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A Liderança Estratégica ante os Desafios do Mundo

PSIC
Set 18 Postado por Gen Ex Richard Fernandez Nunes em Geral

Em artigos anteriores, procurei caracterizar o ambiente informacional da atualidade por meio do


acrônimo PSIC (precipitado, superficial, imediatista, conturbado), apreciando seus reflexos para a
comunicação estratégica do Exército 1 e para a ética militar 2. Neste trabalho, volto a abordar esse tema
do Mundo PSIC, agora, sob o enfoque da liderança estratégica.

Com efeito, se essas características PSIC devem merecer atenção no planejamento e na


execução da comunicação do Exército, bem como suscitar reflexões de caráter ético-profissional, é
natural que o exercício da liderança militar também possa sofrer consequências desse fenômeno.
Comunicação, ética e liderança são abordagens indissociáveis, ainda mais nestes tempos de profundas
mudanças nas relações sociais, provocadas pelos avanços que temos observado na tecnologia da
informação.

O exercício da liderança militar, em qualquer nível, pressupõe coragem e integridade de caráter


plenamente reconhecidas. Quando se emprega a liderança direta, é possível mais facilmente superar
óbices à percepção desses pressupostos, uma vez que a comunicação é menos suscetível a ruídos e
manipulações. A força do exemplo se faz mais presente. Entretanto, quando lidamos com o nível
estratégico, há variáveis mais difíceis de se controlar, o ambiente é mais complexo, e o distanciamento
físico amplia o desafio de se influenciar comportamentos e direcionar esforços para a conquista de
objetivos institucionais. O caráter digital e virtual do ambiente informacional PSIC potencializa as
limitações da liderança indireta.

Historicamente, os meios de comunicação de massa vinham se consolidando segundo uma lógica


socioeconômica top-down. Foi assim com a mídia impressa, com o rádio, com a televisão – aberta e por
assinatura –, e com a rede mundial de computadores. Entretanto, quando a telefonia celular e a internet
se combinaram em smartphones, de aquisição amplamente disseminada, essa lógica deixou de
prevalecer, uma vez que pessoas dos mais diversos estratos sociais passaram a desfrutar
simultaneamente dessa ferramenta de produção e de difusão instantânea de conteúdos e mensagens.
Esse fenômeno é de extrema relevância para a compreensão dos desafios enfrentados pela liderança
estratégica, particularmente em uma Instituição de Estado, que tem na hierarquia um de seus alicerces.

Qualquer que seja a abordagem adotada acerca da temática da liderança, é inquestionável que o
conhecimento exerce papel primordial. O exercício da liderança, de modo geral, requer competências
que proporcionem correta análise do ambiente considerado e adequada visão dos caminhos a seguir.
No nível estratégico, mais incerto e complexo, a obtenção de razoável consciência situacional constitui
requisito ainda mais crítico para o êxito.

Em meio a um acúmulo exponencial de informações, veiculadas por intermédio de uma


incontrolável massa de mídias, a questão que se impõe é separar o essencial do supérfluo, o
significativo do irrelevante e o autêntico do falso ou distorcido. E essa tarefa é extremamente
desafiadora, pois ao líder não é mais proporcionado tempo suficiente para a necessária reflexão, para
ser proativo em vez de reativo, para elaborar a estratégia de comunicação adequada. A
instantaneidade, a rapidez e o volume de dados disponibilizados no ambiente informacional escapam à
lógica hierárquica e acarretam para a liderança um ciclo frenético de interpretação de dados e de
tomada de decisões, de modo a que seja exercida com acerto e oportunidade.

Para isso, é necessário identificar e contornar as armadilhas do Mundo PSIC.

A precipitação conspira contra o senso de oportunidade. Sendo o tempo um dos fatores da


decisão, há que se resistir a conclusões antecipadas, devido à disseminação indiscriminada da
informação a níveis que não tenham competência funcional para realizar adequada análise da situação.
O impulso de rapidamente se livrar de um problema ou atender ao clamor de bolhas midiáticas pode
acarretar sérios prejuízos ao processo decisório. O líder estratégico precisa enfrentar com serenidade a
tendência atual de agir apressadamente e preservar a capacidade de controlar os anseios daqueles a
quem deve conduzir. Deve sempre se valer do ESAON3. Navegar, ou seja, percorrer o caminho
selecionado não pode ser um ato impensado. Deve ser o coroamento de todo um processo consciente,
pautado pela ponderação e pelo equilíbrio.

A superficialidade impede a obtenção do grau de conhecimento requerido para se analisar uma


situação e se chegar à melhor decisão. A consciência situacional plena requer estudo abalizado. Não há
como equacionar problemas complexos, como costumam ser os de nível estratégico, com informações
insuficientes ou incompletas. Simplicidade é princípio de guerra. Permite descomplicar a solução,
particularmente devido ao modo de se comunicar o que precisa ser feito. Simplismo, ao contrário, revela
carência de fundamentos, sem levar em consideração aspectos essenciais à compreensão do
ambiente. O líder precisa conhecer em profundidade a realidade a enfrentar, cercando-se de
assessores zelosos, e não de meros repetidores de ideias e opiniões de “especialistas” e influencers,
encontradas em profusão nas plataformas digitais.

O imediatismo obscurece a visão de futuro, uma das componentes primordiais da liderança


estratégica. As decisões de caráter estratégico exigem mais persistência no tempo e mais abrangência
no espaço. Vantagens momentâneas raramente são sustentáveis, tampouco atendem a todos os
aspectos envolvidos na análise da questão. Tendências de longo prazo devem sobrepujar percepções
passageiras. É necessário semear para que se possa colher. E isso requer desprendimento, paciência e
compreensão histórica. O líder estratégico precisa fazer escolhas que nem sempre lhe permitirão
desfrutar dos resultados em curto prazo, mas a responsabilidade e o compromisso com as gerações
vindouras impõem a humildade de preparar o terreno para que outros eventualmente colham os louros.

A conturbação afeta a capacidade que se requer de um líder de conciliar múltiplos e diversos


interesses na busca de um propósito comum. A polarização da sociedade, os posicionamentos radicais,
o desprezo pelo diálogo e a cultura do cancelamento e linchamento nas redes virtuais têm causado
sérias restrições ao exercício da liderança. No meio militar, esse tipo de comportamento atenta contra a
hierarquia e a disciplina e compromete a coesão. Ambientes conturbados geram círculos viciosos de
preconceitos, ofensas e retaliações, que subtraem energia e desviam o foco dos legítimos anseios
coletivos e dos objetivos estratégicos a serem alcançados. A liderança estratégica demanda resiliência
para sobrepujar essas questões limitadas e dispersivas.

Como se pode observar, o exercício da liderança estratégica tem sido confrontado por
características próprias do ambiente informacional altamente digitalizado da atualidade, que tenho
identificado como Mundo PSIC. Assim como sugerido nos trabalhos anteriores, é necessário
compreender essa questão a fim de se encontrar as respostas mais adequadas ao desafio que
representa.

De modo conclusivo, identifico na trilogia liderança estratégica – ética militar – comunicação


estratégica o arcabouço mais indicado para se analisar o ambiente informacional de nossos dias e
melhor compreender a realidade em que estamos inseridos, a fim de que se possam encontrar soluções
integradas, alinhadas e sincronizadas para o amplo espectro de atuação do Exército, em face da
relevância, da complexidade e da variedade das missões que lhe são atribuídas pela Nação Brasileira.

1 O Mundo em Acrônimos e a Comunicação Estratégica do Exército, disponível


em https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mundo-em-acronimos-e-a-comunicacao-estrategica-do-
exercito.html#:~:text=A%20prop%C3%B3sito%20do%20uso%20deste,disponibilizado%20na%20Era%20do%20Conhecimento

2 O Mundo PSIC e a Ética Militar, disponível em https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mundo-psic-e-a-


etica-militar.html

3 Acrônimo usual no Exército para Estacione, Sente-se, Alimente-se, Oriente-se e Navegue. Trata-se de um
procedimento de sobrevivência que visa a retomada da consciência da situação e da capacidade de decidir de modo a
prosseguir na missão.

Tags comunicação estratégica ética militar comunicação liderança militar objetivos estratégicos
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