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Nº 1 / 2017

Conselho
Presidente: Emilio Carazzai
Vice-presidentes: Ricardo Egydio Setubal e Isabella Saboya
Conselheiros: Alberto Emmanuel Whitaker, Doris Beatriz França Wilhelm, Monika Hufenüssler
Conrads, Richard Blanchet, Robert Juenemann e Vicky Bloch

Diretoria
Alberto Messano, Henri Vahdat e Matheus Rossi

Superintendente geral
Heloisa Belotti Bedicks

Superintendente de Vocalização e Influência


Valéria Café

Superintendente de Desenvolvimento
Adriane de Almeida

Superintendente de Operações e Relacionamento


Reginaldo Ricioli

Produção e coordenação da publicação


Jornalista responsável: Sandra Nagano (MTB 42425/SP)

Projeto gráfico e diagramação


Atelier de Criação (atelierdecriacao.com.br)

Fotos
Divulgação / Arquivo IBGC / Ale Fotógrafo

É vedada a reprodução de textos e imagens desta publicação sem autorização prévia,


mediante consulta formal e citação de fonte.

IBGC
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World Trade Center Tower - 21º andar - CEP 04578-903 - São Paulo/SP
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www.ibgc.org.br

Associados mantenedores

IBGC Análises & Tendências - 1ª edição - Agosto/Setembro/Outubro de 2017


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Sumário

4 Governança consciente em tempos incertos

6 A sua governança está preparada para um capitalismo


mais consciente?

10 Na fronteira da Governança

12 “O prazo que as empresas terão para identificar e reagir aos riscos


e oportunidades que as novas tecnologias trazem é o diferencial”,
alerta especialista

16 Se cumprir não for o mais adequado para a empresa, explique

20 Gestão, ética, governança

22 Conselhos de Administração no fortalecimento da agenda ESG

24 Investimento Responsável: uma jornada baseada


em Governança Corporativa

26 Um potencial inexplorado

28 Tendências na gestão empresarial frente às


mudanças climáticas: riscos e oportunidades

Os artigos desta publicação, com exceção dos textos assinados pelos


administradores e equipe do IBGC, são de responsabilidade dos autores e
não refletem necessariamente a opinião do instituto.
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Editorial

Governança consciente em
tempos incertos
Heloisa B. Bedicks

É cada vez mais evidente a preocupação por


parte de relevantes empresas nacionais e
internacionais em reforçar seus sistemas de
governança corporativa, seja por meio de
seu engajamento em temas relacionados
às melhores práticas, ou ainda, programas
como o de compliance e integridade. Este
cenário pode ser, em parte, reflexo do custo
econômico e reputacional pelo qual algu-
mas empresas, roladas na esteira de graves
denúncias de atos de improbidade, tiveram
ou ainda terão de desembolsar.

Possivelmente, parte desses dispêndios de computadores. No contexto social, há


poderiam ser evitados se as boas práticas quem diga que vivemos a chamada era da
de governança fossem aplicadas na essên- “pós-verdade” (eleita palavra do ano de 2016
cia dessas companhias, bem como se a alta pelo dicionário Oxford), quando fatos obje-
administração estivesse estrategicamente tivos passam a influenciar menos a opinião
alinhada às contemporâneas agendas políti- pública que crenças pessoais e notícias de
ca, econômica e social, pautadas no combate apelo emocional.
à corrupção, à mitigação de danos ambien-
tais e das desigualdades socioeconômicas Nesse sentido, a internet, ao mesmo tem-
regionais e globais. Não há mais como os po que se tornou campo democrático de
conselhos de administração ficarem alheios manifestação de ideias, transformou-se em
às questões intrínsecas a esses temas. arena de vigorosos conflitos de versões. Por
essa razão, é prudente que os conselhos
É preciso olhar para frente. Na era da consigam mapear os possíveis riscos repu-
emergência em que vivemos, na qual as in- tacionais que incorrem na organização, bem
formações e inovações se alastram rapida- como estarem cientes da rapidez com a qual
mente, é imprescindível que os conselhos eles podem se manifestar.
de administração exercitem o pensar estra-
tégico e abandonem o olhar por resultados A velocidade informacional também se revela
meramente pelo retrovisor. por meio do surgimento de novas formas de
empreendimentos. Exemplo disso é a prolife-
A popularização da internet e das redes so- ração de startups tecnológicas. Muitas delas
ciais, acompanhada da propagação acele- dedicadas a reinventar modelos de negócios
rada dos usuários mobile, colocou pessoas, e mudar o status quo de segmentos inteiros.
empresas e governos na palma das mãos Dessa forma, a alta administração precisa es-
de uma sociedade cada vez mais imediatista tar atenta aos primeiros movimentos disrupti-
com relação aos seus anseios. vos para garantir maior proteção e perenida-
de sua organização. Em tempos como esse, a
O momento se torna mais crítico com a ameaça iminente de desaparecer precisa mais
disseminação rápida de boatos das mais do que nunca ser mapeada e introduzida em
variadas naturezas. Com a mídia tradicional uma matriz de monitoramento.
sendo aos poucos substituída pelas mídias
digitais, fontes de informações alternativas Pensando em todo esse panorama, o IBGC
ganham voz e visibilidade na rede mundial decidiu lançar uma nova publicação que

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instigasse o debate e a análise de temas


atuais de governança dentro de um con-
texto cada vez mais complexo e incerto.
Nesta primeira edição do IBGC Análises e
Tendências, trouxemos artigos de especia-
listas que traçam alguns dos cenários que
se desenham no Brasil e no mundo e que,
de alguma forma, mais cedo ou mais tarde,
poderão impactar a tomada de decisão dos
administradores das organizações.

Estar desconectado a essa realidade emer-


gente pode significar estar em descompasso
com esse novo contexto empresarial. Pro-
curar compreendê-lo e acompanhá-lo, com
certeza, trará um diferencial competitivo.

Espero que tenham uma ótima leitura.

Heloisa B. Bedicks
Superintendente geral do IBGC

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A sua governança está preparada para


um capitalismo mais consciente?
Thomas Eckschmidt

Conforme a sociedade usufrui dos benefí-


cios gerados pelo capitalismo e evolui em
termos de escolaridade, conectividade e
acesso à informação, o nível de consciência
das pessoas também evolui. Essa evolu-
ção no indivíduo faz com que suas preo-
cupações sejam diferentes. Faz com que
sejamos mais inclusivos, menos coniventes
com a violência, com um maior discerni-
mento entre certo e errado, e mais preocu-
pados com o meio ambiente.

Do ponto de vista do indivíduo, essa situa-


ção coloca o capitalismo como tal em ques-
tionamento e permite que emerjam novas
formas de expressões sistêmicas para o
capitalismo. Dessa busca pelo modelo ético
de trocas voluntárias surge o que chamamos estratégias de preço. A cultura é o único
de Capitalismo Consciente. Uma filosofia, um ponto que uma empresa não copia da
movimento, uma forma de conduzir negócios outra – o comportamento coletivo de to-
baseado em quatro princípios: dos os envolvidos (funcionários, clientes,
fornecedores, comunidade, etc.) em prol
• Liderança consciente: esse não é um da causa da empresa.
movimento revolucionário e, por isso,
parte de cima para baixo, precisa fazer Nesse mundo de negócios em constante
parte da agenda do líder e também transformação e cada vez mais volátil, incer-
estar alinhado ao nível de consciência do to, complexo e ambíguo (conhecido como
mesmo. novo mundo VUCA), os conselhos de admi-
nistração têm a oportunidade de desenvolver
• Propósito maior: existe um entendi- novas capacidades e expandir a sua atuação.
mento que uma empresa causa ou re- Tudo isso contribui com o desenvolvimento
solve um problema da sociedade. A em- de novos níveis de consciência, inclusive na
presa deixa de existir apenas para gerar governança corporativa.
lucro, mas para gerar valor para todas as
partes envolvidas (lucro é um dos valores A evolução natural da governança para o que
para um dos envolvidos, o acionista). podemos chamar de governança consciente
é algo inevitável. Uma governança consciente
• Orientação para os envolvidos se define como a capacidade de um grupo
(stakeholders): Todos os envolvidos ou de pessoas de pensar de forma muito mais
afetados pelo negócio precisam perce- profunda em conjunto, considerando o pre-
ber valor. A relação ganha-ganha-ganha sente, o passado e o futuro.
de múltiplos atores passa a determinar
o modus operandi da empresa. As deliberações consideram não apenas
os impactos na empresa, mas também
• Cultura consciente: tudo que a empre- no setor, na sociedade e no planeta. Uma
sa faz pode ser copiado – de produto e governança consciente faz considerações
embalagem a canais de distribuição e de curto, médio e longo prazo olhando por

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Auto-gestão Propósito maior Exemplo de organizações


Ecocentrico Decisão distribuída
Patagonia
Morning Star
Encantar o cliente
Equilíbrio entre Buurtzorg
Empoderamento
os stakeholders
Engajamento Cultura Southwest Airlines
Wholefoods
Lucro Ben & Jerry’s
Objetivos Competição
Responsabilização Meritocracia Grandes corporações
Universidades públicas
Hierarquia
Controle Papéis formais Governos
Processos Previsibilidade Igrejas tradicionais
Escolas públicas
Poder
Comando e Máfia
autoridade Gangues de rua
Medo Milícia
Divisão de
trabalho

Figura 1: Modelo de Laloux para a evolução das organizações

meio de múltiplas lentes – como tecnologia, plo desse tipo de conselho poderia ser o que
sociologia, meio ambiente, economia e polí- a Petrobras tinha antes da crise. Alinhado com
tica, assim como nas diferentes dimensões o nível laranja de organizações. (ver figura 1)
dos diversos stakeholders envolvidos.
Governança mão-na-massa: Esse é o
Assim como apresentado na imagem acima, conselho de administração que está mais
de Frederic Laloux, que em seu livro Reinven- conectado à operação e aos indicadores por
ting Organizations demonstra a evolução das meio da gestão de diferentes comitês de
organizações, a governança também tem a trabalho alinhados aos diferentes executivos
sua trajetória de desenvolvimento em quatro da organização. Apesar de um maior enga-
estágios alinhados com os quatro tipos de jamento operacional, este tipo de conselho
organizações mais evoluídos do modelo de ainda segue de perto a agenda do presidente
Laloux (Modelo Militar, Modelo Mecânico, da empresa e padece de uma visão limitada
Modelo Familiar e Modelo em Rede). de riscos e impactos mais sistêmicos.

Governança de anuência: Esse é o con- Governança estratégica: Esse conselho


selho de administração mais tradicional e de administração tem maior entendimento
comum, onde o engajamento dos membros dos impactos regionais e globais da empresa,
é mínimo, estão focados nas responsabilida- equilibra pontos de vista de curto e longo
des fiduciárias e, principalmente, na agenda prazo, busca entender seu impacto na socie-
do presidente da empresa. Não se valoriza a dade, é mais independente e, com frequência,
diferença de opinião, que é desencorajada e busca especialistas externos para ajudar.
vista como falta de desempenho. Um exem- A miopia desse tipo de conselho é a falta de

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visão sistêmica, focando mais no próprio setor holders. Exemplos de empresas com esse tipo
de atuação da empresa e sujeito às grandes de governança estão identificados no modelo
mudanças causadas pela tecnologia ou por de Laloux para a evolução das organizações:
avanços de outros setores econômicos. O Patagonia, Buurtzorg e MorningStar. Essas
conselho estratégico olha em diversas dire- empresas são mais parecidas com um orga-
ções, mas em dimensões limitadas. nismo vivo, operando em rede ao invés das
estruturas hierárquicas tradicionais.
Governança consciente: Esse é o tipo de
conselho de administração que começa a Conforme a governança evolui do nível
emergir como uma consequência de movi- mais baixo para o mais alto, os membros
mentos globais por negócios mais conscien- do conselho acumulam as habilidades e
tes, onde podemos destacar o movimento do capacidades dos níveis anteriores, assim
Capitalismo Consciente, o Sistema B (B-Corpo- como no desenvolvimento das organizações
rations), e outros tantos como B Team, Capita- na figura 1, o que permite operar e governar
lismo Inclusivo, Capitalismo Criativo, Economia em ambientes mais complexos.
do Propósito. O movimento mais intrusivo é
a Certificação B, que pede uma mudança no A expansão de consciência da lideran-
estatuto da empresa determinando a respon- ça e da governança inclui uma mudança
sabilidade dos líderes de gerar benefício para profunda na gestão de um negócio: todo
o acionista e também para os demais stake- indivíduo, organização ou comunidade

Governança
Consciente
Decisões tomadas
Foco na geração com base no
de valor além avanço da causa Equilíbrio entre
do lucro os stakeholders
Governança
Estratégica
Equilíbrio entre Participação de
curto e longo prazo especialistas

Governança
mão-na-massa
Gestão por Alinhamento
comitês com executivos
Conexão com Foco em
a operação indicadores
Governança
de Anuência
Responsabilidade
Fiduciária
Agenda do
Presidente

Figura 2: Modelo de evolução do nível de consciência da governança corporativa


(reinterpretação do modelo de Laloux)

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envolvidos ou afetados pelo negócio têm o o feriado com atividades ao ar livre, que é
seu bem-estar e impacto considerado nas o propósito da empresa: “trabalhar para
decisões da empresa. inspirar, educar e vestir pessoas para uma
vida de aventura ao ar livre”. O resultado
Como podemos observar no desenvolvi- disso foi uma venda ainda maior que nos
mento de consciência de uma organização anos anteriores durante os dias subse-
na figura 1, algumas características opera- quentes ao feriado.
cionais são bastante evidentes, como:
Outro caso é o da CVS (rede de farmácias
• Liderança de rede: não existe mais nos Estados Unidos) que decidiu parar de
uma liderança única, identificada por um vender cigarros (representando uma perda
único indivíduo, mas os líderes passam de quase US$ 2 bilhões de receita anual)
a ter um papel de influenciadores de por identificar um desalinhamento com
forma a direcionar a organização na seu modelo de negócios – saúde. No curto
direção de otimização de resultados prazo, a perda estava certa, mas a realidade
para todos os envolvidos, ao contrário foi que esse alinhamento foi reconhecido
do modelo tradicional de maximização por seus clientes e as vendas efetivamente
de apenas uma variável, o lucro. aumentaram antes mesmo de cair.

• Alinhamento de causa: o que mantém As novas empresas, startups, já vêm com


uma organização alinhada é a causa que esse DNA “atualizado”, criando uma potencial
ela representa, é o problema que ela se ameaça às empresas já estabelecidas. O que
propõe a resolver. Se não estiver resol- você, na sua empresa, está fazendo hoje para
vendo um problema, certamente está estar preparado para essa nova economia?
causando um. O propósito também faz Você consegue reconhecer em que estágio de
com que a governança tenha um nível consciência está a sua governança?
de compromisso com a causa e contri-
bui para assegurar que a cada decisão a
empresa avance em seu propósito, sem Thomas Eckschmidt
se desviar ou retroceder. Cofundador do Instituto Capitalismo
Consciente Brasil e coautor do livro
Fundamentos do Capitalismo Consciente
• Foco na interdependência: uma gover-
nança consciente só consegue atuar com
efetividade quando, em suas decisões,
considera o impacto em todos os afeta-
dos e envolvidos na atividade da empre-
sa. Uma visão que vai além do entendi-
mento setorial, mas do reconhecimento
da interdependência dos stakeholders e
também de uma visão ecossistêmica do
mundo e dos negócios.

Exemplos da atuação de uma governança


consciente estão começando a aparecer
por todas as partes. REI, uma cooperati-
va de venda de produtos para atividades
ao ar livre, decidiu fechar as suas portas
no feriado prolongado em que ocorre a
maior venda do varejo norte-americano,
o Thanksgiving e as promoções da Black
Friday. Não só fecharam as mais de 150
lojas, mas também as vendas pelo site, com
uma mensagem incentivando seus clientes,
funcionários e fornecedores a aproveitar

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Na fronteira da Governança
Mario Monzoni e Daniela Gomes Pinto

Em maio deste ano, representantes de


think tanks de todo o mundo estiveram
em Berlim, Alemanha, para apresentar os
resultados de mais de três anos de pes-
quisas que – espera-se – possam orientar
as decisões da próxima reunião do G20.
Durante dois dias, uma plateia de alto nível
compreendendo empresas, sociedade civil,
governos e instituições multilaterais acom-
panhou discussões sobre os caminhos
para um desenvolvimento mais sustentá-
vel. Entre a pletora de soluções prescritas,
três expressões foram repetidas exausti-
vamente durante o encontro: governança
multidimensional, participação social, e
visão integrada.

O resultado de Berlim, ainda que recente,


não é novo. Sustentabilidade pressupõe a
transversalidade temática unida à horizon-
talidade dos processos decisórios. Também políticas, trabalhando sob um conjunto de
um dos temas centrais da Conferência normas formais e informais que determinam
Rio+20, a discussão global sobre gover- a interação entre diferentes agentes da so-
nança aponta que a complexidade dos ciedade em prol de objetivos comuns. O rela-
desafios do século XXI já não pode mais ser tório demonstra como políticas formuladas e
endereçada apenas pela ação unilateral de implementadas em ambiente de participação
governos ou determinados grupos de in- social têm mais chances de serem efetivas.
teresse, numa abordagem top-down. A glo-
balização, a sociedade em rede e os novos Discutir a governança é fundamental para
mecanismos de democracia participativa qualificarmos a forma de assegurar que
vem promovendo, em todo o mundo, um a sociedade esteja em um caminho que
deslocamento de práticas de poder centra- gere progresso para todos. A participação
lizadas nos Estados para novas instâncias e interação dos cidadãos ajudam a encon-
locais, regionais e supranacionais. Ao passo trar soluções mais equitativas e inclusivas.
que essa expansão da arena política se Isso pressupõe confiança e transparência
revela multinível, também se firma como nas relações, mecanismos de inclusão da
multiator, à medida que a sociedade como diversidade dos interesses representados e
um todo emerge como interlocutor estra- amplo acesso a informações relevantes para
tégico e de legitimação democrática dos a tomada de decisão.
rumos pactuados.
A quinta edição do Código das Melhores
A urgência de tal articulação converge com o Práticas de Governança Corporativa do IBGC
mais recente Relatório de Desenvolvimento de 2015 já aponta essa abertura de olhar
Global do Banco Mundial, de 2017, dedica- no conceito da governança corporativa,
do ao tema de governança. Para o Banco reconhecendo a relevância de uma rede
Mundial, governança é o processo por meio ampliada de atores, trazendo mais partes
do qual o Estado e os grupos não estatais interessadas e atentando para os proces-
interagem para formular e implementar sos de tomada de decisão.

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“Cada vez mais, desafios sociais e de governança, em processos pautados


ambientais globais, regionais e locais pelo diálogo e pela transparência a partir
fazem parte do contexto de atuação das dos quais se pode extrair as soluções mais
organizações, afetando sua estratégia adequadas para a harmonização da inser-
e cadeia de valor, com impactos na ção de tais investimentos com as aspirações
sua reputação e no valor econômico de locais de desenvolvimento. Nenhuma pros-
longo prazo. Mudanças climáticas, a peridade será compartilhada se não houver
ampliação da desigualdade social e ino- pactos sociais monitoráveis e continuamente
vações tecnológicas, entre outros fatores, fortalecidos. Conflitos são e devem ser cada
têm imposto transformações na vida vez mais evidenciados, de forma a suscitar
das organizações. Tais circunstâncias convergências possíveis. E é no protago-
impõem a necessidade de uma visão nismo de seus habitantes, na definição de ca-
ampliada do papel das organizações minhos próprios, que determinado território
e do impacto delas na sociedade e no terá mais chance de encontrar aderência de
meio ambiente e vice-versa. O conceito suas propostas, e atender a um número mais
de cidadania corporativa deriva do fato variado de cidadãos.
de a empresa ser uma pessoa que deve
atuar de forma responsável. Na prática, O território aparece como lócus transver-
para operar, uma empresa depende sal da maneira como uma determinada
não apenas das licenças previstas em sociedade local se organiza em relação a
dispositivos legais e regulatórios, mas objetivos que lhe são comuns, gerando
também do aval de um conjunto de par- benefícios compartilhados, fundados em
tes interessadas que a afeta ou é afetado sinergias produtivas, mas também sociais,
pelas suas atividades.” 1 culturais e ambientais, onde as interações
se processam e através do qual se facilita a
As empresas no Brasil e no mundo tem hoje disseminação de conhecimento e inovação.
uma visão muito mais sistêmica e abrangente Uma governança territorial pode melhor
de sua atuação e suas relações com a socieda- apontar na direção de um desenvolvimen-
de e o meio ambiente. Grandes investimentos to que aproxime a dimensão setorial da
e intervenções, seja nas grandes hidrelétricas economia da dimensão territorial, que con-
da Amazônia, nas obras do Itaquerão ou no temple a intrincada teia de necessidades e
desastre de Mariana, mostraram nos últimos potencialidades das sociedades locais.
anos a dinâmica intrínseca de relações sociais,
institucionais, econômicas e culturais entre as Num mundo que testemunha a ascensão
empresas e atores à sua volta. É a evidência de novas práticas de governança, negar a
prática do conceito de território, disseminado potencialidade dos espaços diversos de di-
por Milton Santos há décadas, de descrever a álogo e pactuação seria o mesmo que des-
intrincada rede de relações entre um espaço perdiçar o imenso potencial da inteligência
geográfico e o que “acontece” nele. coletiva em identificar prioridades comuns,
portanto, a chave para a real transforma-
Essa relação, para as empresas, se traduz na ção dos rumos do desenvolvimento. As
“licença social” para operar. Empresas empre- empresas engajadas em assumir este novo
endedoras são parte integrante dos territórios olhar em suas estratégias estarão na fron-
que ocupam tanto quanto das cadeias de teira desse novo paradigma.
valor que desenvolvem. Dessa forma, carên-
cias locais estruturantes, assim como influên-
cias socioambientais negativas das operações Mario Monzoni
empresariais, têm reflexos diretos em riscos Coordenador do Centro de Estudos em
Sustentabilidade (GVces), da FGV-EAESP
associados aos negócios. E demandam o
desenvolvimento de capacidades de interlocu-
ção, negociação e planejamento conjunto. Daniela Gomes Pinto
Coordenadora do Programa de
Desenvolvimento Local do Centro de Estudos
Por isso que é na vida concreta dos territó- em Sustentabilidade (GVces), da FGV-EAESP
rios que se estabelecem novas dinâmicas
1. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
(IBGC), p. 15. 5a. Ed., 2015.

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“O prazo que as empresas terão


para identificar e reagir aos riscos e
oportunidades que as novas tecnologias
trazem é o diferencial”, alerta especialista
André Echeverria, especialista em transformação digital e governança corporativa, fala
sobre os impactos da 4ª Revolução Industrial

Lygia Gil

Cada vez mais os filmes futuristas pare-


cem retratar nossa realidade atual. Drones,
nanotecnologia, edição de genes humanos,
UX
impressoras 3D e internet das coisas são
alguns dos exemplos de inovações que antes
eram vistas apenas nas telonas de muitos
filmes das décadas de 80 e 90. Esse novo
momento de convergência de tecnologias
digitais, físicas e biológicas é chamado pelos
economistas de 4ª Revolução Industrial, co-
nhecida também como Indústria 4.0.

Esse novo cenário de ruptura traz, progres-


sivamente, a automação total das fábricas
com sistemas ciberfísicos que fazem a
combinação de máquinas com processos otimismo formado pelos 23 países pesquisa-
digitais. “A velocidade exponencial de de- dos, o Brasil aparece na 11ª posição.
senvolvimento e seu efeito combinado ao
longo de processos integrados de negócios Por outro lado, o cenário totalmente inova-
gera valor econômico adicional e impor- dor traz incertezas e seus impactos ainda
tantes diferenciais competitivos, ao mesmo não são facilmente mapeáveis. Entre os
tempo que representa ameaça de disrup- temores está a mudança radical da forma
ção acelerada de negócios e segmentos como trabalhamos e as opções de carreiras
econômicos inteiros. Por isso, é necessá- existentes, desigualdade de renda e parâme-
ria a robusta prática de gestão de riscos tros éticos. De acordo com estudo feito pela
corporativos (ERM, sigla de Enterprise Risk EY, e divulgado no ano passado, até 2025
Management)”, definiu André Echeverria, um em cada três postos de trabalho devem
especialista em transformação digital e ser substituídos por tecnologia inteligente.
governança corporativa. Isso pode representar a extinção de cinco
milhões de vagas de trabalho nos 15 países
De acordo com o Barômetro Global de mais industrializados do mundo.
Inovação 2016, publicado pela empresa
GE, 68% dos 2.748 executivos de inovação Geração de Valor
entrevistados estão otimistas com a vinda da
4ª Revolução Industrial. As pessoas pesqui- O avanço da tecnologia pode mudar radical-
sadas citaram que esperam que os locais de mente o estilo de vida da população, bem
trabalho se tornem mais seguros (43%) e que como sua qualidade de vida. Como exemplo,
as funções exercidas pelos trabalhadores se Echeverria citou a inteligência artificial, que
tornem mais valiosas (48%). No ranking de gera expectativas enormes em paralelo à

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muitas preocupações com seu desenvolvi- nidades que as novas tecnologias trazem é
mento. “A resposta para essa ansiedade é o diferencial”, alertou Echeverria, para quem
governança da sociedade. A sociedade vai o “não agir” seria o maior risco corporativo
ter que escolher os rumos que quer dar para em um contexto de potencial disruptivo e em
essas tecnologias”, afirmou o especialista e velocidade exponencial.
integrante da Comissão de Gerenciamento
de Riscos Corporativos do IBGC. Outro ponto de atenção levantado pelo WEF
neste ano é que a tecnologia foi colocada no
De acordo Fórum Econômico Mundial (WEF), mesmo nível dos outros quatro pilares da
100 trilhões de dólares serão gerados em gestão de riscos globais, que são: ambiental,
valor econômico em um horizonte de cinco geopolítico, movimentação social e impacto
anos, a partir de 2017. Porém, ao mesmo econômico. Um exemplo que justifica essa
tempo, fala-se de uma alta taxa de mortali- inclusão é a internet das coisas. Atualmente,
dade das empresas que existem atualmente. já são 20 bilhões de sensores no mundo
“As empresas da era da informação, como conectados à internet, e estima-se que até
a Apple, Google, Amazon e Microsoft, por 2020 serão 50 bilhões desses sensores.
exemplo, já tomaram o lugar de organizações
centenárias. Essa transformação está aconte- “O que está ocorrendo é o desenvolvimento
cendo, não estamos falando mais de futuro”. em velocidade exponencial de novas tecno-
logias, a interconexão entre elas, e a brutal
No ponto de vista de organizações, o espe- redução de custos. As startups, por exem-
cialista defende que as empresas não podem plo, têm acesso à alta tecnologia ao preço
adotar uma postura passiva nesse cenário de de centavos de dólar por hora na nuvem, e
tecnologias emergentes. “É nítido que o ciclo essa mesma tecnologia pode ser utilizada
de disrupção do negócio conta muito no ce- por grandes empresas. Ou seja, a barreira
nário atual. O prazo que as empresas terão de acesso à tecnologia não existe mais, com
para identificar e reagir aos riscos e oportu- exceção feita à qualificação profissional, aliás,
tópico particularmente preocupante no Bra-
sil devido à baixa qualidade e defasagem de
Tecnologias disruptivas nosso sistema educacional”.
Gravadoras x MP3
De acordo com a pesquisa The Rise of the Qua-
Locadoras x Netflix lified Technology Executive in the Boardroom,
Agências de Turismo x Booking.com publicada pela Russell Reynolds em 2016,
grande parte das maiores empresas da
Enciclopédias x Google
América não têm o nível de compreensão
Hotéis x Airbnb tecnológica para entender e lidar com os ris-
SMS (telefonia) x Whatsapp cos e implicações das decisões e tendências
tecnológicas no âmbito do conselho de admi-
Jornais impressos x Mídias sociais nistração. “Esta mesma pesquisa apontou que
Táxi x Uber somente 30% das empresas estudadas – com
exceção das do ramo de TI – possuem con-
Revelação de fotos x Fotografia digital selheiros de administração qualificados em
Locadoras de veículo x Zip Car inovação e tecnologia”, alertou Echeverria.
Montadoras x Tesla
Correios x E-mail
Riscos cibernéticos
GPS x Waze Um exemplo recente que ilustra a falta de
preparo de muitas organizações foi a propa-
Bancos tradicionais x Nubank gação do ransomware chamado de Wanna-
Pen drive x Nuvem Cry, vírus de computador que restringiu, no
último dia 12 de maio, o acesso aos siste­mas
TV por assinatura x Youtube
infectados e cobrou um valor para o resga­te
Portais de conteúdo x Facebook dos dados e para que os acessos pudessem

IBGC Análises & Tendências - 1ª edição - Agosto/Setembro/Outubro de 2017


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Revoluções industriais
1ª Revolução Industrial (1760 - 1860)
Descoberta a utilidade do carvão como meio
de fonte de energia e o desenvolvimento
simultâneo da máquina a vapor e da
locomotiva. Momento em que surgem as
máquinas industriais, artesãos tornaram-se
operários submetidos ao ritmo das máquinas.

2ª Revolução Industrial (1860 - 1900)


Utilização do aço, a energia elétrica, o uso do petróleo,
a criação do motor a explosão, da locomotiva e do
barco a vapor, de inúmeros produtos químicos e do
avanço dos meios de comunicação, como o telégrafo,
o telefone, o rádio e o cinema.

3ª Revolução Industrial (1940 – 2000)


Profundas evoluções no campo tecnológico
desencadeadas pela junção entre conhecimento
científico e produção industrial. Desenvolvimento de
atividades na indústria que aplicam tecnologias de
ponta em todas as etapas produtivas.

4ª Revolução Industrial (atual)


Advento da inteligência artificial, robótica,
bioengenharia, internet das coisas, realidade virtual e
energia limpa. O surgimento de “fábricas inteligentes”.

ser restabelecidos.Esse “malware” abalou a O ataque deu certo simplesmente porque


segurança da informação de empresas de muitos usuários e empresas não realizaram
mais de 150 países. as atualizações de segurança.

Para dificultar as investigações, os hackers Riscos Cibernéticos:


pediram resgates entre US$ 300 e US$ 600
na moeda digital bitcoin, muito difícil de ser entrevista com CEO
rastreada. De acordo com o site BitcoinBrasil, da AuditSafe
o bitcoin é uma tecnologia digital que per-
mite reproduzir em pagamentos eletrônicos Autor dos livros “Segurança da informação” e
a eficiência dos pagamentos com cédulas. “Política de Segurança da Informação”, e Conse-
Pagamentos com essa moeda são rápidos, lheiro de Administração Certificado pelo IBGC,
baratos e sem intermediários. Além disso, o especialista e CEO da empresa de auditoria e
eles podem ser feitos para qualquer pessoa, consultoria, AuditSafe, Fernando Nicolau Frei-
que esteja em qualquer lugar do planeta, tas Ferreira, falou com exclusividade ao IBGC
sem limite mínimo ou máximo de valor. Análises & Tendências sobre implementação
de políticas de cibersegurança e seu monitora-
O WannaCry foi propagado devido a uma mento. Confira entrevista completa:
vulnerabilidade do sistema Windows da
Microsoft. Porém, essa falha não era uma Qual o papel da alta gestão no
novidade, visto que a própria Microsoft havia monitoramento de riscos cibernéticos?
alertado seus usuários anteriormente e, in- Fernando: O lugar mais propício para co-
clusive, lançado uma atualização para todas locar um conselheiro para monitorar os ris-
as versões ainda suportadas do sistema. cos cibernéticos é no comitê de auditoria.

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Esse conselheiro debaterá o tema especifi- possível mensurar o risco alto, médio e baixo
camente e depois levará as conclusões para e priorizar as ações dentro desse plano ao
que sejam apresentadas ao board. Esse longo de 2 ou 3 anos. Esse plano tem que ser
profissional deve ter a habilidade de conec- revisitado, porque em tecnologia as coisas ca-
tar os riscos cibernéticos aos objetivos de minham muito rapidamente, principalmente,
negócio da empresa e pode até mesmo ser as questões de invasão.
um conselheiro independente, pois carrega
a visão externa e pulverizada dos riscos Minha sugestão para quem quer começar é:
cibernéticos. É importante ressaltar que, ao deve ser feita uma análise (Risk Assessment)
serem iniciados novos negócios, é impor- de onde estão os gaps de segurança, para ti-
tante envolver o profissional que lida com rar um retrato da situação atual de seguran-
riscos cibernéticos e o Comitê de Auditoria ça na área de tecnologia, analisar riscos em
para que seja montado um passo a passo processos, verificar o grau de conscientiza-
para garantir a segurança nos processos a ção das pessoas em riscos e em segurança,
serem desenvolvidos. para poder endereçar, depois, as ações.

O que o vírus WannaCry ensinou Após implementado, como o sistema


ao mercado? de gestão é monitorado?
Fernando: Para responder a esta pergunta Fernando: Quando é feito o Risk Assessment é
vou usar como exemplo o setor de e-com- gerado um relatório da situação atual e os pos-
merce. Vamos supor que todas as empresas síveis problemas de segurança. São mapeadas
estavam funcionando normalmente no dia oportunidades de melhoria como: processo
do WannaCry, porém, aquelas que estavam para gestão de acesso, diagnóstico de falhas,
melhor preparadas em termos de gestão se a área de segurança não está adequada
de segurança da informação contiveram a para o porte e negócio da empresa. A área
invasão. É claro que as empresas que não es- de segurança da empresa precisa ter pesso-
tavam preparadas tiveram que interromper as com determinado nível de conhecimento.
a sua operação porque o sistema saiu do ar, Recomendo que o profissional esteja abaixo de
o que ocasionou perda de vendas e clientes. uma área de risco corporativo ou risco opera-
Ou seja, quem vendeu mais naquele dia? cional, mas não em Tecnologia da Informação
Quem teve o melhor faturamento, pois tinha (TI). Já vi situações de empresas onde a área de
estratégias de continuidade de negócios? TI estava abaixo de segurança. Ou seja, para
Aquela empresa que estava melhor prepara- essa empresa, segurança é extremamente fun-
da para segurança, porque gerenciou melhor damental, e a tecnologia ainda presta suporte
o risco de segurança e absorveu as vendas e para a segurança. E não ao contrário.
o faturamento de seus concorrentes.
O dono da empresa, o executivo, tem que
Quais os primeiros passos da estar antenado no que está sendo falado
implementação de sistemas de sobre tecnologia e buscar sempre indicações
gestão de segurança nas empresas? com seus pares para que esteja por dentro das
Fernando: O trabalho de implementação de novidades. A partir daí é necessário buscar um
barreiras de segurança para riscos ciber- profissional de confiança para fazer os diag-
néticos deve ser consultivo. Eu comparo os nósticos da empresa e levantar os principais
consultores de segurança da informação riscos relacionados à tecnologia. Nesse caso, o
a médicos, porque é necessário fazer um consultor independente especializado em Ris-
diagnóstico profundo antes de se tomar a cos Cibernéticos é útil para trazer o olhar exter-
decisão de quais sistemas e métodos imple- no sobre a operação. Os executivos precisam
mentar. É necessário fazer muitas perguntas: ter a preocupação de ir atrás de informação,
o que ocorreu? Por onde entrou a invasão? aconselhamento, grupos de discussão.

É necessário escutar os sintomas da “doença” Lygia Gil


da empresa para depois poder implementar Jornalista e analista de conteúdo das
um plano gestor de segurança. Com ele é Comissões do IBGC

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Se cumprir não for o mais adequado


para a empresa, explique
Introdução de novo código às normas da CVM coroa projeto colaborativo e alinha
mercado brasileiro a tendência internacional

Emilio Carazzai

Em 8 de junho de 2017, a Comissão de


Valores Mobiliários (CVM) editou a Ins-
trução 586, atualizando a Instrução 480,
que dispõe sobre o registro de empresas
de capital aberto. Ao adicionar o Código
Brasileiro de Governança Corporativa – Com-
panhias Abertas à ICVM 480, mais do que
aperfeiçoar o normativo, o órgão regulador
do mercado de capitais abriu caminho para
um avanço significativo da governança cor-
porativa no Brasil, alinhando-se à tendên-
cia internacional de disciplinar o tema por
meio do sistema “pratique ou explique”.

A grande vantagem da abordagem “prati-


que ou explique” em relação à regulação Ásia, Europa e Oceania) com códigos de
tradicional é a de exigir, em vez da adoção governança do tipo “pratique ou explique”
das práticas definidas no Código, explica- aplicáveis a companhias listadas em bolsas
ções para cada desalinhamento. Elaborado de valores. Em seu estudo intitulado Comply
de acordo com o “pratique ou explique” e or Explain and the Future of Nonfinancial Re-
suas variantes (“comply or explain”, “apply or porting (“Pratique ou Explique” e o Futuro do
explain”, “if not, why not”) o Código Brasileiro de Relato Não Financeiro), publicado em novem-
Governança Corporativa – Companhias Abertas bro de 2016, a pesquisadora Virginia Harper
confere a flexibilidade necessária para que Ho, da Universidade do Kansas, observa
as empresas escolham as práticas que mais que alguns dos exemplos mais recentes de
agregam valor à sua condição específica. “pratique ou explique”, incluindo a diretiva
de 2014 da Comissão Europeia que trata de
Por ser mais amigável ao mercado, permi- transparência sobre informações não finan-
tindo que o próprio ente regulado faça o ceiras, levaram esse regime para além de
julgamento daquilo que faz sentido cumprir governança, atingindo políticas ambientais,
ou não, o “pratique ou explique” vem con- direitos humanos, saúde e segurança.
quistando adeptos em mercados desenvol-
vidos e emergentes. Lançado em 1992 no O modelo reconhece que não há uma fór-
Reino Unido, o Cadbury Report, predecessor mula única que atenda às necessidades e
do UK Corporate Governance Code, foi pionei- atributos de empresas de diferentes por-
ro no uso do sistema “pratique ou explique”. tes, estratégias e setores de atuação. Para
Depois dele, o número de iniciativas seme- funcionar bem, o “pratique ou explique”
lhantes só cresceu, do Chile ao Japão. exige escolhas conscientes na definição e
manutenção de práticas. As companhias de-
Modelo se consolida vem refletir sobre seus sistemas de gover-
Levantamento do Banco Mundial mostra nança, buscando assegurar se as práticas
que, em 2015, havia 65 mercados espalha- adotadas realmente fazem sentido e criam
dos em cinco continentes (África, América, valor para seus contextos particulares. E os

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investidores devem valorizar a transparên- O Código Brasileiro de Governança Cor-


cia que lhes é proporcionada, analisando porativa – Companhias Abertas é a maior
as respostas com a devida profundidade, contribuição desse esforço coletivo do GT
considerando que o desvio a uma determi- Interagentes. Em maio de 2014, o GT des-
nada recomendação do código não significa tacou uma equipe multidisciplinar das onze
necessariamente descumprimento ou má entidades-membros, que contou também
governança. Às vezes, fazer diferente do com a contribuição de representantes do
código pode ser melhor para a empresa, BNDES e da CVM como observadores, para
desde que haja razões para isso. estudar em nível mundial a abordagem de
códigos de governança conhecida como
A edição do código “pratique ou explique” “pratique ou explique”.
tem potencial para elevar substancialmente
o nível e a transparência das práticas de Experiências somadas
governança das companhias abertas brasi- Convém ressaltar o cuidado que o GT Inte-
leiras, em uma guinada capaz de promover ragentes teve em reconhecer o mérito de
avanço semelhante aos de marcos como o rotas pavimentadas pelo mercado. Além de
lançamento do Novo Mercado da BM&FBO- aprofundar a análise de uma amostra de 18
VESPA, em 2000, e a criação do Formulário códigos internacionais e dos princípios de
de Referência pela própria CVM, em 2009 – governança do G20/OCDE, a equipe reda-
para citarmos apenas dois fatos. tora do novo código, em um processo de
ampla discussão com associados e repre-
Do mercado para o mercado sentantes das entidades envolvidas, defi-
Diferentemente dessas inovações, que niu as 54 práticas recomendadas do novo
emanaram de um ente específico, o acolhi- documento a partir do conteúdo da quinta
mento do Código Brasileiro de Governança edição do Código das Melhores Práticas de
Corporativa – Companhias Abertas pela CVM Governança Corporativa do IBGC, que havia
é a coroação de um projeto colaborativo. passado por consulta e audiência públicas
Em uma iniciativa inédita em nossa história, em 2015. A forma do texto reflete a estrutu-
o regulador decidiu exigir das empresas a ra do código da ABRASCA, desenvolvido se-
divulgação do seu grau de aderência a um gundo a metodologia “aplique ou explique”.
conjunto de recomendações de governança
elaborado pelos participantes do mercado. Sem uma régua única para avaliar a go-
vernança, a comparabilidade – elemento
Em março de 2013, onze das mais rele- crucial no processo de tomada de decisão
vantes entidades ligadas ao mercado de de investidores de portfólios globais – fica
capitais aceitaram o convite do Instituto prejudicada. Antes do Código Brasileiro de
Brasileiro de Governança Corporativa Governança Corporativa – Companhias Aber-
(IBGC) para formar o Grupo de Trabalho In- tas, não seria possível apontar qual o có-
teragentes, coalização que tem o propósito digo oficialmente válido para companhias
de discutir e propor ações para a recupera- que têm ações negociadas na BM&FBOVES-
ção da atratividade do Brasil como destino PA, pois haveria várias opções plausíveis,
de capitais externos. O GT Interagentes foi como o Código das Melhores Práticas de
então formado com as participações da Governança Corporativa do IBGC, destinado
ABRAPP, ABRASCA, ABVCAP, AMEC, ANBI- a diversos tipos de organizações; o código
MA, APIMEC, BM&FBOVESPA, BRAIN, IBGC, da ABRASCA, voltado às companhias as-
IBRI e IBMEC. sociadas à instituição; e o código da Previ,
dirigido às empresas que recebem recur-
A boa governança e o fortalecimento das sos daquele fundo de pensão.
estruturas de proteção a acionistas, e par-
tes interessadas relevantes (stakeholderes) Parceria com o regulador
fatores críticos na decisão de investimen- Criado pelos próprios usuários da plataforma
to, foram entendidos desde o início como (companhias, investidores, intermediários e
peças-chave desse processo. demais públicos interessados), e não pelo

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regulador, o Código Brasileiro de Governança


Corporativa – Companhias Abertas reflete
uma visão moderna de disciplinamento do
mercado. Evita o risco da mão pesada do Es-
tado na imposição de normas que poderiam
desconsiderar a realidade de quem pratica a
aplicação diuturna das normas.

Entretanto, ao inserir, na reforma da ICVM


480, a obrigatoriedade de atualização anual
do Informe sobre o Código Brasileiro de Go-
vernança Corporativa – Companhias Abertas,
o regulador do mercado chama para si a
responsabilidade pela supervisão do cumpri-
mento do código, como nos foi enfaticamen-
te recomendado por especialista do Banco
Mundial. Isso significa que a CVM poderá
agir – de acordo com a sua metodologia de
supervisão baseada em risco – caso verifique
que as respostas contenham informações
falsas, incompletas, inconsistentes ou indu-
zam o investidor a erro. Afinal, o que mais é
preciso para convencer os agentes de gover-
nança de que a transparência é um destino
inevitável e que ela deve ser acolhida como
diferencial benigno e não o contrário?

O lançamento do Código Brasileiro de Go-


vernança Corporativa – Companhias Abertas
deve ser celebrado pelo mercado brasileiro
como um grande passo, capaz de alçar o
Brasil -- mais uma vez -- à vanguarda da go-
vernança corporativa e por esse meio atrair
investimentos ao mercado de capitais, im-
pulsionando o desenvolvimento econômico
e social do país.

Em última instância, sobreleva o fato de que


há forte correlação inversa entre integridade
do ambiente regulatório dos mercados e cus-
to de capital. As empresas que visam emitir
valores mobiliários buscam mercados mais
transparentes, estáveis e previsíveis, nos quais
a qualidade do arcabouço normativo é fator
decisivo. Uma das razões para isso é o menor
custo de capital em termos absoluto e relativo
nesses mercados, não porque sejam menos
regulados, mas porque são mais eficientes,
muito embora até mais regulados.

Emilio Carazzai
Presidente do conselho de
administração do Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa (IBGC)

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”Pratique ou Explique” na CVM

O que é?
Modelo de adoção de
códigos de governança
que permite não
cumprir disposições Como será
do normativo, desde
que se divulguem os
motivos para cada
aplicado?
descumprimento.
Divulgação obrigatória do
cumprimento ou as razões
para não cumprimento
de cada uma das 54
práticas recomendadas
do Código Brasileiro de
Governança Corporativa –
Companhias Abertas.

A quem
se aplica? Onde as
informações
Companhias abertas estarão
registradas na categoria
A – emissores aptos
a negociar quaisquer
disponíveis?
valores mobiliários
em mercados As companhias deverão
regulamentados. divulgar e atualizar
anualmente o Informe
sobre o Código Brasileiro
de Governança
Corporativa, cujo layout
foi inserido na Instrução
480 como Anexo 29-A
A partir de
quando? Como surgiu
O preenchimento
a ideia?
do informe se torna
obrigatório a partir de Sob a liderança do IBGC, o
1º de janeiro de 2018 GT Interagentes pesquisou
para emissores de ações o assunto e desenvolveu
do índice IBrX 100 ou do o Código Brasileiro de
Ibovespa; para as demais Governança Corporativa
companhias da categoria – Companhias Abertas
A, de 2019 em diante. no formato “pratique ou
explique” em função dos
Em ambos os casos, o potenciais benefícios para
prazo final de entrega o mercado: flexibilidade;
são sete meses contados comparabilidade;
do encerramento do transparência; evolução da
exercício social anterior. governança; dentre outros.

Em junho de 2017, a
CVM acolheu o código do
GT Interagentes em suas
normas para garantir a
efetividade das respostas
dadas pelas companhias.
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Gestão, ética, governança


Lélio Lauretti

Gestão empresarial no estado da arte + os investidores, diretos (sócios) ou indiretos


princípios éticos = governança corporativa. (clientes, fornecedores, empregados, credores,
Ou melhor, a governança corporativa não veio governos). Ou seja, se todos eles são tomado-
para dispensar ou substituir a gestão empre- res de risco, é bom para todos que a empresa
sarial. Ao contrário, quanto mais elevado for o seja um sucesso, porque será um desastre se
nível de gerenciamento em uma empresa ou acontecer o contrário. A expressão “partes inte-
organização, mais fácil e mais bem-sucedida ressadas” não tem esse alcance, por ser muito
será a transição para o “andar de cima”, que é a passiva e não refletir a realidade da assunção
governança corporativa. de riscos. Torcedores do Corinthians, especta-
dores no teatro, ouvintes de uma palestra são
Como consideração preliminar, podemos ad- bons exemplos de partes interessadas.
mitir que as mudanças ocorridas nos últimos
dois séculos de história foram mais decisivas Em terceiro lugar, os princípios éticos eleitos
e marcantes do que tudo que aconteceu nos pelos códigos de governança precisam estar
séculos e até mesmo milênios que os antece- fundamentados na criação de uma cultura
deram. No campo específico da atividade em- ética na organização. Nada de transcendental,
presarial, basta lembrar os trabalhos pioneiros porque o que se busca é criar e manter um
de Taylor, Fayol, J.P. Morgan, Rockfeller etc., o ambiente de trabalho alicerçado na confiança,
surgimento das melhores escolas de adminis- no respeito e na solidariedade.
tração do mundo nos EUA e na Europa, não
esquecendo o Brasil com Fundação Getúlio Dessa forma, como associar os princípios
Vargas, Universidade de São Paulo, Fundação éticos do Código das Melhores Práticas de
Dom Cabral e mais recentemente o IBGC, para Governança Corporativa do IBGC às virtudes
entendermos como chegamos à gestão em- da confiança, respeito e solidariedade? Fácil:
presarial no estado da arte, isto é, preparada transparência e prestação de contas ajudam a
para incorporar princípios éticos e converter-se construir o clima de confiança – único cami-
em governança corporativa. nho para a existência de relações duradouras;
a equidade envolve o respeito pelos direitos
O que muda nessa nova fase da alheios e esse respeito deve ser ampliado
economia mundial? quando o seu sujeito são as minorias no plano
social e os minoritários, no plano empresarial.
Vamos, em primeiro lugar, lembrar que não Finalmente, o princípio da responsabilidade so-
mais trabalhamos com a ideia de que as cial induz à solidariedade “lato sensu”, porque
empresas são função do capital financeiro. Fa- envolve todas as formas de relacionamento,
lamos agora em outros capitais, como o inte- como homem/natureza ou entre grupos hu-
lectual, o manufaturado, o de relacionamento, manos. O papel mais ativo da solidariedade é
o tecnológico, o ambiental, o político e, ainda substituir o “homem econômico” (praticante da
mais importante, o capital humano. Temos Lei de Gérson) pelo bem comum.
que trocar a declaração do Nobel de Econo-
mia, Milton Friedman (por volta de 1950), de Chegamos, assim, ao terceiro valor de nossa
que “a finalidade da empresa é gerar riqueza equação de abertura, que é a governança cor-
para os sócios”, por “a finalidade da empresa porativa. Ela tem dois objetivos bem claros:
é gerar riqueza para todos os capitais nela
investidos, especialmente o humano” 1. A sustentabilidade e perenidade
das organizações;
Em segundo lugar e como consequência, a
governança corporativa institucionalizou o pre- 2. A sua incorporação ao conserto
cioso conceito de “parceria” ao adotar a figura mundial na procura do bem comum.
de stakeholders (tomadores de risco) para todos

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Nem poderia ser diferente! Estamos, pela ofensa aos menos favorecidos (poucos vão
primeira vez na história da civilização, lembrar-se dos milhares pares de sapato
vivendo em um mundo conectado, na tal da Imelda Marcos ). Basta lembrar que 1/3
“aldeia global” com a qual sonhava Marshall dos alimentos produzidos no mundo são
McLuhan. Por isso, estamos todos apare- literalmente “jogados fora” nos restauran-
lhados para conhecer tudo o que se passa tes, supermercados e residências; (vi) criar
no resto do mundo, mas as conclusões são produtos prejudiciais à saúde, mas que
ainda sombrias. Até vinte anos atrás, 6 bi- conseguem viciar adolescentes e jovens.
lhões de pessoas eram dominadas por 700
milhões (EUA + Europa). Hoje, com o cresci- Em lugar do quadro acima descrito, devemos
mento acelerado de países do Oriente, com redirecionar esforços no terreno da governan-
destaque para China e Índia (mais de 6% ao ça corporativa para: (i) desenvolver a ciência
ano), temos um contingente de 2,5 bilhões sempre na direção do bem-estar coletivo; (ii)
(1/3 da população global) com capacidade aposentar a ideia de que classe alta é sinônimo
de alterar as condições de equilíbrio ante- de muito dinheiro; só reconhecer como “clas-
riores. Ademais, os problemas que a própria se alta” o contingente de pessoas de bem, em
civilização criou, especialmente com relação qualquer segmento ou atividade, que traba-
ao meio ambiente e distribuição de renda, lham para a construção de um mundo melhor;
só podem ser equacionados pelo esforço (iii) evitar que a “transferência de valor” ocupe
conjunto de todos os países envolvidos. o lugar da “criação de valor”, ou seja, que todos
Ou algum deles poderia assumir sozinho a os nossos esforços terminem por beneficiar
gigantesca tarefa de despoluir os mares ou um único capital – o financeiro; (iv) valorizar, em
controlar as ondas de refugiados? nossas organizações, a começar pelas empre-
sas, o conceito de que rentabilidade, cresci-
A governança corporativa tem missões de mento, progresso, podem conviver muito bem
extrema relevância, dentre as quais: com simplicidade – degrau mais alto da escada
da sabedoria – no estilo de vida e na redução
a) dotar as empresas de estruturas de pla- substancial das injustiças sociais.
nejamento (conselho de administração),
execução (diretoria) e acompanhamento O que se tem produzido no campo regulatório,
(conselho fiscal e auditorias) de primeira ca- nos últimos anos, está na casa dos milhões
tegoria, em termos de eficiência e alcance; de leis e normas que serão totalmente inúteis
se não houver respeito por elas. Isso se aplica
b) exercer sobre as empresas uma corajosa também à governança corporativa, que pode
influência para que as decisões econô- ser confundida com compliance, do qual a
micas não colidam com o bem comum. gestão pode cuidar muito bem. É um caminho
Nesse ponto, é assustador comprovar que sem volta: será um enorme erro imaginar que
certos truques do marketing conseguem leis, códigos, políticas, regulamentos etc. pos-
impor à sociedade coisas tão estapafúrdias sam gerar uma sociedade mais justa e huma-
como: (i) a marca ser mais importante do na. A grande missão da governança corporati-
que o produto; (ii) ganhar o mais possível va será inspirar os tomadores de decisão para
para poder gastar o mais possível; (iii), fazer que as empresas usem seu poder de influência
tudo para “aparecer”, porque estamos nas mudanças em curso sempre na direção do
vivenciando a “civilização do espetáculo”, bem comum. Lembrando Victor Hugo: “Nada
tão bem analisada por Mario Vargas Llosa: é tão irresistível quanto uma ideia cujo tempo
vale mais o que aparece mais, tanto assim chegou”. E essa ideia, seja na governança cor-
que um apresentador de TV ganha o que porativa ou em qualquer outra área de conhe-
ganham centenas de professores; (iv) na cimento ou atividade, se chama Ética.
área da comunicação, dar preferência ao
mal como notícia, contribuindo, assim,
para a crença muito generalizada de que o Lélio Lauretti
mundo é habitado apenas por malfeitores; Sócio-fundador e instrutor dos cursos
do IBGC
(v) exibir alto padrão de vida por meio do
desperdício que, além de irracional, é uma

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Conselhos de Administração no
fortalecimento da agenda ESG
Sonia Favaretto

Há questão de dez anos, o debate mais riscos socioambientais foram considerados e,


presente entre os especialistas em sustenta- se não, que peça uma sessão para entender
bilidade era a necessidade do engajamento e como a companhia está se preparando para
envolvimento dos CEOs nesta agenda. Hoje, a realidade de uma nova economia de baixo
a discussão está no nível dos conselhos. Sem carbono, por exemplo. “Ah, mas minha em-
o protagonismo dos conselheiros não há presa não tem impacto ambiental direto, isso
como os fatores ESG – Enviromental, Social não é para nós.” Não? Vejamos. Se a agenda
and Governance, na sigla em inglês – passem a socioambiental está presente nos debates
ser encarados e praticados nas empresas de do Fórum Econômico de Davos; se no último
forma conjunta com os fatores econômicos. Relatório de Riscos publicado pelo Fórum – o
Claro que há um caminho para que de fato Global Risks Report – as mudanças climáticas
eles deixem de ser vistos como uma agenda são classificadas como uma das três principais
paralela, custosa, e sejam tratados estrategi- tendências para moldar o desenvolvimento
camente, como fatores de risco – que o são – global nos próximos 10 anos; se as questões
e de oportunidade – em plena expansão. Mas sociais e ambientais representam 3 dos 5
esta é, definitivamente, a direção. Sem volta. principais riscos em probabilidade e 4 dos 5
maiores riscos em impacto... Essa agenda não
No Brasil, as questões de governança “saíram é para sua empresa? Diante deste quadro, é
na frente” da agenda socioambiental, movi- imperativo que os conselhos de administra-
mento motivado em grande parte pela inova- ção compreendam a relevância e sejam ativos
ção da Bolsa brasileira em criar, em 2000, os na indução e promoção desta agenda.
segmentos especiais de listagem, tendo no
Novo Mercado seu patamar máximo e pela Mas há também o lado da oportunidade –
atuação do IBGC. Mas não há como dissociar. sempre. Cada vez mais o capital é alocado
Quando falamos em sustentabilidade corpo- considerando a gestão das companhias nes-
rativa, estamos falando de governança na veia, tes fatores. Os investidores institucionais,
porque sustentabilidade prevê uma mudança até por seu dever fiduciário, lideram este
de abordagem e isso não se faz sem uma movimento e cobram de suas empresas in-
governança forte, estruturada e inovadora. Por vestidas se estão sendo capazes de realizar
isso, no exterior, o termo mais usado para esta seu objetivo de negócio considerando os
agenda é o famoso ESG, que traz a governan- aspectos sociais, ambientais e de governan-
ça junto com o ambiental e social. Evoluindo ça corporativa. Ou seja, esta agenda é, cada
nesse raciocínio, o melhor termo seria, ainda, vez mais, fator que influencia os investido-
EESG – Economic, Enviromental, Social and res, de forma profunda e sofisticada, no Bra-
Governance. Afinal, não é esta a nova economia sil e no mundo. Um exemplo é o movimento
que precisamos criar? Que preveja esses qua- mundial de investidores chamado Portfolio
tro fatores sendo considerados na forma mais Decarbonization Coalition (PDC), criado para
equilibrada possível? despertar a comunidade de investidores
institucionais para os riscos iminentes das
Vejo nos conselhos, primordialmente, um pa- mudanças climáticas. O PDC, que controla
pel provocador nesta agenda. Costumo dizer US$ 3 trilhões em ativos e se compromete
que uma pergunta feita por um conselheiro a descarbonizar gradualmente um total
pode fazer toda a diferença no presente e no de US$ 600 bilhões, propõe que os inves-
futuro da companhia. Por exemplo, quando tidores mensurem a “pegada de carbono”
o CEO e seus executivos vão debater com o de seus investimentos e retirem recursos
conselho o planejamento estratégico é impe- das empresas mais intensivas em carbono,
rativo que o conselho questione o quanto os privilegiando as que atuam com energias re-

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nováveis ou tenham baixa emissão de gases Bolsa de Johanesburgo referência mundial


de efeito estufa. A base é concreta: estudos em sustentabilidade pelo Relatório “Bol-
apontam que o retorno de empresas de sas de Valores Sustentáveis – Relatório de
carvão deve cair no mínimo 18% nos próxi- Progresso”, produzido por PRI, Pacto Global,
mos 35 anos enquanto o retorno de renová- UNCTAD e Aviva Investors.
veis deve crescer no mínimo 6% no mesmo
período¹. Como nada é simples neste novo A B3 tem uma responsabilidade ainda maior
mundo que precisamos criar, há que se nesta agenda por ser uma companhia
considerar aqui que essas empresas “sujas” que também tem a função de estimular
empregam pessoas e tem fornecedores. as melhores práticas entre as empresas
Ou seja, como promover a agenda ambien- listadas. Neste sentido, temos uma política
tal sem impactar o lado social? A visão estra- de sustentabilidade, aprovada pelo nosso
tégica do conselho, mais uma vez, é decisiva Conselho de Administração, alinhada com
no apoio a esses dilemas corporativos. os princípios estratégicos da companhia e
que tem por objetivo formalizar e orientar
Outro importante exemplo do impacto da diretrizes de atuação no tema. A política é
agenda ESG no negócio é a indústria de estruturada em quatro pilares – mercado,
seguros, que praticamente teve que se ambiental, social e governança corporativa.
reinventar para responder a eventos nunca
antes vistos. Em 2005, o Furacão Katrina Outra parte deste trabalho se reflete nos
trouxe a percepção da urgência do trato índices criados pela companhia, como o
destas questões. Por isso, em 2012, durante Índice de Ações com Governança Corpora-
a Rio+20, Conferência das Nações Unidas tiva Diferenciada (IGC), criado em 2001, o
sobre Desenvolvimento Sustentável, rea- Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE)
lizada no Rio de Janeiro, foram lançados e o Índice de Ações com Tag Along Dife-
no âmbito da ONU o PSI – Princípios para renciado (Itag) criados em 2005; e o Índice
a Sustentabilidade em Seguros, que hoje Carbono Eficiente (ICO2), lançado em 2010.
conta com 55 signatários, sendo 11 brasilei- Em 2011, lançamos o Índice de Governança
ros, com mais de US 14 trilhões em ativos. Corporativa Trade (IGCT) e no ano seguinte,
Sim, era imperativo reagir. Afinal, catástrofes o Índice de Governança Corporativa – Novo
climáticas resultaram em perdas financeiras Mercado (IGC-NM).
estimadas em 1,9 bilhão de dólares entre
1995 e 2015 segundo o The Human Cost of Todos esses compromissos têm por base
Weather Related Disasters, Relatório do Escri- a certeza da direção: estamos caminhando
tório das Nações Unidas para a Redução do para um mundo que considerará as variáveis
Risco de Catástrofes (UNISDR). sociais, ambientais e de governança como
parte integrante dos seus riscos e oportu-
Diante deste cenário, as bolsas, como cora- nidades, assim como já ocorre na agenda
ção do mercado de capitais, têm um papel econômica. E este mundo não acontecerá
fundamental em todo este movimento. A B3 plena e rapidamente sem o envolvimento da
sabe de sua responsabilidade e tem histori- mais alta liderança das companhias, ou seja,
camente se dedicado a praticar esta agenda de seus Conselhos de Administração.
e fomentar esta discussão no mercado.
Em 2004, foi a primeira bolsa do mundo a
aderir ao Pacto Global da ONU. Em 2010, foi Sonia Favaretto
a primeira bolsa de mercados emergentes a Diretora de Imprensa, Sustentabilidade,
Comunicação e Investimento Social da B3
se tornar signatária do PRI - Princípios para
o Investimento Responsável, também da
ONU. Em 2012, durante a Rio+20, se tornou
signatária fundadora de outro compromisso
das Nações Unidas, o “SSE - Sustainable Sto-
ck Exchanges”, onde atua com outras bolsas
para avanço da indústria nestas questões.
Em 2012, foi indicada juntamente com a

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Investimento Responsável: uma jornada


baseada em governança corporativa
Quando as regras não bastam é preciso pensar fora da caixa, sair da zona de conforto
e modificar o modelo de negócio
Tatiana Assali e Michelle Vargas

Os investimentos responsáveis deixaram de


ser apenas um conceito abstrato para fundos
de pensão, gestoras e empresas e, há algum
tempo, já têm mostrado sua importância e im-
pacto no mercado. Os números não mentem:
somente nos Estados Unidos, de acordo com
relatório 2016 do The Forum for Sustainable
and Responsible Investment, cerca de US$8.72
tri de ativos foram investidos com base na
integração ASG (Ambiental, Social e Governan-
ça). O vizinho Canadá também não fica atrás:
a Responsible Investment Association divulgou o
total de US$1.05 tri, valor aumentado em 49%
de 2014 até o final de 2016.

Mas, afinal, o que são os investimentos res-


ponsáveis na prática? Trata-se de investimen-
tos de longo prazo, com foco em mitigação
de risco e maior oportunidade de lucro ao
integrar as questões ASG (ambientais, sociais
e de governança) seja na estratégia de negó-
cios, na operação e na oferta de produtos e
serviços – quando se fala de companhias. Seja
na inclusão de fatores ASG nos modelos exis-
tentes para entender melhor o perfil de risco,
avaliação de oportunidades, desempenho e
perspectivas de criação de valor potencial de
uma empresa – da ótica dos investidores. decisão de investimentos, engajamento com
as empresas investidas, suporte ao desen-
Neste cenário, com a missão de criar um volvimento de políticas de investimentos,
mercado de capitais sustentável, surgiu o relacionamento com órgãos reguladores e
PRI – Principles for Responsible Investment. associações de classe.
A organização foi criada em 2006, com
respaldo da ONU, para fomentar a inte- Já, a rede global conta com mais de 1700
gração dos fatores ambientais, sociais e de signatários que somam aproximadamente
governança corporativa (ASG) nas análises US$70 trilhões. Estes números demostram
e decisões de investimento e apoiar sua a importância do tema e reforçam que o
rede internacional de signatários de investi- investimento responsável é uma tendência,
dores nessa jornada rumo ao investimento não diminui o universo de investimentos,
responsável. Atualmente, o Brasil possui melhora os processos de análise de riscos
46 signatários que formam, desde 2008, e está em linha com o dever fiduciário -
uma rede colaborativa fomentando deba- além de contribuir para melhorar o meio
tes e geração de conhecimento relativos à ambiente, a sociedade e as práticas de
integração das questões ASG à tomada de gestão dentro das empresas.

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Embora muito se leia sobre o social e financiar investimentos sustentáveis e pro-


ambiental quando se fala de investimen- jetos capazes de reduzir emissões de CO2 e
to responsável, a questão da governança o consumo de água, energia e matérias-pri-
corporativa, especialmente no Brasil, tem mas, cujo saldo atual é de US$118 bilhões.
ganhado destaque depois de acontecimen- Outros modelos de negócios também estão
tos recentes. Antes de 1990, as discussões surgindo na filantropia; projetos de investi-
sobre as melhores práticas para administrar mento sustentáveis, locais ou de impacto,
companhias não eram fator decisivo para influenciando a estratégia corporativa por
os negócios. Contudo, hoje é sabido que meio de ativismo de acionistas ou investin-
boas práticas de gestão melhoram o rela- do em empreendedorismo social.
cionamento com auditoria, conselho fiscal;
traz o equilíbrio das partes interessadas A mudança gradual na economia global
(stakeholders) e preserva valores e susten- impõe que a responsabilidade ambiental,
tabilidade das organizações, contribuindo boas práticas de governança corporativa,
para aumentar a credibilidade da empresa transparência nos processos e engajamento
e seu desempenho de longo prazo. A boa ativo com stakeholders estejam à frente do
governança não tem por finalidade melho- pensamento de lucro a curto prazo. A ver-
rar a imagem e a credibilidade da empresa dade dura e crua é que empresas e inves-
somente, ela objetiva aumentar o valor da tidores que não analisarem os fatores ASG
organização, facilitar seu acesso a recursos em seus negócios e investimentos, terão
e contribuir para sua perenidade. grandes dificuldades em permanecer nesse
novo mercado que surge.
O Guia da Sustentabilidade para Empresas,
do próprio IBGC, coloca a importância das
questões ASG no posicionamento estraté- Tatiana Assali
gico de longo prazo, considerando estes tatiana.assali@unpri.org
aspectos como decisivos para geração de Responsável pela América Latina no PRI
valor econômico e de mercado. Um estudo desde outubro de 2014
do Instituto Morgan Stanley, com foco em Michelle Derubins Vargas
investimento responsável, publicado em michelle.vargas@unpri.org
abril de 2015, também concluiu que investir Integra a equipe do PRI na América Latina
em sustentabilidade geralmente alcançou, desde setembro de 2015
e muitas vezes excedeu, o desempenho de
investimentos tradicionais quando compara-
dos os resultados.

Em 2016, o PRI lançou “Um guia prático


para a integração ESG para investimentos
em renda variável”, uma publicação que
tem como intuito orientar os investidores
na implementação das questões ASG em
seu processo de investimento e como ela
funcionaria na prática. No momento em que
a integração ASG é incorporada, tanto na
análise de investimento, quanto no modelo
de negócio das empresas, é possível reco-
nhecer novas oportunidades.

Existem projetos de alto impacto para


investir e desenvolver, incluindo uma nova
geração de tecnologias limpas, energia
renovável, tecnologia de economia de água
e títulos verdes, os green bonds – títulos de
dívidas que só podem ser utilizados para

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Um potencial inexplorado
Rachel Biderman

O terceiro setor e o mundo corporativo


encontram-se pouco na área ambiental em
processos construtivos e de vanguarda. Histo-
ricamente, houve mais confronto de visões do
que de aproximação. Há, no entanto, inicia-
tivas que merecem ser destacadas, como os
bons exemplos em que esse encontro é vir-
tuoso e pode ajudar a fazer avançar a agenda
ambiental, econômica e social do país. Devem
servir de modelo para um diálogo transeto-
rial, multidisciplinar e de apoio ao avanço da
economia e democracia no Brasil.

No passado, foi criado o Fórum pela Ama-


zônia Sustentável (FAS), que construiu a
agenda de desenvolvimento sustentável
para a Amazônia, a maior floresta tropical do
planeta. O pacto entre as instituições cresceu
até certo ponto, mas não permitiu grandes
avanços. Também existiu grande cooperação
no âmbito do Fórum Brasileiro de Mudanças
Climáticas (FBMC). O fórum foi fundado no
início do milênio.

Um espaço mais recente é a Coalizão Brasil


Clima, Florestas e Agricultura. O movimento
começou a ser articulado no fim de 2014 e
foi oficialmente lançado em junho de 2015.
A Coalizão reúne empresas, associações em- a partir do estado de conhecimento e no
presariais, organizações não-governamentais, âmbito da urgência do desafio climático, não
redes de ONGs e representantes da academia ocorre sem tensões. A ação transformadora
que apoiam a construção de uma economia requer paciência, dedicação, diálogo e boa co-
moderna e alinhada aos Objetivos de Desen- municação, e sobretudo, um bom modelo de
volvimento Sustentável (ODS) das Nações governança. A Coalizão tem mostrado ser um
Unidas no setor rural - incluíndo as atividades espaço rico para debates, mas também tem
da agricultura, pecuária e silvicultura. sido um palco de enfrentamentos - principal-
mente quando se instala no país uma crise
Em dois anos, o movimento obteve grandes de governança política e avançam agendas
conquistas e posicionou-se publicamente em retrógradas em matéria ambiental. Com boa
temas urgentes que requerem pró-atividade governança, transparência, sabedoria e visão
do setor produtivo e da sociedade civil orga- de longo prazo, esses espaços se sustentam
nizada. A Coalizão construiu uma governança e podem até introduzir e patrocinar temas
participativa e um diálogo aberto, que tem relevantes para o país, como é o caso da
permitido seu constante aprimoramento. E tor- implementação do novo Código Florestal (Lei
nou-se referência para formadores de opinião 12.651/2012) e do Acordo de Clima de Paris.
e tomadores de decisão no Brasil e no exterior. Mas se não houver transparência e clareza de
papeis e processos de decisão criados coleti-
O encontro entre setor produtivo e a socieda- vamente, os conflitos se instalam e os avanços
de civil na construção de uma visão comum não ocorrem, o que prejudica o país.

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A competitividade brasileira e seu destaque


como potência econômica a partir de uma
base de recursos naturais constituem um
aspecto inexplorado da relação entre terceiro
setor ambiental e o mundo empresarial. Se os
líderes desses setores atentarem para isso,
perceberão o potencial inexplorado dessa
parceria e que unidos poderão gerar modelos
de negócios de sucesso, promover a geração
de empregos, proporcionar ganhos financei-
ros e proteger a natureza simultaneamente.
Esse pode ser um grande legado do Brasil
para a humanidade e o planeta.

A alta gestão das empresas deve atentar


a esses desafios para garantir que nas
diferentes instâncias de sua governança
haja compromisso real com o desenvolvi-
mento sustentável. O olhar de longo prazo
deve passar a orientar a tomada de deci-
são, para garantir produtividade e retorno
financeiro, que dependem intrinsicamente
da saúde do capital natural e humano.
Além disso, hoje se faz urgente um com-
promisso real com a governabilidade do
país, que dependerá de pro-atividade das
lideranças empresariais. Todas as agendas,
política, econômica, social, ambiental, estão
umbilicalmente conectadas, sendo funda-
mental a auto-convocação das lideranças
de hoje para a construção da economia do
amanhã num país tão rico como é o Brasil.

Rachel Biderman
Diretora-executiva do WRI Brasil

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Tendências na gestão empresarial


frente às mudanças climáticas: riscos
e oportunidades
Camila Araújo, Rodolpho Simas e Ana Lia Touso

Desde 2011, o World Economic Forum vem com o objetivo de aprimorar a avaliação
reportando na sua publicação The Global de vulnerabilidade e riscos associados à mu-
Risk Report, os riscos relacionados às mu- dança do clima. Nesse contexto, as bases
danças do clima como uma das principais científicas – mais robustas e atualizadas –
ameaças globais aos negócios. Em sua 12ª passam a compor os fundamentos e diretri-
edição, publicada em janeiro deste ano e ela- zes para avaliações periódicas não somente
borada com base na opinião de quase 750 a respeito das mudanças climáticas, mas
participantes entre executivos de empresas, também sobre seus impactos, riscos e for-
representantes governamentais, academia, mas de mitigação.
ONGs, organizações internacionais e espe-
cialistas, mostrou que os eventos climáticos Expostas aos riscos das mudanças do clima
extremos se encontram no topo da lista dos e sua potencial materialização – seja com a
maiores riscos para o meio empresarial. perda do valor econômico de ativos, danos a
Tal cenário aponta para a necessidade de propriedades por eventos extremos, multas
se desenvolverem soluções compartilhadas, decorrentes de não atendimento às exigências
reconhecendo o papel dos diversos setores legais e regulamentações de mercado, dentre
empresariais na gestão mais responsável e outros – um número cada vez maior de empre-
responsiva ao risco global. sas busca meios de adaptação considerando
o risco climático que ameaça a perenidade e
Diante de uma ameaça real para a econo- sustentabilidade dos seus negócios.
mia, as mudanças climáticas estão impulsio-
nando as empresas para o desenvolvimento Tais riscos passam a ter maior importância
de metas Science Based Targets (SBTs) e e atenção do mercado global após o lança-
ferramentas analíticas (climate analytics) mento, em junho deste ano, do relatório do

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Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na GEE, já que podem incentivar o aumento de


sigla em inglês) com recomendações sobre investimentos em pesquisa visando o desen-
como as empresas podem relatar os riscos volvimento de meios de produção e novas
e oportunidades relacionadas às questões tecnologias menos “carbono-intensivas”.
climáticas. Logo após em o Acordo de Paris
ter sido assinado dezembro de 2015, o Importante pontuar que, para minimizar os
FSB, órgão ligado ao G20, estabeleceu uma potenciais impactos relativos aos riscos cli-
Força Tarefa (Task Force on Climate-related máticos, as empresas devem, primeiramente,
Financial Disclosure – TCFD) que elaborou compreendê-los segundo suas especificida-
este relatório, o qual apresenta uma série de des para, então, incorporar controles à gestão
recomendações e ações voluntárias a orga- de riscos empresarial. Apesar dos compromis-
nizações de diferentes setores sobre a forma sos já assumidos pelo setor financeiro, vale
de relatar riscos e oportunidades climáticas destacar que há um longo caminho na busca
em seus relatórios financeiros. da efetiva gestão dos riscos climáticos.

Se implementadas, as recomendações Neste momento, questiona-se a maturidade


resultarão em maior transparência na das estratégias empresariais, que necessitam
divulgação dos atuais e potencias impactos efetiva absorção das questões de sustentabi-
financeiros relacionados aos riscos e opor- lidade. O que pode-se afirmar com seguran-
tunidades climáticas, desafiando também ça é que a resposta das organizações diante
os conselhos de administração, os quais dos efeitos das mudanças climáticas em seus
passarão a considerar a governança climá- negócios requer uma estratégia disruptiva de
tica como nova pauta das suas decisões de gestão de riscos.
risco e diretrizes de negócio. Globalmente,
onze instituições financeiras (Itaú, Bradesco,
ANZ, Barclays, Citi, National Australia Bank, Camila Araújo
Royal Bank of Canada, Santander, Standard Sócia da área de Risk Advisory da Deloitte
Chartered, TD Bank Group e UBS), que re-
presentam 7 trilhões de dólares em ativos,
já adotaram as recomendações do TCFD na Rodolpho Simas
busca por uma gestão mais eficaz e mais Gerente de Risk Advisory da Deloitte,
especialista em serviços de sustentabilidade
transparente, o que poderá impulsionar as
empresas a assumirem o compromisso da Ana Lia Touso
divulgação mais clara e precisa sobre os Gerente de Risk Advisory da Deloitte,
aspectos que as impactam, além dos meios especialista em serviços de sustentabilidade
de mitigação e oportunidades de negócio
nas ações pelo clima. Colaboraram: Marcos Takaoka, Luciana Neves e Rafael
Gulla, consultores especialistas em sustentabilidade
No Brasil, após o governo federal ter firmado
um acordo global desafiador para o avan-
ço no combate às mudanças do clima – se
comprometendo a reduzir 37% das emissões
de gases de efeito estufa (GEE) até 2025 e
43% até 2030, em relação aos níveis de 2005
— observamos a mobilização de diversos
setores empresariais para tratar tendências e
antecipar futuras tributações mandatórias, e
assim, incorporarem um novo direcionamento
na cadeia de valor que poderá impactar positi-
vamente os resultados dos negócios. Nesse
sentido, os sistemas de precificação de carbo-
no vêm sendo discutidos e considerados pelo
governo brasileiro como importantes meca-
nismos para a promoção da redução de gases

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