CARVALHO, A. M. P. et al. Pressupostos epistemológicos para a pesquisa em ensino de
ciências. Cadernos de Pesquisa, v. 82, p. 85-89, 1992. Disponível em: http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/cp/article/view/985/995
O presente artigo utiliza-se da teoria piagetina da equilibração como instrumento
de referencia consistente para o enfrentamento das concepções pré-científicas dos alunos. Portanto, examina aspectos da construção do conhecimento cientifico pelo aluno, discutindo a função do professor nesse processo. Percebe-se que nos últimos anos houve um aumento de trabalhos que levantam concepções dos estudantes acerca de determinados conteúdos a fim de entender o papel que elas desempenham na construção do conhecimento cientifico. Essas concepções são chamadas de alternativas, diferem das concepções aceitas pela comunidade cientifica, são resistentes à instrução. Assim, o fracasso do ensino em mudar tais concepções parece indicar uma perspectiva construtivista de ensino e aprendizagem, revelando que o conhecimento não é simplesmente transmitido ou revelado, mas construído pelo próprio sujeito a partir de vagas noções que evoluem de acordo com as possibilidades desse sujeito. Muitas razões têm sido um estímulo importante para realizar pesquisa educacional relacionada com conceitos ou concepções cientificas e concepções alternativas. Certamente, entre essas razões, podemos considerar a de que esses conceitos e suas relações exercem um papel essencial na aprendizagem. Isto tem despertado diversos pesquisadores que vêm se dedicando incansavelmente à busca de estratégias instrucionais que levem em conta o que os alunos pensam como percebem e compreendem os fenômenos que vão se estudados. A autora traz uma explicação sobre a construção do conhecimento segundo a Teoria da Equilibração Piagetiana. Trata-se de apresentar o processo de aquisição de novos conhecimentos como um processo de equilibração cognitiva que, de certa forma, obriga os seres vivos a assimilar as informações vindas do mundo externo acomodando- as em estruturas mentais que são forjadas justamente para refletir este mundo. Nesse sentido, todo individuo possui um sistema cognitivo que funciona por um processo de adaptação que é perturbado por conflitos e lacunas, ocasionando uma reequilibração através de três fases de compensações: alfa, beta e gama. No comportamento alfa, prevalece a tendência de neutralizar a perturbação. Esta maneira de restaurar o equilíbrio só é parcialmente compensadora e o equilíbrio é, pois, frágil e instável e será facilmente perturbado. No comportamento beta, a uma busca pela perturbação no sistema, sem ignorá-lo, mas criando teorias especificas para explicá-la. E no terceiro comportamento há uma reorganização iniciada em beta e completada no comportamento gama, que consiste em antecipar por previsão ou dedução as variações possíveis. Fica claro um progresso sistemático nesses comportamentos e qualquer deles pode levar ao novo estado de equilíbrio entre os processos de assimilação e acomodação. Nessa visão de explicar como o conhecimento progride, o estado conflitual constitui o motor, desempenhando o papel de mola propulsora. A ultrapassagem desse estado, ou seja, a reequilibração predominante é a real fonte de progresso. A ideia acima parece ter inspirado várias propostas de ensino na linha construtivista, que lançam mão da estratégia de conflito cognitivo. Nessa perspectiva, o aluno aprende naturalmente se suas ideias prévias sobre determinado fenômeno são colocadas em conflito com observáveis, ou seja, se suas previsões ou antecipações teóricas são contrariadas por resultados experimentais. Diante dessa realidade para se construir atividades de ensino baseada na teoria da reequilibração, deve-se levar em conta que as perturbações podem ser de dois tipos: conflitivas ou lacunares. A primeira contraria as expectativas e implicam em correções, factíveis apenas a partir de analises da contradição. A segunda ocorre quando, em certa situação, faltam, objetos ou condições que seriam necessários para realizar uma ação, ou ainda, quando não se têm informações. A autora chama a atenção para uma proposta ainda pautada na perspectiva construtivista, que seria a distinção entre o conhecimento lógico-matemático e o conhecimento físico. A estrutura lógico-matemático resulta da interação sujeito-objeto, através dos mecanismos de assimilação-acomodação, internas aos sujeitos, que são utilizadas na construção de um conhecimento do mundo físico, externo ao sujeito. Quando o sujeito descobre regularidades no mundo físico e consegue aplicar- lhes uma relação lógico-matemática, ele constrói, na visão da autora, Leis, que exprimem relações passíveis de repetição entre fatos, constituindo um amplo domínio da legalidade. Desta forma, ao procurar o porquê da ocorrência de algum fenômeno ou o porquê existência de leis, o sujeito terá que construir um sistema de relações que apenas apresenta uma aparência em relação à realidade física, não se confundindo com ela. É, portanto, primordial que os professores saibam reconhecer e respeitar as dificuldades da construção do conhecimento cientifico, pois assim, eles poderão tornar esse conhecimento mais possível e acessível de ser reconstruído .