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O c usto d a violênc ia m ora l no tra b a lho

Silmara Cimbalista*

Este texto trata, de forma breve, da violência moral seus subordinados ou seus pares, constituindo uma
nos locais de trabalho e sob que condições ocorre em experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e
diversos segmentos, seja no comércio, seja na indústria emocionais para o trabalhador e a organização, e se reflete
ou nos serviços, estejam eles vinculados à iniciativa na vida social do indivíduo.
privada ou ao setor público. Objetiva-se subsidiar a Normalmente, o indivíduo assediado é escolhido
reflexão e a análise crítica das práticas de degradação e, muitas vezes, isolado do grupo sem explicações,
moral que ocorrem no ambiente laboral e suas passando a ser hostilizado, ridicularizado, inferiorizado,
conseqüências nas relações de trabalho, que causam culpado e desacreditado diante dos seus pares. Vários
danos tanto ao indivíduo como à empresa. elementos se associam ao assediado: o medo do
Costuma-se dizer que a discussão sobre assédio desemprego, por exemplo, e a vergonha de ser humilhado.
moral é nova, mas o fenômeno é tão antigo como o próprio Estes, associados ao estímulo constante à competitivi-
trabalho. Atualmente, a violência moral é observada e pes- dade, rompem os laços afetivos do assediado com seus
quisada em nível mundial pela Organização Internacional colegas e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam
do Trabalho (OIT) em diversos países. ações e atos do agressor no ambiente de trabalho,
Demonstrando perspectivas sombrias para as instaurando o “pacto da tolerância e do silêncio” no
próximas duas décadas, pesquisa realizada pela OIT1 coletivo, enquanto o assediado vai gradativamente se
desestabilizando, fragilizando, perdendo sua auto-estima
apontou resultados para o que se considerou um reflexo
e sentindo-se desconectado do grupo ou dos pares.
do “mal-estar da globalização”, dentre os quais predo-
Apesar de a agressão física no trabalho ter
minarão depressões, angústias e outros danos psíquicos,
desaparecido no decorrer do tempo, surge a humilhação
relacionados com políticas de gestão da organização
por meio do assédio moral como uma forma de atingir o
do trabalho, hoje flexibilizada. O balanço realizado
bem-estar do trabalhador. As transformações na
adverte que a violência psíquica tem aumentado no
organização do trabalho neste novo século prevêem a
mundo todo, e que aceitá-la como normal é torná-la ainda
sua intensificação e mudanças no modelo de produtivi-
mais violenta.
dade dos trabalhadores.
O assunto tornou-se tão grave que, num curto
Nas últimas décadas do século XX, o assédio
espaço de tempo, tem sido tratado simultaneamente nos
tornou-se mais evidente, devido à redução de postos
meios acadêmicos, jornalísticos, políticos, organizacionais,
de trabalho e ao risco constante de perda do emprego,
sindicais, médicos e jurídicos. No Brasil, os primeiros textos
à ênfase na produtividade e na competitividade,
chegaram em 2001 por meio da obra de Marie-France
tornando as relações de trabalho estressantes e
Hirigoyen, especialista em vitimologia, que em 1999 levou
fragilizadas, exigindo atitudes individuais pautadas no
o tema ao debate na França. Hoje já se pode encontrar desempenho desejado por um mercado a cada dia mais
alguns autores que pesquisaram e estudam o tema sob os exigente e competitivo.
prismas psicológico, organizacional ou jurídico. Como fenômeno nas organizações e na vida em
Conceitualmente, a violência moral no ambiente sociedade, o individualismo reafirma, no novo formato
de trabalho é denominada assédio moral, que ocorre de trabalho flexibilizado deste século, atitudes competitivas
quando trabalhadores são expostos a situações e agressivas por parte do trabalhador, que são um
humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas,
comportamento desejável dentro dessa cultura, tendo em
durante a jornada de trabalho e no exercício de suas
vista a manutenção do posto de trabalho. Estar apto para
funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas
o desempenho das funções e manter-se empregado são
autoritárias e assimétricas, nas quais predominam
elementos de busca incessante no trabalho flexível.
atitudes desumanas e aéticas de longa duração, de
chefes ou colegas, dirigidas a um ou mais subordinados
ou colegas, comprometendo a relação do indivíduo com
o ambiente de trabalho e a organização.
* Pedagoga, técnica da equipe permanente desta
O assédio moral caracteriza-se pela degradação publicação, doutora em Ciências Humanas pela Universidade
deliberada das condições de trabalho, em que prevalecem Federal de Santa Catarina (UFSC), professora da UNIFAE –
condutas negativas de colegas ou chefes em relação a Centro Universitário Franciscano – FAE Business School.

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Enquanto as relações entre os indivíduos nas maiores custos para reposição de pessoal, perda ou
organizações pautam-se mais pelo aspecto legal que danos em equipamentos devido à desconcentração,
pelo moral, o convívio social diário não pode subsistir queda na produtividade em função do baixo moral do
sem que a instância moral exerça sua parte de controle indivíduo perante seu grupo e da qualidade do clima
no comportamento e nas atitudes dos indivíduos. organizacional, custos judiciais quando das indenizações
Nesse sentido, a cultura da organização é um e reforço ao comportamento negativo dos indivíduos
elemento que sobressai na gestão e nas relações de perante a impunidade.
trabalho, pois, por um lado, fornece as diretrizes para a Para a empresa, as perdas podem ser muitas, e
permissividade ou não, cria regras, impõe normas de os danos, irreparáveis, como no quesito imagem, por
conduta e, por outro, fomenta comportamentos e atitudes exemplo, ou na eventual desvalorização da marca em
que apelam para a consciência de cada “colaborador” virtude dos processos em tribunais, na mídia, assim como
criando um clima desfavorável, conforme a conveniência, na redução de atrativos de recrutamento de pessoal em
o que pode gerar conflitos entre pares. virtude da exposição negativa do nome da empresa.
Como fenômeno, o assédio vem sendo reconhe- Como um problema social, o assédio tem sido
cido como destruidor do trabalho, pois reduz a produtivi- ignorado e, conseqüentemente, vem se pagando um
dade, favorece o absenteísmo, a rotatividade e a preço alto, como o aumento do número de acidentes,
demissão de trabalhadores por desgaste psicológico e nos vários segmentos de trabalho, devido à desatenção,
debilidade física. ao nervosismo, ao excesso de pressão e responsabili-
No Brasil, historicamente o assédio possui raízes zação, incapacitando precocemente profissionais,
patriarcais, pois a humilhação vivida por negros e índios muitas vezes extremamente jovens, destruindo a vida
realizada pelos colonizadores, que se consideravam pessoal e profissional.
superiores e se aproveitavam da suposta superioridade Outro custo socioeconômico do assédio encontra-
militar, cultural e econômica, visava impingir sua visão se no aumento de despesas médicas e benefícios
de mundo, religião e costumes. previdenciários, como licenças, hospitalizações,
De forma peculiar e crítica, o assédio está relacio- remédios subsidiados e longos tratamentos médicos,
nado às disputas de poder e competitividade. Dos vários aposentadorias precoces, bem como o desaparecimento
estudos sobre o tema, os realizados por Heloani (2004), dos investimentos na formação, qualificação e estudo,
Fiorelli (2007) e Freitas (2008) relacionam o assédio às ou seja, o investimento social se desfaz.
atuais demandas organizacionais que têm trazido para o O custo do potencial produtivo se deteriora: um
ambiente de trabalho novas relações interpessoais, dife- trabalhador afastado por invalidez ou devido à redução
rentes políticas de gestão, mudança às novas exigências de seu potencial para o trabalho é um ônus elevado a
quanto ao perfil do trabalhador, requerendo maior produti- ser pago, e quem paga a conta é a sociedade. Questões
vidade e adequação permanente. de natureza médica e trabalhista agregam-se aos custos
Desvinculando o assédio da questão eminen- judiciais em causas que poderiam ser evitadas caso o
temente individual, em que um indivíduo submete o outro assédio moral fosse evitado no ambiente de trabalho.
e lhe causa algum tipo de mal, promovendo problemas O custo econômico desse tipo de violência está
de saúde ou até a perda do emprego, acredita-se que as também diretamente relacionado a processos inde-
conseqüências desse tipo de violência são mais amplas, nizatórios movidos pela vítima contra a empresa e são
complexas e graves. Como fenômeno, pode ser analisado certamente repassados a custos e preços, pois é usual
sob os pontos de vista individual, organizacional e social, o repasse das margens de lucro para ajustar custos
entretanto seus prejuízos e impactos podem ser postos jurídicos ou financeiros.
em diferentes graus e sobreposições. Inerentes ao exposto sobre a violência moral no
No plano individual, o assédio acomete o sujeito trabalho, conclui-se que os infortúnios que ocorrem no
atingindo sua personalidade, sua identidade e sua auto- mundo do trabalho da era digital encontram exemplos
estima, gerando desordens na vida social, afetiva, psíquica, nos mais distintos ramos de atividades existentes em
profissional e familiar, provocando vários tipos de nível mundial, seja no ramo dos trabalhadores de fast
problemas de saúde, principalmente os psicossomáticos, food, no das(os) atendentes de call centers, no dos
que desestabilizam a vida pessoal e no trabalho pro- imigrantes que trocam de países pelo mundo em busca
fissional, induzindo muitas vezes a cometer erros no de um posto de trabalho para sobreviver, sendo muitas
desempenho de suas funções e, desse modo, colocando vezes escravizados em oficinas, pequenas indústrias
em risco o emprego. de costura ou no agronegócio.
Os efeitos causados pelo assédio são a falta de Há, também, outros veios da nova formatação
concentração, sentimento de nulidade e de injustiça, do trabalho, como os terceirizados da indústria e dos
apatia, pensamentos destrutivos, depressão, tentativa de serviços, considerados o novo proletariado; os gerentes
suicídio e afastamento do trabalho, que podem tornar o e técnicos que se suicidam, como no caso ocorrido
indivíduo mais susceptível ao uso de drogas e álcool, que recentemente na Renault francesa; o karoshi, exemplo
gradativamente o destrói. japonês de morte por excesso de trabalho; os assala-
No contexto organizacional, as conseqüências são riados part time em expansão ou ao ciberproletariado,
inúmeras, tais como: afastamento por acidentes de que atua no espaço digital e vive o derretimento e a liquidez
trabalho ou doenças, absenteísmo, turnover promovendo da contratação do trabalho, considerado coisa do

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passado pela desenfreada competitividade destrutiva que não se torne perigoso à vida e à saúde dos seus tra-
global que os envolve. balhadores. A defesa de um ambiente seguro e com boas
Em grande parte, esses trabalhadores, em todas condições é um direito inerente a todos que trabalham.
essas modalidades e pelo tipo de trabalho desenvolvido, O relatório de recomendações práticas sobre
pelas formas ou pela falta de contratação formal, são violência e estresse no trabalho como uma ameaça para
assujeitados a diversos tipos de assédio, humilhações a produtividade e o trabalho decente elaborado pela
e maus-tratos; em outras palavras, o indivíduo, em nome OIT deveriam servir de guias para as ações nas
da sobrevivência, por almejar uma vida digna, ter um empresas, levando-se em consideração as sugestões
trabalho assalariado, mesmo que muitas vezes precário, dos trabalhadores, pois a questão do combate ao
sem direitos sociais garantidos, tem sua subjetividade assédio moral no local de trabalho passa por ampla
apropriada pelos descaminhos que o trabalho se tornou. sensibilização de todos, da presidência ao chão de
Em contrapartida às sérias condições organizacio- fábrica, estimulando uma cultura de respeito e trabalho
nais que fomentam o assédio moral, vale ressaltar que é digno, fortalecendo a cooperação que elimina distorções
obrigação do empregador fornecer um local de trabalho e atos de intolerância e violência no trabalho.

Notas
1
CHAPPELL, Duncan; DI MARTINO, Vittorio. Violence at work. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/english/protection/
safework/violence/violwk/violwk.pdf>. Acesso em: 07/04/2008.
2
FIORELLI, José Osmir et al. Assédio moral: uma visão multidisciplinar. São Paulo: LTr, 2007.
3
FREITAS, Maria Ester de et al. Assédio moral no trabalho. São Paulo: Censage Learning, 2008.
4
HELOANI, José Roberto. Assédio moral: um ensaio sobre a expropriação da dignidade no trabalho. RAE-Eletrônica,
São Paulo, v. 3, n. 1, art.10, jan./jun., 2004. Disponível em: <http://www.rae.com.br/eletronica/index.cfm?FuseAction=Artigo&ID=
1915&Secao=PENSATA&Volume=3&Numero=1&Ano=2004>. Acesso em: 15/04/2008.

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