art et de l’éducation.
This study aims to present points that intertwine Paulo Freire’s pedagogy with regard to art and
education with the Escolinha de Arte do Recife project (Brazil). To do so, we focus on a letter written
by the Brazilian educator Noêmia Varela, addressed to the multi-artist Augusto Rodrigues, in
1958, with suggestions from Paulo Freire for the Escolinha. As a result, we propose to reframe
Freire’s thinking in art and education.
ÍNDICE
Mots-clés: Paulo Freire, art, éducation, Escolinha de Arte do Recife
Keywords: Paulo Freire, art, education, Recife Art School
Palavras-chave: Paulo Freire, arte, educação, Escolinha de Arte do Recife
AUTORES
TERESINHA MARIA DE CASTRO VILELA